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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A idia de Formao em Caio PradoJnior
Letcia Villela Dacol
2004
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A IDIA DEFORMAOEM CAIO PRADO JNIOR
Letcia Villela Dacol
Dissertao de Mestrado apresentada ao
Programa de Ps-graduao em Sociologia e
Antropologia PPGSA, Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessrios obteno do ttulo de
Mestre em Sociologia (com concentraoem Antropologia).
Orientador: Glucia Villas Boas
Co-orientador: Andr Pereira Botelho
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2004
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A IDIA DEFORMAOEM CAIO PRADO JNIOR
Letcia Villela Dacol
Orientador: Glucia Villas Boas
Co-orientador: Andr Pereira Botelho
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em
Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais daUniversidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em Sociologia (com concentrao
em Antropologia).
Aprovada por:
_______________________________
Presidente, Profa. Dra. Glucia Villas Bas
____________________________
Prof. Dr. Andr Pereira Botelho
____________________________
Prof. Dr. Robert Wegner
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2004
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Dacol, Letcia Villela.
A idia de formao em Caio prado Jnior / Letcia Villela Dacol. Rio de
Janeiro: UFRJ, IFCS, 2004.
vi, 105 f.; 29,7cm.Glucia Villas Boas. Dissertao, UFRJ, IFCS, PPGSA, 2004. 4 p. Referncias
bibliogrficas.
I. Villas Bas, Glucia. II. Universidade Federa do Rio de Janeiro 1. Instituto deFilosofia e Cincias Sociais 2. Programa de Ps-graduao em Sociologia e Antropologia.
III. A idia de Formaoem Caio Prado Jnior.
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A idia de Formaoem Caio Prado Jnior
Letcia Villela Dacol
Orientador: Glucia Villas Boas
Co-orientador: Andr Pereira Botelho
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao
em Sociologia e Antropologia, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Sociologia (com concentrao em Antropologia).
Partindo de pesquisa bibliogrfica sobre os trabalhos recentes dedicados
obra de Caio Prado Jnior (1907-1990), analisa-se nesta dissertao a idia de
formaoem Formao do Brasil contemporneo (1942). A hiptese que esta
categoria central para a compreenso da obra do historiador paulista. Assim,
procura-se mostrar que a partir da idia de formao, o autor logrou realizar uma
interpretao do Brasil tanto no plano da estrutura da sociedade, quanto no planoda sociabilidade e das relaes sociais cotidianas da Colnia e do perodo de
transio desta para a nao. Em ambos os casos, o sentido da idia de
formaopermite a Caio Prado Jnior problematizar e fomentar o debate sobre os
impasses e possibilidades da constituio da sociedade nacional no Brasil;
particularmente no que tange sua organicidade e/ou inorganicidade e ainda
sua especfica situao de ter sua fora motriz se constitudo externamente - uma
vez que a Colnia obteve sentido e unicidadea partir de determinada relao com
a Metrpole.
Palavras-chave: pensamento social brasileiro; histria; Caio Prado Jnior;
Formao; marxismo.
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A idia de Formaoem Caio Prado Jnior
Letcia Villela Dacol
Orientador: Glucia Villas Boas
Co-orientador: Andr Pereira Botelho
Abstractda Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao
em Sociologia e Antropologia, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Sociologia (com concentrao em Antropologia).
Working on bibliografic research about recently works dedicate to Caio Prado Jniors
production (1907-1990), we analize in this dissertation the idea of formation in
Formao do Brasil Contemporneo (1942). The hypothese is that this categoria is
fundamental to compreend the work of this historian. Therefore, we pursuit to show that
withformationcategoria the autor had pretend to realize an interpretation of Brazil in so far
in the plain of the society strucure sociability and quotidian social relations during the
period of transition from Colony to the Republic nation. Both on either cases, the sens of
formation idea allows Caio Prado Jnior to problematize and foment the discussion about
impasses and possibilities of the constitution of the brazilian society as a nation;
particularly in the case of its organicity or inorganicity had been especifically
constituted externally once the Colony had its sens and unicity been constituted on its
relations with the Metropolis.
Key-words: brazilian social thought; history; Caio Prado Jnior; Formation;
marxism.
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Agradeo minha me pelo exemplo de fibra e coragem para buscar novos
caminhos. Ao meu pai pelas crticas quanto viabilidade destes caminhos.
Ao meu marido Joo pelo companheirismo, pela pacincia, e pela
inspirao na escolha deste tema; principalmente por ter sempre estado,
ainda que de forma indireta, ao meu lado, sendo, mesmo na contramo,
meu primeiro interlocutor. Ao meu amigo Roberto pelas cobranasepistemolgicas nas mesas de bar. Ao meu irmo Flvio pelos pitos nas
minhas horas de fraqueza, incentivando-me a continuar. Aos meus alunos
de msica, aos meus amigos Vincius, Nelsinho, Charles Villela, Marcelo
Lion, minha amiga Ana Lima, ao professor Andr Botelho e professora
Glucia Villas Bas. CNPQ pela bolsa de mestrado a mim concedida .
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memria da professora Ana Maria Galano
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INTRODUO
Em Seqncias Brasileiras ensaios (1999), discutindo o livro Formao da
Literatura Brasileirade Antonio Candido, Roberto Schwarz sugere que os livros
que se tornam clssicos de imediato, como foi o caso da Formao da literatura
brasileira, publicada em 1959, s vezes pagam por isso, ficando sem o debate que
lhes devia corresponder. Passados quarenta anos, a idia central de Antnio
Cndido mal comeou a ser discutida (Schwarz, 1999: 46).
Concordando com essa sugesto de Roberto Schwarz, que tambm afirma
que, no caso de Antonio Candido, a originalidade maior do trabalho est na
concepo geral, na idia de formao (Idem, 1999, 12), tomamos o potencial
educativo dos seus argumentos para avaliarmos o caso especfico de Caio Prado
Jnior (1907-1990) e da leitura de seu clssico Formao do Brasil
Contemporneo, de 1942. Assim, podemos dizer que, se por um lado o livro do
historiador paulista no teve a aceitao imediata que parece ter tido A Formao
da Literatura Brasileira, o caso se aplica tambm a Caio Prado Jnior no que se
refere a seu livro ter se tornado um clssico, sem ter obtido, ao mesmo tempo, o
debate que merecia.
Est em curso, neste momento, justamente o surgimento de trabalhos,
sobretudo monogrficos, que, procurando repensar os clssicos do pensamento
social brasileiro - como o caso do debate em torno de autores como Gilberto
Freyre e Srgio Buarque de Holanda, por exemplo -, tornam propcio o resgate
tambm da obra de Caio Prado Jnior. Assim, no que diz respeito a este ltimo
autor, a despeito da relativa demora da ocorrncia do debate em torno da sua
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obra, mesmo no mbito daquele processo de reavaliao dos autores clssicos
do pensamento social brasileiro, podemos destacar como positiva a possibilidade,
trazida tambm pelo tempo e adensamento do conhecimento acumulado nas
cincias sociais brasileiras, de uma leitura mais isenta - maior ou menor em cada
caso do envolvimento emotivo que tais obras eram capazes de suscitar em
outros tempos. Podendo, assim, contribuir para um debate maduro capaz de
repensar aquelas obras a partir da perspectiva dos problemas atuais do
pensamento social e da sociedade brasileira.
O presente trabalho pretende se inserir dentro desta corrente de
reavaliaes do pensamento social brasileiro. Pretende operar uma
desnaturalizao da leitura de Formao do Brasil Contemporneoe elege como
fio condutor para tanto destacar a idia de formao,entendendo esta categoria
como uma chave analtica central para o desenvolvimento da narrativa
historiogrfica de Caio Prado Jnior.
A hiptese que quero explorar a de que a idia de formao, como
articulada no contexto da escrita de Formao do Brasil Contemporneo, tanto
permitiu uma interpretao dentro de um contexto mais amplo, macrosociolgico,
por assim dizer, da estrutura da Colnia e do sentido da colonizao, como
possibilitou, por via inversa, ao autor se debruar sobre as relaes sociais
especficas que constituram, neste percurso, as bases no s institucionais e
portanto, oficiais da nao que tomaria corpo (a partir do incio do sculo
dezenove) como moldou formas de sociabilidade e conformou prticas e condutas
que a nvel da vida cotidiana resultou na formao de uma identidade ou
cultura que resultar em uma sociedade determinada, a sociedade brasileira,
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objeto central do autor entendida nos termos da unidade nos termos de uma
nao pensada e elucidada a vista de suas contradies e sentido.
Deve-se dizer, portanto, que um tal trabalho tem por motivao a idia de
que, mais que um interesse puramente histrico ou ainda de destacar a possvel
genialidade de um autor, um estudo analtico de Formao do Brasil
Contemporneo para ns pertinente pela capacidade de Caio Prado Jnior,
nesta obra, articular com segurana determinada metodologia, e, portanto, por sua
capacidade de trazer para a historiografia brasileira elementos desenvolvidos
pelas cincias humanas, principalmente pelas cincias sociais, a geografia, a
filosofia e ainda, poderamos dizer, pela antropologia contempornea - haja visto a
importncia dada pelo autor ao trabalho de campo e etnografia dos viajantes
franceses em expedio no Brasil no sculo XIX.
A idia de formao, como sugere Roberto Schwarz, central na
experincia intelectual brasileira. A esse respeito, alis, o autor filia o livro de
Antonio Candido ao de Caio Prado Jnior, valendo lembrar que tambm a idia de
momentos decisivos que figura no subttulo de A Formao da Literatura
Brasileira devedora da obra do historiador paulista. Como sugere Schwarz:
Quando o livro saiu, alinhou-se, entre vrias obras de perspectiva paralela e
comparvel, que buscaram acompanhar a formao do pas em outros nveis. No
campo progressista, os congneres mais importantes e conhecidos eram os livros
de Caio Prado Jr., Srgio Buarque de Holanda e Celso furtado (Idem, 1999: 54).1
1Como sugere Roberto Schwarz, a comparao entre estas obras ainda est engatinhando, espera de
trabalhos de sntese. Muito sumariamente quero sugerir alguns contrastes. Para Caio Prado Jr., a formaobrasileira se completaria no momento em que fosse superada a nossa herana de inorganicidade social ooposto da interligao com objetivos internos trazida da Colnia. Este momento alto estaria, ou esteve, nofuturo. Se passarmos a Srgio Buarque de Holanda, encontraremos algo anlogo. O pas ser moderno e
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A idia de formaofoi discutida em registo semelhante tambm por Paulo
Arantes. Entendendo por formaoa busca de linhas evolutivas mais ou menos
contnuas para a vida social como tema central no pensamento social brasileiro,
Arantes observa que mais do que uma experincia intelectual bsica, ela
constitui verdadeira obsesso nacional no Brasil (Arantes, 1997: 11). Como se
trata, para o autor, importante enfatizar, de uma noo a um tempo descritiva e
normativa, compreende-se, alm do mais que o horizonte descortinado pela idia
de formao corresse na direo do ideal europeu de civilizao relativamente
integrada ponto de fuga de todo esprito brasileiro bem formado (Idem, 1997:
11-2).
Como alis, sugere Arantes (Ibidem), bem indica sua recorrncia, em
medidas e sentidos distintos, em obras capitais do pensamento social brasileiro,
muitas vezes figurando nos prprios ttulos, entre as quais poderamos destacar:
Evoluo do Povo Brasileiro (1923), Casa-grande & Senzala (1933), Evoluo
poltica do Brasil (1933), Razes do Brasil (1936), Formao do Brasil
contemporneo (1942), Os donos do poder. Formao do patronato poltico
brasileiro (1958), Formao da Literatura Brasileira (1959), Formao econmica
do Brasil(1959) e, mais recentemente, Trato dos Viventes - Formao do Brasil no
Atlntico Sul, de Lus Felipe de Alencastro entre outras.
estar formado quando superar a sua herana portuguesa, rural e autoritria, quando ento teramos um pas
democrtico. Tambm aqui o ponto de chegada est mais adiante, na dependncia das decises do presente.Celso Furtado, por seu turno, dir que a nao no se completa enquanto as alavancas do comando,principalmente as do comando econmico, no passarem para dentro do pas. Ou seja, enquanto as decisesbsicas que nos dizem respeito forem tomadas no estrangeiro, a nao continua incompleta [...] Com adistncia no tempo, pode-se tambm dizer quer essa viso do acontecido, apresentada por Antonio Candido,resultou mais sbria e realista que a dos outros autores de que falamos. como se nos dissesse que de fatoocorreu um processo formativo no Brasil e que houve esferas no caso, a literria que se completaram demodo muitas vezes at admirvel, sem que por isso o conjunto esteja em visas de se integrar. O esforo deformao menos salvador do que parecia, talvez porque a nao seja algo menos coeso do que a palavrafaz imaginar (Schwarz, 1999: 54-5).
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Embora sejam muitas as referncias idia de formao de Caio Prado
Jnior na literatura pertinente, elas em geral mantm um certo carter genrico,
mesmo naqueles trabalhos dedicados exclusivamente anlise da obra do
historiador paulista. Num desses trabalhos mais recentes analisados nesta
dissertao, ou melhor, no prefcio a um desses trabalhos, a questo posta em
primeiro plano. A idia de formao, como sugere Elide Rugai Bastos no prefcio
do livro de Rubem Murilo Leo Rego, Sentimento do Brasil: Caio Prado Jnior
continuidades e mudanas no desenvolvimento da sociedade brasileira, constitui
categoria central da obra de Caio Prado Jnior.
Discutindo a forma narrativa de Formao do Brasil Contemporneo de
Caio Prado Jnior, Bastos sugere que esta, inserindo-se em certa tradio
hispano-americana, se apresenta sob o gnero ensaio e tem por objetivo claro
fornecer, em amplo sentido, uma interpretao a nvel nacional. Em suas palavras,
a despeito do sentido pejorativo que o termo ensaio pode assumir em certos
momentos e contextos, ele define o significado e o tipo de obra que Caio Prado
Jnior desenvolveu. Articulando a idia de formao forma ensaio, para Bastos
aquela idia estaria no centro das inovaes que Caio Prado Jnior imprime na
historiografia brasileira e constitui pea chave para a compreenso do seu
trabalho. Para a autora:
A palavra ensaio, longe de indicar estudos que fogem ao rigorcientfico e se desenvolvem apenas segundo impresses fugidias,refere-se, antes, s anlises que visam elaborar uma sntesesobre as sociedades nacionais, estando assim umbilicadamenteligadas idia de formao e propondo-se a indagar sobre osentido dessas formaes. Em outros termos, nesses ensaiosexplicita-se um esforo para dotar de sentido o mundo estudado,buscando-se superar a situao individual do ensasta (Bastos,2000: p. 15).
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Reconhecendo a amplitude da problemtica identificada em algumas das
possibilidades interpretativas da idia de formao, bem como alguns dos
diferentes significados e sentidos que ela pode assumir no pensamento social
brasileiro, cumpre advertir que no mbito desta dissertao circunscrevemos a
anlise ao texto de Caio Prado Jnior. Assim procedendo, nosso objetivo
evidenciar algumas possibilidades abertas pela idia de formao do historiador
paulista.
Assim, no primeiro captulo apresenta-se os resultados da pesquisa
bibliogrfica sobre Caio Prado Jnior. Devemos dizer que ao operarmos uma
seleo de textos relevantes no pretendemos dar conta da totalidade dos
trabalhos que se debruaram sobre o tema mais privilegiar a escolha de obras
mais recentes que procuraram, na atualidade, tratar do tema. Assim procuraremos
caracterizar as principais questes tratadas nas reavaliaes recentes da obra de
Caio Prado Jnior e, em particular, dar nfase categoria formao, no contexto
de seu livro Formao do Brasil Contemporneo, situando, na medida do possvel,
estas reavaliaes frente a anlises contemporneas sobre o pensamento social
brasileiro.
No segundo captulo pretendemos traar os principais aspectos da trajetria
de Caio Prado Jnior tendo em vista sua vida intelectual e poltica. Este conta
ainda com uma segunda parte na qual indicaremos elementos centrais do
horizonte ou contexto intelectual de Formao do Brasil Contemporneo, bem
como nos debruaremos sobre a estrutura do livro, nos moldes em que dividido,
povoamento, vida material, vida social.
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No terceiro captulo analisaremos a idia de formao visando alcanar os
objetivos j anteriormente explicitados. Neste ponto faremos um adendo ao texto
acerca da concepo de histria em Karl Marx. Pois, pelo que consideramos, a
obra de Caio Prado Jnior deve muito a este autor e tradio intelectual e
poltica por ele inaugurada quanto compreenso do presente histrico como
resultado de um processo at mesmo de um processo de formao. Nessa
aproximao, todavia, no se reivindica exatamente um caso de influncia direta,
o que nos obrigaria a uma pesquisa mais sistemtica que foge ao mbito desta
dissertao. Questo que alis, dada inclusive a pouca freqncia de citaes na
obra de Caio Prado Jnior como um todo de autores marxistas, constitui objeto de
controvrsias na literatura pertinente. 2
2Sobre a relativa ausncia de provas textuais da influncia do marxismo sobre Caio Prado Jnior, manifesta
na ausncia de citaes do pensador alemo ou de seus discpulos na sua obra, Bernardo Ricupero sugere,adequadamente a nosso ver, que o historiador paulista no encarou o materialismo histrico como umacoleo de verdades universais, mas como um mtodo vivo. Assim, como nota Novais, as citaes dosclssicos marxistas, to comuns entre nossos autores esquerdistas, no so freqentes em Caio Prado,mostrando que ele no sente necessidade de recorrer ao argumento da autoridade, postura de quem aindaprisioneiro de uma atitude mental que tem suas razes nos tempos da escolstica (Ricupero, 2000: 229-30).Assim, prossegue Ricupero, Carlos Nelson Coutinho pode mesmo ter razo ao dizer que Caio no deviaconhecer muito marxismo. Isto no tem, porm, grande importncia. Ou melhor, importa como indicao deque Caio Prado, com o marxismo possivelmente limitado que conhecia, foi capaz de fazer uma obramonumental, precisamente por ter sabido reter do marxismo o que nele mais importante: a abordagem(Idem, 2000: 230).
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CAPTULO 1
ASPECTOS DO DEBATE CONTEMPORNEO SOBRE CAIO PRADO JNIOR
Neste captulo pretendemos dar conta, ainda que de maneira sucinta, dos
aspectos mais relevantes do debate contemporneo acerca da obra de Caio
Prado Jnior. Assim procuraremos caracterizar as principais questes tratadas
nas reavaliaes recentes da obra do historiador paulista, particularmente em
relao a Formao do Brasil Contemporneoe, tambm, avaliar o lugar da idia
de formao, objeto deste trabalho, nessas anlises contemporneas.3
Para tanto destacamos dois momentos recentes diferentes de retomada da
obra de Caio Prado Jnior como objeto de anlise privilegiando a discusso dos
seguintes trabalhos: num primeiro momento, alguns dos artigos de Histria e Ideal
Ensaios sobre Caio Prado Jnior (1989), livro em homenagem ao historiador
paulista reunindo os trabalhos apresentados na II Jornada de Cincias Sociais da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) realizada entre 26 e 28 de 1988. Num
segundo momento, Caio Prado Jr. e a Nacionalizao do Marxismo no Brasil
(2000) de Bernardo Ricupero; Sentimento do Brasil: Caio Prado Jr.
Continuidades e mudanas desenvolvimento da sociedade brasileira (2000) de
Rubem Murilo Leo Rego; e Caio Prado Jnior na cultura poltica brasileira (2001),
de Raimundo Santos (deste mesmo autor, destacaremos tambm o artigo Uma
cincia poltica em Caio Prado Jr.? publicado na revista Estudos: Sociedade e
Agricultura, em abril de 2000).
3Dentre as anlises da obra de Caio Prado Jnior que podem ser consideradas pioneiras, mas que no
sero contempladas neste trabalho, j que nosso objetivo realizar um balano representativo das anlisesmais contemporneas, deve-se destacar Cavalcanti, 1966; Costa, 1967; e Leite, 1976.
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Ressalte-se o carter monogrfico desses ltimos trabalhos, sendo ao
menos os trabalhos de Ricupero e Leo Rego originalmente formulados e
apresentados como, respectivamente, dissertao de mestrado e tese de
doutorado. Nesse sentido, pode-se dizer, que enquanto os artigos reunidos em
Histria e Ideal Ensaios sobre Caio Prado Jnior (1989) exploram aspectos
diversos da obra, da trajetria poltica, da trajetria intelectual e biogrfica do
historiador paulista, os trabalhos destacados no que estamos chamando de
segundo momento de retomada da sua obra procuram, cada um a seu modo,
apresentar uma viso mais integrada e sistemtica daqueles aspectos.
1. Sobre Histria e Ideal Ensaios sobre Caio Prado Jnior
Em seu artigo Uma via no clssica para o capitalismo, Carlos Nelson
Coutinho sugere que a metodologia implcita nos trabalhos historiogrficos de
Caio Prado Jnior no consiste na tentativa de aplicar ao Brasil alguns
esquemas marxistas abstratos, mas na tentativa de historicizar os conceitos do
marxismo transpondo este para a realidade brasileira: o marxismo do historiador
paulista seria um mtodo de anlise, um fio condutor que lhe permite descobrir as
conexes e o sentido dos fatos que constituem a gnese e a estrutura do Brasil
contemporneo. Coutinho afirma, nesse sentido, que essa recepo do
marxismo como mtodo e no como dogma abstrato uma das principais razes
dos acertos de interpretao contidos na obra de Caio Prado Jnior (Coutinho,
1989: 115).
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Considera que embora tenha consagrado a maior parte de sua obra
historiogrfica anlise de nosso passado, inegvel que o objetivo central da
reflexo de Caio Prado Jnior o ponto focal a partir do qual se articula o conjunto
de sua ampla investigao histrica a compreenso do Brasil moderno
(Ibidem). Argumenta, nesse sentido, que mesmo quando trata do passado, Caio
Prado tem sempre em vista a investigao do presente como histria, o que
implicaria para o autor enquanto marxista, numa anlise dialtica da gnese e
das perspectivas deste presente (Ibidem). Tendo como ncleo de sua reflexo
historiogrfica o materialismo dialtico, em sua interpretao destacam-se ainda
que s implicitamente, conceitos como o de transio ou de modernizao.
Coutinho afirma ainda que para Caio Prado pensar o presente como histria
(como anuncia em Formao do Brasil Contemporneo) significava responder
necessariamente a seguinte questo: de que modo e porque vias o Brasil evolui
da situao colonial originria, atravs do Imprio e das vrias Repblicas, para a
constelao histrico-social que apresenta hoje? (Ibidem).
O autor argumenta que embora exista em sua obra uma certa ambigidade
a respeito da caracterizao do ponto de partida ou seja, do modo de produo
e da formao econmico-social vigentes no Brasil antes da Abolio,
indubitvel que o historiador paulista no hesita em identificar como plenamente
capitalista o Brasil republicano (Ibidem). Coutinho discute tambm o tema das
desavenas entre Caio Prado e alguns intelectuais da poca em torno do modelo
interpretativo dominante na Terceira Internacional e no Partido Comunista
Brasileiro, destacando que Caio Prado insiste em que nosso pas no e jamais
foi feudal ou semifeudal e, por isso, no careceu e nem carece de uma revoluo
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agrria e antiimperialista para se tornar moderno e capitalista (Idem, 1989: 115-
6).
Vera Lcia Amaral Ferlini, em seu artigo Fidelidade Histria, destaca a
idia de que a historiografia de Caio Prado Jnior foi animada por uma discusso,
corrente em sua poca, que pretendia dar conta das profundas modificaes da
sociedade, da poltica e da economia nacionais, que haviam se acelerado na
ltima dcada, culminando com o arranjo poltico de 1930 (Ferlini, 1989: 228).
Ainda, segundo a autora, era forte o desejo, entre os intelectuais brasileiros da
poca, bem como entre membros da elite nacional, de inserir o Brasil numa
economia capitalista mundial, fato que resultou em uma busca, ou numa
elaborao, de imagens capazes de confeccionar uma identidade nacional com o
intuito de unir, defender e valorizar as especificidades nacionais frente ao mundo
(Ibidem). Segundo a autora, em 1942, com Formao do Brasil Contemporneo,
Caio Prado pretendia ressaltar o carter decisivo do sculo XIX, na Histria do
Brasil, apontando-o como o esgotamento do sistema colonial, frente s
solicitaes ampliadas do capitalismo. E partia da profunda determinao do
sistema colonial pela histria do capitalismo para dissecar por que o Brasil ainda
no tomara forma, premido por uma realidade j muito antiga: o passado colonial
(Ferlini, 1989, 229).
Para Octavio Ianni, em seu artigo A dialtica da histria, com Formao
do Brasil Contemporneo Caio Prado Jnior inaugura uma interpretao marxista
da formao social brasileira, estabelecendo um horizonte intelectual novo, sem o
qual no foi mais possvel pensar a histria e o pensamento no Brasil (Ibidem).
Destaca, nesse sentido, que a originalidade do historiador paulista reside na sua
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capacidade de produzir, dialogando com diversos autores contemporneos e
anteriores a ele, alguns referidos em seus trabalhos, outros no, uma nova
interpretao dos contornos e movimentos mais caractersticos da formao
social brasileira (Idem, 1989: 63). Dentre os principais fatores que teriam
conduzido Caio Prado Jnior a produzir uma interpretao dialtica da histria da
sociedade brasileira, Ianni destaca o estabelecimento conceitual das idias de
sentido da histria, das relaes sociais, processos e estruturas que constituem
configuraes sociais de vida (Idem, 1989: 71).
Ianni aponta ainda a idia de formao e a relao estabelecida, na
narrativa, entre o passado e o presente como elementos fundamentais em
Formao do Brasil Contemporneo: O presente, em cada poca, parece um
mapa histrico, ou melhor, arqueolgico, no qual se combinam vrios pretritos
(Ibidem). Portanto, dentro da compreenso da relao entre passado, presente e
futuro da interpretao de Caio Prado, revela-se, para Octavio Ianni, o que seria
uma peculiaridade bsica da formao social brasileira, conforme ela se mostra
no sculo XX, uma definio ou estigma:
O presente capitalista, industrializado, urbanizado convive, ainda emnossos dias, (tal como j anunciava o sculo XIX) com vriosmomentos pretritos. Formas de vida e trabalho dspares aglutinam-se em um todo inslito. A circulao simples, a circulao mercantil ea capitalista articulam-se em um todo no qual comanda a reproduoampliada do capital, em escala internacional.
O Brasil moderno parece um caleidoscpio de muitas pocas,formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar (Idem, 1989: 72).
Em seu artigo intitulado A viso do amigo Florestan Fernandes defende a
idia de que a interpretao histrica de Caio Prado Jnior se diferencia de outras
anteriores e subseqentes a ele por no buscar umareconstruo pura e simples
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do passado (Fernandes, 1989: 32). Ressalta que sua narrativa pode ser definida
como uma tentativa de interpretao histrica materialista fecunda (Ibidem).
Insere sua historiografia num debate mais amplo, como o caso do ocorrido na
Frana, entre a histria tradicional e a histria interpretativa e afirma que Caio
inaugurou o modo mais avanado de histria interpretativa no Brasil, o qual se
fundava no materialismo histrico (Ibidem). Afirma que entre suas grandes
contribuies, est a anlise influenciada pelo materialismo dialtico como fator de
diferenciao que estabeleceu e introduziu na historiografia brasileira entre a
anlise das estruturas e a histria episdica ou descritiva. Deste modo Caio Prado
Jnior seria um dos principais expositores da explicao da sociedade escravista
e das suas peculiaridades fundamentais (Fernandes, 1989: 32).
Em seu artigo Impasses do inorgnico Maria Odila Leite da Silva Dias
afirma que uma contribuio fundamental da obra de Caio Prado Jnior sem
dvida a elaborao do mtodo, sua concretude, sntese, clareza (Dias, 1989:
378). Para a autora Formao do Brasil Contemporneoapresenta uma estrutura
de construo complexa e muito sugestiva da postura independente do
engajamento poltico do autor, do seu pioneirismo ao decifrar as possibilidades de
adequao da dialtica materialista ao contexto das contradies brasileiras,
elaborado na sua especificidade, o que propunha um desafio fundamental de
mtodo (Ibidem). Portanto para Dias est claro que seu envolvimento com o
materialismo dialtico longe de ser um ponto que diminua a importncia da
interpretao de Caio Prado Jnior mesmo uma das maiores contribuies
dadas pelo autor historiografia brasileira.
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A autora destaca como um dos eixos fundamentais da obra de Caio Prado
Jnior o tema das tenses entre sociedade e nao, tenso que, segundo ela,
aponta para a especificidade de um processo inacabado em nossa histria e que
corresponde a um dos traos caractersticos de nossa sociedade. Nesse sentido,
Caio Prado teria desenvolvido sua obra com o intuito de mostrar que a
colonizao no se orientara no sentido de construir uma base econmica slida e
orgnica (Dias, 1989: 377), a partir da explorao racional e coerente dos
recursos do territrio com fins a satisfao das necessidades materiais da
populao que nela habita. Assim Caio Prado Jnior teria justamente desvendado
e destacado a existncia deste impasse, orgnico, de contradio fundamental
que definiria todo o vir a ser da nacionalidade, e das relaes sociais de
dependncia colonial, fato que desembocaria em uma sociedade singular e
contraditria.
Para Maria Odila da Silva Dias o tema da nacionalidade, proposto como
totalidade orgnica implicava em questionar e refletir sobre as possibilidades de
integrao da massa da populao no sistema produtivo do pas, que em seu
tempo vivia uma atmosfera de expectativa de perspectivas diversas. Assim no
livro Formao do Brasil Contemporneo, a despeito de no ter chegado a
esmiuar os anos de formao da repblica, analisando as especificidades de seu
tempo, Caio Prado teria mostrado de forma objetiva a dificuldade estrutural da
sociedade brasileira de se formar segundo seus prprios interesses e caracteres.
Nesse sentido, a autora destaca a importncia dada em Formao do Brasil
Contemporneoao estudo das especificidades locais do processo colonizador
estudo que a despeito de todo desdobramento posterior da Antropologia e do
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desenvolvimento de tcnicas precisas se mostrava bastante inovador para a
poca.
Assim poder-se-ia notar que no emprego do mtodo de interpretao das
estruturas produtivas, Caio Prado dedicou-se elaborao de teoria abrangente
que levou em conta o estudo de modos de produo, devidamente localizados no
processo de povoamento, abarcando mediaes sociais especficas, conjunturas,
regionais que revelaram potenciais de mudana, conforme suas relaes mais ou
menos intensas, mais ou menos diretas de dependncia e subordinao com a
grande lavoura do litoral (Idem, 1989: 378). Nesse sentido a autora sugere que:
no plano mais amplo da historiografia marxista, a sua foi em vriossentidos uma obra pioneira pelo grau de elaborao do processodialtico, cuidadosamente trabalhado na perspectiva histrica daanlise das conjunturas regionais do Brasil. Por isso atingiu em1942, justamente por conciliar a interpretao marxista com adiversidade nacional, um nvel de concretude e de sofisticao demtodo que somente vinte anos depois comeou a encontrarsimilares nas obras de Pierre Vilar, Albert Soboul, Eric Hobsbawn eoutros (Idem, 1989: 379).
Maria Odila da Silva Dias observa ainda o veis prtico desta obra, pois,
segundo ela, como marxista, Caio Prado procurou as diversidades especficas do
processo brasileiro de colonizao e formao da sociedade, em suas origens
histricas, para melhor indicar um programa de ao para o futuro (Idem, 1989:
382). Ainda, segundo a autora, um dos objetivos fundamentais de Formao do
Brasil Contemporneo
consistiria em mostrar, a partir de um movimento dialtico,
as chamadas foras desagregadoras de decomposio do sistema, dado que, de
um lado, essas foras dificultariam o processo e as potencialidades da
transformao da colnia em nao e, de outro, contribuiriam justamente para a
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constituio de uma sociedade livre acenariam para uma futura superao do
que se poderia chamar impasse do inorgnico presente ainda nos dias de hoje
(Idem, 1989: 381).
Para a autora o enfoque estrutural escolhido pelo historiador paulista
delimitando precisamente seu objeto numa conjuntura de crise, localizado entre o
final do sculo XVIII e a poca da Independncia - deixa transparecer de imediato
o tom engajado do trabalho, assim como a relao de tempo estabelecida pelo
autor (entre o nosso presente e o passado colonial). Caio Prado Jnior teria
reconstitudo as tenses histricas, as formas de vida sociais da colnia, as
especificidades do povoamento do interior, dos condicionamentos geogrficos,
das vicissitudes, enfim, da organizao precria de sobrevivncia da populao
brasileira, que crescia a partir de uma contradio bsica, de um ncleo de
relaes de dependncia colonial, at construir formas de vida social, que se
apresentaram como possibilidades de transformao, que se projetavam para o
futuro (Ibidem).
Ao contrrio de crticos, que enxergam em Caio Prado Jnior, uma viso
estritamente economicista, Maria Odila da Silva Dias sugere que o historiador
paulista aborda o processo de formao da nacionalidade brasileira como sendo
marginal ao processo produtivo (voltado para o provimento de necessidades
exteriores) e que, assim sendo, como um processo marginal, sob o ponto de vista
da formao das classes sociais, se torna um fator de desagregao do sistema
colonial indicando umapossvel funo de unidade no futuro (Idem, 1989: 284).
Para a autora, portanto, o principal tema do historiador consistiu justamente em
descobrir e revelar (por oposio a narrativa costumeira) o inorgnico da vida
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social, o que depois viria a constituir e formar originalmente as classes
trabalhadoras e os fatores de futura nacionalidade (Idem, 1989: 385).
Nesse sentido, Caio Prado Jnior teria demonstrado que a formao do
inorgnico conduziria a uma srie de impasses estruturais visando, segundo Maria
Odila da Silva Dias, demonstrar que estes impasses estruturais viriam a causar
outros impasses como o do processo de industrializao do pas no sculo atual e
que este, por exemplo, sob alguns aspectos, serviria como amostra de que certas
estruturas prprias do sistema colonial teriam continuidade. Assim, defende a
idia de que Caio Prado, profundo pesquisador dos impasses estruturais da
sociedade brasileira, procura a partir de sua teoria demonstrar e chamar a ateno
para a necessidade de transformao da estrutura da sociedade como um todo,
ou seja, para a mudana das bases fundamentais da sociedade brasileira a
despeito da compreenso idealista de esclarecimento e progresso (Idem, 1989:
365). Por isso, para a autora, Caio Prado
cuidou de elaborar os conceitos marxistas da forma mais concretapossvel, de explicit-los no seu prprio devir dialtico sem falsear ainterpretao deste processo com posturas ou deslizes teorizantes e,a seu ver, idealistas. Muitas vezes o fato histrico custava a setornar inteligvel para o historiador, pois se compunha deaglomerados de foras, com tendncias, movimentos, tenses(Idem, 1989: 397).
Em seu artigo A fora do concreto, Antonio Candido se prope a dar um
depoimento a respeito da figura humana de Caio Prado Jnior, de suas
preferncias como pesquisador, de seu gosto pela viagem como meio de
conhecimento, de seu modo particular de pesquisar, escrever e estudar o Brasil.
Nas suas palavras em Caio Prado: o conhecedor de histria e de economia do
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Brasil se confunde na sua personalidade intelectual ao insacivel viajante e
observador, ao esprito sempre aberto para o fato do dia, ao leitor sistemtico e
microscpico dos jornais (Candido, 1989: 24).
Faz questo, nesse sentido, de registrar, como lembrana da figura de Caio
Prado Jnior, sua irreverncia frente disciplina que o consagrou, a histria, pois
que mais de uma vez ele me disse alegremente no saber histria, no sentido de
ignorar uma quantidade de datas, se embrulhar nas dinastias, esquecer datas e
dar pouca importncia a batalhas e detalhes. O que lhe interessa so a vida diria,
a produo, o movimento dos negcios, as tcnicas de plantio, os costumes, o
mecanismo de transmisso da propriedade, e coisas assim (Ibidem). Dessas
duas dimenses de gostos, contudo, adverte Antonio Candido, fcil inferir o
tipo de historiador que , grande historiador que retificou as perspectivas sobre a
nossa formao e mostrou uma srie de aspectos esquecidos ou ignorados
como a qualidade real da populao da Colnia, a presena do marginalizado, a
natureza mercantil da empresa
agrcola, situando a famlia das classes dirigentes
na devida escala e quebrando o perfil aristocrtico traado por uma iluso
complacente (Ibidem).
Para Antonio Candido, Caio Prado Jnior teria se formado como um
estudioso ligado estritamente ao concreto, derivando seu conhecimento do meio
fsico, do estudo das populaes, a partir de suas especificidades segundo sua
distribuio no espao, suas realidades e por conseguinte suas formas de
produo (Idem, 1989: 25). Sob estes suportes teria fundado uma historiografia
marxista voltada para a anlise de instituies diversas, tomando este objeto a
partir de uma compreenso no limitada, atenta ao real, sem esquemas nem a
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imposio de prejulgamentos, deixando de lado uma tradio do pensamento
social brasileiro que, nas palavras de Antonio Candido era ainda muito idealista
(Idem, 1989: 26).
Ressalta que neste esforo voltado para a realidade concreta, Caio Prado
Jnior esteve sempre interessado em pesquisar os aspectos fundamentais da
sociedade, afastando os aspectos que afloram para ir at as foras que regem de
fato (Ibidem). Da forma de desenvolvimento de suas caractersticas como
historiador Antonio Candido indica que Caio Prado deu prioridade a via de
conhecimento direta, ou seja, ligada em muitos sentidos, ao contatoprimrio como
meio de conhecimento. Assim, nas palavras de Antonio Candido, Caio Prado
quando compulsa um documento, analisa uma estatstica deproduo ou estuda o povoamento, no procede como o estudiosoque parte da abstrao para em seguida procurar comprovantes. Ele
j est previamente embebido por estas e efetua de maneiraprodutiva a abstrao como fruto maduro. O conhecedor de histriae de economia do Brasil se confunde na sua personalidadeintelectual ao insacivel viajante e observador, ao esprito sempreaberto para o fato do dia, ao leitor sistemtico e microscpico dos
jornais (Ibidem).
Antonio Candido afirma ainda que Caio Prado Jnior, dentro do cenrio
acadmico de seu tempo, sempre se posicionou de maneira pouco ortodoxa tendo
tido a felicidade de poder experimentar e desenvolver em sua ao uma
apreenso bastante sofisticada e pessoal das especificidades da realidade
brasileira. Assim Candido define o historiador paulista, que foi, diga-se de
passagem, tambm seu amigo pessoal:
grande historiador que retificou as perspectivas sobre a nossaformao e mostrou uma srie de aspectos esquecidos ou ignorados
como a qualidade real da populao da Colnia, a presena domarginalizado, a natureza mercantil da empresa agrcola, situando a
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famlia das classes dirigentes na devida escala e quebrando o perfilaristocrtico traado por uma iluso complacente (Candido, 1989:24).
Afirmando que sua
gerao sofreu j com Evoluo Poltica do Brasil
influncias fundamentais de Caio Prado Jnior, livro que abriu a fase dos estudos
marxistas na viso panormica do pas, Antonio Candido considera que as
qualidades esboadas no livro de 1933 seriam amadurecidas em 1942 em
Formao do Brasil Contemporneo (Idem, 1989: 25). Para Candido, em suma,
Caio Prado deixa longe a tradio ainda meio idealizadora que preponderava em
sua poca e funda solidamente uma histria marxista, aberta, atenta ao real,
sem esquemas nem a imposio de prejulgamentos (Idem, 1989: 26).
Em seu artigo Do palacete enxada, Maria Ceclia Naclrio Homem
afirma que a originalidade de Caio Prado Jnior no pode ser entendida sem
levarmos em conta que: sua dimenso de histria ser muito mais ampla porque
pretende transform-la tanto pela produo escrita quanto pela sua prpria
participao nos acontecimentos polticos e culturais (Homem, 1989: 47). Afirma
tambm que em relao a interpretaes anteriores, Caio Prado estava ciente de
que inaugurava uma nova dimenso da histria, no Brasil, o que demonstra suas
prprias palavras: No Brasil, Silvio Romero, Alberto Torres e Oliveira Vianna ...
no chegaram a nada .... Maria Ceclia afirma que o historiador paulista tinhapor
opinio que, no Brasil, em termos de produo historiogrfica estava tudo por
fazer (Idem, 1989, p. 48).
Destaca para este entendimento de Caio Prado Jnior tambm a
descoberta efetuada pelo autor de elementos da Geografia, que estudou com
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Pierre Deffontaines, gegrafo francs, na recm-inaugurada Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo. Assim entre os
elementos que teriam possibilitado sua ruptura com a historiografia tradicional
ocupa a Geografia, para Maria Ceclia N. Homem, um lugar de destaque: a
geografia tornou-se seu instrumento de trabalho para o conhecimento do pas e
para a elaborao da prpria Histria (Ibidem). Observa ainda, na mesma direo
de Antonio Candido, que Caio Prado privilegiou o estudo de campo e a
observao direta, mtodos que defendeu outrora com as seguintes palavras:
chega uma hora, ensina ele, que preciso fechar os livros e partir para o
reconhecimento da realidade, levantando os problemas in loco (Idem, 1989: 49).
Ainda nesse sentido, a autora assinala que as viagens de Caio Prado pelo Brasil e
seu entendimento da contribuio da fotografia como instrumento de trabalho de
grande importncia para a anlise historiogrfica foram fatores que o permitiram
romper com a historiografia puramente institucional da tradio estabelecida.
Foram esses mtodos, argumenta, que teriam permitido ao historiador paulista
atingir seu objetivo de levantar o sistema de vida e as condies de sobrevivncia
de cada lugar (Ibidem).
Em seu artigo O sentido do colonialismo Maximiliano Martin Vicente
chama a ateno para o fato de que Caio Prado Jnior foi em seu tempo um
escritor de fecunda originalidade assumindo uma posio de vanguarda, o que
em em muitas ocasies lhe trouxe problemas
(Vicente, 1989: 87). Discutindo o
papel de Caio Prado para a compreenso da montagem do sistema colonial feito
pelos portugueses no Brasil, argumenta Vicente:
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se no momento atual, parece bvia a afirmao segundo a qualpode-se dizer que Caio Prado Jr. um dos melhores historiadoresde que dispomos, principalmente depois do detalhado e completoestudo realizado na dcada de 70 por Fernando Novais, Portugal eBrasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777/1808), as
colocaes de autores de ampla difuso, anteriores e mesmoposteriores a 30, pareciam no entender bem a questo, ouprocuravam interpret-la de acordo com sua convenincia em funode alguma idia preestabelecida (Idem, 1989: 89).
Maximiliano Vicente mostra que na raiz das divergncias que Caio Prado
Jnior encarou em sua poca est claramente a idia de que a colnia teria
sentido por ela mesma e assim poderia ser analisada (Idem, 1989: 90). Da sugerir
que para a compreenso do historiador paulista e de sua inverso metodolgica,
no quadro da historiografia de sua poca, deve-se notar a importncia central de
uma especifica concepo de colnia. Adverte, contudo, que ao retomar a viso
colonial na obra de Caio Prado Jnior, principalmente em dois de seus livros,
Evoluo.. e Formao, nota-se que, em seus escritos, a volta ao passado
(colnia) tem caractersticas diferentes (Ibidem). Esta diferena estaria no fato de
que ao procurar descobrir a persistncia dos componentes coloniais na vida
brasileira (diga-se de passagem, o mesmo que pretendiam Fernando de Azevedo
e Oliveira Vianna), o autor v a colnia em perspectiva econmica, ou seja,
destaca o sentido da colonizao e os principais componentes do sistema
colonial (Ibidem).
J John M. Monteiro em artigo intitulado A dimenso histrica do latifndio
afirma que um dos fatores de inovao da teoria de Caio Prado Jnior a
descoberta de que as estruturas agrrias brasileiras so produtos da lgica da
expanso comercial europia, dentro da qual ele busca um sentido para a
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marcha da histria nacional (Monteiro, 1989: 154). Nesse sentido, a originalidade
de Caio Prado Jnior em relao historiografia anterior a ele estaria, entre outros
aspectos, em sua nfase na estrutura o que, para John Monteiro percorre como
espinha dorsal todas as suas anlises concretas (Ibidem).
Justamente sua nfase na estrutura teria sido o fator que possibilitou a
Caio Prado Jnior manter-se afastado das interpretaes naturalistas que
produziram discursos as vezes racistas e exageradamente deterministas
pautados na crena da existncia de uma massa popular que vegeta, material e
culturalmente, no nvel da simples subsistncias fsica e do mnimo de
desenvolvimento espiritual e se encontraria relegada a um dos lados do abismo
(Idem, 1989: 167). Discursos que mais legitimavam do que explicavam o tipo de
explorao existente no meio social brasileiro, o qual apontava para uma
inevitabilidade da desgraa que previa um movimento quase trgico, necessrio,
para a historia (Ibidem). Assim, Caio Prado pde se separar da tradio
determinista que tinha em seus princpios a falsa noo de que a desigualdade
social no Brasil se devia fundamental e primordialmente a um desvio
perversionista, mero resultado de pactos de elites conservadoras, graas a
nfase que dedicou ao estudo das estruturas e processos o que o diferenciou
ainda no meio da militncia poltica (Idem, 1989: 168).
Nesse sentido, tambm quanto industrializao, Caio Prado pde
esmiuar as especificidades de um processo de industrializao sui generisna
histria do industrialismo capitalista ocidental; segundo Monteiro:
nesta formao social perifrica subordinada, em cuja constituiojogou papel fundamental a importao de relaes sociais deproduo j desenvolvidas e acabadas nas sociedades clssicas do
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capitalismo, no se pe nela o ciclo do capital industrial (omovimento geral do capital) com a inteireza dos seus departamentose de sua realizao. No se pe nela um ciclo do capital conforme oconceito que lhe prprio. A mais-valia desta economia perifrica esubordinada realiza-se no e pelo mercado mundial. E intra muros
para que se dem as condies necessrias deste modo derealizao, necessrio que produo-distribuio-consumo seenrazem em formas naturais limitadas, modalidades determinadasunilateralmente (Ibidem).
2. Sobre alguns trabalhos monogrficos recentes
Em Caio Prado Jr. e a nacionalizao do marxismo no Brasil, Bernardo
Ricupero trabalha com a hiptese bsica de que Formao do Brasil
Contemporneorepresenta um caso bem sucedido de assimilao e recriao de
um conjunto de idias, de uma orientao terica e metodolgica que prova sua
fecundidade heurstica dando conta de situao distinta da qual nasceu para dar
expresso e, ao conseguir isso, revela-se como universal (Ricupero, 2000: 17).
Para o autor a nacionalizao do marxismo operada por Caio Prado no foi uma
tentativa inusitada ou isolada, mas sim uma operao articulada, como uma
resposta positiva para o dilema proposto por Gramsci sobre a tradutibilidade das
linguagens cientficas (Idem, 2000: 31).
Portanto, o autor defende que em Formao do Brasil Contemporneo o
que pode parecer uma obviedade ou um doutrinarismo ainda mais para uma
anlise que no leve em conta o momento histrico de sua produo deve ser
precisamente desnaturalizado para que ns, estudiosos de hoje, possamos tirar
de seus meandros sua face heurstica. Ricupero destaca que grande parte da
recusa, ou estranheza, de se estudar Caio Prado Jnior que percebeu ser
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constante por parte de nossa academia advm de crticas, e de um certo senso
comum que o acusa de uma associao ao marxismo. A isto, Ricupero rebate
que boa parte do seu prprio interesse em Caio Prado viria justamente de sua
associao com o marxismo. Portanto argumenta que pretende privilegiar em Caio
Prado a parte que ficou, em sua palavras particularmente subestimado pelo
pensamento social posterior a ele, ou seja, as implicaes polticas de suas
anlises. Afirma que no podemos ler Caio Prado, que apesar de toda crtica
corresponde a um clssico de nossa literatura, sem compreender que o Caio
Prado como historiador incompreensvel sem levarmos em conta o Caio Prado
militante poltico (Idem, 2000: 26).
Para Ricupero os livros de Caio Prado manifestam a convico intelectual
de que o estudo terico deve ser orientado para a compreenso do presente
(Ibidem). Assim, para o autor, Caio Prado entende que a elaborao terica tem
por objetivo a poltica, ou seja, deve servir fundamentalmente para que se possa
intervir na realidade do momento histrico que se vive realidade esta que tem
por princpio ser imperfeita, e que uma vez que se trata de um autor
revolucionrio, deve ser transformada. Assinala que Caio Prado foi, em todos os
sentidos, um defensor da unidade de teoria e prtica, ou melhor, de sua
indissociabilidade: naquilo que se refere ao poltica, o historiador paulista
particularmente contundente em insistir que ela deve ser orientada por uma teoria
adequada (Ibidem).
Alm de razes prticas para operar a desnaturalizao do pensamento de
Caio Prado Jnior, Ricupero desenvolve em seu trabalho uma anlise do que
denomina de razes internas da escrita do autor que justificam um estudo
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sistemtico de sua obra. Para ele, Caio Prado realizou uma reflexo original
sobre a histria e a sociedade brasileira, reflexo esta que constitui uma
contribuio
particularmente importante para a compreenso da nossa realidade
(Idem, 2000: 27). Acredita que dentre os nossos historiadores, Caio Prado Jnior
foi um dos que mais e melhor investigaram as origens das estruturas e do
desenvolvimento do pas, de suas contradies, tendo podido ir bastante fundo na
investigao dos princpios de nossa formao, realizando fecundo mergulho,
portanto, em nosso passado colonial e levantando hipteses, que at hoje seriam
de difcil refutao.
Ainda para Ricupero, Caio Prado Jnior tem grande relevncia por ter sido
um dos pioneiros, em nossa historiografia, a chamar a ateno para a idia de
sentido da colonizao afirmando que no se pode falar de realidade brasileira
sem levar em conta que temos em nossa constituio territorial a caracterstica de
sermos em nossa origem dotados de um sentido, de um direcionamento causal,
que tem por motivo, em sua raiz, interesses externos, ou alheios, aos nossos
prprios. Este sentido indicado (a despeito de toda provocao e de todo alarde
que possa causar) como sendo o de um interesse por um estabelecimento de um
empreendimento comercial voltado para o mercado externo, baseado na
produo de gneros tropicais em grandes unidades agrcolas, trabalhadas pelo
brao escravo (Idem, 2000: 28). Assinala ainda que Caio Prado Jnior acreditaria
que, no Brasil, portanto, nosso passado quase indissocivel de nosso presente,
sugerindo que somos, ainda hoje (e mais ainda em sua poca quando a
industrializao do pas e a estrutura agrria ainda estavam mais ligadas ao
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passado colonial), compostos parte pelo passado, j que ainda no o superamos
de todo (Ibidem).
Portanto para Ricupero, Caio Prado foi capaz de compreender o sentidoda
nossa formaoe fez deste sentido, da elaborao deste sentidocomo essncia
da experincia colonial brasileira, uma chave analtica para a interpretao da
histria brasileira e dos desdobramentos posteriores que esta teve. Somente a
partir do desenvolvimento desta categoria de anlise, categoria esta que deve
muito a teoria marxista de interpretao da histria como movimento materialista
dialtico, Caio Prado pde fornecer um retrato da Colnia no como um mero
amontoado de eventos e caractersticas combinados aleatoriamente, mas como o
de uma certa sociedade que, mesmo problematicamente, comea a se formar,
pensando esta sociedade em bloco e no a partir de acontecimentos isolados
(Idem, 2000, p.155-156). Assim elegendo como fato principal de nossa histria o
sentido da colonizao Caio Prado pde, segundo Ricupero, apreender a
totalidade da unidade social brasileira. A habilidade do historiador paulista em
observar a realidade adviria precisamente da conscincia de que apesar de a
histria ser feita de um cipoal de incidentes secundrios, que podem at mesmo
nos confundir, h um certo sentido que lhes confere inteligibilidade, o que reflete
o fato de que todos os momentos e aspectos no so seno partes, por si s
incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo ltimo do historiador
(Idem, 2000: 157).
Em suma, e como notou Gildo Maral Brando no prefcio de Caio Prado
Jr. e a nacionalizao do marxismo no Brasil, Bernardo Ricupero tem por
finalidade central buscar problematizar o sentido do Caio Prado Jr. poltico e
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terico da poltica (Brando, 2000, 15). Ainda segundo Brando, Bernardo
Ricupero persegue como objetivo central mostrar como, num caminho de duas
vias, Caio Prado desenvolve sua viso da poltica a partir dos desdobramentos
prticos do seu trabalho de historiador e que, buscando perseguir
incansavelmente uma problemtica bsica as questes da construo nacional
e das possibilidades de mudanas inscritas no processo histrico uma vez
tendo atingido sustentao terica busca conformar sua crtica (e sua pretenso
de desenvolvimento de um projeto poltico) s determinaes de processo
histrico concreto (Idem, 2000: 16).
J Raimundo Santos, em Uma cincia poltica em Caio Prado Jr., destaca
os textos memorialsticos do historiador paulista (como a de seus dirios polticos)
como peas fundamentais para a compreenso do seu pensamento, e argumenta
que esta vm realar algumas conjecturas que insistem em que, alm do seu
lugar na historiografia, a obra de Caio Prado Jr. faz parte da cultura pecebista, ou
seja, ao lado da relevncia que damos as contribuies deste autor a historiografia
brasileira deve-se compreender o autor como um ativista do partido e da causa
poltica (Santos, 2001: 129). Assinala, no entanto, que ao longo de toda sua obra,
Caio Prado como um autor comunista brasileiro, desenvolveu uma teorizao
que ia muito alm das formulaes oficiais do PCB (Ibidem). Para contrastar
estas formulaes oficiais do PCB com as de Caio Prado, Santos sugere que a
bibliografia estudada pelos integrantes do partido em geral dependia de alteraes
e adaptaes pragmticas que poderiam ajustar a cartilha desta literatura a
conjunturas especficas, muito distintas das de sua origem, exigindo
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necessariamente ajustes para a prxis prescindindo, portanto de
uma re-
elaborao terica.
Raimundo Santos destaca que mesmo em seu perodo Caio Prado Jnior
era notado com estranheza por outros autores, comunistas e no comunistas,
provocando entre seu meio certo mal estar. Entre os mais antigos destes autores
destaca o prprio Luis Carlos Prestes que em 1954 escreveu uma crtica a Caio
Prado para advertir a Revista Brasiliense pelo seu envolvimento naquilo que ele
chamava de nacional reformismo (Idem, 2001: 132). Raimundo Santos destaca
ainda que em torno do autor se deu uma demorada polmica em torno das teses
comunistas da origem ou tipo de sociedade que existia durante a colonizao no
Brasil, particularmente a tese da existncia de um feudalismo como modo de
produo da colnia que Caio Prado refuta por ach-la absurda e ineficiente para
explicar as origens da realidade do latifndio brasileiro e das desigualdades no
campo. Para o entendimento da posio de Caio Prado Jnior nesta polmica,
Raimundo Santos destaca ainda um artigo publicado na imprensa comunista da
poca intitulado Os fundamentos econmicos da revoluo brasileira no qual
Caio Prado trata o tema da origem da economia agrria do seguinte modo: a
fazenda brasileira como sendo estruturada para o sistema de produo de grande
empresa mercantil, mais se pareceria com a fazenda de escravos romana do
que com qualquer formao social representativa do feudalismo (Ibidem)
Para situar a discusso, Raimundo Santos destaca ainda algumas opinies
de intelectuais sobre Caio Prado Jnior, como a de Hlio Jaguaribe, ento
militante-fundador do Ibesp, que o considerava o nico terico marxista do
Partido Comunista Brasileiro; ou Jacob Gorender, um dos tericos com maior
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trnsito ao interior do PCB em seu tempo, para quem a rebeldia de Caio Prado em
relao ao consenso da teoria do partido dever-se-ia a um problema idealista da
sua formao (Ibidem). Raimundo Santos destaca que Jacob Gorender
comentando A revoluo Brasileira de Caio Prado ainda em 1989 apontava a
filiao ao positivismo lgico como um segundo deslize do historiador paulista.
Critica precisamente as idias de Caio Prado Jnior sobre a desnecessidade de
se classificar a revoluo que se faria no Brasil. Para Caio Prado Jnior a
necessidade de sua tarefa consistiria em fazer uma teoria para a conjuntura, pois,
segundo ele, somente dela que poderamos avanar numa progresso, que nos
levar ao socialismo (Ibidem).
Raimundo Santos levanta a hiptese de que no livro A Evoluo Poltica do
Brasil, j em 1933, alm do objetivo de romper com a historiografia oficial, Caio
Prado Jnior j teria a pretenso de desenvolver, com sua anlise histrica, uma
teoria (uma cincia) poltica (Idem, 2001: 133). Afirma que seguramente no
primeiro volume de Formao do Brasil Contemporneoo autor j buscava (para
definir uma poltica para o seu partido?) a especificidade da formaosocial,
pondo diante do destino brasileiro, como Marx ao divisar na Europa a rota dos
pases atrasados, a colnia de povoamento americana, justamente para formar
da diferena a idia do sentido da colnia de produo brasileira (Ibidem).
Em outro trabalho, Caio Prado Jnior na Cultura Poltica Brasileira,
Raimundo Santos procura examinar particularmente a tradio intelectual
representante da cultura pecebista visando situar Caio Prado dentro da cultura
poltica do pecebismo contemporneo (Idem, 2000, p. 15). Afirma precisamente
que as dissertaes de Caio Prado Jnior sobre Formao do Brasil
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Contemporneo desde cedo o pem em conflito com o seu partido, justamente
em torno da questo que ele chamava de falta de fundamentos da poltica
comunista no Brasil (Idem, 2000: 17). Raimundo Santos considera que apesar de
ser impensvel fora de seu partido o historiador vive a histria de um intelectual
outsider (Ibidem). Partindo deste ponto levanta sua hiptese, que tambm
procura resolver no livro que analisamos anteriormente, de que a historiografia de
Caio Prado Jnior se constri para balizar a poltica comunista no Brasil a partir de
alguns termos pares que afloram e sempre voltam em seus textos, colorindo a
obra com problematizaes estratgicas no seu pensamento mercantilismo e
miserabilidade, campesinismo e generalidade (mercado interno nacional), vida
poltica (tradicionalmente base de agitaes e estril) e estruturao partidria
(Idem, 2000: 39). Assim, Caio Prado sempre est buscando por mo de seu
partido elementos de teoria poltica para um socialismo definido de acordo com
um programa de grandes reestruturaes que as dissertaes sobre a
contemporaneidade brasileira lhe indicavam (Ibidem).
Nesse sentido, Raimundo Santos procura demonstrar que a reconstituio
de uma unidade entre a obra bsica de Caio Prado Jnior e a publicstica do
autor, entre circunstncia de pensamento social e condio militante, no s
mostraria como os textos polticos de Caio Prado Jnior no so meros opsculos
para consumo em pequenas querelas ad hoc,mas como que estariam trazendo
teses para a reformulao da prpria idia de poltica socialista no Brasil, no autor
sempre pensada a partir da compreenso do conjunto da formao social em sua
especificidade (Idem, 2001, p. 292). Acredita que possvel que o movimento de
interpelao do pensamento social brasileiro dos ltimos tempos, ora em pleno
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curso, traga, entre suas surpresas, Caio Prado Jnior como um autor igualmente
portador de aberturas analticas, como vem acontecendo em relao a Gilberto
Freire em algumas dimenses interdisciplinares, e ainda nos casos de Furtado,
Bonfim, Igncio Rangel e outros (Idem, 2001: 293). Afirma que s muito
recentemente chegam as primeiras manifestaes sobre a atualidade de Caio
Prado Jr., a comear pelo tema posto na ordem do dia pelas questes novamente
trazidas pelo drama do mundo rural (Ibidem).
este justamente o tema central de outro trabalho recente dedicado a Caio
Prado Jnior: Sentimento do Brasil Caio Prado Jnior continuidades e
mudanas no desenvolvimento da sociedade brasileira de Rubem Murilo Leo
Rego. O autor procura mostrar que existe uma dupla via em que se desenvolve a
anlise caiopradiana, de um lado buscando reconstruir o modo de
desenvolvimento do capitalismo no pas que no se explica dentro dos limites
estritos da nao e de outro procurando compreender porque esse processo
excludente e no democrtico essas duas questes definem o carter da ruptura
e o carter fundador de sua macrointerpretao (Rego, 2000: 16). De modo
diferente a de outros autores, Leo Rego pretende chegar ao pensamento do
historiador buscando a compreenso da lgica interna de suas idias, bem como
tornando aparente as linhas de fora de sua anlise, que, segundo ele assume
uma perspectiva original, ou tipo especifico de sentimento dos problemas
brasileiros, os quais identifica no tipo de definio dos sujeitos dos processos
sociais (Ibidem).
Rubem Murilo Leo Rego indica como eixo articulador da imagem de Brasil
proposta por Caio Prado Jnior a idia de constante modernizao
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conservadora, conceito desenvolvido por Lnin e Gramsci, mostrando como as
inovaes as quais est exposta a estrutura brasileira se combina com a
conservao e a reproduo, em sua opinio, ampliada do antigo sistema colonial.
Para o autor a questo agrria ocupa lugar central na imagem caiopradiana do
Brasil, j que nela a permanncia do latifndio est na gnese do fato de que o
Brasil moderno reproduziu, consolidou e at expandiu os processos de excluso e
de marginalizao social que caracterizam toda a nossa histria. Sugerindo a
atualidade de Caio Prado, sugere Leo Rego:
Entre suas preocupaes nucleares est a que procura constatarse as transformaes ocorridas na estrutura da produoagropecuria resultaram ou no numa ampla incorporaopopulacional a uma estrutura de mercado, de consumo e detrabalho, de molde a produzir efeitos positivos sobre a melhoria desuas condies de vida. Assim, ganha sentido sua preocupaosobre em que medida os processos de modernizao capitalistadas relaes sociais e da estrutura produtiva sujeitam, eliminam oucoexistem com os tradicionais traos arcaicos geradores da nossamisria. Ou mesmo se esse mesmo processo de modernizaono tem sido tambm um importante fator de expanso da misriae da pobreza da populao por ele excluda, especialmente nomundo agrrio. Por isso, suas reflexes tm a fora da dennciados efeitos perversos do processo de transformao-persistnciada grande propriedade funidria (Idem, 2000: 27).
* * *
Como se pode depreender da exposio realizada, tanto no primeiro quanto
no segundo grupo de trabalhos destacados, a crtica tem enfatizado a
originalidade de Caio Prado Jnior seja quanto ao mtodo, particularmente mas
no exclusivamente em funo da introduo do marxismo nas chamadas
interpretaes do Brasil, seja quanto ao carter normativo de transformao
social envolvido na sua obra. Como visto tambm, embora diferentes intrpretes
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se refiram e/ou destaquem em medidas diferentes a importncia da idia de
formaona obra do historiador paulista, ela no tm se constitudo exatamente
em objeto especfico das anlises recentes, como estamos nos propondo a fazer.
Antes de apresentar e discutir a idia de formaoem Formao do Brasil
contemporneode Caio Prado Jnior, objeto central do trabalho, fao, no prximo
captulo, uma rpida, mas necessria, apresentao dos traos fundamentais da
trajetria intelectual e poltica do autor, bem como da estrutura narrativa da obra
selecionada para anlise.
CAPTULO 2
CAIO PRADO JNIOR E FORMAO DO BRASIL CONTEMPORNEO
Recuperamos neste captulo aspectos centrais da trajetria de Caio Prado
Jnior sugerindo como nela as dimenses intelectual e poltica esto
profundamente articuladas conferindo-lhe sentido prprio. Na segunda parte do
captulo, apresentamos brevemente as linhas fundamentais do contexto
intelectual, da concepo historiogrfica e do plano narrativo de Formao do
Brasil contemporneo.
1. Aspectos de uma trajetria
Caio Prado Jnior nasceu na cidade de So Paulo em 11 de fevereiro de
1907. Faleceu na mesma cidade em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos.
Pertencia a uma das famlias mais abastadas e influentes do Brasil, cuja histria
confunde-se com a do baronato cafeicultor paulista e do prprio estado de So
Paulo (Levi, 1977; Berriel, 2000: 19-21; Karepovs, 2003; DAvila, 2004). Dentre
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seus ancestrais, destacam-se no apenas comerciantes, fazendeiros, empresrios
e polticos, como ainda dois importantes historiadores: Eduardo Prado e Paulo
Prado.
Ilustrando o quadro do aparecimento da famlia Silva Prado, temos que
recuar aos idos da colnia. Seu primeiro membro a viver no Brasil foi Antnio da
Silva Prado. Esse, vindo de Prado, sua cidade natal, chega em So Paulo no
decorrer da primeira dcada do sculo XVIII. Sabe-se, no entanto, que sua origem
remonta nobreza portuguesa do sculo XIII. Ao chegar ao Brasil, mais que
fortuna, Antnio da Silva Prado articula desde cedo uma rede de influncia
importante. Casa-se com Filippa do Prado, em cuja famlia encontravam-se
notrios bandeirantes. Com a morte de sua primeira esposa casa-se com
Francisca de Siqueira Moraes e se coloca como membro da elite paulistana sendo
inclusive um financiador de uma expedio de ouro em Gois em 1730. Os
resultados desta empreitada no so conhecidos, sabe-se que sua fortuna quando
a poca de seu falecimento foi modesta contando entre os bens mais valiosos
deixados por ele uma rede de amigos e associados sem a qual certamente seria
difcil o sucesso de seus herdeiros (Karepovs, 2003).
Martinho Prado (1722-1770), um de seus filhos, foi um dos membros que
mais se destacou na primeira gerao. Seu sucessor Antnio Prado, casado com
Ana Vicncia Rodrigues de Almeida, herda, por meio da esposa, um patrimnio
respeitvel, que na incipiente cidade de So Paulo, correspondia a casas, terrenos
e comrcio na regio central, ruas So Bento e do Carmo. Remonta j desta
poca a participao poltica da famlia, Antnio elege-se para a Cmara Municipal
de So Paulo. Suas atividades nos ramos do emprstimo e do comrcio lhe
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rendem fortuna. Ao morrer sua esposa casa-se com seu irmo, provavelmente
com fins pragmticos de manter a fortuna em famlia (Ibidem).
O terceiro Antonio Prado (1788-1875) recebe atravs de D. Pedro II o ttulo
de Baro de Iguape em 1848. Destacaram-se entre suas atividades o comrcio de
acar e ainda seus servios prestados Coroa como coletor de impostos. Sua
filha D. Veridiana da Silva Prado (1826-1910), bisav de Caio Prado Jnior,
inaugura, provavelmente, na famlia a verve revolucionria (DAvila, 2004).
Mulher emancipada separa-se do marido Martinho Prado e exerce grande
influncia tanto na famlia quanto na sociedade paulista do final do sculo XIX.
Compra em 1878 um terreno na ento Rua Santa Ceclia (hoje rua Dona
Veridiana) e constri um palacete onde mantm o salo literrio mais importante
da cidade de So Paulo, recebendo personalidades, promovendo encontros e
debates entre as mais diversas tendncias e credos polticos (Karepovs, 2003: 9).
Filho de Veridiana Prado, Antnio Prado (tio-av de Caio Prado Junior),
escolhido prefeito da cidade em 1899, cargo que ocupou at 1910. Obteve
sucesso na administrao da cidade sendo seu trabalho marcado pelo
embelezamento da cidade bem como de obras de elevada importncia cultural
como o caso do Teatro Municipal de So Paulo e da Praa da Repblica.
(Karepovs, 2003: 8).
Martinico da Silva Prado Junior (1843-1906), av de Caio Prado Junior,
segundo filho de Veridiana, foi o primeiro deputado republicano Assemblia
Constituinte de So Paulo e um dos abolicionistas e promotores da imigrao
europia subvencionada mais destacados. Seu currculo ilustra seu empenho em
reformar os convencionalismos e os padres tradicionais da poltica do Imprio.
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J, quando cursava a Faculdade de Direito, ele afrontava a elite paulista com
pensamentos libertrios e democrticos europeus defendendo a aplicabilidade dos
mesmos no Brasil. Como deputado pelo Partido Republicano em 1878, sempre
recorria ao exemplo da Frana e Estados Unidos, pases pioneiros na
modernizao do Estado, para salientar a necessidade de reformas polticas no
pas (Karepovs, 2003: 9).
Sabe-se que seu esprito inovador repercutiu fortemente na formao de
seus filhos, cuja educao diferiu em muito da recebida em famlias tpicas da elite
brasileira. Incentivou a educao no rgida dos filhos como parte de seu
republicanismo e de seu repdio aos costumes no tradicionais. Numerosa, tendo
como membro o pai de Caio Prado Jr., sua famlia era reconhecida como um cl
de rebeldes, fato que Ina von Binzer, governanta alem que cuidou dos seus
filhos, narra em seu livro de memrias Alegrias e tristezas de uma governanta
alem no Brasil, salientando que os pequenos Prados tinham a fama de crianas
mais mal criadas de toda So Paulo (von Binzer, 1956). 4
A despeito de sua condio de elite, alguns membros da famlia Silva
Prado, como Martinico Prado, tenderam para idias de cunho liberal, adotando
carter progressista e, como o caso de Caio Prado Junior, levando s ltimas
conseqncias a vida segundo ideais revolucionrios, sofrendo por isso prises e
censura durante a sua vida.
4Para ilustrar o comportamento dos filhos de Martinico Prado, e ainda situar sua posio na vida social
paulista curioso conhecer um caso contado em famlia. Em 1887, sua me Veridiana promoveu umarecepo para D.Pedro II. Durante o encontro, Martinico Prado Neto, de seis anos de idade e filho deMartinico, atingiu o imperador na face com uma bola de ptalas de rosa. Segundo uma verso da historia, D.Pedro parou colocou sua mo sobre a cabea do menino e perguntou: este quem ? Filho de Martinico,respondeu Veridiana. Sorrindo, o imperador teria dito: to pequeno e j com instintos revolucionrios como opai. Na verso de Caio Prado Jnior, neto de Martinico, esta histria tinha uma diferena. D. Pedro II noteria sorrido ao saber da identidade de seu pequeno agressor, e, sim, teria manifestado certa raiva (Karepovs,2003: 10).
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Caio Prado Junior, como era comum entre as elites da poca, teve
formao escolar privilegiada contando, em seu incio, com a orientao, em casa,
de professores particulares.5 Em 1918, ingressou no Colgio So Luis, dos
jesutas, que neste mesmo ano se mudara da cidade de Itu para a Capital,
instalando-se na Avenida Paulista. Nele permaneceu at a concluso de sua
formao secundria, tendo esta apenas um ano de interrupo, em razo de
doena de um de seus irmos. Por esta poca, freqentou por um ano o colgio
Chelmsford Hall, em Eastbourn, Inglaterra. Entre 1924 e 1928, estudou na
Faculdade de Direito do Largo de So Francisco, tornando-se Bacharel em
Cincias Jurdicas e Sociais aos 21 anos. Exerceu a advocacia por alguns anos
(Karepovs, 2003: 10-11). Teve, durante a Faculdade de Direito, rico contato com o
universo da crtica e do ensasmo poltico.6
Em 1928 ingressou no Partido Democrtico (PD), influenciado pelo pai, e
por no tolerar o Partido Republicano Paulista (PRP), uma vez que se indignara
com fraude promovida por esse nas eleies municipais daquele ano. (Karepovs,
2003: 11). Fundado em 1926, o PD reunia parte da elite paulistana descontente
com a hegemonia do Partido Republicano Paulista, um dos principais
sustentculos do pacto liberal-oligrquico conhecido como poltica do caf-com-
5Sobre a formao escolar da elite brasileira do perodo, ver Needell, 1993. Para uma viso integrada do
tema, ver Nagle, 1977.6Embora como aponta Francisco Iglsias o curso de direito, na Faculdade de So Paulo pouco tenha validoa Caio Prado Jnior, pois no se dedicou advocacia (Iglsias, 2000: 200), talvez no se devesse minimizara experincia de sociabilidade intelectual e poltica da instituio para a compreenso da formao dohistoriador paulista. A Faculdade de Direito constitua, poca, no apenas o reforo institucional dasocializao da elite brasileira, como tambm uma instncia mediadora na importao e difuso da produointelectual europia no pas, centralizando tanto a produo intelectual nacional, quanto parte significativados meios materiais de sua divulgao atravs de revistas e jornais jurdicos e literrios (Botelho, 2002: 57).De modo que, ao longo da Primeira Repblica, como observou Srgio Miceli, os estudantes dos cursos
jurdicos tinham no apenas a pretenso mas tambm a possibilidade objetiva de ingressar nas carreirasligadas ao trabalho poltico e intelectual ou, ento, de ser convocados para os escales superiores do serviopblico, no mbito seja das administraes estaduais, seja do governo central (Miceli, 2001: 118).
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leite que predominou no Brasil nas primeiras dcadas do sculo XX.7
interessante notar ainda que seu tio-av, Antnio Prado, destacara-se entre os
fundadores desse novo partido.
Durante a campanha para as eleies presidenciais de 1930 o Partido
Democrtico apoiou Getlio Vargas, candidato da Aliana Liberal, contra o
candidato oficial do regime representante do PRP, Jlio Prestes. Embora no
ocupasse posio de destaque, Caio Prado Jnior participava intensamente como
militante, organizando o Partido Democrtico nos bairros e no interior do Estado, e
ainda prestando servios de rotina como a organizao de comcios, e, logo
depois participando de episdios que antecederam a chamada Revoluo de 1930
(Ibidem). Por esta ocasio teve sua primeira priso quando, em campanha
eleitoral, em 31 de dezembro de 1929, estando em uma recepo oferecida a Julio
prestes por membros da elite paulista, deu um viva Getlio Vargas (Ibidem).
Tendo sido derrotada nas urnas, a Aliana Liberal iniciou os preparativos
para um golpe de estado que desembocaram no movimento armado de 3 de
outubro de 1930. Caio Prado Junior participa neste momento de operaes de
sabotagem nas instalaes de comunicaes da estrada para o Rio de Janeiro
(Ibidem). Aps a vitria das foras aliancistas, Caio Prado Jnior foi designado
para a Delegacia Revolucionria de Ribeiro Preto, onde trabalhou cerca de trs
meses. Uma de suas atribuies foi realizar um levantamento sobre os abusos do
governo deposto, e em especial, apurar casos de corrupo. Dando-se conta da
inutilidade de seus esforos, pois seus inquritos eram imediatamente arquivados,
7Sobre o Partido Democrtico ver Carone, 1975; Love, 1975 e Schwartzman, 1977.
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logo se afastou do cargo e decepcionado com a inconsistncia poltica e
ideolgica da chamada Repblica Nova.
Aproxima-se, ento, do marxismo, filiando-se ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB) em 1931. No perodo, dedica-se entre outras atividades
traduo do Tratado de Materialismo Histrico, de autoria de Nicolai Bukharin,
editado em quatro volumes pelas Edies Caramuru em 1933 e 1934 (Ibidem). Ao
entrar no PCB, encontra um momento particularmente difcil para os intelectuais,
j que para se adequar s novas orientaes polticas preconizadas no VI
Congresso da Internacional Comunista, o partido acusava a social-democracia
como tributria do fascismo, perseguindo em suas fileiras os que se
identificavam com a linha poltica anterior, avaliada como pequeno-burguesa
(Karepovs, 2003: 12).8
Neste momento, em virtude de suas atividades profissionais, ou ainda
origem social, vrios intelectuais, como o caso de Astrojildo Pereira e Otavio
Brando, foram destitudos ou afastados da direo partidria ou convidados a
realizar autocrticas quanto a sua militncia poltica. Ainda, seguindo esta mesma
orientao chamada obreirista, diversos cargos da direo do partido foram
ocupados por operrios e militantes que pareciam se identificar com a nova
orientao (Idem, 2003: 12). No caso de Caio Prado Jnior sua condio de
intelectual, sua origem social e ainda sua conhecida independncia frente aos
cnones ideolgicos, marcaram quase que de modo permanente sua longa
relao, nem sempre pacfica, com o PCB, como ele mesmo assinalou anos mais
8Sobre Caio Prado Jnior e o PCB, ver Brando, 1997 e Ricupero, 2000.
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tarde: Nunca pertenci direo do Partido, nem tive nele grande prestigio ou
influncia. Sempre fui um elemento secundrio e mal considerado, no em termos
pessoais, mas por causa da minha maneira de interpretar o Brasil. Sempre fui
muito marginalizado no Partido, pela oposio a seus esquemas polticos e
econmicos, que eu considerava falhos, no que diziam respeito ao Brasil (Apud
Karepovs, 2003: 8).
, portanto, em meio s atividades polticas que Caio Prado inicia sua
atividade propriamente intelectual, com a publicao, em 1933, de A evoluo
poltica do Brasil. Nessa obra, publicada por sua conta, procurou traar a sntese
da nossa evoluo poltica, inaugurando, no pas, o uso de nova chave de
interpretao da sociedade brasileira: o materialismo dialtico. Entre seus
objetivos, estava o de mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que tambm
na nossa histria os heris e os grande feitos no so heris e grandes seno na
medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo
benefcio se faz a histria oficial (ApudKarepovs, 2003: 12). Fato relevante que
este livro aparecia com o subttulo de Ensaio de interpretao materialista da
histria brasileira, o que remetia originalidade de seu pensamento pretendendo
diferenci-lo das interpretaes da sociedade brasileira anteriores e mesmo ento
correntes. Caio Prado, no entanto, em 1946, abandona este subttulo e o publica,
ao lado de outros ensaios anexados, como Evoluo Poltica do Brasil e outros
estudos.
Em Evoluo Poltica do Brasilj antecipa uma de suas teses fundamentais
daquilo que viria a ser tanto a sua obra como todo quanto seu debate junto ao
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Partido Comunista Brasileiro: a impossibilidade de entender o perodo colonial
brasileiro como feudal.9Como sugeriu Francisco Iglsias sobre o livro:
percebe-se no autor pleno domnio da trajetria nativa, em viso
original. Sinttico, apreende o essencial do processo da Colnia, datransio e do Imprio. H a achados brilhantes e definitivos. No sefala em feudalismo, como era comum fala um pouco, de modoatenuado e de todo revisto em texto posteriores -, pela aplicao decategorias do mundo europeu. Esta ser uma das idias bsicas, muitorepetida em outros escritos e uma das origens de suas discordnciascom os rotulados marxistas locais (Iglsias, 2000: 202)Outro tema que o acompanha durante sua vida intelectual e poltica e que
analisa j neste seu livro de estria o do latifndio, situando-o aos idos da
colnia e ao modo de produo prprio da mesma. Ainda inovadora sua detida
narrativa sobre as revoltas do perodo da Regncia. Para Francisco Iglesias
autores anteriores a Caio Prado Jnior no apontavam o interesse que o perodo
dispe justamente