Artigo Original
DIAGNOSTICO DIFERENCIAL DAS LESOES AORTO-ILlACAS
Domingos de Morais Filho * José Isper ** José Américo Moreira dos Santos ** *
Demonstramos a falibilidade do diagnóstico clinico e arteriográfico de rotina ( artflriografia AP ), no estudo das patologias aorto-iltãcas e fêmora poplíteas, principalmente para o diagnóstico diferencial de certeza entre ambas, no tocante a seu potencial de alteração hemodinâmica relativa. Propomos também soluções que julgamos simples, seguras, de fácil implementaçaõ e confiáveis que podem ser rapidamente implementadas e incluídas no exame arteriográfico de rotina, sem grande ônus aos serviços de cirurgia vascular e radiológia, aumentando bastante a, sensitividade do exame arteriográfico AP.
Unitermos: Arteriosclerose. Angiografia.
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Evangélico de Londrina.
Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital Evangélico de Londrina. Médico Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular da Angioclínica. Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Master of Science, Universidade de Toronto, Canjlda, 1980.
Professor ' Assistente da Universidade Estadual de Londrina, na Disciplina de Radiologia.
Médico Estagiario da AngioclÍnica.
ClA. VASCo ÁNG. 3 (1):21, 26,1987
INTRODUÇÃO
Aaterosclerose é sabidamente uma doença sistêmica, difusa e de distribuição segmentar. Nos membros inferiores os segmentos mais atingidos são o aorto-ilíaco, o fêmoropoplíteo e o tíbio-peroneal (25,28). As lesões estão geralmente localizadas em áreas de bifurcação e num dos segmentos, mas em certos casos podem se apresentar em dois ou mais segmentos simultaneamente , sendo a combinação mais freqüente a associação entre lesões aorto-ilíacas e fêmoro-poplíteas (13, 22, 23).
Sendo evidente que o esforço terapêutico deve ser dirigido para a área em que a patologia mais esteja alterando a homeostase hemodinâmica do membro afetado, cumpre ao cirurgião vascular demonstrar qual ~os segmentos é mais seriamente atingido, para que o tratamento aí se concentre (18, 19,29). -
O propósito deste estudo é determinar a validade prática do exame clínico e arteriográfico, na avaliação de estenoses hemodinamicamente significantes do território aortoilíaco (11,12,14,16).
MATERIAIS E MÉTODOS
Na prática clínica utiliza-se uma combinação. entre história, exame clínico e arteriografia (exame invasivo) para o diagnóstico inicial e diferencial da gravidade relativa das lesões aorto-ilíacas (16).
Os sinais e sintomas clássicos da má perfusão periférica são a claudicação intermitente, a diminuição dos pulsos periféricos e a presença de sopros nas artérias afetadas.
A claudicação intermitente produzida por lesões hemodinamicamente significativas no território aorto-ilíaco envolvem os músculos da coxa e/ou nádegas, os sopros sistólicos se apresentariam nas artérias ilíacas e femorais comuns e a diminuição de pulsos ocorreria o.as artérias femorais comuns sendo transmitida às poplíteas e podais (tibial posterior e pediosa) (21).
A arteriografia ( em tomada ântero-posterior, AP) é usada para éonfirmar as suspeitas clínicas e mapear a distribuição anatômicà das lesões, servindo para o planejamento terapêutico e cirúrgico (16).
Para se comprovar ' o grau de sensibilidade do exame clínico e da arteriografia AP na detecção de lesões aortoilíacas hemodinamicamente significativas, estudamos 78 pacientes .com sinais e sintomas de insuficiência arterial periférica. Destes, todos apresentavam claudicação intermitente do membro inferior (em coxa ou panturrilha), e diminuição de algum dos pulsos periféricos (femorais, poplíteos ou pediais). Apenas 42 pacientes apresentavam sopros arteriais no segmentos aorto-ilíaco.
Os pacientes foram reunidos em dois grupos com 39 pacientes cada, aqui chamados de grupos A e B. O grupo A foi formado por 39 pacientes portadores de lesões hemodinamicamente significativas no segmento aorto-ilíaco e o grupo B por 39 pacientes sem lesões significativas no segmento aorto-ilíaco, mas com lesões significantes em segmentos distais. Para se alocar pacientes em um dos dois grupos; usou-se o critério físio-patológico da medida de gradientes pressóricos transestenóticos. este é medido através do próprio cateter de arteriografia ao término do exame arteriográfico, acima e abaixo da região de estenose arterial (medidas feitas na raiz de aorta e arferias ilíacas - figo 1). Es-
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Domingos de Morais Filho e cpls._
colhemos um gradiente igual ou maior que 20 mm Hg em repouso para se considerar as estenoses como hemodinamicamente significantes, índicês validado por outros (1 12 28). ' ,
As medidas das 5aracterísticas de claudicação, presença de sopros e gradaçao dos pulsos periféricos foram feitas ~lo mesmo cinl:rgião (D.M.F.) enquanto que todas as artenografi~s.r0ram mt~rpretadas pelo mesmo radiologista (J.I.) se~ prevIO conhecImento da história e exame clínico dos pacIentes.
RESULTADOS
Oaud!cação intermitente, principalmente ao nível de c?xa. é ~lassI~amente d~scrita como conseqüência de patologIa sIgnIficatIva na regIão aorto-ilíaca (13, 14, 22, 23). Como se pode ~otar no quadro 1, em nossa casuística apenas 74% dos paclen~es com lesões significa!ivas (grupo A) apresentavam ,claudIcação de coxa, enquanto que 1/4 dessés pac!entes (26%) não apresentavam-tal sintomato10gia. Nos pacIentes sem lesões 'significativas no território aorto-ilíaco ( grupo 13) houve queixas de claudicação de coxa em 23% dos pacientes (quadro I). --
~ graduação de pulsos femorais de O a 4+ feita pela palpaçao duran~ o exame clínico, também não apresentou resultados d:f~Idos (quadro 11). Nos pacientes do grupo A (estenoses SIgnificantes) o pulso femoral foi classificado como normal (4+) em 15% dos pacientes, Neste grupo, também em 10% dos casos, os pulsos femorais foram considerados pouco diminuidos (pulsos 3+ no quadro 11). Pelo método da palpação e gradação de pulsos, temos então gue em 25% dos- casos (1/4 dos pacientes) com estenoses' sIgruficantes tiveram pulsos defmidos como normais (15% com 4+) ou qua~ normais (10% com 3+). Por outro lado, no grupo B (pacIentes sem lesões significantes) os pulsos femorais forl!ffi co~~iderados diminuídos (2 ou ~+) em quase um terço dos pacIentes (31% dos pulsos classificados como 2+ ou 3+ no quadro 11) (5, 16, 31).
Sopros nas regiões ilíaca e/ou femoral comum estav~ p're~ntes. em 59% dos. pacientes do grupo A (com lesoes SIgnificatIvas no território aorto-ilíaco), mas também em 49% dos pacientes com estenoses não significantes (grupo B - quadro I1I).
No quadro IV estão relacionados os resultados da arteriografia - AP com as medidas de gradientes sistólicos transestenóticos. Aqui se pode observar razoável concordância entre os dois grupos quando se tra~va de pacIentes com a!-te!~ções mínimas, n.a arteriografia e sem nenhum gradiente sIstohco tr~sestenotico (O mm de Hg de gradiente). Por outro lado fOI grande a discordância entre os dois métodos ~iagn,ósticos qu~do se tratava de casos com alterações artenograficas classIficadas como moderadas e com gradientes transestenóticos de O a 20 mm Hg em repouso. Nestes casos, enquanto a arteriografia indicava 5% dos pacientes com esteno~s moderadas (mas não significantes), o número dest~s subIa a 21% se,o. critério usado fosse o da medida do gradIente transestenotIco. Se as estenoses fossem classificadas s.Qmente pelo método da arteriografia - AP, teríamos 69% destas classi~cadas como significativas, enquanto que, se fossem claSSIficadas pelo método da medida de gradiente sistólico transestenótico, verificaríamos que, apenas 50% delas eram na verdade significativas. Neste caso a arteriografia apresentou uma tendência a superestiniar os gradientes significantes (maiores que 20 mm Hg em repouso) e subestimar os não significantes (menores que 20 mm Hg em repouso).
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Diagnóstico diferenciaf das lesões aorto-ilíacàs
DISCUSSÃO
Nos pacientes portadores de patologia vascular multi'Segmen~ar, deve-se ~emonstrar pré-operatoriamente, a área responsavel pela maIOr alteração da hemodinâmica normal de maneira clara e segura. Os esforços do cirurgião vascular e dI? angiogra~sta .devem aí se concentrar, sob pena de se realIzar uma ClTUrgla desnecessária ou ineficaz (5 10 12 13 20,29,31). ' , , ,
O pr~sente estudo confuma a impressão de diversos aut.ores(13).d7 que a avali~ção da gravidade relativa da patolOgIa aorto-illaca, em paCIentes com lesões multisegmentares usando apenas dados clínicos é por demais falha e inconclusiva.
Ao se relacionar os sinais e sintomas classificamente descritos da insu~ciência arterial periférica (Quadros I, 11 e I1I) com a medIda de parâmetros fisiológicos (gradientes pressóricos transestenóticos nos grupos A e B), fica bastante claro que os primeiros deixam a desejar quanto a sua confia~ilidade diagnóstica. Nota-se por exemplo que 23% dos paCIentes sem patologia aorto-ilí,!ca s!gnificativa (grupo B, Quadro I) queixavam-se da claudicação de coxa, um Sfutoma esperaçlo em pacientes com lesões aorto-ilíacasde importância hemodinâmica (21,31). Hoje aceita-seque outras patologias arterias possam causar tal tipo de claudicação, como por exemplo, lesões de artéria femoral profunda (1). Sabe-se também que lesões de cauda eqüina podem apresentar-se com claudicação de coxa (21).
A classificação de pulsos arteriais por amplitude à palpação também foi falha. Em nosso estudo encontramos .25% dos pacientes com le.sões aorto-ilíacas significativas (Quadro lI, grupo A), com pUlsOs normais (15% cQm 4+) ou quase normais (10% com 3+) nas artérias fetnorais. Isto pode ser explicado, em alguns casos, como a relativa facilidade de palpação dos pulsos femorais em pacientes magros, hipertensos ou com clacificações das paredes arteriais. Ainda a apontar a subjetividade da classificação de pulsos arteriais segundo sua amplitude, demonstramos que em 10% dos pacientes sem patologia aorto-ilíaca significativa (Quadro 11, grupo B), classificou-se seus pulsos femorais como bastante diminuidos (2+ de 4+). Isto pode, em parte, seI: explicado pela dificuldade de palpação de., pulsos em pacientes obesos, com relativa hipotensão ou com vícios de postura.
Tem-se como axioma que a presença de sopros arteriais em regiões anatomicamente compatíveis, seria indicativa de lesões significantes locais. Tal fato não é completamente correto, tendo-se em vista os estudos de Strandness (27) demonstrando que a intensidade do sopro arterial não tem uma relação direta com o grau de estenose local. Em nosso estudo praticamente o mesmo número de pacientes apresentavam-sopros ilíaco-femorais, tivessem ou não lesões hemodinamicamente significativas nestes territórios (Quadro III).
Também confirmamos o ·Jato, já conhecido 01- que arteriografias AP nem sempre informam a extensão real das alterações hemodinâmicas locais (13,23,26). Sendo que a alo teração anatômica é tridimensional e a arteriografia AP apenas bidimensional, é certo que informações são mal interpretadas (9) (fig. 2).
No caso de estenoses arteriais a avaliação teal das alterações hemodinâmicas é o que interessa ao tratamento não importando em absoluto o' aspecto anatômico da lesã~. Ao cirur~~o ~ascular compete a correção de tais alterações hemodmatmcas, fazendo com que a homeostase intra-vascUlar se recomponha (13).
Para o devido diagnóstico destas alterações hemodinâ-
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micas deve"se contar com métodos diagnósticos mais precisos que o simples exame clínico e arteriográfico AP. Na impassibilidade de melhora desses métodos diagnósticos "per se" impõe-se a procura de métodos alternativos. Úm destes é a arteriogratla bi ou triplanar (12, 13). O inconveniente deste método é o de necessitar de equipamentos caros e sofisticados nem sempre à mão. Outro método a se aumentar a sensibilidade do exame radiológico é através da obtenção de um parâmetro fisiológico da hemodinâmica 10-c~ durante (ou imediatamente após) a arteriografia. O meio mais rápido, prático, seguro e objetivo é o da obtenção de registro gráfico das pressões sistólicas intra-arteriais (fig. 1) (10, 16). A pressão arterial sistólica é função da energia presente na onda de pressão originada pela sístole cardíaca sendo proporcional e progressivamente alterada por possíveis estenoses localizadas na árvore arterial (28). Gradientes pressóricos entre difererttes pontos indicam a presença de estenose hemodinamicamente significantes ou não (1, 3,6, 10, 12, 13, 28). Em nosso serviço,medimos pressão sistólicas em repouso, após a arteriografia ao nível da aorta infrarrenal, artérias ilíacas e femorais comuns (fig. 1). O método é de rápida execução e de baixo custo, sendo que necessita apenas que se-acople um equipo de sôro a um manômetro previamente calibrado (tipo aneróide ou de coluna de mercúrio). A pressão sistólica absoluta no local não tem tanto valor, sendo levada em conta apenas o gradiente transestenótico (pressão proximal menos pressão distal). Em casos duvidosos ou com gradientes limítrofes, pode-se injetar papaverina intra-arterialmente produzindo vaso dilatação dis-
"A" Cateter acima da oclusão arterial
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Diagnóstico diferencial das lesões aorto-i1 íacas
tal, com conseqüente estabelecimento de gradiente transestenótico (1,12,13,30).
Outros métodos para estudo indireto da hemodinâmica arterial são()s chamados não-invasivos. O mais difundido deles é a fluxometria ultra-sonora (Doppler Ultra-som) (2, 14)·Som o .fluxômetro ultra-sônico pode-se medir pressões sistólicas intra-arteriais Tô·s membr()s-·illferióres ou analisar as ondas de velocidade de fluxo arterial , como maneira de se obter parâmetros objetivos sobre a dinâmica arterial (18). A medida da pressão sistólica ao nível do tornozelo e sua comparação com medidas tomadas no braço (índices tornozelo-braço) (2, 10, 17, 24), é por demais conhecida e usada pelos cirurgiões vasculares. Elas são facilmente obtidas e de alta confiança, mas apenas indicam a presença e a intensidade da patologia arterial em todo o membro, não diferenciando os segmentos aorto-ilíacos ou fêmoro-poplíteos e nem indicando a participação de cada um na alteração total da dinâmica arterial do membro. Nem mesmo a colocação de manguitos proximais na coxa consegue tal diferenciação de modo inequívoco, porque não separa patologias da artéria femoral comum das do segmento aorto-ilíaco segundo suá localização anatôinica (Sumner, Ferrig, HeintzX8,11,14).
O estudo das ondas de velocidade de fluxo medem alterações da energia do pulso arterial (velocidade do fluxo é função da energia cinética da onda de pressão arterial). Este tipo de estudo pode teoricamente diferenciar a importância relativa das alterações aorto-ilíacas das fêmoro-poplíteas, mas implicam no uso · de equipamento bem mais caro e sofisticado, coiuo o analisador de freqüência (2, 5, 31), sendo um fator de encarecimento da propedêutica.
"B" Cateter abaixo da oclusão arterial
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RXem OBLIQUA
Diagnóstico diferencial das lesões aorto-ilfacas _.
> 20mm Hg
Figura 1: Registro do gradiente pressórico transestenótico, medidos acima (A) e abaixo (B) da estenose arterial.
INTERPRETAÇÃO DE 90% DE ESTENOSE
RX emPA
Figura 2: Artéria .em secção transversa. Demonstraçao gráfica da . üificul4ade na interpretação de lesões- tridimensionais
(círculo secção transversal) quando analjsadas. de maneira bidimensional (diagrama superior e lateral direito).
INTERPRET AÇÃO DE 40% DE ESTENOSE
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N<? %
GRUPO A 29 74
GRUPOB 09 23
Quadro I - Claudicação Intermitente ao Nível da Coxa
GRUPO A GRUPOB
O 3 Pac 8% O
1+ 12 Pac 31% O
2+ 14 Pac 36% 4 Pac 10%
3+ 4 Pac 10% 8 Pàc 21%
4+ 6 Pac 15% 27 Pac 69%
Quadro II - Pulsos Femorais (O a 4+)
SUMMA'RY
Errors in clinicaI and angiographic assessment of aorto-iliac and femoro-popliteal artery occlusive diseases, with special reference to the differential diagnosis, are pointed out. Improvement of diagnosis proceding which can casily introduced in the routine angiographic examination wil/ digment sensibilíty of the procedures.
Uniterms: A theroslÇlerosis. Angiography.
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Diagnóstico diferencial das lesões aorto-ilíacas
GRUPO A GRUPOB
níaco 10 Pac 26% 05 Pac 13%
Femoral 13 Pac 33% 14 Pac 36%
Total 23 Pac 59% 19 Pac 49% --
Quadro III - Sopros Presentes
ARTERlOGRAFIA GRADIENTE
Ausente ou Mínimo OmmHg 20 Pac 26% 23 Pac 29%
Moderado O a 20 4 Pac 5% 16 Pac 21%
I Severo >20mmHg 54 Pac 69% 39 Pac 50%
Quadro IV - Correlação Arteriográfica e
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