DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO: REFLEXÕES SOBRE A CRISE
DO SISTEMA DEMOCRÁTICO REPRESENTATIVO A PARTIR DO DEBATE
ENTRE CARL SCHMITT E HANS KELSEN
Ricardo Stanziola Vieira ∗
Emídio Capistrano de Oliveira∗∗
RESUMO O presente artigo ocupa-se de uma reflexão teórica sobre o sistema democrático de representação no Estado Liberal. O objetivo principal é estudar o esgotamento do sistema em uma sociedade em que a representação se transformou no elemento democrático por excelência desde a modernidade. A partir especificamente da idade moderna, dar-se-á relevância ao debate entre Carl Schmitt e Hans Kelsen, separando os pontos principais em que os teóricos fundamentaram seus discursos. Carl Schmitt, como constitucionalista e politólogo defende em seu momento histórico a crise da democracia representativa, fundamentado-a como uma crise liberal, enquanto Hans Kelsen apenas salienta o “cansaço do sistema de representação”, sustentando que a democracia para se consubstanciar deva se esvaziar dos conceitos clássicos de “democracia”, “soberania popular” e “representação”, sendo ainda o atrelamento a teoria substancial, o motivo do mal estar moderno em relação a democracia representativa. O debate traz impreterivelmente um olhar sobre os princípios da soberania popular e participação democrática como pontos de complementaridade da representação democrática hodierna. Atualmente juristas como Manuel Aragon cita a crise da democracia representativa, assim como pensadores como Boaventura de Souza Santos e mais recentemente, no Brasil Fabio Konder Comparato, Maria Helena Benevides e Paulo Bonavides. A exposição do pensamento destes pensadores leva a uma reflexão sobre o antigo debate já travado entre Schmitt e Kelsen e do papel da representatividade política e da soberania popular no cenário do Direito em especial, focado o Brasil. PALAVRAS-CHAVES: REPRESENTAÇÃO; CRISE; DEMOCRACIA. RESUMEN El presente artículo se ocupa de una reflexión teórica sobre el sistema democrático de representación en el Estado Liberal. El objetivo principal es estudiar el agotamiento del sistema en una sociedad en que la representación se transformó en el elemento democrático por excelencia desde la modernidad. A partir específicamente de la edad ∗ Docente do Curso de Administração Pública (Esag/Udesc), nas disciplinas de Ciência Política e Politicas Públicas.Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente/pesquisador do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da UNIVALI, da disciplina de direito ambiental e desenvolvimento econômico. ∗∗ Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), bolsista-pesquisador da Fundação de Apoio a Pesquisa e Extensão em Santa Catarina (FAPESC).
moderna, darse-a la relevancia al debate entre Carl Schmitt y Hans Kelsen, separando los puntos principales en que los teóricos fundamentaron sus discursos. Carl Schmitt, como constitucionalista y politólogo defiende en su momento histórico la crisis de la democracia representativa, fundamentado-la como una crisis liberal, mientras Hans Kelsen sólo resalta el “cansancio del sistema de representación”, sustentando que la democracia para se consubstanciar deba vaciarse de los conceptos clásicos de “democracia”, “soberanía popular” y “representación”, siendo todavía el atrelamento la teoría sustancial, el motivo del mal estar moderno en relación la democracia representativa. El debate trae impreterivelmente una mirada sobre los principios de la soberanía popular y participación democrática como puntos de complementariedad de la representación democrática hodierna. Actualmente juristas como Manuel Aragon cita la crisis de la democracia representativa, así como pensadores como Boaventura de Souza Santos y más recientemente, en Brasil Fabio Konder Comparato, Maria Helena Benevides y Paulo Bonavides. La exposición del pensamiento de estos pensadores lleva a una reflexión sobre el antiguo debate ya trabado entre Schmitt y Kelsen y del papel de la representatividad política y de la soberanía popular en el escenario del Derecho en especial, enfocado Brasil. PALAVRAS-CLAVE: REPRESENTACIÓN; CRISIS; DEMOCRACIA.
INTRODUÇÃO
Em uma perspectiva histórica os conceitos de democracia e participação
democrática foram expostos pelos pensadores Eric Hobsbawm, Quetin Skinner e Maria
H. Benevides que mostram um evoluir histórico da complementaridade da
participatividade do povo dentro da democracia representativa.
Expor o ambiente histórico em que representação e participação se
complementam, é tarefa apresentada também pelos teóricos Carl Schmitt e Hans
Kelsen que atualizaram o debate democrático tratando de temas de participação,
soberania popular, e uma possível crise da moderna democracia parlamentar
representativa.
Este artigo propõe lançar um olhar sobre o assunto com fito de gerar
algumas reflexões.
1 A CRITICA À REPRESENTATIVIDADE PARLAMENTAR
A história constitucional contemporânea se utiliza de diversas expressões
que, na maioria das vezes, desconhecem seus significados históricos, dando-lhes apenas
suas acepções jurídicas. Para o operador do Direito, as expressões soberania popular,
Constituição, ou a expressão da vontade geral, ou ainda, proletariado, indústria e
liberalismo, devem ser entendidos como palavras-chaves para o entendimento mais
conforme a sua interpretação. As palavras listadas acima, a exemplo, tornaram-se
símbolos de um período turbulento de convulsionamento histórico, político, social e
econômico compreendido de acordo com o historiador Eric Hobsbawm entre 1789 a
1848. Informa-nos Eric Hobsbawm:
(...) a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornou capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitado. (Hobsbawm, 1982, p. 44)
O surgimento do proletariado na Grã-Bretanha vai simbolizar para esta
nação e para o resto do mundo a ampliação da tecnologia e seus efeitos, com as revoltas
que surgiriam deste explosivo modelo econômico que rompeu com as estruturas
socioeconômicas tradicionais dos Estados. Eric Hobsbawm informa:
As mais sérias conseqüências da revolução industrial foram às sociais: a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social. E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades, produzindo as revoluções de 1848 e os amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha. (Hobsbawm, 1982, p. 55)
O contexto em que se desenvolvem os principais conceitos de soberania e
Constituição para as nações, é marcado, como relata Araújo Costa, em clima de grande
otimismo:
O século XIX foi marcado por um grande otimismo, por uma crença quase absoluta no poder do homem de construir uma sociedade justa a partir de uma organização racional dos poderes políticos e de uma elaboração racional do direito. (Costa, 2001, p. 273)
Quer dizer, reconhece-se a “democracia representativa como a melhor forma
possível” (Costa, 2001, p. 273), em que tal escolha gerara “uma grande reverencia a
figura do legislador, entendido como efetivo representante do povo” (Costa, 20001, p.
273).
A opção pela democracia representativa, no entanto, não foi sem maiores
discussões. Eric Hobsbawm escreve “que na França fornece-se o vocabulário e os temas
tanto da política liberal como da radical-democracia para a maior parte do mundo”.
(Hobsbawm, 1982, p. 71). Ainda referindo-se ao pensamento de Eric Hobsbawm, o
autor assinala:
As duas grandes revoluções [industrial e francesa] entre 1789-1848 foi o triunfo não da indústria como tal, mas da indústria capitalista; não da liberdade e da igualdade em geral, mas da classe média ou da sociedade burguesa liberal; não da economia e Estados em uma determinada região geográfica do mundo [mas] (...) Grã-Bretanha e França. (Hobsbawm, 1982, p. 17). (...) E ainda assim a história da dupla revolução não é meramente a história do triunfo da nova sociedade burguesa. É também a história do aparecimento das forças que, um século depois de 1848, viriam transformar o mundo em expansão e contração. (Hobsbawm, 1982, p. 19).
E Maria Helena Benevides que completa com a exposição de seu estudo
deste período:
Tem certa razão K. Loewenstein, quando considera a revolução francesa como “uma luta entre as doutrinas plebiscitárias rousseaunianas e o principio representativo de Montesquieu”. A esquerda radical, de inspiração rousseauísta, é derrotada pelos moderados, seguidores de Montesquieu e seduzidos pelo talento de Sieyès e Talleyrand, este responsável pela “feliz” redação do artigo VI da declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 1789: “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de contribuir pessoalmente, ou por seus representantes, a sua formação”. Para Sieyès está claro que a “vontade geral” não é inerente ao povo e somente os representantes podem formulá-la e exprimi-la adequadamente. Sua distinção entre Estado representativo e Estado democráticos, neste sentido é transparente: “Se os cidadãos impusessem suas vontades, não se trataria mais de um Estado representativo, mas de um Estado democrático”. (Benevides, 2003, p. 53)
Portanto, neste período em que o historiador relata parte do desenvolvimento
dos processos históricos nos Estados e na sociedade moderna, é que o Barão de
Montesquieu se consagra com a obra O espírito das leis (1748). Impulsionado pela
critica ao monarquismo absolutista, o autor descreve a democracia como “a capacidade
soberana de eleger seus melhores representantes” (Benevides, 2003. pg. 50),
defendendo em seus escritos que o povo participe das decisões legislativas, mas, no
entanto, tão somente por meio da representação. Em sentido contrario, vai defender Jean
Jacques Rousseau, nas obras O Contrato Social (1762), e Discurso sobre a origem da
desigualdade entre os homens (1754), o ensinamento de que soberano é o povo que
institui seus governos, devendo estes decidir e deliberar sobre as decisões
governamentais.
No debate entre Montesquieu e Rousseau demonstra-se a histórica critica a
democracia representativa já presentes na Revolução Francesa (1789), a qual,
“Robespierre foi um dos ardorosos defensores da democracia direta roussaunianas”
(Benevides, 2003, pg. 52). As idéias de democracia de Rousseau nunca foram aceitas
como o pensamento de soberania parlamentar de Montesquieu, todavia nunca mais
passarão despercebidos dos demais pensadores que tratarão da democracia.
Por volta da segunda década do século XX, o pensador alemão, Carl
Schmitt, em seu livro A Crise da Democracia Parlamentar (1920), estará a voltar às
obras de Rousseau e Montesquieu para rever o atual conceito de democracia. Sua obra
recebe a resposta de Hans Kelsen, no livro A democracia (1924) e Jurisdição
Constitucional, em que perfaz um capítulo a quedar-se a embater com o
constitucionalista e politólogo. A força dos argumentos de Schmitt e Kelsen é a
contemporanização do que outrora se altercava.
2. CARL SCHMITT E HANS KELSEN E A DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA
Entende-se Carl Schmitt e Hans Kelsen, ao rever alguns entendimentos
básicos de suas teorias políticas, ainda que de forma breve. Em relação a Carl Schmitt,
este entende que a constituição de um país é algo substancialmente homogêneo, não
aceitando a separação do político ao jurídico na ordem democrática. Na critica de Carl
Schmitt, o positivismo jurídico Kelsiano expulsa todo método sociológico da
interpretação constitucional, o que para o autor é negativo. Para Carl Schmitt, Hans
Kelsen é um expoente do liberalismo que leva a cabo sua teoria liberal para o direito e o
Estado. Portanto, quando o Estado deixa de discutir sua natureza política, permite que
politicamente seja violada sua função ultima: a democracia. Carl Schmitt desta forma
critica o atual sistema de representação parlamentar, identificando-o ao sistema liberal
de governo. Alega-se que o modelo vigente de representação parlamentar ainda que
tenha sido adotado em maior parte das nações ocidentais, não significa que represente a
totalidade da base intelectual de uma instituição especialmente adequada.
Em contrapartida Kelsen ensina que no ordenamento jurídico guarda-se tanto
a ordem democrática quanto política. O parlamento, essência das legiferações, é o
ambiente em que as verdades seriam constantemente discutidas para o direcionamento
do Estado. Kelsen defende a atualidade do sistema parlamentar, entendendo que é
exatamente esta a natureza da democracia, em que o proletário alcance por meio de seus
representantes eleitos, se equipararem à burguesia, que sempre com base na defesa dos
interesses do seu capital, tentará insuflar a anti-democraticidade. Ora, de nada adianta
subverter o sistema em prol da idéia substancial de democracia no sistema liberal,
podendo-se, como em tempos anteriores, retroceder ao totalitarismo, como em sua
época já surgia nas idéias de extrema-esquerda, na ditadura do proletariado, ou do
facismo na extrema-direita. Para Kelsen, democracia somente se faz real no tempo e
espaço por meio da organização social que a tripartição dos poderes engendra, e o
parlamento representativo mantêm.
O grande foco da questão entre os autores residirá, sobretudo, no conceito de
democracia, assim como de que forma se efetuará a soberania popular no seio
democrático. E por fim, em que “grau” a vontade popular deve se fazer presente no
ambiente democrático, da forma como debatida entre Rousseau e Montesquieu.
3 OS FUNDAMENTOS DO DEBATE ENTRE CARL SCHMITT E HANS
KELSEN
3.1 SOBRE A DEMOCRACIA
No desenvolvimento do conceito de democracia para Carl Schmitt, está o
que se denomina de democracia substancial, ou em suas palavras, homogênea. Para Carl
Schmitt, a fórmula burguesa liberal está indissociavelmente mesclada com a atual
democracia parlamentar, não podendo se reconhecer seu verdadeiro conceito.
Democracia para Carl Schmitt deve ser entendida como “o conjunto de pensamentos de
uma tradição com relevo para o igualitarismo, em que o Governo do povo se volta para
o povo” (Bobbio, 2000, p. 328). Nas palavras do autor, relata-se:
A crença no sistema parlamentar, num government by discussion, pertence ao mundo intelectual do liberalismo. Não pertence à democracia. O liberalismo e a democracia devem ser separados, para
que se reconheça a imagem heterogeneamente montada que constitui a moderna democracia de massas. (Schmitt, 1996, p. 10)
No livro Teoria de la Constitución, em seu 17º capítulo, Carl Schmitt define
democracia como “una forma política que corresponde al principio de la identidad del
pueblo.” E continua “el pueblo es portador del Poder Constituinte, y se dá a si mismo
una Constitución.” (Schmitt, 1996, p. 221). A partir deste pressuposto, inicia-se o
conceito de Constituição homogênea, que Carl Schmitt irá definir em como democracia,
em contraposição a democracia parlamentar liberal. O problema maior do liberalismo
democractico é a não inserção da maioria nas decisões governamentais. entende Schmitt
que esta maioria, é base da homogeneidade de um povo, a integralidade da vontade de
todo o povo, com base na igualdade entre todos os partícipes deste Estado. Escreve
Schmitt que “la igualdad que corresponde a la esencia de la democracia se dirige por
eso siempre al interior, y no hacia fuera: dentro de um Estado democrático son iguales
todos los súbditos.” (Schmitt, 1996, p. 224). E ainda continua Schmitt: “esta igualdad
democratica, es el supuesto de todas las otras igualdades: igualdad de la ley, voto igual,
sufragio universal, sertvicio militar obligatorio, iguldade para el aceso a los cargos
publicos.” (Schmitt, 1996, p. 225). Logo, este autor desenvolve um conceito de
igualdade homogenea para a democracia, “y por cierto, homogeneidad del pueblo.”
(Schmitt, 1996, p. 230). O conceito de homogeneidade de Schmitt, é longamente
fundamentado em seu livro Teoría de la Constitucíon, como sendo democracia uma
identificação de todo o povo com a igualdade real deste povo, ou seja, entende o autor
que era este o alvo de Rousseau no Contrato Social, e a base em todo o conceito
tradicional clássico de democracia na história da filosofia. Nas palavras de Schmitt:
(...) o verdadeiro Estado, segundo Rousseau, só existe ali, onde o povo é tão homogêneo, que a unanimidade passa essencialmente a predominar. Pelo Contrato Social não devem existir partidos, nem interesses especiais ou diferenças religiosas, nada que separe as pessoas, nem mesmo um sistema financeiro. (...) A unanimidade deve segundo Rousseau, chegar ao ponto de possibilitar a criação de leis. Até mesmo o juiz e as partes devem querer a mesma coisa (livro II, capitulo 4, parágrafo 7) (...). Em resumo, na homogeneidade que alcança a identidade, tudo se define por si só. (Schmitt, 1996, p. 14).
Para Carl Schmitt, o divorcio do real conceito de democracia no sistema
democrático liberal, gera uma crise permanente em seu interior, conforme mesmo
afirma:
Atualmente podemos definir (...) a crise da democracia – da qual fala M. J. Bonn, sem levar em conta o contraste entre igualdade humana liberal e homogeneidade democrática; uma crise do estado moderno e, finalmente uma crise do sistema parlamentar. Esta ultima aqui analisada, consiste no fato de a democracia e o liberalismo terem se interligado. (Schmitt, 1996, p. 16)
Contudo, não desta forma entende Hans Kelsen. Sobre a crise alegada de
Carl Schmitt, sobre o sistema democrático parlamentar, escreve o autor austríaco:
Hoje – não se pode esconder – há certo cansaço do parlamento, embora ainda não seja o caso de falar atualmente – como fazem alguns autores – de uma “crise”, de uma “falência” ou, diretamente, de uma agonia do parlamentarismo. (Kelsen, 2000, p. 45)
Para Hans Kelsen, toda incrustação ideológica no conceito de democracia
lhe é nociva, portanto, o autor elimina todo valor que deva seguir o termo. Kelsen
escreve: “a democracia, no plano da idéia, é uma forma de Estado e de sociedade em
que a vontade geral, ou sem tantas metáforas, a ordem social, é realizada por quem está
submetido a essa ordem, isto é, pelo povo.” (Kelsen, 2000, p. 35). Em se tratando da
base da democracia, o povo e a soberania popular, devem ser entendidos como um meio
técnico jurídico de manutenção da ordem social. A sociedade funda o pacto social por
maioria absoluta, e posteriormente, se submete as decisões de quem escolheu lhe
representar. Vejamos a afirmação do autor:
Há uma idéia que leva, por um caminho racional, ao principio majoritário: a idéia de que, se nem todos os indivíduos são livres, pelo menos o seu maior numero o é, o que vale dizer que há necessidade de uma ordem social que contrarie o menor número deles. (Kelsen, 2000, p. 32) (...) A liberdade do individuo, a qual, em ultima analise, se revela irrealizável, acaba por ficar em segundo plano, enquanto a liberdade da coletividade passa a ocupar o primeiro plano. (Kelsen, 2000, p. 33)
Em Hans Kelsen, as idéias de igualitarismo não permeiam o conceito de
democracia, assim como seu pressuposto fundamental, é a igualdade, mas a liberdade.
Comenta em seu livro Hans Kelsen que “o sistema parlamentar apresenta-se, então,
como uma conciliação entre a exigência democrática de liberdade e o princípio da
distribuição do trabalho – causa de diferenciação e condicionante de qualquer progresso
técnico-social.”. (Kelsen, 2000, p. 47).
Por conseguinte, a maior justificativa de existência do parlamento não é a
representação da vontade de todos os indivíduos de uma nação, mas sim, segundo
Kelsen, “seu valor justificado como um meio técnico-social especifico para a criação da
ordem do Estado.” (Kelsen, 2000, p. 49).
Sobre o segundo ponto de discussão sobre a democracia entre estes teóricos,
encontra-se a questão da representação parlamentar. Schmitt afirma que a democracia
parlamentar está fulcrado em dois temas: a que justificam a existência do Parlamento
pela questão da representação e os princípios da publicidade e da discussão.
3.2 SOBRE A REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR
Em relação à representação parlamentar, afirma Carl Schmitt que a
democracia parlamentar está fulcrado em dois temas principais, a questão da
representação e os princípios da publicidade e discussão. Sobre a publicidade, quer
dizer, sobre o que pertence ao povo ou ao Estado, quanto o que está aberto ao escrutínio
da sociedade. Já em relação ao principio da discussão, Schmitt trata sobre as
transparências das discussões no Parlamento, ou seja, discussão publica de argumentos
e contra argumentos, os debates e conversações públicas e a parlamentação.
Schmitt encontra a finalidade do Parlamento nos efeitos aos quais os
princípios da publicidade e da discussão são a causa. Por sua vez estes estão
intrinsecamente ligados ao povo, e servem destarte, de controle democrático, como
mesmo citando Guizot escreve:
O processo absolutamente típico de pensamento é encontrado no representante absolutamente típico do sistema parlamentar, que é Guizot. Partindo do direito (como oposto ao poder), ele classifica, como determinantes da essência do sistema que garante o poder do direito; 1. que os poderes sempre sejam obrigados a discutir e assim a buscar juntos a verdade; 2. que a transparência publica de toda a vida do Estado permita o controle dos poderes por todos os cidadãos; 3. que a liberdade de imprensa incentive os cidadãos a buscarem, eles mesmos, a verdade e transmiti-la aos poderes. (Schmitt, 1996, p. 34)
Em relação ao principio da publicidade, Carl Schmitt cita Tönnies que
escreve que se inverteu o critério prevalecente de que se deve reinar a opinião publica,
ao invés da publicidade da opinião deste Parlamento. (Schmitt, 1996, p. 36). Escreve
Schmitt:
Em algumas nações o sistema parlamentar conseguiu transformar todas as questões publicas em objeto de cobiça e de compromisso dos partidos e dos agregados, e a política, longe de ser a ocupação de uma elite, passou a ser a desprezível negociata de uma desprezível classe de gente. (Schmitt, 1996, p. 6) (...) A situação do sistema parlamentar
tornou-se hoje extremamente critica, por que a evolução da moderna democracia de massas transformou a discussão publica argumentativa, numa simples formalidade vazia. (...) Os partidos atualmente não se apresentam mais em posições divergentes, com opiniões passíveis de discussão, mas sim como grupos de poder sociais ou econômicos, que calculam os interessem e as potencialidades de ambos os lados para, baseados nesses fundamentos efetivos, selarem compromissos e formarem coalizões. (Schmitt, 1996, p. 8)
A critica do autor alemão recrudesce em seu livro Teoria de la Constitucion:
El Parlamento, en la mayor parte de los estados, no es ya hoy un lugar de controversia racional donde existe la posibilidad de que una parte de los diputados convenza a la otra y el acuerdo de la Asamblea pública en pleno sea el resultado del debate. Antes bien, las organizaciones sólidas de partido forman una representación siempre presente de ciertos sectores de las masas electorales. La posición del diputado se encuentra fijada por el partido; la coacción del grupo es una practica del parlamentarismo actual, sin que tengan significación pública diversas aparienciais. Las fracciones se enfrentan unas con otras con una fuerza rigurosamente calculada por el número de mandatos; una discusión pública parlamentaria no puede cambiar nada en su actitud de interés o de clase. Las negociaciones en el seno del Parlamento, o fuera del Parlamento, en las llamadas conferencias interfraccionales, no son discusión, sino negociaciones; la discusión oral sirve aquí a la finalidad de un calculo recíproco de la agrupación de furzas e intereses. El privilegio de libertad de discurso (inviolabilidad) perdió con estos su supuestos. (Schmitt, 1996, p. 306).
O grande apontamento da critica de Carl Schmitt está no detalhe pratico da
falsa representação, conforme seu texto que cita-se abaixo:
Desaparece el carácter representativo del Parlamento y del diputado. Por lo tanto, el Parlamento no es ya el lugar en que recae la decisión política. Las decisiones esenciales son adoptadas fuera del Parlamento. El Parlamento actúa, pues, como oficina para una transformación técnica en el aparato de autoridad del Estado.
O tópico essencial da argumentação de Carl Schmitt, finalmente conclui que
a representação do povo pelo Parlamento encontra-se fragilizada, não atendendo aos
requisitos essenciais da democracia. No entanto, para Hans Kelsen, o problema não está
ainda no sistema, mas na irresponsabilidade de alguns deputados, conforme afirma em
texto abaixo:
A irresponsabilidade do deputado diante de seus eleitores, que é indubitavelmente uma das causas principais da aversão hoje dominante contra a instituição parlamentar, não é de modo algum ,
como mostrou acreditar a doutrina do século XIX, um elemento essencial e inseparável do sistema parlamentar, e já em algumas instituições vigentes há, a esse respeito, tentativas dignas de consideração e capazes de um desenvolvimento posterior. Mas antes disso será necessário abolir, ou, pelo menos, limitar, aquela forma de irresponsabilidade do deputado, designada pelo nome de imunidade, que se afirma não diante dos eleitores, mas diante das autoridades do Estado, principalmente dos Tribunais, e que constitui, em todos os tempos, um requisito do sistema parlamentar. (Kelsen, 2000, p. 118)
A argumentação principal de Hans Kelsen para provar que o sistema
parlamentar não se encontra em crise, em seu ver, é que a discussão que ocorre no seio
parlamentar tornou a democracia imune contra o totalitarismo emergente, caso
ocasionalmente as discussões sempre dirigiam a sociedade. Explica Hans Kelsen que
somente uma mentalidade metafísica-absoluta entenderia a eterna discussão parlamentar
um risco para a democracia, conforme se expõe no texto abaixo:
(...) [a] argumentação dirigida contra o parlamentarismo se reduz a atribuir a democracia liberal, que é seu fundamento, uma concepção metafísico-absoluta. Nada pode ser mais errado, pois se é possível motivar de um ponto de vista universal a antítese das formas estatais, não será, porém, de um ponto de vista metafiso-absoluto fundamental, mas unicamente de um ponto de vista crítico-relativista, que se poderá postular a democracia, e, mais particularmente, o parlamentarismo democrático. O relativismo filosófico, partindo da impossibilidade de reconhecer uma verdade ou um valor absoluto e, por isso mesmo, alheia a exigência, para uma concepção qualquer, de um valor que exclua todas as outras e seja, por assim dizer, autoritário, e sempre propenso, ao contrario, a considerar a concepção contraria ao menos possível, acha-se fatalmente impelido na direção daquele método dialético que deve primeiro deixar as opiniões antitéticas se manifestarem, para depois procurar uma compensação mediadora entre dois pontos de vistas, nenhuma dos quais pode ser adotados integralmente e sem reservas, com a total negação do outro. No fundo, acaso não é este o mesmo método do parlamentarismo democrático, com seu reconhecimento de direito da minoria e seu procedimento antitético-dialético voltado à consecução de um compromisso? (Kelsen, 2000, p. 133-134)
Hans Kelsen adverte que o principio do debate publico no parlamento, evita
a opção da ditadura, seja pelo proletariado seja pelo ditador, sempre propenso a ser visto
como Divino instaurador de uma nova ordem democrática (Kelsen, 2000, p. 133).
Em relação a critica schmittiana de que o povo não mais participa do grande
debate publico, sendo este o guia maior das decisões políticas do estado, Kelsen retoma
sua teoria técnico-juridica e política. Para Hans Kelsen, o próprio conceito de soberania
popular é fictício, e não representa a literalidade da expressão em que o povo deva
comandar as decisões do Estado. Veja-se a citação de Kelsen abaixo:
E, assim como, no estágio primitivo do totemismo, os membros do clã usavam a mascara do totem sagrado, isto é, do ancestral do clã, para desempenharem o papel de pais, repudiando, por breve tempo qualquer vinculo social, também o povo-súdito na ideologia democrática assume o caráter de órgão investido de autoridade inalienável, podendo apenas o seu exercício ser delegado de novo aos eleitos. Mesmo a doutrina na soberania popular - ainda que aperfeiçoada e espiritualizada – é um mascara totêmica. (Kelsen, 2000, p. 92-93)
Da mesma forma deve haver um esvaziamento do terma representação,
tendo em vista uma vez outorgado pelo povo o direito aos parlamentares de represnetar
seus eleitos, este, na visão de kelsen se submete diretamente as normas do Estado, sendo
dependente deste, e independente dos seus eleitores, conforme demonstra-se a seguir:
A ficção da representação, a idéia de que o parlamento é apenas um representante do povo, de que o povo pode exprimir a sua própria vontade apenas no parlamento e através dele, embora no princípio parlamentar, em todas as constituições, vigore exclusivamente a regra de que os deputados não podem receber instruções obrigatórias dos próprios eleitores, o que torna o parlamento, no exercício de suas funções, independente do povo. Alias, com esta declaração de independência do parlamento em relação ao povo, nasce o parlamento moderno, que se destaca da instituição análoga do Estado antiga, cujos membros estavam notoriamente vinculados por mandatos imperativos dos seus grupos de eleitores e eram responsáveis perante eles. A ficção da representação deve legitimar o parlamento do ponto de vista da soberania popular. Mas esta ficção evidente destina a dissimular o golpe verdadeiro e fundamental desferido contra o principio de liberdade pelo parlamento, ofereceu aos adversários da democracia o argumento para afirmarem que a própria democracia estaria fundada sobre uma falsidade obvia. (Kelsen, 2000, p. 115-116)
Portanto, não há o que contender que o sistema parlamentar representativo
seja o mais adequado para a atualidade, tendo em vista este conseguir a mantença da
ordem social, maior preocupação de Kelsen, a fim de ocorra o desenvolvimento da
democracia.
3.3 SOBRE A VONTADE GERAL
Volonté Générale, ou simplesmente Vontade Geral, é a expressão de Jean
Jacques Rousseau em seu livro O Contrato Social que designa ali, “a vontade coletiva
do corpo político que visa ao interesse comum” (Testoni, 2000, p. 1298). A Vontade
Geral de Jean Jacques Rousseau de acordo com Benevides é um conceito moral, “que é
sempre justa e tende sempre a utilidade pública” (Benevides, 2003, p. 54). A expressão
lança as bases da teoria da soberania popular, e como afirma Champlin,
fundamentalmente, significa “a importância dos julgamentos e idéias que uma
sociedade pode fazer em seu todo” (Champlin, 1991, p. 836). Carl Schmitt se utiliza do
termo Vontade Geral, para fundamentar sua teoria da homogeneidade, indicando a
discrepância que a liberdade tem como fundamento da democracia, e informando a
igualdade como ponto fundamental de uma sociedade democrática. Escreve o autor:
A Volonté Générale, como Rousseau a concebeu, é na verdade a homogeneidade, a democracia conseqüente. Segundo o Contrato Social, o estado, apesar do nome e da construção introdutória do contrato, baseia-se não no próprio contrato, mas essencialmente na homogeneidade. Dela se extrai a identidade democrática de governantes e governados. . (Schmitt, 1996, p. 15) (...) numa evolução posterior do seu estudo e no desenvolvimento do conceito essencial da Volonté Générale evidencia-se que o verdadeiro Estado, segundo Rousseau, só existe ali, onde o povo é tão homogêneo, que a unanimidade passa essencialmente a predominar. (Schmitt, 1996, p. 14)
Ou seja, Carl Schmitt acusa o sistema democrático representativo de se
utilizar das estratégias econômicas liberais, onde a heterogeneidade é à base da
sociedade, e a diferença essencialmente econômica, gerada pela livre concorrência do
sistema, termina por afastar a maioria comum das importantes decisões políticas do
“bem comum”. Veja-se o que escreve Carl Schmitt:
A antiqüíssima dialética do estudo da vontade do povo ainda não foi solucionada: a minoria pode encarnar a verdadeira vontade do povo e este ultimo pode ser enganado. (...) O que predomina hoje em termos de democracia nos Estados de cultura européia ocidental, é para eles somente uma enganação do poder econômico do capital sobre a imprensa e os partidos, isto é, a ilusão de uma vontade popular equivocadamente formada. (Schmitt, 1996, p. 29)
Já na opinião de Hans Kelsen, acredita este que Carl Schmitt mascara o
problema da Vontade Geral, através do que se pretende teleologicamente com a
democracia, que seja o “bem comum”. Escreve Hans kelsen:
(...) para a coletividade, só pode existir o “absoluto” da coletividade e não o absoluto do individuo, e esse absoluto da coletividade seria o bem comum. O compromisso “criador” deve, pois, evidentemente, ser o bem comum, o absoluto da coletividade, ou pelo menos dele se aproximar. Mas isso é metafísica social, ou mais exatamente, metapolitica – a mesma que, formulada de forma menos clara, costuma esconder-se atrás das obscuras expressões “interesse do
Estado acima dos partidos”, “bem comum”, etc. (Kelsen, 2000, p. 376)
Para Hans Kelsen, a Vontade Geral é uma pura maioria simples, como se
observa na afirmação a seguir:
A Volonté Générale de Rousseau – expressão antropomorfa que indica a ordem estatal objetiva, valida independentemente da vontade dos indivíduos, Volonté de Tous – é absolutamente incompatível com a teoria do contrato social, que uma função da Volonté de Tous. Mas essa contradição entre uma construção subjetiva e uma construção objetiva, ou - se quisermos – essa passagem de uma posição inicial subjetiva para um resultado final objetivista, não é certamente menos característica do pensamento de Rousseau do que do pensamento de Kant ou de Fichte. (Kelsen, 2000, p. 364)
E ainda no texto que segue explica mais enfático:
Há apenas uma idéia que leva, por um caminho racional, ao principio majoritário: a idéia de que, se nem todos os indivíduos são livres, pelo menos o seu maior numero o é. (Kelsen, 2000, p. 32).
Como se observa, a preocupação maior de Hans Kelsen é a ordem social.
Interpretações históricas e filosóficas não cabem em sua teoria política, negando desta
forma que haja possibilidades de atrelamento entre igualdade e democracia. A
democracia para Kelsen é a liberdade, como mesmo afirma em que “a liberdade do
individuo substitui-se, como exigência fundamental, a soberania popular, ou o que dá no
mesmo, o Estado autônomo, livre. (Kelsen, p. 34). Em detrimento de tal fato para
kelsen, inclusive Jean Jacques Rousseau deve ser de imediato reinterpretado.
4. O DEBATE CARL SCHMITT-HANS KELSEN: Uma breve análise.
O debate moderno entre Carl Schmitt e Hans Kelsen retoma a pergunta se o
sistema democrático de representação vigente desde a modernidade encontra-se em
crise. A avaliação do jurista Manuel Aragon, é no sentido de que a ausência de
explanação deste assunto no livro de Hans Kelsen, leva a entender que o positivismo
kelsiano não respondeu estes assuntos, mas apenas procurou defender o sistema
parlamentar. A única preocupação de Kelsen é o procedimentalismo do Estado de
Direito em que Manuel Aragon escreve:
Aparte de que Schmitt silencie que la mayoría que, através de la ley privase de igualdade de chance a la minoria no estaría realizando la
democracia, sino destruyéndola, y lo silencia porque para él la libertad no forma parte inscindible de la democracia (al contrario de lo que sostiene Kelsen), aparte de que también silencie el control social que, frente a los abusos que pode efectuar por la opinión publica, (...) y, lo cierto és que aqui, em lo que atañe exclusivamente a la denuncia de los riesgos que puede comportar um entedimiento puramente “procedimental” de la democracia, se encuentra um sólido argumento de Schmitt que no queda por entero rebatido em la tesis de Kelsen. (Aragon, 1996, p. 27)
Ao se referir a uma crise do sistema parlamentar liberal, Carl Schmitt esta a
apontar a critica de diversos pensadors de seu tempo sobre dilemas antigos e novos do
debate democratico, a qual Hans Kelsen não deixa de assentir, mesmo não concordando
com a palavra “crise”, como mesmo afirma no texto que segue:
Hoje – não se pode esconder – há certo cansaço do parlamento, embora ainda não seja o caso de falar atualmente – como fazem alguns autores – de uma “crise”, de uma “falência” ou, diretamente, de uma agonia do parlamentarismo. (Kelsen, 2000, p. 45)
Sobre a possibilidade do sistema representativo estar enfrentando uma crise
é tema atual que tem exposto Boaventura de Souza Santos já reiteradamente, e tratando
sobre o defendido procedimentalismo kelsiano:
O procedimentalismo democrático não pode ser como supõe Bobbio, um método de autorização de governos. Ele tem de ser, como nos mostra Joshua Cohen, uma forma de exercício coletivo do poder político cuja base seja um processo livre de apresentação de razoes entre iguais. (...) a recuperação de um discurso argumentativo associado ao fato básico do pluralismo e as diferentes experiências é parte da reconexão entre procedimentalismo e participação. (Santos, 2002, p. 53) (...) Mostram-se patentemente insuficientes os procedimentos de agregação próprios a democracia representativa.
No Brasil escreve o jurista Fábio Konder Comparato acerca do sistema de
representação:
O sistema de representação liberal, no Brasil, sempre foi uma fantasia retórica. Não é o povo que aparece representado nas nossas casas legislativas, e sim as classes ricas, as corporações poderosas ou os grupos de pressão mais influentes. (Comparato, 2007, p. 28)
Outro fator relevante, considerado por Manuel Aragón sobre o debate entre
os teóricos, trata do argumento schmittiiano da disputa de poderes no seio
governamental. Manuel Aragon expressa que o parlamento tem perdido a dimensão
democrática quando a discussão não se trata publica e transparente em direção ao alvo
do Estado, conforme expõe-se em seu pensamento a seguir:
Ahora bien, Kelsen es consciente de que la democracia parlamentaria es combatida por la extrema derecha y por la extrema izquierda por motivos más descarnadamente “políticos” (depura toma del poder a cualquer precio) que “intelectuales”.(Aragon, 1996, p. 24)
Neste sentido, escreve no Brasil Gilberto Bercovici numa avaliação sobre o
argumento schmittiano:
Não existe, propriamente, uma crise da democracia, mas entende-se a democracia como a única forma de legitimação do poder político. A crise é do parlamentarismo, ou melhor, da técnica parlamentar, em um contexto de transição da democracia individualista para a democracia social. (Bercovici, 2004, p. 04)
O pensador jurídico José Luiz Quadros de Magalhães afirma
categoricamente, no texto abaixo:
A crise da democracia representativa se agrava com a cada vez maior influência do poder econômico nas campanhas eleitorais (...). Hoje, em varias democracias representativas, vende-se um representante como se vende um sabão em pó. Quem fabricar melhor seu representante tiver mais dinheiro para contratar uma boa empresa de "marketing" e conseguir muito tempo de mídia, conquista e mantém o poder. (Magalhães, 2004, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina, acesso 04/01/20006)
No Brasil a critica ao sistema representativo tem voz nas palavras do jurista
Fábio Konder Comparato que afirma em entrevista recente:
Há um enorme ceticismo do brasileiro com a democracia. Em 2003, o Instituto Chileno Latinobarómetro verificou que os brasileiros ocupam a antepenúltima posição, em toda a América Latina, no que diz respeito à confiança na democracia: 65% do nosso povo não se importam com o caráter antidemocrático do governo. Esse ceticismo pode evoluir para uma coisa mórbida. Só os políticos parecem ainda não ter se dado conta disso. (Comparato, 2005, p. 20)
Em relação às expressões rousseaunianas tratada pelos teóricos Carl Schmitt,
e Hans Kelsen, o positivismo kelsinao é longevamente criticado, tendo como um
expoente, Oliveira Viana, que tece o comentário:
Os "espíritos liberais" (...) o que lhes importa é unicamente a norma legal, na sua exclusiva formulação verbal, na abstração do seu conteúdo; a norma legal, ontologicamente considerada; o texto da lei, em suma, na sua pura expressão gramatical e com a sua mens legis hermeneuticamente determinada, de acordo com as regras clássicas. Só isto e nada mais podendo-se dizer que têm uma mentalidade kelsiana. (Viana, 1999, p. 363)
O esvaziamento dos conceitos de soberania popular, representação e vontade
geral são principalmente atrelados ao liberalismo, como relata Oliveira Viana, o que, no
entanto, não combina com a tradição de juristas como Gofredo Telles Júnior, que expõe
a inclinação à sua época a noção de soberania popular a democracia, como segue, do
trecho da carta aos brasileiros:
Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima. Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam (...). Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do legislador. Costuma-se dizer que a Constituição é obra do Poder. Sim, a Constituição é obra do Poder Constituinte. Mas o que se há de acrescentar, imediatamente, é que o Poder Constituinte pertence ao Povo, e ao Povo somente. Ao Povo é que compete tomar a decisão política fundamental, que irá determinar os lineamentos da paisagem jurídica em que deseja viver. Afirmamos que a fonte legítima da Constituição é o Povo. (Júnior, carta aos Brasileiros, 1988).
Mesmo justificadamente, quando Hans Kelsen após duas guerras mundiais,
em que, os críticos do sistema parlamentar somente propunham o fascismo, o nazismo,
o salazarismo ou o bolchevismo como resposta, ou seja, sistemas totalitários de exceção
com motivações democráticas ainda assim cabem as palavras de Manuel Aragon, que
segue:
El ensayo de Schmitt conserva aún buena parte de su capacidad revulsiva precisamente por que algunos de los problemas de que trata siguen vigentes. (Aragon, 1996, p. 10) (...) Que no hay que ser ingênuos com Schmitt, por supuesto. Que Schmitt, com su crítica a la democracia parlamentaria no perseguia su mejoramiento sino su destrucción, de acurdo, y es algo que conviene resaltar. Que esa “intención” invalide, por si sola, la critica schmittiana, es cosa bien distinta. La falta de rigor de unas idéias no deriva de sus “malas intenciones”, sino de su mal planteamiento. Denunciar que “el rey está desnudo”, si verdaderamente lo está, no deja de ser um juicio riguroso, aunque la denuncia se haga no para vestir-lo, sino para destronarlo. (Aragon, 1996, p. 12)
As palavras de Aragon expressam que o apontado por Carl Schmitt em
relação a democracia parlamentar deve ser reconsiderado nos debates acadêmicos, e
que o modelo liberal realmente pode estar numa crise devendo a todos na sociedade o
envolvimento com sua reflexão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O embate sobre a democracia parlamentar por meio de representação surge
desde os remotos históricos da tradição democrática, podendo ser encontrado no dialogo
liberdade ou igualdade, ou pelo menos a complementaridade de um ao outro, ao
contrario de um paradoxo interminável. Carl Schmitt reflete este histórico trazendo a luz
noções de democracia já esquecidas pelo sistema liberal democrático, em que Hans
Kelsen, seu principal teórico não se propõe a resolver o problema da democracia, mas
sim a confirmá-lo como sistema sobre os totalitarismos reinantes até bem pouco tempo
na história.
De acordo com teóricos como Boaventura de Souza Santos, Kelsen não se
encontra em erro, desde que não limite a democracia apenas ao sistema formal, ou
procedimental.
As complementaridades dos conceitos substanciais de soberania popular,
representação e vontade geral fazem parte da tradição democrática para a definição de
democracia, e divorciá-la na atualidade, pode ser, sim, a peça fundamental para o
descontentamento com o sistema de representação parlamentar e liberal, como cada vez
mais aparece, para se citar o Brasil, nos pensamentos jurídicos de pensadores como
Fabio konder Comparato, Maria Helena Benevides, Paulo Bonavides, José Afonso da
Silva, para somente citar alguns. Acredita-se, pautado pela reflexao dos autores
analisados neste trabalho, realmente existir uma real crise da deocracia representativa
na atualidade.
REFERÊNCIAS
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