dacol, letícia villela. a idéia de formação em caio prado jr. (disseração mestrado)

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  • 7/25/2019 DACOL, Letcia Villela. a Idia de Formao Em Caio Prado Jr. (Disserao Mestrado)

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    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    A idia de Formao em Caio PradoJnior

    Letcia Villela Dacol

    2004

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    A IDIA DEFORMAOEM CAIO PRADO JNIOR

    Letcia Villela Dacol

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-graduao em Sociologia e

    Antropologia PPGSA, Instituto de

    Filosofia e Cincias Sociais da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

    requisitos necessrios obteno do ttulo de

    Mestre em Sociologia (com concentraoem Antropologia).

    Orientador: Glucia Villas Boas

    Co-orientador: Andr Pereira Botelho

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2004

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    A IDIA DEFORMAOEM CAIO PRADO JNIOR

    Letcia Villela Dacol

    Orientador: Glucia Villas Boas

    Co-orientador: Andr Pereira Botelho

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao em

    Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais daUniversidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos

    necessrios obteno do ttulo de Mestre em Sociologia (com concentrao

    em Antropologia).

    Aprovada por:

    _______________________________

    Presidente, Profa. Dra. Glucia Villas Bas

    ____________________________

    Prof. Dr. Andr Pereira Botelho

    ____________________________

    Prof. Dr. Robert Wegner

    Rio de Janeiro

    Fevereiro de 2004

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    Dacol, Letcia Villela.

    A idia de formao em Caio prado Jnior / Letcia Villela Dacol. Rio de

    Janeiro: UFRJ, IFCS, 2004.

    vi, 105 f.; 29,7cm.Glucia Villas Boas. Dissertao, UFRJ, IFCS, PPGSA, 2004. 4 p. Referncias

    bibliogrficas.

    I. Villas Bas, Glucia. II. Universidade Federa do Rio de Janeiro 1. Instituto deFilosofia e Cincias Sociais 2. Programa de Ps-graduao em Sociologia e Antropologia.

    III. A idia de Formaoem Caio Prado Jnior.

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    A idia de Formaoem Caio Prado Jnior

    Letcia Villela Dacol

    Orientador: Glucia Villas Boas

    Co-orientador: Andr Pereira Botelho

    Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao

    em Sociologia e Antropologia, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em

    Sociologia (com concentrao em Antropologia).

    Partindo de pesquisa bibliogrfica sobre os trabalhos recentes dedicados

    obra de Caio Prado Jnior (1907-1990), analisa-se nesta dissertao a idia de

    formaoem Formao do Brasil contemporneo (1942). A hiptese que esta

    categoria central para a compreenso da obra do historiador paulista. Assim,

    procura-se mostrar que a partir da idia de formao, o autor logrou realizar uma

    interpretao do Brasil tanto no plano da estrutura da sociedade, quanto no planoda sociabilidade e das relaes sociais cotidianas da Colnia e do perodo de

    transio desta para a nao. Em ambos os casos, o sentido da idia de

    formaopermite a Caio Prado Jnior problematizar e fomentar o debate sobre os

    impasses e possibilidades da constituio da sociedade nacional no Brasil;

    particularmente no que tange sua organicidade e/ou inorganicidade e ainda

    sua especfica situao de ter sua fora motriz se constitudo externamente - uma

    vez que a Colnia obteve sentido e unicidadea partir de determinada relao com

    a Metrpole.

    Palavras-chave: pensamento social brasileiro; histria; Caio Prado Jnior;

    Formao; marxismo.

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    A idia de Formaoem Caio Prado Jnior

    Letcia Villela Dacol

    Orientador: Glucia Villas Boas

    Co-orientador: Andr Pereira Botelho

    Abstractda Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-graduao

    em Sociologia e Antropologia, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em

    Sociologia (com concentrao em Antropologia).

    Working on bibliografic research about recently works dedicate to Caio Prado Jniors

    production (1907-1990), we analize in this dissertation the idea of formation in

    Formao do Brasil Contemporneo (1942). The hypothese is that this categoria is

    fundamental to compreend the work of this historian. Therefore, we pursuit to show that

    withformationcategoria the autor had pretend to realize an interpretation of Brazil in so far

    in the plain of the society strucure sociability and quotidian social relations during the

    period of transition from Colony to the Republic nation. Both on either cases, the sens of

    formation idea allows Caio Prado Jnior to problematize and foment the discussion about

    impasses and possibilities of the constitution of the brazilian society as a nation;

    particularly in the case of its organicity or inorganicity had been especifically

    constituted externally once the Colony had its sens and unicity been constituted on its

    relations with the Metropolis.

    Key-words: brazilian social thought; history; Caio Prado Jnior; Formation;

    marxism.

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    Agradeo minha me pelo exemplo de fibra e coragem para buscar novos

    caminhos. Ao meu pai pelas crticas quanto viabilidade destes caminhos.

    Ao meu marido Joo pelo companheirismo, pela pacincia, e pela

    inspirao na escolha deste tema; principalmente por ter sempre estado,

    ainda que de forma indireta, ao meu lado, sendo, mesmo na contramo,

    meu primeiro interlocutor. Ao meu amigo Roberto pelas cobranasepistemolgicas nas mesas de bar. Ao meu irmo Flvio pelos pitos nas

    minhas horas de fraqueza, incentivando-me a continuar. Aos meus alunos

    de msica, aos meus amigos Vincius, Nelsinho, Charles Villela, Marcelo

    Lion, minha amiga Ana Lima, ao professor Andr Botelho e professora

    Glucia Villas Bas. CNPQ pela bolsa de mestrado a mim concedida .

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    memria da professora Ana Maria Galano

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    INTRODUO

    Em Seqncias Brasileiras ensaios (1999), discutindo o livro Formao da

    Literatura Brasileirade Antonio Candido, Roberto Schwarz sugere que os livros

    que se tornam clssicos de imediato, como foi o caso da Formao da literatura

    brasileira, publicada em 1959, s vezes pagam por isso, ficando sem o debate que

    lhes devia corresponder. Passados quarenta anos, a idia central de Antnio

    Cndido mal comeou a ser discutida (Schwarz, 1999: 46).

    Concordando com essa sugesto de Roberto Schwarz, que tambm afirma

    que, no caso de Antonio Candido, a originalidade maior do trabalho est na

    concepo geral, na idia de formao (Idem, 1999, 12), tomamos o potencial

    educativo dos seus argumentos para avaliarmos o caso especfico de Caio Prado

    Jnior (1907-1990) e da leitura de seu clssico Formao do Brasil

    Contemporneo, de 1942. Assim, podemos dizer que, se por um lado o livro do

    historiador paulista no teve a aceitao imediata que parece ter tido A Formao

    da Literatura Brasileira, o caso se aplica tambm a Caio Prado Jnior no que se

    refere a seu livro ter se tornado um clssico, sem ter obtido, ao mesmo tempo, o

    debate que merecia.

    Est em curso, neste momento, justamente o surgimento de trabalhos,

    sobretudo monogrficos, que, procurando repensar os clssicos do pensamento

    social brasileiro - como o caso do debate em torno de autores como Gilberto

    Freyre e Srgio Buarque de Holanda, por exemplo -, tornam propcio o resgate

    tambm da obra de Caio Prado Jnior. Assim, no que diz respeito a este ltimo

    autor, a despeito da relativa demora da ocorrncia do debate em torno da sua

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    obra, mesmo no mbito daquele processo de reavaliao dos autores clssicos

    do pensamento social brasileiro, podemos destacar como positiva a possibilidade,

    trazida tambm pelo tempo e adensamento do conhecimento acumulado nas

    cincias sociais brasileiras, de uma leitura mais isenta - maior ou menor em cada

    caso do envolvimento emotivo que tais obras eram capazes de suscitar em

    outros tempos. Podendo, assim, contribuir para um debate maduro capaz de

    repensar aquelas obras a partir da perspectiva dos problemas atuais do

    pensamento social e da sociedade brasileira.

    O presente trabalho pretende se inserir dentro desta corrente de

    reavaliaes do pensamento social brasileiro. Pretende operar uma

    desnaturalizao da leitura de Formao do Brasil Contemporneoe elege como

    fio condutor para tanto destacar a idia de formao,entendendo esta categoria

    como uma chave analtica central para o desenvolvimento da narrativa

    historiogrfica de Caio Prado Jnior.

    A hiptese que quero explorar a de que a idia de formao, como

    articulada no contexto da escrita de Formao do Brasil Contemporneo, tanto

    permitiu uma interpretao dentro de um contexto mais amplo, macrosociolgico,

    por assim dizer, da estrutura da Colnia e do sentido da colonizao, como

    possibilitou, por via inversa, ao autor se debruar sobre as relaes sociais

    especficas que constituram, neste percurso, as bases no s institucionais e

    portanto, oficiais da nao que tomaria corpo (a partir do incio do sculo

    dezenove) como moldou formas de sociabilidade e conformou prticas e condutas

    que a nvel da vida cotidiana resultou na formao de uma identidade ou

    cultura que resultar em uma sociedade determinada, a sociedade brasileira,

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    objeto central do autor entendida nos termos da unidade nos termos de uma

    nao pensada e elucidada a vista de suas contradies e sentido.

    Deve-se dizer, portanto, que um tal trabalho tem por motivao a idia de

    que, mais que um interesse puramente histrico ou ainda de destacar a possvel

    genialidade de um autor, um estudo analtico de Formao do Brasil

    Contemporneo para ns pertinente pela capacidade de Caio Prado Jnior,

    nesta obra, articular com segurana determinada metodologia, e, portanto, por sua

    capacidade de trazer para a historiografia brasileira elementos desenvolvidos

    pelas cincias humanas, principalmente pelas cincias sociais, a geografia, a

    filosofia e ainda, poderamos dizer, pela antropologia contempornea - haja visto a

    importncia dada pelo autor ao trabalho de campo e etnografia dos viajantes

    franceses em expedio no Brasil no sculo XIX.

    A idia de formao, como sugere Roberto Schwarz, central na

    experincia intelectual brasileira. A esse respeito, alis, o autor filia o livro de

    Antonio Candido ao de Caio Prado Jnior, valendo lembrar que tambm a idia de

    momentos decisivos que figura no subttulo de A Formao da Literatura

    Brasileira devedora da obra do historiador paulista. Como sugere Schwarz:

    Quando o livro saiu, alinhou-se, entre vrias obras de perspectiva paralela e

    comparvel, que buscaram acompanhar a formao do pas em outros nveis. No

    campo progressista, os congneres mais importantes e conhecidos eram os livros

    de Caio Prado Jr., Srgio Buarque de Holanda e Celso furtado (Idem, 1999: 54).1

    1Como sugere Roberto Schwarz, a comparao entre estas obras ainda est engatinhando, espera de

    trabalhos de sntese. Muito sumariamente quero sugerir alguns contrastes. Para Caio Prado Jr., a formaobrasileira se completaria no momento em que fosse superada a nossa herana de inorganicidade social ooposto da interligao com objetivos internos trazida da Colnia. Este momento alto estaria, ou esteve, nofuturo. Se passarmos a Srgio Buarque de Holanda, encontraremos algo anlogo. O pas ser moderno e

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    A idia de formaofoi discutida em registo semelhante tambm por Paulo

    Arantes. Entendendo por formaoa busca de linhas evolutivas mais ou menos

    contnuas para a vida social como tema central no pensamento social brasileiro,

    Arantes observa que mais do que uma experincia intelectual bsica, ela

    constitui verdadeira obsesso nacional no Brasil (Arantes, 1997: 11). Como se

    trata, para o autor, importante enfatizar, de uma noo a um tempo descritiva e

    normativa, compreende-se, alm do mais que o horizonte descortinado pela idia

    de formao corresse na direo do ideal europeu de civilizao relativamente

    integrada ponto de fuga de todo esprito brasileiro bem formado (Idem, 1997:

    11-2).

    Como alis, sugere Arantes (Ibidem), bem indica sua recorrncia, em

    medidas e sentidos distintos, em obras capitais do pensamento social brasileiro,

    muitas vezes figurando nos prprios ttulos, entre as quais poderamos destacar:

    Evoluo do Povo Brasileiro (1923), Casa-grande & Senzala (1933), Evoluo

    poltica do Brasil (1933), Razes do Brasil (1936), Formao do Brasil

    contemporneo (1942), Os donos do poder. Formao do patronato poltico

    brasileiro (1958), Formao da Literatura Brasileira (1959), Formao econmica

    do Brasil(1959) e, mais recentemente, Trato dos Viventes - Formao do Brasil no

    Atlntico Sul, de Lus Felipe de Alencastro entre outras.

    estar formado quando superar a sua herana portuguesa, rural e autoritria, quando ento teramos um pas

    democrtico. Tambm aqui o ponto de chegada est mais adiante, na dependncia das decises do presente.Celso Furtado, por seu turno, dir que a nao no se completa enquanto as alavancas do comando,principalmente as do comando econmico, no passarem para dentro do pas. Ou seja, enquanto as decisesbsicas que nos dizem respeito forem tomadas no estrangeiro, a nao continua incompleta [...] Com adistncia no tempo, pode-se tambm dizer quer essa viso do acontecido, apresentada por Antonio Candido,resultou mais sbria e realista que a dos outros autores de que falamos. como se nos dissesse que de fatoocorreu um processo formativo no Brasil e que houve esferas no caso, a literria que se completaram demodo muitas vezes at admirvel, sem que por isso o conjunto esteja em visas de se integrar. O esforo deformao menos salvador do que parecia, talvez porque a nao seja algo menos coeso do que a palavrafaz imaginar (Schwarz, 1999: 54-5).

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    Embora sejam muitas as referncias idia de formao de Caio Prado

    Jnior na literatura pertinente, elas em geral mantm um certo carter genrico,

    mesmo naqueles trabalhos dedicados exclusivamente anlise da obra do

    historiador paulista. Num desses trabalhos mais recentes analisados nesta

    dissertao, ou melhor, no prefcio a um desses trabalhos, a questo posta em

    primeiro plano. A idia de formao, como sugere Elide Rugai Bastos no prefcio

    do livro de Rubem Murilo Leo Rego, Sentimento do Brasil: Caio Prado Jnior

    continuidades e mudanas no desenvolvimento da sociedade brasileira, constitui

    categoria central da obra de Caio Prado Jnior.

    Discutindo a forma narrativa de Formao do Brasil Contemporneo de

    Caio Prado Jnior, Bastos sugere que esta, inserindo-se em certa tradio

    hispano-americana, se apresenta sob o gnero ensaio e tem por objetivo claro

    fornecer, em amplo sentido, uma interpretao a nvel nacional. Em suas palavras,

    a despeito do sentido pejorativo que o termo ensaio pode assumir em certos

    momentos e contextos, ele define o significado e o tipo de obra que Caio Prado

    Jnior desenvolveu. Articulando a idia de formao forma ensaio, para Bastos

    aquela idia estaria no centro das inovaes que Caio Prado Jnior imprime na

    historiografia brasileira e constitui pea chave para a compreenso do seu

    trabalho. Para a autora:

    A palavra ensaio, longe de indicar estudos que fogem ao rigorcientfico e se desenvolvem apenas segundo impresses fugidias,refere-se, antes, s anlises que visam elaborar uma sntesesobre as sociedades nacionais, estando assim umbilicadamenteligadas idia de formao e propondo-se a indagar sobre osentido dessas formaes. Em outros termos, nesses ensaiosexplicita-se um esforo para dotar de sentido o mundo estudado,buscando-se superar a situao individual do ensasta (Bastos,2000: p. 15).

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    Reconhecendo a amplitude da problemtica identificada em algumas das

    possibilidades interpretativas da idia de formao, bem como alguns dos

    diferentes significados e sentidos que ela pode assumir no pensamento social

    brasileiro, cumpre advertir que no mbito desta dissertao circunscrevemos a

    anlise ao texto de Caio Prado Jnior. Assim procedendo, nosso objetivo

    evidenciar algumas possibilidades abertas pela idia de formao do historiador

    paulista.

    Assim, no primeiro captulo apresenta-se os resultados da pesquisa

    bibliogrfica sobre Caio Prado Jnior. Devemos dizer que ao operarmos uma

    seleo de textos relevantes no pretendemos dar conta da totalidade dos

    trabalhos que se debruaram sobre o tema mais privilegiar a escolha de obras

    mais recentes que procuraram, na atualidade, tratar do tema. Assim procuraremos

    caracterizar as principais questes tratadas nas reavaliaes recentes da obra de

    Caio Prado Jnior e, em particular, dar nfase categoria formao, no contexto

    de seu livro Formao do Brasil Contemporneo, situando, na medida do possvel,

    estas reavaliaes frente a anlises contemporneas sobre o pensamento social

    brasileiro.

    No segundo captulo pretendemos traar os principais aspectos da trajetria

    de Caio Prado Jnior tendo em vista sua vida intelectual e poltica. Este conta

    ainda com uma segunda parte na qual indicaremos elementos centrais do

    horizonte ou contexto intelectual de Formao do Brasil Contemporneo, bem

    como nos debruaremos sobre a estrutura do livro, nos moldes em que dividido,

    povoamento, vida material, vida social.

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    No terceiro captulo analisaremos a idia de formao visando alcanar os

    objetivos j anteriormente explicitados. Neste ponto faremos um adendo ao texto

    acerca da concepo de histria em Karl Marx. Pois, pelo que consideramos, a

    obra de Caio Prado Jnior deve muito a este autor e tradio intelectual e

    poltica por ele inaugurada quanto compreenso do presente histrico como

    resultado de um processo at mesmo de um processo de formao. Nessa

    aproximao, todavia, no se reivindica exatamente um caso de influncia direta,

    o que nos obrigaria a uma pesquisa mais sistemtica que foge ao mbito desta

    dissertao. Questo que alis, dada inclusive a pouca freqncia de citaes na

    obra de Caio Prado Jnior como um todo de autores marxistas, constitui objeto de

    controvrsias na literatura pertinente. 2

    2Sobre a relativa ausncia de provas textuais da influncia do marxismo sobre Caio Prado Jnior, manifesta

    na ausncia de citaes do pensador alemo ou de seus discpulos na sua obra, Bernardo Ricupero sugere,adequadamente a nosso ver, que o historiador paulista no encarou o materialismo histrico como umacoleo de verdades universais, mas como um mtodo vivo. Assim, como nota Novais, as citaes dosclssicos marxistas, to comuns entre nossos autores esquerdistas, no so freqentes em Caio Prado,mostrando que ele no sente necessidade de recorrer ao argumento da autoridade, postura de quem aindaprisioneiro de uma atitude mental que tem suas razes nos tempos da escolstica (Ricupero, 2000: 229-30).Assim, prossegue Ricupero, Carlos Nelson Coutinho pode mesmo ter razo ao dizer que Caio no deviaconhecer muito marxismo. Isto no tem, porm, grande importncia. Ou melhor, importa como indicao deque Caio Prado, com o marxismo possivelmente limitado que conhecia, foi capaz de fazer uma obramonumental, precisamente por ter sabido reter do marxismo o que nele mais importante: a abordagem(Idem, 2000: 230).

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    CAPTULO 1

    ASPECTOS DO DEBATE CONTEMPORNEO SOBRE CAIO PRADO JNIOR

    Neste captulo pretendemos dar conta, ainda que de maneira sucinta, dos

    aspectos mais relevantes do debate contemporneo acerca da obra de Caio

    Prado Jnior. Assim procuraremos caracterizar as principais questes tratadas

    nas reavaliaes recentes da obra do historiador paulista, particularmente em

    relao a Formao do Brasil Contemporneoe, tambm, avaliar o lugar da idia

    de formao, objeto deste trabalho, nessas anlises contemporneas.3

    Para tanto destacamos dois momentos recentes diferentes de retomada da

    obra de Caio Prado Jnior como objeto de anlise privilegiando a discusso dos

    seguintes trabalhos: num primeiro momento, alguns dos artigos de Histria e Ideal

    Ensaios sobre Caio Prado Jnior (1989), livro em homenagem ao historiador

    paulista reunindo os trabalhos apresentados na II Jornada de Cincias Sociais da

    Universidade Estadual Paulista (UNESP) realizada entre 26 e 28 de 1988. Num

    segundo momento, Caio Prado Jr. e a Nacionalizao do Marxismo no Brasil

    (2000) de Bernardo Ricupero; Sentimento do Brasil: Caio Prado Jr.

    Continuidades e mudanas desenvolvimento da sociedade brasileira (2000) de

    Rubem Murilo Leo Rego; e Caio Prado Jnior na cultura poltica brasileira (2001),

    de Raimundo Santos (deste mesmo autor, destacaremos tambm o artigo Uma

    cincia poltica em Caio Prado Jr.? publicado na revista Estudos: Sociedade e

    Agricultura, em abril de 2000).

    3Dentre as anlises da obra de Caio Prado Jnior que podem ser consideradas pioneiras, mas que no

    sero contempladas neste trabalho, j que nosso objetivo realizar um balano representativo das anlisesmais contemporneas, deve-se destacar Cavalcanti, 1966; Costa, 1967; e Leite, 1976.

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    Ressalte-se o carter monogrfico desses ltimos trabalhos, sendo ao

    menos os trabalhos de Ricupero e Leo Rego originalmente formulados e

    apresentados como, respectivamente, dissertao de mestrado e tese de

    doutorado. Nesse sentido, pode-se dizer, que enquanto os artigos reunidos em

    Histria e Ideal Ensaios sobre Caio Prado Jnior (1989) exploram aspectos

    diversos da obra, da trajetria poltica, da trajetria intelectual e biogrfica do

    historiador paulista, os trabalhos destacados no que estamos chamando de

    segundo momento de retomada da sua obra procuram, cada um a seu modo,

    apresentar uma viso mais integrada e sistemtica daqueles aspectos.

    1. Sobre Histria e Ideal Ensaios sobre Caio Prado Jnior

    Em seu artigo Uma via no clssica para o capitalismo, Carlos Nelson

    Coutinho sugere que a metodologia implcita nos trabalhos historiogrficos de

    Caio Prado Jnior no consiste na tentativa de aplicar ao Brasil alguns

    esquemas marxistas abstratos, mas na tentativa de historicizar os conceitos do

    marxismo transpondo este para a realidade brasileira: o marxismo do historiador

    paulista seria um mtodo de anlise, um fio condutor que lhe permite descobrir as

    conexes e o sentido dos fatos que constituem a gnese e a estrutura do Brasil

    contemporneo. Coutinho afirma, nesse sentido, que essa recepo do

    marxismo como mtodo e no como dogma abstrato uma das principais razes

    dos acertos de interpretao contidos na obra de Caio Prado Jnior (Coutinho,

    1989: 115).

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    Considera que embora tenha consagrado a maior parte de sua obra

    historiogrfica anlise de nosso passado, inegvel que o objetivo central da

    reflexo de Caio Prado Jnior o ponto focal a partir do qual se articula o conjunto

    de sua ampla investigao histrica a compreenso do Brasil moderno

    (Ibidem). Argumenta, nesse sentido, que mesmo quando trata do passado, Caio

    Prado tem sempre em vista a investigao do presente como histria, o que

    implicaria para o autor enquanto marxista, numa anlise dialtica da gnese e

    das perspectivas deste presente (Ibidem). Tendo como ncleo de sua reflexo

    historiogrfica o materialismo dialtico, em sua interpretao destacam-se ainda

    que s implicitamente, conceitos como o de transio ou de modernizao.

    Coutinho afirma ainda que para Caio Prado pensar o presente como histria

    (como anuncia em Formao do Brasil Contemporneo) significava responder

    necessariamente a seguinte questo: de que modo e porque vias o Brasil evolui

    da situao colonial originria, atravs do Imprio e das vrias Repblicas, para a

    constelao histrico-social que apresenta hoje? (Ibidem).

    O autor argumenta que embora exista em sua obra uma certa ambigidade

    a respeito da caracterizao do ponto de partida ou seja, do modo de produo

    e da formao econmico-social vigentes no Brasil antes da Abolio,

    indubitvel que o historiador paulista no hesita em identificar como plenamente

    capitalista o Brasil republicano (Ibidem). Coutinho discute tambm o tema das

    desavenas entre Caio Prado e alguns intelectuais da poca em torno do modelo

    interpretativo dominante na Terceira Internacional e no Partido Comunista

    Brasileiro, destacando que Caio Prado insiste em que nosso pas no e jamais

    foi feudal ou semifeudal e, por isso, no careceu e nem carece de uma revoluo

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    agrria e antiimperialista para se tornar moderno e capitalista (Idem, 1989: 115-

    6).

    Vera Lcia Amaral Ferlini, em seu artigo Fidelidade Histria, destaca a

    idia de que a historiografia de Caio Prado Jnior foi animada por uma discusso,

    corrente em sua poca, que pretendia dar conta das profundas modificaes da

    sociedade, da poltica e da economia nacionais, que haviam se acelerado na

    ltima dcada, culminando com o arranjo poltico de 1930 (Ferlini, 1989: 228).

    Ainda, segundo a autora, era forte o desejo, entre os intelectuais brasileiros da

    poca, bem como entre membros da elite nacional, de inserir o Brasil numa

    economia capitalista mundial, fato que resultou em uma busca, ou numa

    elaborao, de imagens capazes de confeccionar uma identidade nacional com o

    intuito de unir, defender e valorizar as especificidades nacionais frente ao mundo

    (Ibidem). Segundo a autora, em 1942, com Formao do Brasil Contemporneo,

    Caio Prado pretendia ressaltar o carter decisivo do sculo XIX, na Histria do

    Brasil, apontando-o como o esgotamento do sistema colonial, frente s

    solicitaes ampliadas do capitalismo. E partia da profunda determinao do

    sistema colonial pela histria do capitalismo para dissecar por que o Brasil ainda

    no tomara forma, premido por uma realidade j muito antiga: o passado colonial

    (Ferlini, 1989, 229).

    Para Octavio Ianni, em seu artigo A dialtica da histria, com Formao

    do Brasil Contemporneo Caio Prado Jnior inaugura uma interpretao marxista

    da formao social brasileira, estabelecendo um horizonte intelectual novo, sem o

    qual no foi mais possvel pensar a histria e o pensamento no Brasil (Ibidem).

    Destaca, nesse sentido, que a originalidade do historiador paulista reside na sua

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    capacidade de produzir, dialogando com diversos autores contemporneos e

    anteriores a ele, alguns referidos em seus trabalhos, outros no, uma nova

    interpretao dos contornos e movimentos mais caractersticos da formao

    social brasileira (Idem, 1989: 63). Dentre os principais fatores que teriam

    conduzido Caio Prado Jnior a produzir uma interpretao dialtica da histria da

    sociedade brasileira, Ianni destaca o estabelecimento conceitual das idias de

    sentido da histria, das relaes sociais, processos e estruturas que constituem

    configuraes sociais de vida (Idem, 1989: 71).

    Ianni aponta ainda a idia de formao e a relao estabelecida, na

    narrativa, entre o passado e o presente como elementos fundamentais em

    Formao do Brasil Contemporneo: O presente, em cada poca, parece um

    mapa histrico, ou melhor, arqueolgico, no qual se combinam vrios pretritos

    (Ibidem). Portanto, dentro da compreenso da relao entre passado, presente e

    futuro da interpretao de Caio Prado, revela-se, para Octavio Ianni, o que seria

    uma peculiaridade bsica da formao social brasileira, conforme ela se mostra

    no sculo XX, uma definio ou estigma:

    O presente capitalista, industrializado, urbanizado convive, ainda emnossos dias, (tal como j anunciava o sculo XIX) com vriosmomentos pretritos. Formas de vida e trabalho dspares aglutinam-se em um todo inslito. A circulao simples, a circulao mercantil ea capitalista articulam-se em um todo no qual comanda a reproduoampliada do capital, em escala internacional.

    O Brasil moderno parece um caleidoscpio de muitas pocas,formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar (Idem, 1989: 72).

    Em seu artigo intitulado A viso do amigo Florestan Fernandes defende a

    idia de que a interpretao histrica de Caio Prado Jnior se diferencia de outras

    anteriores e subseqentes a ele por no buscar umareconstruo pura e simples

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    do passado (Fernandes, 1989: 32). Ressalta que sua narrativa pode ser definida

    como uma tentativa de interpretao histrica materialista fecunda (Ibidem).

    Insere sua historiografia num debate mais amplo, como o caso do ocorrido na

    Frana, entre a histria tradicional e a histria interpretativa e afirma que Caio

    inaugurou o modo mais avanado de histria interpretativa no Brasil, o qual se

    fundava no materialismo histrico (Ibidem). Afirma que entre suas grandes

    contribuies, est a anlise influenciada pelo materialismo dialtico como fator de

    diferenciao que estabeleceu e introduziu na historiografia brasileira entre a

    anlise das estruturas e a histria episdica ou descritiva. Deste modo Caio Prado

    Jnior seria um dos principais expositores da explicao da sociedade escravista

    e das suas peculiaridades fundamentais (Fernandes, 1989: 32).

    Em seu artigo Impasses do inorgnico Maria Odila Leite da Silva Dias

    afirma que uma contribuio fundamental da obra de Caio Prado Jnior sem

    dvida a elaborao do mtodo, sua concretude, sntese, clareza (Dias, 1989:

    378). Para a autora Formao do Brasil Contemporneoapresenta uma estrutura

    de construo complexa e muito sugestiva da postura independente do

    engajamento poltico do autor, do seu pioneirismo ao decifrar as possibilidades de

    adequao da dialtica materialista ao contexto das contradies brasileiras,

    elaborado na sua especificidade, o que propunha um desafio fundamental de

    mtodo (Ibidem). Portanto para Dias est claro que seu envolvimento com o

    materialismo dialtico longe de ser um ponto que diminua a importncia da

    interpretao de Caio Prado Jnior mesmo uma das maiores contribuies

    dadas pelo autor historiografia brasileira.

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    A autora destaca como um dos eixos fundamentais da obra de Caio Prado

    Jnior o tema das tenses entre sociedade e nao, tenso que, segundo ela,

    aponta para a especificidade de um processo inacabado em nossa histria e que

    corresponde a um dos traos caractersticos de nossa sociedade. Nesse sentido,

    Caio Prado teria desenvolvido sua obra com o intuito de mostrar que a

    colonizao no se orientara no sentido de construir uma base econmica slida e

    orgnica (Dias, 1989: 377), a partir da explorao racional e coerente dos

    recursos do territrio com fins a satisfao das necessidades materiais da

    populao que nela habita. Assim Caio Prado Jnior teria justamente desvendado

    e destacado a existncia deste impasse, orgnico, de contradio fundamental

    que definiria todo o vir a ser da nacionalidade, e das relaes sociais de

    dependncia colonial, fato que desembocaria em uma sociedade singular e

    contraditria.

    Para Maria Odila da Silva Dias o tema da nacionalidade, proposto como

    totalidade orgnica implicava em questionar e refletir sobre as possibilidades de

    integrao da massa da populao no sistema produtivo do pas, que em seu

    tempo vivia uma atmosfera de expectativa de perspectivas diversas. Assim no

    livro Formao do Brasil Contemporneo, a despeito de no ter chegado a

    esmiuar os anos de formao da repblica, analisando as especificidades de seu

    tempo, Caio Prado teria mostrado de forma objetiva a dificuldade estrutural da

    sociedade brasileira de se formar segundo seus prprios interesses e caracteres.

    Nesse sentido, a autora destaca a importncia dada em Formao do Brasil

    Contemporneoao estudo das especificidades locais do processo colonizador

    estudo que a despeito de todo desdobramento posterior da Antropologia e do

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    desenvolvimento de tcnicas precisas se mostrava bastante inovador para a

    poca.

    Assim poder-se-ia notar que no emprego do mtodo de interpretao das

    estruturas produtivas, Caio Prado dedicou-se elaborao de teoria abrangente

    que levou em conta o estudo de modos de produo, devidamente localizados no

    processo de povoamento, abarcando mediaes sociais especficas, conjunturas,

    regionais que revelaram potenciais de mudana, conforme suas relaes mais ou

    menos intensas, mais ou menos diretas de dependncia e subordinao com a

    grande lavoura do litoral (Idem, 1989: 378). Nesse sentido a autora sugere que:

    no plano mais amplo da historiografia marxista, a sua foi em vriossentidos uma obra pioneira pelo grau de elaborao do processodialtico, cuidadosamente trabalhado na perspectiva histrica daanlise das conjunturas regionais do Brasil. Por isso atingiu em1942, justamente por conciliar a interpretao marxista com adiversidade nacional, um nvel de concretude e de sofisticao demtodo que somente vinte anos depois comeou a encontrarsimilares nas obras de Pierre Vilar, Albert Soboul, Eric Hobsbawn eoutros (Idem, 1989: 379).

    Maria Odila da Silva Dias observa ainda o veis prtico desta obra, pois,

    segundo ela, como marxista, Caio Prado procurou as diversidades especficas do

    processo brasileiro de colonizao e formao da sociedade, em suas origens

    histricas, para melhor indicar um programa de ao para o futuro (Idem, 1989:

    382). Ainda, segundo a autora, um dos objetivos fundamentais de Formao do

    Brasil Contemporneo

    consistiria em mostrar, a partir de um movimento dialtico,

    as chamadas foras desagregadoras de decomposio do sistema, dado que, de

    um lado, essas foras dificultariam o processo e as potencialidades da

    transformao da colnia em nao e, de outro, contribuiriam justamente para a

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    constituio de uma sociedade livre acenariam para uma futura superao do

    que se poderia chamar impasse do inorgnico presente ainda nos dias de hoje

    (Idem, 1989: 381).

    Para a autora o enfoque estrutural escolhido pelo historiador paulista

    delimitando precisamente seu objeto numa conjuntura de crise, localizado entre o

    final do sculo XVIII e a poca da Independncia - deixa transparecer de imediato

    o tom engajado do trabalho, assim como a relao de tempo estabelecida pelo

    autor (entre o nosso presente e o passado colonial). Caio Prado Jnior teria

    reconstitudo as tenses histricas, as formas de vida sociais da colnia, as

    especificidades do povoamento do interior, dos condicionamentos geogrficos,

    das vicissitudes, enfim, da organizao precria de sobrevivncia da populao

    brasileira, que crescia a partir de uma contradio bsica, de um ncleo de

    relaes de dependncia colonial, at construir formas de vida social, que se

    apresentaram como possibilidades de transformao, que se projetavam para o

    futuro (Ibidem).

    Ao contrrio de crticos, que enxergam em Caio Prado Jnior, uma viso

    estritamente economicista, Maria Odila da Silva Dias sugere que o historiador

    paulista aborda o processo de formao da nacionalidade brasileira como sendo

    marginal ao processo produtivo (voltado para o provimento de necessidades

    exteriores) e que, assim sendo, como um processo marginal, sob o ponto de vista

    da formao das classes sociais, se torna um fator de desagregao do sistema

    colonial indicando umapossvel funo de unidade no futuro (Idem, 1989: 284).

    Para a autora, portanto, o principal tema do historiador consistiu justamente em

    descobrir e revelar (por oposio a narrativa costumeira) o inorgnico da vida

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    social, o que depois viria a constituir e formar originalmente as classes

    trabalhadoras e os fatores de futura nacionalidade (Idem, 1989: 385).

    Nesse sentido, Caio Prado Jnior teria demonstrado que a formao do

    inorgnico conduziria a uma srie de impasses estruturais visando, segundo Maria

    Odila da Silva Dias, demonstrar que estes impasses estruturais viriam a causar

    outros impasses como o do processo de industrializao do pas no sculo atual e

    que este, por exemplo, sob alguns aspectos, serviria como amostra de que certas

    estruturas prprias do sistema colonial teriam continuidade. Assim, defende a

    idia de que Caio Prado, profundo pesquisador dos impasses estruturais da

    sociedade brasileira, procura a partir de sua teoria demonstrar e chamar a ateno

    para a necessidade de transformao da estrutura da sociedade como um todo,

    ou seja, para a mudana das bases fundamentais da sociedade brasileira a

    despeito da compreenso idealista de esclarecimento e progresso (Idem, 1989:

    365). Por isso, para a autora, Caio Prado

    cuidou de elaborar os conceitos marxistas da forma mais concretapossvel, de explicit-los no seu prprio devir dialtico sem falsear ainterpretao deste processo com posturas ou deslizes teorizantes e,a seu ver, idealistas. Muitas vezes o fato histrico custava a setornar inteligvel para o historiador, pois se compunha deaglomerados de foras, com tendncias, movimentos, tenses(Idem, 1989: 397).

    Em seu artigo A fora do concreto, Antonio Candido se prope a dar um

    depoimento a respeito da figura humana de Caio Prado Jnior, de suas

    preferncias como pesquisador, de seu gosto pela viagem como meio de

    conhecimento, de seu modo particular de pesquisar, escrever e estudar o Brasil.

    Nas suas palavras em Caio Prado: o conhecedor de histria e de economia do

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    Brasil se confunde na sua personalidade intelectual ao insacivel viajante e

    observador, ao esprito sempre aberto para o fato do dia, ao leitor sistemtico e

    microscpico dos jornais (Candido, 1989: 24).

    Faz questo, nesse sentido, de registrar, como lembrana da figura de Caio

    Prado Jnior, sua irreverncia frente disciplina que o consagrou, a histria, pois

    que mais de uma vez ele me disse alegremente no saber histria, no sentido de

    ignorar uma quantidade de datas, se embrulhar nas dinastias, esquecer datas e

    dar pouca importncia a batalhas e detalhes. O que lhe interessa so a vida diria,

    a produo, o movimento dos negcios, as tcnicas de plantio, os costumes, o

    mecanismo de transmisso da propriedade, e coisas assim (Ibidem). Dessas

    duas dimenses de gostos, contudo, adverte Antonio Candido, fcil inferir o

    tipo de historiador que , grande historiador que retificou as perspectivas sobre a

    nossa formao e mostrou uma srie de aspectos esquecidos ou ignorados

    como a qualidade real da populao da Colnia, a presena do marginalizado, a

    natureza mercantil da empresa

    agrcola, situando a famlia das classes dirigentes

    na devida escala e quebrando o perfil aristocrtico traado por uma iluso

    complacente (Ibidem).

    Para Antonio Candido, Caio Prado Jnior teria se formado como um

    estudioso ligado estritamente ao concreto, derivando seu conhecimento do meio

    fsico, do estudo das populaes, a partir de suas especificidades segundo sua

    distribuio no espao, suas realidades e por conseguinte suas formas de

    produo (Idem, 1989: 25). Sob estes suportes teria fundado uma historiografia

    marxista voltada para a anlise de instituies diversas, tomando este objeto a

    partir de uma compreenso no limitada, atenta ao real, sem esquemas nem a

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    imposio de prejulgamentos, deixando de lado uma tradio do pensamento

    social brasileiro que, nas palavras de Antonio Candido era ainda muito idealista

    (Idem, 1989: 26).

    Ressalta que neste esforo voltado para a realidade concreta, Caio Prado

    Jnior esteve sempre interessado em pesquisar os aspectos fundamentais da

    sociedade, afastando os aspectos que afloram para ir at as foras que regem de

    fato (Ibidem). Da forma de desenvolvimento de suas caractersticas como

    historiador Antonio Candido indica que Caio Prado deu prioridade a via de

    conhecimento direta, ou seja, ligada em muitos sentidos, ao contatoprimrio como

    meio de conhecimento. Assim, nas palavras de Antonio Candido, Caio Prado

    quando compulsa um documento, analisa uma estatstica deproduo ou estuda o povoamento, no procede como o estudiosoque parte da abstrao para em seguida procurar comprovantes. Ele

    j est previamente embebido por estas e efetua de maneiraprodutiva a abstrao como fruto maduro. O conhecedor de histriae de economia do Brasil se confunde na sua personalidadeintelectual ao insacivel viajante e observador, ao esprito sempreaberto para o fato do dia, ao leitor sistemtico e microscpico dos

    jornais (Ibidem).

    Antonio Candido afirma ainda que Caio Prado Jnior, dentro do cenrio

    acadmico de seu tempo, sempre se posicionou de maneira pouco ortodoxa tendo

    tido a felicidade de poder experimentar e desenvolver em sua ao uma

    apreenso bastante sofisticada e pessoal das especificidades da realidade

    brasileira. Assim Candido define o historiador paulista, que foi, diga-se de

    passagem, tambm seu amigo pessoal:

    grande historiador que retificou as perspectivas sobre a nossaformao e mostrou uma srie de aspectos esquecidos ou ignorados

    como a qualidade real da populao da Colnia, a presena domarginalizado, a natureza mercantil da empresa agrcola, situando a

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    famlia das classes dirigentes na devida escala e quebrando o perfilaristocrtico traado por uma iluso complacente (Candido, 1989:24).

    Afirmando que sua

    gerao sofreu j com Evoluo Poltica do Brasil

    influncias fundamentais de Caio Prado Jnior, livro que abriu a fase dos estudos

    marxistas na viso panormica do pas, Antonio Candido considera que as

    qualidades esboadas no livro de 1933 seriam amadurecidas em 1942 em

    Formao do Brasil Contemporneo (Idem, 1989: 25). Para Candido, em suma,

    Caio Prado deixa longe a tradio ainda meio idealizadora que preponderava em

    sua poca e funda solidamente uma histria marxista, aberta, atenta ao real,

    sem esquemas nem a imposio de prejulgamentos (Idem, 1989: 26).

    Em seu artigo Do palacete enxada, Maria Ceclia Naclrio Homem

    afirma que a originalidade de Caio Prado Jnior no pode ser entendida sem

    levarmos em conta que: sua dimenso de histria ser muito mais ampla porque

    pretende transform-la tanto pela produo escrita quanto pela sua prpria

    participao nos acontecimentos polticos e culturais (Homem, 1989: 47). Afirma

    tambm que em relao a interpretaes anteriores, Caio Prado estava ciente de

    que inaugurava uma nova dimenso da histria, no Brasil, o que demonstra suas

    prprias palavras: No Brasil, Silvio Romero, Alberto Torres e Oliveira Vianna ...

    no chegaram a nada .... Maria Ceclia afirma que o historiador paulista tinhapor

    opinio que, no Brasil, em termos de produo historiogrfica estava tudo por

    fazer (Idem, 1989, p. 48).

    Destaca para este entendimento de Caio Prado Jnior tambm a

    descoberta efetuada pelo autor de elementos da Geografia, que estudou com

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    Pierre Deffontaines, gegrafo francs, na recm-inaugurada Faculdade de

    Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo. Assim entre os

    elementos que teriam possibilitado sua ruptura com a historiografia tradicional

    ocupa a Geografia, para Maria Ceclia N. Homem, um lugar de destaque: a

    geografia tornou-se seu instrumento de trabalho para o conhecimento do pas e

    para a elaborao da prpria Histria (Ibidem). Observa ainda, na mesma direo

    de Antonio Candido, que Caio Prado privilegiou o estudo de campo e a

    observao direta, mtodos que defendeu outrora com as seguintes palavras:

    chega uma hora, ensina ele, que preciso fechar os livros e partir para o

    reconhecimento da realidade, levantando os problemas in loco (Idem, 1989: 49).

    Ainda nesse sentido, a autora assinala que as viagens de Caio Prado pelo Brasil e

    seu entendimento da contribuio da fotografia como instrumento de trabalho de

    grande importncia para a anlise historiogrfica foram fatores que o permitiram

    romper com a historiografia puramente institucional da tradio estabelecida.

    Foram esses mtodos, argumenta, que teriam permitido ao historiador paulista

    atingir seu objetivo de levantar o sistema de vida e as condies de sobrevivncia

    de cada lugar (Ibidem).

    Em seu artigo O sentido do colonialismo Maximiliano Martin Vicente

    chama a ateno para o fato de que Caio Prado Jnior foi em seu tempo um

    escritor de fecunda originalidade assumindo uma posio de vanguarda, o que

    em em muitas ocasies lhe trouxe problemas

    (Vicente, 1989: 87). Discutindo o

    papel de Caio Prado para a compreenso da montagem do sistema colonial feito

    pelos portugueses no Brasil, argumenta Vicente:

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    se no momento atual, parece bvia a afirmao segundo a qualpode-se dizer que Caio Prado Jr. um dos melhores historiadoresde que dispomos, principalmente depois do detalhado e completoestudo realizado na dcada de 70 por Fernando Novais, Portugal eBrasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777/1808), as

    colocaes de autores de ampla difuso, anteriores e mesmoposteriores a 30, pareciam no entender bem a questo, ouprocuravam interpret-la de acordo com sua convenincia em funode alguma idia preestabelecida (Idem, 1989: 89).

    Maximiliano Vicente mostra que na raiz das divergncias que Caio Prado

    Jnior encarou em sua poca est claramente a idia de que a colnia teria

    sentido por ela mesma e assim poderia ser analisada (Idem, 1989: 90). Da sugerir

    que para a compreenso do historiador paulista e de sua inverso metodolgica,

    no quadro da historiografia de sua poca, deve-se notar a importncia central de

    uma especifica concepo de colnia. Adverte, contudo, que ao retomar a viso

    colonial na obra de Caio Prado Jnior, principalmente em dois de seus livros,

    Evoluo.. e Formao, nota-se que, em seus escritos, a volta ao passado

    (colnia) tem caractersticas diferentes (Ibidem). Esta diferena estaria no fato de

    que ao procurar descobrir a persistncia dos componentes coloniais na vida

    brasileira (diga-se de passagem, o mesmo que pretendiam Fernando de Azevedo

    e Oliveira Vianna), o autor v a colnia em perspectiva econmica, ou seja,

    destaca o sentido da colonizao e os principais componentes do sistema

    colonial (Ibidem).

    J John M. Monteiro em artigo intitulado A dimenso histrica do latifndio

    afirma que um dos fatores de inovao da teoria de Caio Prado Jnior a

    descoberta de que as estruturas agrrias brasileiras so produtos da lgica da

    expanso comercial europia, dentro da qual ele busca um sentido para a

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    marcha da histria nacional (Monteiro, 1989: 154). Nesse sentido, a originalidade

    de Caio Prado Jnior em relao historiografia anterior a ele estaria, entre outros

    aspectos, em sua nfase na estrutura o que, para John Monteiro percorre como

    espinha dorsal todas as suas anlises concretas (Ibidem).

    Justamente sua nfase na estrutura teria sido o fator que possibilitou a

    Caio Prado Jnior manter-se afastado das interpretaes naturalistas que

    produziram discursos as vezes racistas e exageradamente deterministas

    pautados na crena da existncia de uma massa popular que vegeta, material e

    culturalmente, no nvel da simples subsistncias fsica e do mnimo de

    desenvolvimento espiritual e se encontraria relegada a um dos lados do abismo

    (Idem, 1989: 167). Discursos que mais legitimavam do que explicavam o tipo de

    explorao existente no meio social brasileiro, o qual apontava para uma

    inevitabilidade da desgraa que previa um movimento quase trgico, necessrio,

    para a historia (Ibidem). Assim, Caio Prado pde se separar da tradio

    determinista que tinha em seus princpios a falsa noo de que a desigualdade

    social no Brasil se devia fundamental e primordialmente a um desvio

    perversionista, mero resultado de pactos de elites conservadoras, graas a

    nfase que dedicou ao estudo das estruturas e processos o que o diferenciou

    ainda no meio da militncia poltica (Idem, 1989: 168).

    Nesse sentido, tambm quanto industrializao, Caio Prado pde

    esmiuar as especificidades de um processo de industrializao sui generisna

    histria do industrialismo capitalista ocidental; segundo Monteiro:

    nesta formao social perifrica subordinada, em cuja constituiojogou papel fundamental a importao de relaes sociais deproduo j desenvolvidas e acabadas nas sociedades clssicas do

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    capitalismo, no se pe nela o ciclo do capital industrial (omovimento geral do capital) com a inteireza dos seus departamentose de sua realizao. No se pe nela um ciclo do capital conforme oconceito que lhe prprio. A mais-valia desta economia perifrica esubordinada realiza-se no e pelo mercado mundial. E intra muros

    para que se dem as condies necessrias deste modo derealizao, necessrio que produo-distribuio-consumo seenrazem em formas naturais limitadas, modalidades determinadasunilateralmente (Ibidem).

    2. Sobre alguns trabalhos monogrficos recentes

    Em Caio Prado Jr. e a nacionalizao do marxismo no Brasil, Bernardo

    Ricupero trabalha com a hiptese bsica de que Formao do Brasil

    Contemporneorepresenta um caso bem sucedido de assimilao e recriao de

    um conjunto de idias, de uma orientao terica e metodolgica que prova sua

    fecundidade heurstica dando conta de situao distinta da qual nasceu para dar

    expresso e, ao conseguir isso, revela-se como universal (Ricupero, 2000: 17).

    Para o autor a nacionalizao do marxismo operada por Caio Prado no foi uma

    tentativa inusitada ou isolada, mas sim uma operao articulada, como uma

    resposta positiva para o dilema proposto por Gramsci sobre a tradutibilidade das

    linguagens cientficas (Idem, 2000: 31).

    Portanto, o autor defende que em Formao do Brasil Contemporneo o

    que pode parecer uma obviedade ou um doutrinarismo ainda mais para uma

    anlise que no leve em conta o momento histrico de sua produo deve ser

    precisamente desnaturalizado para que ns, estudiosos de hoje, possamos tirar

    de seus meandros sua face heurstica. Ricupero destaca que grande parte da

    recusa, ou estranheza, de se estudar Caio Prado Jnior que percebeu ser

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    constante por parte de nossa academia advm de crticas, e de um certo senso

    comum que o acusa de uma associao ao marxismo. A isto, Ricupero rebate

    que boa parte do seu prprio interesse em Caio Prado viria justamente de sua

    associao com o marxismo. Portanto argumenta que pretende privilegiar em Caio

    Prado a parte que ficou, em sua palavras particularmente subestimado pelo

    pensamento social posterior a ele, ou seja, as implicaes polticas de suas

    anlises. Afirma que no podemos ler Caio Prado, que apesar de toda crtica

    corresponde a um clssico de nossa literatura, sem compreender que o Caio

    Prado como historiador incompreensvel sem levarmos em conta o Caio Prado

    militante poltico (Idem, 2000: 26).

    Para Ricupero os livros de Caio Prado manifestam a convico intelectual

    de que o estudo terico deve ser orientado para a compreenso do presente

    (Ibidem). Assim, para o autor, Caio Prado entende que a elaborao terica tem

    por objetivo a poltica, ou seja, deve servir fundamentalmente para que se possa

    intervir na realidade do momento histrico que se vive realidade esta que tem

    por princpio ser imperfeita, e que uma vez que se trata de um autor

    revolucionrio, deve ser transformada. Assinala que Caio Prado foi, em todos os

    sentidos, um defensor da unidade de teoria e prtica, ou melhor, de sua

    indissociabilidade: naquilo que se refere ao poltica, o historiador paulista

    particularmente contundente em insistir que ela deve ser orientada por uma teoria

    adequada (Ibidem).

    Alm de razes prticas para operar a desnaturalizao do pensamento de

    Caio Prado Jnior, Ricupero desenvolve em seu trabalho uma anlise do que

    denomina de razes internas da escrita do autor que justificam um estudo

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    sistemtico de sua obra. Para ele, Caio Prado realizou uma reflexo original

    sobre a histria e a sociedade brasileira, reflexo esta que constitui uma

    contribuio

    particularmente importante para a compreenso da nossa realidade

    (Idem, 2000: 27). Acredita que dentre os nossos historiadores, Caio Prado Jnior

    foi um dos que mais e melhor investigaram as origens das estruturas e do

    desenvolvimento do pas, de suas contradies, tendo podido ir bastante fundo na

    investigao dos princpios de nossa formao, realizando fecundo mergulho,

    portanto, em nosso passado colonial e levantando hipteses, que at hoje seriam

    de difcil refutao.

    Ainda para Ricupero, Caio Prado Jnior tem grande relevncia por ter sido

    um dos pioneiros, em nossa historiografia, a chamar a ateno para a idia de

    sentido da colonizao afirmando que no se pode falar de realidade brasileira

    sem levar em conta que temos em nossa constituio territorial a caracterstica de

    sermos em nossa origem dotados de um sentido, de um direcionamento causal,

    que tem por motivo, em sua raiz, interesses externos, ou alheios, aos nossos

    prprios. Este sentido indicado (a despeito de toda provocao e de todo alarde

    que possa causar) como sendo o de um interesse por um estabelecimento de um

    empreendimento comercial voltado para o mercado externo, baseado na

    produo de gneros tropicais em grandes unidades agrcolas, trabalhadas pelo

    brao escravo (Idem, 2000: 28). Assinala ainda que Caio Prado Jnior acreditaria

    que, no Brasil, portanto, nosso passado quase indissocivel de nosso presente,

    sugerindo que somos, ainda hoje (e mais ainda em sua poca quando a

    industrializao do pas e a estrutura agrria ainda estavam mais ligadas ao

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    passado colonial), compostos parte pelo passado, j que ainda no o superamos

    de todo (Ibidem).

    Portanto para Ricupero, Caio Prado foi capaz de compreender o sentidoda

    nossa formaoe fez deste sentido, da elaborao deste sentidocomo essncia

    da experincia colonial brasileira, uma chave analtica para a interpretao da

    histria brasileira e dos desdobramentos posteriores que esta teve. Somente a

    partir do desenvolvimento desta categoria de anlise, categoria esta que deve

    muito a teoria marxista de interpretao da histria como movimento materialista

    dialtico, Caio Prado pde fornecer um retrato da Colnia no como um mero

    amontoado de eventos e caractersticas combinados aleatoriamente, mas como o

    de uma certa sociedade que, mesmo problematicamente, comea a se formar,

    pensando esta sociedade em bloco e no a partir de acontecimentos isolados

    (Idem, 2000, p.155-156). Assim elegendo como fato principal de nossa histria o

    sentido da colonizao Caio Prado pde, segundo Ricupero, apreender a

    totalidade da unidade social brasileira. A habilidade do historiador paulista em

    observar a realidade adviria precisamente da conscincia de que apesar de a

    histria ser feita de um cipoal de incidentes secundrios, que podem at mesmo

    nos confundir, h um certo sentido que lhes confere inteligibilidade, o que reflete

    o fato de que todos os momentos e aspectos no so seno partes, por si s

    incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo ltimo do historiador

    (Idem, 2000: 157).

    Em suma, e como notou Gildo Maral Brando no prefcio de Caio Prado

    Jr. e a nacionalizao do marxismo no Brasil, Bernardo Ricupero tem por

    finalidade central buscar problematizar o sentido do Caio Prado Jr. poltico e

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    terico da poltica (Brando, 2000, 15). Ainda segundo Brando, Bernardo

    Ricupero persegue como objetivo central mostrar como, num caminho de duas

    vias, Caio Prado desenvolve sua viso da poltica a partir dos desdobramentos

    prticos do seu trabalho de historiador e que, buscando perseguir

    incansavelmente uma problemtica bsica as questes da construo nacional

    e das possibilidades de mudanas inscritas no processo histrico uma vez

    tendo atingido sustentao terica busca conformar sua crtica (e sua pretenso

    de desenvolvimento de um projeto poltico) s determinaes de processo

    histrico concreto (Idem, 2000: 16).

    J Raimundo Santos, em Uma cincia poltica em Caio Prado Jr., destaca

    os textos memorialsticos do historiador paulista (como a de seus dirios polticos)

    como peas fundamentais para a compreenso do seu pensamento, e argumenta

    que esta vm realar algumas conjecturas que insistem em que, alm do seu

    lugar na historiografia, a obra de Caio Prado Jr. faz parte da cultura pecebista, ou

    seja, ao lado da relevncia que damos as contribuies deste autor a historiografia

    brasileira deve-se compreender o autor como um ativista do partido e da causa

    poltica (Santos, 2001: 129). Assinala, no entanto, que ao longo de toda sua obra,

    Caio Prado como um autor comunista brasileiro, desenvolveu uma teorizao

    que ia muito alm das formulaes oficiais do PCB (Ibidem). Para contrastar

    estas formulaes oficiais do PCB com as de Caio Prado, Santos sugere que a

    bibliografia estudada pelos integrantes do partido em geral dependia de alteraes

    e adaptaes pragmticas que poderiam ajustar a cartilha desta literatura a

    conjunturas especficas, muito distintas das de sua origem, exigindo

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    necessariamente ajustes para a prxis prescindindo, portanto de

    uma re-

    elaborao terica.

    Raimundo Santos destaca que mesmo em seu perodo Caio Prado Jnior

    era notado com estranheza por outros autores, comunistas e no comunistas,

    provocando entre seu meio certo mal estar. Entre os mais antigos destes autores

    destaca o prprio Luis Carlos Prestes que em 1954 escreveu uma crtica a Caio

    Prado para advertir a Revista Brasiliense pelo seu envolvimento naquilo que ele

    chamava de nacional reformismo (Idem, 2001: 132). Raimundo Santos destaca

    ainda que em torno do autor se deu uma demorada polmica em torno das teses

    comunistas da origem ou tipo de sociedade que existia durante a colonizao no

    Brasil, particularmente a tese da existncia de um feudalismo como modo de

    produo da colnia que Caio Prado refuta por ach-la absurda e ineficiente para

    explicar as origens da realidade do latifndio brasileiro e das desigualdades no

    campo. Para o entendimento da posio de Caio Prado Jnior nesta polmica,

    Raimundo Santos destaca ainda um artigo publicado na imprensa comunista da

    poca intitulado Os fundamentos econmicos da revoluo brasileira no qual

    Caio Prado trata o tema da origem da economia agrria do seguinte modo: a

    fazenda brasileira como sendo estruturada para o sistema de produo de grande

    empresa mercantil, mais se pareceria com a fazenda de escravos romana do

    que com qualquer formao social representativa do feudalismo (Ibidem)

    Para situar a discusso, Raimundo Santos destaca ainda algumas opinies

    de intelectuais sobre Caio Prado Jnior, como a de Hlio Jaguaribe, ento

    militante-fundador do Ibesp, que o considerava o nico terico marxista do

    Partido Comunista Brasileiro; ou Jacob Gorender, um dos tericos com maior

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    trnsito ao interior do PCB em seu tempo, para quem a rebeldia de Caio Prado em

    relao ao consenso da teoria do partido dever-se-ia a um problema idealista da

    sua formao (Ibidem). Raimundo Santos destaca que Jacob Gorender

    comentando A revoluo Brasileira de Caio Prado ainda em 1989 apontava a

    filiao ao positivismo lgico como um segundo deslize do historiador paulista.

    Critica precisamente as idias de Caio Prado Jnior sobre a desnecessidade de

    se classificar a revoluo que se faria no Brasil. Para Caio Prado Jnior a

    necessidade de sua tarefa consistiria em fazer uma teoria para a conjuntura, pois,

    segundo ele, somente dela que poderamos avanar numa progresso, que nos

    levar ao socialismo (Ibidem).

    Raimundo Santos levanta a hiptese de que no livro A Evoluo Poltica do

    Brasil, j em 1933, alm do objetivo de romper com a historiografia oficial, Caio

    Prado Jnior j teria a pretenso de desenvolver, com sua anlise histrica, uma

    teoria (uma cincia) poltica (Idem, 2001: 133). Afirma que seguramente no

    primeiro volume de Formao do Brasil Contemporneoo autor j buscava (para

    definir uma poltica para o seu partido?) a especificidade da formaosocial,

    pondo diante do destino brasileiro, como Marx ao divisar na Europa a rota dos

    pases atrasados, a colnia de povoamento americana, justamente para formar

    da diferena a idia do sentido da colnia de produo brasileira (Ibidem).

    Em outro trabalho, Caio Prado Jnior na Cultura Poltica Brasileira,

    Raimundo Santos procura examinar particularmente a tradio intelectual

    representante da cultura pecebista visando situar Caio Prado dentro da cultura

    poltica do pecebismo contemporneo (Idem, 2000, p. 15). Afirma precisamente

    que as dissertaes de Caio Prado Jnior sobre Formao do Brasil

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    Contemporneo desde cedo o pem em conflito com o seu partido, justamente

    em torno da questo que ele chamava de falta de fundamentos da poltica

    comunista no Brasil (Idem, 2000: 17). Raimundo Santos considera que apesar de

    ser impensvel fora de seu partido o historiador vive a histria de um intelectual

    outsider (Ibidem). Partindo deste ponto levanta sua hiptese, que tambm

    procura resolver no livro que analisamos anteriormente, de que a historiografia de

    Caio Prado Jnior se constri para balizar a poltica comunista no Brasil a partir de

    alguns termos pares que afloram e sempre voltam em seus textos, colorindo a

    obra com problematizaes estratgicas no seu pensamento mercantilismo e

    miserabilidade, campesinismo e generalidade (mercado interno nacional), vida

    poltica (tradicionalmente base de agitaes e estril) e estruturao partidria

    (Idem, 2000: 39). Assim, Caio Prado sempre est buscando por mo de seu

    partido elementos de teoria poltica para um socialismo definido de acordo com

    um programa de grandes reestruturaes que as dissertaes sobre a

    contemporaneidade brasileira lhe indicavam (Ibidem).

    Nesse sentido, Raimundo Santos procura demonstrar que a reconstituio

    de uma unidade entre a obra bsica de Caio Prado Jnior e a publicstica do

    autor, entre circunstncia de pensamento social e condio militante, no s

    mostraria como os textos polticos de Caio Prado Jnior no so meros opsculos

    para consumo em pequenas querelas ad hoc,mas como que estariam trazendo

    teses para a reformulao da prpria idia de poltica socialista no Brasil, no autor

    sempre pensada a partir da compreenso do conjunto da formao social em sua

    especificidade (Idem, 2001, p. 292). Acredita que possvel que o movimento de

    interpelao do pensamento social brasileiro dos ltimos tempos, ora em pleno

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    curso, traga, entre suas surpresas, Caio Prado Jnior como um autor igualmente

    portador de aberturas analticas, como vem acontecendo em relao a Gilberto

    Freire em algumas dimenses interdisciplinares, e ainda nos casos de Furtado,

    Bonfim, Igncio Rangel e outros (Idem, 2001: 293). Afirma que s muito

    recentemente chegam as primeiras manifestaes sobre a atualidade de Caio

    Prado Jr., a comear pelo tema posto na ordem do dia pelas questes novamente

    trazidas pelo drama do mundo rural (Ibidem).

    este justamente o tema central de outro trabalho recente dedicado a Caio

    Prado Jnior: Sentimento do Brasil Caio Prado Jnior continuidades e

    mudanas no desenvolvimento da sociedade brasileira de Rubem Murilo Leo

    Rego. O autor procura mostrar que existe uma dupla via em que se desenvolve a

    anlise caiopradiana, de um lado buscando reconstruir o modo de

    desenvolvimento do capitalismo no pas que no se explica dentro dos limites

    estritos da nao e de outro procurando compreender porque esse processo

    excludente e no democrtico essas duas questes definem o carter da ruptura

    e o carter fundador de sua macrointerpretao (Rego, 2000: 16). De modo

    diferente a de outros autores, Leo Rego pretende chegar ao pensamento do

    historiador buscando a compreenso da lgica interna de suas idias, bem como

    tornando aparente as linhas de fora de sua anlise, que, segundo ele assume

    uma perspectiva original, ou tipo especifico de sentimento dos problemas

    brasileiros, os quais identifica no tipo de definio dos sujeitos dos processos

    sociais (Ibidem).

    Rubem Murilo Leo Rego indica como eixo articulador da imagem de Brasil

    proposta por Caio Prado Jnior a idia de constante modernizao

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    conservadora, conceito desenvolvido por Lnin e Gramsci, mostrando como as

    inovaes as quais est exposta a estrutura brasileira se combina com a

    conservao e a reproduo, em sua opinio, ampliada do antigo sistema colonial.

    Para o autor a questo agrria ocupa lugar central na imagem caiopradiana do

    Brasil, j que nela a permanncia do latifndio est na gnese do fato de que o

    Brasil moderno reproduziu, consolidou e at expandiu os processos de excluso e

    de marginalizao social que caracterizam toda a nossa histria. Sugerindo a

    atualidade de Caio Prado, sugere Leo Rego:

    Entre suas preocupaes nucleares est a que procura constatarse as transformaes ocorridas na estrutura da produoagropecuria resultaram ou no numa ampla incorporaopopulacional a uma estrutura de mercado, de consumo e detrabalho, de molde a produzir efeitos positivos sobre a melhoria desuas condies de vida. Assim, ganha sentido sua preocupaosobre em que medida os processos de modernizao capitalistadas relaes sociais e da estrutura produtiva sujeitam, eliminam oucoexistem com os tradicionais traos arcaicos geradores da nossamisria. Ou mesmo se esse mesmo processo de modernizaono tem sido tambm um importante fator de expanso da misriae da pobreza da populao por ele excluda, especialmente nomundo agrrio. Por isso, suas reflexes tm a fora da dennciados efeitos perversos do processo de transformao-persistnciada grande propriedade funidria (Idem, 2000: 27).

    * * *

    Como se pode depreender da exposio realizada, tanto no primeiro quanto

    no segundo grupo de trabalhos destacados, a crtica tem enfatizado a

    originalidade de Caio Prado Jnior seja quanto ao mtodo, particularmente mas

    no exclusivamente em funo da introduo do marxismo nas chamadas

    interpretaes do Brasil, seja quanto ao carter normativo de transformao

    social envolvido na sua obra. Como visto tambm, embora diferentes intrpretes

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    se refiram e/ou destaquem em medidas diferentes a importncia da idia de

    formaona obra do historiador paulista, ela no tm se constitudo exatamente

    em objeto especfico das anlises recentes, como estamos nos propondo a fazer.

    Antes de apresentar e discutir a idia de formaoem Formao do Brasil

    contemporneode Caio Prado Jnior, objeto central do trabalho, fao, no prximo

    captulo, uma rpida, mas necessria, apresentao dos traos fundamentais da

    trajetria intelectual e poltica do autor, bem como da estrutura narrativa da obra

    selecionada para anlise.

    CAPTULO 2

    CAIO PRADO JNIOR E FORMAO DO BRASIL CONTEMPORNEO

    Recuperamos neste captulo aspectos centrais da trajetria de Caio Prado

    Jnior sugerindo como nela as dimenses intelectual e poltica esto

    profundamente articuladas conferindo-lhe sentido prprio. Na segunda parte do

    captulo, apresentamos brevemente as linhas fundamentais do contexto

    intelectual, da concepo historiogrfica e do plano narrativo de Formao do

    Brasil contemporneo.

    1. Aspectos de uma trajetria

    Caio Prado Jnior nasceu na cidade de So Paulo em 11 de fevereiro de

    1907. Faleceu na mesma cidade em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos.

    Pertencia a uma das famlias mais abastadas e influentes do Brasil, cuja histria

    confunde-se com a do baronato cafeicultor paulista e do prprio estado de So

    Paulo (Levi, 1977; Berriel, 2000: 19-21; Karepovs, 2003; DAvila, 2004). Dentre

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    seus ancestrais, destacam-se no apenas comerciantes, fazendeiros, empresrios

    e polticos, como ainda dois importantes historiadores: Eduardo Prado e Paulo

    Prado.

    Ilustrando o quadro do aparecimento da famlia Silva Prado, temos que

    recuar aos idos da colnia. Seu primeiro membro a viver no Brasil foi Antnio da

    Silva Prado. Esse, vindo de Prado, sua cidade natal, chega em So Paulo no

    decorrer da primeira dcada do sculo XVIII. Sabe-se, no entanto, que sua origem

    remonta nobreza portuguesa do sculo XIII. Ao chegar ao Brasil, mais que

    fortuna, Antnio da Silva Prado articula desde cedo uma rede de influncia

    importante. Casa-se com Filippa do Prado, em cuja famlia encontravam-se

    notrios bandeirantes. Com a morte de sua primeira esposa casa-se com

    Francisca de Siqueira Moraes e se coloca como membro da elite paulistana sendo

    inclusive um financiador de uma expedio de ouro em Gois em 1730. Os

    resultados desta empreitada no so conhecidos, sabe-se que sua fortuna quando

    a poca de seu falecimento foi modesta contando entre os bens mais valiosos

    deixados por ele uma rede de amigos e associados sem a qual certamente seria

    difcil o sucesso de seus herdeiros (Karepovs, 2003).

    Martinho Prado (1722-1770), um de seus filhos, foi um dos membros que

    mais se destacou na primeira gerao. Seu sucessor Antnio Prado, casado com

    Ana Vicncia Rodrigues de Almeida, herda, por meio da esposa, um patrimnio

    respeitvel, que na incipiente cidade de So Paulo, correspondia a casas, terrenos

    e comrcio na regio central, ruas So Bento e do Carmo. Remonta j desta

    poca a participao poltica da famlia, Antnio elege-se para a Cmara Municipal

    de So Paulo. Suas atividades nos ramos do emprstimo e do comrcio lhe

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    rendem fortuna. Ao morrer sua esposa casa-se com seu irmo, provavelmente

    com fins pragmticos de manter a fortuna em famlia (Ibidem).

    O terceiro Antonio Prado (1788-1875) recebe atravs de D. Pedro II o ttulo

    de Baro de Iguape em 1848. Destacaram-se entre suas atividades o comrcio de

    acar e ainda seus servios prestados Coroa como coletor de impostos. Sua

    filha D. Veridiana da Silva Prado (1826-1910), bisav de Caio Prado Jnior,

    inaugura, provavelmente, na famlia a verve revolucionria (DAvila, 2004).

    Mulher emancipada separa-se do marido Martinho Prado e exerce grande

    influncia tanto na famlia quanto na sociedade paulista do final do sculo XIX.

    Compra em 1878 um terreno na ento Rua Santa Ceclia (hoje rua Dona

    Veridiana) e constri um palacete onde mantm o salo literrio mais importante

    da cidade de So Paulo, recebendo personalidades, promovendo encontros e

    debates entre as mais diversas tendncias e credos polticos (Karepovs, 2003: 9).

    Filho de Veridiana Prado, Antnio Prado (tio-av de Caio Prado Junior),

    escolhido prefeito da cidade em 1899, cargo que ocupou at 1910. Obteve

    sucesso na administrao da cidade sendo seu trabalho marcado pelo

    embelezamento da cidade bem como de obras de elevada importncia cultural

    como o caso do Teatro Municipal de So Paulo e da Praa da Repblica.

    (Karepovs, 2003: 8).

    Martinico da Silva Prado Junior (1843-1906), av de Caio Prado Junior,

    segundo filho de Veridiana, foi o primeiro deputado republicano Assemblia

    Constituinte de So Paulo e um dos abolicionistas e promotores da imigrao

    europia subvencionada mais destacados. Seu currculo ilustra seu empenho em

    reformar os convencionalismos e os padres tradicionais da poltica do Imprio.

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    J, quando cursava a Faculdade de Direito, ele afrontava a elite paulista com

    pensamentos libertrios e democrticos europeus defendendo a aplicabilidade dos

    mesmos no Brasil. Como deputado pelo Partido Republicano em 1878, sempre

    recorria ao exemplo da Frana e Estados Unidos, pases pioneiros na

    modernizao do Estado, para salientar a necessidade de reformas polticas no

    pas (Karepovs, 2003: 9).

    Sabe-se que seu esprito inovador repercutiu fortemente na formao de

    seus filhos, cuja educao diferiu em muito da recebida em famlias tpicas da elite

    brasileira. Incentivou a educao no rgida dos filhos como parte de seu

    republicanismo e de seu repdio aos costumes no tradicionais. Numerosa, tendo

    como membro o pai de Caio Prado Jr., sua famlia era reconhecida como um cl

    de rebeldes, fato que Ina von Binzer, governanta alem que cuidou dos seus

    filhos, narra em seu livro de memrias Alegrias e tristezas de uma governanta

    alem no Brasil, salientando que os pequenos Prados tinham a fama de crianas

    mais mal criadas de toda So Paulo (von Binzer, 1956). 4

    A despeito de sua condio de elite, alguns membros da famlia Silva

    Prado, como Martinico Prado, tenderam para idias de cunho liberal, adotando

    carter progressista e, como o caso de Caio Prado Junior, levando s ltimas

    conseqncias a vida segundo ideais revolucionrios, sofrendo por isso prises e

    censura durante a sua vida.

    4Para ilustrar o comportamento dos filhos de Martinico Prado, e ainda situar sua posio na vida social

    paulista curioso conhecer um caso contado em famlia. Em 1887, sua me Veridiana promoveu umarecepo para D.Pedro II. Durante o encontro, Martinico Prado Neto, de seis anos de idade e filho deMartinico, atingiu o imperador na face com uma bola de ptalas de rosa. Segundo uma verso da historia, D.Pedro parou colocou sua mo sobre a cabea do menino e perguntou: este quem ? Filho de Martinico,respondeu Veridiana. Sorrindo, o imperador teria dito: to pequeno e j com instintos revolucionrios como opai. Na verso de Caio Prado Jnior, neto de Martinico, esta histria tinha uma diferena. D. Pedro II noteria sorrido ao saber da identidade de seu pequeno agressor, e, sim, teria manifestado certa raiva (Karepovs,2003: 10).

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    Caio Prado Junior, como era comum entre as elites da poca, teve

    formao escolar privilegiada contando, em seu incio, com a orientao, em casa,

    de professores particulares.5 Em 1918, ingressou no Colgio So Luis, dos

    jesutas, que neste mesmo ano se mudara da cidade de Itu para a Capital,

    instalando-se na Avenida Paulista. Nele permaneceu at a concluso de sua

    formao secundria, tendo esta apenas um ano de interrupo, em razo de

    doena de um de seus irmos. Por esta poca, freqentou por um ano o colgio

    Chelmsford Hall, em Eastbourn, Inglaterra. Entre 1924 e 1928, estudou na

    Faculdade de Direito do Largo de So Francisco, tornando-se Bacharel em

    Cincias Jurdicas e Sociais aos 21 anos. Exerceu a advocacia por alguns anos

    (Karepovs, 2003: 10-11). Teve, durante a Faculdade de Direito, rico contato com o

    universo da crtica e do ensasmo poltico.6

    Em 1928 ingressou no Partido Democrtico (PD), influenciado pelo pai, e

    por no tolerar o Partido Republicano Paulista (PRP), uma vez que se indignara

    com fraude promovida por esse nas eleies municipais daquele ano. (Karepovs,

    2003: 11). Fundado em 1926, o PD reunia parte da elite paulistana descontente

    com a hegemonia do Partido Republicano Paulista, um dos principais

    sustentculos do pacto liberal-oligrquico conhecido como poltica do caf-com-

    5Sobre a formao escolar da elite brasileira do perodo, ver Needell, 1993. Para uma viso integrada do

    tema, ver Nagle, 1977.6Embora como aponta Francisco Iglsias o curso de direito, na Faculdade de So Paulo pouco tenha validoa Caio Prado Jnior, pois no se dedicou advocacia (Iglsias, 2000: 200), talvez no se devesse minimizara experincia de sociabilidade intelectual e poltica da instituio para a compreenso da formao dohistoriador paulista. A Faculdade de Direito constitua, poca, no apenas o reforo institucional dasocializao da elite brasileira, como tambm uma instncia mediadora na importao e difuso da produointelectual europia no pas, centralizando tanto a produo intelectual nacional, quanto parte significativados meios materiais de sua divulgao atravs de revistas e jornais jurdicos e literrios (Botelho, 2002: 57).De modo que, ao longo da Primeira Repblica, como observou Srgio Miceli, os estudantes dos cursos

    jurdicos tinham no apenas a pretenso mas tambm a possibilidade objetiva de ingressar nas carreirasligadas ao trabalho poltico e intelectual ou, ento, de ser convocados para os escales superiores do serviopblico, no mbito seja das administraes estaduais, seja do governo central (Miceli, 2001: 118).

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    leite que predominou no Brasil nas primeiras dcadas do sculo XX.7

    interessante notar ainda que seu tio-av, Antnio Prado, destacara-se entre os

    fundadores desse novo partido.

    Durante a campanha para as eleies presidenciais de 1930 o Partido

    Democrtico apoiou Getlio Vargas, candidato da Aliana Liberal, contra o

    candidato oficial do regime representante do PRP, Jlio Prestes. Embora no

    ocupasse posio de destaque, Caio Prado Jnior participava intensamente como

    militante, organizando o Partido Democrtico nos bairros e no interior do Estado, e

    ainda prestando servios de rotina como a organizao de comcios, e, logo

    depois participando de episdios que antecederam a chamada Revoluo de 1930

    (Ibidem). Por esta ocasio teve sua primeira priso quando, em campanha

    eleitoral, em 31 de dezembro de 1929, estando em uma recepo oferecida a Julio

    prestes por membros da elite paulista, deu um viva Getlio Vargas (Ibidem).

    Tendo sido derrotada nas urnas, a Aliana Liberal iniciou os preparativos

    para um golpe de estado que desembocaram no movimento armado de 3 de

    outubro de 1930. Caio Prado Junior participa neste momento de operaes de

    sabotagem nas instalaes de comunicaes da estrada para o Rio de Janeiro

    (Ibidem). Aps a vitria das foras aliancistas, Caio Prado Jnior foi designado

    para a Delegacia Revolucionria de Ribeiro Preto, onde trabalhou cerca de trs

    meses. Uma de suas atribuies foi realizar um levantamento sobre os abusos do

    governo deposto, e em especial, apurar casos de corrupo. Dando-se conta da

    inutilidade de seus esforos, pois seus inquritos eram imediatamente arquivados,

    7Sobre o Partido Democrtico ver Carone, 1975; Love, 1975 e Schwartzman, 1977.

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    logo se afastou do cargo e decepcionado com a inconsistncia poltica e

    ideolgica da chamada Repblica Nova.

    Aproxima-se, ento, do marxismo, filiando-se ao Partido Comunista

    Brasileiro (PCB) em 1931. No perodo, dedica-se entre outras atividades

    traduo do Tratado de Materialismo Histrico, de autoria de Nicolai Bukharin,

    editado em quatro volumes pelas Edies Caramuru em 1933 e 1934 (Ibidem). Ao

    entrar no PCB, encontra um momento particularmente difcil para os intelectuais,

    j que para se adequar s novas orientaes polticas preconizadas no VI

    Congresso da Internacional Comunista, o partido acusava a social-democracia

    como tributria do fascismo, perseguindo em suas fileiras os que se

    identificavam com a linha poltica anterior, avaliada como pequeno-burguesa

    (Karepovs, 2003: 12).8

    Neste momento, em virtude de suas atividades profissionais, ou ainda

    origem social, vrios intelectuais, como o caso de Astrojildo Pereira e Otavio

    Brando, foram destitudos ou afastados da direo partidria ou convidados a

    realizar autocrticas quanto a sua militncia poltica. Ainda, seguindo esta mesma

    orientao chamada obreirista, diversos cargos da direo do partido foram

    ocupados por operrios e militantes que pareciam se identificar com a nova

    orientao (Idem, 2003: 12). No caso de Caio Prado Jnior sua condio de

    intelectual, sua origem social e ainda sua conhecida independncia frente aos

    cnones ideolgicos, marcaram quase que de modo permanente sua longa

    relao, nem sempre pacfica, com o PCB, como ele mesmo assinalou anos mais

    8Sobre Caio Prado Jnior e o PCB, ver Brando, 1997 e Ricupero, 2000.

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    tarde: Nunca pertenci direo do Partido, nem tive nele grande prestigio ou

    influncia. Sempre fui um elemento secundrio e mal considerado, no em termos

    pessoais, mas por causa da minha maneira de interpretar o Brasil. Sempre fui

    muito marginalizado no Partido, pela oposio a seus esquemas polticos e

    econmicos, que eu considerava falhos, no que diziam respeito ao Brasil (Apud

    Karepovs, 2003: 8).

    , portanto, em meio s atividades polticas que Caio Prado inicia sua

    atividade propriamente intelectual, com a publicao, em 1933, de A evoluo

    poltica do Brasil. Nessa obra, publicada por sua conta, procurou traar a sntese

    da nossa evoluo poltica, inaugurando, no pas, o uso de nova chave de

    interpretao da sociedade brasileira: o materialismo dialtico. Entre seus

    objetivos, estava o de mostrar, num livro ao alcance de todo mundo, que tambm

    na nossa histria os heris e os grande feitos no so heris e grandes seno na

    medida em que acordam com os interesses das classes dirigentes, em cujo

    benefcio se faz a histria oficial (ApudKarepovs, 2003: 12). Fato relevante que

    este livro aparecia com o subttulo de Ensaio de interpretao materialista da

    histria brasileira, o que remetia originalidade de seu pensamento pretendendo

    diferenci-lo das interpretaes da sociedade brasileira anteriores e mesmo ento

    correntes. Caio Prado, no entanto, em 1946, abandona este subttulo e o publica,

    ao lado de outros ensaios anexados, como Evoluo Poltica do Brasil e outros

    estudos.

    Em Evoluo Poltica do Brasilj antecipa uma de suas teses fundamentais

    daquilo que viria a ser tanto a sua obra como todo quanto seu debate junto ao

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    Partido Comunista Brasileiro: a impossibilidade de entender o perodo colonial

    brasileiro como feudal.9Como sugeriu Francisco Iglsias sobre o livro:

    percebe-se no autor pleno domnio da trajetria nativa, em viso

    original. Sinttico, apreende o essencial do processo da Colnia, datransio e do Imprio. H a achados brilhantes e definitivos. No sefala em feudalismo, como era comum fala um pouco, de modoatenuado e de todo revisto em texto posteriores -, pela aplicao decategorias do mundo europeu. Esta ser uma das idias bsicas, muitorepetida em outros escritos e uma das origens de suas discordnciascom os rotulados marxistas locais (Iglsias, 2000: 202)Outro tema que o acompanha durante sua vida intelectual e poltica e que

    analisa j neste seu livro de estria o do latifndio, situando-o aos idos da

    colnia e ao modo de produo prprio da mesma. Ainda inovadora sua detida

    narrativa sobre as revoltas do perodo da Regncia. Para Francisco Iglesias

    autores anteriores a Caio Prado Jnior no apontavam o interesse que o perodo

    dispe justamente