Download - Dimensionamento hospitalar
Apresentação
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Projetos de Apoio ao desenvolvimento institucional do
SUS
Dimensionamento de número de leitos e
tipologia hospitalar: o desafio de fazer as
perguntas certas e de construir suas
respostas
Equipe técnica
Armando De Negri Filho
Zilda Barbosa
Tatiana Yonekura
São Paulo
2012
Apresentação
2
Sumário
Apresentação ......................................................................................................................................... 3
Objetivos ................................................................................................................................................ 4
Objetivo Geral .................................................................................................................................... 4
Objetivos específicos .......................................................................................................................... 4
Procedimento Metodológico................................................................................................................. 5
Introdução ............................................................................................................................................. 7
Conceitos ............................................................................................................................................ 7
Formas de classificação hospitalar ................................................................................................... 10
O Hospital: breve histórico e papel na atenção integral à saúde ..................................................... 12
Panorama internacional ...................................................................................................................... 22
Austrália ........................................................................................................................................... 24
Canadá ............................................................................................................................................. 27
Espanha ............................................................................................................................................ 30
França ............................................................................................................................................... 33
Reino Unido da Grã-Bretanha - Inglaterra ........................................................................................ 36
Panorama nacional .............................................................................................................................. 42
Crise ..................................................................................................................................................... 56
Cenário Internacional ....................................................................................................................... 56
Cenário Nacional .............................................................................................................................. 65
Financiamento ..................................................................................................................................... 79
Tipologia hospitalar ............................................................................................................................. 81
Número de leitos ................................................................................................................................. 83
Conclusões ........................................................................................................................................... 91
Quanto ao dimensionamento do número de leitos ......................................................................... 91
Quanto à tipologia hospitalar ........................................................................................................... 94
Recomendações ................................................................................................................................... 96
Referências bibliográficas .................................................................................................................... 97
Apresentação
3
Apresentação
Existe uma crise de acesso e qualidade na atenção hospitalar no SUS, que
apresenta uma infraestrutura envelhecida, uma oferta insuficiente ao volume e natureza
complexa crescente das demandas e o paradoxo da oferta hospitalar ser ociosa em muitos
estabelecimentos, pois ai carece de qualidade resolutiva enquanto outros, com maior
capacidade, operam com uma grande sobrecarga.
É impositivo que façamos um esforço de reforma hospitalar no âmbito do SUS como
outros sistemas universais tiveram que realizar no transcurso do seu desenvolvimento
histórico, levando em conta o grave e exigente contexto brasileiro, que apresenta uma
transição epidemiológica polarizada e prolongada como reflexo de seu padrão desigual de
desenvolvimento, associada a uma transição demográfica acelerada, resultando em uma
demanda de grande volume e complexa em sua diversidade.
Construir modelos conceituais de hospitais conforme a natureza da atenção às
necessidades exige desenvolver concomitantemente pelo menos três tipologias: para
pacientes agudos, eletivos e crônicos (de longa permanência e uma diversidade de
necessidades derivadas de suas dependências que vão do hospital dia até os cuidados
paliativos e terminais), mediante a projeção de linhas de atenção populacionais e definição
de suas escalas de complexidade.
Para poder elaborar propostas de planos diretores em um contexto de reforma do
sistema hospitalar brasileiro será necessário simular essas tipologias em modelos de
suficiência de atenção projetadas em territórios/populações com caráter prospectivo.
A revisão da literatura, a organização e análise de dados sobre a capacidade
hospitalar existente e sua classificação tipológica serão insumos fundamentais para o
desenvolvimento das etapas 2012 – 2014.
O texto abaixo sintetiza o estudo realizado no segundo semestre de 2011, no escopo
do Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde –
PROADI-SUS, intitulado “Construção de parâmetros técnicos para o debate de uma reforma
hospitalar no SUS” e pretende subsidiar e fomentar questões que serão aprofundadas no
próximo triênio (2012-2014) com o projeto “Apoio para a elaboração das bases para um
plano diretor de hospitais do Brasil, com capítulos por Estado”.
Objetivos
4
Objetivos
Objetivo Geral
Identificar parâmetros de dimensionamento de número de leitos e formas de
organização e tipologia hospitalar em relação às necessidades de pacientes agudos,
eletivos ou crônicos.
Objetivos específicos
Conhecer o desenvolvimento e cenário atual da atenção à saúde e, em especial, da
atenção hospitalar, na Austrália, no Canadá, na Espanha, na França e no Reino Unido
da Grã-Bretanha;
Conhecer a tipologia hospitalar e os parâmetros de oferta de leitos desses países;
Conhecer o desenvolvimento do sistema hospitalar brasileiro;
Conhecer a tipologia hospitalar brasileira;
Conhecer a oferta de leitos hospitalares no país, no âmbito dos Estados, suas Capitais e
Regiões Metropolitanas;
Procedimento Metodológico
5
Procedimento Metodológico
Revisão da literatura internacional (tradução dos autores).
Revisão da literatura nacional.
Para essa revisão de literatura, foram consultadas as seguintes bases de dados:
MEDLINE, LILACS, PAHO e COCHRANE. Além da escolha das bases de dados, foi
necessário selecionar os descritores adequados para abranger os estudos relevantes para
este projeto, conforme relação apresentada abaixo. Foi utilizado o vocabulário MeSH
(Medical Subject Headings of U.S. National Library of Medicine) ou sinônimos, de acordo
com as especificidades das bases de dados:
Acute care hospital beds
Assessment of health care needs
Bed reduction
Bed occupancy
Health care management
Health care rationing
Health Services Needs and Demand
Hospital bed capacity
Hospital bed needs
Hospital planning
Longstanding/chronic care
Needs of hospital beds
Needs and demand of hospital beds
Programmed/elective care
Public health administration
Os critérios de inclusão foram: artigos com resumo, escritos em português, inglês ou
espanhol e publicados entre 1990 e 2011.
Numa primeira busca foram identificados 257 artigos, sendo incluídos 142. Após a
análise e exclusão dos artigos indisponíveis, a amostra final para este trabalho foi de 109
artigos, 9 livros e 11 outras publicações institucionais (manuais).
Na medida em que realizamos a leitura do material selecionado, novos descritores
foram localizados e foram registrados para a utilização na próxima etapa do trabalho.
Procedimento Metodológico
6
Tínhamos por objetivo conhecer sistemas de saúde internacionais para ter
referenciais mais concretos na estruturação de parâmetros para a atenção hospitalar
brasileira e durante a leitura de vários manuais do Observatório Europeu de Sistemas de
Saúde e Políticas várias outras questões foram suscitadas e leituras complementares foram
realizadas.
Os estudos não publicados ou não indexados na literatura (literatura cinza), como
manuais institucionais e estatísticas, também foram considerados e foram coletados a partir
dos sites da Organização Mundial de Saúde (WHO), Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômicos (OECD), Instituto Brasileiro de Geografia e Ciências (IBGE),
Departamento de Informática do SUS (DATASUS) e sites governamentais de vários países,
além do Google Scholar.
Introdução
7
Introdução
Uma primeira questão aparentemente simples, mas de relevante importância é o que
significa um “leito hospitalar”. Usualmente o número de leitos hospitalares é registrado
simplesmente com a contagem da cama – peça de mobiliário, ou seja, o local onde um
paciente possa se deitar. Para que uma “cama” se transforme num leito capaz de contribuir
para o cuidado qualificado à saúde da população, é necessário que ela esteja alocada em
um estabelecimento de saúde com infraestrutura apropriada, incluindo profissionais
treinados, pessoal administrativo, equipamentos e insumos. Ainda, o que se pode considerar
um leito qualificado para reabilitação de um paciente após um acidente vascular cerebral
(AVC) é muito diferente de um leito adequado para terapia intensiva. Além disso, existem
camas que não devem ser consideradas como leitos, por exemplo, as de acompanhantes de
crianças e idosos e podem existir também leitos que não são camas, como por exemplo, as
poltronas para hemodiálise ou quimioterapia(1).
No Brasil, a Portaria MS/SAS nº 312 em 02 de Maio de 2002 estabelece uma
padronização de nomenclatura para o censo hospitalar nos hospitais integrantes do SUS,
que foi elaborada com vistas a permitir que este censo gerasse informações de abrangência
nacional. Abaixo alguns dos conceitos propostos pela Portaria:
Conceitos
Leito hospitalar de internação
É a cama numerada e identificada destinada à internação de um paciente dentro de
um hospital, localizada em um quarto ou enfermaria, que se constitui no endereço exclusivo
de um paciente durante sua estadia no hospital e que está vinculada a uma unidade de
internação ou serviço.
Leito hospitalar de observação
É o leito destinado a paciente sob supervisão médica e/ou de enfermagem, para fins
diagnósticos ou terapêuticos, por período inferior a 24 horas. Os leitos de hospital-dia são
leitos hospitalares de observação.
Leito de observação reversível
É o leito hospitalar de observação que pode ser revertido para um leito de internação
em caso de necessidade.
Introdução
8
Leito planejado
É todo o leito previsto para existir em um hospital, levando-se em conta a área física
destinada à internação e de acordo com a legislação em vigor, mesmo que esse leito esteja
desativado por qualquer razão.
Leito instalado
É o leito habitualmente utilizado para internação, mesmo que ele eventualmente não
possa ser utilizado por um certo período, por qualquer razão.
Leito desativado
É o leito que nunca foi ativado ou que deixa de fazer parte da capacidade instalada
do hospital por alguma razão de caráter mais permanente como, por exemplo, o fechamento
de uma unidade do hospital.
Leito operacional
É o leito em utilização e o leito passível de ser utilizado no momento do censo, ainda
que esteja desocupado.
Leito bloqueado
É o leito que, habitualmente, é utilizado para internação, mas que no momento em
que é realizado o censo não pode ser utilizado por qualquer razão (características de outros
pacientes que ocupam o mesmo quarto ou enfermaria, manutenção predial ou de mobiliário,
falta transitória de pessoal).
Na literatura internacional encontramos algumas outras tipologias que no Brasil são
consideradas como “especialidade” do leito (Ministério da Saúde - Sistema de Informações
Hospitalares do SUS - SIH/SUS):
Leito de agudo
Leito destinado ao cuidado (curativo, terapêutico) clínico, cirúrgico de urgência e
eletivo, pediátrico e obstétrico, excluindo-se desse total os leitos psiquiátricos, leitos dia, de
longa permanência e cuidados paliativos(2).
Leito subagudo
Tipologia encontrada em alguns estudos e localidades é o leito que realiza o cuidado
não agudo: cuidado paliativo, reabilitação e cuidado em geriatria(3).
Introdução
9
Leito de longa permanência
Leito destinado a pacientes que requeiram cuidado prolongado devido a doenças ou
impedimentos crônicos e redução de autonomia para as atividades habituais. Inclui leitos em
hospitais gerais ou especializados e leitos de cuidado paliativoa(4).
Todas essas definições, porém, não foram levados em conta pelo Sistema Nacional
de Cadastro de Estabelecimentos de Saúde – SCNES, sítio oficial do Ministério da Saúde
para o cadastramento formal dos serviços hospitalares em atividade no país e de seus
respectivos leitos, onde estão registrados os “leitos existentes”, sem qualquer distinção,
questionamento ou recomendação sobre seu estado funcional, conforme se lê em seu
manual de instruções de preenchimento:
Leito hospitalar
Cama destinada à internação de um paciente no hospital. (Não considerar como leito
hospitalar os leitos de observação e os leitos da Unidade de Terapia Intensiva).
Assim, ao realizarmos uma pesquisa sobre o número de leitos do país através do
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES podemos nos deparar com leitos
meramente hipotéticos, ou seja, leitos supostamente instalados, mas não operacionais.
A segunda questão essencial é o que é um “hospital”? Essa pergunta descortina uma
grande área de intersecção entre o cuidado à saúde e o cuidado social. Leva também a uma
série de outras questões relativas à sua tipologia. Abaixo apresentamos os conceitos e
terminologias usados no Brasil e o comparamos à literatura internacional:
Hospital:
Definição do Ministério da Saúde do Brasil: “O termo hospital se refere a um conjunto
muito heterogêneo de estabelecimentos de saúde, unidades de diferentes portes, que
podem oferecer uma variada gama de serviços e atividades e desempenhar funções muito
distintas no âmbito da rede de atendimento à saúde. Entretanto, os estabelecimentos
possuem uma característica em comum: a prestação de cuidados de saúde a pacientes
internados em leitos hospitalares durante as 24 horas do dia” (5).
a Notar que os leitos destinados ao cuidado paliativo aparecem tanto na definição de leito subagudo
como de leito de longa permanência. Pelos estudos realizados, nos parece que a tipologia
“subagudo” é mais recente e pretende estabelecer um diferencial entre o nível de cuidados médicos e
de enfermagem necessários a pacientes não agudos, reservando a nomenclatura “subagudo” para
pacientes com maior necessidade de cuidados médicos e “longa permanência” para pacientes com
maior necessidade de cuidados de enfermagem.
Introdução
10
Encontramos outra definição no manual de orientações para o cadastramento de
hospitais no CNES: “estabelecimento de saúde dotado de internação, meios diagnósticos e
terapêuticos, com o objetivo de prestar assistência médica curativa e de reabilitação,
podendo dispor de atividades de prevenção, assistência ambulatorial, atendimento de
urgência/emergência e de ensino/pesquisa”.
Esses conceitos diferem um pouco do adotado pelo Observatório Europeu de
Políticas e Sistemas de Saúde: “Estabelecimento com instalações para internação e em
condições de oferecer assistência médica e de enfermagem, em regime contínuo 24h ao
dia, para o diagnóstico, tratamento e reabilitação de indivíduos adoentados ou feridos que
necessitem de cuidados clínicos e/ou cirúrgicos e que, para tal fim, conta com ao menos um
profissional médico em seu quadro de funcionários. O hospital também pode prestar
atendimento ambulatorial”(6).
Os hospitais, como definidos acima, podem ser classificados sob vários aspectos:
Formas de classificação hospitalar (6)
1) Porte do hospital:
- Pequeno porteb: É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de até 50
leitos.
- Médio porte: É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de 51 a 150 leitos.
- Grande porte: É o hospital que possui capacidade normal ou de operação de 151 a 500
leitos.
- Acima de 500 leitos considera-se hospital de capacidade extra.
2) Perfil assistencial dos estabelecimentos:
Hospital de clínicas básicas, hospital geral, hospital especializado, hospital de urgência,
hospital universitário e de ensino e pesquisa.
3) Nível de complexidade das atividades prestadas pela unidade hospitalar:
Hospital de nível básico ou primário, secundário, terciário ou quaternário em cada
estabelecimento (atenção básica, de média complexidade ou de alta complexidade).
b O Ministério da Saúde, em 1° de junho de 2004, editou a Portaria GM 1.044, que instituiu
política especial para organização e apoio financeiro para Hospitais de Pequeno Porte, na qual
considerou apenas os hospitais com 5 a 30 leitos, o que pode gerar conflito de entendimento quando
se usa a expressão “hospital de pequeno porte”. Para os fins desse estudo, os hospitais incluídos na
portaria mencionada acima serão identificados como HPP
Introdução
11
4) Papel do estabelecimento na rede de serviços de saúde:
Hospital local, regional, de referência estadual ou nacional.
5) Regime de propriedade:
Hospital Público, privado, privado com fins lucrativos e privado sem fins lucrativos
(beneficentes ou filantrópicos).
Mckee(2) apresenta ainda outra classificação dos hospitais, segundo a relação que os
mesmos mantêm com o sistema de saúde:
Dominant hospital: modelo dominante nos países de baixa renda no qual o hospital tem
papel essencial no sistema, realizando inclusive atenção primária, muitas vezes
inadequada, realizada num cenário de falta de melhor oferta;
Hub hospital: hospital no centro de um sistema integrado para uma área definida,
envolvido no planejamento, administração e financiamento dos serviços. Modelo
predominante na União Soviética;
Comprehensive hospital: responsável pelo cuidado terciário, secundário, primário,
extramuros. O hospital deve ser o centro da medicina curativa e preventiva;
Separatist hospital: mais comum nos países desenvolvidos, o hospital assume apenas o
cuidado agudo, especializado e de curta permanência.
Na União Europeia as demais classificações hospitalares são semelhantes, mas
encontramos uma nomenclatura diferente da que usamos no Brasil. Pelo que observamos
os hospitais que, habitualmente, chamamos de hospitais gerais são conhecidos como
hospitais de agudos, considerando que tais estabelecimentos oferecem leitos agudos, que
conforme já mencionado, são destinados ao cuidado (curativo, terapêutico) clínico, cirúrgico
de urgência e eletivo, pediátrico e obstétrico, excluindo-se desse total os leitos psiquiátricos,
leitos dia, de longa permanência e cuidados paliativos. Em muitos locais os leitos de
observação, sob variadas denominações, são considerados como leitos dia (2) e no Brasil
eles não são registrados como leitos(7).
Sobre as classificações, afinal, comenta Mckee(2):
“A limitação dessas simples classificações está ficando clara, especialmente a divisão entre
hospital secundário e terciário, que está sendo considerada cada vez mais obscura nos
países desenvolvidos”.
Introdução
12
O Hospital: breve histórico e papel na atenção integral à saúde
Para analisarmos adequadamente a atenção hospitalar que existe e que desejamos
reestruturar, é necessário conhecer como ela se desenvolveu ao longo da história,
entendendo o papel que o Hospital vem desempenhando nas diferentes etapas analisadas,
inclusive para que possamos nortear nossas estratégias de enfrentamento da crise atual.
O desenvolvimento do hospital está relacionado às enormes transformações
políticas, econômicas, sociais e culturais e às inovações tecnológicas e científicas ocorridas
nos últimos séculos(6,8)
Segundo Braga Neto et al(6), o hospital é uma instituição bastante antiga, sendo que
os primeiros registros apareceram nos primeiros séculos da era cristã no início do século IV
d.C. Na época, o hospital não se voltava para a cura de pacientes, já que a assistência tinha
como foco a salvação espiritual dos homens.
McKee(2) relata que os exemplos mais antigos de instituições que poderiam ser
consideradas como hospitais datam do século VII e eram destinadas ao cuidado de pessoas
doentes, com base nos conhecimentos das antigas culturas bizantina, grega e árabe. No
século XII, muitas cidades da Arábia tinham um pequeno hospital e em 1283 um grande
hospital foi construído no Cairo. Entre os séculos X e XI foram construídos pequenos
hospitais em toda a Europa. No período que se estendeu do século X ao século XVII, os
hospitais permaneceram ligados a instituições religiosas a passaram por uma grande
mudança em seus perfis.
Nesse período, até o século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de
assistência aos pobres. O pobre doente era considerado um portador perigoso que
potencialmente poderia contaminar as cidades, sendo necessária sua separação e exclusão
da sociedade, não para a cura, mas para a salvação espiritual da alma do pobre. A partir do
século XVIII a assistência aos pobres tornou-se uma responsabilidade do Estado(6,8).
A preocupação com a disseminação de epidemias propiciou a introdução de
mecanismos disciplinares no espaço do hospital, além da medicalização(8).
No século XVIII, disseminou-se uma nova concepção teórica sobre o processo
saúde-doença: a doença era compreendida como um fenômeno natural e seu cuidado
estava direcionado aos fatores ambientais (o ar, a água, a temperatura ambiente, a
alimentação, etc.) (8).
Em torno de 1780, o hospital voltou a ser um instrumento terapêutico, instituição com
o objetivo de cura das doenças(8). Segundo Braga Neto(6):
Introdução
13
“Constata-se que os hospitais não funcionavam tão bem como deveriam. E não é mais
admissível que os hospitais sigam funcionando como verdadeiros morredouros. Assim,
durante esses anos, desenrolam-se diversas iniciativas voltadas para a modernização das
dependências hospitalares”.
O século XIX foi marcado por intenso avanço científico e tecnológico decorrentes do
aprimoramento e desenvolvimento de disciplinas básicas como a bioquímica e
microbiologia, bem como dos investimentos do Estado em pesquisas científicas. A teoria
microbiana e o desenvolvimento dos Raios-x foram considerados marcos importantes para o
desenvolvimento da medicina com embasamento científico. No início do século XX o
hospital começou a desenvolver o seu papel atual(2).
A primeira metade do século XX foi marcada por profundas transformações
provenientes de fatos históricos de grande relevância como as crises do liberalismo e do
colonialismo, a revolução russa, a primeira guerra mundial, a quebra da bolsa de Nova
Iorque em 1929, a ascensão do fascismo e, por fim, a segunda guerra mundial.
A partir de 1945, os países ocidentais experimentaram um novo padrão de
desenvolvimento econômico e social. Ancorados em condições políticas, econômicas e
sociais favoráveis e em altas taxas de crescimento, essa é a época em que o chamado
Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) se configurou e em que houve uma marcada
expansão das políticas sociais nesses países(6).
A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e
benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir
certa "harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social,
suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para
manterem um mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os
efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. Seu
objetivo fundamental, conforme Beveridge admitia, era combater os cinco maiores males da
sociedade: "a escassez, a doença, a ignorância, a miséria e a ociosidade"(9).
Nesse período grande parte dos países europeus reconheceu a saúde como direito
do cidadão e se desenvolveram sistemas nacionais de saúde para garantir o acesso gratuito
e universal.
A implantação desses sistemas envolveu a ampliação da oferta de serviços à
população e o aumento dos recursos públicos investidos na área da saúde. Tal expansão da
oferta se deu, predominantemente com a reprodução e o aprofundamento de um modelo de
atenção à saúde fundado no hospital moderno, nesse momento já instalado em novas
Introdução
14
edificações com grande número de leitos, especialistas e equipamentos e que operava na
lógica da prestação de serviços e procedimentos(6).
Observou-se uma expansão vertiginosa do número de hospitais nas décadas de 40 e
50 que a partir dos anos 60 começou a causar preocupação em relação ao seu
financiamento. Medidas voltadas para a modernização gerencial dos estabelecimentos
hospitalares começaram desde então a ser debatidas e experimentadas. No entanto,
mudanças mais radicais no âmbito da assistência e da gestão hospitalar somente tomaram
corpo ao final da década de 1970, num contexto econômico mais difícil(6).
Os “Anos de Ouro” do capitalismo instalado no pós-guerra começaram a se exaurir
no final dos 60 e o Estado perdeu a capacidade de exercer as funções mediadoras do último
período, com crescimento importante das dívidas públicas e privadas. A primeira grande
recessão catalisada pela alta dos preços do petróleo em 1973/74, entre outros, foi um sinal
contundente de que o sonho do pleno emprego e da cidadania relacionada à proteção social
havia terminado nos países onde se originou o welfare state e estava também
comprometido nos países periféricos nos quais não chegou a se realizar efetivamente. As
elites político-econômicas, então, começaram a questionar e responsabilizar pela crise a
atuação agigantada do Estado, especialmente naqueles setores que não revertiam
diretamente em favor de seus interesses. E aí se incluíam as políticas sociais(10).
Os anos de 1970 e de 1980 testemunharam o revigoramento das idéias liberais em
detrimento dos Estados intervencionistas. A intensa crise na acumulação capitalista criou as
condições favoráveis para a reorientação ideológica na política econômica mundial. Assim,
gradativamente, a revolução liberal foi ganhando espaço no capitalismo avançado
internacional. As receitas neoliberais foram implantadas inicialmente na Inglaterra em 1979,
nos Estados Unidos em 1980, na Alemanha em 1982, e se espalharam hegemonicamente
pela América Latina. Na década de 1990, os países do Leste Europeu também se renderam
ao neoliberalismo(11).
Simultaneamente à reorientação das políticas de saúde nos países desenvolvidos, a
crítica ao modelo de atenção centrado no hospital ganhou maior radicalidade com a
Conferência Internacional de Atenção Primária, em Alma-Ata, em 1978, onde foi proposto
que a atenção primária se transformasse na base dos sistemas de saúde, configurando um
novo modelo de atenção à saúde(6).
Paralelamente houve aumento da expectativa de vida, envelhecimento da população
e mudanças no quadro de morbimortalidade, no qual as doenças de origem infecciosa
passaram a ter importância menor que as doenças crônico-degenerativas, o que reforçava a
vertente da atenção primária(6).
Introdução
15
No cenário hospitalar houve uma mudança radical de orientação, com racionalização
da oferta e modernização da gestão. Os pacientes deveriam ficar nos hospital por curtos
períodos, retomando o mais cedo possível seu ritmo de vida normal, pois o ambiente
hospitalar passou a ser considerado potencialmente iatrogênico. Avanços científicos e
tecnológicos alcançados possibilitaram que parte dos procedimentos, até então realizados
exclusivamente no interior do hospital, pudessem ser gradativamente deslocados para
outros ambientes. Houve uma desconcentração da prestação de diversos serviços
assistenciais e surgiram novas modalidades assistenciais, como o hospital-dia, a cirurgia
ambulatorial, a assistência domiciliar ou mesmo de novos tipos de serviços de saúde, como
os centros de enfermagem(6).
Na Europa, esse cenário foi acompanhado pelo início de uma longa etapa de
redução de leitos e até mesmo de hospitais, ao longo das últimas décadas do século XX,
desenhando um novo ciclo de reformas na atenção hospitalar(2).
No Brasil, o primeiro hospital foi fundado em 1543 e nos cinco séculos que se
seguiram surgiram algumas centenas de hospitais, sendo a maior parte deles Santas Casas
de Misericórdia(6).
No final do século XIX e início do século XX, observou-se intenso movimento
migratório que trouxe europeus para o país, principalmente portugueses e italianos, que
passaram a trabalhar no eixo agroexportador do café, que era o carro-chefe da economia
nacional(12).
O desenvolvimento da economia cafeeira propiciou a expansão dos transportes
ferroviários e marítimos, além dos portos de exportação do Rio de Janeiro e de Santos. Os
excedentes gerados na cultura e no comércio do café começaram a ser deslocados para
empreendimentos industriais, à medida que a economia cafeeira dava sinais de declínio no
mercado internacional. Assim, começou a surgir a “classe operária” no país. Esse processo
atraiu um enorme número de pessoas, gerando aglomeração nas grandes cidades, com
importante desorganização urbana e sanitária e o alastramento de um grande número de
doenças infectocontagiosas como peste, varíola, febre amarela e outras, que chegaram a
dizimar cidades inteiras(13).
Neste período, foi implementada uma política de saneamento dos espaços, de
circulação das mercadorias e a tentativa de erradicação ou controle de doenças que
poderiam prejudicar o pleno desenvolvimento da economia. Este saneamento se deu por
meio de estruturas verticalizadas e estilo repressivo de intervenção e execução de suas
atividades sobre a comunidade e as cidades, capitaneado por eminentes sanitaristas, tais
como Oswaldo Cruz (que combateu a febre amarela no Rio, em 1903, e chefiou a Diretoria
Geral de Saúde Pública criada em 1904); Rodrigues Alves (saneamento do Rio, em 1902);
Introdução
16
Carlos Chagas, Emílio Ribas e Saturnino de Brito (saneamento da cidade e do porto de
Santos, em 1906); Guilherme Álvaro, etc. Em 1897, foram criados os institutos de
Manguinhos, Adolfo Lutz e Butantã, para pesquisa, produção de vacinas e controle de
doenças(12).
No início do século XX, a classe operária emergente, sob influência de movimentos
vinculados aos imigrantes europeus, marcadamente o anarco-sindicalismo italiano, deu
impulso a um importante movimento social, no qual os trabalhadores cobravam do estado
uma mudança de sua postura liberal frente à problemática trabalhista e social então
instalada, gerando como reação uma intensa repressão por parte do governo. Os
trabalhadores, no entanto, foram ganhando apoio de setores da classe média e da
corporação militar, configurando um processo irreversível de enfraquecimento da oligarquia
dominante(12).
Assim, progressivamente, durante as duas primeiras décadas do século XX foi se
rompendo o liberalismo do Estado, com a edição de leis reguladoras do processo de
trabalho e cuidado à saúde, como a Lei Eloy Chaves em 1923, que criou as Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPs)(13). Também neste período as ações de Saúde Pública
foram vinculadas ao Ministério da Justiça, em reforma promovida por Carlos Chagas,
incluindo-se como responsabilidade do Estado, além do controle das endemias e epidemias,
a fiscalização de alimentos e o controle dos portos e fronteiras(12). Podemos considerar que
o período que vai de 1923 a 1930 representou o marco inicial da estruturação da
previdência no Brasil, registrando, pela primeira vez, um determinado padrão de
funcionamento desta estrutura, que se modificou a partir de 1930 e dos anos que se
seguiram, dentro da qual se desenvolveu a assistência médica, de espectro amplamente
hospitalar(13).
O declínio da economia agroexportadora de café foi se delineando progressivamente
e culminou com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que colocou um ponto final ao
ciclo da economia cafeeira e gerou importante crise econômica no cenário mundial e
também no Brasil(13).
Com a revolução de 1930, Getúlio Vargas assumiu a presidência do País, onde
permaneceu por 15 anos. Num governo autoritário, de características marcadamente
populistas e nacionalistas, iniciou-se um ciclo de desenvolvimento industrial, como proposta
de reestruturação econômica para o País. Para que este desenvolvimento industrial fosse
bem sucedido, seria necessário constituir um exército de consumidores para seus produtos.
Assim sendo e fazendo frente aos anseios populares, foram criados o salário mínimo e o
Código de Leis Trabalhistas(13).
Introdução
17
Em 1932, iniciou-se a estruturação de uma série de Institutos de Aposentadoria e
Pensão (IAPs), organizados não mais por empresas e sim por categoria trabalhista, o que
permitiu a inclusão de um grande número de trabalhadores pertencentes a pequenas
empresas que no regime das caixas não puderam ser beneficiados. Todo o processo de
gestão dos institutos foi centralizado nas mãos do Estado, os percentuais de contribuição
dos trabalhadores aumentaram progressivamente e os benefícios foram marcadamente
restringidos, especialmente no que dizia respeito à assistência médica, inicialmente sob o
pretexto da crise econômica instalada no País e, depois, sob o discurso da capitalização
destes valores, para fazer frente ao possível “boom” de beneficiários que se apresentariam
em alguns anos(13).
Paralelamente a este movimento, em 1930, a saúde pública foi anexada ao
Ministério da Educação, por intermédio do Departamento Nacional de Saúde Pública. Na
década de 30, surgiram inúmeros sanatórios para tratamento de doenças como a
tuberculose e a hanseníase, somando-se aos manicômios públicos já existentes,
caracterizando a inclusão do modelo hospitalar de assistência médica nas ações de saúde
pública(12).
O período que se estendeu de 1930 a 1945 foi marcado pelo contencionismo,
capitalização dos recursos previdenciários e centralização administrativa nas mãos do
Estado, caracterizando a organização previdenciária nos moldes neoliberais do “Seguro
Social” (13).
Na primeira metade da década de 40, ocorreu uma mudança no cenário internacional
com a Segunda Guerra Mundial. Na Inglaterra, em 1942, Sr. William Beveridge compôs um
plano para a reestruturação da previdência social, baseado na idéia de “Seguridade Social”
(13).
O período entre 1945 a 1966 se desenvolveu com base nessas influências,
ampliando significativamente a rede assistencial pública existente no País, com marcante
ampliação do da oferta hospitalar, configurando o que Braga Neto(6), classificou como o
boom dos grandes hospitais públicos no Brasil:
“O surgimento dos grandes e modernos hospitais públicos no país
ocorre, sobretudo, durante as décadas de 1940 e 1950, quando são
abertos: o Hospital dos Servidores do Estado em 1947, à época
considerado o mais moderno estabelecimento hospitalar da
América Latina; o Hospital Geral de Bonsucesso em 1948; o
Hospital da Lagoa, o Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo em 1944; o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Introdução
18
Minas Gerais em 1955 e o Hospital das Clínicas da Universidade
Federal do Paraná em 1961”.
A ampliação dos benefícios e dos serviços a fim de garantir a assistência médica aos
trabalhadores assistidos pelos institutos gerou importante aumento dos gastos nesse
período, tornando-se os institutos deficitários economicamente(13).
Durante o governo de Juscelino Kubitschek novo período de contenção foi
enfrentado, pois o presidente afirmava que mais importante que as políticas sociais era
investir no desenvolvimento do País. A abertura promovida por Juscelino ao capital
estrangeiro desenhou um cenário de conflito com o projeto nacional desenvolvimentista do
período anterior, gerando uma grande insatisfação na classe trabalhadora(13).
Este foi o cenário que antecedeu o golpe militar de 1964 e depois dele o caráter
assistencialista da previdência tornou-se ainda mais marcante. A centralização
administrativa se consolidou com a unificação dos IAPs, em 1966, constituindo o Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS) (13).
A ditadura investiu largamente nas políticas sociais, como forma de conter
insatisfações e mascarar o caráter extremamente autoritário e violento do governo. Tais
políticas, no entanto, eram dirigidas apenas aos profissionais formalmente inseridos no
mercado de trabalho, que por sua vez, eram responsáveis por seu financiamento, através da
arrecadação de contribuição sobre seus salários(13).
Era diretriz oficial de governo a implementação do setor privado e, na área da
atenção à saúde, essa proposta logrou enorme sucesso, pois dentro da ideia de ampliação
da abrangência das políticas sociais, o aumento da cobertura assistencial teve grande peso
e para oferecer este atendimento à população, o governo optou por financiar a construção e
equipamento de hospitais privados, por meio de empréstimos de longo prazo e juros
baixíssimos. Uma vez construídos, tais hospitais passavam a vender serviços para o próprio
INPS(13).
Esse período foi marcado pelo desenvolvimento de um padrão de organização da
prática médica centrado na atenção hospitalar, orientado em termos da lucratividade do
setor saúde e propiciando a capitalização da medicina e o privilegiamento do produtor
privado destes serviços, com grande expansão da rede hospitalar, subsidiada pelo dinheiro
público(13).
Segundo Paganini e Novaes(14), desde 1960 houve na América do Sul uma
diminuição progressiva de número de leitos hospitalares em todos os países, exceto no
Brasil, que no período de 1960 a 1990 passou de 3,0 para 3,6 leitos por mil habitantes. A
Introdução
19
mesma tendência de redução foi observada no Caribe Latino, onde apenas Cuba aumentou
a oferta de leitos hospitalares nesse mesmo período.
A partir de 1974, o fim do período denominado de “Milagre Econômico”, o abandono
das ações de saúde pública, os gastos incontroláveis com os hospitais, a gama de
modalidades assistenciais instaladas e a má qualidade da atenção aprofundaram a crise da
previdência e da assistência médica, fazendo com que o governo militar tomasse uma série
de medidas de caráter burocrático como a divisão do INPS em três novos institutos, entre
eles o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, a criação
da Central de Medicamentos - CEME e a criação da Empresa de Processamento de Dados
da Previdência Social - DATAPREV que, naturalmente, não lograram dissolver os problemas
existentes e fizeram surgir uma série de movimentos sociais, no sentido da transformação
deste modelo, que podemos considerar como o início do processo de Reforma Sanitária no
Brasil que, a partir de 1978, com a Conferência Mundial de Saúde de Alma-Ata, promovida
pela OMS, ganhou força com a proposta internacional de priorização da atenção e dos
cuidados primários de saúde(13).
Os anos 1980 foram marcados por avanços significativos e reestruturantes da
política de saúde, sobretudo a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) que, dada
sua relevância na participação social e de atores estratégicos, garantiu espaço na
reformulação da Constituição Federal de 1988. A partir daí, saúde passou a ser direito de
todos e dever do Estado, com integração dos serviços de forma regionalizada e
hierarquizada. Estava criado o Sistema Único de Saúde (SUS), amparado pelas leis
8.080/90 e 8.142/90, que propôs a democratização do acesso, a universalização dos
direitos, a melhoria da qualidade dos serviços prestados e a integralidade e equidade das
ações. Nesse projeto político, a relação Estado-sociedade civil se daria por mecanismos
democráticos e inovadores na gestão, como os Conselhos e as Conferências de Saúde (nas
três esferas de governo), o que viabilizaria maior transparência no uso e destino dos
recursos públicos. Entretanto, o amparo legal das políticas de saúde não interrompeu o
processo de disputa de forças entre os projetos políticos existentes neste âmbito – projeto
privatista e de reforma sanitária, o que perpetuou as disputas de interesses já
demonstradas(15).
A marcha mundial da política neoliberal impôs nova concepção às políticas sociais,
abandonando o ideal de equidade e igualdade em nome da eficiência e do equilíbrio do
mercado, implementando programas focalizados de combate à pobreza, a fim de minimizar
os efeitos do ajuste econômico sobre os “mais pobres” ou os “mais frágeis”. Esse cenário
gerou momentos de ruptura com o projeto democrático da saúde na década de 1990,
começando pelo governo Collor, que reduziu gastos na área social e boicotou a implantação
Introdução
20
do SUS, através de emendas constitucionais(15) e estendeu o sistema de pagamento por
procedimentos realizados, que à época era a forma vigente de remuneração dos
prestadores de serviços do INAMPS, a toda a rede de unidades de saúde que realizavam
basicamente ações programáticas e de saúde coletiva, o que levou ao abandono de uma
série de ações de saúde pública que não constavam nas tabelas elaboradas pelo governo
federal para tal fim. No entanto, manteve-se intacto o sistema de pagamento aos hospitais,
que seguiam aumentando sua oferta de leitos, embora de forma menos acentuada, até
1992, quando foi possível observar o início da inversão dessa tendência de crescimento(16).
Após esse período teve início uma intensa descentralização do SUS através da
municipalização, com crescimento da oferta de serviços que, na área hospitalar, se deu com
o aumento do número de pequenos hospitais locais(16). Não é demais ressaltar que tal
descentralização não significou somente a concessão de autonomia para a gestão de
recursos e elaboração de projetos, implicando também na responsabilização de localidades
e comunidades por seu auto-custeio(17).
A gestão de Fernando Henrique Cardoso registrou grande concordância com as
exigências do ajuste estrutural neoliberal, com a reconfiguração das instituições e restrição
da capacidade do Estado de definir sua política econômica com autonomia. Observou-se,
em nome da busca pela estabilidade econômica, a adesão às recomendações elaboradas
por organismos como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial(15)
.
Apesar de tudo, afinal, o Sistema Único de Saúde (SUS) transformou-se no maior
projeto público de inclusão social em menos de duas décadas com extensa ampliação da
cobertura assistencial em marcante contraste com a exclusão de aproximadamente metade
da população antes dos anos oitenta. Porém, apesar de tantos avanços, o SUS vivencia
esperas para procedimentos mais ou menos sofisticados (15) e superlotação dos serviços de
urgência, entre outras insuficiências(18), geradoras de profundos sofrimentos, com
agravamento de doenças e mortes evitáveis, denunciando um cenário no qual se
entrecruzam dois projetos em disputa: o Projeto Privatista e o Projeto de Reforma
Sanitária(18).
Tal crescimento e ampliação, no entanto, se deram marcadamente a custa do
aumento de serviços ambulatoriais (que não realizam internações), pois, em 1976 havia
7.822 desses estabelecimentos (74% públicos), em 1988 havia 26.509 (74% públicos) e em
2009 já estavam registrados 67.901 estabelecimentos sem internação (70% públicos), num
crescimento de quase nove vezes no período. No setor hospitalar, havia 5.311
estabelecimentos com internação em 1976 (18% públicos), 7.123 estabelecimentos em
1988 (24% públicos) e 6.875 estabelecimentos em 2009 (41% públicos). O número de
Introdução
21
estabelecimentos com internações cresceu perto de 30%, registrando pequeno declínio
após 2005(19).
Claro que para estruturar a atenção integral à saúde num sistema onde praticamente
todo o cuidado era focado na atenção hospitalar, foi necessário um grande investimento nos
outros elementos constitutivos da rede de atenção, especialmente na atenção primária à
saúde. Porém, nos ocorre a seguinte dúvida: não estaria a atenção hospitalar, em virtude
do cunho “hospitalocêntrico” do sistema que se desenvolveu nos anos da ditadura
militar, sendo negligenciada em sua necessidade de reformulação, modernização e
aprimoramento técnico há alguns anos?
Panorama internacional
22
Panorama internacional:
Na União Europeia, de uma maneira geral, houve redução do número de leitos
hospitalares nas últimas décadas do século XX, embora na maioria das vezes tenha havido
redução de camas e não de hospitais, o que afinal, não gerou grande impacto financeiro ou
organizacional(2). O gráfico 1 abaixo mostra o declínio do número de leitos em alguns países
da OECD nesse período.
Gráfico 1: Evolução da quantidade de leitos por 1000 habitantes em alguns países da OECD, de 1960 a 2004:
Alguns países, no entanto, fecharam um número significativo de hospitais, como, por
exemplo, o Reino Unido e a Irlanda, que nos anos 80 e começo da década de 90, fecharam
um terço dos hospitais existentes. Na Bélgica, foi publicado um decreto em 1982, que
determinou um teto para o número de leitos no país. A seguir, os leitos foram reclassificados
como leitos de cuidados de enfermagem que passaram a receber menor aporte financeiro.
Em 1989, outro decreto definiu que um “hospital” deveria ter no mínimo 150 leitos, o que
levou ao fechamento de inúmeros estabelecimentos. A França criou 26 conselhos regionais
buscando a redução de 24.000 leitos agudos, o que correspondia a 4,7% dos leitos
existentes. De 1994 a 1998, foram fechados 17.000 leitos públicos e privados, mas nesse
mesmo período foram criados 15 novos hospitais, 7 unidades de hemodiálise, 20 centros
para pessoas com Alzheimer e 60 novas unidades de câncer. Em alguns locais, dois
hospitais antigos foram substituídos por apenas um novo hospital, muitas vezes em local
diferente. Na Espanha alguns grandes hospitais muito antigos foram substituídos por novos
serviços menores. Em outros locais, foram feitas fusões ou criadas redes, com o objetivo de
Panorama internacional
23
dar a cada estabelecimento uma função mais específica ou, senão, fechá-lo integral ou
parcialmente. Na Austrália, em 1995, 32 hospitais públicos foram agrupados em 7 redes, o
que resultou no fechamento de 9 hospitais.
Na Europa Oriental havia enormes estoques de leitos que acabaram sofrendo
reduções não planejadas, que ocorreram em conseqüência a guerras ou crises econômicas.
Na Europa Ocidental a idéia de “redução” de leitos seria mais bem simbolizada pelo
termo “reconfiguração” do sistema hospitalar e de saúde em geral. Em verdade, entre 1980
e 1998, as reduções de leitos agudos foram acompanhadas de aumento nas taxas de
ocupação, diminuição das médias de permanência (média de 16,5 dias em 1970, 8,6 dias
em 1996 e 7,2 em 2009) e organização de uma série de modalidades assistenciais
alternativas ao modelo hospitalar tradicional. O número total de dias de internação se
manteve relativamente estável nesse período, em média, na União Europeia. É importante
lembrar que ao longo da primeira década do século XXI, houve aumento percentual do
gasto per capta com saúde, sendo o crescimento médio dos países da OCDE de 4,8%(2,4).
Para um melhor entendimento do cenário internacional, optamos por descrever
brevemente a organização do sistema de saúde e, em especial da atenção hospitalar, em
alguns países:
Panorama internacional
24
Austrália(20):
A Austrália tem uma população de 22.605.732 milhões de habitantes sobre um
território de 7.741.220 km²c, 66% deles vivendo em cidades. Apresenta grande diversidade
cultural, já que um quarto da população australiana vem de outros países. O país tem
governo federativo e está dividido em 6 Estados e 2 Territórios, compostos por mais de 850
municípios.
O sistema de saúde é financiado principalmente pelo setor público, através de
impostos e de uma arrecadação compulsória de pequena monta a título de seguro de
saúde, o Medicare, que oferece subsídio aos pacientes para consultar o médico de sua
escolha, seja para tratamento ambulatorial ou hospitalar, além de medicamentos.
Por volta de 68% dos gastos em saúde são provenientes do setor público, sendo
46% do governo federal e 22% dos estados. Os 32% restantes vem de fontes privadas,
sendo os gastos individuais realizados com medicamentos, tratamento odontológico,
pagamento de diferença entre os valores cobertos pelo sistema e os cobrados pelos
médicos e pagamento de outros profissionais de saúde, num montante de 20% do total
mencionado. A prestação de serviços também se apóia nos setores público e privado.
A Austrália investe 9,7% de seu produto interno bruto em saúde, com um gasto per
capita de US$ 3.652, o que coloca o país ligeiramente acima da média da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O governo federal
financia diretamente as despesas ambulatoriais e farmacêuticas e repassa aos Estados,
através do Australian Health Care Agreements parte do dinheiro necessário para custear os
hospitais públicos.
Os estados e territórios têm autonomia na administração do sistema de saúde,
porém se submetem aos acordos intergovernamentais. O cuidado à saúde nos estados
consome parte importante de seus orçamentos globais, a fim de executar, com apoio dos
recursos repassados pelo governo federal, a administração e financiamento dos hospitais de
cuidados agudos, hospitais psiquiátricos, cuidado odontológico, serviços de saúde da família
e de promoção de saúde e reabilitação. Os municípios são responsáveis por alguns serviços
ambientais e programas de saúde pública, mas não tem papel na atenção clínica
propriamente dita. Através do setor privado é paga a maioria dos médicos, parte importante
dos hospitais, hospitais dia e uma forte indústria de serviços diagnósticos, além de inúmeros
seguros de saúde.
c Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama internacional
25
O federalismo faz com que as ofertas de serviços, bem como os orçamentos
destinados à saúde sejam diferentes em cada estado, apesar da tendência a uma oferta
mais homogênea, induzida pelo governo federal, basicamente motivado pela necessidade
de controle de qualidade e pelo desejo de reduzir despesas.
Até meados do século 20, o cuidado à saúde era privado, de responsabilidade de
cada indivíduo. Havia uma pequena estrutura não paga de prestação de serviços através de
alguns hospitais públicos e filantrópicos. Após a segunda guerra mundial, o governo
australiano deu continuidade ao significativo papel nas questões de saúde iniciadas já
durante a guerra, nos moldes do welfare state que influenciou muitos países no período pós-
guerra. No período que se estendeu de 1941 a 1949 vários esforços para “colocar o cuidado
à saúde sob responsabilidade do estado” foram realizados, mas encontraram fortes
resistências nos fundos de saúde voluntários, nas forças políticas conservadoras e,
especialmente nos médicos, que acabaram por impor dificuldades a tais mudanças por um
longo período. Em 1946 houve uma reforma constitucional que permitiu ao governo federal
subsidiar o cuidado à maternidade, a crianças em processo de doação, aos
desempregados, cuidado odontológico, entre outras concessões no campo da seguridade.
O governo federal introduziu, em 1950, subsídios à assistência farmacêutica através do
Pharmaceutical Benefits Act, cuja legislação se mantém basicamente inalterada. Ainda em
1946 foi instituído o Hospital Benefits Act, através do qual o governo federal entrou em
entendimentos com os estados para subsidiar as despesas dos hospitais públicos, a fim de
reduzir as barreiras de acesso ao cuidado hospitalar.
O National Health Act, de 1953, consolidou os pilares mais importantes do sistema de
saúde australiano no pós-guerra, que se mantêm vigentes até os dias atuais, apesar de ter
sofrido inúmeras emendas:
O plano de benefícios farmacêuticos;
O plano de benefícios hospitalares;
O plano de benefícios para os aposentados (1951);
O plano de benefícios médicos, que subsidiou os custos dos seguros de saúde não
lucrativos.
No período de governo de 1972-1975, após muita resistência e polêmica, foi
finalmente criado o Seguro Nacional de Saúde, no qual 85% das despesas de saúde seriam
subsidiadas pelo governo.
No período seguinte, de 1975-1983 foram dadas aos cidadãos as opções de
escolherem o cuidado privado à saúde ou contribuir com 2,5% de seus salários para a
utilização do sistema público.
Panorama internacional
26
No período de 1983-1996, foi reestabelecido o sistema universal, financiado por
impostos e a arrecadação dos trabalhadores foi reduzida a 1,5% de seus salários.
Em 2004 foi criado o Department of Human Services que englobou seis agências
que prestavam serviços de saúde.
Organização e características da oferta de serviços hospitalares:
O país possui 1.303 hospitais, dos quais 1.029 deles destinados ao tratamento de
agudos, sendo público 70% do financiamento desses. A configuração do sistema hospitalar
mudou com o fechamento de muitos hospitais de pequeno porte, fusões de hospitais e o
crescimento do número de hospitais dia e embora o número de leitos públicos tenha sido
bastante reduzido, o número de leitos privados apresentou discreto aumento. O número total
de leitos públicos caiu de 4,5 por 1.000 habitantes em 1995 para 4/1.000 em 2003 e o
número de leitos agudos por 1.000 habitantes também caiu, indo de 3/1.000 em 1995 para
2,6/1.000 em 2003, colocando o país abaixo da média da União Européia. Essa redução de
leitos foi acompanhada por estadias mais curtas, mais de 50% dos procedimentos
realizados em leitos-dia, crescimento das taxas de ocupação e mais preocupação com os
cuidados à saúde prestados na comunidade.
O tempo médio de permanência diminuiu nos últimos 10 anos para 6,3 dias e as
taxas de ocupação aumentaram. O tempo médio de espera para cirurgias eletivas, em 2002-
2003, era de 28 dias, variando de 22 a 46 dias nos vários estados e territórios. O percentual
de pacientes usando o setor privado aumentou desde 1990.
O percentual de gastos com a atenção hospitalar em relação aos gastos totais com
saúde vem diminuindo nos últimos 30 anos, caindo de 51,2% em 1980 para 39,2% em 2002.
Os hospitais públicos arcam com o cuidado de urgência e com os procedimentos de maior
complexidade enquanto os privados realizam os procedimentos cirúrgicos menos
complexos, embora nos últimos anos tenham incorporado modernas tecnologias que lhes
permitiram ampliar a sua atuação, servindo, inclusive como alternativa para a realização de
procedimentos nos quais são observados maior tempo de espera.
Panorama internacional
27
Canadá(21):
O Canadá é o segundo maior país em extensão territorial do planeta, com 9.984.670
km² e uma população de 34.349.561 habitantesd. Está dividido em 10 províncias e 3
territórios, sob governo parlamentar.
O sistema de saúde canadense, conhecido como Medicare tem financiamento
predominantemente público, contribuindo com 70% do volume de gastos. Os outros 30%
são originados de seguros privados (12%), despesas individuais (15%) e outras fontes (3%).
O sistema público é responsável pela atenção hospitalar, cuidados de longa duração,
atenção domiciliar e outros serviços. A administração e prestação de serviços é altamente
descentralizada, ficando sob responsabilidade dos governos das províncias.
Essa tendência teve início no final da década de 40, com a criação de um seguro
público para a atenção hospitalar, que foi se instalando nas diferentes províncias ao longo
dos anos seguintes, até década de 70. A cobertura também foi se ampliando e se estendeu
para outras áreas assistenciais a partir da década de 60, com financiamento público-privado
compartilhado. Essa forma de organização teve importante efeito indutor na organização de
sistemas de atenção médica e hospitalar de um padrão minimamente homogêneo nas
províncias e territórios que em 1972 já podia ser visualizado em todo o país.
Porém, em meados da década de 70 já pairavam sobre a proposta de
compartilhamento de despesas uma série de insatisfações e, no final dessa década, foi
estruturado o EPF – Financiamento de Programas Estabelecidos, no qual o montante
financeiro da esfera federal era repassado sob a forma de transferência de fundos em bloco
para as províncias, que ficavam encarregadas de administrar toda a assistência médica e
hospitalar. Pouco tempo depois, já eram relatados abusos nas cobranças de pacientes por
parte dos hospitais e dos médicos e, por essa razão, em 1984, foi aprovado e implantado
pelo governo federal o Canadian Health Act – CHA, que determinou, entre outras questões,
que os repasses financeiros fossem condicionados à organização da oferta de cuidados e a
não cobrança de taxas extras, que se tornaram passíveis de punição.
O sistema de saúde canadense hoje se baseia em 5 princípios:
Cobertura universal,
Cobertura abrangente,
Acessibilidade,
Portabilidade da cobertura, e
d Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama internacional
28
Administração pública dos planos de seguro.
O CHA permitiu a organização de um sistema de saúde que exibe as mesmas
características fundamentais nas 10 províncias e nos 3 territórios, embora não haja 2
províncias com programas exatamente iguais.
Uma característica importante do sistema de saúde canadense é que ele é
financiado com recursos públicos, mas é executado por serviços privados. As
responsabilidades são compartilhadas entre os vários níveis de governo, mas as províncias
exercem papel majoritário, conforme determina a constituição canadense.
O governo federal, além do repasse que efetua às províncias, se encarrega das
ações de saúde pública, regulação farmacêutica, cuidado das comunidades indígenas, dos
ex-combatentes e da vigilância em saúde.
Em muitas províncias, serviços não cobertos pelo sistema de saúde nacional como
cuidado odontológico e oftalmológico, são subsidiados pelo serviço social ou pagos pelos
próprios usuários. O cuidado à saúde do trabalhador é, habitualmente, financiado pelos
empregadores.
Em 2004, 43% dos gastos em saúde foram despendidos com atenção hospitalar e
cuidados médicos; 23% com programas das províncias e cuidados prolongados à saúde,
cuidado domiciliar, cuidados com a comunidade, saúde pública e medicamentos; 30% foram
gastos com serviços de saúde privados, especialmente com cuidado odontológico e
oftalmológico, como já mencionado acima e 4% foram gastos diretamente pelos serviços de
nível federal relativos à saúde pública, regulação de medicamentos, pesquisa e benefícios
para grupos especiais, incluindo-se aqui os indígenas.
Organização e características da oferta de serviços hospitalares:
No Canadá, todo o cuidado secundário, terciário, de emergência, cirurgias eletivas e
cuidado ambulatorial especializado é prestado por hospitais.
Os gastos com a atenção hospitalar tiveram um declínio no país, indo de 45% em
1976 a 30% em 2002. O número de leitos hospitalares veio sofrendo redução paulatina ao
longo dos anos, indo de 4,6 leitos por 1.000 habitantes em 1980 a 3,3 leitos por 1.000
habitantes em 2009, sendo quase 60% deles destinados ao tratamento de agudos, com
taxas de ocupação de 96,3%(4).
Entre 1995 e 2001 houve um declínio nas internações de 12,9% no país, variando de
2,8% a 21,3% em diferentes províncias.
O declínio do número de leitos e de internações foi atribuído a inúmeros fatores
como mudanças na prática clínica, crescimento do número de cirurgias ambulatoriais e em
Panorama internacional
29
leitos-dia, possíveis com a incorporação de novas tecnologias. O tempo médio de
permanência, porém, embora tenha declinado em algumas províncias, na média nacional
apresentou um pequeno aumento.
Algumas províncias optaram por fazer parcerias público-privado para a construção
de novos hospitais e utilizá-los mediante o pagamento de uma taxa de aluguel, o que a priori
pareceu ser uma boa opção para evitar gastos pesados por parte do governo. Outras
experiências similares, porém, como no Reino Unido, mostraram que esse tipo de arranjo
acabou custando mais caro com o passar de longos períodos de tempo.
Panorama internacional
30
Espanha(22):
A Espanha tem uma população de 46.454.895 habitantes sobre um território de
quase 505.370 mil km²e. O país está dividido em 17 regiões, 52 províncias e mais de 8.000
municípios e é governado por uma monarquia parlamentar desde 1978.
Desde o princípio do século 20 têm sido feitos movimentos no sentido de criar
mecanismos de segurança social à população. A primeira tentativa de criar um seguro de
saúde para trabalhadores com baixo ganho ocorreu na década de 30. Em 1936, o golpe de
do General Franco no governo iniciou uma guerra civil que levou ao estabelecimento de um
regime autoritário que durou até 1975.
A organização de um sistema de seguridade social aplicada também à saúde teve
início em 1942 e se estendeu até 1977. Durante a década de 60 foi construída uma grande
rede de serviços públicos de saúde. A população coberta por esse sistema foi crescendo
paulatinamente, indo de 53,1% em 1966 para 81,7% em 1978.
Em 1977 foi criado o Ministério da Saúde e a constituição de 1978 tornou o sistema
de saúde universal, reconhecendo o direito à melhoria de condição de saúde para toda a
população, buscando equidade de acesso a serviços de saúde adequados e uma
distribuição equilibrada nos recursos de saúde entre os vários territórios.
Em 1986 foi publicada a lei que criou o Sistema Nacional de Saúde – SNS espanhol
com os seguintes princípios:
Acesso universal e gratuito a todos os cidadãos;
Financiamento público a partir da arrecadação de impostos;
Integração das várias redes de serviços na estrutura do Sistema Nacional de Saúde;
Devolução política da organização de serviços às regiões com a organização de
regiões de saúde;
Um novo modelo de atenção primária com ênfase na integração das ações de
promoção, prevenção e reabilitação.
Nos dias atuais o Sistema Nacional de Saúde espanhol oferece cobertura universal e
é financiado por arrecadação de impostos e operado predominantemente por serviços
públicos. A prestação de serviços é livre de cobrança extra aos pacientes, exceto pelas
prescrições medicamentosas para pacientes menores de 65 anos. Nos últimos 25 anos, até
2002, o SNS passou por intenso processo de descentralização, sendo administrado
e Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama internacional
31
regionalmente. O modelo mais comum é que haja duas organizações separadas, uma que
cuida da atenção primária e outra que cuida dos serviços especializados (hospitais e
ambulatórios), com uma tendência marcante a evoluir para estruturas únicas de comando
com a integração desses dois grandes setores.
Em 2003 foi publicada uma lei que determinou novos limites de governabilidade e
comando, prevendo para o Ministério da Saúde a função de vigilância do sistema, a fim de
garantir direitos e compromissos nas 17 regiões, mas sem papel executivo sobre os
sistemas regionais.
Também foi criado um Conselho Inter territorial do SNS, composto por
representantes de cada região e do ministério, a quem coube o papel de maior autoridade
no sistema nacional de saúde. Em 2006 esse Conselho construiu, aprovou e implantou uma
cesta mínima de procedimentos a serem ofertados a todos os cidadãos espanhóis.
O gasto espanhol com saúde em 2007 atingiu US$ 2.671 per capita e 8,5% do PIB,
sendo 71% com o setor público, 5,5% com seguros privados, 22,5% em despesas privadas
e 1% de outras fontes. Dos gastos públicos, 54% foram despendidos com o sistema
hospitalar e especializado, 16% com a atenção primária, 19,8% em despesas com
medicamentos e 1,4% em prevenção e saúde pública.
Organização e características da oferta de serviços hospitalares:
As menores células organizacionais do sistema são as Equipes de Saúde da
Atenção Básica (cada uma atendendo a aproximadamente 3.500 pessoas), formadas por
médicos de família, pediatras, enfermeiros e assistentes sociais, em torno das quais se
organiza todo o sistema, configurando regiões de saúde de 200 a 250 mil habitantes.
Aproximadamente 40% dos hospitais existentes são públicos e os 60% restantes são
privados, embora muitos deles prestem serviços para o setor público. Pesquisas recentes
mostram que 71,2% dos hospitais privados dependem do financiamento do setor público. Os
hospitais privados são, geralmente, menores que os públicos.
Existem 3,4 leitos agudos para cada 1.000 habitantes sendo 71% deles mantidos
pelo setor público. Cerca de 40% desses leitos estão localizados em hospitais altamente
especializados, com mais de 500 camas. Cada região de saúde tem pelo menos um desses
hospitais. Os leitos psiquiátricos, de longa permanência e leitos dia não estão incluídos
nesse total.
Nas últimas duas décadas houve um decréscimo marcante no número de leitos
psiquiátricos, acompanhado de um discreto aumento do número de leitos para cuidados
prolongados. O Sistema Nacional de Saúde administra 80% dos leitos agudos contra
apenas 36% dos leitos psiquiátricos e 30% dos leitos para cuidados prolongados.
Panorama internacional
32
Conforme a tendência observada em outros países europeus, houve diminuição na
oferta de leitos agudos, com introdução progressiva de leitos dia destinados a cirurgias,
quimioterapia e hemodiálise, entre outros. Em 1997 a Espanha contava com 4.163 desses
leitos e em 2007 o número se ampliou para 10.468 leitos dia.
Panorama internacional
33
França(23):
A França tem uma população de 63.125.894 habitantes vivendo sobre um território
de 549.190 km²f.O país está dividido em 26 regiões, compostas por 100 departamentos, nos
quais se encontram 36.679 municípios. O sistema de governo é a democracia parlamentar,
sendo o país governado por um presidente, pela Assembleia Nacional e pelo Senado.
O sistema de seguridade social francês, incluindo o Seguro de Saúde Estatutário -
SHI foi instituído em 1945, logo depois da segunda guerra mundial. Desde então, inúmeros
movimentos de reforma vêm acontecendo em direção à universalização da cobertura, o que
só se concretizou através da Lei de Cobertura de Saúde Universal, no ano 2000.
As reformas observadas no sistema de saúde francês na última década tiveram por
objetivos principais conter as despesas do SHI, sem prejudicar o acesso da população aos
serviços de saúde, promover equidade geográfica no acesso e fazer frente ao aumento da
demanda por cuidados prolongados, além de uma marcada tendência na descentralização
da gestão do sistema.
O sistema de saúde francês é universal e oferece cobertura a aproximadamente 75%
de um pacote de procedimentos considerados básicos, sendo o restante dos procedimentos
acessível para a população apenas mediante compra direta ou através de planos de saúde.
A responsabilidade sobre o sistema de saúde é compartilhada pelo Estado (parlamento,
governo e administração da saúde e assuntos sociais), pelo SHI e, em menor escala, pelos
governos locais, sendo a descentralização para o nível regional de governo uma tendência
marcante nos últimos 20 anos. Em 2009 foi publicada a “Lei de Hospitais, Pacientes, Saúde
e Territórios” - HPHT, que unificou vários componentes regionais de gestão numa Agência
Regional de Saúde, responsável por garantir que os serviços de saúde atendessem às
necessidades dos cidadãos, integrando os serviços ambulatoriais e hospitalares, dentro dos
limites traçados pela política nacional. As coberturas do SHI podem variar de 15%, no caso
de medicamentos a 80% nas hospitalizações. Há, porém, algumas situações em que a
cobertura é integral, como por exemplo, gravidez acima do 5° mês e doenças crônicas.
Os recursos do SHI são provenientes, em sua maior parte, da arrecadação de
empregadores e trabalhadores. O restante dos recursos, por volta de 13%, vem da
arrecadação de impostos. Os seguros de saúde voluntários são utilizados para reembolsos,
pagamento compartilhado e melhor acesso a alguns procedimentos que têm cobertura
f Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama internacional
34
pública muito pequena. Os valores gastos através desses seguros vêm crescendo na última
década e correspondem a 13,4% dos gastos com saúde.
Em 2007, a França investiu 11% do PIB na atenção à saúde, sendo que desse
volume, 79% foram aplicados no sistema público, com um gasto per capita de EU$ 3.000.
Do total de despesas com saúde, 42,5% dizem respeito à atenção hospitalar, 29,7% a
atenção ambulatorial, 16,3% a medicamentos e 2,7% a cuidados domiciliares.
O cuidado hospitalar é realizado por profissionais liberais, através de uma tabela de
serviços cujos valores são estabelecidos em acordos plurianuais entre o SHI e os
trabalhadores de saúde. Os hospitais se submetem a processos de certificação a cada 4
anos e os médicos, dentistas, farmacêuticos e parteiras são solicitados a cumprirem
programas continuados de capacitação ao longo de suas carreiras.
O cuidado de longa permanência, aos idosos e pessoas com incapacidade é
financiado em parte pelo SHI e em parte pela sociedade francesa, através das economias
feitas com o trabalho voluntário que conta com importante adesão de amplos setores da
sociedade.
Os pacientes podem pagar diretamente por seu atendimento e depois serem
reembolsados pelos valores tabelados pelo sistema, ou ainda, há uma parcela de médicos
que recebem diretamente do SHI, também pelos valores pré-fixados.
Organização e características da oferta de serviços hospitalares:
Em 2006 existiam 2.840 hospitais na França, sendo por volta de um terço deles
públicos (1.000). Destes, 31 eram hospitais regionais, os mais especializados do sistema,
em sua maioria ligados a universidades ou caracterizados como hospitais de ensino, 618
hospitais gerais (89 deles psiquiátricos e os outros 529 prestavam atendimento agudo em
clínica médica, cirurgia, pediatria e obstetrícia, além de reabilitação e cuidados prolongados)
e 343 pequenos hospitais locais, com uma média de 160 leitos, com uma função social e de
saúde e realizando cuidados agudos, reabilitação e cuidados prolongados, mas não
estruturados para a realização de procedimentos cirúrgicos ou partos. Os hospitais não
lucrativos compõem 30% do total de hospitais (780) e são responsáveis por 15% dos leitos
disponíveis, sendo 10% do total de leitos agudos e um terço dos leitos de reabilitação.
Os hospitais privados desempenham um papel importante na França,
correspondendo a 35% dos hospitais (1.050), com 20% dos leitos existentes, com tendência
a aumentar sua participação no sistema de saúde, inclusive público, após a lei HPHT de
2009, que determinou que os hospitais privados lucrativos pudessem prestar serviços para o
setor público mediante contrato e pagamento por prestação de serviços. Criou ainda um
Panorama internacional
35
novo tipo de contrato através dos grupos de cooperação sanitária para permitir a
cooperação entre hospitais públicos e privados.
Os hospitais públicos arcam com um terço dos procedimentos cirúrgicos,
especialmente os mais complexos. Outros 50% dos procedimentos cirúrgicos são realizados
pelo setor privado lucrativo, entre eles 75% das cirurgias realizadas em leito-dia. Esses
hospitais tendem a se especializar em procedimentos rotineiros, com internações de curta
permanência, como cataratas, varizes, cirurgias de túnel do carpo, entre outras. O setor
privado não lucrativo realiza a maior parte dos tratamentos de câncer.
Como nos outros países europeus, o número de leitos hospitalares vem caindo nos
últimos 20 anos. Em 2008 havia 6,9 leitos para cada 1.000 habitantes, mais 0.9 leitos dia
para cada 1.000 habitantes, sendo metade dos leitos e dois quintos dos leitos-dia exclusivos
para o tratamento de agudos. Além desses, mais 0,2 leitos domiciliares por 1.000
habitantes, 90% deles utilizados para internações de agudos. O número de leitos agudos
caiu de 6 por 1.000 habitantes em 1990 para 3,4 em 2006. A redução de leitos foi
acompanhada pela transformação de leitos agudos em leitos para reabilitação, cuidados
prolongados e leitos dia.
O número de cirurgias ambulatoriais ou em leito-dia vem aumentando nos últimos
anos, de 48% em 2001 para 53,4% em 2006, bem como o setor de reabilitação, de 30,9%
para 39,2% no mesmo período. A média de permanência apresentou tendência à
diminuição, indo de 5,7 dias em 2001 para 5,4 em 2006, no entanto, a taxa de ocupação dos
leitos agudos ainda continuou baixa em relação ao observado em países vizinhos (73,4%)
como o Reino Unido, Itália, Espanha e Alemanha.
Os serviços de saúde sofreram com a falta de investimento entre 1983 e 2003, mas
em 2003 foi elaborado o “Plano Hospitalar 2007”, que previu o investimento de 6 bilhões de
euros na atenção hospitalar, um quarto com recursos do SHI e três quartos com
empréstimos realizados pelos próprios hospitais, para pagamento em 20 anos. Nesse
período, o governo realizou arrendamento de hospitais próprios ou mesmo de terra para
construção de hospitais privados, com períodos contratuais que variavam de 18 a 99 anos.
O plano inicial foi cumprido, mas o investimento total no período acabou sendo da ordem de
16 bilhões de euros.
O segundo plano, o “Plano Hospitalar 2012” teve início em 2007 e foi introduzido
para dar continuidade ao ciclo de investimentos anterior. Desta vez o investimento previsto
foi de 7 bilhões de euros, sendo 5 do SHI e outros 2 do setor privado, financiados a juros
especiais. Esse plano tinha três prioridades: aporte de tecnologia de sistemas de
informações, reestruturação de hospitais a nível local e melhoria nos padrões de qualidade.
Panorama internacional
36
Reino Unido da Grã-Bretanha - Inglaterra(24):
O Reino Unido tem uma população de 62.417.431 habitantes, distribuídos sobre um
território de 243.610 km² de extensãog.
A Inglaterra é um dos quatro países que, junto com a Irlanda do Norte, Escócia e o
País de Gales compõem o Reino Unido da Grã-Bretanha. A população inglesa, em 2009, foi
estimada em 51,8 milhões de habitantes (83,8% da população do Reino Unido), sobre um
território de 130.439 km², divididos em 354 pequenos territórios. O Reino Unido é uma
monarquia constitucional, governada pelo parlamento, cujos membros são eleitos
democraticamente, a cada 5 anos.
O Sistema Nacional de Saúde – NHS inglês oferece atenção primária à saúde,
serviços hospitalares e medicina preventiva, com ampla liberdade de escolha pelos
usuários. Cerca de 13% da população possui seguro médico privado, que é utilizado,
majoritariamente para cirurgias eletivas. O órgão responsável pela saúde a nível central,
subordinado ao parlamento, é o Departamento de Saúde, que conta com 10 grupos
regionais (PCOs) responsáveis pelo acompanhamento dos sistemas locais de saúde em
suas respectivas áreas de cobertura. A essas organizações regionais estão ligados 151
territórios organizados de atenção primária, cada um deles com cobertura a
aproximadamente 340 mil pessoas.
O financiamento do NHS é feito a partir de impostos e de um seguro de saúde
nacional. A despesa em saúde, em relação ao PIB cresceu muito nos últimos anos, indo de
5,6% em 1980 a 8,7% em 2008. O gasto per capita também vem crescendo e, em 2008,
atingiu US$ 3.129.
O gasto público em saúde caiu de 89,4% do total em 1980, para 79,3% em 2000,
voltando a subir desde então, atingindo 82,6% em 2008. O gasto privado cresceu de 10,6%
em 1980 para 20,7% em 2000 e a partir de então vem mostrando tendência ao declínio,
atingindo 17,4% em 2008.
O Departamento de Saúde destina 80% de seu orçamento aos territórios de atenção
primária e, desde 1999, houve mudanças significativas na forma de pagamento de serviços,
especialmente ao setor hospitalar, com a introdução em 2003-2004 do pagamento por
metas. Os médicos também passaram a ter sua remuneração ponderada pelo alcance de
objetivos previamente determinados e pactuados, tanto na atenção primária como na
especializada. Alguns serviços não são cobertos pelo NHS e são adquiridos diretamente
g Disponível em: http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama internacional
37
pelos pacientes, configurando gastos privados individuais no sistema. O gasto privado anual
per capita com saúde cresceu de 62 libras em 1990 para 230 libras em 2008, com
estimativas de que a maior parte (200 libras) tenha sido gasta com medicamentos.
No início do século XX houve iniciativas governamentais no sentido de garantir
assistência à saúde da população, mas apenas em 1948 foi criado o Sistema Nacional de
Saúde Britânico (NHS). Desde sua criação, o NHS vem passando por inúmeras reformas ao
longo dos anos e sob diferentes governos. Em 1962 foi elaborado um plano de construção
de novos hospitais distritais, para cobertura de populações acima de 150 mil habitantes que,
por conta da crise econômica mundial foi apenas parcialmente levado a cabo.
Um grande processo de mudança teve origem em 1974 com a Lei de Reorganização
do Serviço Nacional de Saúde e esse período foi marcado por iniciativas de uma melhor
repartição dos recursos federais, levando em conta as diferentes características e
necessidades regionais.
Os anos 80 e 90 foram marcados pela busca de maior eficiência no sistema, como
melhoria no custo de alguns programas, uso de indicadores de desempenho, melhoria nos
serviços de suporte hospitalares como lavanderia e limpeza e outras.
A despeito de todas essas medidas, a pressão financeira sobre o NHS continuou e
em 1990 foi publicada a Lei do Serviço Nacional de Saúde e Cuidado Comunitário, que deu
início a um período que se estendeu até 1997, durante o qual se desenvolveu uma lógica de
mercado no NHS, com o objetivo de “aumentar sua eficiência”, transformando os distritos de
saúde em compradores e os hospitais em prestadores de serviços, dentro de um grupo
limitado de procedimentos, com um orçamento previamente definido, a despeito de quais
fossem as reais necessidades da população.
Em 1997, o partido trabalhista foi eleito e anunciou que faria mudanças radicais no
NHS. O novo governo rejeitou, em particular, a noção de mercado no cuidado à saúde que
havia sido cultivada no período anterior, afirmando que ela gerava gastos desnecessários na
administração do sistema e distanciava o NHS de seu foco nas necessidades dos pacientes.
Reconhecendo que havia longas filas de espera, que a qualidade dos serviços
prestados era por vezes muito baixa e que o sistema, apesar de ser nacional comportava
diferenças muito grandes entre as várias regiões, o governo propôs ações baseadas em
seis eixos principais:
Renovar o NHS como um genuíno serviço nacional, que garantisse aos pacientes
acesso a serviços de alta qualidade, prontamente, em todo o território;
Transformar a prestação de serviços nos moldes acima mencionados numa
responsabilidade local;
Panorama internacional
38
Fazer com que o Sistema Nacional de Saúde trabalhasse em estreita parceria com
os governos locais, quebrando as barreiras organizacionais existentes;
Buscar eficiência através de uma aproximação mais rigorosa ao bom desempenho e
evitando a burocracia;
Deslocar o foco para a qualidade do cuidado como única possibilidade de garantir
excelência em todos os níveis de serviços prestados a todos os pacientes;
Reconstruir a confiança da população no Sistema Nacional de Saúde como um
serviço público.
As mudanças propostas pelo governo no período de 1997 a 2000 mostravam
claramente a intenção de aprimorar o NHS, especialmente no que dizia respeito à
qualidade.
A partir do ano 2000, o governo anunciou que faria aumentos substanciais no
orçamento da saúde, com o objetivo de torná-lo equivalente ao investimento médio da União
Europeia naquele período. Isso exigiria um aumento de 2% no que era investido, em relação
ao PIB. Tais recursos foram destinados a:
Implantar 7.000 novos leitos para cuidados intermediários;
Abrir 100 novos hospitais até 2010;
Criar 500 novos serviços de urgência;
Investir em Tecnologia de Informação;
Contratar 7.500 especialistas, 2.000 generalistas, 20.000 enfermeiras, 6.500
terapeutas;
Criar 1.000 novas escolas;
Reduzir o tempo de espera ambulatorial para o máximo de 3 meses e o tempo de
espera para cirurgias para o máximos de 6 meses até 2005;
Garantir acesso a um profissional da atenção primária em até 24 horas e a um
médico generalista em até 48 horas;
Reduzir a taxa de mortalidade por doenças cardíacas em pessoas com menos de 75
anos em 40% e por câncer em 20%, além das causas externas e violências em 20%;
Diminuir as diferenças na condição de saúde entre pessoas de diferentes classes
sociais, bem como daquelas que viviam em locais mais distantes e menos
populosos.
Muitas outras metas foram estabelecidas naquele momento e nos anos que se
seguiram até 2010. A partir de 2007 o Departamento de Saúde focalizou a necessidade de
ações de promoção de qualidade de vida e saúde, bem como de busca e preservação do
máximo de autonomia para cada cidadão.
Panorama internacional
39
Apesar de o governo nacional ter trabalhado fortemente e com bastante rigor no que
diz respeito aos padrões de qualidade e objetivos, esse período foi também de grande
descentralização, dando aos gestores locais ampla liberdade de planejarem e executarem
as ações mais indicadas, de acordo com as necessidades de suas comunidades.
O sistema de saúde inglês se organiza genericamente em três níveis de atenção:
A atenção primária é responsável pelas ações de saúde pública, pela assistência
médica, odontológica e farmacêutica, além de exercer papel regulador do acesso a
serviços de saúde mais especializados, nos quais é exigido o encaminhamento do
médico generalista. Esses serviços estão geralmente localizados em hospitais. O
médico generalista é, normalmente, um profissional liberal ou pode estar ligado a
empresas ou cooperativas;
A atenção secundária, especializada, na qual os profissionais geralmente são
assalariados, trabalhando nos hospitais públicos e;
A atenção terciária, que contempla procedimentos de alta complexidade e é
desempenhada, majoritariamente por Hospitais de Ensino.
Os cuidados prolongados estão sob responsabilidade do serviço social, podendo ser
prestados em instituições ou na comunidade e contam com financiamento público e privado.
Organização e características da oferta de serviços hospitalares:
Ao ser criado, o NHS nacionalizou a heterogênea rede de hospitais já existente e
propôs uma reformulação de sua função e distribuição com o Plano Hospitalar, em 1962, de
acordo com o qual cada distrito com população entre 100 e 150 mil habitantes deveria ter
um hospital geral no qual algumas especialidades estariam presentes. Os hospitais teriam
três portes, sendo a maioria deles de porte médio. Hospitais pequenos deveriam ser
mantidos somente nas regiões menos povoadas do país. Por questões financeiras, o plano
não chegou a ser implementado por completo, porém, em 1949 existiam 2.138 hospitais e
em 1989-90 esse número se reduziu para 1.185. A maior parte deles eram pequenos
hospitais com menos de 250 leitos, embora 10% deles tivessem acima de 500 leitos. Entre
1990 e 1994, mais 245 hospitais foram fechados, sendo 60 deles hospitais de agudos e 14
maternidades.
Em 1950 havia 271 mil leitos agudos nos hospitais do NHS na Inglaterra (6,6 leitos
por 1.000 habitantes). Em 1971, havia 149 mil (3,2 leitos por 1.000 habitantes). Nos 20 anos
seguintes houve uma redução no ritmo de diminuição de leitos e em 1990 havia 121 mil
leitos (2,5 leitos por mil habitantes). Desde então, foi havendo um declínio constante no
número de leitos e em 2009-10, havia 100 mil leitos (1,9 leitos por mil habitantes). Se
considerarmos os leitos para pacientes idosos, teremos 2,3 leitos por 1.000 habitantes, o
que ainda representa uma queda significativa no total de leitos nas 2 últimas décadas.
Panorama internacional
40
Ao analisarmos o número total de leitos, verificamos que houve uma queda de 270
para 158 mil entre 1989-90 e 2009-10. A maior parte desses 112 mil leitos era composta por
leitos psiquiátricos (33.700), para pessoas com dificuldades de aprendizagem (23.600) e
leitos em alas geriátricas (27.800). Como já foi descrito acima, houve também uma
diminuição de 20.550 leitos agudos, o que foi parcialmente compensado com um aumento
de 8.300 leitos dia. Paradoxalmente, a desativação de tantos leitos para saúde mental e
dificuldades de aprendizagem elevou a proporção de leitos agudos do sistema de 45 para
64% do total nesse período. O número de leitos privados no Reino Unido, embora tenha
apresentado aumento nos últimos anos, ainda é bastante baixo em comparação com outros
países europeus, atingindo 6,5% do total de leitos existentes.
Em 1998, porém, a falta de leitos e as grandes listas de espera fizeram com que
políticos e gestores de saúde acreditassem que o movimento de diminuição do número de
hospitais e leitos tinha ido longe demais. Foi cogitada a possibilidade de construção de
novos hospitais, mas afinal, o que foi proposto pelo NHS Plan, no ano 2000, foi a reposição
ou melhoria de 100 hospitais até 2010. De fato, em 2008-09 o plano já estava concluído e
foram repostos ou melhorados 104 hospitais, que disponibilizaram 7.000 leitos de
complexidade intermediária para o sistema.
Os hospitais gerais geralmente trabalham com o atendimento de casos agudos e
eletivos. A partir de 2002, começou a haver uma separação entre o cuidado a agudos e
eletivos, através da criação de “centros de tratamento” nos quais eram realizadas cirurgias
eletivas, especialmente em leitos dia, e exames diagnósticos, tendo sido os mesmos
protegidos da demanda de casos agudos. Em 2003, o governo anunciou um programa
destinado à ampliação dessa modalidade de serviços. Em dezembro de 2009, havia 35
novos “centros de tratamento” em funcionamento.
Ressaltamos que em 2009-10, 73% dos procedimentos cirúrgicos eletivos foram
realizados em leitos dia. Observou-se ainda que, apesar da diminuição do número de leitos,
entre 1998-99 e 2008-09 o número de internações por mil habitantes cresceu de 175 para
225, demonstrando a melhoria na organização do sistema.
O fechamento de hospitais e a redução do número de leitos foram compensados
pelo aumento das taxas de ocupação dos leitos existentes, pela diminuição do tempo de
permanência nesses leitos e, como já foi mencionado acima, pelo aumento do número de
leitos dia.
Quanto ao cuidado terciário e especializado a condições muito específicas e graves,
é prestado por hospitais maiores, geralmente também com função de ensino, distribuídos ao
longo das grandes cidades, num total de cerca de 50 no país.
Panorama internacional
41
Finalmente, um dos grandes desafios do sistema, que se tornou também um dos
grandes indicadores de seu avanço, foi o tempo de espera por procedimentos. Em 1998,
havia 1.300.000 pessoas esperando por procedimentos, com um tempo médio de espera de
até 2 anos. Em 2004, um tempo máximo de 18 semanas foi alcançado e em dezembro de
2009, o tempo médio para procedimentos ambulatoriais era de 4,2 semanas e para
internações de 7,7 semanas.
A Quadro 1 abaixo sintetiza como se comporta o investimento em saúde nos países
que descrevemos, demonstra os valores médios da OCDE e também do Brasil.
Quadro 1 - Valores anuais - PIB per capta, percentual do PIB gasto em saúde, percentual do PIB gasto com o setor público, gasto per capta com saúde e gasto público per capta com saúde nos países descritos e no Brasil em 2009 (ou informação mais próxima disponível)
PIB per
capta US$
% PIB gasto
total com
saúde
% PIB gasto com
saúde: setor
público
Gasto anual per
capta com saúde:
US$
Gasto público anual
per capta com saúde
US$
Austrália 57.119 8,7 5,8 3.445 2.200
Canadá 46.361 11,4 8,0 4.363 3.000
Espanha 30.543 9,5 6,5 3.067 2.100
França 39.546 11,8 9,0 3.978 2.600
Grã-Bretanha 36.327 9,8 8,0 3.487 3.000
Média OCDE 9,6 6,5 3.233 2.300
Brasil 10.716 9,0 4,0 943 380
Fonte: OECD (11) e PIB: IBGE – PAÍSES@h
Podemos perceber que, em relação ao Produto Interno Bruto, os gastos percentuais
do Brasil com saúde estão apenas um pouco abaixo da média da OCDE, porém,
comparando o PIB dos vários países e do Brasil e considerando que o Brasil é o único país,
em relação a essa média e os outros países mencionados, em que o gasto público
corresponde a menos de 50% das despesas totais, fica fácil compreender o quanto ainda é
insuficiente o investimento público em saúde, em valores absolutos.
h http://www.ibge.gov.br/paisesat/main.php
Panorama nacional
42
Panorama nacional:
A Portaria GM/MS 1.101 de junho de 2002 estabeleceu parâmetros de cobertura
assistencial no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS e, em que pese o fato dela ser um
pouco antiga e, portanto, suscetível a uma série de questionamentos, está vigente e vem
determinando fortemente a regulação da oferta de serviços do SUS.
A Portaria 1.101 determina que seus parâmetros devem ser aplicados às ofertas do
SUS e do setor privado, sendo, portanto, parâmetros de necessidade geral. No que diz
respeito à maioria dos procedimentos, entretanto, sabemos que os parâmetros da Portaria
1.101 habitualmente são aplicados apenas às ofertas do SUS, não sendo realizados
estudos concomitantes sobre as suas produções na Saúde Suplementar (SS) ou no setor
privado. Possivelmente essa distorção se deva ao fato de, historicamente, o hospital ocupar
um espaço central no custo do sistema de saúde, no imaginário das pessoas e, por
conseguinte, no centro das atenções dos próprios planejadores e gestores do SUS.
Em relação à necessidade de leitos, no enunciado do texto, a Portaria 1.101
estabelece que são necessários 2,5 a 3 leitos por mil habitantes, porém, logo a seguir
apresenta a Tabela abaixo, que mostra necessidades e percentuais por especialidade do
leito, cujos totais indicados situam-se entre 2,07 a 3,38 leitos por mil habitantes.
Tabela 1 - Parâmetros de necessidade de leitos por especialidade, em percentuais
do total e leitos por mil habitantes.
Área especializada % do total Leitos/1000
C. Médica 26,82 0,78
C. Cirúrgica 14,99 0,44
Cuid. Prolongados 5,62 0,16
C. Obstétrica 9,49 0,28
C. Pediátrica 14,06 0,41
C. Psiquiátrica 15,31 0,45
Reabilitação 4,72 0,14
Tisiologia 0,42 0,01
PSI hospital dia 2,73 0,08
Fator de ajuste 5,83 0,17
Total 100 2,07 – 3,38
Fonte: Portaria GM/MS 1.101 de 12 de junho de 2002.
Panorama nacional
43
Em outro trecho da mesma portaria encontramos outra afirmação:
NÚMEROS DE LEITOS/HABITANTE/ANO:
a) Os parâmetros de cobertura hospitalar (necessidade de leitos)
referem-se aos leitos SUS + os leitos SAMS (Sistema de
Atenção Médica Supletiva) + leitos SDD (Sistema de
Desembolso Direto);
b) Hospitais locais ou Unidades Básicas de Internações (clínicas
básicas: médica, ginecológica, obstétrica, pediátrica) atendido
por médico generalista ou especialista nestas áreas, têm como
parâmetro, 2 leitos/1000 habitantes na área urbana da sede do
Município, mais 1 leito/1000 habitantes na área rural;
c) Hospitais Regionais (Clínicas Básicas mais especialidades
consideradas estratégicas e necessárias para a área
programática (área geográfica da Programação), têm como
parâmetro 2 leitos/1000 habitantes na área urbana da sede, mais
1 leito/1000 habitantes na área rural da sede, mais 1 leito/1000
habitantes nas outras áreas urbanas atingidas, e mais 0,5
leito/1000 habitantes nas outras áreas rurais atingidas”.
Assim sendo, teríamos uma variação de necessidade de leitos por 1000 habitantes a
depender do tipo de hospital em foco: se hospital local, 3 leitos por mil habitantes, se
hospital regional, 4,5 leitos por mil habitantes.
Essa breve leitura da Portaria 1.101 nos remete a alguns questionamentos:
- É a tipologia do hospital instalado que deve determinar o número de leitos necessários
para uma determinada população ou seria a leitura de suas necessidades?
- O Ministério da Saúde, ao elaborar a portaria, tinha alguma clareza sobre a adequação e
pertinência dos parâmetros preconizados, visto que recomendou múltiplos valores em
diferentes trechos?
- Poderíamos “inferir” pela Portaria que, em tempos de implementação de Redes Regionais
de Atenção, o MS preconiza a oferta de 4,5 leitos por mil habitantes?
Levantamento realizado pelos autores junto ao Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde – CNES no mês de outubro de 2011 mostrou que o Brasil,
naquele momento, pois teoricamente o cadastro deve ser dinâmico e atualizado
mensalmente, contava com um total de 504.338 leitos, sendo 356.608 (70%) deles leitos
SUS e 147.730 (30%) não SUS, num total de 2,62 leitos/1.000 habitantes, sendo 1,85
Panorama nacional
44
leitos/1.000 habitantes para os usuários do SUS, incluindo-se aqui todos os tipos de leitos:
gerais, especializados, de UTI, longa permanência, psiquiátricos, etc.
No que diz respeito aos leitos não SUS, se usarmos a população de usuários do
Sistema Suplementar (SS), cuja média nacional em 2011 foi de 24,6%, teremos 3,12
leitos/1000 habitantes para esse segmento da população, conforme se vê no Quadro 2,
abaixo:
Quadro 2 - Número total de leitos, leitos SUS e leitos não SUS, População total,
Porcentagem de cobertura do sistema suplementar, População com cobertura do sistema
suplementar a saúde complementar, Total leitos por 1000 habitantes, Leitos SUS por 1000
habitantes, Leitos não SUS por 1000 usuários com cobertura do sistema suplementar por
Estado, 2011.
Panorama nacional
45
Número total de leitos, leitos SUS e leitos não SUS População
total
% cobert.
SS
População com
cobertura SS
Total leitos/1000
hab.
Leitos SUS/1000
hab.
Leitos não SUS/1000 usuários com SS Total SUS Não SUS
Acre 1.559 1.370 189 746.375 6 44.783 2,09 1,84 4,22
Alagoas 6.851 5.780 1.071 3.143.338 11,8 370.914 2,18 1,84 2,89
Amazonas 6.661 5.640 1.021 3.538.359 10,3 364.451 1,88 1,59 2,80
Amapá 1.136 962 174 684.301 15,2 104.014 1,66 1,41 1,67
Bahia 31.819 26.119 5.700 14.097.333 10,4 1.466.123 2,26 1,85 3,89
Ceará 20.657 15.953 4.704 8.530.058 12,2 1.040.667 2,42 1,87 4,52
Df 8.003 5.304 2.699 2.609.998 25,2 657.719 3,07 2,03 4,10
Espírito Santo 8.570 5.823 2.747 3.547.013 32,1 1.138.591 2,42 1,64 2,41
Goias 18.727 13.182 5.545 6.080.588 15,1 918.169 3,08 2,17 6,04
Maranhão 14.650 12.791 1.859 6.645.665 6 398.740 2,20 1,92 4,66
Minas Gerais 48.689 34.893 13.796 19.728.252 13,2 2.604.129 2,47 1,77 5,30
Mato Grosso Sul 6.161 4.055 2.106 2.477.504 17,3 428.608 2,49 1,64 4,91
Mato Grosso 7.145 5.236 1.909 3.075.862 25,5 784.345 2,32 1,70 2,43
Para 16.822 12.033 4.789 7.688.531 9,8 753.476 2,19 1,57 6,36
Paraíba 10.220 8.438 1.782 3.791.200 9,7 367.746 2,70 2,23 4,85
Pernambuco 22.602 18.331 4.271 8.864.803 23,8 2.109.823 2,55 2,07 2,02
Piauí 8.606 7.297 1.309 3.140.213 16 502.434 2,74 2,32 2,61
Paraná 31.423 22.409 9.014 10.512.151 6,9 725.338 2,99 2,13 12,43
Rio de Janeiro 54.576 32.652 21.924 16.112.637 37,7 6.074.464 3,39 2,03 3,61
Rio Gde do Norte 8.131 6.879 1.252 3.198.572 16,3 521.367 2,54 2,15 2,40
Rondônia 4.340 3.178 1.162 1.576.423 23,5 370.459 2,75 2,02 3,14
Roraima 905 889 16 460.157 12 55.219 1,97 1,93 0,29
Rio Gde do Sul 33.470 22.902 10.568 10.732.770 5,9 633.233 3,12 2,13 16,69
Santa Catarina 16.756 12.352 4.404 6.316.906 24,1 1.522.374 2,65 1,96 2,89
Sergipe 4.417 3.350 1.067 2.089.783 44,2 923.684 2,11 1,60 1,16
São Paulo 108.777 66.482 42.295 41.586.892 13,1 5.447.883 2,62 1,60 7,76
Tocantins 2.665 2.308 357 1.400.813 6,1 85.450 1,90 1,65 4,18
Total 504.338 356.608 147.730 192.376.497 24,60 47.324.618 2,62 1,85 3,12
Fontes: CNES e DATASUS
Panorama nacional
46
O número total de leitos por unidade da federação varia de 1,66 leitos/1000 no
Amapá a 3,39 leitos/1000 habitantes no Rio de Janeiro. Notar que apenas três estados,
além do Rio de Janeiro, apresentam número total de leitos acima de 3/1000 habitantes:
Santa Catarina (3,12), Goiás (3,08) e o Distrito Federal (3,07). Se utilizarmos os leitos SUS,
o total de leitos disponíveis oscila de 1,41 leitos/1000 no Amapá a 2,32 leitos/1000
habitantes no Piauí. Em relação aos sistemas privado e suplementar a escassez parece
ficar heterogeneamente atenuada e o número de leitos varia de 1,67/1000 no Amapá a
16,69/1000 no Rio Grande do Sul, ficando acima dos 3 leitos/1000 em 16 estados (59%
deles).
Assim como os totais apresentados por cada estado da Federação, os números
também são heterogêneos dentro de cada um deles. Observando-se, por exemplo, as
Capitais, notamos importante concentração de leitos nessas cidades, sendo suas ofertas
sempre maiores que a média do Estado, conforme se vê no Quadro 3 abaixo.
Quadro 3 - Número total de leitos, leitos SUS e leitos não SUS, População total,
Porcentagem de cobertura do sistema suplementar, População com cobertura do sistema
suplementar, Total leitos por 1000 habitantes, Leitos SUS por 1000 habitantes, Leitos não
SUS por 1000 usuários com cobertura do sistema suplementar por capital, 2011.
Panorama nacional
47
Número total de leitos, leitos SUS e leitos não SUS População
total
% Cobertura
SS
População com cobertura
SS
Total leitos/1000 Hab.
Leitos SUS/1000
Hab.
Leitos não SUS/1000
usuários com SS
TOTAL SUS NÃO SUS
Rio Branco 917 752 165 342.298 12,0 41.076 2,68 2,20 4,02
Maceió 3.521 2.689 832 943.109 26,7 251.810 3,73 2,85 3,30
Manaus 4.287 3.314 973 1.832.423 27,9 511.246 2,34 1,81 1,90
Macapá 802 644 158 407.023 14,3 58.204 1,97 1,58 2,71
Salvador 8.618 5.916 2.702 2.693.605 27,6 743.435 3,20 2,20 3,63
Fortaleza 9.702 6.557 3.145 2.476.589 32,6 807.368 3,92 2,65 3,90
Brasília 3.653 2.404 1.249 2.609.997 25,2 657.719 1,40 0,92 1,90
Vitória 2.063 1.407 656 330.526 76,1 251.530 6,24 4,26 2,61
Goiânia 6.558 3.901 2.657 1.318.148 27,8 366.445 4,98 2,96 7,25
São Luis 4.358 3.454 904 1.027.429 26,3 270.214 4,24 3,36 3,35
Belo Horizonte 10.691 6.389 4.302 2.385.639 55,4 1.321.644 4,48 2,68 3,26
Campo Grande 2.444 1.576 868 796.252 25,2 200.656 3,07 1,98 4,33
Cuiabá 1.977 1.285 692 556.298 30,2 168.002 3,55 2,31 4,12
Belém 5.009 2.726 2.283 1.402.056 28,4 398.184 3,57 1,94 5,73
João Pessoa 3.646 2.588 1.058 733.154 27,3 200.151 4,97 3,53 5,29
Recife 9.173 6.796 2.377 1.546.516 42,4 655.723 5,93 4,39 3,63
Teresina 3.371 2.373 998 822.363 20,0 164.473 4,10 2,89 6,07
Curitiba 7.092 4.052 3.040 1.764.540 52,5 926.384 4,02 2,30 3,28
Rio de Janeiro 27.112 13.475 13.637 6.355.949 55,7 3.540.264 4,27 2,12 3,85
Natal 3.413 2.441 972 810.780 39,6 321.069 4,21 3,01 3,03
Porto Velho 1.455 970 485 435.732 23,9 104.140 3,34 2,23 4,66
Boa Vista 680 664 16 290.741 9,1 26.457 2,34 2,28 0,60
Porto Alegre 8.539 5.291 3.248 1.413.094 49,5 699.482 6,04 3,74 4,64
Florianópolis 1.800 1.333 467 427.298 48,2 205.958 4,21 3,12 2,27
Aracaju 2.829 1.877 952 579.563 35,2 204.006 4,88 3,24 4,67
São Paulo 35.219 18.110 17.109 11.316.149 59,6 6.744.425 3,11 1,60 2,54
Palmas 495 372 123 235.315 19,2 45.180 2,10 1,58 2,72
TOTAL 169.424 103.356 66.068 45.852.586 43 19.900.022 3,69 2,25 3,32
Fontes: CNES e DATASUS
Panorama nacional
48
Nas Capitais, as ofertas variam de 1,40 leitos/1000 habitantes, sendo 0,92
leitos/1000 habitantes SUS e 0,64 leitos/1000 habitantes no setor privado e sistema
suplementar (25,2% de população coberta) em Brasília a 6,24 leitos/1000 habitantes, sendo
4,26 leitos/1000 habitantes SUS e 2,61 leitos/1000 habitantes para o setor privado e sistema
suplementar (76,1% de população coberta) em Vitória.
Essa primeira mirada aos estados e suas capitais poderia nos levar a um equívoco
de análise, o que é frequentemente observado. Sabendo que no entorno das capitais e
maiores cidades do país se aglutinam outras cidades, em geral, de menor porte, julgamos
essencial avaliar como se comportam as várias regiões metropolitanas do país em relação à
oferta de leitos hospitalares, conforme se vê no Quadro 4 abaixo:
Panorama nacional
49
Quadro 4 - Número total de leitos, leitos SUS e leitos não SUS, População total, Porcentagem de cobertura do sistema suplementar, População
com cobertura do sistema suplementar, Total leitos por 1000 habitantes, Leitos SUS por 1000 habitantes, Leitos não SUS por 1000 usuários com
cobertura do sistema suplementar por Região Metropolitana, 2011.
Região Metropolitana Leitos
existentes Leitos SUS
Leitos Não SUS
População 2011
Taxa cobertura Sistema
Suplementar SS
População coberta SS
Leitos/1000 hab.
Leitos SUS/1000
hab.
Leitos SS/1000
hab.
Manaus 4.623 3.631 992 2.150.358 24,1 518.236 2,15 1,69 1,91
Belém 6.519 3.718 2.801 2.061.367 24 494.728 3,16 1,80 5,66
Macapá 895 721 174 509.883 13 66.285 1,76 1,41 2,63
São Luís 4.552 3.632 920 1.327.647 21,4 284.116 3,43 2,74 3,24
Teresina 3.831 2.816 1.015 1.162.163 15,1 175.487 3,30 2,42 5,78
Fortaleza 10.700 7.375 3.325 3.572.870 25,9 925.373 2,99 2,06 3,59
Natal 3.877 2.904 973 1.357.489 29,1 395.029 2,86 2,14 2,46
João Pessoa 4.045 2.978 1.067 1.129.011 20,1 226.931 3,58 2,64 4,70
Recife 12.480 9.377 3.103 3.717.640 30,4 1.130.163 3,36 2,52 2,75
Petrolina/Juazeiro 1.218 927 291 695.645 13,8 95.999 1,75 1,33 3,03
Maceió 3.697 2.869 828 1.169.196 23 268.915 3,16 2,45 3,08
Aracaju 2.987 2.002 985 848.090 26,5 224.744 3,52 2,36 4,38
Salvador 9.986 6.730 3.256 3.575.300 26,4 943.879 2,79 1,88 3,45
Belo Horizonte 13.147 8.209 4.938 4.924.344 43,4 2.137.165 2,67 1,67 2,31
B.Horizonte - colar metro 656 500 156 536.056 33,2 177.971 1,22 0,93 0,88
Vale do Aço 752 535 217 455.668 33,1 150.826 1,65 1,17 1,44
V.do Aço - colar metrop 48 48 0 163.639 7,2 11.782 0,29 0,29 0,00
Vitória 4.240 2.510 1.730 1.706.824 48,1 820.982 2,48 1,47 2,11
Rio de Janeiro 40.369 22.275 18.094 11.667.365 42,2 4.923.628 3,46 1,91 3,67
Panorama nacional
50
São Paulo 50.219 27.365 22.854 19.822.572 53,4 10.585.253 2,53 1,38 2,16
Baixada Santista 3.220 1.862 1.358 1.678.513 41,2 691.547 1,92 1,11 1,96
Campinas 5.715 3.270 2.445 2.832.367 48,2 1.365.201 2,02 1,15 1,79
Curitiba 10.031 6.714 3.317 3.205.349 39,8 1.275.729 3,13 2,09 2,60
Londrina 2.561 1.736 825 770.974 29,3 225.895 3,32 2,25 3,65
Maringá 1.737 1.114 623 574.229 34,8 199.832 3,02 1,94 3,12
Florianópolis 3.155 2.548 607 889.989 36,1 321.286 3,54 2,86 1,89
Florianópolis – expansão 311 220 91 137.282 9,4 12.905 2,27 1,60 7,05
Vale do Itajaí 1.078 603 475 493.016 31,7 156.286 2,19 1,22 3,04
Vale do Itajaí – expansão 424 259 151 206.818 21,4 44.259 2,05 1,25 3,41
Norte/Nordeste SC 1.143 761 261 546.764 38,6 211.051 2,09 1,39 1,24
Norte/Nordeste SC - expan 982 748 283 562.034 22,5 126.458 1,75 1,33 2,24
Foz do Rio Itajaí 1.098 706 334 448.740 23,5 105.454 2,45 1,57 3,17
Foz do Rio Itajaí – expan 17 99 62 96.095 13,7 13.165 0,18 1,03 4,71
Reg Carbonífera 859 654 205 334.505 22,5 75.264 2,57 1,96 2,72
Reg Carbonífera – expans 215 182 33 38.272 11,8 4.516 5,62 4,76 7,31
Tubarão 464 297 167 130.443 27,2 35.480 3,56 2,28 4,71
Tubarão – expansão 554 426 128 228.792 14,1 32.260 2,42 1,86 3,97
Porto Alegre 12.461 8.223 4.238 3.977.457 35,6 1.415.975 3,13 2,07 2,99
Litoral Norte – RS 424 359 65 287.965 6,4 18.430 1,47 1,25 3,53
Nordeste – RS 2.011 1.077 934 725.067 55,3 400.962 2,77 1,49 2,33
Sul – RS 2.064 1.699 365 579.632 19,3 111.869 3,56 2,93 3,26
Cuiabá-Várzea Grande 2.401 1.613 788 811.746 25,4 206.183 2,96 1,99 3,82
Goiânia 8.350 5.355 2.995 2.109.589 21,4 451.452 3,96 2,54 6,63
Entorno de Brasília 9.110 6.071 3.039 3.782.974 22,1 836.037 2,41 1,60 3,64
Total 249.226 157.718 91.508 88.001.739 37,4 32.912.650 2,83 1,79 2,78
Fonte: CNES
Panorama nacional
51
Nas regiões metropolitanas o quadro se altera e passamos a ter uma variação dos
leitos totais de 0,18 leitos/1000 habitantes na expansão da região da Foz do rio Itajaí a 5,62
leitos/1000 na expansão da região Carbonífera, ambas em Santa Catarina. Quando
tomamos os leitos SUS, o número de leitos/1000 habitantes encontra-se entre 0,29 no colar
metropolitano do Vale do Aço (MG) a 4,76 na expansão da região Carbonífera (SC). Ainda
no que diz respeito aos leitos SUS, nenhuma outra região metropolitana do país apresenta
acima de 3 leitos/1000 habitantes. Quando olhamos a oferta de leitos não SUS/1000
habitantes, encontramos variações desde nenhum leito no colar metropolitano do Vale do
Aço (MG) a 7,31 leitos/1000 habitantes na expansão da região Carbonífera (SC).
Diferentemente da oferta de leitos SUS, 23 das 44 regiões existentes apresentam oferta de
leitos não SUS acima de 3/1.000 habitantes (52%).
É importante lembrar que os usuários do setor privado são livres para utilizar também
os leitos SUS, mas que aos usuários do SUS não é permitido utilizar os leitos não SUS, o
que aprofunda ainda mais a restrição de acesso demonstrada pelos números apresentados.
Outro fenômeno interessante em relação à oferta de leitos e sua confrontação com
os parâmetros da Portaria 1.101 pode ser observado em relação às ofertas de leitos clínicos
e cirúrgicos: embora a relação sugerida entre eles pela Portaria 1.101 seja de quase 2 para
1, encontramos Estados onde se vê maior número de leitos cirúrgicos do que clínicos, como
Ceará e o Distrito Federal, conforme se vê no Quadro 5 abaixo:
Quadro 5 – Leitos cirúrgicos SUS e não SUS, leitos clínicos SUS e não SUS por Estado e
capital, 2011.
Panorama nacional
52
Estados e capitais
Leitos cirúrgicos Leitos clínicos
Total SUS Não SUS TOTAL SUS Não SUS
ACRE 317 278 39 568 506 62
Rio Branco 240 208 32 289 231 58
ALAGOAS 1.342 1.058 284 1.537 1.287 250
Maceió 687 479 208 576 382 194
AMAZONAS 1.554 1.305 249 1.976 1.608 368
Manaus 1.156 916 240 1.199 849 350
AMAPA 200 162 38 412 334 78
Macapá 154 118 36 286 215 71
BAHIA 7.734 5.762 1.972 9.585 8.151 1.434
Salvador 2.564 1.544 1.020 2.040 1.427 613
CEARÁ 5.175 3.674 1.501 5.992 4.690 1.302
Fortaleza 2.996 1.887 1.109 2.150 1.400 750
DF 2.218 1.602 616 2.160 1.457 703
Brasília 1.061 805 256 1.018 692 326
ESPIRITO SANTO 2.279 1.423 856 2.515 1.772 743
Vitoria 810 585 225 602 446 156
GOIAS 4.537 2.794 1.743 5.577 4.129 1.448
Goiânia 2.066 1.090 976 1.418 874 544
MARANHAO 3.229 2.768 461 4.194 3.747 447
São Luis 1.085 860 225 897 727 170
MINAS GERAIS 11.282 7.181 4.101 16.697 12.339 4.358
Belo Horizonte 3.392 1.826 1.566 3.031 1.960 1.071
MATO GROSSO SUL 1.473 965 508 1.829 1.105 724
Campo Grande 705 467 238 528 290 238
MATO GROSSO 1.852 1.262 590 2.166 1.637 529
Cuiabá 636 356 280 436 294 142
PARA 4.395 2.899 1.496 4.974 3.605 1.369
Belém 1.679 829 850 1.278 697 581
PARAÍBA 2.165 1.565 600 3.118 2.668 450
João Pessoa 859 478 381 835 589 246
PERNAMBUCO 5.263 3.936 1.327 6.170 5.065 1.105
Recife 2.808 1.974 834 2.194 1.596 598
PIAUI 2.133 1.707 426 2.491 2.264 227
Teresina 1.139 783 356 823 640 183
PARANA 7.567 4.526 3.041 9.517 6.968 2.549
Curitiba 2.358 1.128 1.230 1.672 984 688
RIO DE JANEIRO 12.266 6.857 5.409 14.137 8.020 6.117
Rio de Janeiro 7.173 3.620 3.553 7.049 3.192 3.857
RIO GDE DO NORTE 1.736 1.326 410 2.546 2.240 306
Natal 895 581 314 739 521 218
RONDONIA 881 540 341 1.561 1.230 331
Panorama nacional
53
Porto Velho 334 200 134 445 301 144
RORAIMA 191 191 0 362 349 13
Boa Vista 175 175 0 264 251 13
RIO GDE DO SUL 7.350 4.518 2.832 12.145 8.290 3.855
Porto Alegre 2.512 1.434 1.078 2.322 1.440 882
SANTA CATARINA 3.926 2.677 1.249 5.836 4.345 1.491
Florianópolis 662 474 188 599 479 120
SERGIPE 1.033 753 280 1.169 936 233
Aracaju 771 521 250 592 387 205
SÃO PAULO 25.156 14.074 11.082 28.277 15.819 12.458
São Paulo 9.747 5.119 4.628 8.966 4.025 4.941
TOCANTINS 609 504 105 765 649 116
Palmas 171 127 44 108 86 22
TOTAL ESTADOS 117.862 76.296 41.566 148.269 105.202 43.067
TOTAL CAPITAIS 48.835 28.584 20.251 42.356 24.975 17.381
Fonte: CNES
Como explicar essa oferta se é sabido que a demanda por leitos clínicos medida
através da morbidade hospitalar, por exemplo, é bem maior que a demanda por leitos
cirúrgicos? Se observarmos as Capitais, esse fenômeno se intensifica muito e pode ser visto
em Salvador, Fortaleza, Brasília, Vitória, Goiânia, São Luis, Belo Horizonte, Campo Grande,
Cuiabá, Belém, João Pessoa, Recife, Teresina, Curitiba, Rio de Janeiro, Natal, Porto Alegre,
Florianópolis, Aracaju, São Paulo e Palmas, ou seja, em quase 78% delas. É possível que
essa inversão possa significar que muitos dos serviços existentes no interior não ofertam
procedimentos cirúrgicos, ficando as capitais sobrecarregadas por essas demandas. Por
outro lado, esse dado pode também nos remeter a uma entre as várias explicações para a
superlotação dos pronto-socorros: o número de leitos clínicos é insuficiente e os pacientes
que necessitam desse tipo de retaguarda hospitalar acabam ficando internados nos serviços
de urgência hospitalares e não hospitalares.
Ainda em relação aos parâmetros da Portaria 1.101, se somarmos os percentuais
destinados a pacientes em cuidados prolongados, psiquiatria, reabilitação e tisiologia,
teremos um parâmetro de necessidade de 26% do total de leitos. No CNES, esses leitos
estão agrupados sob a denominação de “Outros” e no Brasil, como um todo, sua oferta
chega apenas a 13% do total, ou seja, metade do que preconiza a portaria, sendo 14% do
total de leitos SUS e 9% dos leitos não SUS, conforme se vê no Quadro 6 abaixo:
Panorama nacional
54
Quadro 6 – Números absolutos e percentuais de leitos crônicos, psiquiatria, reabilitação e
tisiologia, agrupados como “outros” no CNES, Brasil, 2011.
NÚMERO ABSOLUTO PERCENTUAIS PARÂMETROS PORTARIA
1101 TOTAL SUS NÃO SUS TOTAL SUS
NÃO SUS
CRÔNICOS 11.335 9.140 2.195 2 3 1 5%
PSIQUIATRIA 48.360 38.041 10.319 10 11 7 15%
REABILITAÇÃO 1.637 1.123 514 0,3 0,3 0,3 5%
TISIOLOGIA 1.823 1.710 113 0,4 0,5 0,1 Outros – 6%
LEITOS TOTAIS 504.338 356.608 147.730 13 14 9 26%
Fonte: CNES
Claro que, em função do movimento antimanicomial e das diretrizes da reforma
psiquiátrica no Brasil, houve uma importante redução no número de leitos psiquiátricos, que
hoje correspondem a 10% do total de leitos no país, sendo 11% dos leitos SUS e 7% dos
leitos do setor privado e SS, em contraposição ao parâmetro da portaria que preconiza 15%.
As áreas de Cuidados Prolongados e Reabilitação que apresentam, cada uma delas,
parâmetro por volta de 5% do total de leitos, no Brasil contam com oferta bastante reduzida,
respectivamente: cuidados prolongados - 2% dos leitos totais, sendo 3% dos leitos SUS e
1% dos leitos não SUS e reabilitação - 0,3% dos leitos totais, com percentuais semelhantes
ao total entre os leitos SUS e não SUS.
O Quadro 7 abaixo mostra o total de leitos por 1000 habitantes e sua distribuição
percentual entre os vários tipos de leitos nos países descritos nesse estudo e no Brasil. É
importante salientar que tais números devem ser olhados com cautela, pois o número que
utilizamos aqui como leitos agudos pode estar incluindo leitos utilizados para cuidados
prolongados e paliativos, uma vez que esse tipo de oferta inda está pouco organizada no
Brasil, como se pode ver pelo seu baixo percentual em comparação com a média da OCDE
e os demais países mencionados.
Panorama nacional
55
Quadro 7 - Comparativo do número de leitos e sua distribuição percentual entre as diferentes tipologias de cuidado, nos países descritos, média da OCDE e o Brasil, 2009 (ou informação mais próxima disponível)
Nº de leitos por
1.000 hab. % de leitos
agudos % de leitos
psiquiátricos
% de leitos de longa
permanência
% outros tipos de leito
Austrália 3,8 90 10 Área Social -
Canadá 3,3 58 12 16 14
Espanha 3,2 78 12 10 -
França 6,6 58 12 8 22
Grã-Bretanha 3,3 82 18 12 10
Média OCDE 4,9 66 14 12 8
Brasil 1,8 86 10 2 2
Fonte: Brasil: CNES, outubro de 2011 e demais países OECD, 2011.
Crise
56
Crise
Cenário Internacional:
As primeiras medidas de proteção social surgiram no final do século XIX, com
destaque para países como a Alemanha e a Inglaterra. No entanto, a generalização de
medidas de Seguridade Social no capitalismo se deu no período posterior à Segunda
Guerra Mundial, no qual se assiste à singular experiência da construção do Welfare State ou
Estado Social, em alguns países da Europa Ocidental, acompanhado de diversas tipologias
de políticas sociais(25).
Historicamente, as Políticas Sociais foram financiadas por contribuições dos
empregados e empregadores. No entanto, os pesos relativos dessas contribuições, bem
como a participação do Estado (com recursos de origem fiscal) variam bastante conforme o
país, ou grupos de países. A composição e evolução das despesas, também estão longe de
serem uniformes. O marco dos projetos com tendências universalistas de atenção às
necessidades sociais vai dos anos 45 do século XX, até o final da década de 60. Este
modelo de proteção social estava pautado na intervenção estatal e crescimento econômico
e se assentava num pacto de classes. Neste contexto ocorreu um fortalecimento do
movimento operário, que passou a ocupar espaços políticos importantes(25).
No período que se estendeu até o início dos anos 70 houve um padrão de
desenvolvimento com longos ciclos expansivos, denominado por muitos de “anos de ouro do
capitalismo”. É, portanto, neste contexto que a cidadania se ampliou, não só a cidadania civil
e política, mas também a cidadania social, que está vinculada diretamente à garantia dos
direitos sociais, exigindo a presença ativa do Estado como provedor de bens e serviços
sociais. Assim, podemos indicar que ocorreu a extensão da cidadania, extrapolando os
direitos civis e políticos, ambos identificados e aceitos pela ideologia liberal(25).
Na Europa Ocidental, esse cenário levou a um período de expansão da atenção
hospitalar que durou quase duas décadas quando, a partir de 1960, iniciou-se um
movimento de desaceleração desse processo e redução de leitos em virtude, inclusive, do
aumento das despesas decorrentes do próprio crescimento da rede hospitalar.
Em resposta a tais pressões ocorreu, fundamentalmente, a transferência dos
pacientes de longa permanência:
Psiquiátricos (redução maior que 50% dos leitos totais entre o final dos anos 50 a 80) –
mudança influenciada pelo surgimento de novas drogas, pela pressão para diminuir os
gastos e propostas de humanização do cuidado ao paciente com doença mental;
Crise
57
Centros de enfermagem: estruturados para promover o cuidado a pessoas que
necessitam de cuidados de enfermagem prolongados ou permanentes, mas sem
medicalização. Estudo em 10 países ricos mostrou que 2 a 5% dos idosos estavam
nesse tipo de estabelecimento. Na Austrália, por exemplo, o governo começou a
subsidiar esses centros em 1960 e até a década de 80 houve um aumento da ordem de
70% no número desses leitos. O Reino Unido começou processo semelhante nos anos
80, com largo crescimento de centros de enfermagem privados, em virtude da forma de
subsídio escolhida pelo governo. A seguir, como alternativa a esse tipo de cuidado,
começou-se a investir em cuidado domiciliar, com o objetivo de manter os idosos em
suas próprias casas o máximo de tempo possível.
O neoliberalismo, nascido logo depois da II Guerra Mundial, nas regiões da Europa e
na América do Norte onde imperava o capitalismo como uma reação veemente contra o
Estado intervencionista e de bem-estar, originada no texto “O Caminho da Servidão”, de
Friedrich Hayek, escrito já em 1944, e que ficou como postulado teórico e político durante 20
anos, ganhou um novo fôlego com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-
guerra em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda
recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de
inflação(26)
.
Para sair dessa crise o neoliberalismo apresentou algumas propostas básicas: 1) um
Estado forte para romper o poder dos sindicatos e controlar a moeda; 2) um Estado parco
para os gastos sociais e regulamentações econômicas; 3) a busca da estabilidade
monetária como meta suprema; 4) uma forte disciplina orçamentária, diga-se, contenção dos
gastos sociais e restauração de uma taxa natural de desemprego; 5) uma reforma fiscal,
diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos; e 6) o desmonte dos direitos
sociais, implicando na quebra da vinculação entre política social e esses direitos, que
compunha o pacto político do período anterior(10).
Porém, apenas no final dos anos 70, início dos 80, tais indicações transformam-se
em programa de governo, com Margareth Thatcher (Inglaterra, 1979), Ronald Reagan (EUA,
1980), e Helmut Khol (Alemanha Ocidental, 1982). A partir de então, foi possível identificar
um giro em direção a essas proposições inclusive pelos governos da socialdemocracia
europeia(10).
O neoliberalismo viveu uma primeira fase de ataque ao keynesianismo e ao Welfare
State. No entanto, apresentou uma segunda fase, esta mais propositiva, com ênfase, no que
diz respeito aos programas sociais, no trinômio articulado da focalização, privatização e
descentralização. Assim, buscou-se desuniversalizar e assistencializar as ações, cortando
os gastos sociais e contribuindo para o equilíbrio financeiro do setor público. Uma política
social residual que solucionaria apenas o que não pudesse ser enfrentado pela via do
Crise
58
mercado, da comunidade e da família. O carro-chefe dessa proposição foi a renda mínima,
combinada à solidariedade por meio das organizações na sociedade civil. A renda mínima
não pode ter um teto alto, para não desestimular o trabalho, ou seja, houve uma perversa
reedição da ética do trabalho, num mundo sem trabalho para todos(27).
Assim, em função dessa política, foi durante a década de 90 que o número de leitos
hospitalares caiu dramaticamente e alguns países desenvolvidos como a Dinamarca,
Irlanda, Reino Unido e Austrália que foram muito bem sucedidos na redução de leitos,
depois acabaram por ter que enfrentar sua escassez, com o surgimento de longas filas de
espera para cirurgias eletivas e dificuldades para internar pacientes com quadros agudos,
advindos dos serviços de urgência. Tais estrangulamentos sugeriram a necessidade de
ampliação da oferta de leitos agudos(2).
Pollock(28) realizou pesquisa determinada pelo Secretário de Estado da Saúde
britânico para testar a hipótese de que "o fechamento de leitos havia ido longe demais". A
pesquisa levou à elaboração de um documento que mostrou que os objetivos de economia e
melhoria de oferta não foram atingidos com as medidas instituídas de financiamento sob a
iniciativa privada em 1990. O relatório reportou uma necessidade de aumento em 2.000
leitos gerais e de agudos (1,4%) e outros 2.000 leitos de cuidado intermediário até 2003-4,
além do aumento de 1.000 médicos generalistas.
A maioria dos outros países passou por reduções de 10 a 20% no número total de
leitos. As causas dessas reduções foram muitas, por exemplo, na Finlândia e na Suécia,
que implementaram reduções de 47 e 45% respectivamente, parte dos leitos destinados a
cuidados prolongados foi transferida para o setor social. Na Dinamarca os cuidados
prolongados foram transferidos para centros de enfermagem até 1987 e, a seguir, houve
investimento em apoio social e de saúde à atenção domiciliar, para que os pacientes
pudessem ficar em suas próprias casas. A Inglaterra compensou parcialmente a redução de
leitos hospitalares agudos com uma grande expansão de centros de enfermagem, de modo
que o número total de leitos aumentou discretamente(2). Se, por um lado, os centros de
enfermagem permitiram um cuidado mais qualificado aos idosos, também é verdade que o
cuidado hospitalar adequado aos idosos, atualmente, demanda maior concentração
tecnológica e de recursos humanos.
Em termos absolutos, as maiores reduções ocorreram em alguns países que tinham
maiores concentrações de leitos, incluindo as repúblicas da antiga União Soviética, que
enfrentou grave crise econômica nesse período.
Outras ferramentas foram largamente utilizadas para apoiar a redução de leitos
agudos, como: a redução de internações desnecessárias, a qualificação do cuidado aos
internados, a redução dos tempos de permanência, a ampliação de procedimentos
Crise
59
cirúrgicos ambulatoriais e a oferta de procedimentos diagnósticos e terapêuticos em leitos
dia.
Em nossa revisão, identificamos muitos estudos mostrando os impactos da falta de
leitos hospitalares na atenção ao paciente e na organização do sistema:
Um estudo descritivo sobre a ocupação de leitos, a ociosidade dos leitos e taxa de
Staphylococcus aureus resistente à meticilina por 1000 dias de internação na Irlanda do
Norte mostrou alta taxa de ocupação: entre 12 estabelecimentos investigados, 6 de 11
serviços de cirurgia e 11 serviços de clínica apresentaram taxas maiores que 85%. Altas
taxas de ocupação estavam relacionadas à resistência a meticilina em serviços de
agudos(29). Orendi(30) relata que a taxa de ocupação hospitalar maior de 90% aumenta
em 10,3% a incidência de resistência a meticilina em comparação à taxa de 90%, bem
como hospitais especializados apresentam maior incidência (27,7%) em relação a
hospitais gerais.
Taxas de ocupação maiores que 85% são compreendidas como risco ao paciente e em
hospital de agudos uma taxa superior a 90% expressa crises periódicas de leitos
hospitalares(31).
Como medida de qualidade, o indicador “taxa de ocupação de leito” evidencia diversos
problemas como o risco aumentado de infecção cruzada entre pacientes em enfermarias
superlotadas e o risco de admissão inadequada em serviço de emergência ou cirurgia
eletiva. A alta taxa de ocupação também impacta na saúde do trabalhador(32).
Em relação a leitos hospitalares de agudos da Irlanda, foi identificado o uso ineficiente
de leitos, já que em média 30% dos pacientes permaneciam internados na espera para a
realização de serviços de apoio de menor complexidade, com perda de dias de
internação que elevariam a capacidade do serviço em 54%(33). No que diz respeito a
internações psiquiátricas agudas, 29% das admissões foram consideradas inadequadas
e entre 24 e 58% dos dias de tratamento dos pacientes internados foram avaliados como
inapropriados. Os critérios para determinar a adequação da admissão estão
relacionados à gravidade da doença e intensidade de serviços necessários. Já para
determinar a adequação dos dias de internação, foram avaliados os critérios: serviço
médico e de enfermagem, suporte de vida e fatores da condição do paciente, além da
opinião de profissionais de saúde. Os autores sugerem que é necessário identificar com
clareza as razões do uso inapropriado do leito hospitalar e concluem que a literatura
ainda não fornece elementos consistentes para a proposição de políticas públicas para
reduzir o uso inadequado de leitos(34).
Crise
60
Outro estudo sobre uso inadequado do leitos de agudos revelou que 70% dos dias de
internação de idosos com mais de 75 anos foram considerados inadequados, ou seja, os
leitos eram utilizados de forma inadequada(35).
A falta de leitos foi a razão do cancelamento de 62,5% das cirurgias eletivas em um
hospital universitário na Irlanda. A colecistectomia laparoscópica, reversão de ileostomia
e correção de hérnia inguinal foram as cirurgias que apresentaram maior número de
cancelamentos. Os autores relacionam os cancelamentos diretamente ao aumento de
atendimentos de emergência(36).
As consequências da falta de leitos afetam a lista de espera, o tempo/atraso na
admissão, a satisfação do paciente, da família e dos profissionais envolvidos, além de
gerar trabalho duplicado para reagendar as cirurgias e impactar negativamente nos
custos hospitalares(36).
A falta de leitos também foi assinalada por um estudo que mostrou um maior tempo de
internação em um departamento de emergência, quando as admissões superavam as
altas no dia anterior. Este prolongamento se estendia na semana inteira, independente
da gravidade do paciente(37).
As causas da superlotação dos serviços de emergência foram assinaladas no Quadro
8(38).
Quadro 8 - Causas da superlotação dos serviços de emergência.
Crise
61
Causas
Aumento do número de pacientes
Surtos de gripe
Falta de cuidados preventivos
Transferência lenta dos pacientes
Escassez de profissionais de enfermagem e outros
Tratamento intensivo, historicamente realizado em unidade de internação
Problemas com idioma ou as barreiras culturais
As exigências de documentação médica registrada
Indisponibilidade de consulta de especialidade
Atrasos em laboratório e estudos radiográficos
Espaço físico insuficiente
Sistema de informação lento ou incompatível
Falta de leitos internação
Incentivos para manter leitos disponíveis para adminissões eletivas
programadas
Incentivos financeiros para reservar leitos disponíveis para admissão
eletiva programada
Falta de financiamento
Encerramento ou diminuição de horas de outros hospitais e serviços
comunitários
Falta de cuidados na comunidade (atendimento domiciliar, de sub-
agudos e cuidados de longa duração)
Há aumento de gastos e de complicações quando o tempo de espera pata o
atendimento de pacientes com dor no peito é maior que 3 horas(39).
Estudo comparativo do cuidado a pacientes com traumas ortopédicos internados em
alas específicas ou não, pela falta de leitos, e tratados por enfermeiros com
experiência nessa (50) área ou não (50), mostrou que apenas 2 profissionais que
não eram da área foram capazes de descrever o que é uma “síndrome
compartimental” e outros 32 reconheceram que deveriam ter consultado o cirurgião
mais cedo, mas seriam incapazes de descrever os sintomas(40).
Editorial de revista espanhola aponta as conseqüência negativas da falta de leitos de
Crise
62
UTI na admissão, cuidado e alta de pacientes que necessitam de cuidados
intensivos(41).
Um estudo americano observou que a superlotação do serviço de emergência em
pediatria de um hospital terciário estava relacionada à alta ocupação hospitalar, o
que prolonga o tempo de permanência na emergência, tanto das crianças que
precisam de internação, quanto das crianças que recebem alta hospitalar. Conforme
Figura 1, uma taxa de ocupação hospitalar acima de 80% aumenta
significativamente o tempo de permanência no serviço de emergência para pacientes
que necessitam de internação. Altas taxas de pacientes que não conseguiram
atendimento de emergência também foram identificadas(42).
Figura 1 - Tempo de permanência em minutos em relação à taxa de ocupação hospitalar.
Fonte: Hillier et al(42)
Em função da crise instalada com a escassez de leitos e da afirmação frequente de
que o número de leitos seria suficiente se houvesse boa gestão, muito se tem trabalhado na
otimização do uso dos leitos existentes e, em nossa revisão, encontramos vários estudos
que relatam procedimentos que podem levar à sua melhor utilização:
Crise
63
Alguns estudos internacionais revelam experiências positivas que aumentam a
rotatividade dos leitos hospitalares. A administração de leitos hospitalares está
diretamente envolvida com o período durante o qual o paciente ocupa um leito hospitalar
e o caminho operacional que este faz desde a admissão até a alta hospitalar(43).
Um projeto americano reduziu atrasos no atendimento do departamento de emergência
em 8% entre as 11 e as 14 horas, além de diminuir o período de espera de 70 minutos
para menos de 30 minutos de um hospital do Tennessee/EUA com 556 leitos, através do
aprimoramento do processo de trabalho e ações educativas. Um grupo multidisciplinar
de profissionais identificou problemas, implementou e avaliou mudanças na
administração de leitos e no fluxo de pacientes, o que incluiu a participação de todos os
trabalhadores envolvidos, desde a entrada do paciente até a sua alta. Os trabalhadores
foram conscientizados sobre a importância do seu trabalho, o trabalho em equipe e a
comunicação efetiva entre departamentos e profissionais(44).
Análise histórica de dados de leitos hospitalares em emergência e admissão eletiva
sugere que as demandas hospitalares de leitos devem ser antecipadas, em relação a
leitos vazios, tempo de espera e admissão fora do horário usual, como por exemplo,
durante a madrugada(43).Os pontos principais da administração de leitos foram
sistematizados na Figura 1.
Figura 2 – Visão conceitual da jornada do paciente e a administração de leitos.
Fonte: Proudlove, Gordon, Boaden(43).
Crise
64
Outros fatores também são considerados importantes para identificar a demanda
aleatória para admissão do paciente e leitos disponíveis para internação, como
identificação da taxa de admissão e alta de emergências, aumento da taxa a longo
prazo das internações de emergência, variação sazonal das internações, número de
leitos temporariamente indisponíveis, desvio padrão da variação aleatória das
admissões de emergência e variação por dia de semana na taxa de admissão de
emergência(31).
Jonas(45) evidenciou a variação da admissão hospitalar durante o ano na Nova
Zelândia (Figura 3).
Figura 3 – Número de leitos ocupados por mês e ano.
Fonte: Jonas(45).
Singarelli et al(46) ressaltaram outro fator que influencia a redução do tempo médio de
internação em hospital-dia: a qualificação dos profissionais, tanto administrativos,
quanto assistenciais. As competências profissionais e administrativas são
fundamentais para a administração e rotatividade de leitos, o que acarreta a
necessidade de treinamentos e a importância do “fator humano” para a qualidade do
atendimento(46).
Os treinamentos de gestores de leitos são enfatizados por Proudlove, Boadenn, e
Jorgensen(47), objetivando o desenvolvimento de abordagens administrativas
consistentes para melhorar a gestão hospitalar, ênfase na compreensão dos
desafios e metas relevantes para a instituição, identificação das ferramentas
disponíveis para a gestão, criação de rede de contatos para troca de experiências e
debate sobre os principais indicadores de desempenho nacional e local. O maior
Crise
65
tempo de funcionamento de serviços eletivos em cirurgia, endoscopia, angiografia e
radiologia intervencionista (12 horas diárias, todos os dias) é sugerido por Scott(48), o
que acarreta mudanças significativas na cultura, premiações e escalas dos
profissionais, além dos mecanismos de financiamento do sistema.
Há a necessidade de desenvolvimento de uma estrutura nacional para o
gerenciamento de leitos, o que inclui não só o treinamento dos gestores, mas
também a melhoria do sistema de trabalho em todos os níveis de atenção(47).
Outra estratégia operacional é o desenvolvimento de um programa de administração
de leitos hospitalares com o objetivo de tornar mais eficiente o uso dos leitos,
alocando recursos financeiros específicos e atenção especial nesta questão(49).
Os hospitais comunitários são considerados uma forma efetiva de redução da
utilização de leitos hospitalares. Há evidências que estes hospitais oferecem um
atendimento acessível, diminuindo internações hospitalares principalmente em
clínica médica e geriatria(50).
Gibbs et at(3) conclui, baseado em uma revisão da literatura, que a assistência
domiciliar é uma forma apropriada de rotatividade de leitos hospitalares e de evitar a
hospitalização. Outra revisão também enfatiza o suporte domiciliário para a redução
da demanda hospitalar de agudos, considerando que 70% dos pacientes de
leitos/dia de hospitais de agudos se beneficiariam com a proposta (Scott, 2010).
Phillips e Smallwood(51) salientaram, através da análise dos problemas de saúde que
ocasionaram a admissão hospitalar, que 9,3% das admissões hospitalares
australianas poderiam ser potencialmente evitadas, se a atenção não hospitalar
fosse fornecida de forma adequada.
A separação de leitos agudos e eletivos é indispensável para atender as
necessidades futuras da população, implicando uma reforma do sistema de saúde
para aumentar a produtividade e o acesso dos pacientes que realmente precisam de
cuidados hospitalares agudos(48).
Cenário Nacional:
Segundo pesquisa da Assistência Médico Sanitária – AMS realizada em 2002, o
número total de leitos do Brasil passou de 448.888 em 1976 para 544.357 em 1992, com um
aumento de 22,63%. Depois declinou para 471.171 em 2002, com uma redução de 13,44%.
Vale salientar que o aumento de leitos se deu à custa do setor privado no primeiro período
e, no segundo a queda ocorreu nesse mesmo setor. Nesse último período o setor público
mostrou discreto crescimento de 11.239 leitos(16). Em 2009, nos novos dados da AMS(19)
foram contabilizados 431.996 leitos, representando uma redução de mais 8,5% dos leitos
em relação a 2002. Do total de leitos observados, 152.892 (35,4%) eram públicos e 279.104
Crise
66
(64,6%) privados. Em todas as Grandes Regiões, ocorreu uma diminuição no número total
de leitos, sendo maior no Nordeste (-1,7%) e no Centro-Oeste (-1,4%). Os leitos públicos
aumentaram em 0,6% ao ano no País (3.926 leitos), como resultado do aumento em quase
todas as regiões com exceção da Região Sul, onde ocorreu decréscimo de 398 leitos (-
0,7%). Quanto à taxa de leitos por 1000 habitantes, ela também sofre uma redução, caindo
de 2,4 para 2,3 leitos por 1000 habitantes. Com essa redução, que atingiu todas as regiões
do País, somente a Região Sul (com 2,6 por 1000 habitantes) atingia os valores
preconizados como parâmetro pelo Ministério da Saúde, que fica entre 2,5 e 3 leitos por
1000 habitantes(19).
Quanto à taxa de leitos por mil habitantes nas regiões metropolitanas, houve redução
de 3,96 leitos/1000 habitantes em 1990 para 2,25 leitos/1000 habitantes em 2009, o que
representa uma redução de 43% do total inicial (IBGE). Enquanto isso, entre os anos de
2000 e 2011, a taxa de população coberta pelo sistema suplementar aumentou de 28,3 para
37,4% (DATASUS).
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em sua publicação “Rede Hospitalar
no Estado de São Paulo: mapear para regular” (52), editada em 2011, relata que de 1985 a
2010 houve uma dedução de 30% no total de leitos existentes no estado de São Paulo e a
correlaciona com fenômeno semelhante ocorrido em outros países, mencionando
especificamente os Estados Unidos.
Informa que, excluindo os leitos psiquiátricos e de longa permanência, o Estado de
São Paulo apresenta 1,53 leitos/1000 habitantes, sendo 1,20 leitos/1000 habitantes para o
SUS, distribuídos heterogeneamente nas XVII regiões de saúde do Estado, variando de 1,03
leitos/1000 habitantes na região de Registro a 2,55 leitos/1000 habitantes na região de
Barretos e que tomando apenas os leitos SUS, os valores variam de 0,89 leitos/1000
habitantes na região de Piracicaba a 2,06 leitos/1000 habitantes em Barretos(52).
Depois dessas informações recalcula o número de leitos/1000 habitantes no Estado
de São Paulo, separando os usuários do SUS e do Sistema Suplementar – SS, utilizando
nos denominadores números de fontes diversas, obtendo resultados diferentes dos já
mencionados: para os usuários SUS, 2,10 leitos/1000 habitantes (leitos SUS CNES,
excluídos os de psiquiatria e longa permanência sobre a população usuária SUS, no caso,
58% da população do Estado). Para o SS, usa o número total de leitos privados em
hospitais conveniados ao SUS ou não, sobre a população de beneficiários do SS informada
pela ANS e chega a 1,99 leitos/1000 habitantes, com um total geral de 2,05 leitos/1000
habitantes, que corresponde não mais à soma simples dos dois valores, mas sim à sua
média aritmética(52). Ora, vejamos: no numerador é utilizado o número total de leitos
privados não conveniados ao SUS, o que inclui os leitos do SS e os leitos particulares,
Crise
67
propriamente ditos; no denominador é utilizado apenas o número de beneficiários do SS,
elevando, dessa forma, o número obtido, em proporção desconhecida.
Após a apresentação dessa outra fórmula de cálculo, reconstrói todas as relações e
números que havia demonstrado anteriormente com aumento dos números totais de
leitos/1000 habitantes e, por último analisa as baixas taxas de ocupação dos hospitais,
dividindo-os em 4 categorias: menos que 50 leitos, com 36,36% de ocupação, entre 51 e
150 leitos, com 51,92% de ocupação, acima de 151 leitos, com 67,83% de ocupação e,
finalmente, os Hospitais de Ensino, com 74,48% de taxa de ocupação, concluindo que, na
verdade, São Paulo não só apresenta número suficiente de leitos como há sobra de leitos
no Estado, o que seria reforçado pelas baixas taxas de ocupação dos leitos existentes(52).
Instigados por essa análise, buscamos agregar a ela uma avaliação de caráter loco-
regional, para entender melhor como os números exibidos pela Secretaria de Estado da
Saúde se comportam nessa realidade.
Tomamos assim a Região Metropolitana de Campinas - RMC, composta por 19
municípios, num total de 2.832.367 habitantes (IBGE - Estimativa TCU, 2011)i. Em relação
aos leitos hospitalares, segundo pesquisa realizada pelos autores junto ao CNES temos
1,99 leitos/1.000 habitantes, sendo 1,15 leitos/1.000 habitantes para o SUS, valores
inferiores ao recomendado pela Portaria 1.101, conforme se pode observar no Quadro 9
abaixo:
Quadro 9 – Número total de leitos, Leitos SUS e não SUS, População, Total de leitos por
1000 habitantes, Leitos SUS por 1000 habitantes segundo região metropolitana de
Campinas, 2011.
i http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/
Crise
68
TOTAL SUS Não SUS
POPULAÇÃO TOTAL
LEITOS/1000 HAB.
LEITOS SUS/1000
HAB.
Americana 718 406 312 210.638 3,41 1,93
A. Nogueira 75 0 75 44.177 1,70 0,00
Campinas 3247 1664 1583 1.080.113 3,01 1,54
Cosmópolis 90 61 29 58.827 1,53 1,04
E. Coelho 0 0 0 15.721 0,00 0,00
Holambra 0 0 0 11.299 0,00 0,00
Hortolândia 72 65 7 192.692 0,37 0,34
Indaiatuba 350 243 107 201.619 1,74 1,21
Itatiba 117 66 51 101.471 1,15 0,65
Jaguariúna 75 75 0 44.311 1,69 1,69
Monte Mor 45 38 7 48.949 0,92 0,78
Nova Odessa 52 52 0 51.242 1,01 1,01
Paulínia 88 88 0 82.146 1,07 1,07
Pedreira 49 39 10 41.558 1,18 0,94
S. B. d’Oeste 134 83 51 180.009 0,74 0,46
S. A. Posse 0 0 0 20.650 0,00 0,00
Sumaré 238 234 4 241.311 0,99 0,97
Valinhos 187 70 117 106.793 1,75 0,66
Vinhedo 102 65 37 63.611 1,60 1,02
TOTAL 5639 3249 2390 2.832.367 1,99 1,15
Fonte: Leitos - CNES; População – Estimativa TCU – IBGE
Ainda em relação aos leitos SUS vale salientar que:
Dez por cento do total de leitos SUS da RMC (3.249) estão situados em municípios com
menos de 100 mil habitantes e correspondem a leitos básicos, de baixa complexidade e
resolutividade questionável contribuindo para as taxas de ocupação abaixo de 50%
observadas em alguns estabelecimentos, conforme se vê no Quadro 10. Outros dez por
cento estão em cidades com população em torno de 100 mil habitantes e correspondem
a hospitais com leitos de baixa a média complexidade, alguns deles inclusive com leitos
de terapia intensiva adulto, mas com ocupação em torno de 70%. Em contrapartida,
observamos taxas de ocupação acima de 90% nos hospitais de maior porte e até
mesmo acima de 100% nos hospitais de ensino. Se aplicarmos a taxa média de
ocupação de cerca de 75% dos leitos SUS da região sobre os 2.205 leitos SUS nas
quatro clínicas básicas registrados, poderíamos estimar que, na realidade, temos cerca
de 1.654 leitos ativos para as clínicas básicas em toda a RM de Campinas, o que
Crise
69
equivaleria a apenas 0,6 leitos/1000 habitantes, contra 1,91 apontados na Portaria
1.101;
Quadro 10 - Total de leitos nas Clínicas Básicas (Cirúrgico, Clínico, Obstétrico e Pediátrico),
Número de internações e número de pacientes-dia nas quatro clínicas básicas, capacidade
de internação, taxa de ocupação e média de permanência segundo hospital (nome fantasia)
e município, 2011.
Crise
70
Município Hospital - nome fantasia
Total de leitos nas Clínicas
Básicas (Cirúrgico,
Clínico, Obstétrico, Pediátrico)
Internações nas quatro clínicas básicas
Capacidade de
Internação (LEITOS-
DIA)
Taxa de ocupação (PAC-DIA/
LEITOS DIA)
Média de permanência Nº.
Internações
Nº. Dias Internados (PAC-DIA)
Campinas Maternidade de Campinas 88 8.055 27.680 32.120 86 3
Campinas Hospital Irmãos Penteado 57 1.240 8.551 20.805 41 7
Jaguariúna Hospital Municipal Walter Ferrari 75 2.985 10.213 27.375 37 3
Cosmópolis Hospital Beneficente Santa Gertrudes 61 2.174 4.512 22.265 20 2
Itatiba Santa Casa de Misericórdia de Itatiba 59 4.087 12.022 21.535 56 3
Nova Odessa Hospital Maternidade de Nova Odessa 50 1.536 5.973 18.250 33 4
Americana Hospital Municipal Dr. Waldemar Tebaldi 97 6.646 35.080 35.405 99 5
Monte Mor Assoc. Hospital Benef. Sagrado Coração de Jesus 38 603 1.384 13.870 10 2
Campinas Real Sociedade Portuguesa de Beneficência 2 23 189 730 26 8
S. B. d'Oeste Hospital Santa Barbara 75 3.202 12.309 27.375 45 4
Campinas Hospital das Clinicas da Unicamp de Campinas 448 28.409 177.445 163.520 109 6
Americana Hospital Infantil André Luiz 30 711 1.753 10.950 16 2
Paulínia Hospital Municipal de Paulínia 82 3.072 14.463 29.930 48 5
Campinas Boldrini Campinas 54 2.560 14.481 19.710 73 6
Campinas Hospital Municipal Dr. Mario Gatti Campinas 193 11.225 68.682 70.445 97 6
Campinas Hospital Maternidade Celso Pierro 161 13.477 63.303 58.765 108 5
Sumaré Hospital Estadual Sumaré 174 12.180 64.386 63.510 101 5
Hortolândia Hospital Maternidade Municipal Gov. Mario Covas 65 3.662 11.982 23.725 51 3
Valinhos Irmandade Santa Casa de Misericórdia De Valinhos 66 3.712 14.043 24.090 58 4
Vinhedo Santa Casa de Vinhedo 59 2.640 7.851 21.535 36 3
Indaiatuba Hospital Augusto de Oliveira Camargo 103 8.245 29.978 37.595 80 4
Pedreira ConSaúde Pedreira 39 1.738 5.802 14.235 41 3
Campinas Complexo Hospitalar Ouro Verde de Campinas 129 4.532 33.599 47.085 71 7
TOTAL: 2.205 126.714 625.681 804.825 78 5
Fonte: SIH, taxas calculadas pelo Departamento Regional de Saúde de Campinas - SES - SP.
Crise
71
Dos 23 hospitais registrados na região, temos 12 (52%) com taxas de ocupação acima
de 50% e média de permanência geral de 5 dias ( a fim de obter informação que retrate
de forma mais fidedigna possível a realidade da RMC, excluímos dessa tabela alguns
serviços com taxas de ocupação muito pequenas, partindo da premissa de que foram
utilizados excepcionalmente ou que há algum outro viés na informação);
Para detalhar ainda mais a realidade, buscando maior especificidade nas informações e
nos afastando ao máximo das médias, optamos por analisar, separadamente, a taxa de
ocupação, média de permanência e oferta corrigida para os leitos cirúrgicos, conforme
Quadro 11 abaixo, que nos mostra médias de taxa de ocupação e de tempo de
permanência bastante semelhantes às observadas nas clínicas básicas;
Quadro 11 - Total de leitos Cirúrgicos, Número de internações e número de pacientes-dia
nos leitos cirúrgicos, capacidade de internação, taxa de ocupação e média de permanência
segundo hospital (nome fantasia) e município, 2011.
Crise
72
Município Hospital - nome fantasia Leitos
cirúrgicos
Internações em leitos cirúrgicos
Capacidade de
Internação (LEITOS-
DIA)
Taxa de ocupação
(PAC-DIA/
LEITOS DIA)
Média de Permanência Nº.
Internações Cirúrgico
Nº. Dias Internados (PAC-DIA)
Campinas Maternidade de Campinas 14 1.596 2.470 5.110 48,3 2
Campinas Hospital Irmãos Penteado 16 502 664 5.840 11,4 1
Jaguariúna Hospital Municipal Walter Ferrari 16 1.149 1.961 5.840 33,6 2
Cosmópolis Hospital Beneficente Santa Gertrudes 13 1.017 1.026 4.745 21,6 1
Itatiba Santa Casa de Misericórdia de Itatiba 24 1.523 3.460 8.760 39,5 2
Nova Odessa Hospital e Maternidade de Nova Odessa 19 204 587 6.935 8,5 3
Americana Hospital Municipal Dr. Waldemar Tebaldi 37 2.475 11.764 13.505 87,1 5
S. B. d'Oeste Hospital Santa Barbara 12 914 2.625 4.380 59,9 3
Campinas Hospital das Clínicas da Unicamp de Campinas 188 10.819 76.367 68.620 111,3 7
Paulínia Hospital Municipal de Paulínia 26 892 3.773 9.490 39,8 4
Campinas Boldrini Campinas 10 412 1.878 3.650 51,5 5
Campinas Hospital Municipal Dr. Mario Gatti Campinas 98 5.207 30.236 35.770 84,5 6
Campinas Hospital e Maternidade Celso Pierro 63 6.381 26.315 22.995 114,4 4
Sumaré Hospital Estadual Sumaré 69 5.844 24.090 25.185 95,7 4
Hortolândia Hospital Maternidade Mun. Gov. Mario Covas 14 526 1.550 5.110 30,3 3
Valinhos Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Valinhos 13 1.398 4.400 4.745 92,7 3
Vinhedo Santa Casa de Vinhedo 15 1.060 2.550 5.475 46,6 2
Indaiatuba Hospital Augusto de Oliveira Camargo 50 2.520 9.914 18.250 54,3 4
Pedreira Consaude Pedreira 10 646 1.388 3.650 38,0 2
Campinas Complexo Hospitalar Ouro Verde de Campinas 50 1.623 5.069 18.250 27,8 3
TOTAL: 757 46.708 212.087 276.305 76,8 5
Fonte: SIH, taxas calculadas pelo Departamento Regional de Saúde de Campinas - SES - SP.
Crise
73
A taxa média de ocupação observada acima nos leva a um total de 581 leitos
operacionais, o que significa uma oferta de 0,21 leitos/1000 habitantes em contraposição
aos 0,44 leitos/1000 habitantes recomendados pela portaria 1101;
Quando restringimos a análise apenas aos leitos de clínica médica, os números, que
podem ser vistos no Quadro 12 são surpreendentes:
Quadro 12 - Total de leitos Clínicos, Número de internações e número de pacientes-dia nos
leitos clínicos, capacidade de internação, taxa de ocupação e média de permanência
segundo hospital (nome fantasia) e município, 2011.
Crise
74
Município Nome fantasia Leitos
clínicos
Internações em leitos clínicos Capacidade
de Internação (LEITOS-
DIA)
Taxa de ocupação (PAC-DIA/
LEITOS DIA)
Média de Permanência
Nº. Internações em Leitos Clínicos
Nº. Dias Internados (PAC-DIA)
Campinas Hospital Irmãos Penteado 41 738 7.887 14.965 52,7 11
Jaguariúna Hospital Municipal Walter Ferrari 25 1.062 6.007 9.125 65,8 6
Cosmópolis Hospital Beneficente Santa Gertrudes 26 560 2.158 9.490 22,7 4
Itatiba Santa Casa de Misericórdia de Itatiba 14 1.567 6.224 5.110 121,8 4
Nova Odessa Hospital e Maternidade de Nova Odessa 14 903 3.799 5.110 74,3 4
Americana Hospital Municipal Dr Waldemar Tebaldi 28 2.778 18.448 10.220 180,5 7
S. B. d'Oeste Hospital Santa Barbara 30 1.183 6.386 10.950 58,3 5
Campinas Hospital das Clínicas da Unicamp de Campinas 171 12.567 77.082 62.415 123,5 6
Paulínia Hospital Municipal de Paulínia 21 1.093 6.705 7.665 87,5 6
Campinas Hospital Municipal Dr Mario Gatti Campinas 60 4.553 30.914 21.900 141,2 7
Campinas Hospital Maternidade Celso Pierro 38 3.346 19.137 13.870 138,0 6
Sumaré Hospital Estadual Sumaré 35 2.606 20.397 12.775 159,7 8
Hortolândia Hospital Maternidade Mun. Gov. Mario Covas 20 1.432 5.716 7.300 78,3 4
Valinhos Irma. Santa Casa de Misericórdia de Valinhos 28 1.416 6.602 10.220 64,6 5
Vinhedo Santa Casa de Vinhedo 15 1.023 3.747 5.475 68,4 4
Indaiatuba Hospital Augusto de Oliveira Camargo 19 3.583 14.329 6.935 206,6 4
Pedreira Consaude Pedreira 13 472 3.024 4.745 63,7 6
Campinas Complexo Hospitalar Ouro Verde de Campinas 68 2.373 23.693 24.820 95,5 10
Total 666 43.255 262.255 243.090 107,9 6
Fonte: SIH, taxas calculadas pelo Departamento Regional de Saúde de Campinas - SES - SP.
Crise
75
A taxa de ocupação média é de 107,9%, variando de cerca de 50% em hospitais com
leitos de retaguarda clínica de baixa complexidade a taxas próximas de 200% nos
hospitais de média complexidade, passando pela casa dos 150% nos serviços de maior
complexidade. A oferta de leitos em clínica médica é da ordem de 0,24 leitos/1000
habitantes em contraposição aos 0,78 leitos/1000 preconizados pela portaria 1101.
Essas taxas de ocupação acima de 100% e suas consequências apenas são possíveis
porque nesses hospitais os pacientes ficam “internados” nos pronto socorros, em virtude
da inexistência de leitos de clínica médica para seu tratamento nas enfermarias.
51% dos leitos da RMC encontram-se concentrados em Campinas que apresenta um
total de 1,54 leitos/1000 habitantes e que, portanto, são insuficientes para sua própria
população, segundo parâmetros da portaria ministerial, que são corroborados pela
superlotação observada cotidianamente nos serviços de urgência da cidade;
Existe uma diferença grande na proporcionalidade de leitos entre as cidades que
compõem a RMC, variando de 0,34 leitos/1.000 habitantes (Hortolândia) a 3,4
(Americana e Itatiba, ambas com hospitais psiquiátricos de caráter regional em seus
territórios). Três das 19 cidades da região não possuem leitos hospitalares cadastrados
(Quadro 9);
Observa-se que no total de leitos da RMC ou de Campinas, incluindo ou não os leitos
não SUS, como visto em outras regiões, também há maior oferta de leitos cirúrgicos do
que de leitos clínicos, o que é inadequado em relação à morbidade geral, muito mais
clínica que cirúrgica, conforme o Quadro 13 abaixo.
Quadro 13 – Leitos cirúrgicos SUS e não SUS e leitos clínicos SUS e não SUS.
Crise
76
Leitos cirúrgicos Leitos clínicos
Total SUS Não SUS Total SUS Não SUS
Americana 104 42 62 140 53 87
A. Nogueira 30 0 30 12 0 12
Campinas 990 486 504 872 424 448
Cosmópolis 21 13 8 31 26 5
E. Coelho 0 0 0 0 0 0
Holambra 0 0 0 0 0 0
Hortolândia 14 14 0 20 20 0
Indaiatuba 89 53 36 32 19 13
Itatiba 43 24 19 29 14 15
Jaguariúna 16 16 0 25 25 0
Monte Mor 6 5 1 16 14 2
Nova Odessa 19 19 0 14 14 0
Paulínia 26 26 0 21 21 0
Pedreira 10 10 0 23 13 10
S. B. d’Oeste 18 12 6 50 30 20
S. A. Posse 0 0 0 0 0 0
Sumaré 69 69 0 35 35 0
Valinhos 48 13 35 56 28 28
Vinhedo 25 15 10 25 15 10
TOTAL 1528 817 711 1401 751 650
Fonte: CNES
Ao observarmos todas essas informações, ao contrário do que afirma a SES-SP,
concluímos que a oferta real de leitos para a RMC é ainda menor do que o explicitado pelos
números do CNES, posto que 20% dos leitos cadastrados estão localizados em hospitais de
baixa e média complexidade e, por essa, entre outras razões, estão ociosos, enquanto os
serviços de maior complexidade apresentam altas taxas de ocupação, estando, não
raramente, superlotados.
Diante do exposto, podemos destacar alguns pontos e diferentes períodos críticos,
que somados podem ajudar a entender a magnitude da atual crise hospitalar do SUS:
Até a promulgação da Constituição Brasileira, em 1988, só tinham acesso à assistência
hospitalar os trabalhadores formais, ou seja, aqueles contribuintes do sistema
previdenciário. Todos os demais dependiam de sorte ou de caridade para acederem ao
cuidado hospitalar, bem como a todos os demais direitos trabalhistas e em saúde;
Na primeira década do período pós-golpe militar houve uma expansão de oferta cujos
interesses visavam, marcadamente, o crescimento do lucro no setor e não a extensão e
qualificação da atenção à saúde. Assim, em 1969 havia 74.543 leitos privados no País
Crise
77
e, em 1984 esse número já era de 348.255(53). O número de unidades hospitalares com
finalidade lucrativa, muitas vezes financiada com recursos públicos, aumentou de 14,4%
em 1960 para 44% em 1971 e para 45,2% em 1975(53). Temos aí uma primeira crise que
combina alto custo e inadequação de oferta com baixa qualidade dos serviços
prestados(13);
No final da década de 70, em função do modelo desenvolvido e do cenário de recessão
na economia mundial que instalou uma profunda crise financeira na previdência social e
também por pressões da sociedade organizada através do movimento de reforma
sanitária brasileiro, o governo militar se viu forçado a buscar medidas corretivas para a
previdência, que nesse período era responsável pela assistência hospitalar, o que
desencadeou uma série de ações de cunho burocrático no período que se seguiu ao
longo dos primeiros anos da década de 80, inclusive com mudança na forma de
pagamento dos serviços hospitalares, a fim de coibir os abusos e fraudes comuns nesse
período. Tais medidas foram amplamente insuficientes para contornar a crise político-
institucional instalada(13);
Após a instalação do SUS tivemos a Universalização do acesso como um dos grandes
ganhos do movimento de reforma sanitária, associada à ampliação da oferta e cobertura
da atenção primária no país, entrando num período de “combate” à organização
hospitalocêntrica e especializada do sistema de saúde que, por um lado levou ao
fechamento de serviços hospitalares desqualificados e muitas vezes até fraudadores do
sistema e, por outro lado estimulou os governos municipais à abertura de um grande
número de pequenos hospitais, gerando uma redução do número total de leitos
disponíveis no sistema, num período em que houve aumento do número de usuários, em
virtude da universalização do acesso;
Além da ampliação da cobertura da atenção hospitalar do SUS, o aumento da oferta
ambulatorial especializada, a transição epidemiológica com envelhecimento da
população e aumento da incidência e prevalência de doenças crônico-degenerativas ao
lado da manutenção das antigas doenças infectocontagiosas em muitas regiões do país,
bem como o avanço tecnológico com a incorporação de uma série de novos
procedimentos diagnósticos e terapêuticos, levaram o SUS a um cenário de crise na
atenção hospitalar que vem se estendendo na última década e que se materializa
fundamentalmente na superlotação das urgências e nas filas de espera para consultas
médicas, procedimentos diagnósticos, terapêuticos e cirurgias eletivas.
Nesse cenário, seja para a Região Metropolitana de Saúde de Campinas, seja para a
totalidade do Estado de São Paulo ou, seja em relação ao cenário nacional, cabe fazer uma
série de questionamentos:
Crise
78
As portas de urgência da RM de Campinas contam com suficiente retaguarda hospitalar
ou há estrangulamento na área? Existe lista de espera para cirurgias eletivas na região?
Quantos pacientes estão nessa fila e qual o tempo de espera por tipo de procedimento?
As cidades de Americana e Itatiba, que contam com maior concentração de leitos/1000
habitantes possuem suficiente retaguarda de leitos ou há estagnação nas portas de
urgência? Existe lista de espera para cirurgias eletivas na região? Quantos pacientes
estão nessa fila e qual o tempo de espera por tipo de procedimento?
A cidade de Barretos, na qual se vê a maior concentração de leitos/1.000 habitantes do
ESP, conta com suficiente retaguarda hospitalar ou há superlotação nas portas de
urgência da cidade? Existe lista de espera para cirurgias eletivas na região? Quantos
pacientes estão nessa fila e qual o tempo de espera por tipo de procedimento?
No cenário nacional, vimos algumas regiões metropolitanas com oferta de leitos
hospitalares superior ao preconizado pela Portaria 1.101. Será que nas cidades que
compõem estas regiões existe fila de espera para procedimentos cirúrgicos eletivos ou
para a internação de pacientes a partir das portas de urgência? Existem pequenos
hospitais com baixas taxas de ocupação? Existem cidades no entorno dessas regiões
que não têm oferta hospitalar?
Haveria entre todas essas localidades um modelo de suficiência de oferta de leitos que
pudesse ser mais bem compreendido e utilizado como vitrine para outras regiões?
Será realmente indicado e correto o uso dos parâmetros da Portaria GM/MS 1.101 de
forma indistinta em cidades e regiões com características tão diferentes, sem
observarmos os movimentos migratórios em busca de atenção à saúde entre as cidades,
suas diferenças socioeconômicas e de saúde e a capacidade resolutiva dos diferentes
estabelecimentos hospitalares?
Dentro das premissas de regulação do sistema de saúde, especialmente no que diz
respeito à regulação do acesso, é correto regular apenas a oferta dos leitos SUS de
forma “universal” enquanto os leitos não SUS que não estão sob regulação pública
podem, em alguns momentos, apresentar até mesmo ociosidade?
Um dos locais onde a escassez de leitos impacta intensa e cotidianamente é nas
portas de urgências hospitalares ou não hospitalares(18). Infelizmente, como o CNES não
considera os leitos de observação desses locais e ainda porque, consequentemente, muitos
dos pacientes que permanecem nesses leitos por um período maior que 24 horas não têm
seus tratamentos registrados como internações, é possível que tenhamos uma quantidade
de leitos e internações clandestinas que, nesse momento, não conseguimos contabilizar.
Financiamento
79
Financiamento:
Nos anos de governo da ditadura militar se desenvolveram algumas modalidades de
contratação e financiamento de serviços que ainda hoje influenciam o sistema de
remuneração hospitalar. Através do INPS e de seu sucedâneo, o INAMPS, os serviços
hospitalares eram comprados e remunerados através de duas modalidades principais(13):
• credenciamento de hospitais, com a remuneração por serviços prestados com base numa
tabela de unidades de serviço. Esse tipo de contrato gerou uma sequência de distorções
incoercíveis, que têm repercussões até os dias de hoje, como por exemplo, a epidemia de
cesarianas, que tinham sua remuneração muito maior que o parto normal. Vale ressaltar que
os hospitais criaram verdadeiras empresas de faturamento, maquiando a realidade como
bem lhes interessasse e apresentando faturas cada vez mais caras, gerando uma despesa
incontrolável e imprevisível para os cofres previdenciários;
• convênio com empresas de medicina de grupo, que por um determinado valor fixo mensal,
comprometiam-se a dar toda a assistência à saúde dos trabalhadores das empresas
contratantes. Assim, ao contrário do que acontecia nos hospitais credenciados, que
recebiam por serviços prestados, às empresas de medicina de grupo interessava realizar o
menor número possível de exames e procedimentos para estes trabalhadores, pois todos
eles seriam abatidos de sua margem de lucro.
Em 1982, com vistas a coibir as fraudes e delimitar a atuação dos hospitais, o
Ministério da Previdência e Assistência Social publicou a Portaria MPAS 3.046 (54) que, pela
primeira vez no país criou parâmetros de realização de procedimentos, colocando um limite
acima do qual os mesmo não seriam pagos. Esses parâmetros permaneceram vigentes até
a publicação da Portaria 1.101 em 2002.
O desenvolvimento do SUS trouxe uma série de inovações ao sistema de saúde
brasileiro, mas, paradoxalmente, durante quase duas décadas o sistema de remuneração
hospitalar permaneceu o mesmo: a) pagamento mediante apresentação de fatura com
registro de procedimentos constantes de uma tabela nacional, determinada e modificada
pelo Ministério da Saúde, mas muito semelhante à tabela do extinto INAMPS; b) pagamento
por orçamento prévio (valor global).
Essas formas de remuneração, amplamente insuficientes para fazer frente ao custo
real das internações acabaram por impactar a oferta de leitos hospitalares. Em 1995, a
assistência hospitalar correspondia a 65,42% dos gastos com ações e serviços de
saúde, em 2005, correspondia a 43,83%. Nesse mesmo período o valor médio das
Financiamento
80
internações aumentou de R$ 252,44 para R$ 608,68, e os custos gerais com a saúde
aumentaram acima de 10%, descontada a inflação. Um das consequências foi que a
oferta de leitos do setor privado para o SUS caiu de 43,99% em 1995 para 29,59% em
2005, diminuição essa compensada, em parte, pelo aumento da oferta de leitos públicos
e de hospitais filantrópicos(18).
Durante a década de 90 até por volta de 2005 a remuneração hospitalar se deu
nos moldes “inampianos”, o que colocou o “procedimento” no centro das atenções e não
o cuidado ao doente. Com o passar do tempo, a não correção dos valores praticados
gerou déficit financeiro nos hospitais prestadores de serviços para o SUS,
comprometendo ainda mais a qualidade do atendimento e exigindo, especialmente no
caso dos hospitais filantrópicos, a complementação realizada, na maioria das vezes,
com recursos públicos municipais. Vale esclarecer que os hospitais públicos estaduais e
municipais também recebem recursos federais dentro de uma dessas duas modalidades
de pagamento(18).
Mais recentemente, a remuneração dos serviços por contratualização, que
repassa recursos relativos à produção de serviços associada à pactuação e alcance de
metas e indicadores de qualidade assistencial têm apontado, finalmente, para novos
horizontes e a ruptura, ainda que lenta e paulatina, com o modelo herdado dos anos da
ditadura(18).
Para a avaliação do custo hospitalar é mais indicado utilizar as despesas por
caso que por dia, já que o custo cai com o passar dos dias e hospitais com maiores
tempos de permanência terão custo médio diário menor que o de um hospital com alta
performance e eficiência. Mesmo que o hospital seja grande, se consumir alta tecnologia
seu custo final será maior, apesar da economia desejada em função da escala(2).
Tipologia hospitalar
81
Tipologia hospitalar:
Historicamente, muitos hospitais de agudos vêm abrigando importante número de
leitos de cuidados prolongados e cuidados paliativos, além de se ocuparem de uma variada
gama de necessidades sociais não contempladas pelos setores responsáveis pela
assistência social(2).
Nos países que contam com maior investimento e organização da atenção social e
de saúde, os pacientes com necessidade de cuidados prolongados são abrigados em
equipamentos alternativos especialmente dedicados a esse tipo de trabalho como hospitais
de longa permanência ou instituições não hospitalares, sob responsabilidade da área da
saúde, da assistência social ou compartilhada entre elas(2).
Os países estudados nessa pesquisa vêm realizando reconfigurações em seu
sistema hospitalar e de saúde, de forma a qualificar o cuidado, aumentando a eficiência e a
eficácia do setor hospitalar. Essas transformações incluem a redução de leitos para
tratamento de agudos e o aumento da oferta de leitos chamados subagudos, que incluem o
cuidado paliativo, a reabilitação e cuidados em geriatria. Tais leitos exigem uma carga maior
de cuidados multidisciplinares, especialmente de enfermagem, com menor demanda de
cuidados médicos especializados.
Experiência australiana concluiu que centros de atendimento de curtas internações
para cirurgia ou procedimentos médicos, eletivos ou de emergência, através de um cuidado
com qualidade, promovem o uso eficiente de leitos hospitalares sem comprometer o
prognóstico do paciente(55).
A organização da oferta de leitos para cuidado de pacientes com quadros agudos e
leitos para cuidados eletivos em estabelecimentos hospitalares separados e a transferência
de um número maior de pacientes para leitos dia, com financiamento e equipe específicos
pode ter alto potencial de organização em instituições com volume significativo de
atendimentos(56).
Pequenos hospitais locais com menos de 50 leitos podem ajudar na realização de
diagnóstico básico, cirurgias menores e cuidado a pacientes que necessitam apoio de
enfermagem. Parece haver uma tendência ao fechamento desses hospitais ao longo dos
anos. O Canadá e a Austrália que têm grandes territórios optaram pelo socorro aéreo em
substituição a esses estabelecimentos(2).
Tipologia hospitalar
82
Hospitais distritais ou regionais devem dar cobertura assistencial nas clínicas básicas
– clínica médica, cirurgia, pediatria, ginecologia e obstetrícia, além de exames de imagem e
patologia clínica a populações entre 150 mil a 1 milhão de habitantes, com 200 a 600 leitos.
Os cirurgiões defendem os grandes hospitais, com mais de 500 leitos, já os clínicos
preferem hospitais menores, com 150 a 300 leitos(2).
Quanto à escala ideal, a literatura é controversa. Parece haver consenso de que
estabelecimentos com 200 leitos conseguem combinar menor custo com maior qualidade(2).
Novas correntes defendem a projeção de necessidades não mais através do número
de leitos, mas sim da organização de unidades de produção hospitalar ligadas que
possibilitem o bom desenvolvimento de linhas de cuidado por tipo de patologia, que
envolvem a previsão não apenas de leitos, mas também a toda a carga tecnológica e de
recursos humanos necessários à prestação do cuidado em tempo oportuno e devidamente
qualificado. Já existem trabalhos traçando linhas de cuidados para várias situações clínicas,
mas considera-se que eles sejam ainda incipientes, pois teriam que ser desenvolvidos ainda
para muitos tipos de patologias(57).
Número de leitos
83
Número de leitos
Na pesquisa realizada não encontramos evidências de que seja possível estabelecer
um parâmetro único de necessidades de leitos, já que a literatura mostra que inúmeras são
as variáveis que podem influenciar nesse cálculo, levando em conta, especialmente, as
diferenças socioeconômicas, epidemiológicas e demográficas de cada localidade e, mais
modernamente, focando os esforços de planejamento nas linhas de cuidados por patologia
ou grupos de patologias.
O Quadro 14 sistematiza alguns trabalhos mostrando metodologias de cálculo de
necessidades de leitos hospitalares. A maioria utiliza métodos estatísticos para determinar
quantitativamente a necessidade de leitos, de acordo com variáveis selecionadas pelos
pesquisadores. Informações sobre dados demográficos, de características dos pacientes e
da população, dados sobre a utilização dos leitos hospitalares como admissão, taxa de
ocupação hospitalar, tempo de duração das internações e tempo de espera para acesso aos
leitos foram utilizadas para compor os modelos.
Quadro 14 – Descrição dos estudos sobre metodologias de cálculo de necessidades de
leitos hospitalares segundo país e ano de publicação, objetivo do estudo, descrição da
metodologia, variáveis e categorias consideradas e principais resultados.
Número de leitos
84
Estudo Ano/País Objetivo Descrição do modelo Variáveis consideradas Categorias Principais resultados
A methodology
for projecting
hospital bed
need: a Michigan
case study(58)
2010
EUA
Descrever
metodologia para
projeção de
necessidade de
leito no estado de
Michigan, por
subáreas;
- Modelo estatístico com
13 etapas metodológicas
- Base de dados sobre pacientes
internados de 2006;
- Áreas de endereçamento postal
(área limite de acesso) de 2008;
- Projeção da população para
2011 por área censitária e grupo
etário;
- Adulto
(cirurgia/médica)
- Pediatria
- Obstetrícia
- Das 63 subáreas, a
necessidade de leitos
aumentou em 52 (82,5%) e
diminui em 11 (17,5%);
Anticipating
Change: How
Many Acute
Care Hospital
Beds Will
Manitoba
Regions Need in
2020? (35)
2005
Canadá
Estimar a
demanda por
leitos agudos
hospitalares em
2020 através de
dois modelos
- Primeiro: através da
média de utilização de
leitos por um período de
três anos (assume que a
demanda em 2020 será a
mesma do período de
1996 a 1998)
- Segundo: análise de
tendência por período de
10 anos através da
regressão de Poisson
(considera as tendências
do período de 1989 a
- População estimada por sexo e
idade, considerando migração
internacional, intraprovincial e
interprovincial, taxa de
crescimento populacional por
idade e sexo;
- Dados sobre utilização de leitos
hospitalares;
- Projeções por diferentes áreas
demográficas;
- Cirúrgico
- Não cirúrgico
(clínica médica,
obstetrícia e
psiquiatria)
- Primeiro modelo projeta
um aumento da demanda
de leitos, ao contrário do
segundo modelo que
projeta um declínio;
- Dificuldade em projetar
necessidade futura de leitos
hospitalares;
- Revisão com frequência
das mudanças dos padrões
do uso hospitalar, projeções
da população e dos
modelos de projeção;
Número de leitos
85
1998 e mudanças
populacionais)
- Não há necessidade
dramática de aumento de
leitos de agudos;
An Objective
Method for Bed
Capacity
Planning
in a Hospital
Department
A Comparison
with Target Ratio
Methods(59)
2007
França
Propor um método
para estimar o
número de leitos
necessários para
um departamento
hospitalar
- Modelo estatístico;
- Desenvolvimento de um
software “Beds Simulator
2.0”
- Taxa de ocupação hospitalar,
acessibilidade (medida através
da taxa de transferência de
pacientes devido à falta de leitos
disponíveis) e Proxy de
efetividade clínica (pela
proporção de dias durante os
quais há possibilidade de
admissão não programada);
- Dados simulados;
- Método aplicado
à UTI,
departamentos
médico e cirúrgico
em hospitais
universitários e
não universitários;
- Esta abordagem pode ser
considerada como o
primeiro passo relativo aos
métodos para o
planejamento quantitativo
em saúde;
Estimating and
projecting
subacute care
demand:
findings from a
review of
international
methods(3)
2008
Austrália
Nova
Zelândia
Revisar as
abordagens para
cuidado subagudo
na área da saúde
- Modelos simplistas que
consideram a análise de
internações que
necessitam de cuidados
subagudos (geriatria)
- Dados da internação hospitalar;
- Dados da internação hospitalar
por sexo, faixa etária, área
metropolitana, acesso a
hospitais privados;
- Dados de mortalidade;
- Geriatria
- Cuidado paliativo
- As estimativas de leitos
subagudos não devem
estar baseadas em taxas de
utilização históricas;
- Sugere diminuição dos
anos da faixa etária dos
mais idosos para identificar
necessidades deste
Número de leitos
86
subgrupo;
- Uso potencial de
intervalos de confiança nas
projeções;
- Pressupostos para evitar a
hospitalização e assistência
pós alta (assistência na
comunidade e em
domicílio);
- Foco principal é a
necessidade do paciente;
Estimating
emergency
service
treatment bed
needs(60)
2004
EUA
Descrever
necessidade
futura de leitos
hospitalares em
serviços de
emergências
- Modelo de simulação;
- Modelo preditivo com
análise de regressão;
- Estimativa do tempo de espera
para tratamento, tempo entre
admissão de pacientes e
determinação de nível de
proteção desejado para a
população (por exemplo, 99% de
proteção para trauma, ou seja,
1% de chance de não
tratamento);
- Serviços de
emergências
- Variação da necessidade
de leito por estação do ano,
dia da semana e hora do
dia;
- Consideração de eventos
catastróficos como
epidemias, desastres
naturais e terrorismo;
Evaluating and 2005 Analisar - Fórmula Hill–Burton - Admissão anual, tempo de - Serviços de - Considerar contexto
Número de leitos
87
planning ICUs:
methods and
approaches to
differentiate
between need
and demand(61)
Austria abordagens
convencionais e
inovadoras para
planejar e avaliar
serviços de
cuidados
intensivos
- Análise de dados internação;
- Cálculo de dias esperados para
cuidados intensivos;
- Análise detalhada da utilização
de leitos;
- Adequação clínica;
cuidados
intensivos
nacional de oferta de
serviços hospitalares de
agudos;
- Considerar para uso
adequado de leitos grupos
diagnósticos, picos de
atendimento, gravidade e
carga de trabalho;
- Planejamento coordenado
para cirurgia eletiva com
necessidade de cuidados
intensivos;
Hospital capacity
planning: from
measuring
stocks to
modelling
flows(57)
2010
Holanda
Inglaterra
Analisar o
planejamento da
capacidade
hospitalar
- Não descreve modelos - Necessidade de inovação
- Formas de cuidado
- Melhorar o fluxo de paciente
- Serviços de
cuidados
intensivos
- Planejamento da
capacidade deve se basear
na oferta, fluxo de pacientes
e trabalho, pontos de
estrangulamento do sistema
e não somente na
perspectiva quantitativa de
leitos;
Myths of ideal 2010 Discutir sobre os - Modelo matemático - Previsão do número de Não descrita - Métodos atuais utilizados
Número de leitos
88
hospital size(45)
Inglaterra mitos do tamanho
ideal de hospital
internações e do tempo de
internação (multiplicar os dois,
dividir por 365 e aplicar margem
de ocupação (de 2 a 7-8 dias)
para identificar tamanho de
hospitais subestimam a
capacidade necessária;
- Previsão aceitável
utilizando a variável
demografia somente em
internações para cirurgias
com taxa de intervenção
estável;
- Tendências de dias de
leitos ocupados em vez de
admissão e tempo de
internação dão melhores
estimativas de
necessidades futuras de
leitos;
Modelling
Variability in
Hospital Bed
Occupancy(62)
2005
Austrália
Desenvolver uma
versão estocástica
do modelo
Harrison—Millard
de múltiplos
- Modelo estatístico
- Matlab
- Modelo de Poisson
- Internação diária por dia de
semana;
- Taxa de ocupação por mês;
- Clínica médica - Compreensão não
somente da média de
ocupação de leitos, mas
também das variações;
- Variações sazonais são
Número de leitos
89
estágios para
modelar a média e
as variações na
ocupação de leito
hospitalar
mais significantes que as
variações por dia da
semana;
- Variável alta é mais
significante que a variável
internação;
- Modelo pode ser utilizado
em todo hospital;
Models for Bed
Occupancy
Management of
a Hospital in
Singapore(63)
Cingapura
2010
Descrever três
modelos de
previsão de
necessidade de
leitos hospitalares
- Modelo de regressão
(MR);
- Modelo de Poisson
(MP);
- Modelo de simulação
(MS) com a utilização do
Arena 10.0;
- Tempo de internação;
- Dados de admissão;
- Características do paciente
(sexo, enfermaria, disciplina
médica envolvida);
- Número de leitos ocupados;
- Serviço de
emergência;
- Ambulatório;
- Admissão eletiva;
- Três modelos são
ferramentas úteis para o
planejamento de leitos;
- Previsão do nível de
ocupação de leito na
semana seguinte, a partir
dos dados da mesma
semana do ano anterior
(MR e MS);
- Estimativa de ocupação
de leitos e alocação de
número ideal de leitos com
base no tempo de
internação e dados de
Número de leitos
90
admissão;
Models for
forecasting
hospital bed
requirements
in the acute
sector(64)
1990
Inglaterra
Avaliar uma
abordagem de
previsão de
necessidades de
leitos agudos
hospitalares
- Modelo estatístico;
- Modelo estrutural;
- Modelo Box-Jenkins;
- Média de tempo de internação;
- Taxas de admissão;
- Cirurgia geral - Abordagem de séries
temporais (método de Box-
Jenkins) é a forma mais
adequada de previsão de
leitos;
- Dados sobre padrões
históricos de utilização de
leitos hospitalares não são
descritos com precisão;
- Projeções que utilizam
estes padrões são
instáveis;
Conclusões
91
Conclusões
Pelos estudos realizados acerca da evolução e atual organização da atenção
hospitalar nos diferentes cenários e realidades nacional e internacional, concluímos que:
1- Quanto ao dimensionamento do número de leitos:
A comparação entre os vários países que fecharam leitos é muito difícil e deve ser
utilizada de forma bastante criteriosa, fazendo a devida diferenciação entre as reduções
que estão no bojo do enxugamento das ofertas sociais preconizadas pelo Estado mínimo
da corrente neoliberal e as medidas de qualificação do uso possíveis rumo à
Universalização dos sistemas de saúde;
A capacidade de absorver reduções de leitos depende da capacidade inicial instalada e,
portanto, é inadmissível analisar as reduções de leitos ocorridas no Brasil durante o
período de avanço neoliberal à luz do que ocorreu em outros países desenvolvidos que,
embora também sob os mesmos ditames, ainda apresentam ofertas muito superiores à
brasileira;
O número de leitos é uma variável muito pobre para medir a capacidade de atenção de
um determinado sistema, já que um “leito” só pode contribuir para o adequado cuidado à
saúde se:
A oferta de recursos humanos que trabalham no setor estiver ajustada às
necessidades dos serviços e dos pacientes;
O conjunto dos profissionais de saúde for treinado e capacitado para desenvolver as
atividades pertinentes a cada tipo de cuidado;
A oferta de aporte tecnológico for adequada em quantidade e qualidade;
Os fluxos e processos de trabalho internos estiverem bem determinados, em plena
aplicação e com monitoramento sistemático;
A oferta loco-regional estiver organizada, em rede, de forma a favorecer o acesso
aos diferentes equipamentos de saúde, bem como a sua plena utilização, delineando
linhas de cuidado protetoras, que busquem ofertar a melhor possibilidade terapêutica
para cada paciente;
Se essa oferta for rigorosamente regulada.
Conclusões
92
O número de leitos necessários a uma boa atenção à saúde não pode ser calculado ou
medido através de um “parâmetro” que se aplique igualmente a todo o país. Esse estudo
de necessidade precisa ser feito com base territorial e deve levar em conta:
Densidade de riqueza e justiça social em cada localidade;
Caracterização etária e de gênero da população;
Indicadores de qualidade de vida;
Indicadores de saúde;
Organização da atenção hospitalar;
Existência de diferentes formas de cuidado;
Disponibilidade e qualificação dos recursos humanos;
Densidade tecnológica disponível;
A relação entre a oferta existente e a demanda aparente;
Equilíbrio entre escaliridade e acessibilidade aos serviços;
A escassez de leitos afeta negativamente a qualidade da atenção e dos serviços de
saúde, seja diretamente através do prejuízo na qualidade das internações e de seus
resultados ou indiretamente, como se vê no caso da superlotação dos serviços de
urgência e nos tempos de espera para procedimentos eletivos;
É possível aperfeiçoar o uso dos leitos existentes através de várias medidas:
Redução de internações desnecessárias;
Qualificação do cuidado prestado;
Agilização das altas hospitalares;
Realização de transferência do cuidado nos casos de cronicidade das patologias ou
de necessidade de monitoramento clínico constante;
Desenvolvimento de equipamentos e formas alternativas de cuidado:
Internações domiciliares;
Atenção domiciliar com apoio nas áreas de saúde e social;
Centros de cuidado continuado para pacientes com restrição de
autonomia e sem possibilidade de apoio familiar;
Qualificação do cuidado e desenvolvimento da gestão clínica no ambiente hospitalar;
Conclusões
93
Qualificação do cuidado e desenvolvimento da gestão clínica nas redes de atenção;
Muitos países estão enfrentando o desafio de prover suas populações com acesso a um
cuidado de saúde seguro, qualificado e eficiente. Estudos realizados nos Estados Unidos
da América, país com o maior gasto per capita registrado pela OCDE em 2009 (US$
7.960), o equivalente a 17,4% do PIB, sendo 48% destes recursos da esfera
governamental e 33% desembolsados pelos próprios cidadãos, mostraram que
pacientes ligados a sistemas e serviços de atenção primária têm mais chance de receber
ações preventivas e estão menos expostos a problemas de coordenação de cuidado;
Alguns países, como a Austrália, o Canadá e a Inglaterra experimentaram uma redução
muito acentuada no número de leitos, levando a grandes listas de espera para
realização de procedimentos, além de superlotação nos serviços de urgência, por
insuficiente retaguarda de leitos para tratamento de agudos;
Na Inglaterra e na Austrália, como alternativa à falta de leitos de agudos e com vistas a
enfrentar as listas de espera e propiciar maior racionalidade no uso dos recursos
existentes, foi proposta a construção/organização de hospitais destinados
exclusivamente a cirurgias eletivas;
No Brasil, o número total de leitos hospitalares aumentou durante a década de 70 e 80 e
começou a declinar desde 1990 até 2009, tanto no setor público como no setor privado.
Também se observa diminuição no total de leitos SUS (somatória dos leitos públicos
com os leitos do setor privado conveniado ou contratado pelo SUS). Segundo a OCDE, o
número de leitos para cuidados hospitalares do Brasil é um dos menores do mundo: 1,8
leitos por 1000 habitantes, em 2009, atrás apenas do México (1,7/1.000), da Indonésia
(0,7/1.000) e Índia (0,5/1000), sendo 4,9 leitos/1.000 habitantes a oferta média dos
países da comunidade europeia;
A observação das médias de leitos ofertados no território nacional, por Estados ou em
suas capitais é amplamente insuficiente para uma adequada avaliação da relação
leito/habitante e pode levar a equívocos graves na interpretação dos números.
Observamos ofertas maiores nas capitais, mas ao analisarmos essas cidades com o
conjunto de municípios do seu entorno (como por exemplo nas regiões metropolitanas),
a realidade se transforma e observamos escassez de leitos na maioria absoluta das
regiões metropolitanas do país;
Em 2009, dos leitos disponíveis no Brasil, apenas 36% eram públicos e os 64%
restantes privados. Porém, do total de leitos privados, 78% deles prestam serviços para
o SUS e apenas 22% se mantêm sem recursos do setor público;
Conclusões
94
Os brasileiros que fazem jus aos leitos do setor privado e complementar podem contar
com uma oferta média nacional de 3,2 leitos/1000 habitantes. Sabemos, porém, que
para muitos tipos de assistência, como por exemplo, na atenção às urgências, esses
usuários optam pelo SUS e acabam por utilizar leitos públicos para seu cuidado. O
inverso, no entanto, não é verdadeiro, pois não é permitido aos usuários do SUS usufruir
desses recursos gratuitamente;
No cenário nacional temos um grande número de leitos hospitalares localizados em
pequenos estabelecimentos com baixa capacidade resolutiva e baixas taxas de
ocupação, o que vem sendo interpretado por muitos gestores como “excesso de oferta
de leitos” e não como “insuficiência técnica para sua utilização”;
Dos estabelecimentos hospitalares existentes no país, 60% estão localizados em
município com menos de 50 mil habitantes;
Ainda em 2009, o gasto per capta com saúde no Brasil foi de 943 dólares ao ano, sendo
oriundos dos cofres públicos apenas 380 dólares, enquanto a média da OECD foi de
3.233 dólares de despesas per capta/ano, sendo 2.300 dólares oriundos do setor
público;
2- Quanto à tipologia hospitalar:
A forma de organização da oferta de leitos no Brasil necessita ser reformulada, com
reformatação da tipologia dos serviços, em busca de sua qualificação e otimização do
uso, com organização de:
Oferta de serviços não hospitalares como:
Leitos para internação domiciliar que devem ser respaldados por equipes
de saúde treinadas nesse tipo de cuidado e estar integrados aos demais
pontos da rede de atenção para apoio nas agudizações e intercorrências;
Leitos em instituições não hospitalares, que podem estar ligados à saúde,
à assistência social ou a ambos, destinados ao cuidado de pessoas
dependentes, que não contém com a possibilidade de cuidado familiar;
Serviços hospitalares destinados à internação de agudos;
Serviços hospitalares destinados à realização de procedimentos eletivos seja na
modalidade de leito-dia ou com internação;
Conclusões
95
Serviços hospitalares para o cuidado de pacientes que necessitam de cuidados
prolongados, paliativos ou de saúde mental.
Além disso, é essencial rever o tamanho, a densidade tecnológica e a localização dos
estabelecimentos hospitalares existentes, a fim de estabelecer uma relação ótima entre
escalaridade e acessibilidade, favorecendo a equidade e universalidade na atenção
hospitalar do SUS.
Recomendações
96
Recomendações
Recomendações para avançar o processo de elaboração de uma proposta de reforma
hospitalar no SUS e o desenvolvimento de uma proposta de organização da rede
hospitalar com suficiência de cobertura por estados e regiões, conforme Projeto para
o período 2012-2014:
Entender o esquema explicativo que preside a forma como os principais atores políticos
e sociais representam a crise de acesso hospitalar no País e suas consequências no
âmbito da atenção aos agudos, eletivos e crônicos / longa permanência e /ou
dependência. Contrastar as representações com a realidade encontrada na análise dos
dados secundários – capacidade instalada x tempos de espera observados para a
hospitalização;
Relacionar esses esquemas explicativos com a hegemonia do pensamento neoliberal
e/ou uma explicação de natureza preventivista dissociada do conceito de sistema
integral. Explorar a sinergia entre essas explicações e suas consequências,
particularmente no âmbito da retração ou estagnação da oferta publica estatal versus a
expansão do setor privado, especialmente o não conveniado ao SUS;
Aproximar-se de uma representação das necessidades em um campo de planejamento
da complexidade, integrando os modelos de serviços e a função da hospitalização aos
sistemas regionais de atenção, modelizando fluxos e resultados assistências com
ênfase no tempo adequado ao melhor resultado prognóstico. Estudar, portanto, os
tempos de espera recomendados e sua repercussão no dimensionamento e
organização da acessibilidade territorial;
Analisar a realidade da ocupação e capacidade instalada das unidades hospitalares do
sistema, mediante estudos de casos estaduais, gerando dados primários que possam
contrastar os dados constantes do CNES;
Construir uma alternativa de estrutura e funcionalidade do CNES que reflita a natureza,
uso e desempenho da oferta hospitalar existente;
Propor as bases de um plano diretor nacional, com capítulos por estados e regiões,
onde se possa estabelecer capacidade prospectiva vinculada a evolução da demanda e
a resposta estruturante das necessidades. Explorar as dimensões do divorcio escalar
entre necessidades e ofertas;
Organizar um processo de planejamento estratégico situacional, que se beneficie de um
exercício utilizando a "soft systems methodology", para fins de definição estratégica e
ajuste dinâmico das variáveis com perspectivas de curto, médio e longo prazo – 25
anos.
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