Curso de Análise Matemática
I Parte
Omar Catunda
Prefácio
Os primeiros capítulos do presente Curso de Análise Matemática já são
bastante conhecidos dos estudantes de São Paulo, pois durante vários anos
têm sido divulgados sob forma de apostilas mimeográficas.
A presente edição, que tencionamos completar, incluindo toda a matéria
fundamental dada nos três anos da cadeira de Análise Matemática da Facul-
dade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, foi cui-
dadosamente revista e atualizada. O autor preocupou-se, particularmente,
em simplificar as demonstrações, sem sacrifício do rigor matemático, e ao
mesmo tempo em manter a constante aproximação da Análise com a intui-
ção geométrica; neste sentido, este curso, vem se afastando pouco a pouco
do caráter excessivamente abstrato que o Professor Luigi Fantappiè impri-
miu ao seu curso, quando aqui lecionou de 1943 a 1939. No entanto, em
suas linhas gerais, o curso segue ainda a orientação daquele professor. Além
disto, devemos ainda assinalar as constantes consultas que temos feito aos
tratados clássicos de F. SEVERI, E. GOURSAT, J. HADAMARD, CH. DE LA
VALÉE POUSSIN, etc., e a outros mais recentes, como os de L. GODEAUX, G.
VALIRON, PH. FRANKLIN, etc..
Devemos também advertir que o curso que é dado na Faculdade de Fi-
losofia não segue exatamente a exposição do atual curso. É assim que, no
primeiro ano da Faculdade, o curso tem um caráter mais prático, dando-se,
além das definições de limites e os teoremas mais elementares, toda a parte
algorítmica de derivação e integração das funções elementares, de uma ou
mais variáveis, as aplicações geométricas, o cálculo de integrais duplas e os
tipos elementares de equações diferenciais lineares. No segundo ano retoma-
mos o curso, expondo a teoria dos campos de números e os teoremas mais
delicados contidos no Capítulo IV - de Borel-Lebesgue, de Weierstrass, de
Heine e o critério de convergência de Cauchy; segue-se o estudo das séries
numéricas e de funções, de integrais múltiplas e os teoremas de existência
das equações diferenciais. Esta alteração da ordem foi reconhecida absoluta-
mente necessária, dada a falta de amadurecimento com que os estudantes se
apresentam às escolas superiores.
i
ii PREFÁCIO
O autor aceita, e mesmo solicita encarecidamente, toda e qualquer crítica
tendente a melhorar o curso, para futuras edições.
São Paulo, abril de 1952.
Sumário
Prefácio i
Capítulo I. Teoria dos Números Reais 1
§ 1. Fundamentos intuitivos do conceito de número 1
§ 2. Postulados de PEANO 2
§ 3. Operações fundamentais. Desigualdade 3
§ 4. Números reais absolutos 4
§ 5. Números inteiros relativos 5
§ 6. Números racionais relativos 7
§ 7. Secções no campo racional absoluto 7
§ 8. Operações entre os números reais absolutos 10
§ 9. Desigualdades 11
§ 10. Números reais relativos 11
§ 11. Propriedades das desigualdades 12
§ 12. Conjuntos ordenados e densos 13
§ 13. Conjuntos contínuos. Continuidade do campo real 14
§ 14. Classes minorantes e majorantes 15
§ 15. Classes contíguas. Representação decimal 15
§ 16. Representação dos números reais sobre uma reta 17
§ 17. Intervalos e entornos 18
§ 18. Elementos infinitos 19
Exercícios 20
Capítulo II. Potências e Logaritmos dos Números Reais 23
§ 1. Potência com expoente inteiro e positivo 23
§ 2. Potência com expoente negativo ou nulo 23
§ 3. Propriedades das potências em relação às desigualdades 24
§ 4. Raízes e propriedades dos radicais 26
§ 5. Potências com expoente fracionário 29
§ 6. Potências com expoente real 31
§ 7. Função exponencial 32
§ 8. Logaritmos e suas propriedades 32
iii
iv SUMÁRIO
Exercícios 35
Capítulo III. Números Complexos 37
§ 1. Definição e operações 37
§ 2. Complexos conjugados. Norma e módulo 39
§ 3. Aplicações 41
§ 4. Forma trigonométrica dos números complexos, fórmula de
MOIVRE 42
§ 5. Representação geométrica dos números complexos 43
§ 6. Raiz de um número complexo 46
§ 7. Raízes da unidade 47
§ 8. Equações binômias 50
Exercícios 50
Capítulo IV. Conjuntos Lineares. Funções e Limites no Campo Real 53
§ 1. Conjunto linear. Extremos 53
§ 2. Pontos de acumulação. Teorema de BOLZANO 56
§ 3. Conjuntos derivados 57
§ 4. Teorema de BOREL-LEBESGUE 58
§ 5. Conceito de função segundo DIRICHLET 59
§ 6. Gráfico de uma função 61
§ 7. Funções elementares 61
§ 8. Exemplos de funções não elementares 64
§ 9. Extremos das funções. Teorema de WEIERSTRASS 66
§ 10. Noção geral de limite 67
§ 11. Limites sobre conjuntos parciais. Limite à esquerda e limite à
direita 70
§ 12. Continuidade 71
§ 13. Teoremas sobre limites e funções contínuas 73
§ 14. Continuidade das funções elementares 77
§ 15. Limite da razão do seno para o arco 80
§ 16. Funções monótonas 82
§ 17. Conjunto linear. Extremos 85
§ 18. Número e. Logaritmos neperianos 86
§ 19. Funções contínuas em um intervalo fechado 89
§ 20. Continuidade uniforme. Teorema de HEINE 91
§ 21. Critério de convergência de Cauchy 92
§ 22. Limite máximo, limite mínimo e oscilação em um ponto 94
§ 23. Funções com valores complexos 95
SUMÁRIO v
§ 24. Funções de variável complexa 96
Exercícios e Complementos 96
Índice Remissivo 101
CAPÍTULO I
Teoria dos Números Reais
§ 1. Fundamentos intuitivos do conceito de número. Na Matemática ele-
mentar a noção de número se apresenta sob dois aspectos distintos: De um
lado, como resultado da operação de contar os elementos de um conjunto,
como um grupo de pessoas, uma coleção de objetos, etc., e sob este ponto de
vista pode-se dizer que um número é um atributo de um conjunto, que não
depende nem da natureza nem da ordem de colocação dos elementos desse
conjunto, sendo que dois conjuntos têm o mesmo número quando (e somente
quando) os seus elementos podem ser postos em correspondência um a um,
sem exceção. Assim se obtêm os números naturais, 1, 2, 3, . . . , para os quais
se definem, pela consideração de reunião de dois ou mais conjuntos, as ope-
rações de soma e multiplicação, assim como as duas inversas, subtração e
divisão.
Mas quando se estuda a teoria das grandezas chega-se à noção de nú-
mero como razão de duas grandezas homogêneas ou como medida de uma
grandeza em relação a outra da mesma espécie, tomada como unidade. Sob
esse ponto de vista podem-se obter como casos particulares os mesmos nú-
meros naturais, quando somando grandezas iguais à unidade se obtém uma
grandeza igual àquela que se quer medir: neste caso, a medida é o número de
grandezas iguais que se somaram. Se esta operação é impossível, pode acon-
tecer que a grandeza dada e a unidade sejam comensuráveis, isto é, que exista
uma outra grandeza contida em um número exato n de vezes na unidade e ao
mesmo tempo um número exato m de vezes na grandeza dada, cuja medida
será então o número racional mn, que pode ser inteiro, se m for múltiplo
de n, ou fracionário, no caso contrário. Existem porém grandezas incomen-
suráveis com a unidade,1 para as quais a medida se introduz abstratamente,
pela consideração das medidas (números racionais) aproximadas por falta e
1Por exemplo, a diagonal do quadrado construído sobre a unidade de comprimento é
incomensurável com esta, pois se houvesse uma medida comum contida n vezes no lado do
quadrado em vezes na diagonal, do teorema de PITÁGORAS se deduziriam2 “ 2n2, igualdade
impossível entre números inteiros, pois o primeiro membro só pode contar o fator primo 2
com expoente par, e o segundo membro contém certamente este fator com expoente ímpar.
1
2 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
por excesso, admitindo que a medida exata de uma tal grandeza é um nú-
mero maior que todas as medidas aproximadas por falta e menor que todas
as medidas aproximadas por excesso. Essas medidas de grandezas incomen-
suráveis com a unidade chamam-se números incomensuráveis, e os números
racionais e irracionais chamam-se em geral números reais. Enfim, pode-se
também introduzir a noção de grandeza nula, ou de medida zero, e de gran-
dezas contadas em sentido oposto ao da unidade, obtendo-se assim a noção
de número negativo.
Desta maneira, já na matemática elementar se introduzem os números
reais relativos, com suas operações, relações de desigualdade, etc.
§ 2. Postulados de PEANO. Mas para a construção de um edifício lógico
como é a Análise Matemática, é conveniente fazer uma revisão do conceito
de número, introduzindo esse conceito, a partir do de número natural, de ma-
neira puramente lógica, sem fazer nenhum apelo a noções exteriores, como a
de grandeza ou a de conjunto de objetos.
Para isto, se introduzem, sem definição, como conceitos primitivos: uma
classe - a classe dos números (subentende-se, neste parágrafo e no seguinte -
números naturais); um indivíduo - o número 1; e uma relação expressa pelo
qualificativo “sucessor”. Para esses entes, toma-se como ponto de partida o
seguinte sistema de postulados, chamados postulados de PEANO:
I) 1 é um número.
II) Todo número tem um sucessor, que é um número.
III) 1 não é sucessor de nenhum número.
IV) Números distintos têm sucessores distintos.
V) Se um conjunto de números contém o número 1 e se, do fato dele
contar um número n, se deduz que ele contém o sucessor de n, esse conjunto
contém todos os números.
Este último tem o nome de postulado ou princípio de indução, e é usado
frequentemente nas demonstrações.
É fácil verificar que os números já introduzidos como atributos de con-
juntos gozam dessas cinco propriedades, o que justifica o emprego da expres-
são - “número de elementos de um conjunto”, que se usa também em Análise
Matemática; os conjuntos que se consideram em matemática elementar para
a definição de número e de operações entre números são justamente aqueles,
chamados conjuntos finitos, aos quais é possível associar um dos números
naturais, que se deduzem dos postulados de PEANO. Os conjuntos para os
quais essa operação é impossível, isto é, aqueles para os quais a operação de
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 3
contagem dos seus elementos não tem fim, chamam-se conjuntos infinitos. O
próprio sistema constituído por todos os números naturais é infinito.
Enfim, pode-se verificar também que os postulados I) a V) contêm em si
todas as propriedades essenciais dos números naturais.
§ 3. Operações fundamentais. Desigualdade. Para a introdução das ope-
rações entre os números naturais, usaremos o processo de recorrência; assim,
para definir, de modo geral, a soma a ` b de dois números quaisquer a e b,
pomos:
a` 1 “ sucessor de a
a` pb` 1q “ sucessor de a` b.
Pelo postulado V, vê-se que estas duas definições permitem definir a soma
de dois números naturais quaisquer.
Quando, dados dois números a e b, existe um terceiro número c tal que
a “ b ` c, diz-se que a é maior que b (a ą b) ou que b é menor que a
(b ă a), e que c é a diferença entre a e b: c “ a´ b.
Analogamente se pode definir o produto a.b ou ab de dois números na-
turais, pondo:
a.1 “ a
a pb` 1q “ ab` a.
Das definições dadas acima e do princípio de indução, segue-se que a
soma e o produto de números naturais gozam das seguintes propriedades:1. pa`bq ` c “ a` pb` cq,
pabqc “ apbcq2. a` b “ b` a, ab “ ba
3. pa` bqc “ ac` bc,apb` cq “ ab` ac
4. Se a` b “ a` c, b “ c;
se ab “ ac, b “ c
(propriedade associativa)
(propriedade comutativa)
(propriedade distributiva do
produto em relação à soma)
(lei de cancelamento da soma e do
produto).A desigualdade, definida acima pelas relações “maior” e “menor”, goza
das seguintes propriedades, que se deduzem dos postulados e das proprieda-
des anteriores da soma:
5. Entre dois números quaisquer a e b, subsiste sempre uma e uma única
das seguintes relações:
a ą b, a “ b, a ă b.
6. Se a ă b e b ă c, tem-se certamente a ă c (propriedade transitiva da
desigualdade).
4 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
7. Dados dois números quaisquer a e b, existe sempre um número natural
n tal que na ą b (teorema de ARQUIMEDES).2
Estas propriedades, que se baseiam estritamente nos postulados de PE-
ANO e na definição das operações e das relações de desigualdade, servem de
fundamento a toda a teoria dos números inteiros como o estudo dos sistemas
de numeração, a teoria da divisibilidade, e a dos números primos.
Mas a impossibilidade, em certos casos, das operações inversas de sub-
tração, divisão e extração de raiz (operação inversa da potenciação, que será
examinada no próximo capítulo) nos leva à construção de várias extensões
do campo dos números, que examinaremos resumidamente nos parágrafos
seguintes.
§ 4. Números reais absolutos. Tomemos um número natural n. Em vez
desse símbolo n, adotemos para esse número uma qualquer das notações
ana, em que a é um número natural qualquer; reciprocamente, dados dois
números naturais a e b, se a é divisível por b, escreveremos o quociente
sob a forma ab. Todo número natural n pode pois ser representado por
esta notação, desde que o par de números a e b satisfaça à relação a “bn; para que ab e cd representem o mesmo número n, devemos ter a “bn e c “ dn, donde se deduz, usando a propriedade comutativa e a lei do
cancelamento do produto, adn “ bnc, ou ad “ bc.
Vê-se também que: um número natural representado pelo símbolo abnão se altera, se multiplicarmos ou dividirmos a e b pelo mesmo número; que
para somar dois números naturais representados pelos símbolos ab e cb,
basta somar os primeiros números, e que portanto, usando a regra anterior
ab ` cd “ adbd ` bcbd “ pad ` bcqbd; que o produto dos números
naturais ab e cd é o número acbd.
Posto isto, dados dois números naturais quaisquer a e b, chamaremos de
fração ou número racional a esse par de números escrito sob a forma ab, e
diremos que outro par de números cd define a mesma fração, isto é, que
a
b“ c
dse tivermos ad “ bc.
Verifica-se imediatamente que a igualdade assim definida goza das pro-
priedades reflexiva (ab “ ab), simétrica (se ab “ cd, cd “ ab) e
transitiva (se ab “ cd e cd “ ef, ab “ ef). Os números que servem
2Chamaremos assim esta propriedade, em vista da sua semelhança com o postulado
sobre segmentos de retas (v. § 16), que é geralmente conhecido como postulado de ARQUI-
MEDES. No caso dos números naturais, basta notar que para quaisquer números naturais a e
b, temos sempre pb` 1qa ą b.
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 5
para definir uma fração chamam-se termos da fração, sendo o primeiro o nu-
merador e o segundo o denominador. Da definição de igualdade segue-se que
uma fração não se altera quando se multiplicam ou dividem os seus termos
por um mesmo número, donde se deduz que é sempre possível transformar
duas frações dadas ab e cd em frações homogêneas, isto é, com o mesmo
denominador: adbd e bcbd. Definindo-se depois a soma de frações ho-
mogêneas pela soma dos numeradores (ab ` cb “ pa ` cqb), temos, em
geral,a
b` c
d“ ad
bd` bc
bd“ ad` bc
bd.
Define-se também o produto pondo ab ¨ cd “ acbd.
Definindo-se depois a desigualdade como anteriormente, isto é, pela afir-
mação de que a soma de dois números racionais é sempre maior que qualquer
das parcelas, pode-se facilmente verificar que para os números ab assim in-
troduzidos, valem as mesmas propriedades 1. a 7. do § 3; obtemos assim
um novo campo de números - o campo dos números racionais - que contém
o campo já conhecido dos números naturais, pois toda fração ab em que
a é divisível por b, representa um número natural. No novo campo valem
as mesmas operações e relações de desigualdade que no anterior, mas além
disto se obtêm outras propriedades importantíssimas:
1 1) No campo racional é sempre possível considerar a divisão como ope-
ração inversa da multiplicação, isto é, dados dois números racionais quais-
quer p “ ab e q “ cd, existe sempre um e um único número racional
x “ ab ¨ dc tal que qx “ p; esse número se chama quociente de p (divi-
dendo) por q (divisor) e se escreve sob a forma x “ pq.
2 1) No campo racional, dados dois números quaisquer p e q, existe sem-
pre outro número compreendido entre eles, pois se por exemplo é p ă q,
temos certamente p ă pp` qq2 ă q.
§ 5. Números inteiros relativos. Por um processo análogo ao do pará-
grafo anterior, podemos escrever todo número natural n sob a forma pa `nq´a, qualquer que seja o número natural a; por outro lado, dados dois nú-
meros naturais a e b tais que a ą b, fica determinada a diferença a´b. Vê-se
facilmente que: dois números naturais a ´ b e c ´ d são iguais se tivermos
a ` d “ b ` c; a soma dos números naturais a ´ b e c ´ d pode sempre ser
representada como a diferença pa` cq ´ pb` dq, e o produto, pela diferença
pac` bdq ´ pad` bcq.Posto isto, definimos como número inteiro relativo um par de números
naturais quaisquer a e b, escrito sob a forma a´b, e dizermos que outro par
c´d representa o mesmo número, isto é, que a´b “ c´d se a`d “ b` c.
6 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
A soma e o produto definem-se pelas igualdades pa ´ bq ` pc ´ dq “pa ` cq ´ pb ` dq; pa ´ bq ¨ pc ´ dq “ pac ` bdq ´ pad ` bcq das quais
se deduz facilmente que tais operações satisfazem também neste campo às
propriedades 1. a 4. do § 3.
Os números inteiros relativos a ´ b se classificam em três categorias,
conforme seja a ą b, a “ b ou a ă b. No primeiro caso, ponto a ´b “ n, obtemos, como já vimos, uma das representações do número n;
diremos que tal número é positivo e escreveremos a´ b “ `n. No segundo
caso, obtemos um único número, que chamaremos zero ou número nulo e
indicaremos com o símbolo 0 “ a´ a. Finalmente, no terceiro caso, pondo
b ´ a “ m, obtemos um número que indicaremos com ´m “ a ´ b e que
diremos número negativo, oposto do número `m “ b ´ a. Diremos que
os números positivos têm sinal mais (`) e que os números negativos têm
sinal menos (´). Chamaremos valor absoluto |p| de um número relativo p,
o próprio número se este for positivo ou nulo, ou o seu oposto, se p for
negativo.
Diremos que um número relativo p é maior que outro, q, quanto existir
um número positivo r tal que se tenha p “ q ` r. É fácil verificar que
além das propriedades 1. a 4., os números relativos satisfazem também às
propriedades 5. e 6. do § 3, relativas às desigualdades.3
Mas além disto, os novos números satisfazem também às seguintes pro-
priedades:
12) No novo campo está sempre definida a diferença como operação
inversa da soma, isto é, dados os números relativos p “ a ´ b e q “ c ´ d,
existe sempre um e um único número x “ pa ` dq ´ pb ` cq, que satisfaz
à condição p “ q ` x, e que se chama diferença p ´ q entre o número p
(minuendo) e o número q (subtraendo).
22) Existe nesse campo o número zero (0) que somado com qualquer
outro deixa este inalterado: pa ´ bq ` 0 “ pa ´ bq ` pc ´ cq “ pa ` cq ´pb` cq “ a´b, e que multiplicado por qualquer outro dá um produto nulo:
pa ´ bq.0 “ pa ´ bqpc ´ cq “ pac ` bcq ´ pac ` bcq “ 0. A soma de dois
números opostos é sempre zero.
3Para os números negativos e para o zero, não vale o teorema de ARQUIMEDES.
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 7
32) Escrevendo-se os números relativos sob as formas simplificadas `n,
0, ´m, valem sempre as regras de sinais para a soma, subtração e multipli-
cação: (a e b são números naturais)
p`aq ` p`bq “ p`aq ´ p´bq “ `pa` bq,p`aq ` p´bq “ p´bq ` p`aq
“ p`aq ´ p`bq “ p´bq ` p`aq “ `pa´ bq “ ´pb´ aq,p´aq ` p´bq “ p´aq ´ p`bq “ ´pa` bq,
p`aq.p`bq “ p´aq.p´bq “ `ab,
p`aq.p´bq “ p´aq.p`bq “ ´ab.
§ 6. Números racionais relativos. Chamaremos números racionais ab-
solutos, os números racionais introduzidos no § 4, construídos a partir dos
números naturais. Construindo agora como no parágrafo anterior, os pa-
res p ´ q em que p e q são números racionais absolutos, e introduzindo do
mesmo modo as operações e relações de desigualdade, obtemos o campo dos
números racionais relativos, que contém os três campos definidos até aqui:
o campo dos números naturais, o dos números racionais absolutos e dos in-
teiros relativos. Neste novo campo as operações e relações de desigualdade
satisfazem às mesmas propriedades 1. a 6. do § 3, 2 1 do § 4 e 12) a 32) do
§ 5; a propriedade 1 1) do § 4 vale desde que se exclua o divisor nulo, pois se
q “ 0, a equação qx “ p ou é indeterminada (se p “ 0) ou não tem solução
(se p ‰ 0), pois qx “ 0x é igual a zero qualquer que seja x. O valor absoluto
de um número se define do mesmo modo que no parágrafo anterior.
A divisão no campo racional relativo obedece às mesmas regras de sinais
que a multiplicação, isto é, supondo sempre q ‰ 0 e sendo p e q números
racionais absolutos, temos:
`p`q “ ´p
´q “ `pq
`p´q “ ´p
`q “ ´pq
.
§ 7. Secções no campo racional absoluto. Tomemos um número r raci-
onal absoluto. Este número determina entre os restantes uma separação em
duas classes: A - a classe dos números a menores do que r, e A 1 - a dos nú-
meros a 1 maiores do que r. Essa divisão do campo racional em duas classes
chama-se uma secção racional ou secção imprópria, para distinguir de outras
que definiremos mais adiante; designaremos uma tal secção com o símbolo
a|a 1. A primeira classe A chama-se classe minorante, a segunda, A 1, classe
8 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
majorante da secção. É fácil verificar que toda secção racional pode ser defi-
nida pelas duas classesA, A 1, de números racionais absolutos, que satisfazem
às seguintes propriedades:
1) Todo número racional absoluto, com uma e uma única exceção, está
em uma e uma só das duas classes.
2) Todo número menor que um número da classe A, pertence a esta
classe; todo número maior que um número da classe A 1 pertence a esta.
3) A classe A não tem máximo; a classe A 1 não tem mínimo.
Com efeito, as propriedades 1) e 2) são evidentes e 3) se deduz da pro-
priedade 2 1) do § 4, pois sendo a ă r, existe outro número a1 compreendido
entre a e r, que pertence portanto à mesma classe A e é maior que a, o que
mostra que nenhum número a pode ser máximo na classe minorante; ana-
logamente se demonstra que nenhum número a 1 pode ser mínimo na classe
majorante. Por outro lado, se duas classes A e A 1 satisfazem às três proprie-
dades acima, é evidente, pela propriedade 2), que o número r que por 1) não
pertence a nenhuma dessas classes está compreendido entre elas, e portanto
as duas classes serão constituídas, respectivamente, pelos números menores
e pelos maiores que r.
Se aos números racionais r e s correspondem as secções a|a 1 e b|b 1, ao
número r` s corresponderá a secção a` b|a 1 ` b 1, cuja classe minorante se
compõe de todas as somas de um número qualquer a por um qualquer b, e
a classe majorante, de todas as somas a 1 ` b 1; ao produto rs corresponderá
analogamente a secção ab|a 1b 1. Com efeito, todo número c ă r` s pode ser
escrito sob a forma a`b, bastando por a “ pcr`sqr ă r e b “ pcr`sqs ă s.
Analogamente, sendo d ă rs, temos ds ă r, logo existe um número racional
a tal que ds ă a ă r, donde se deduz da “ b ă s, isto é, d é o produto de
um número a ă r por um número b ă s. A mesma demonstração se pode
fazer para os números c 1 ą r` s e d 1 ą rs. Isto prova que os pares de classes
a` b e a 1 ` b 1, ab e a 1b 1 constituem efetivamente as secções definidas pelos
números r` s e rs, respectivamente.
Vemos assim que é sempre possível caracterizar um número racional r
pelas duas classes da secção que ele determina e que as operações entre dois
números (e portanto entre mais de dois) estão perfeitamente determinadas
pelas operações entre os números componentes das duas classes determina-
das por cada um dos números dados. Podemos então dizer que a secção a|a 1
não é mais que um dos modos de representar o número r, o que autoriza a
escrever r “ a|a 1.
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 9
Ora, vamos agora definir outras secções, ou pares de classes A (mino-
rante) e A 1 (majorante), que satisfazem às mesmas propriedades 2) e 3), e
que em vez de 1) satisfazem a
1 1) Todo número racional absoluto está em uma e uma só das duas clas-
ses.
O conjunto das duas classes nestas condições forma uma secção própria
no campo racional, ou número irracional, que se dirá definido pela secção;
chamando α esse número, pomos então α “ a|a 1.
Uma tal secção se obtém, por exemplo, pondo na classe A todos os nú-
meros racionais absolutos cujo quadrado é menor que 2, e na classe A 1 todos
aqueles cujo quadrado é maior que 2. Como não há nenhum número inteiro
nem fracionário que tenha por quadrado 2, a propriedade 1 1) está satisfeita;
a propriedade 2) também é evidente. Quanto a 3), basta ver que se a2 ă 2,
pondo 2 ´ a2 “ h e tomando o número racional absoluto k menor que a e
que h3a, temos
pa` kq2 “ a2 ` kp2a` kq ă a2 ` h
3ap2a` aq “ a2 ` h “ 2,
isto é, o número a ` k está também na classe A, o que mostra que nenhum
número a dessa classe pode ser máximo. De maneira análoga se demonstra
que a classe A 1 não tem mínimo. A secção assim construída é por definição
um número irracional que se indica com o símbolo?
2 (raiz quadrada de 2),
e cujo estudo faz parte do capítulo seguinte.
Podemos então definir como número real absoluto toda secção própria
ou imprópria do campo racional absoluto, isto é, todo par de classes A e A 1,
de números racionais absolutos a e a 1 respectivamente, que satisfazem às três
propriedades seguintes:
I) Todo número racional, no máximo com uma exceção, está em uma e
uma só das duas classes.
II) Se a está em A e a1 ă a, a1 está em A; se a 1 está em A 1, e a 11 ą a 1,
a 11 está em A 1.
III) A não tem máximo, A 1 não tem mínimo.
Da propriedade II) se deduz a ă a 1 quaisquer que sejam os elementos a
e a 1. Notemos porém que a recíproca só é verdadeira no caso das secções
próprias.
Uma propriedade das secções próprias ou impróprias que se deduz das
três anteriores é a seguinte:
10 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
I 1) Dado um número racional absoluto arbitrário ε, há sempre um nú-
mero a da classe minorante e outro, a 1, da classe majorante, tais que a 1 ´a ăε.
Para demonstrá-lo, tomemos outro número racional δ ă ε2, e seja a1
um número da classe A. Consideremos os números a1, a1 ` δ, a1 ` 2δ, . . . ;
do teorema de ARQUIMEDES (§ 3) aplicado aos números racionais absolutos,
deduz-se que este conjunto contém elementos da classe A 1; entre esses ele-
mentos existe um mínimo, seja a1 `nδ. Neste caso, o número a1 ` pn´ 1qδpode quando muito ser o elemento de separação das duas classes, mas em
qualquer caso a1 ` pn ´ 2qδ pertencerá certamente à classe A. Os números
a1`pn´2qδ e a1`nδ satisfazem à condição do teorema, pois a sua diferença
é 2δ ă ε.
Esta propriedade I 1) pode substituir a propriedade I) das secções, uma
vez supostas satisfeitas II) e III); com efeito, suposta satisfeita essa condição
I 1), existirá no máximo um número não pertencente a nenhuma das classes,
pois se houvesse dois números racionais excetuados, p e q, supondo p ă q,
teríamos pela propriedade 2), a ă p ă q ă a 1, donde a 1 ´ a ą q ´ p ą 0,
quaisquer que fossem a e a 1, o que contradiz a condição I 1) suposta satisfeita.
§ 8. Operações entre os números reais absolutos. Dados dois números
reais α “ a|a 1 e β “ b|b 1, ponhamos numa classe C as somas c “ a ` b e
numa classe C 1 as somas c 1 “ a 1 `b 1; essas duas classes formam uma secção,
segundo a definição dada no parágrafo anterior. Com efeito, a propriedade
III) é evidente, pois é satisfeita pelas secções dadas. Para a propriedade II),
basta notar que todo número c ă a ` b pode ser representado sob a forma
c “ pca`bqa`pca`bqb, isto é, como soma de um número racional menor
que a com outro menor que b, e esses números pertencem respectivamente
às classes minorantes de α e β; analogamente se demonstra que todo número
c 1 ą a 1 ` b 1 está na classe C 1. Para a propriedade I), basta notar que as
diferenças pa 1 `b 1q ´ pa`bq “ pa 1 ´aq ` pb 1 ´bq satisfazem à condição I 1),
pois é sempre possível escolher cada uma das diferenças a 1 ´a e b 1 ´bmenor
que um número racional absoluto dado, qualquer que seja este; e sendo essas
diferenças positivas, nenhuma soma a ` b pode coincidir com uma soma
a 1 ` b 1. Concluímos pois que as classes C e C 1, formam uma secção, que é o
número γ “ c|c 1, que chamaremos soma dos números dados: γ “ α` β.
De maneira análoga se pode verificar que as classes dos números d “ ab
e d 1 “ a 1b 1 formam uma secção, que se define como produto dos números
dados δ “ αβ.
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 11
Como já vimos, essas duas operações assim definidas se reduzem às ope-
rações já conhecidas no caso dos números α e β serem racionais. É fácil
verificar que as propriedades 1. a 4. do § 3 subsistem aqui, assim como a
propriedade 1 1) do § 4. Também se verifica que a secção racional que de-
fine o número 1 continua a gozar da mesma propriedade α.1 “ α, qualquer
que seja o número real α, e que o produto deste número α por um número
natural n pode também ser definido como a soma de n parcelas iguais a α.
§ 9. Desigualdades. Entre os números reais absolutos a desigualdade se
define do mesmo modo que no § 3. Ora, é fácil ver que dados os dois núme-
ros α “ a|a 1 e β “ b|b 1, para que se tenha α ą β é necessário e suficiente
que um número a coincida com um b 1; com efeito, se existir um número
γ “ c|c 1 tal que seja α “ β` γ, a um número c da classe minorante de γ se
podem associar, pela propriedade I 1), dois números b e b 1 tais que b 1 ´b ă c,
donde b 1 ă b` c, que é por definição um número da classe minorante de α.
Reciprocamente, se existe um número a1 “ b 11, existirão certamente núme-
ros amaiores que números b 1; verifica-se então que a classe constituída pelos
números racionais absolutos c “ a ´ b 1 e a classe constituída por todas as
diferenças c 1 “ a 1 ´b formam uma secção, que define a diferença γ “ α´β,
que satisfaz à igualdade α “ β` γ, e portanto, temos α ą β.
Dessa observação se deduz que entre os números reais absolutos vale a
propriedade 5. do § 3. As propriedades 6. e 7. do mesmo parágrafo se
deduzem com facilidade, assim como a propriedade 2 1) do § 4.
Também se verifica imediatamente que todo número real é maior que
todos os números da sua classe minorante e menor que todos os da sua classe
majorante.
Veremos daqui a pouco (§ 13 e seg.) que novas propriedades se obtêm
no campo real.
§ 10. Números reais relativos. Se tomarmos como ponto de partido o
campo dos números racionais relativos, podemos facilmente definir nesse
campo secções racionais e irracionais, com as mesmas propriedades I) ou
I 1), II) e III) do § 7. As secções racionais definirão o próprio número racional
relativo excluído das duas classes, ao passo que as secções irracionais definem
números irracionais relativos; os números relativos, racionais e irracionais
formam o campo dos números reais relativos, ou o campo real relativo. A
soma e a desigualdade se definem como nos § 8 e § 9. Verifica-se facilmente
que existe sempre a diferença de dois números quaisquer e que o número
racional 0 (zero) continua a gozar das propriedades α` 0 “ α, qualquer que
seja o número α.
12 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
Um número real relativo α “ a|a 1 se diz positivo se o número 0 está na
sua classe minorante, negativo se está na classe majorante. No primeiro caso,
desprezando na classe minorante todos os elementos não positivos, obtemos
evidentemente uma secção no campo racional absoluto, isto é, um número
real absoluto, que por definição é o mesmo número α; esta definição não
implica em nenhuma contradição, pois é claro que as operações de soma e
desigualdade entre números positivos conduzem ao mesmo resultado, quer
se considerem ou não os números negativos e o 0 das classes minorantes.
O valor absoluto se define como no § 5. Desta maneira, todo número real
diferente de zero está perfeitamente determinado pelo seu valor absoluto, que
é um número real positivo, e pelo seu sinal.
Levando então em conta a definição do produto de números absolutos
podemos definir o produto de números reais relativos pelas seguintes igual-
dades (em que α, β são números absolutos);
`α. ` β “ ´α. ´ β “ `αβ; ´α. ` β “ `α. ´ β “ ´αβ;
α.0 “ 0.α “ 0.
Com estas definições verifica-se que no campo real relativo, como no
campo racional relativo, estão definidas as quatro operações elementares,
chamadas operações racionais: soma, subtração, multiplicação e divisão
(com divisor diferente de zero). Estas operações e as relações de desigual-
dade satisfazem às propriedades 1. a 6. do § 3, 1 1. e 2 1. do § 4 e 12., 22. e
32. do § 5.
§ 11. Propriedades das desigualdades. Vamos enumerar as propriedades
mais importantes das relações de desigualdade no campo real relativo, que
se demonstram facilmente fazendo uso da definição e das propriedades das
operações (α, β, γ, δ são números reais relativos, e o símbolo ď indica que o
número à esquerda pode ser menor ou igual ao da direita):
1. De α S β segue-se, respectivamente,
α˘ γ S β˘ γ e γ´ α T γ´ β.
2. De α ď β e γ ď δ segue-se α` γ ď β` δ.3. De α ě β e γ ď δ segue-se α´ γ ě β´ δ(em 2. e 3. só vale a igualdade no caso α “ β e γ “ δ).
4. De α ą β e γ S 0 segue-se, respectivamente, αγ S βγ.
5. |α| ´ |β| ď |α˘ β| ď |α| ` |β|.
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 13
Esta última propriedade é de uso frequente nas demonstrações; a segunda
relação se estende a um número qualquer de parcelas:
|α˘ β˘ γ˘ . . . | ď |α| ` |β| ` |γ| ` . . .
§ 12. Conjuntos ordenados e densos. As palavras conjunto, coleção, fa-
mília, classe, etc., são palavras sinônimas em matemática; só o uso é que
determina, em certos capítulos desta ciência, qual destas palavras deve ser
empregada, de preferência, em cada caso particular. De qualquer maneira,
sempre que falarmos em conjunto, suporemos que ele esteja bem definido,
ou pelo conhecimento individual dos seus elementos ou por um critério em
virtude do qual, dado um elemento, se possa dizer com segurança se ele faz
parte ou não do conjunto dado.
Vimos nos números anteriores vários exemplos de conjuntos: o conjunto
dos números naturais, dos números inteiros relativos, dos números reais ab-
solutos, etc.. Assim também podemos considerar, em Geometria, o conjunto
dos pontos de um segmento, o conjunto das retas de um plano, o conjunto
das curvas planas de 2a. ordem, etc., em Álgebra, o conjunto dos polinômios
com coeficientes inteiros, o conjunto das raízes de uma equação, etc..
Dizemos que um conjunto C está ordenado, quando é dado um critério
segundo o qual, dados dois elementos distintos quaisquer a e b de C, se
pode sempre afirmar que ou a precede b ou a segue b, estas duas relações
excluindo-se mutuamente e satisfazendo à propriedade transitiva, isto é: “Se
a precede b e b precede c, então a precede c”.
Do fato dessas relações de ordem se excluírem, segue-se que a precede b,
b segue a, e da propriedade transitiva admitida para a relação “preceder” se
deduz facilmente que a relação “seguir” goza da mesma propriedade.
Todos os campos de números estudados atrás podem ser ordenados se-
gundo o critério do valor algébrico, isto é, dizendo-se que um número a
precede ou segue outro número b, segundo seja a ă b ou a ą b. Os pontos
de uma reta também podem ser ordenados, dando-se para esta um sentido
de percurso. Os pontos de um círculo, ao contrário, não ficam ordenados,
mesmo que se dê o sentido de percurso.
OBSERVAÇÃO. Se um conjunto está ordenado, podemos sempre ordená-
lo de outra maneira, permutando as palavras “segue” e “precede”, pois as
considerações anteriores mostram que estas duas relações estão em perfeita
simetria. Dizemos então que o conjunto fica ordenado de maneira inversa da
precedente. É claro que invertendo de novo a ordem, obtemos o conjunto
ordenado segundo o critério primitivo.
14 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
Em um conjunto ordenado, dizemos que um elemento está compreendido
entre dois outros, ou mais simplesmente, que ele está entre eles, se ele segue
um deles e precede o outro.
Dado um conjunto ordenado C, dizemos que ele é denso se, dados dois
elementos distintos quaisquer a e b, existe sempre um outro elemento e com-
preendido entre eles. Os números inteiros, ordenados pelo critério do valor
algébrico, não formam um conjunto denso, pois entre dois inteiros consecu-
tivos não há nenhum número inteiro. Mas os números racionais, ordenados
segundo o mesmo critério, formam um conjunto denso, pois entre dois nú-
meros racionais distintos está sempre a sua média aritmética, que também é
racional. Nota-se porém que esse mesmo conjunto, ordenado segundo outro
critério, pode não ser mais denso.
§ 13. Conjuntos contínuos. Continuidade do campo real. Tomemos um
conjunto C, ordenado e denso. Distribuamos os seus elementos em duas
classes K e K 1, tais que; 1) todo elemento da classe K preceda todo elemento
da classe K 1. Todo par de classes que satisfaça a essas duas condições chama-
se uma partição do conjunto C. O conjunto C se diz contínuo quando toda
partição nele efetuada determina de modo unívoco um elemento α de C,
chamado elemento de separação das duas classes, tal que todos os elementos
que o precedem estão na classe K e todos os que o seguem estão na classe K 1,
(O próprio elemento α pode pertencer a K ou a K 1).
O conjunto dos números racionais absolutos, ordenado pelo critério do
valor algébrico, é denso, mas não é contínuo, pois qualquer secção própria
satisfaz às duas propriedades 1) e 2) acima, e no entanto não tem elemento
de separação racional.
Ora, a propriedade fundamental do campo real, que o distingue dos cam-
pos inteiros e racionais é a seguinte: O campo real (absoluto ou relativo),
ordenado pelo critério de valor algébrico, é um conjunto denso e contínuo.
Com efeito, efetuemos uma partição pK,K 1q no campo real, e vamos cons-
truir uma secção no campo racional que define o elemento de separação des-
sas duas classes. Para isto, ponhamos em uma classe A todo número racional
a que seja superado por algum número real de K, e noutra classe A 1, todo
número racional que supere algum elemento de K 1. É claro que essas duas
classes A e A 1 satisfazem às propriedades II) e III) das secções, enunciadas
no § 7; quanto à propriedade I), se houvesse dois números racionais p e q
não pertencentes a nenhuma das classes A ou A 1, supondo p ă q, haveria
certamente um número real λ tal que p ă λ ă q; ora pela propriedade 1) da
partição, λ está ou em K ou em K 1; no primeiro caso, p ă λ estaria em A, no
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 15
segundo caso q ą λ estaria em A 1, o que contradiz a hipótese feita. Logo, A
e A 1 formam uma secção que define um número real α.
Todo número real k ă α é superado por um elemento a da classe A,
o qual pertence a K, logo k também pertence a K. Da mesma forma, todo
número real k 1 ą α pertence à classe K 1, o que demonstra que α é o elemento
de separação das duas classes; este número pode pertencer a K, como máximo
desta classe, ou a K 1, como mínimo desta. Como tomamos uma partição,
K,K 1 arbitrária, fica assim demonstrada a continuidade do campo real.
§ 14. Classes minorantes e majorantes. Vimos no parágrafo anterior que
toda partição do campo real determina um número real que ou é o máximo
da primeira classe (classe minorante) ou é o mínimo da segunda (classe majo-
rante). Mas uma partição fica perfeitamente determinada pelo conhecimento
de uma das suas classes. É fácil ver que uma classe minorante K pode ser
definida como uma classe de números reais que satisfaz às seguintes proprie-
dades:
1) K não contém todos os números reais.
2) Todo número menor que um número de K, pertence a K.
Se uma classe K satisfaz a estas condições, chamando K 1 a classe consti-
tuída pelos números reais que não estão em K, é claro que as duas classes K
e K 1, formam uma partição.
De maneira análoga se pode definir uma classe majorante como uma
classe de números reais satisfazendo às condições:
1 1) K 1 não contém todos os números reais.
2 1) Todo número maior que um número K 1 pertence a esta classe.
Um dos processos que usaremos frequentemente para demonstrar a exis-
tência de um número real consiste em definir um tal número por meio de
uma classe minorante ou majorante.
§ 15. Classes contíguas. Representação decimal. Outro processo dos
mais usados para definir um determinado número real, consiste na cons-
trução de duas classes contíguas. Chamam-se assim duas classes H e H 1 de
números reais, que gozam das seguintes propriedades:
1) Todo número de H é menor que todo número de H 1.
2) Dado um número real positivo arbitrário ε, existe sempre um número
h de H e um número h 1 de H 1, que satisfazem à condição h 1 ´ h ă ε.
Essas duas classes definem sempre um único número real β que satisfaz às
desigualdades h ď β ď h 1, quaisquer que sejam h e h 1 nas classes respectivas.
Para demonstrá-lo, ponhamos numa classe B todo número racional b que
seja superado por algum número h e numa classe B 1 todo número racional
16 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
b 1 que supere algum elemento h 1. Estas duas classes B e B 1 formam uma
secção, segundo a definição do § 7; vê-se, com efeito, que as propriedades II)
e III) estão satisfeitas, e quanto à propriedade I), basta notar que se houvesse
dois números p e q excetuados, teríamos sempre, supondo p ă q, h ă p ăq ă h 1, donde h 1 ´ h ą q ´ p, o que contraria a condição 2). O número
β “ b|b 1 assim definido, não pode ser menor que nenhum número h, pois do
contrário haveria números racionais b tais que β ă b ă h, o que é absurdo:
da mesma forma se verifica que β não pode ser maior que nenhum número
h 1, e portanto temos, como queríamos demonstrar, h ď β ď h 1. Pode porém
acontecer que β pertença à classe H, como máximo, ou à classe H 1, como
mínimo.
Notemos que todas as secções próprias ou impróprias, assim como todas
as partições, são classes contíguas.
Outro exemplo importante é dado pela representação decimal de um nú-
mero real. Dado um número real qualquer α, impõe-se o problema prático
de representá-lo de uma maneira cômoda, adaptável ao cálculo numérico.
Para isto, pondo de parte o caso de número zero, já indicado com o sím-
bolo 0, damos o sinal e o valor absoluto |α| que é um número positivo;
para representar este número positivo, procuramos o máximo número in-
teiro a0 ď |α|, que supomos como sempre escrito no sistema decimal. Tere-
mos então, a0 ` 1 ą |α|. Se for a0 “ |α|, a0 será a representação exata do
número |α|. Mas se for a0 ă |α|, tomaremos o maior dos números
a0, a0 ` 110
, a0 ` 210
, . . . , a0 ` 910
que seja ainda ď |α|, que podemos indicar com a0 ` a110 ou a0,a1, sendo
a1 um dos algarismos 0, 1, 2, . . . , 9. Prosseguindo da mesma maneira,
sucessivamente, se chegarmos a um número decimal a0,a1a2 . . .an “ |α|,dizemos que α é um número decimal exato e sua representação está determi-
nada por essa expressão precedida do sinal de α. Mas se o processo continua
indefinidamente, teremos em qualquer caso uma lei pela qual se determi-
nam sucessivamente e de modo unívoco os algarismos a1, a2, . . . , an, . . . .
Mesmo neste caso, o número α está perfeitamente determinado. Com efeito,
consideremos a classe H dos números decimais
a0; a0,a1; a0,a1a2; . . . ; a0,a1a2 . . .an; . . .
e a classe H 1 dos números
a0 ` 1; a0 ` a1 ` 110
; a0,a1 ` a2 ` 1102 ; . . . ; a0,a1a2 . . .an´1 ` an ` 1
10n; . . .
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 17
É claro que todos os números de H são menores que qualquer número
de H 1, e que dado o número real ε ą 0 arbitrário, basta tomar n tal que seja
10n ą 1ε para que se tenha
ˆ
a0,a1a2 . . .an´1 ` an ` 110n
˙
´ pa0,a1a2 . . .anq “ 110n
ă ε.
Temos assim um par de classes contíguas que determina, como vimos,
um único número real absoluto que, devendo ser maior ou igual a todos
os números de H e menor ou igual a todos os de H 1, deve forçosamente
coincidir com |α|, que satisfaz às mesmas condições. O número real α terá
então a representação decimal
α “ ˘a0,a1a2 . . .an . . . .
§ 16. Representação dos números reais sobre uma reta. Sabemos da Ge-
ometria que a definição de reta como conjunto de pontos pode ser estabele-
cida sobre os seguintes sistemas de postulados:
1) Postulados da ordem, que dizem que o conjunto de pontos que cons-
titui uma reta pode ser ordenado segundo dois critérios opostos; a cada um
desses critérios corresponde um sentido da reta; em qualquer caso, a reta é
um conjunto denso (v. § 12).
2) Postulado da continuidade de DEDEKIND, segundo o qual, efetuada
uma partição entre os pontos da reta orientada, isto é, à qual se assinalou um
critério de ordem, existe sempre um ponto P tal que todo ponto que precede
P está na primeira classe e todo ponto que segue P está na segunda classe da
partição.
3) Postulado da igualdade de segmentos, que assegura que em toda semi-
reta de origem O existe um e um único ponto P tal que o segmento OP seja
igual a um segmento dado, essa relação de igualdade satisfazendo às propri-
edades reflexiva, simétrica e transitiva (cf. § 4). Com base nesses postulados,
definem-se as operações de soma, subtração e multiplicação de segmentos por
um número inteiro positivo. Do postulado da continuidade pode-se deduzir
facilmente a divisibilidade de segmentos.
4) Postulado de ARQUIMEDES. Dados dois segmentos de uma reta AB
e AC ą AB, existe sempre um múltiplo conveniente de AB que é maior que
AC. Este último postulado é indispensável para caracterizar as propriedades
da reta na Geometria Métrica.
18 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
Entre os números reais relativos, ordenados segundo o critério do valor
algébrico e os pontos de uma reta orientada, pode-se estabelecer uma corres-
pondência biunívoca perfeita, tal que se um ponto A segue um ponto B, o
número real que corresponde a A é maior que o que corresponde a B.
Com efeito, fixemos sobre a reta, suposta horizontal, o ponto O e um
ponto sucessivo, U, que, segundo a convenção universalmente usada, supo-
mos colocado à direita de O. Ao ponto O fazemos corresponder o número
zero; a um ponto P distinto deO, fazermos corresponder a razão dos segmen-
tos OP e OU, definida como no § 1, se esses segmentos forem comensuráveis,
e no caso contrário, definida pela secção própria das medidas por falta e por
excesso, atribuindo a essa razão o sinal ` ou ´, segundo P esteja à direita ou
à esquerda de O. O número real assim definido chama-se abscissa do ponto
P. É fácil ver que a abscissa do ponto U é 1 e que se um ponto P está à direita
de outro ponto Q, as suas abscissas p e q satisfazem à relação p ą q.
Reciprocamente, dado o número real α, dividamos os pontos da reta em
duas classes, pondo na primeira os pontos cuja abscissa é menor que α e na
segunda, aqueles cuja abscissa é maior ou igual a α. Obtemos assim uma
partição da reta que, pelo postulado da continuidade, determina um ponto P
de separação. A abscissa β de P não pode ser maior que α, pois neste caso,
um número racional r compreendido entre eles corresponderia certamente a
um ponto B da reta que, sendo r ą α, deveria estar na segunda classe, e
sendo r ă β, deveria preceder P, isto é, pertencer à primeira classe, o que é
absurdo. Analogamente se demonstra que não pode ser β ă α, e portanto
ao ponto P corresponde a abscissa α “ β.
Em virtude dessa correspondência, que conserva a ordem, podemos re-
presentar os números reais por meio de pontos sobre a reta; daqui por diante
falaremos indiferentemente, de pondo de uma reta ou do número real corres-
pondente, que é a sua abscissa, designando-os sempre pelo mesmo símbolo,
desde que não haja perigo de confusão.
§ 17. Intervalos e entornos. Dados dois pontos (ou números reais) a e
b, sendo a ă b, chama-se intervalo a $% b o conjunto dos pontos a, b
e dos pontos compreendidos entre a e b; em outras palavras, tomando os
números reais correspondentes, chama-se intervalo a $% b o conjunto dos
números x que satisfazem às desigualdades a ď x ď b. Este conjunto chama-
se também intervalo fechado, para distingui-lo dos outros intervalos que se
podem definir excluindo um ou outro dos números a ou b; temos assim mais
três espécies de intervalos:
a $ b - conjuntos dos números x tais que a ď x ă b
I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 19
a % b - conjuntos dos números x tais que a ă x ď b
a ´ b - conjuntos dos números x tais que a ă x ă b;
este último chama-se também intervalo aberto. Em qualquer caso, os pon-
tos a e b são chamados, respectivamente, extremo inferior ou esquerdo e
extremo superior ou direito, do intervalo.
Chama-se entorno de um ponto a qualquer intervalo aberto que conte-
nha a. Pela própria definição vê-se que a não pode ser extremo de um seu
entorno. Dado, por exemplo, um número positivo arbitrário ε, o intervalo
a´ ε ´ a` ε é um entorno de a; como ele é dividido ao meio pelo ponto a,
chama-se também entorno simétrico de a, ou ainda, entorno (ε) de a. Estes
entornos simétricos têm grande importância na teoria dos limites.
Define-se também como entorno esquerdo de a qualquer intervalo c % a,
sendo c ă a, e entorno direito de a qualquer intervalo a $ d, sendo d ą a.
Todo entorno c ´ d de a (entorno completo) pode ser considerado como a
reunião de um entorno esquerdo c % a e um entorno direito a $ d de a, este
sendo o único ponto comum aos dois.
Quase todas as aplicações do conceito de entorno de um ponto são base-
adas nas seguintes propriedades;
1. Todo ponto tem uma infinidade de entornos, que o contêm.
2. Dados dois entornos de um mesmo ponto, existe sempre um outro
entorno deste ponto que é contido nos entornos dados.
3. Se um ponto b pertence a um entorno α de outro ponto a, existe um
entorno de b todo contido em α.
4. Dados dois pontos distintos a e b, pode-se sempre achar um entorno
α de a e um entorno β de b, sem pontos comuns.
Verifica-se facilmente que estas quatro propriedades são satisfeitas pelo
sistema de entornos completos, ou pelo sistema de entornos esquerdos ou
pelo sistema de entornos direitos.
§ 18. Elementos infinitos. Suponhamos que, definida uma classe mino-
rante com a propriedade 2), do § 14, se verifique que todos os números reais
pertencem a esta classe, isto é, que essa classe não satisfaça à propriedade 1).
Diremos então que tal classe define o elemento `8 (mais infinito, ou infinito
positivo), que por definição é maior que todos os números reais; o mesmo
elemento pode ser definido por uma classe majorante que, pela sua defini-
ção, não contenha nenhum elemento, ou, como diremos por uma extensão
de linguagem, por uma classe majorante que seja vazia.
Da mesma forma, se, definida uma classe majorante, reconhecermos que
ela contém todos os números reais, dizemos que essa classe define o elemento
20 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS
´8 (menos infinito ou infinito negativo), que também é definido por qual-
quer classe minorante que seja vazia, e que é menor que qualquer número
real relativo.
Essas classes que definem os elementos infinitos chamam-se classes mino-
rantes ou majorantes impróprias.
Note-se porém que esses elementos infinitos não são números e portanto
não podem intervir em operações nem fazer parte de conjuntos de números
reais.
O par de elementos `8 e ´8 chama-se simplesmente infinito (8) e para
ele não se definem as desigualdades. Para esclarecimento chamaremos algu-
mas vezes ponto ou número finito, qualquer ponto ou número real propria-
mente dito.
Estende-se a noção de intervalo dada no parágrafo anterior, admitindo
que um dos extremos seja `8 ou ´8, não podendo este elemento fazer parte
do intervalo, pois não é um número real. Um intervalo nestas condições diz-
se infinto ou ilimitado,, e em contraposição, um intervalo cujos extremos são
finitos diz-se finito ou limitado. O intervalo aberto ´8 ´ ` 8 coincide com
o campo real.
Chama-se entorno direito do infinito, todo intervalo aberto ´8 ´ a e
entorno esquerdo do infinito, todo intervalo b ´ ` 8. A reunião de um
entorno direito ´8 ´ a e de um entorno esquerdo b ´ ` 8, em que seja
a ă b, chama-se simplesmente entorno do infinito, que também se pode
definir como o conjunto de pontos externos a um intervalo fechado a $% b.
Se os extremos deste intervalo são ´k e `k, com k ą 0, obtemos o conjunto
dos números x tais que |x| ą k, que se chama entorno simétrico ou entorno
(k) do infinito.
Exercícios
1. Demonstrar, usando exclusivamente os postulados de PEANO, as pro-
priedades das operações, de que trata o § 3.
2. Demonstrar a propriedade distributiva do produto de números racio-
nais.
3. Desenvolver, baseando exclusivamente nas definições dadas, as propri-
edades da desigualdade entre números reais positivos (§ 11).
4. Chama-se enumerável todo conjunto cujos elementos podem ser pos-
tos em correspondência com os números naturais, correspondendo a cada
elemento um número e vice-versa. Demonstrar a) que toda parte infinita
de um conjunto enumerável é enumerável; b) que o conjunto dos pares de
EXERCÍCIOS 21
números naturais é enumerável (basta colocá-los na ordem: p1, 1q, p2, 1q,p1, 2q, p3, 1q, p2, 2q, p1, 3q, p4, 1q, p3, 2q, . . . ); c) que o conjunto dos números
racionais é enumerável.
5. O campo real não é enumerável. (Basta considerar os números re-
ais entre 0 e 1. Se esse conjunto fosse enumerável, a cada número natural
n corresponderia um número real an, representável como número decimal
0,an1an2 . . . e com esse processo todos os números entre 0 e 1 estariam
computados. Ora, o número b “ 0,b1b2 . . .bn . . . em que bn “ ann ` 1,
para ann ‰ 9 e bn “ 8 para ann “ 9 não pode coincidir com nenhum
número an, pois o seu enésimo algarismo da parte decimal é certamente dis-
tinto do de an; logo b não está computado entre os an, o que demonstra a
contradição.)
6. Representar sobre a reta o conjunto dos números
anm “ n´ 1n
` m´ 1m
ˆ
n
n` 1´ n´ 1
n
˙
em que m e n são números naturais.
Mostrar que cada elemento desse conjunto tem um sucessor bem deter-
minado.
CAPÍTULO II
Potências e Logaritmos dos Números Reais
§ 1. Potência com expoente inteiro e positivo. Seja a um número real
qualquer. As igualdades
(1) a1 “ a e an`1 “ an.a
definem, para qualquer número natural n, a expressão an, que se chama
potência nª (enésima) de a, em que a é a base e n é o expoente. Para n ą 1,
an pode ser definido como o produto de n fatores iguais a a. Da definição
(1) e da propriedade associativa do produto, se deduz, quaisquer que sejam
os números naturais n e p,
(2) an.ap “ an`p,
propriedade que se estende a um número qualquer de potências da mesma
base a. Se tivermos q fatores iguais a an, resulta
(3) panqq “ anq.
Enfim, das propriedades comutativa e associativa do produto segue-se tam-
bém
(4) pabqn “ an.bn,
pois temos n fatores iguais a a e n iguais a b; esta última propriedade (pro-
priedade distributiva da potenciação em relação ao produto) se estende a um
número qualquer de fatores. Se nesta fórmula (4) pusermos ab “ c, supondo
b ‰ 0, deduzimos an “ cnbn, ou
(5)´ c
b
¯n
“ cn
bn
o que também se poderia deduzir diretamente da definição.
§ 2. Potência com expoente negativo ou nulo. Da fórmula (2) do pará-
grafo anterior, se deduz, pondo n` p “ m sendo a ‰ 0,
(1) am´p “ am
ap
23
24 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
esta fórmula só tem significação para m ą p, pois até aqui só definimos
potências com expoente positivo; temos portanto liberdade de dar uma defi-
nição de potência com expoente negativo ou nulo; mas essa definição só terá
utilidade se for mantida a propriedade formal (1). Para isso, notemos que se
em (1) pusermos m “ p, obteremos
(2) a0 “ 1
fórmula que adotamos para definição de potência com expoente nulo, qual-
quer que seja a ‰ 0. Pondo depois em (1) m “ 0, obtemos, para cada
número natural p, a fórmula
(3) a´p “ 1ap
que adotamos também para definição de potência com expoente negativo,
para a ‰ 0. Desta maneira fica definida a potência ap, sendo p um número
inteiro relativo qualquer. Se p ą 0, esse conceito se aplica qualquer que seja
o número real a. Se p ď 0, devemos ter sempre a ‰ 0.
É fácil ver que as potências com expoente inteiro relativo gozam das
propriedades fundamentais (2), (3) e (4) do parágrafo anterior. Com efeito, a
primeira dessas fórmulas serviu para a extensão desse conceito, para n`p “m ă p, isto é, quando n é negativo ou nulo. Temos depois
a´n.a´p “ 1an
.1ap
“ 1an.ap
“ 1an`p “ a´n´p.
As fórmulas (3) e (4) se demonstram com facilidade, em todos os casos.
§ 3. Propriedades das potências em relação às desigualdades. Notemos
antes de tudo que das definições dadas se deduz que a) uma potência com
expoente positivo só se anula quando a base é nula; b) uma potência com
expoente nulo ou negativo não se anula nunca; c) se a base a é diferente
de zero, a potência an terá o mesmo sinal que a ou será sempre positiva,
conforme seja n ímpar ou par; d) para a “ 1, todas as potências de a são
iguais a 1.
Suponhamos agora a ą 0. Todas as potências de a com expoente inteiro
relativo são positivas. Quanto às relações de desigualdade, temos três casos
a considerar:
1) a ą 1. Neste caso temos sempre an`1 “ an.a ą an, e portanto, para
n ą 1, temos an ą 1. Em geral, sendo n e p dois números relativos tais
que n ą p, temos an´p ą 1, logo, an “ ap.an´p ą ap, isto é, quando o
expoente cresce, a potência também cresce.
II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 25
2) a ă 1. O raciocínio anterior se aplica ao número 1a ą 1, donde se
conclui que quando o expoente cresce a potência decresce, isto é se p ă q
temos sempre ap ą aq.
3) a “ 1. Neste caso, qualquer que seja n temos sempre an “ 1n “ 1, e
não há relações de desigualdade a considerar.
TEOREMA. Sendo a ą 1, dado um número positivo arbitrário A, há
sempre um número inteiro n tal que
(1) an ą A.
Ponhamos, com efeito, a “ 1`h (h ą 0). Temos evidentemente, supondo
n ą 1,
an ´ 1 “ pa´ 1qpan´1 ` an´2 ` ¨ ¨ ¨ ` a` 1q ą h.n ou an ą 1 ` h.n.
Para que seja satisfeita a desigualdade (1) basta fazer com que seja 1 `nh ą A, ou
n ą A´ 1h
.
COROLÁRIO. Sendo a ă 1, dado um número positivo arbitrário h, há
sempre um número inteiro n tal que se tenha an ă h; basta tomar n tal
que seja p1aqn “ 1an ą 1h, o que é possível pelo teorema anterior, pois
temos aqui 1a ą 1.
Recordando ainda a definição que demos em (3) no § 2, vemos que as
propriedades anteriores se podem resumir como segue (supondo sempre a ą0):
Dado o número arbitrariamente grande A é sempre possível achar um
número natural n tal que se tenha an ą A, se a ą 1 e a´n ă A se a ă 1;
dado o número positivo h arbitrariamente pequeno, é sempre possível achar
um número natural n satisfazendo às desigualdades a´n ă h se a ą 1 e
an ă h se a ă 1. Determinado esse número n, as mesmas desigualdades são
satisfeitas para qualquer outro natural maior que n.
Vemos ainda que qualquer que seja o número natural n temos sempre
(2) an T 1 e a´n S 1, conforme seja a T 1.
Daqui se deduz que de
(3) a T b segue-se, respectivamente, an T bn
pois temos, respectivamente, ab T 1. (a e b positivos.)
26 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
§ 4. Raízes e propriedades dos radicais. Seja a um número real qualquer
e n um número natural ą 1. Vamos ver se é possível determinar um número
real b que satisfaça à condição
bn “ a.
Quando esse número b existe, chama-se raiz de índice n, ou raiz enésima
(nª) de a, e indica-se com a notação n?a. Esta expressão chama-se também
um radical e a a quantidade sub-radical ou o radicando. Antes de prosseguir,
façamos algumas observações.
a) Se a “ 0, temos sempre uma e uma única solução b “ 0.
b) Se a é negativo e n é par, não existe nenhuma solução, pois qualquer
número real positivo ou negativo elevado a uma potência com expoente par
dá um resultado positivo.
c) Se a é positivo e n par, se existir uma solução positiva b, existirá
forçosamente outra, negativa, ´b, pois temos p´bqn “ bn “ a.
d) Se n é ímpar, se existir uma solução b, o número ´b satisfará à condi-
ção p´bqn “ ´a.
Vemos pois que basta examinar o problema da pesquisa de uma raiz
positiva de um número a positivo, isto é, estudar o problema da extração
da raiz de índice n no campo real absoluto. Neste caso, como passamos a
demonstrar, existe sempre um e um único número real absoluto que é solução
do problema.
Para isto, separemos os números reais absolutos em duas classes K e K 1,
caracterizadas respectivamente pelas condições
kn ď a e kn ě a.
É fácil ver que essas duas classes formam uma partição (I, § 13) desse
campo; com efeito, essas classes não são vazias, já que todo número menor
que 1 e que a pertence a K e todo número maior que 1 e que a pertence a K 1,
e além disto temos sempre k ă k 1, pois se fosse k ą k 1, elevando à potência n
teríamos kn ą k 1n, o que é absurdo. Seja b o elemento de separação dessas
duas classes. Se tivéssemos a ă bn, pela definição de produto haveria n
números racionais menores que b (da classe minorante de b) cujo produto
seria maior que a, e sendo ξ o maior deles, teríamos a ă ξn ă bn, o que
é absurdo, pois ξ (ă b) deve pertencer à classe K. Da mesma maneira se
demonstra que não podemos ter bn ă a, logo temos forçosamente bn “ a.
Determinada assim, para a positivo, a raiz positiva b “ n?a, das obser-
vações anteriores a) e d), deduzimos que a equação,
xn “ a,
II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 27
tem uma única raiz x “ 0, se a “ 0; não admite solução, para a ă 0 e n
par; tem duas raízes opostas, ˘ n?a, se a ą 0 e n é par; tem uma única raiz,
do mesmo sinal que a, se n é ímpar. Em geral, no símbolo n?a, quando a é
positivo e n par, subentende-se o sinal positivo, designando-se as duas raízes
com n?a “ ` n
?a e ´ n
?a.
No caso de ser n “ 1, é evidente que a única solução é b “ a, neste caso
o símbolo?¨ torna-se inútil. Quando n “ 2, escreve-se apenas
?a.
Demonstrada a existência de uma e uma única raiz nª de um número
real absoluto, no campo real absoluto, vamos estudar algumas propriedades
desta nova operação - a extração de raiz.
TEOREMA I. Multiplicando-se ou dividindo-se por um mesmo número o
índice da raiz e o expoente da quantidade sub-radical, o radical não se altera.
Seja b “ n?am, isto é, bn “ am. Elevando à potência p, temos
bnp “ amp
e portanto
b “ n?am “ np
?amp.
Esta propriedade dos radicais permite fazer sobre os mesmos duas ope-
rações importantes:
1) Simplificar um radical, dividindo por um mesmo número o índice e o
expoente, exemplo:6
?25 “ 6
a
52 “ 3?
5.
2) Reduzir radicais ao mesmo índice (m.m.c. dos índices dos radicais
dados). Sejam os radicais m?a, n
?b, p
?c. Seja r o m.m.c. dos índices m, n,
p, e seja r “ m.m 1 “ n.n 1 “ p.p 1. Os três radicais podem ser escritos sob a
forma
mm 1?am
1 “ r?am
1 ,nn 1?bn
1 “ r?bn
1 ,pp 1?cp
1 “ r?cp
1 .
Antes de efetuar esta redução é conveniente fazer, se for possível, a sim-
plificação anterior.
Esta última operação pode servir para a comparação de radicais de ín-
dices diferentes, pois quando os radicais têm índices iguais, as relações de
desigualdade são as mesmas que entre as quantidades sub-radicais, como re-
sulta da propriedade (3), no fim do § anterior.
TEOREMA II. O produto e o quociente de radicais do mesmo índice
acham-se efetuando essas operações sobre as quantidades sub-radicais.
28 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
Sejam para multiplicar n?a. n
?b. Elevando à potência n, temos ((4), § 1),
p n?aqn.p n?bqn “ a.b e portanto n
?a. n
?b “ n
?ab. Para o quociente se aplica
analogamente a fórmula (5) do § 1.
Uma aplicação importante deste teorema consiste em fazer sair ou entrar
um fator no radical, ex.:
3?
135 “ 3?
5.27 “ 3?
5. 3?
27 “ 3. 3?
5
x
c
a´ 1x
“a
ax2 ´ x.
Vemos que para introduzir um fator ou um divisor dentro do símbolo do
radical, é preciso elevar esse fator ou divisor a um expoente igual ao índice
do radical.
TEOREMA III. Para elevar um radical a uma potência pode-se elevar a
essa potência a quantidade sub-radical.
Esse teorema se deduz imediatamente do anterior, aplicando este ao caso
de um maior número de fatores iguais. Se o índice do radical for divisível
pelo expoente, pode-se fazer depois a simplificação 1), e portanto neste caso
pode-se diretamente dividir o índice pelo expoente dado.
TEOREMA IV. Para extrair a raiz nª de um radical pode-se multiplicar
por n o índice do radical.
Este teorema se deduz imediatamente aplicando a fórmula (3), § 1, pois
temosˆ
n
b
p?a
˙np
“ p p?aqp “ a.
Este teorema se estende a um número qualquer de radicais superpostos:
n
c
p
b
q?a “ npq
?a.
Quanto às propriedades das raízes em relação às desigualdades, deduzem-
se imediatamente do § anterior:
1) De a ą 1 segue-se, qualquer que seja n ą 1, a ą n?a ą 1.
2) De a ă 1 segue-se, qualquer que seja n ą 1, a ă n?a ă 1.
3) Sendo a e b números reais positivos e a ą b, temos, qualquer que seja
o número natural n, n?a ą n
?b.
TEOREMA V. Sendo a ą 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, é sempre
possível determinar um número natural n tal que se tenha
n?a ă 1 ` ε.
II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 29
Basta, com efeito, notar que pelo teorema do parágrafo anterior, pode-se
determinar n tal que seja satisfeita a desigualdade
p1 ` εqn ą a.
TEOREMA VI. Sendo 0 ă a ă 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-
se sempre determinar um número natural n tal que tenha
n?a ą 1 ´ ε
que se deduz do corolário do teorema citado. Estas duas propriedades são
também satisfeitas para todo número natural maior que o número n deter-
minado.
Note-se que todas essas propriedades se referem sempre ao campo real
absoluto. Para o campo real relativo basta levar em conta as observações a)
e d) do princípio deste parágrafo.
§ 5. Potências com expoente fracionário. O teorema I do parágrafo an-
terior e as aplicações 1) e 2) oferecem evidentes analogias com a propriedade
das frações, que não se alteram multiplicando-se numerador e denominador
por um mesmo número, assim como as aplicações desta propriedade, isto é:
simplificar uma fração e reduzir várias frações ao mesmo denominador. Por
outro lado, se m é divisível por p, temos
(1) p?am “ a
mp
pois o 2º membro, elevado à potência p, reproduz am. Esta fórmula só
tem significação, por enquanto, se mp for um número inteiro. Para maior
generalidade, pomos por definição a igualdade (1) mesmo para o caso em
que m não seja múltiplo de p. A legitimidade dessa definição é consequência
do teorema I citado, pois se mp “ nq, reduzida essa fração à expressão
mais simples rs, vemos que os dois radicais p?am e q
?an, simplificados, se
reduzem ao mesmo radical s?ar, sendo portanto,
amp “ a
nq “ a
rs .
O produto e o quociente de potências fracionárias de mesma base se
fazem de acordo com o teorema II do parágrafo anterior, reduzindo previa-
mente os expoentes fracionários ao mesmo denominador, que é o índice do
radical. Obtemos assim:
amn .a
pq “ n
?am. q
?ap “ nq
?amq. nq
?anp “ nq
?amq`np “ a
mq`npnq “ a
mn `p
q
e da mesma forma obtemos também
amn : a
pq “ a
mn ´p
q .
30 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
Estes resultados demonstram que a propriedade fundamental das potên-
cias (§ 1, fórmula (2)) se estende ao caso dos expoentes fracionários. Daqui
resulta imediatamente a propriedade (3), § 1, para o caso de n fracionário
e q inteiro; se q “ rs, basta pôr em evidência o número s como índice e
fazer as operações sob o radical; esta propriedade é portanto geral. Para a
propriedade (4), § 1, temos pondo n “ rs,
pabq rs “ sa
pabqr “ s?arbr “ s
?ar
s?br “ a
rsb
rs .
Enfim, todas as considerações do § 2 se aplicam ao caso dos expoentes
fracionários e portanto podemos definir em geral potência com expoente ra-
cional relativo qualquer, satisfazendo às mesmas propriedades formais que
as potências com expoente inteiro positivo.
Quanto às propriedades relativas às desigualdades, deduzem-se também
com facilidade das propriedades 1), 2) e 3) do § anterior: Qualquer que seja
o número racional positivo h, de
a T 1 segue-se, respectivamente, ah T 1,
donde se deduz que de
a T b segue-se, respectivamente, ah T bh.
Deduz-se que, sendo p e q dois números racionais quaisquer e a ą 1 um
número real, se tivermos p ą q, teremos ap ą aq; com efeito, ponhamos
p “ q` h, (h ą 0); temos, como já vimos, ap “ aq.ah, e como ah ą 1, etc.
Se tivermos 0 ă a ă 1, teremos, na mesma hipótese, ap ă aq.
Enfim, usando expoentes fracionários, podemos dar outra forma aos te-
oremas V e VI do § anterior:
TEOREMA I. Sendo a ą 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-se
sempre achar um número racional positivo h tal que se tenha
ah ă 1 ` ε.
TEOREMA II. Sendo 0 ă a ă 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-se
determinar um número racional positivo h tal que se tenha
ah ą 1 ´ ε.
Estas desigualdades são também satisfeitas para todo expoente menor
que o número h determinado. Para satisfazê-las basta pôr h “ 1n e aplicar
os teoremas já demonstrados.
II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 31
§ 6. Potências com expoente real. No parágrafo anterior definimos a
operação de potenciação para uma base a - número real absoluto qualquer
- e um expoente racional relativo. Vamos estender esta definição ao caso de
um expoente real relativo; para isto nos basearemos nas propriedades das
desigualdades. Seja α “ a|a 1 um número qualquer definido por uma secção
do campo racional e b ą 1 um número real positivo. Consideremos as duas
classes de números reais positivos: H - dos números ba e H 1 - dos núme-
ros ba1. As duas classes são portanto separadas. Para demonstrar que são
contíguas basta verificar que dado ε ą 0 arbitrário é possível determinar um
número a e um número a 1 tais que
ba1 ´ ba ă ε.
Ora, 1º membro desta desigualdade pode-se escrever, como já foi de-
monstrado para expoentes racionais,
bapba 1´a ´ 1q;
seja M um número maior que algum número ba1; teremos também ba ă M
e portanto a desigualdade anterior será satisfeita se tivermos
ba1´a ă 1 ` ε
M
e isto é possível, pois a diferença a 1 ´ a pode-se tornar tão pequena quanto
se queira.
Vemos assim que as classes H e H 1 atrás definidas formam um par de
classes contíguas que definem um número real positivo que se designa com o
símbolo bα, estendendo assim a definição de potência ao caso de um expo-
ente real qualquer. Este número bα satisfaz às desigualdades ba ă bα ă ba1.
Para b “ 1, pomos por definição bα “ 1α “ 1.
Para b ă 1, mantendo a definição das potências com expoente negativo,
pomos
bα “ˆ
1b
˙´α“ 1 :
ˆ
1b
˙α
.
Da definição dada, deduz-se facilmente que de α ă β segue-se bα ă bβ,
quaisquer que sejam os números reais relativos α e β, sendo b ą 1. As outras
propriedades das desigualdades se deduzem da mesma maneira que para os
expoentes racionais.
Quando α “ a|a 1 é racional, as desigualdades ba ă bα ă ba1
mos-
tram que o número bα definido por elas deve forçosamente coincidir com o
número bα já definido para o caso das potências com expoente racional; o
mesmo resultado se estende para o caso em que b ď 1.
32 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
Estabelecidas as propriedades das desigualdades, pelo mesmo raciocínio,
empregado várias vezes no estudo dos números reais, verificam-se as outras
propriedades das potências. Assim, sendo α “ a|a 1 e γ “ c|c 1, temos, su-
pondo b ą 1,
ba ă bα ă ba1
bc ă bγ ă bc1
donde
ba.bc “ ba`c ă bα.bγ ă ba1.bc
1 “ ba1`c 1
.
Mas por outro lado temos também
a` c ă α` γ ă a 1 ` c 1
donde
ba`c ă bα`γ ă ba1`c 1
e como os membros extremos destas desigualdades formam um par de classes
contíguas, temos enfim,
bα.bγ “ gα`γ.
De maneira análoga se demonstram as outras propriedades das potên-
cias:
pbαqγ “ bαγ pb.dqα “ bα.bγ.
§ 7. Função exponencial. Tomemos agora a expressão em que bx é um
número real ą 1 e x um número variável que toma todos os valores reais, en-
tre ´8 e `8. Como já vimos, quando x cresce, bx também cresce. Quando
x é negativo e aumenta em valor absoluto, bx se aproxima de zero, podendo-
se tornar menor que qualquer número positivo dado. Se x tende a zero, bx se
aproxima de 1; se x aumenta indefinidamente por valores positivos, o mesmo
acontece com bx, que se pode tornar maior que qualquer número dado. Es-
tas propriedades são ilustradas na figura, onde está desenhada a curva de
equação y “ bx.
A expressão bx tem o nome de função exponencial. No parágrafo se-
guinte examinaremos o problema que consiste em determinar x de modo a
satisfazer à relação bx “ a, sendo a um número real positivo.
§ 8. Logaritmos e suas propriedades. Seja dado um número real positivo
b ą 1. Vamos demonstrar que a cada número real e positivo a corresponde
um e um único número real relativo x que satisfaz à condição
(1) bx “ a.
II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 33
0
1
1
b
x
y
y “ bx
Separemos o campo real relativo
em duas classes: K, de números k, e
K 1, de números k 1, tais que se tenha
sempre bk ď a ď bk1.
Pelo que vimos atrás, sendo a ą0 e b ą 1, existem certamente nú-
meros nas duas classes e temos sem-
pre k ă k 1. Essas classes formam
pois uma partição, que determina o
número real ξ; vê-se como no § 4
que bξ não pode diferir de a, e por-
tanto a equação acima tem uma solução. Esta aliás é única, pois sabemos
que de x ‰ ξ, segue-se bx ‰ bξ.
O número assim determinado chama-se logaritmo de a na base b e de-
signa-se com a notação logb a. A base é sempre suposta maior que 1; podia-
se também considerar uma base b 1 ă 1, mas como temos b 1x “ p1b 1q´x,
o problema se reconduziria facilmente ao da pesquisa do logaritmo em uma
base 1b 1 maior que 1. Enfim, para b “ 1, o problema só é possível se a “ 1,
e neste caso é indeterminado.
As propriedades dos logaritmos se deduzem imediatamente das proprie-
dades das potências com expoente real. Vê-se que quando um número varia
de 0 a `8 o seu logaritmo (em base b ą 1) varia de ´8 a `8. Qualquer
que seja a base, o logaritmo de 1 é sempre zero e o logaritmo de base é 1,
pois temos
b0 “ 1 e b1 “ b.
Fixada a base b, podemos como atrás considerar a expressão logb x. Esta
expressão tem o nome de função logarítmica e só é definida para x positivo,
e se anula para x “ 1. A curva de equação y “ logb x, chamada curva
logarítmica, se obtém da curva exponencial considerada atrás, trocando sim-
plesmente as coordenadas x e y, pois essa equação é equivalente a x “ by.
Essa troca corresponde geometricamente a fazer uma simetria da figura em
torno da bissetriz do primeiro quadrante.
Tomemos agora dois números positivos quaisquer a e c, e seja x “ logb a
e y “ logb c, isto é,
a “ bx e c “ by.
Das igualdades
ac “ bxby “ bx`y ea
c“ bx
by“ bx´y
34 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS
deduz-se:
I. O logaritmo de um produto é a soma dos logaritmos dos fatores. (Este
teorema se estende, naturalmente, a um número qualquer de fatores.)
II. O logaritmo de um quociente é igual à diferença entre o logaritmo do
dividendo e o do divisor.
Temos também, sendo r um número real qualquer,
ar “ pbxqr “ brx,
donde
III. O logaritmo de uma potência é igual ao logaritmo da base multipli-
cado pelo expoente.
No caso particular em que r “ 1n, sendo n inteiro, temos:
IV. O logaritmo de uma raiz é igual ao logaritmo do radicando dividido
pelo índice da raiz.
Estas quatro regras mostram a grande vantagem prática que se pode tirar
dos logaritmos, pois reduzem operações complicadas a operações mais sim-
ples, bastando para isso ter uma táboa de logaritmos, isto é, uma tabela que
ao lado de cada número dê o seu logaritmo (aproximado até uma certa casa
decimal, pois os logaritmos de números racionais são em geral irracionais).
As táboas mais comuns são as que dão os logaritmos de base 10, tam-
bém chamados logaritmos vulgares ou de BRIGGS. Também se usam os
chamados logaritmos naturais ou neperianos, que têm por base o número
e “ 2, 71828183 . . . que será definido no capítulo IV. Os logaritmos de um
mesmo número x em dois sistemas de bases b e b 1 estão ligados por uma
relação da forma
logb 1 x “ M logb x,
sendo M um número independente de x, chamado módulo da mudança de
base. Com efeito, de y “ logb x, ou x “ by, tira-se, tomando nesta última
igualdade, os logaritmos na base b 1,
logb 1 x “ y logb 1 b “ logb 1 b. logb x.
Vemos assim que o módulo da mudança de base é o logaritmo da base
antiga no novo sistema. Em particular, temos, para a passagem dos logarit-
mos vulgares para os neperianos e vice-versa,
loge 10 “ 2, 30258509 . . . log10 e “ 0, 43429448 . . . .
Se na relação acima fazemos x “ b 1, temos logb 1 x “ 1, donde se deduz,
para b e b 1 quaisquer, a relação logb 1 b. logb b1 “ 1, que aliás era evidente
pela regra anterior.
EXERCÍCIOS 35
Sobre o uso das táboas não nos estenderemos, pois esse estudo faz parte
do curso de álgebra elementar.
Exercícios
1. Sendo a e b dois números positivos quaisquer, mostrar que a sua média
geométrica?ab é sempre menor que a média aritmética 12pa ` bq, a não
ser que esses números sejam iguais.
2. Demonstrar que a seguinte desigualdade é válida quaisquer que sejam
os números reais a1, b1, a2, etc.:
pa1b1 ` ¨ ¨ ¨ ` anbnq2 ď pa21 ` ¨ ¨ ¨ ` a2
nqpb21 ` ¨ ¨ ¨ ` b2
nq
(basta considerar a expressãoř
paix` biq2, que ordenada em relação a x dá
um trinômio do segundo grau, que não pode tomar valores negativos).
3. Demonstrar, por indução, que para x ą ´1 e ‰ 0, vale sempre a
seguinte relação (chamada desigualdade de BERNOULLI):
p1 ` xqn ą 1 ` nx.
4. Mostrar que todo polinômio em?x pode ser posto sob a forma Ppxq`
Qpxq?x, sendo P eQ polinômios em x; o mesmo teorema vale para qualquer
função racional de x.
5. Demonstrar a igualdade
1
3?
2 ` 13?
2 ` 1
` 3?
2 “3
?2
3?
2 ´ 1´ 3.
6. Mostrar que o número 213 ` 2´ 1
3 é raiz da equação
x3 ´ 3x “ 52
.
7. Mostrar que a diferença?n` 1´?
n diminui tendendo a zero, quando
n aumenta, e que essa diferença é menor que o número positivo h se tomar-
mos n ą 14h2.
8. Provar que, quaisquer que sejam a, b, c, diferentes de 1, temos sempre
loga b. logb c. logc a “ 1.
9. Esboçar o gráfico da função y “ logx a, para a ą 0.
10. Resolver o sistema: xx´y “ y4a, yx´y “ xa.
11. Conhecendo o valor de log10 2 “ 0, 301030, calcular o logaritmo, na
mesma base 10, de7
a
0, 0128. 3a
6, 25.
CAPÍTULO III
Números Complexos
§ 1. Definição e operações. Procedendo como no capítulo I, vamos pri-
meiramente designar um número real relativo qualquer a pela notação pa, 0q.É claro que para efetuar qualquer operação entre os números reais pa, 0q e
pb, 0q, basta efetuar essas operações entre os primeiros números de cada par,
deixando o zero inalterado.
Posto isto, chamaremos número complexo a todo par ordenado pa,bq de
números reais; dois números complexos só são iguais quando forem iguais
respectivamente os primeiros e segundos números que os definem, isto é,
temos pa,bq “ pc,dq, quando e somente quando a “ c e b “ d; por essa de-
finição ficam mantidas evidentemente as propriedades da igualdade. Vemos
que os números reais relativos são particulares números complexos, com se-
gundo número nulo; os números complexos não reais, serão chamados ima-
ginários, e aqueles para os quais o primeiro número é nulo, isto é, os números
da forma p0,bq, com b ‰ 0, serão chamados imaginários puros.
A soma de números complexos se define pela igualdade
pa,bq ` pc,dq “ pa` c,b` dq,
que se estende a um número qualquer de parcelas. Esta operação é comu-
tativa e associativa, e tem uma inversa, que é a diferença pa,bq ´ pc,dq “pa´ c,b´ dq, que goza das mesmas propriedades que no campo real.
O número real 0 “ p0, 0q, mantém aqui a sua propriedade fundamental:
é o único número que somado com qualquer outro dá uma soma igual a este.
O produto de um número complexo por um número real é definido por
c.pa,bq “ pa,bq.c “ pca, cbq;
daqui se deduz que o produto de qualquer número complexo por 0 é 0.
Pelas definições dadas até agora se vê que todo número complexo α “pa,bq pode ser decomposto como segue:
pa,bq “ pa, 0q ` p0,bq “ a` b.p0, 1q.37
38 III. NÚMEROS COMPLEXOS
Este número p0, 1q chama-se unidade imaginária e se designa pelo sím-
bolo i. A expressão
a` bi
chama-se forma algébrica do número complexo α. A parcela a chama-se
parte real de α e designa-se com R pαq, e a parcela bi, parte imaginária; o
número real b é o coeficiente do imaginário e designa-se com I pαq. Daqui
por diante escreveremos o número complexo sempre sob a forma algébrica.
Para definir o produto de dois números complexos, basta agora impôr a
propriedade distributiva e definir o quadrado da unidade imaginária; pomos
então, por definição, i2 “ ´1, donde se deduz
pa` biqpc` diq “ ac` pad` bcqi ` bdi2 “ pac´ bdq ` pad` bcqi.
Assim fica definido o produto de dois números complexos como um nú-
mero complexo, e esta operação goza, pela própria definição, das proprie-
dades comutativa e distributiva; facilmente se verifica também a propriedade
associativa.
Chama-se quociente de dois números complexos a ` bi (dividendo) e
c ` di (divisor), um número x ` yi que multiplicado por c ` di reproduza
a`bi; vê-se logo que se tivermos a`bi ‰ 0 e c`di “ 0, não existe solução.
Supondo então c` di ‰ 0, devemos ter pc` diqpx` yiq “ a` bi, e portanto
cx´ dy “ a dx` cy “ b.
O determinante desse sistema é c2 ` d2, número positivo, já que excluí-
mos a hipótese de ser c “ d “ 0; temos portanto uma única solução:
x` yi “ a` bi
c` di“ ac` bdc2 ` d2 ` bc´ ad
c2 ` d2 i.
Aliás, esse quociente acha-se mais facilmente multiplicando o dividendo
e o divisor por c´ di, o que não altera o resultado e torna o divisor real:
a` bi
c` di“ pa` biqpc´ diq
pc` diqpc´ diq “ ac` bd` pbc´ adqi
c2 ` d2 .
Se tivermos a` bi “ 0, teremos também x` yi “ 0. Verificamos assim a
propriedade do produto, válida em todos os campos de números (que contêm
o zero) estudados até aqui: o produto de dois números complexos só se anula
quando um dos fatores é nulo.
Assim ficam definidas para os números complexos todas as operações
racionais, para as quais são mantidas as mesmas propriedades formais que
no campo real, com exceção das que se referem aos conceitos de maior e
menor, que não são definidos neste novo campo. Para o cálculo com os
III. NÚMEROS COMPLEXOS 39
números complexos sob a forma algébrica, note-se que de i2 “ ´1, segue-
se i3 “ i2.i “ ´1.i “ ´i, e i4 “ pi2q2 “ p´1q2 “ 1; para outra potência
qualquer im, sendo q o quociente e r o resto da divisão de m por 4, temos,
usando a propriedade associativa do produto e a igualdade i4q “ 1q “ q,
válida para qualquer número inteiro q,
im “ i
4q`r “ i4q
ir “ i
r “ 1, i, ´1, ´i
conforme seja o resto 0, 1, 2 ou 3.
Deduz-se também que todas as propriedades das potências inteiras rela-
tivas que se deduzem das propriedades associativa e comutativa do produto
se estendem ao campo complexo. Quanto à extração de raízes, veremos no
fim deste capítulo.
§ 2. Complexos conjugados. Norma e módulo. Dado um número com-
plexo α “ a ` bi, chama-se número complexo conjugado de α, e indica-se
com a notação α, o número a´bi obtido de αmudando o sinal do coeficiente
do imaginário, ou mudando i em ´i. Evidentemente, o conjugado de α é o
próprio α; diz-se também, por isso, que os números α e α são conjugados.
O conjugado da soma ou diferença de dois números complexos α “a` a 1i e β “ b` b 1i é a soma ou diferença dos conjugados, pois temos
pa˘ bq ´ pa 1 ˘ b 1qi “ pa´ a 1iq ˘ pb´ b 1
iq.
O conjugado de um produto αβ é o produto dos conjugados. Basta,
para prová-lo, recordar a definição do produto; também se pode observar
que mudando i em ´i, o produto i2 não se altera e portanto a parte real do
produto dos conjugados é a mesma que a do produto dos números dados, ao
passo que o coeficiente de i muda de sinal.
Daqui se deduz que o conjugado do quociente de dois complexos é o
quociente dos seus conjugados, pois de
αβ “ α.β
segue-se, pondo αβ “ γ, e supondo α ‰ 0,
β “´γ
α
¯
“ γ
α.
Aplicando repetidamente esses teoremas se deduz que o conjugado de
qualquer expressão racional se obtém substituindo cada número complexo
que intervém na expressão pelo seu conjugado.
Para que um número α “ a`bi seja igual ao seu conjugado é necessário
e suficiente que seja b “ 0, isto é, que o número α seja real, pois devemos ter
b “ ´b.
40 III. NÚMEROS COMPLEXOS
A soma e o produto de dois complexos conjugados a`bi e a´bi são os
números reais 2a e a2 ` b2. Reciprocamente, se a soma e o produto de dois
números complexos a` bi e c` di são reais e se um desses números a` bi
não é real, eles são complexos conjugados. Com efeito, devendo a soma ser
real, temos b ` d “ 0, ou ´ab ` bc “ 0, donde, dividindo por b, que por
hipótese não é nulo, resulta a “ c.
O produto de um número complexo α “ a ` bi pelo seu conjugado é,
como acabamos de ver, pa ` biqpa ´ biq “ a2 ` b2, isto é, um número real
não negativo, que se chama norma do número α. A sua raiz quadrada não
negativa chama-se módulo desse mesmo número α e indica-se com a notação
|α|:
(1) |α| “ |a` bi| “ `a
a2 ` b2.
Tanto o módulo como a norma de um número complexo só se anulam
quando o número dado é nulo, isto é, se a “ b “ 0. É evidente também que
os quatro números
α “ a` bi ´ α “ ´a´ bi
α “ a´ bi ´ α “ ´a` bi
têm a mesma norma e o mesmo módulo. De (1) se deduz também |a| ď |α| e
|b| ď |α|, isto é, o valor absoluto da parte real e do coeficiente do imaginário
de um número complexo não pode superar o módulo desse número.
No caso de um número real, o módulo se confunde com o valor abso-
luto, como se deduz de (1), pondo b “ 0. É por esta razão que se usa a
mesma notação para esses dois entes. Mas além disto, as propriedades são
formalmente as mesmas em todo o campo complexo, como vamos ver:
1. O módulo de um produto é igual ao produto dos módulos dos fatores.
Sejam dados os dois fatores α e β. Sendo αβ “ α.β, temos
αβ.αβ “ α.β.α.β “ αα.ββ
oub
αβ.αβ “?αα.
b
ββ
isto é, pela definição do módulo,
(2) |αβ| “ |α|.|β|.
Pondo nessa igualdade αβ “ γ obtemos como consequência,
2. O módulo do quociente de dois números é igual ao quociente dos
módulos desses números.
III. NÚMEROS COMPLEXOS 41
3. O módulo de uma soma é no máximo igual à soma dos módulos das
parcelas.
Esta propriedade é imediata se α ` β “ 0. Para α` β ‰ 0, partimos da
identidadeα
α` β ` β
α` β “ 1;
sendo o segundo membro real, temos aqui, R pαpα` βqq ` R pβpα` βqq “1, e pela propriedade demonstrada acima para qualquer número γ (|γ| ě|R pγq | ě R pγq), temos
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
α
α` β
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
`ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
β
α` β
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
“ |α||α` β| ` |β|
|α` β| ě 1
e multiplicando pelo número positivo |α` β|,
(3) |α| ` |β| ě |α` β|
como queríamos demonstrar.
4. O módulo de uma diferença é maior ou igual à diferença dos módulos.
Basta pôr em (3) α` β “ γ, donde β “ γ´ α, e
(4) |γ´ α| ě |γ| ´ |α|.
Notando que em (3) e (4) podemos substituir α por ´α, pois |´α| “ |α|,concluimos as seguintes desigualdades, que resumem os teoremas 3. e 4.:
(5) |β| ´ |α| ď |β˘ α| ď |β| ` |α|.
§ 3. Aplicações. Das propriedades dos complexos conjugados se deduz
o seguinte teorema: se uma equação algébrica de coeficientes reais
(1) a0xn ` a1x
n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an´1x` an “ 0
tem uma raiz imaginária α, o conjugado α também é raiz dessa equação,
com a mesma multiplicidade. Com efeito, o conjugado da expressão a0αn`
¨ ¨ ¨ ` an é a0αn ` a1α
n´1 ¨ ¨ ¨ ` an, e se uma dessas expressões é nula, a
outra também o é, o que demonstra a primeira parte do teorema. Mas nesta
hipótese, o primeiro da equação (1) é divisível pelos dois binômios px´ αq e
px ´ αq, e portanto pelo seu produto, que é o trinômio de coeficientes reais
x2 ´ pα` αqx` αα; o quociente terá portanto coeficientes reais, logo se α é
raiz múltipla, isto é, se anular esse quociente, α terá a mesma propriedade,
e vice-versa; procedendo desta maneira, vemos que a multiplicidade de uma
dessas raízes é certamente igual à da outra.
Deduz-se deste resultado que se uma equação de 3º grau tem uma raiz
dupla, esta é forçosamente real, pois do contrário essa equação deveria ter
42 III. NÚMEROS COMPLEXOS
duas raízes duplas imaginárias conjugadas, o que não é possível para equa-
ções de grau menor que 4. Vemos também que toda equação algébrica de
coeficientes reais de grau ímpar, tem ao menos uma raiz real, pois a soma das
multiplicidades das raízes imaginárias é certamente um número par.
§ 4. Forma trigonométrica dos números complexos, fórmula de MOI-
VRE. Tomemos um número complexo qualquer α “ a ` bi não nulo e seja
ρ o seu módulo. Como já vimos, temos sempre
ρ ě |a| ρ ě |b|
e portanto as duas frações aρ e bρ estão sempre compreendidas no inter-
valo ´1 $% `1. Estas frações satisfazem ainda à relaçãoˆ
a
ρ
˙2
`ˆ
b
ρ
˙2
“ a2 ` b2
ρ2 “ 1.
Podemos pois achar um ângulo ϕ tal que se tenha
(1) cosϕ “ a
ρe senϕ “ b
ρ.
Este ângulo ϕ pode ser determinado pela sua tangente ba, e o quadrante
a que pertence, pelos sinais do seno e do coseno, isto é, dos números a e b.
Evidentemente o ângulo ϕ, medido em radianos, está assim determinado a
menos de um múltiplo inteiro de 2π; se o ângulo ϕ satisfaz às igualdades (1),
o mesmo acontece com todos os ângulos compreendidos na fórmula ϕ`2kπ,
sendo k um número inteiro relativo qualquer. Qualquer um desses ângulos
se chama argumento do número complexo dado.
Das fórmulas (1), tiramos
(2) a “ ρ cosϕ e b “ ρ senϕ
donde
(3) α “ ρpcosϕ` i senϕq.
Esta é a forma trigonométrica do número complexo, em que se põem em
evidência o módulo e o argumento. As vantagens dessa forma trigonométrica
aparecem principalmente no produto e nas potências: tomemos os números
α “ ρpcosϕ` i senϕq e β “ σpcosψ` i senψq
fazendo o produto e pondo em evidência os módulos ρ e σ, temos
αβ “ ρσpcosϕ` i senϕqpcosψ` i senψq “ ρσrpcosϕ cosψ´ senϕ senψq `ipsenϕ cosψ` cosϕ senψqs ou
(4) αβ “ pcospϕ`ψq ` i senpϕ`ψqq
III. NÚMEROS COMPLEXOS 43
como o 2º membro já está sob a forma trigonométrica, verificamos nova-
mente que o módulo do produto αβ é igual ao produto dos módulos dos
fatores. Verificamos ainda mais, que o argumento de um produto é a soma
dos argumentos dos fatores. Daqui se deduz imediatamente que o argumento
de um quociente é igual à diferença entre o argumento do dividendo e o ar-
gumento do divisor.
A fórmula (4) se estende evidentemente a qualquer número de fatores.
Em particular, se tivermos n fatores iguais a α, obtemos a importante fór-
mula de MOIVRE:
αn “ ρnpcosnϕ` i sennϕq.Se pusermos, como para os números reais, α´n “ 1αn, aplicando a
este quociente a regra precedente, tomando para 1 o argumento 0, temos
imediatamente
α´n “ ρ´npcos ´nϕ` i sen ´nϕq,o que estende a fórmula de MOIVRE ao caso das potências negativas; para
n “ 0, a mesma fórmula dá também, α0 “ 1 de acordo com a definição.
Mais adiante examinaremos a operação inversa da potenciação.
É útil também introduzir a notação
(5) eiϕ “ cosϕ` i senϕ
em que ϕ é um número real qualquer, sendo portanto i um imaginário puro,
salvo para ϕ “ 0, em que obtemos, como no campo real, e0 “ 1. Nessa
notação a letra e entra somente como um símbolo; mas as propriedades de-
monstradas acima mostram que se tem eiϕ.eiψ “ eipϕ`ψq, isto é, a expres-
são eiϕ goza da mesma propriedade fundamental de uma potência. Mais
tarde veremos a conveniência de identificar o símbolo e com o número real
e “ 2, 71828 . . . , base dos logaritmos neperianos, a que já nos referimos
no § 8 do capítulo anterior. Com a notação (5) obtemos para todo número
complexo α de módulo ρ e argumento ϕ a representação
α “ ρeiϕ
que se chama forma exponencial do número complexo α.
§ 5. Representação geométrica dos números complexos. Tomemos em
um plano dois eixos orientados e retangulares, dispostos segundo a conven-
ção usada em Geometria Analítica, e sobre esses eixos a mesma unidade de
medida. A cada número complexo α “ a` bi, podemos fazer corresponder
um ponto P do plano, de coordenadas a e b; reciprocamente, a cada ponto P
do plano corresponde um par de números reais, que são as suas coordenadas
a e b, e portanto o número complexo α “ a ` bi. O ponto P chama-se
44 III. NÚMEROS COMPLEXOS
afixo do número complexo correspondente e o plano sobre o qual se faz a
representação chama-se plano de ARGAND-GAUSS (também chamado plano
de GAUSS, ou de CAUCHY). Quando não houver confusão possível, designa-
remos o número complexo e seu afixo com a mesma letra.
O a
b
ϕ
ρ
P
x
y
Nessa representação, os núme-
ros reais são representados pelos
pontos de Ox, e os imaginários pu-
ros pelos de Oy, razão pela qual es-
ses são chamados, respectivamente,
eixo real e eixo imaginário. Res-
salta também claramente a signifi-
cação geométrica do módulo, que,
pelo teorema de PITÁGORAS, é igual
ao comprimento do raio vetor OP,
e do argumento, que é o ângulo que
esse raio vetor faz com Ox. Estes
números são portanto as coordenadas polares (raio vetor e anomalia) do
afixo do número dado. Os números complexos que têm o mesmo módulo
estão representados pelos pontos da circunferência de centro na origem e raio
ρ; os que têm o mesmo argumento, pelos pontos de uma semi-reta partindo
da origem.
´α α
´α α
ϕ
x
y
Dado um número complexo α,
e o seu afixo no plano de ARGAND-
GAUSS, o seu conjugado α será re-
presentado pelo ponto simétrico de
α em relação ao eixo Ox; o número
´α, oposto de α, pelo ponto simé-
trico de α em relação à origem e o
número ´α, oposto do conjugado
ou conjugado do oposto de α, pelo
ponto simétrico de α em relação ao eixo Oy. Esses números têm como argu-
mentos, respectivamente, ´ϕ, ϕ` π, e π´ϕ, ou estes números aumentados
de um múltiplo inteiro de 2π, sendo ϕ o argumento de α.
Dados dois números complexos α “ a ` bi e α 1 “ a 1 ` b 1i, a sua soma
é representada pelo ponto α` α 1, cujas coordenadas são as somas das coor-
denadas homônimas dos afixos dos números dados. Ora, pela propriedade
fundamental das projeções, o mesmo resultado se obtém construindo a dia-
gonal do paralelogramo de lados Oα e Oα 1, ou por outra, fazendo a soma
III. NÚMEROS COMPLEXOS 45
dos dois vetores representados pelos segmentos orientados Oα e Oα 1. Como
temos α´α 1 “ α`p´α 1q, é fácil ver que a diferença desses vetores é represen-
tada pelo ponto que se obtém tirando de O uma paralela à segunda diagonal
do mesmo paralelogramo. Vemos assim que a soma de números complexos
se interpreta como soma de vetores no plano de ARGAND-GAUSS. Por esta
razão, indica-se também com α o vetor representado pelo segmento orien-
tado Oα.
Quanto ao produto, seja primeiramente β um número complexo de mó-
dulo 1. Sendo ψ o seu argumento, temos β “ cosψ ` i senψ. O produto
desse número por outro número qualquer α “ ρpcosϕ ` i senϕq “ ρeiϕ dá
outro número complexo do mesmo módulo que α e argumento igual ao de
α acrescido de ψ:
αβ “ ρ rcospϕ`ψq ` i senpϕ`ψqs “ ρeipϕ`ψq
podemos interpretar esse resultado, dizendo que o produto de α por β se
obtém fazendo girar de um ângulo ψ o vetor α; em particular, para mul-
tiplicar um número α por i basta fazer girar o vetor α de um ângulo reto
no sentido positivo. Para multiplicar α por um número real qualquer β “σpcosψ ` i senψq “ σeiψ, podemos multiplicá-lo primeiro por eiψ e depois
pelo número real σ, o que equivale a fazer girar o vetor α de um ângulo ψ e
depois multiplicar o seu módulo por σ.
ψ
ψ
N
M
P
α
β
γ
Esta operação pode ser cons-
truída geometricamente, quando é
dado o círculo de raio 1 com cen-
tro na origem. Para isso, constróem-
se a semi-reta OP, que faz com o
vetor α o ângulo ψ e sobre ela
o segmento OM, de comprimento
|β|; traça-se depois αγ paralela a
NM, sendo ON o segmento uni-
tário sobre a semi-reta Oα. Com
esse processo, com efeito, construi-
mos a quarta proporcional dos nú-
meros 1, |α|, |β|, donde se deduz
|γ| “ |α|.|β|.Uma construção inversa se faz para a divisão. Basta supôr na figura
atrás conhecidos γ e α; para determinar β, traça-se NM paralela à reta αγ,
obtendo-se OM, de comprimento |β| “ |γ||α|; o argumento de β é o ângulo
que faz a semi-reta OP com o vetor α.
46 III. NÚMEROS COMPLEXOS
Como aplicação, construimos na figura abaixo a 4ª potência de um nú-
mero complexo α de módulo maior que 1:
x
α
α2
α3
α4
ϕ
§ 6. Raiz de um número complexo. Seja dado um número complexo
α ‰ 0, sob a forma trigonométrica: α “ ρpcosϕ ` i senϕq. Propomo-
nos determinar um outro número complexo (raiz de índice n de α): β “σpcosψ` i senψq que elevado à potência inteira n dê em resultado α, isto é,
tal que se tenha βn “ α. Pela fórmula de MOIVRE, isto equivale a
σnpcosnψ` i sennψq “ ρpcosϕ` i senϕq
ou σn “ ρ e nψ “ ϕ` 2kπ, sendo k um número inteiro qualquer. Daqui se
tira
(1) σ “ n?ρ
(2) ψ “ ϕ
n` 2π
k
n.
A relação (1) determina univocamente σ, que deve ser um número real
absoluto. Fazendo depois em (2) k “ 0, 1, 2, . . . , n ´ 1, temos no segundo
termo n ângulos distintos diferindo uns dos outros de menos de 2π, aos quais
correspondem n complexos distintos β que satisfazem à condição requerida.
Para qualquer outro valor de k, sendo nq o maior múltiplo de n não maior
III. NÚMEROS COMPLEXOS 47
que k, temos k “ nq ` r, com 0 ď r ă n. Substituindo em (2), obtemos o
ângulo
π “ ϕ
n` 2π
r
n` 2qπ
o qual difere de um dos ângulos já determinados de um múltiplo inteiro de
2π, e portanto não fornece nenhuma nova raiz.
Há, pois, exatamente n raízes nas distintas de um número complexo qual-
quer diferente de zero; os seus afixos estão todos no mesmo círculo com cen-
tro na origem e raio σ “ n?ϕ, e os raios vetores fazem entre si ângulos que
são sempre múltiplos inteiros de 2πn. Qualquer dessas raízes se pode de-
signar com o mesmo símbolo n?α. Para α “ 0, é evidente que há uma única
raiz, β “ 0. Para conservar a generalidade, dizemos que neste caso há n
raízes iguais a 0.
Para construir geometricamente essas n raízes, para α ‰ 0, começamos
por traçar um círculo com centro na origem e raio na
|α|. Depois tiramos
pela origem a semi-reta que faz com Ox o ângulo ϕn, a qual corta a cir-
cunferência em um ponto Q0 que é o afixo de uma das raízes. Dividindo
então a circunferência em n partes iguais, a partir de Q0, os outros pontos
de divisão, Q1, Q2, . . . , Qn´1 são os afixos das outras raízes.
Enfim, note-se que, fixado o valor de ϕ, uma das raízes é dada pela
fórmulan?α “ n
?ρ
´
cosϕ
n` i sen
ϕ
n
¯
“ n?ρ e
iϕn
e elevando à potência m e introduzindo a noção de potência fracionária de
um número complexo, definida por αmn “ n?αm, obtemos a nova extensão
da fórmula de MOIVRE ao caso dos expoentes racionais
(3) αmn “ ρ
mn
´
cosm
nϕ` i sen
m
nϕ
¯
“ ρmn ei
mnϕ.
§ 7. Raízes da unidade. Um caso particular importantíssimo é aquele em
que α “ 1; o argumento é aqui um qualquer dos números 2kπ, com k inteiro,
e a fórmula que dá todas as raízes é
(1) n?
1 “ cos2kπn
` i sen2kπn
.
Os seus afixos estão sobre o círculo de raio 1, com centro na origem.
Se tomarmos para o número 1 o argumento 0, o ponto Q0 da construção
anterior será o afixo de 1, isto é, a intersecção desse círculo com o eixo Ox.
O problema de determinar todas as raízes nas da unidade coincide pois com
o da divisão do círculo em n arcos iguais ou o de construir o polígono regular
de n lados inscrito no círculo de raio 1. Entre as raízes está sempre a raiz real
48 III. NÚMEROS COMPLEXOS
1, e, se n é par, a raiz real ´1; as outras raízes são sempre conjugadas duas a
duas.
Vamos dar algumas propriedades das raízes da unidade.
1. Se ε é uma raiz na de 1, todas as potências de ε também o são. Com
efeito, sendo por hipótese εn “ 1, temos
pεpqn “ εpn “ pεnqp “ 1p “ 1.
Consideremos agora a sucessão
(2) ε0, ε1, ε2, . . . , εs, . . . .
Seja p o menor inteiro positivo que satisfaz à condição εp “ 1. Os
números ε0, . . . , εp´1 são todos distintos, pois se para 0 ď r ă s ă p
tivéssemos εr “ εs teríamos εs´r “ 1, o que não é possível, pois s ´ r ă p;
todos os outros elementos da sucessão (2) são iguais a esses p primeiros
repetidos na mesma ordem. Com efeito, sendo q e r o quociente e o resto da
divisão de s por p, temos
εs “ εpq`r “ pεpqq .εr “ εr.
Temos assim, εp “ ε0 “ 1, εp`1 “ ε, εp`2 “ ε2, etc.. Por esta razão esse
número p chama-se período da raiz ε; daqui se segue também que para que
se tenha εs “ 1, é preciso que s seja múltiplo de p. Em particular, n deve ser
múltiplo de p, isto é,
2. O período de uma raiz na da unidade é sempre um divisor de n.
Chama-se raiz primitiva aquela cujo período é n. É evidente que existe
ao menos uma raiz primitiva, a que tem por argumento 2πn; também é
primitiva a raiz de argumento ppn´ 1qnq.2π “ 2π´ 2πn, que é conjugada
da anterior. Do exposto, segue-se:
3. Se ε é raiz na primitiva da unidade, todas as n raízes são dadas por
ε0 “ 1, ε, ε2, . . . , εn´1,
pois esses números são raízes distintas em número de n.
É fácil achar o período de qualquer uma dessas raízes. Seja a raiz εq, com
0 ă q ă n. Se o seu período é p, temos pεqqp “ εqp “ 1, o que só é possível
se pq for divisível pelo período de ε, que é n; para que p seja o período de
εq, é preciso que pq seja o menor múltiplo de q nessas condições, isto é, o
mínimo múltiplo comum de q e n. Sendo d o máximo divisor comum de
q e n, devemos ter portanto, pq “ qnd, ou p “ nd. Para que εq seja
raiz primitiva é preciso que seja p “ n, ou d “ 1, isto é, que q seja primo
com n. Daqui se deduz que o número de raízes primitivas de índice n é igual
ao número de números inteiros positivos não maiores que n e primos com
III. NÚMEROS COMPLEXOS 49
n, incluindo o número 1. Tal número é chamado indicador de GAUSS, e
indica-se com o símbolo ϕpnq. O cálculo elementar dá
ϕp1q “ 1 ϕp2q “ 1 ϕp3q “ 2 ϕp4q “ 2
ϕp5q “ 4 ϕp6q “ 2 ϕp7q “ 6 ϕp8q “ 4.
Note-se que todo este raciocínio só depende do número n e não da raiz
primitiva particular ε.
Seja ε uma raiz na primitiva (n ą 1). Da identidade´
1 ` ε` ¨ ¨ ¨ ` εn´1¯
p1 ´ εq “ 1 ´ εn
e sendo ε ‰ 1 e εn “ 1, vê-se que o primeiro parêntesis é nulo, isto é:
4. A soma das n raízes nas distintas da unidade é sempre nula.
Consideremos também o produto das raízes, que é evidentemente
ε1`2`¨¨¨`pn´1q “ εnpn´1q
2
se n é ímpar, pn´ 1q2 é inteiro, e esse produto é igual a pεnqpn´1q2 “ 1; se
n é par, εn2 é uma raiz de período 2 e portanto igual a ´1, e sendo n ´ 1
ímpar, temos pεn2qn´1 “ p´1qn´1 “ ´1; em resumo:
5. O produto das n raízes nas distintas da unidade é `1 ou ´1, conforme
seja n ímpar ou par.
Para determinar todas as raízes nas de um número complexo qualquer
α, basta determinar uma raiz particular β e multiplicá-la por cada uma das
raízes nas da unidade. Com efeito, sendo ε um raiz na de 1, temos
pβεqn “ βn.εn “ βn “ α
se tomarmos as n raízes distintas da unidade, teremos assim as n raízes dis-
tintas de α; se ε é uma raiz na primitiva, todas as raízes de α serão dadas
por
β, βε, βε2, . . . , βεn´1.
Deduz-se também aqui que a soma das raízes nas (n ą 1) distintas de um
número complexo qualquer α é sempre nula, e que o produto é ˘α, conforme
seja n ímpar ou par. Do primeiro desses resultados se deduz facilmente a
proposição geométrica:
Seja dado um polígono regular qualquer e uma reta passando pelo cen-
tro. A soma das distâncias a esta reta dos vértices que estão de um lado da
mesma é igual à soma das distâncias dos vértices que estão do lado oposto;
com efeito, fixado um sentido positivo na direção normal à reta, a medida
algébrica da distância de um vértice do polígono a esta reta pode sempre ser
50 III. NÚMEROS COMPLEXOS
considerada como a parte real (ou coeficiente do imaginário) da raiz na de
um número complexo conveniente, sendo n o número de lados do polígono.
§ 8. Equações binômias. Cha-
ma-se equação binômia toda equa-
ção algébrica da forma
axm ` bxn “ 0
sendo a e b números complexos di-
ferentes de zero em e n números in-
teiros não negativos e distintos. Po-
demos sempre supor m ą n. Como
o primeiro membro se pode escrever xnpaxm´n`bq, a equação se decompõe
em duas, a não ser que se tenha n “ 0:
xn “ 0 e axm´n ` b “ 0, ou xm´n “ ´ba
.
À primeira dessas equações correspondem n raízes nulas. À segunda
correspondem todas as m ´ n raízes do número complexo ´ba, que se
constróem em geral como foi indicado no fim do parágrafo anterior. Por
exemplo, para resolver a equação
x5 ` p1 ´ iqx2 “ 0
além das duas raízes nulas x1 “ x2 “ 0, temos que achar as três raízes
cúbicas de ´1 ` i, que é um número complexo com módulo?
2 e argumento
3π4. Tais raízes têm módulo 6?
2 e o argumento de uma delas, x3, é π4,
logo temos
x3 “ 6?
2´
cosπ
4` i sen
π
4
¯
“ 1 ` i
3?
2
as outras raízes se obtêm multiplicando esta última pelas duas raízes cúbicas
da unidade diferentes de 1, isto é, pelas duas raízes da equação x2 `x`1 “ 0;
temos assim,
x4 “ p1 ` iqp´1 ` i?
3q2 3
?2
“ ´1 ´?
3 ` ip´1 `?
3q2 3
?2
x5 “ p1 ` iqp´1 ´ i?
3q2 3
?2
“ ´1 `?
3 ` ip´1 ´?
3q2 3
?2
.
Exercícios
1. Mostrar que, qualquer que seja o número complexo α “ a`bi, temos
sempre |a| ` |b| ď |α|?
2.
EXERCÍCIOS 51
2. Achar o módulo e o argumento de cada um dos números
˘1 ˘ i ˘ 1 ˘ i?
3 ˘?
3 ˘ i.
3. Representar o simétrico de um número complexo α, em relação ao
ponto β.
4. Resolver, usando o algoritmo algébrico e a resposta ao problema an-
terior, o seguinte problema de geometria plana: construir um polígono de n
lados, conhecendo os pontos médios desses lados. (A resposta é diferente,
conforme n seja par ou ímpar.)
5. Mostrar que a condição para que três pontos α, β, γ do plano estejam
em linha reta é que pα´ βqpα´ γq seja real.
6. Mostrar que a condição para que quatro pontos α, β, γ, δ estejam
sobre a mesma circunferência é que a razão anarmônica
α´ γα´ δ :
β´ γβ´ δ seja real.
7. Achar o ponto z 1 que se obtém de z pela homotetia de centro α e razão
r (r real ‰ 0).
8. Mostrar que a equação cartesiana de uma reta do plano
ax` by` c “ 0 pa, b, c reaisq
pode ser posta sob a forma seguinte, em que pomos z “ x` iy:
αz` αz` c “ 0
em que α é um número complexo. (α designando o conjugado de α.)
9. Mostrar que a equação de um círculo
x2 ` y2 ` 2ax` 2by` c “ 0
(a, b, c reais, a2 ` b2 ą c) pode ser posta sob a forma
z z` αz` αz` c “ 0 p|α|2 ą cq.
10. No problema anterior, dizer qual a significação do ponto α e discutir
a última equação em vista das posições particulares do círculo.
11. Mostrar que a equação
Azz` Bz` Bz` C “ 0 pA e C reais, AC ă BBq
representa um círculo ou uma reta no plano.
12. Mostrar que se pusermos z “ pαz 1 ` βqpγz 1 ` δq, sendo α, β, γ, δ
números complexos quaisquer e αδ´βγ ‰ 0, quando z descreve um círculo
52 III. NÚMEROS COMPLEXOS
ou uma reta, z 1 descreverá um círculo ou uma reta, isto é, se z satisfaz à
equação
Azz` Bz` Bz` C “ 0 pA, C reais, AC ă BBqteremos também
A 1z 1z 1 ` B 1z 1 ` B 1 z 1 ` C 1 “ 0 pA 1, C 1 reais, A 1C 1 ă B 1B 1q.
Calcular A 1, B 1, C 1 e discutir a equação obtida.
13. No problema anterior, achar a condição para que a reta real se trans-
forme no círculo unitário com centro na origem, ou vice-versa.
14. Resolver completamente as seguintes equações binômias:
a) x6 ` ix3 “ 0 b) x10 ` 64x2 “ 0 c) 2x6 ` ix2
2“ 0.
15. Resolver completamente a equação trinômia x6 ` 3x3 ` 2 “ 0.
CAPÍTULO IV
Conjuntos Lineares. Funções e Limites no Campo Real
§ 1. Conjunto linear. Extremos. Chama-se conjunto linear todo con-
junto de números reais relativos ou dos seus pontos representativos. Por
extensão de linguagem, podem-se considerar conjuntos que pela definição
não contenha nenhum elemento, e que se dizem conjuntos vazios (cf. cap. I,
§ 18). Por exemplo, a classe majorante que define o elemento 8 é um con-
junto vazio; também o é o “conjunto dos números positivos menores que
´1”.
Qualquer número P que seja maior que todos os elementos de um con-
junto C, chama-se limite superior de C. Quando existe um tal número, diz-se
que esse conjunto C é limitado superiormente. O conjunto dos pontos corres-
pondentes será então limitado à direita, pois haverá um ponto P à direita de
todos os pontos do conjunto (adotando-se a convenção usual para o sentido
da reta). Quando há um número p menor que todos os números de C, este é
limitado inferiormente (ou à esquerda) e p é um limite inferior de C. Quando
um conjunto é limitado superiormente e inferiormente, isto é, quando ele está
todo contido dentro de um intervalo p $% P, diz-se simplesmente que ele é
limitado.
Chama-se extremo superior de um conjunto C, um número L que goze
das seguintes propriedades:
1) nenhum número de C supera L;
2) dado um número real qualquer L 1 ă L, há sempre um número do
conjunto maior que L 1.
Se o extremo superior pertence ao conjunto, diremos que ele é o máximo
de C.
Chama-se igualmente extremo inferior de um conjunto C, um número l
que goze das seguintes propriedades:
1) nenhum número de C é menor que l;
2) dado um número real qualquer l 1 ą l, há sempre um número do
conjunto menor que l 1.
Se o extremo inferior pertence ao conjunto, dizemos que ele é um mí-
nimo.
53
54 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
TEOREMA FUNDAMENTAL (teorema da existência e unicidade do ex-
tremo superior ou inferior). Todo conjunto limitado superiormente (inferi-
ormente) tem um extremo superior (inferior) e um só.
Com efeito, se C tem um limite superior P, é claro que todo número
maior que P é também limite superior de C, logo os limites superiores desse
conjunto formam uma classe majorante K, não vazia, que não contém todos
os números reais (pois os elementos de C não estão em K); seja L o número
determinado por K. Todo número maior que L está em K, e portanto, o
conjunto C não contém nenhum número maior que L; por outro lado, dado
o número L 1 ă L, qualquer número q compreendido entre L e L 1 está fora de
K, logo há em C ao menos um número c ě q, o qual é portanto maior que
L 1. Estão assim verificadas, para L, as duas propriedades características do
extremo superior. A fim de provar a unicidade desse extremo, suponhamos
que haja dois extremos superiores, L e L 1, sendo L 1 ă L. Neste caso, L 1
sendo extremo superior, não poderia ser superado por nenhum número do
conjunto; mas por outro lado, L sendo também extremo superior, haveria ao
menos um número do conjunto maior que L 1, o que é uma contradição.
Para o caso do conjunto limitado inferiormente faz-se um raciocínio aná-
logo, considerando a classe k (minorante) dos limites inferiores do conjunto
dado.
Se o conjunto é limitado superior e inferiormente, existem dois elemen-
tos l e L, e como para todo número c do conjunto temos l ď c ď L, será
l ď L, verificando-se a igualdade somente quando o conjunto tem um único
elemento; em caso contrário, o intervalo l $% L é o menor intervalo que
contém o conjunto dado.
Se o conjunto C não é limitado superiormente, a classe K 1 considerada
atrás é vazia e determina o elemento `8. Diz-se ainda neste caso que `8 é
o extremo superior. Analogamente, se C não é limitado inferiormente, diz-
se que ´8 é o extremo inferior de C. Com esta convenção o teorema de
existência e unicidade adquire a sua forma geral: Todo conjunto linear tem
um único extremo superior e um único extremo inferior (finito ou infinito).
Consideremos, por exemplo, o conjunto dos números
12
,23
,34
, . . . ,n´ 1n
, . . . .
Este conjunto é limitado superior e inferiormente. Seu extremo inferior é
12, que é o mínimo. O extremo superior é 1, pois de um lado, este número é
maior que todos os números do conjunto, e de outro, sendo a ă 1, podemos
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 55
sempre satisfazer à desigualdade
n´ 1n
ą a ou 1 ´ 1n
ą a
bastando tomar
n ą 11 ´ a
que é um número positivo e finito. É interessante observar que temos aqui
um exemplo de conjunto limitado que não tem máximo, pois o seu extremo
superior não pertence ao conjunto.
Assim também podemos demonstrar que:
- O conjunto dos números naturais tem por extremo inferior 1, que é
mínimo, não sendo limitado superiormente (o extremo superior é `8).
- O conjunto das frações próprias positivas tem por extremo superior 1 e
inferior 0, que não pertencem ao conjunto, o qual portanto não tem máximo
nem mínimo.
- O conjunto dos números inteiros não negativos, menores que 10 tem
por extremo superior 9 e inferior 0.
Todo conjunto finito de números admite um máximo e um mínimo, que
são o primeiro e o último dos seus elementos, supostos ordenados segundo
o seu valor algébrico. Como o máximo tem todas as propriedades do ex-
tremo superior, vemos que este último conceito é uma generalização daquele,
generalização que se tornou necessária para o estudo de conjuntos com nú-
mero infinito de elementos. Para estes, pode não existir máximo, mas existe
sempre o extremo superior. O mesmo se pode dizer quanto ao mínimo.
Vamos demonstrar agora o seguinte teorema: Dado um número finito
de conjuntos limitados superiormente - C1, de extremo superior L1, C2, de
extremo superior L2, . . . , Cn, de extremo superior Ln, o conjunto C formado
pela reunião desses conjuntos tem por extremo superior o maior dos números
L1, L2, . . . , Ln. Com efeito, seja por exemplo L1 o maior desses números (se
fosse outro o maior, bastaria mudar a notação). Um número de C, estando
sempre em um dos conjuntos dados, não pode nunca ser maior que L1; por
outro lado, qualquer número menor que L1 é superado por um número de
C1, e portanto de C, o que prova a proposição. Uma consequência imediata
desta é o seguinte
COROLÁRIO. Dado um conjunto C de extremo superior L, e sendo C1,
C2, . . . , Cn conjuntos parciais de C que estogem este, (isto é, tais que todo
ponto de C esteja ao menos em um destes conjuntos), temos:
1) nenhum dos conjuntos parciais C1, . . . , Cn pode ter extremo superior
maior que L;
56 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
2) ao menos um desses conjuntos tem extremo superior L.
O teorema enunciado e o seu corolário se aplicam, também, no caso de
conjuntos não limitados e valem, mudando as desigualdades, para o extremo
inferior, mas não se aplicam se os conjuntos componentes são em número
infinito. Por exemplo, se considerarmos os intervalos
12
´ 23
,23
´ 34
, . . . ,n´ 1n
´ n
n` 1, . . .
é claro que o extremo superior do conjunto formado pela reunião desses
intervalos é 1, que não é extremo superior de nenhum deles.
§ 2. Pontos de acumulação. Teorema de BOLZANO. Chama-se ponto de
acumulação de um conjunto C, um ponto P tal que em qualquer entorno do
mesmo se encontram pontos de C distintos de P. É fácil ver que neste caso,
em qualquer entorno de P existe uma infinidade de pontos do conjunto. Com
efeito, se no entorno a ´ b de P só existisse um número finito de pontos de
C, poderíamos determinar um deles, distinto de P cuja distância δ a P fosse
mínima. Mas neste caso, a parte do entorno (δ) de P contida em a ´ b
seria, evidentemente, um entorno de P sem nenhum ponto de C distinto de
P, contra a hipótese feita.
É fácil ver, por exemplo, que todo número real é ponto de acumulação
do conjunto de números racionais; com efeito seja p um número real e a´ b
um seu entorno; sendo a ă p, existem, como sabemos, números racionais
compreendidos entre a e p, e portanto contidos no entorno a ´ b, o que
prova a nossa asserção. Vê-se também facilmente que o conjunto formado
pelos pontos ˘12, ˘13, . . . , ˘1n, . . . tem um único ponto de acumulação,
que é 0.
Diz-se que um ponto a é ponto de acumulação à direita de um conjunto
C, quando em qualquer entorno esquerdo de a existe ao menos um ponto
de C distinto de a. Será ponto de acumulação à esquerda, se o mesmo acon-
tecer em qualquer entorno direito. Também se demonstra que em qualquer
entorno esquerdo (direito), de um ponto de acumulação à direita (esquerda)
cai uma infinidade de pontos de C.
É claro que um ponto de acumulação à direita ou à esquerda é sempre
um ponto de acumulação simplesmente; e que um ponto de acumulação é
sempre de acumulação ou à direita ou à esquerda, ou de ambos os tipos.
Estas definições se aplicam ao 8, tendo em vista as definições de entorno,
entorno direito e esquerdo do infinito.
Um ponto de um conjunto que não é de acumulação para o mesmo con-
junto chama-se ponto isolado.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 57
TEOREMA DE BOLZANO. Todo conjunto linear C, com um número infi-
nito de elementos, e limitado, tem ao menos um ponto de acumulação.
Com efeito, o conjunto C sendo limitado, será compreendido num inter-
valo a $% b; seja K a classe dos pontos tais que à sua esquerda haja somente
um número finito (ou nulo) de pontos de C. É evidente que o ponto a está em
K, e o ponto b fora de K; esta classe, portanto, não é vazia e não contém os
números reais. Além disto, se k é um ponto de K, todo número k1 ă k tam-
bém está na mesma classe, pois à sua esquerda não pode haver mais pontos
do que à esquerda de k. Trata-se pois de uma classe minorante, que deter-
mina um ponto ε. Seja então c ´ d um entorno arbitrário de ε; sendo d ą ε,
d está fora de K, logo, à sua esquerda há infinitos pontos do conjunto C;
entre c e d estarão portanto esses mesmos pontos menos os que estiverem à
esquerda de c, e eventualmente o próprio ponto c, isto é, menos um número
finito ou nulo, pois c (ă ε) pertence a K. Há, pois, infinitos pontos de C no
entorno arbitrário c ´ d de ε, o qual é, portanto, ponto de acumulação, o
que demonstra o teorema.
Este teorema foi demonstrado para conjuntos limitados. Mas, recor-
dando a definição que demos de entorno do infinito, vemos que todo con-
junto não limitado tem o infinito por ponto de acumulação.
Podemos pois enunciar o teorema sob a forma geral:
Todo conjunto infinito de pontos de uma reta tem ao menos um ponto
de acumulação. Se o conjunto é limitado, os seus pontos de acumulação são
finitos e estão no intervalo limitado pelos extremos do conjunto.
Por exemplo, o conjunto de números naturais tem como único ponto de
acumulação (à direita) o infinito. O conjunto dos números 12, 23, 14,
34, . . . , 1n, pn ´ 1qn, . . . tem como pontos de acumulação 0 e 1; como
não há nenhum número desse conjunto menor que 0 e nem maior que 1,
vemos que 0 é ponto de acumulação à esquerda e 1 à direita; aliás é fácil ver
que 0 é extremo inferior e 1 extremo superior do conjunto.
§ 3. Conjuntos derivados. Os pontos de acumulação finitos de um con-
junto C formam o conjunto derivado de C, que se indica com C 1; os pontos
de acumulação finitos de C 1 formam o segundo derivado de C, que se indica
com C2, e assim por diante. Note-se que sempre excluimos o infinito como
elemento de um conjunto linear.
Diz-se que um conjunto C é discreto quando ele não tem nenhum ponto
comum com o seu derivado C 1, isto é, quando ele só consta de pontos iso-
lados. Um conjunto C se diz fechado ou cerrado quando ele contém o seu
derivado C 1, isto é, quando ele contém todos os seus pontos de acumulação
58 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
a distância finita. Um conjunto se diz denso em si quando ele está contido no
seu derivado, isto é, quando todos os seus pontos são pontos de acumulação.
Se um conjunto C contém o seu derivado e está contido nele, isto é, se C
coincide com C 1, diz-se que C é um conjunto perfeito.
Obtemos, por exemplo, um conjunto fechado, acrescentando os pontos
de acumulação 0 e 1 ao conjunto considerado no fim do parágrafo anterior.
Todo conjunto finito é fechado, pois o seu derivado é conjunto vazio, que
está contido em qualquer conjunto. Um exemplo de conjunto denso em si é o
conjunto dos números racionais. Enfim, é fácil demonstrar que um intervalo
fechado, assim como todo o campo real são conjuntos perfeitos.
TEOREMA. Todo conjunto derivado C 1 é fechado. Em outras palavras,
todo ponto de acumulação finito de C 1 faz parte de C 1, e portanto é também
ponto de acumulação de C.
Seja, com efeito, α um ponto de acumulação finito de C 1. Num entorno
arbitrário a ´ b de α há sempre um ponto β de C 1, diferente de α e esse
ponto β é de acumulação de C. Ora, sendo β interno ao intervalo a ´ b,
podemos sempre determinar um entorno c ´ d de β contido nesse intervalo;
nesse entorno há uma infinidade de pontos de C, e portanto há pontos de C
distintos de α no intervalo a ´ b, o que prova que α é ponto de acumulação
de C.
§ 4. Teorema de BOREL-LEBESGUE. Vamos dar primeiramente uma defi-
nição: diz-se que um conjunto C está coberto por uma família F de intervalos,
ou que esses intervalos cobrem o conjunto C, quando todo ponto de C é in-
terno a um ao menos dos intervalos da família F. Posto isto, o teorema de
BOREL-LEBESGUE é o seguinte:
Se um conjunto fechado e limitado C está coberto por uma família F
de intervalos, pode-se assinalar um número finito de intervalos de F com a
mesma propriedade.
Com efeito, suponhamos que o teorema não seja verdadeiro, isto é, que
sejam necessários infinitos intervalos de F para cobrir C. Seja a $% b um
intervalo que contém C internamente. Dividindo a $% b ao meio, obtemos
dois conjuntos parciais de C, contidos respectivamente nos dois intervalos
parciais obtidos. Evidentemente, ao menos um desses conjuntos parciais ne-
cessita também de uma infinidade de intervalos de F para ser coberto; tome-
mos, a contar da esquerda, o primeiro desses conjuntos em que isto acon-
tece, e chamemos a1 $% b1 o intervalo (metade de a $% b) em que ele está
contido. Repetindo esta operação sucessivamente, obteremos um conjunto
infinito de intervalos parciais a1 $% b1, a2 $% b2, . . . , an $% bn, . . . ,
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 59
cada um contido no precedente, de amplitudes pb ´ aq2, pb ´ aq4, . . . ,
pb ´ aq2n, . . . e que satisfazem à seguinte condição: a parte do conjunto C
contida em cada um desses intervalos só pode ser coberta por uma infinidade
de intervalos de F. Ora, os extremos desses intervalos formam um par de
classes contíguas, que determina um ponto ξ, o qual, satisfazendo sempre às
desigualdades an ď ξ ď bn, pertence a todos os intervalos an $% bn; mas
como qualquer entorno pεq de ξ contém um desses intervalos, bastando que
seja pb ´ aq2n ă ε, é claro que ξ é ponto de acumulação de C, e portanto
pertence a este conjunto, que por hipótese é fechado. Mas daqui se segue
também que existe um intervalo α ´ β de F que contém ξ internamente, e
que portanto contém todo o intervalo an $% bn cuja amplitude seja menor
que as distâncias de ξ aos extremos α e β. Este resultado, porém contradiz a
condição anterior, e portanto a hipótese feita é absurda, o que demonstra o
teorema.
Note-se que a condição de ser o conjunto C fechado é essencial; por
exemplo, o teorema não se aplica quando se considera o intervalo aberto
0 ´ 1, que evidentemente está coberto pelos intervalos
13
´ 1,13
´ 12
, . . . ,1
n` 1´ 1
n´ 1, . . . .
Não é possível assinalar um número finito destes intervalos que cubra o
intervalo 0 ´ 1, e a razão é que este intervalo não contém o ponto 0, que é
de acumulação.
§ 5. Conceito de função segundo DIRICHLET. Consideremos um con-
junto linear C de números x. Se a cada número x de C corresponde, de um
modo bem determinado, um ou mais valores de uma outra quantidade y,
dizemos que y é uma função de x definida ao campo C, que se chama campo
de definição, e indicamos essa correspondência com a notação
y “ fpxq
ou por outro símbolo semelhante em que a letra f seja substituída por outra
qualquer. Usa-se frequentemente, por exemplo, a notação y “ ypxq.Se a função toma um só valor para cada valor de x, dizemos que ela é
monódroma ou univalente, ou univocamente determinada. Em caso contrá-
rio, será polídroma ou multivalente. Podendo x tomar qualquer valor no
conjunto C, dizemos que x é a variável independente; y é a variável depen-
dente.
Em todo este curso, no estudo de uma função fpxq definida num campo
C, designaremos com a letra x somente pontos de C.
60 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
Suponhamos que variando x no campo C, a função y “ fpxq tome so-
mente valores pertencentes a um campo C1; seja u “ ϕpzq uma outra função
definida neste campo C1; se fizermos z “ y, isto é, se substituirmos z por
fpxq, a cada valor de x corresponderão valores bem determinados de z no
campo C1, aos quais por sua vez corresponderão certas determinações para
u; u será portanto uma função de x definida em todo campo C e este fato se
exprime dizendo que u é função de função de x, por intermédio da função y,
e pomos
u “ ϕpfpxqq.
A operação que consiste em exprimir uma função ϕpzq, da variável z,
como função de outra variável x, ligada a z pela relação z “ fpxq, chama-se
mudança de variável.
É evidente que se f e ϕ são funções monódromas, u será função monó-
droma de x.
Na mesma hipótese acima, suponhamos que todos os pontos do campo
C1 sejam atingidos, quando x varia no campo C. Neste caso, para cada
valor de y de C1 existirá um ou mais valores de x, aos quais corresponde
este valor de y, e portanto, se fizermos corresponder a cada valor y de C1
estes valores de x, ficara definida uma função de y no campo C1. Esta função
chama-se função inversa de fpxq e costuma-se indicar com a notação f´1pyq.Naturalmente a função inversa de f´1pyq será a própria fpxq definida no
campo C. Se cada valor de y corresponde a um único valor de x do campo
C, a função inversa x “ f´1pyq será evidentemente monódroma, e goza da
propriedade expressa pela equação
f´1 pfpxqq “ x
válida para qualquer valor de x no campo C.
Se tanto a função fpxq como a sua inversa f´1pxq são monódromas, di-
zemos que x e y se correspondem biunivocamente por meio da equação
y “ fpxq ou da equação equivalente x “ f´1pyq, e que essas equações
transformam o campo C no campo C1 e reciprocamente. Neste caso, a mu-
dança de variável definida por esta última equação permite fazer o estudo
de uma função qualquer Gpxq, definida no campo C, por meio da função
Gpf´1pyqq “ Hpyq, que é definida no campo C1, pois as duas funções Gpxq e
Hpyq tomam sempre os mesmos valores para valores correspondentes de x e
y.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 61
§ 6. Gráfico de uma função. Dada uma função, y “ fpxq, se pusermos os
valores de x como abcissas e os valores correspondentes de y como ordena-
das de pontos de um plano referido a um sistema cartesiano de coordenadas,
obtemos um conjunto G bem determinado de pontos do plano. Reciproca-
mente, dado qualquer conjunto G de pontos em um plano, podemos consi-
derar o conjunto C constituído pelos valores das abcissas x desses pontos. A
cada valor de x em C corresponde, de modo bem determinado, um ou mais
valores de y, que são as ordenadas dos pontos de G que têm a abcissa x, e
obtemos assim y como função de x, definida no campo C. Esse conjunto
G de pontos do plano, que corresponde a uma função y “ fpxq, chama-se
gráfico dessa função. Se o campo C é um intervalo e se são satisfeitas certas
condições que veremos mais adiante, o gráfico da função fpxq é uma curva,
no sentido corrente da palavra.
É conveniente observar que dado o gráfico G de uma função y “ fpxq,esta mesma figura pode ser interpretada como o gráfico da função inversa
x “ f´1pyq, pois basta encarar como campo de definição o conjunto dos
pontos do eixo Oy, projeções dos pontos do conjunto G.
O x
y
y “ ax` b
§ 7. Funções elementares. Ad-
mitimos conhecidas as chamadas
funções elementares, cuja lista da-
mos a seguir, com alguns gráficos
elucidativos:
1. Função linear y “ ax ` b
(a ‰ 0), cujo gráfico é uma reta não
paralela a nenhum dos eixos, de coe-
ficiente angular a e coeficiente linear
b. Evidentemente para a “ 0, obte-
mos a função constante y “ b, cujo gráfico é uma reta paralela ao eixo Ox.
2. Função racional inteira ou polinômio (de grau n ě 1)
y “ a0xn ` a1x
n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an´1x` an pa0 ‰ 0q
cujo gráfico se chama parábola de ordem n, e para n “ 2 é uma parábola
comum, com eixo paralelo a Oy.
O campo de definição de uma função inteira é todo o campo real (aliás
todo o campo complexo, mas por enquanto nos limitamos aos valores reais
de x).
3. Função racional (quociente de dois polinômios)
y “ a0xn ` a1x
n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` anb0xm ` b1xm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` bm
“ fpxqϕpxq pa0b0 ‰ 0q.
62 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
O campo de definição é aqui o campo real, excluídos os zeros do deno-
minador. Note-se que se um número α anula ao mesmo tempo o numerador
e o denominador, podemos escrever
fpxq “ px´ αqf1pxq e ϕpxq “ px´ αqϕ1pxq;
neste caso, para todos os valores x ‰ α, a função y coincide com a função
y1 “ f1pxqϕ1pxq ;
se excluirmos o valor x “ α, que não pertence ao campo de definição de y,
podemos substituir a função y pela função mais simples y1. Assim podemos
sempre simplificar uma função racional, pois a única alteração que provoca
esta simplificação consiste, eventualmente, em incluir um número finito de
pontos no seu campo de definição.
4. Função algébrica. Chama-se assim a raiz de uma equação algébrica
cujos coeficientes são polinômios em x:
ϕ0pxqyn `ϕ1pxqyn´1 ` ¨ ¨ ¨ `ϕnpxq “ 0.
Supomos aqui que se tenha n ě 1, e que o polinômio ϕ0pxq não seja
identicamente nulo. Com esta hipótese, a cada valor de x corresponde um
número finito (no máximo n) de raízes y, que são as determinações da função
algébrica, ypxq, definida por essa equação. Por exemplo, a equação
y2 ´ 2xy´ 1 “ 0
define a função algébrica com dois valores y “ ˘?x2 ` 1, definida em todo
o campo real. Já a equação
xy4 ` 2x2y2 ´ 1 “ 0
define a função
y “ ˘
d
´x2 ˘?x4 ` x
x
cujo campo de definição é o conjunto dos valores x ď ´1 e x ą 0, sendo
que para x ą 0 há duas determinações, para x “ ´1, duas, e para x ă ´1,
quatro. Enfim, a equação
y2 ` x2 ` 1 “ 0
não tendo raiz em y para nenhum valor real de x, não define nenhuma fun-
ção algébrica no campo real. É claro que todas as funções consideradas nos
itens anteriores são particulares funções algébricas. Toda função que não é
algébrica é chamada função transcendente. As que damos a seguir são as cha-
madas funções transcendentes elementares, nome que se estende a todas as
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 63
funções obtidas destas por meio de um número finito de operações algébricas
e de função de função.
5. Potência irracional (ou melhor, potência com expoente irracional) y “xα, sendo α um número irracional qualquer (se α fosse racional e “ ˘pq,
teríamos a função algébrica definida por uma das equações yq ´ xp “ 0 ou
xpyq ´ 1 “ 0). No campo real só se considera esta função para x ě 0, se
α ą 0 e só para x ą 0 se α ă 0.
Damos abaixo os gráficos correspondentes a dois exemplos:
xx
yy
y “ x?
2
y “ x´e
6. Função exponencial y “ ax, com a ą 0, definida em todo o campo
real, e que goza da propriedade fpx` x 1q “ fpxqfpx 1q.7. Função logarítmica y “ loga x, com 0 ă a ‰ 1, definida no campo
dos números reais positivos, e que goza da propriedade fpxx 1q “ fpxq ` fpx 1q.Estes dois tipos de foram estudadas no capítulo II, e a elas voltaremos
mais adiante.
8. Funções circulares diretas. Chamam-se assim as funções estudadas
em trigonometria, em que a variável independente x representa um ângulo
que, salvo aviso em contrário, suporemos sempre medido em radianos: sen x,
cos x, tg x, cot x, sec x e cosec x. Em geral nos limitaremos a considerar as
quatro primeiras.
9. Funções circulares inversas. São as funções inversas das anteriores,
mas nós só consideraremos as três primeiras:
y “ arcsen x px “ senyqy “ arccos x px “ cosyqy “ arctg x px “ tgyq.
As duas primeiras são definidas no intervalo ´1 $% `1 e têm para cada
valor de x uma infinidade de determinações. Duas determinações quaisquer
64 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
de arcsen x, correspondentes a um mesmo valor de x, ou diferem de um múl-
tiplo de 2π ou têm por soma um múltiplo ímpar de π. Para arccos x, duas
determinações correspondentes ou diferem de um múltiplo de 2π ou têm por
soma um múltiplo par de π. A função arctg x é definida em todo o campo
real e tem para cada valor de x uma infinidade de determinações que diferem
umas das outras por múltiplos de π.
§ 8. Exemplos de funções não elementares. Para habituar o raciocínio à
noção de função em toda a sua generalidade, vamos dar alguns exemplos que
se afastam das funções já conhecidas e das combinações dessas por meio de
operações elementares:
1. Façamos corresponder a cada número racional x “ ˘mn, em quem é
inteiro não negativo e n inteiro e positivo, suposto reduzido à expressão mais
simples (isto é, sendo m e n primos entre si; se m “ 0 pomos n “ 1) a soma
m` n. Esta soma, que se chama altura do número racional x, é como se vê,
uma função de x definida no campo racional relativo, a qual designaremos
por αpxq; esta função só pode tomar valores inteiros e positivos.
2. Por meio da notação y “ rxs indicaremos o máximo número inteiro
não superior a x. Temos aqui o caso de uma função definida em todo o
campo real, que em cada intervalo cujos extremos sejam dois números intei-
ros consecutivos, da forma n $ n` 1, toma o valor constante y “ n.
3. Ponhamos
y “
$
&
%
αpxq, se x é racional
rxs, se x é irracional;
temos aqui outro exemplo de função, definida em todo o campo real, isto é,
no intervalo ´8 ´ ` 8.
4. Tomemos para cada número natural n, o número de números não
maiores que n e primos com n. Este número, que se indica com a notação
ϕpnq, é chamado o indicador de GAUSS, e é uma função de n, definida no
campo de números inteiros positivos.
5. Seja y “ 1´x para 0 ď x ď 1, exceto para os pontos do conjunto 12,
14, . . . , 1n, . . . para os quais y “ 0. Esta função está assim completamente
definida no intervalo 0 $% 1.
Todos os exemplos anteriores são de funções monódromas. Vejamos
algumas funções polídromas. Destas já são conhecidos alguns exemplos,
como y “ ˘?x, que para cada x positivo tem dois valores opostos, e as
funções circulares inversas.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 65
6. Ponhamos y “ ˘a
2x` r˘?xs (vide exemplo 2 acima). Esta função
só é definida no intervalo 0 $ 8. O número de valores distintos de y para
um mesmo valor de x depende deste último, p. ex.
para x “ 0, temos evidentemente, y “ 0;
para x “ 14, temos ˘x “ ˘12, donde r˘?xs “ 0 ou ´1, e temos
assim dois valores: y “ ˘a
12 pois 12 ´ 1 “ ´12, sendo negativo, não
tem raiz quadrada no campo real;
para x “ 1 temos 4 valores y “ ˘?
3 e y “ ˘1.
7. Para cada x positivo, definamos y pela condição
|y| ă x.
Temos uma função definida no campo real positivo, que a cada x desse
campo faz corresponder todos os valores reais do intervalo ´x ´ ` x.8. Seja y dado pela condição
py´ aq2 ď sen x.
Esta condição não pode evidentemente ser satisfeita para nenhum arco
x do 3º e 4º quadrantes. O campo de definição é portanto formado pelos
intervalos fechados ´2π $% ´π, 0 $% π, 2π $% 3π, . . . . Nos extremos de
cada um destes intervalos temos y “ a. Para qualquer x interno temos para
y todos os pontos do intervalo a´ ?sen x $% a` ?
sen x.
9. Exemplos de funções importantes nas aplicações são funções deter-
minadas por observações experimentais. Assim, a temperatura e a pressão
do ar em certo local são funções do tempo; a resistência elétrica e outras
grandezas características de um corpo são funções da temperatura. Pode-se
mesmo dizer que um dos principais instrumentos para o estudo das ciências
experimentais consiste em pesquisar as propriedades de certas funções deter-
minadas pela observação. Estas funções são de tipos variadíssimos, mas em
geral nos cálculos são substituídas por outras funções mais simples (funções
elementares ou combinações entre as mesmas) que as representam com um
erro suficientemente pequeno.
10. Sucessões. Um caso particular importantíssimo do conceito de fun-
ção é o conceito de sucessão. Esta pode-se definir como uma função monó-
droma definida no campo dos números naturais (aos quais algumas vezes se
acrescenta o zero). Neste caso, costuma-se pôr a variável independente como
índice na letra que indica a função: a1, a2, . . . , an, . . . . Designa-se também
a sucessão com a notação abreviada tanu.
Esta definição é equivalente à definição habitual: chama-se sucessão um
conjunto infinito e ordenado de números (não necessariamente distintos) em
66 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
que cada elemento pode ser caracterizado por um número inteiro que é o seu
número de ordem ou índice, isto é, o número de elementos que o precedem,
se o primeiro elemento tiver número de ordem 0, ou por esse número mais
1, se o primeiro elemento tem índice 1.
No capítulo V faremos um estudo mais demorado das sucessões.
§ 9. Extremos das funções. Teorema de WEIERSTRASS. Dada uma fun-
ção y “ fpxq, definida num campo C, consideremos todos os valores que
toma y quando x varia no campo C. Esses valores de y formam um con-
junto linear I, ao qual podemos aplicar os teoremas e definições do princípio
deste capítulo. Se este conjunto é limitado, ou apenas limitado superior ou
inferiormente, diz-se que a função fpxq é, respectivamente, limitada, limitada
superiormente ou limitada inferiormente no campo C.
Em qualquer caso, esse conjunto terá sempre um extremo superior L e
um extremo inferior l, que se chamam, respectivamente, extremo superior
e inferior da função fpxq. Se ambos os extremos são finitos, a sua diferença
Ω “ L´l chama-se oscilação da função no campo C; sendo l ď L, vemos que
a oscilação de uma função não pode nunca ser negativa. Se um dos extremos
é infinito, diz-se que a oscilação da função é infinita. A oscilação é nula
quando, e somente quando a função é constante, pois só neste caso, tendo
o conjunto I um único elemento, este é ao mesmo tempo extremo superior e
inferior, isto é, temos L “ l, donde Ω “ 0.
Se a função fpxq atinge efetivamente o seu extremo superior L, isto é, se
há um ponto x de C tal que se tenha fpxq “ L, diz-se que L é o máximo
da função fpxq no campo C, e x é um ponto de máximo. Se fpxq atinge em
algum ponto x de C o seu extremo inferior l, diz-se que l é o mínimo de fpxqno campo C, e x é um ponto de mínimo.
Se decompomos o campo C em um número finito de campos parciais C1,
C2, . . . , Cn, a cada um desses campos corresponde um conjunto I1, I2, . . . Inde valores da função, e como os pontos que pertencem ao menos a um desses
conjuntos constituem o conjunto I, podemos aplicar o teorema demonstrado
no fim do § 1º e enunciar o seguinte lema: Se uma função fpxq definida num
campo C tem extremo superior L, o extremo superior dessa função em uma
parte de C é no máximo L, e se o campo C se decompõe em um número finito
de campos parciais, em um ao menos desses campos o extremo superior de
fpxq é igual a L.
Vamos agora dar o importante teorema de WEIERSTRASS: Dada uma
função fpxq definida um campo C, sendo L o seu extremo superior, existe ao
menos um ponto ξ (finito ou infinito) tal que nos pontos de C contidos em
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 67
um entorno arbitrário de ξ o extremo superior de fpxq é ainda L. Um ponto
ξ nestas condições chama-se ponto de WEIERSTRASS relativo ao extremo
superior.
Com efeito, chamemos Ck o conjunto dos pontos x de C que são menores
que um número real k. Consideremos a classe K formada pelos números k
tais que ou Ck seja vazio ou nesse conjunto o extremo superior de fpxq seja
menor que L. Se um número k pertence a K, todo número k 1 ă k também
pertence a esta classe, o que é evidente se Ck é vazio, e em caso contrário,
deduz-se do lema anterior, pois Ck 1 está contido em Ck. A classe K é portanto
uma classe minorante. Se K é vazia, em qualquer entorno direito do infinito
haverá pontos de C e nesses pontos o extremo superior de fpxq é L, logo
temos neste caso, ξ “ ´8. Analogamente se demonstra que se K contém
todos os números reais, temos ξ “ `8. Enfim, se a classe K não é vazia
nem contém todos os números reais, ela determina um número real ξ, tal
que todo número menor que ξ pertence a K e todo número maior que ξ está
fora de K. Seja então a ´ b um entorno arbitrário de ξ, isto é, a ă ξ ă b.
Estando b fora de K, o extremo superior de fpxq em Cb é L. Mas neste campo
Cb é separado por qualquer número c compreendido entre a e ξ, em uma
parte Cc, no qual o extremo superior de fpxq é ă L e outra parte contida
no intervalo c $ b, e portanto no entorno a ´ b de ξ, em que o extremo
superior é L, o que demonstra o teorema.
É evidente que se ξ não faz parte de C, ξ é necessariamente ponto de
acumulação desse campo. Se for ponto isolado de C, haverá um entorno
de ξ sem nenhum ponto de C além de ξ; e se a função for monódroma,
teremos neste caso fpξq “ L, e L será o máximo. Conclui-se que se uma
função monódroma não tem máximo, todo ponto de WEIERSTRASS relativo
ao extremo superior é ponto de acumulação do seu campo de definição.
Analogamente se pode demonstrar a existência de um ponto de WEIERS-
TRASS relativo ao extremo inferior.
Notemos também que pode haver outros pontos de WEIERSTRASS; a
classe K atrás construída define o mínimo do conjunto desses pontos. É fácil
demonstrar também que os pontos de WEIERSTRASS de qualquer função,
relativos ao extremo superior ou ao extremo inferior, formam sempre um
conjunto fechado.
§ 10. Noção geral de limite. Seja y “ fpxq uma função definida num
campo C, e seja a um ponto de acumulação desse campo. Dizemos que y
tem por limite o número real b, ou que y tende a b, para x tendendo a a, e
68 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
escrevemos
limxÑa
y “ b
quando a cada entorno β de b se pode fazer corresponder um entorno conve-
niente α de a, tal que para todo ponto x, de C, diferente de a, contido em α,
o valor y “ fpxq correspondente pertença ao entorno β. No caso de função
polídroma aplica-se a mesma definição de limite, devendo a última condição
ser satisfeita para todos os valores de y “ fpxq, correspondentes ao mesmo
valor de x.
Podemos dar outra forma a essa definição, pois a condição acima é evi-
dentemente satisfeita se nos limitarmos aos entornos simétricos de b e de a,
pois dentro de qualquer entorno há sempre um entorno simétrico, e o ele-
mento que estiver neste estará dentro do entorno primitivo. Ora, x estará
no entorno simétrico pδq de a, se tivermos a ´ δ ă x ă a ` δ, donde se tira
a ´ x ă δ e x ´ a ă δ, ou |x ´ a| ă δ; a condição x ‰ a pode ser expressa
por |x´ a| ą 0.
Podemos dizer, portanto, que y tende a b para x tendendo a a, quando,
dado o número ε ą 0 arbitrário, se pode determinar em correspondência um
número positivo δ, tal que para todo x, satisfazendo à condição
0 ă |x´ a| ă δ
temos, para o valor (ou valores) de y “ fpxq correspondente,
|y´ b| ă ε.
Um caso em que o limite existe sempre é o de uma função constante
monódroma, isto é, a que toma o mesmo valor k para todo ponto x. Neste
caso, qualquer que seja o ponto de acumulação a de C, temos limxÑa k “ k.
A condição de se tomar x ‰ a é essencial, pois há muitos casos em que,
embora a pertença ao campo C, o limite de fpxq para x Ñ a é diferente de
fpaq; seja, por exemplo, fpxq “ 1 para x ‰ 0 e fp0q “ 0; o campo C é aqui o
campo real, de que 0 é ponto de acumulação. Ora, qualquer que seja ε ą 0,
temos, para x ‰ 0, fpxq ´ 1 “ 0 ă ε, e portanto,
limxÑ0
fpxq “ 1,
ao passo que, pela definição, fp0q “ 0.
A primeira definição que demos de limite, expressa em linguagem de en-
tornos, tem a vantagem de servir para o caso em que a ou b ou ambos, são
infinitos, e também para outras generalizações da noção de função, como
veremos no capítulo VIII.
No caso em que entra o infinito, pode-se também adotar as definições:
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 69
Dizemos que
limxÑ8
y “ b (finito)
quando, dado o número ε positivo arbitrário, é possível achar um número
positivo K tal que para todo ponto x satisfazendo à condição |x| ą K, se
tenha, em correspondência, |y´ b| ă ε. Analogamente, dizemos que
limxÑa
y “ 8 (a finito)
quando a cada número positivo K podemos fazer corresponder um número
δ ą 0 tal que se tivermos 0 ă |x´a| ă δ, tenhamos, para o valor (ou valores)
correspondente de y, |y| ą K. Também se interpreta facilmente a afirmação
expressa por
limxÑ8
y “ 8.
Mas nesses casos é conveniente em geral fazer a distinção entre o limite
`8 e o limite ´8, substituindo a desigualdade |y| ą K por y ą K ou y ă´K, respectivamente.
NOTA. Diz-se que uma função fpxq é convergente num ponto a (finito ou
infinito) quando ela tem um limite finito para x Ñ a; divergente, quando esse
limite existe e é infinito; se não existe limite, diz-se que ela é indeterminada
para x Ñ a.
TEOREMA DE UNICIDADE. Uma função y “ fpxq não pode ter dois li-
mites diferentes quando x tende ao mesmo ponto de acumulação a do seu
campo de definição.
Com efeito, se houvesse dois limites b1 e b2 distintos, poderíamos deter-
minar dois entornos δ1 e δ2 de a, tais que para todo valor de x ‰ a dentro
de cada um deles, tivéssemos, respectivamente,
|y´ b1| ă 12
|b1 ´ b2| e |y´ b2| ă 12
|b1 ´ b2|,
pois o segundo membro dessas desigualdades é positivo. Ora, num entorno
de a comum aos dois intervalos δ1 e δ2, valeriam simultaneamente essas duas
desigualdades, donde deduziríamos
|b1 ´ b2| “ |pb1 ´ yq ´ pb2 ´ yq| ă |b1 ´ b2|,
o que é absurdo. Também se vê facilmente que uma função não pode ser ao
mesmo tempo convergente e divergente no mesmo ponto a.
70 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
§ 11. Limites sobre conjuntos parciais. Limite à esquerda e limite à di-
reita. Tomemos uma função y “ fpxq definida num campo C, de que a é
ponto de acumulação. Se C1 é um conjunto parcial de C que tem ainda a
como ponto de acumulação, podemos restringir a variação de x aos pontos
de C1, e neste caso pode ser que exista o limite de fpxq para x Ñ a, indepen-
dentemente da existência desse limite, quando x varia em C. Tal limite será
designado com a notação
limxÑa pC1q
fpxq.
Se existe o limite de fpxq para x tendendo a a em C, é claro que as desi-
gualdades acima continuam válidas se limitarmos a variação de x ao conjunto
C1, logo temos
limxÑa pC1q
fpxq “ limxÑa
fpxq.
Por outro lado, se o conjunto C se decompõe em dois conjuntos parciais
C1 e C2, ambos com ponto de acumulação a e se nos dois conjuntos a função
fpxq tem o mesmo limite b, então fpxq tem limite b para x Ñ a em C; pois
neste caso, dado ε ą 0, existem entornos α1 e α2 de a tais que nos pontos
x ‰ a desses entornos, pertencentes a C1 e C2 respectivamente, temos |fpxq ´b| ă ε. Esta desigualdade estará então satisfeita para qualquer x ‰ a do
conjunto C, contido num entorno α de a comum a α1 e α2, o que prova a
nossa afirmação. Este teorema se estende a um número finito de conjuntos
parciais.
É claro também que em todas as considerações de limite, podemos res-
tringir a variação de x aos pontos de C que estão num entorno arbitrário α0
de a, dado a priori, pois sempre podemos substituir o entorno de α de a por
um entorno contido ao mesmo tempo em α e em α0.
Esses teoremas valem evidentemente, com pequenas modificações na de-
monstração, se a ou b ou ambos, são infinitos.
Consideremos, em particular, o conjunto dos pontos de C que estão à
esquerda de a. Tal conjunto terá ponto de acumulação a, se a for ponto
de acumulação à direita, em C. O limite de fpxq correspondente aos pontos
x ă a, chama-se limite à esquerda, e designa-se com uma das notações
(1) limxÑa´
fpxq ou fpa´q.
Analogamente, se pode considerar o limite à direita
(1) limxÑa`
fpxq ou fpa`q
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 71
O 1 2 3 x
y
quando a é ponto de acumulação à esquerda e só se consideram os valores
de fpxq para x ą a. No caso do ponto de acumulação infinito, obtemos
o limite à esquerda e o limite à direita, restringindo a variação de x só aos
valores positivos ou só aos valores negativos, respectivamente. Tais limites
designam-se com as notações
limxÑ`8
fpxq ou fp`8q e limxÑ´8
fpxq ou fp´8q.
Os dois limites (1) acima podem não coincidir, e neste caso fpxq não terá
limite no ponto a. Mas se esses limites coincidem, pelo teorema II o seu valor
comum dá exatamente o limite de fpxq para x Ñ a.
Tomemos por exemplo, a seguinte função definida no campo dos núme-
ros reais não negativos:
y “ 0 para x inteiro
y “ rxs para x não inteiro (§ 8, exemplo 2q.
A representação gráfica desta função consta de uma série de segmentos
paralelos a Ox e de pontos isolados sobre este eixo.
É fácil ver que sendo n um número natural qualquer temos
limxÑn´
“ n´ 1 limxÑn`
“ n,
isto é, os dois limites existem e são diferentes; eles diferem também do valor
da função no ponto n, exceto para n “ 0, e 1 pois temos
limxÑ0`
y “ limxÑ1´
y “ 0.
§ 12. Continuidade. Suponhamos agora que o campo de definição C, de
fpxq, contenha o seu ponto de acumulação x0. Se tivermos
(1) limxÑx0
fpxq “ fpx0q,
diremos que a função fpxq é contínua em x0. Isto equivale à seguinte defini-
ção: Diz-se que uma função fpxq, definida no campo C, é contínua no ponto
x0 (ponto de acumulação de C e pertencente a C) se, dado arbitrariamente o
72 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
número ε ą 0, é possível determinar δ ą 0 tal que para |x´x0| ă δ, se tenha
como consequência,
|fpxq ´ fpx0q| ă ε.
Aqui é evidentemente desnecessária a exclusão x ‰ x0.
Verifica-se que se uma função é contínua em um ponto, há sempre um
entorno desse ponto em que ela é limitada.
Se a função fpxq é definida no ponto de acumulação x0 do seu campo de
definição e se a condição (1) não está satisfeita, diz-se que ela é descontínua
em x0 e que este é um ponto de descontinuidade de fpxq.Se a função fpxq é contínua em todos os pontos de acumulação de C
pertencentes a C, diz-se que ela é contínua nesse campo. É evidente que toda
função constante é contínua.
O teorema de WEIERSTRASS, aplicado às funções contínuas, permite de-
duzir, como resultado importantíssimo, o seguinte
TEOREMA. Toda função monódroma, contínua em um campo C limi-
tado e fechado, tem um máximo e um mínimo nesse campo.
Com efeito, seja ξ um ponto de WEIERSTRASS relativo ao extremo su-
perior L de fpxq. Se ξ é ponto isolado de C, temos, como já vimos (§ 9),
fpξq “ L. Se ξ é de acumulação de C, pertence a C, que é fechado, e da
continuidade se deduz que dado ε ą 0 arbitrário, existe um entorno de ξ tal
que para todo x dentro dele se tenha
fpξq ´ ε ă fpxq ă fpξq ` ε;
e como nesse entorno o extremo superior é ainda L, teremos também
fpξq ´ ε ă L ď fpξq ` ε,
donde
|L´ fpξq| ď ε.
Mas |L´ fpξq| é um número determinado não negativo, e ε é um número
positivo arbitrário, logo temos forçosamente, L´ fpξq “ 0, isto é,
fpξq “ L;
conclui-se que, em qualquer caso, todo ponto de WEIERSTRASS para o ex-
tremo superior é um ponto de máximo.
A mesma demonstração se pode fazer para o extremo inferior l, dedu-
zindo assim a existência de um ponto de mínimo η, isto é, tal que fpηq “ l.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 73
Se, sendo x0 um ponto de acumulação à direita, ou à esquerda, tivermos
apenas
limxÑx0´
“ fpx0´q “ fpx0q ou limxÑx0`
fpxq “ fpx0`q “ fpx0q
diremos que fpxq é, respectivamente, contínua à esquerda ou contínua à di-
reita, do ponto x0. Evidentemente, se uma função é, ao mesmo tempo, con-
tínua à direita e à esquerda no mesmo ponto, ela é contínua nesse ponto, e
reciprocamente.
A função definida no último exemplo do parágrafo anterior é contínua
para todos os valores não inteiros de x, e é contínua à direita no ponto 0 e
à esquerda no ponto 1, sendo descontínua para os outros números inteiros.
A função y “ rxs, definida no § 8, exemplo 2, é contínua só à direita para
todos os valores inteiros de x.
§ 13. Teoremas sobre limites e funções contínuas. Vamos estabelecer
uma série de teoremas simples que servem de base ao cálculo de limites.
1. Se a função y tem um limite b ‰ 0 para x Ñ a, existe um entorno
conveniente de a, tal que para todo ponto x ‰ a dentro dele, y conserva o
mesmo sinal do seu limite b. Basta, com efeito, determinar um entorno de a
tal que para os pontos x ‰ a dentro dele, tenhamos b´ ε ă y ă b` ε, sendo
0 ă ε ă |b|, o que é sempre possível, dada a definição de limite. É claro que
os dois números b ´ ε e b ` ε são do mesmo sinal que b. Em particular, se
uma função fpxq é contínua no ponto x0 e não se anula neste ponto, existe
um entorno de x0 em que a função tem constantemente o sinal de fpx0q.2. Se para x Ñ a, y tem limite b, a função |y| tem limite |b|: Com efeito,
dado ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α de a tal que para
todo x ‰ a dentro de α se tenha |y´b| ă ε; e como temos ||y| ´ |b|| ď |y´b|,segue-se, para o mesmo entorno α, ||y| ´ |b|| ă ε, o que prova o teorema.
3. Se duas funções y1 e y2 de x, definidas no mesmo campo C, de que a
é ponto de acumulação, têm limites finitos para x Ñ a temos também,
(1) limxÑa
py1 ` y2q “ limxÑa
y1 ` limxÑa
y2
(2) limxÑa
y1 ¨ y2 “ limxÑa
y1 ¨ limxÑa
y2.
Com efeito, seja
limxÑa
y1 “ b1 e limxÑa
y2 “ b2.
Dado então ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α1 de a
para o qual se tenha |y1 ´ b1| ă ε2 e um entorno α2 de a para o qual seja
74 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
|y2 ´ b2| ă ε2. Destas desigualdades segue-se a condição
|py1 ˘ y2q ´ pb1 ˘ b2q| ă ε
para todo ponto x ‰ a de um entorno α de a contido em α1 e α2, o que
demonstra (1). Para demonstrar a fórmula (2), notemos que a diferença
y1y2 ´ b1b2 pode-se pôr sob a forma
y1y2 ´ y1b2 ` y1b2 ´ b1b2 “ y1py2 ´ b2q ` b2py1 ´ b1q;
pelo teorema 2, temos
limxÑa
|y1| “ |b1|e daqui se deduz que tomado um número M maior que |b1| e que |b2|, pode-
mos determinar três entornos, α1, α2, α3, de a tais que
para x ‰ a dentro de α1 tenhamos |y1| ă M
para x ‰ a dentro de α2 tenhamos |y1 ´ b1| ă 12
¨ εM
para x ‰ a dentro de α3 tenhamos |y2 ´ b2| ă 12
¨ εM
;
em um entorno α de a, comum a α1, α2, α3, temos então
|y1y2 ´ b1b2| ď |y1|.|y2 ´ b2| ` |y1 ´ b1|.|b2| ď Mε
2M`M ε
2M“ ε,
o que demonstra a fórmula (2).
Em particular, se y “ k (constante), temos como já vimos,
limxÑa
y “ k,
donde
limxÑa
ky “ k limxÑa
y
e se k “ ´1,
limxÑa
p´yq “ ´ limxÑa
y.
Estes teoremas se estendem evidentemente a um número finito qualquer
de parcelas ou de fatores. Em particular, se existe
limxÑa
y “ b,
temos, sendo n um número natural qualquer,
limxÑa
yn “ bn.
Dos teoremas anteriores se deduz que o valor absoluto de uma função
contínua, assim como a soma, diferença e produto de funções contínuas em
número finito qualquer, em um mesmo ponto, são funções contínuas nesse
ponto.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 75
4. Se y “ fpxq tem um limite b ‰ 0 para x Ñ a, temos também
(3) limxÑa
1y
“ 1b
.
Com efeito, sendo m um número compreendido entre 0 e b, podemos
determinar um entorno α1 de a para o qual seja |y| ą |m|. Dado então
ε ą 0 arbitrário, podemos determinar outro entorno α2 no qual se tenha,
para x ‰ a, |y´b| ă m2ε. Num entorno α comum a α1 e α2, teremos entãoˇ
ˇ
ˇ
ˇ
1y
´ 1b
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
“ |b´ y||b|.|y| ă m2ε.
1m2 “ ε
o que demonstra o teorema.
Deste teorema e do anterior, segue-se
5. Na hipótese do teorema 3, se tivermos
limxÑa
y2 “ b2 ‰ 0,
temos também
limxÑa
y1
y2“ limxÑa
y1 ¨ 1y2
“ b1
b2.
Daqui se deduz que o quociente de funções contínuas é uma função con-
tínua em todos os pontos que não anulem o denominador.
6. Se tivermos
limxÑa
y “ 0
e se a é ponto de acumulação do conjunto parcial C de C para o qual seja
y ‰ 0, então temos nesse conjunto,
limxÑa pCq
1y
“ 8
pois pela hipótese, dado K ą 0 arbitrário, pode-se determinar um entorno α
de a tal que para x ‰ a dentro dele se tenha |y| ă 1K. Considerando em
particular os pontos de C dentro de α teremos pois,ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
1y
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
ą K
o que demonstra o teorema.
7. Se num produto de funções limitadas, definidas no mesmo campo C,
uma delas tem limite 0 para x Ñ a, o produto tem limite 0 no mesmo ponto.
Sejam y e z as funções dadas. Sendo por hipótese |z| ă K e y Ñ 0 para
x Ñ a, então dado ε ą 0 podemos determinar um entorno α de a para o
qual se tenha |y| ă εK, logo temos nesse entorno,
|yz| “ |y|.|z| ă Kε
K“ ε
76 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
o que demonstra o enunciado. Quando há mais de dois fatores (sempre em
número finito) basta notar que o produto de um número finito de funções
limitadas é sempre uma função limitada, que podemos chamar z.
Este resultado se aplica em particular quando a segunda função z tem um
limite finito para x Ñ a.
8. Se num produto de duas funções uma delas tem limite infinito e a outra
se conserva, em valor absoluto, maior que um número positivo k, o produto
tem limite infinito. Com efeito, sendo |z| ą k ą 0 e y Ñ 8, há um entorno
α de a para o qual temos |y| ą Kk, logo temos nesse entorno
|yz| ą K
k¨ k “ K
o que demonstra o enunciado, pois K é um número arbitrário.
Este teorema se aplica no caso em que a segunda função z tem, para
x Ñ a, um limite diferente de zero.
Também se demonstra facilmente o seguinte teorema:
9. Se uma função y tem limite infinito, a função 1y tem limite zero.
Em todos esses teoremas é conveniente distinguir os dois casos particula-
res: y Ñ `8 e y Ñ ´8, o que se faz sem dificuldade.
10. (Função de função). Seja y “ fpxq uma função definida num campo
C e a um ponto de acumulação deste campo. Seja x “ xptq uma função de
t definida em certo campo D com um ponto de acumulação a e tal que para
todos os valores t de D, os valores correspondentes de xptq estejam em C.
Suponhamos também que seja
limxÑa
fpxq “ b
limtÑa
xptq “ a.
Consideremos o conjunto D dos números t para os quais se tenha xptq ‰a. Vamos demonstrar que para a função de função fpxpyqq temos sempre
(4) limxÑa pDq
f pxptqq “ b.
Com efeito, dado ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α
de a tal que para todo x ‰ a de C dentro de α se tenha
|fpxq ´ b| ă ε;
mas pelas hipóteses feitas há um entorno α de a tal que para todo t ‰ a
de D dentro dele o valor (ou valores) correspondente de x seja interno a α e
diferente de a. Para tais valores de t temos pois,
(5) |fpxptqq ´ b| ă ε
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 77
o que prova a relação (4).
Há dois casos muito gerais em que não é preciso considerar o conjunto
D.
a) se num entorno α de a, tivermos sempre, para t ‰ a, xptq ‰ a; neste
caso, todos os pontos t contidos nesse entorno e distintos de a fazem parte
de D e limitando a variação de t a esse entorno temos pois
(6) limtÑa
fpxptqq “ b.
b) se tivermos fpxq “ b, isto é, se a função fpxq for contínua no ponto
a; neste caso, mesmo nos pontos t para os quais seja x “ a, a condição (5)
está satisfeita, e portanto vale também aqui a fórmula geral (6). Neste último
caso, podemos também escrever
limtÑa
fpxptqq “ f
ˆ
limtÑa
xptq˙
isto é, os símbolos f e limtÑa podem-se inverter. Vê-se assim em particular
que uma função contínua de uma função contínua é sempre uma função
contínua.
Os teoremas anteriores, baseados somente no conceito de entorno de um
ponto, se estendem, como veremos, a outros campos de variabilidade, além
do campo real. O teorema seguinte, ao contrário, baseia-se essencialmente
no conceito de ordem.
11. (Critério de confronto). Se uma função ypxq definida num campo
C com ponto de acumulação a, está, em todo um entorno α1 desse ponto,
compreendida entre duas outras definidas no mesmo campo e tendo o mesmo
limite para x Ñ a, então a função ypxq tem também esse limite para x Ñ a.
Com efeito, sejam u e v as duas funções. De u ď y ď v, segue-se 0 ď y´u ďv´ u. Como a última diferença tem limite zero para x Ñ a, a cada ε ą 0 se
pode fazer corresponder um entorno α2 de a no qual temos |v ´ u| ă ε; em
um entorno α de a comum a α1 e α2 teremos então 0 ď y´ u ă ε, donde
limxÑa
py´ uq “ 0
segue-se daqui,
limxÑa
y “ limxÑa
ru` py´ uqs “ limxÑa
u` limxÑa
py´ uq “ limxÑa
u
o que prova o enunciado.
§ 14. Continuidade das funções elementares. Dos teoremas do § 13 e da
igualdade evidente
limxÑa
x “ a,
78 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
segue-se imediatamente que:
1. O limite de um polinômio a0x2 ` ¨ ¨ ¨ ` an para x tendendo a um
número real c qualquer, é a0cn ` a1c
n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an isto é, um polinômio é
uma função contínua em todo o campo real.
2. Uma função racional
y “ a0xn ` ¨ ¨ ¨ ` an
b0xm ` ¨ ¨ ¨ ` bmpa0,b0 ‰ 0q
é contínua em todo ponto real c que não seja raiz do denominador. Em
particular, se for bm ‰ 0, temos
limxÑ0
y “ an
bm.
3. Na hipótese anterior, se c é raiz do denominador e não do numerador,
temos (§ 13, teoremas 6 e 8)
limxÑc
a0xn ` ¨ ¨ ¨ ` an
b0xm ` ¨ ¨ ¨ ` bm“ 8.
Se c é raiz ao mesmo tempo do denominador e do numerador, há um
fator comum aos dois termos da fração que se pode eliminar, obtendo-se
uma função igual à anterior, salvo para os valores de x que anulem esse fator.
Mas no cálculo do limite essas duas funções se comportam identicamente.
4. Supondo sempre a0b0 ‰ 0, conforme seja m ă, “ ou ą n, a função
anterior pode ser escrita, para x ‰ 0, respectivamente sob as formas
a0xn´m ` a1x
n´m´1 ` ¨ ¨ ¨ ` anxm
b0 ` b1x
` ¨ ¨ ¨ ` bmxm
,a0 ` a1
x` . . .
b0 ` b1x
` . . .
oua0 ` a1
x` . . .
b0xm´n ` b1xm´n´1 ` . . .e aplicando os teoremas anteriores, vemos que a tais hipóteses, correspondem
respectivamente, as igualdades
limxÑ8
y “ 8 limxÑ8
y “ a0
b0limxÑ8
y “ 0.
É fácil distinguir, em cada exemplo particular, se y tende a `8 ou a ´8,
quando x tende a infinito por valores positivos ou negativos.
5. Consideremos agora a função y “ m?x, sendo m inteiro e positivo.
Se m é ímpar, esta é uma função monódroma definida em todo o campo
real; se m é par, temos uma função com dois valores (exceto para x “ 0)
definida no campo dos números não negativos; neste caso, consideraremos
somente a determinação não negativa, y “ ` m?x. Vamos demonstrar a
continuidade dessa função em todo o seu campo de definição. No ponto
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 79
zero, basta limitar a variação de x ao entorno |x| ă εm, para que se tenha
|y ´ 0| “ |y| “ ma
|x| ă ε. Para a ‰ 0, ponhamos m?a “ b e tomemos um
número positivo, c ă |b|. Se x e a são do mesmo sinal, y e b também o serão
e se |x| ą cm, teremos também |y| ą c. Destas desigualdades e de
y´ b “ ym ´ bmym´1 ` ym´2b` ¨ ¨ ¨ ` bm´1
deduzimos
|y´ b| ă |x´ a|mcm´1
e basta tomar |x´ a| ă mcm´1ε para se deduzir
|y´ b| ă ε
o que demonstra a continuidade da função.
Combinando este resultado com a elevação a potência inteira e positiva
e com o teorema sobre o limite do inverso de uma função, temos, qualquer
que seja o número racional relativo p ‰ 0,
limxÑa
xp “ ap;
mas se p “ 0, xp é constante e igual a 1, logo a última fórmula vale para p
racional qualquer.
6. Consideremos enfim, a função y “ xβ, definida para x ě 0, sendo β
um número real que supomos positivo. Para x Ñ 1, basta notar que, fixado
o número racional p ą β, temos, para x ≷ 1, respectivamente xp ≷ x ≷ 1, e
sendo lim xp “ 1, obtemos pela aplicação do critério de confronto,
limxÑ1
xβ “ 1.
Seja agora a um número positivo qualquer. Ponhamos x “ at, donde
y “ aβyβ. Temos aqui,
limtÑ1
y “ aβ e limxÑa
t “ 1
e além disto, para x ‰ a, t ‰ 1, logo, pela regra de função de função,
(1) limxÑa
xβ “ aβ,
o que demonstra a continuidade desta função. O caso em que β é negativo,
se reconduz a este imediatamente, pois temos, ´β sendo positivo,
limxÑa
xβ “ limxÑa
1x´β “ 1
a´β “ aβ
e portanto a fórmula (1) é válida para β real qualquer.
80 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
Também se pode verificar que, supondo sempre x ą 0 e β real, temos
limxÑ`8
xβ “
$
’
’
&
’
’
%
8, se β ą 0
1, se β “ 0
0, se β ă 0.
7. Consideremos as funções sen x e cos x, que são definidas no campo
real. As fórmulas da trigonometria dão
sen x´ sena “ 2 cosx` a
2sen
x´ a2
cos x´ cosa “ ´2 senx` a
2sen
x´ a2
.
Em ambos os segundos membros temos um fator limitado, respectiva-
mente
2 cospx ` aq2 e ´2 senpx ` aq2, cujo valor absoluto não pode ser maior
que 2. O outro fator, senpx ´ aq2, está sempre compreendido entre 0 e
px ´ aq2, e portanto tem limite 0 para x Ñ a. Pelo teorema 7 do § 13,
deduzimos pois que os dois primeiros membros têm limite 0 para x Ñ a, e
portanto,
limxÑa
sen x “ sena e limxÑa
cos x “ cosa,
isto é, as funções sen x e cos x são contínuas em todo o campo real. Deduz-se
daqui que a função tg x é contínua em todos os pontos que não anulem cos x,
ao passo que em tal ponto, que é da forma a “ π2 ` nπ, com n inteiro,
como o coseno tem limite 0 e o seno tem limite ˘1, temos limxÑa tg x “ 8,
e mais precisamente,
limxÑa´
tg x “ `8 limxÑa`
tg x “ ´8.
Também se deduz facilmente, para qualquer ponto b da forma nπ,
limxÑb´
cot x “ ´8 limxÑb`
cot x “ `8
sendo a cotangente função contínua em todos os outros pontos do campo
real. Quanto às funções elementares ax, log x, arcsen x, etc., veremos no
§ 17.
§ 15. Limite da razão do seno para o arco. Tomemos agora
Tomemos agora a função
y “ sen xx
que é definida e contínua em todo o campo real, excetuado o ponto 0. Este
porém é ponto de acumulação desse campo, logo podemos indagar se a fun-
ção y tem limite e nesta hipótese, calcular este, para x Ñ 0. Limitemos a
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 81
O A
B
B 1
C D
variação x ao entorno π2 de 0; seja primeiramente x ą 0 e tomemos a re-
presentação geométrica; medindo o ângulo em radianos e sendo OA “ 1,
temos pela figura,
"
AB“ x CB “ sen x DB “ tg x.
Construindo o ponto B 1 simétrico de B em relação a OA, e lembrando
que o comprimento do arco BB 1 “ 2x está, por definição, compreendido
entre o de toda poligonal inscrita e o de toda poligonal circunscrita, em par-
ticular entre BB 1 e BDB 1, temos
2. sen x ă 2x ă 2. tg x
ou, dividindo por 2 e tomando os inversos,
cot x ă 1x
ă 1sen x
;
multiplicando por sen x, vem
cos x ă sen xx
ă 1.
Ora, a última fórmula é válida também para x negativo, pois nenhum
dos membros da desigualdade se altera mudando o sinal de x. A função y
está assim compreendida entre a constante 1, e cos x, cujo limite para x Ñ 0
é cos 0 “ 1. Pelo critério de confronto, resulta pois,
limxÑ0
sen xx
“ 1.
Daqui se deduz
limxÑ0
tg xx
“ limxÑ0
sen xx
¨ 1cos x
“ 1,
pois ambos os fatores do segundo membro têm o mesmo limite 1.
82 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
§ 16. Funções monótonas. Seja y “ fpxq uma função monódroma defi-
nida num campo C. Se, quaisquer que sejam os pontos x1 e x2 de C, com
x1 ă x2, tivermos sempre
fpx1q ď fpx2q,diz-se que fpxq é função não decrescente. Se na mesma hipótese for sempre
fpx1q ě fpx2q,
diz-se que fpxq é função não crescente. Tanto as funções não decrescentes
quando as não crescentes, chamam-se funções monótonas. Se nas desigual-
dades acima só vale o sinal de igualdade para x1 “ x2, a função chama-se,
respectivamente, função crescente ou função decrescente.
TEOREMA FUNDAMENTAL SOBRE FUNÇÕES MONÓTONAS. Se y “ fpxqé uma função monótona em um campo C e se a é um ponto de acumulação
à direita de C, existe o limite de y à esquerda de a, isto é, fpa´q.
Suponhamos fpxq não decrescente e seja L o extremo superior, que supo-
mos finito por enquanto, de fpxq no conjunto dos pontos x ă a, de C. Para
todos esses pontos teremos então, fpxq ď L. Dado ε ą 0 arbitrário, podemos
achar x1 ă a tal que se tenha fpx1q ą L ´ ε; então, para todo ponto x ‰ a,
do entorno x1 % a, isto é, tal que seja x1 ă x ă a, teremos fpx1q ď fpxq, e
portanto,
L´ ε ă fpxq ď L,
isto é, fpxq cai no entorno pεq arbitrário de L, donde
limxÑa
fpxq “ fpa´q “ L.
Se L fosse infinito, bastaria substituir L´ ε por um número arbitrário K,
repetindo a mesma demonstração, chega-se neste caso a
limxÑa´
fpxq “ `8.
Se fpxq é função não crescente, com extremo inferior l no mesmo campo
C, demonstra-se analogamente que
limxÑa´
fpxq “ fpa´q “ l.
A uma conclusão semelhante se chega no caso em que a é ponto de acu-
mulação à esquerda de C, pois basta fazer a mudança de variável x “ ´x 1,
donde fpxq “ fp´x 1q “ ϕpx 1q, para se recair no caso anterior. Nesta hipótese,
se a função é não decrescente com extremo inferior l à direita de a, temos
limxÑa` fpxq “ l, e se é não crescente, com extremo superior L no mesmo
campo, temos limxÑa` fpxq “ L.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 83
Esses teoremas se aplicam evidentemente ao caso em que o ponto de
acumulação considerado é infinito positivo ou negativo. Também se aplicam
no caso em que, sendo a ponto de acumulação à direita, a função fpxq é
monótona somente nos pontos de C que caem num certo entorno esquerdo
de a, assim como em outros casos análogos. Vemos assim que se uma função
é monótona e limitada em um entorno esquerdo de um ponto de acumulação
à direita a do seu campo de definição, ela é convergente para x tendendo a a
pela esquerda, enunciado que se estende para todos os casos análogos.
Suponhamos enfim que o número a, finito, seja ponto de acumulação
de C tanto à direita como à esquerda, e que a função fpxq seja monótona
nos pontos de C de um entorno completo α de a. Como já vimos, existem
neste caso os dois limites fpa´q e fpa`q. Se a função é não decrescente,
temos fpa´q ď fpa`q, e o contrário se é não crescente. Com efeito, no
entorno α os valores de fpxq para x Ñ a são todos menores ou iguais (se f
é não decrescente) aos valores para x ą a; o mesmo acontece portanto com
o extremo superior à esquerda de a e o inferior à direita, e esses extremos
coincidem com os limites acima.
Podemos ver, além disto, que se a pertence ao campo C, e se os limites
acima são iguais, o seu valor comum coincide com fpaq, isto é, fpxq é contínua
em a. Com efeito, neste caso, para x ă a ă x 1, temos fpxq ď fpaq ď fpx 1q, e
estas desigualdades devem valer também para o extremo superior fpa´q de
fpxq para x ă a, assim como para o extremo inferior fpa`q de fpx 1q para
x 1 ą a, logo fpa´q ď fpaq ď fpa`q, e sendo iguais os extremos destas
igualdades, temos
limxÑa
fpxq “ fpaq
como queríamos demonstrar.
Suponhamos ainda que a seja ponto de acumulação à direita de C e que
para os pontos x ‰ a de um entorno esquerdo de a tenhamos sempre fpxq ďb, sendo fpxq função não-decrescente. Neste caso, para se concluir que
limxÑa´
fpxq “ b,
basta que, dado ε ą 0 arbitrário, se possa achar um desses pontos x ă a para
o qual se tenha fpxq ą b ´ ε, pois da existência de um tal ponto se deduz a
de todo um entorno x % a no qual esta propriedade é satisfeita. O mesmo
raciocínio se aplica a uma função não crescente, assim como para os pontos
de acumulação à esquerda.
84 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
Se uma função y “ fpxq é crescente no campo C, a sua inversa é monó-
tona do mesmo tipo; pois, designando como mesmo índice os valores corres-
pondentes de x e y, sendo x1 e x2 dois pontos quaisquer de C, de x1 S x2
segue-se, respectivamente, y1 S y2; logo, inversamente, sendo y1 e y2 dois
valores quaisquer de fpxq que correspondem, respectivamente, a x1 e x2, de
y1 S y2 deduz-se, respectivamente, x1 S x2, isto é, x “ f´1pyq é função
monódroma e crescente de y, definida no conjunto I dos valores que toma
fpxq quanto x varia em C. Da mesma maneira se demonstra que se fpxq é
função decrescente, a sua inversa é também monódroma decrescente.
Tomemos o caso da função crescente e seja a um ponto de acumulação à
direita de C. Vamos demonstrar que de
(1) limxÑa´
y “ b
segue-se, para a função inversa x “ f´1pyq definida no campo I,
limyÑb´
x “ a.
Em primeiro lugar, vê-se que b é ponto de acumulação à direita de I, pois
é extremo superior de fpxq no conjunto dos pontos x ă a e não é máximo,
porque se tivéssemos, por exemplo, fpx1q “ b, com x1 ă a, em todos os
pontos x do intervalo x1 ´ a fpxq seria constante, contra a hipótese. Temos
pois, para x ă a, y ă b. De outro lado, dado o entorno esquerdo arbitrário
c % a de a, sendo x1 ‰ a um ponto de C desse entorno, todos os pontos
y ‰ b de I que estão no entorno y1 % b de b correspondem a pontos x de
c ´ a, pois de y1 ă y ă b, segue-se c ă x1 ă x ă a, o que demonstra o
teorema.
No caso da função decrescente, basta tomas como função intermediária
y “ ´y para se cair no caso anterior e deduzir de (1), que
limyÑb`
x “ a.
Se a é ponto de acumulação à esquerda e se é
limxÑa`
y “ b,
deduzimos também, se y é crescente,
limyÑb`
x “ a
e se y é decrescente,
limyÑb´
x “ a.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 85
Se a é ponto de acumulação à esquerda e à direita e pertence a C, e se
além da hipótese anterior tivermos
fpa´q “ fpa`q “ fpaq “ b,
isto é, se fpxq for contínua no ponto a, a função inversa será contínua no
ponto b, pois teremos
limyÑb´
f´1pyq “ a “ limyÑb`
f´1pyq “ f´1pbq;
em outras palavras, se uma função é crescente e contínua, a sua inversa é
também crescente e contínua. Uma proposição análoga vale para toda fun-
ção decrescente e contínua.
§ 17. Conjunto linear. Extremos. Vamos aplicar os resultados do pará-
grafo anterior ao estudo da continuidade das funções elementares que não
foram ainda consideradas no § 14:
1) Função exponencial y “ bx, em que tomamos b ą 1. Já vimos no
capítulo III as propriedades desta função: ela é definida em todo o campo
real, é crescente e toma todos os valores reais positivos. Deduz-se daqui
imediatamente
limxÑ´8
bx “ 0 e limxÑ`8
bx “ `8.
Seja agora a um número real qualquer; sabemos que dado ε ą 0, é
sempre possível achar um número x ă a tal que seja ba ´ bx ă ε, ou bx ąba ´ ε, e analogamente para x ą a, donde se conclui
limxÑa
bx “ ba.
Para b “ 1, a função bx é constante “ 1, e portanto contínua.
Se fosse b ă 1, bastaria considerar a função p1bqx “ 1bx, pois teríamos
1b ą 1. Deduz-se pois que a última fórmula é válida qualquer que seja
b ‰ 0, isto é, para todo valor positivo de b a função bx é contínua em todo
o campo real.
2) Função logaritmo logb x. Das propriedades da função exponencial se
deduz que para b ą 1 a função logaritmo é definida e monódroma no campo
real absoluto e é crescente e contínua em todo esse campo. Para os extremos
0 e 8, temos
limxÑ0`
logb x “ ´8 e limxÑ`8
logb x “ `8.
O caso b ă 1, que dá para logb x uma função decrescente, reduz-se
facilmente ao anterior, pois temos
logb x “ ´ log 1bx.
86 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
3) Funções circulares inversas. Consideremos a função
x “ seny
definida no intervalo ´π2 $% `π2; sabemos já que essa função é monó-
droma, crescente e contínua neste intervalo, e por conseguinte está definida
uma função inversa, y “ arcsen x, monódroma, crescente e contínua no in-
tervalo ´1 $% `1, cujos valores pertencem ao intervalo anterior. Além disto,
temos, para os valores extremos,
limxÑ1´
arcsen x “ π
2e lim
xÑ´1`arcsen x “ ´π
2.
Para a função inversa do coseno, temos que considerar a função
x “ cosy
definida no intervalo 0 $% π onde ela é decrescente e contínua; a função
inversa y “ arccos x será definida, decrescente e contínua no intervalo ´1 $% 1, sendo para os valores extremos,
limxÑ1´
arccos x “ 0 e limxÑ´1`
arccos x “ π.
Finalmente, pode-se também considerar a função arctg x, inversa da fun-
ção x “ tgy, que é crescente e contínua no intervalo ´π2´ `π2; a função
arctg x será uma função crescente e contínua em todo o campo real, e para
os elementos infinitos, temos
limxÑ´8
arctg x “ ´π2
e limxÑ`8
arctg x “ `π2
.
§ 18. Número e. Logaritmos neperianos. Consideremos a função
fpxq “ˆ
1 ` 1x
˙x
definida para x externo ao intervalo ´1 $% 0. Vamos demonstrar que esta
função é convergente para x Ñ 8. Com efeito, consideremos primeiramente
os valores inteiros positivos de x. Pondo x “ n, temos pela fórmula do
binômio de Newton,
(1) fpnq “ 1`n.1n
`npn´ 1q2
`¨ ¨ ¨`npn´ 1q . . . pn´ r` 1qr!
.1nr
`¨ ¨ ¨` 1nn
;
o termo geral desta soma pode ser posto sob a formaˆ
1 ´ 1n
˙
.
ˆ
1 ´ 2n
˙
. . .
ˆ
1 ´ n´ 1n
˙
.1r!
pela qual se vê que fixado r ą 1, este termo é um produto de 1r! por r ´ 1
fatores positivos e menores que 1, que crescem tendendo a 1, para n Ñ 8.
Logo, no segundo membro de (1), quando n cresce, cresce também cada
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 87
termo a partir do 3º e ao mesmo tempo o número de termos; por outro lado,
essa soma é sempre menor que
1 ` 1 ` 12!
` 13!
` ¨ ¨ ¨ ` 1n!
ă 1 `ˆ
1 ` 12
` 122 ` ¨ ¨ ¨ ` 1
2n´1
˙
“
“ 1 ` 1 ´ 12n
1 ´ 12
e como a última fração é sempre menor que 2, temos, para n ą 1, 2 ăfpnq ă 3. A sucessão fp1q, fp2q, . . . é portanto crescente e limitada, logo tem
um limite finito, que se costuma indicar com a letra e. Pode-se demonstrar
que esse número é irracional e transcendente (isto é, não pode ser raiz de ne-
nhuma equação algébrica com coeficientes inteiros). O seu valor aproximado
é
e “ 2, 718281828459 . . .
Note-se também que, fixado r, o limite da soma dos r ` 1 primeiros
termos do desenvolvimento de (1) é
sr “ 1 ` 1 ` 12!
` ¨ ¨ ¨ ` 1r!
logo temos sr ă lim fpnq “ e. Mas como temos também fpnq ă sn, donde
e “ lim fpnq ď lim sn, deduzimos, fazendo r Ñ 8, e “ lim sr, isto é, o
número e também se pode obter como soma da série (vide capítulo seguinte)
(2) 1 ` 11!
` 12!
` 13!
` ¨ ¨ ¨ ` 1n!
` . . .
Consideremos agora um valor positivo qualquer de x; pondo n “ rxs(§ 8, exemplo 2), temos evidentemente,
limxÑ8
n “ 8,
e sendo n ď x ă n` 1, deduzimosˆ
1 ` 1n` 1
˙n
“ˆ
1 ` 1n` 1
˙n`1 ˆ
1 ` 1n` 1
˙´1
ăˆ
1 ` 1x
˙x
ăˆ
1 ` 1n
˙n`1
“ˆ
1 ` 1n
˙nˆ
1 ` 1n
˙
;
ora, em cada um dos membros extremos destas desigualdades há um fator
que tende a e e outro que tende a 1, logo esses membros extremos tendem a
e para n Ñ 8, e pelo critério de confronto temos
limxÑ8
fpxq “ e.
88 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
Para x negativo e ă ´1, pomos x “ ´p1 ` yq, donde
limxÑ8
y “ `8,
eˆ
1 ` 1x
˙x
“ˆ
1 ´ 11 ` y
˙´1´y“
ˆ
y` 1y
˙1`y“
ˆ
1 ` 1y
˙yˆ
1 ` 1y
˙
donde
limxÑ8
ˆ
1 ` 1x
˙x
“ limyÑ8
ˆ
1 ` 1y
˙yˆ
1 ` 1y
˙
“ e.
Temos, pois, em geral, para x crescendo em valor absoluto, por valores
positivos ou negativos,
(3) limxÑ8
fpxq “ limxÑ8
ˆ
1 ` 1x
˙x
“ e.
Pondo x “ 1t, obtemos também
(4) limtÑ0
p1 ` tq1t “ e.
Seja α um número real qualquer ‰ 0; como xα tende a infinito ao
mesmo tempo que x, temos
limxÑ8
´
1 ` α
x
¯x
“ limxÑ8
«
ˆ
1 ` 1xα
˙xα
ffα
“«
limxÑ8
ˆ
1 ` 1xα
˙xα
ffα
“ eα
igualdade que é aliás evidente para α “ 0.
Chamam-se logaritmos neperianos, naturais ou hiperbólicos os que têm
por base o número e. Tais logaritmos, que são os mais importantes na análise
matemática, costumam-se escrever sem indicação da base;
log x “ loge x px ą 0q.
Vamos demonstrar a relação
(5) limxÑ0
ax ´ 1x
“ loga pa ą 0q
que é evidente para a “ 1. Suponhamos a ‰ 1. Pondo t “ ax ´ 1, temos
evidentemente
limxÑ0
t “ 0,
e tomando os logaritmos neperianos,
x “ logp1 ` tqloga
donde
limxÑ0
ax ´ 1x
“ limtÑ0
t. logalogp1 ` tq “ loga
limtÑ0 logp1 ` tq1t
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 89
e como
limtÑ0
logp1 ` tq1t “ log limtÑ0
p1 ` tq1t
(conforme § 13, teorema 10), segue-se de (4) que o limite do denominador é
log e “ 1, o que prova a igualdade (5).
§ 19. Funções contínuas em um intervalo fechado. Já vimos que todas
as funções elementares são definidas e contínuas ou em todo o campo real
(polinômios, função exponencial, sen x, cos x, arctg x) ou nesse campo menos
um conjunto discreto de pontos (funções racionais, tg x, cot x) ou em interva-
los com ou sem inclusão dos pontos extremos (funções algébricas, potência
com expoente irracional, log x, arcsen x, arccos x). Vemos que o campo de
definição dessas funções é sempre composto de intervalos, abertos ou fecha-
dos. Mas tomados dois pontos dentro de um mesmo intervalo, a função
será certamente definida e contínua em todo o intervalo fechado que tem por
extremos esses dois pontos. Esta observação mostra a importância que têm
para o estudo das funções elementares as propriedades gerais das funções
que são definidas e contínuas em um intervalo fechado. Essas propriedades
se baseiam no seguinte
LEMA. Se uma função fpxq, definida e contínua em um intervalo fechado
a $% b, tem nos extremos a e b valores de sinal contrário, essa função fpxqse anula ao menos em um ponto interno desse intervalo.
Seja por exemplo fpaq ą 0 e portanto fpbq ă 0. Consideremos o con-
junto dos pontos de a $% b nos quais a função é positiva, e seja x0 o seu
extremo superior; temos, evidentemente, a ă x0 ă b, pois para cada um
dos extremos há um entorno (direito e esquerdo respectivamente) em que
fpxq tem um sinal constante. Em qualquer entorno de x0 existem pontos x
do conjunto C, para os quais fpxq ą 0, e pontos fora de C, por exemplo
os pontos x ą x0, para os quais fpxq ď 0. Se tivéssemos fpx0q ‰ 0, como
a função se supõe contínua, haveria ao menos um entorno completo de x0
em que fpxq teria sinal constante, o que não é possível; logo temos forço-
samente fpx0q “ 0. É claro que a mesma demonstração vale para o caso
fpaq ă 0 ă fpbq, e portanto o lema está demonstrado.
Já vimos no § 12, como aplicação do teorema de WEIERSTRASS, que
toda função contínua em um conjunto fechado e limitado, atinge os seus ex-
tremos superior e inferior; como um intervalo fechado é um conjunto nessas
condições, concluimos que existe sempre em tal intervalo e para toda função
contínua um ponto de máximo e um ponto de mínimo. Aplicando o lema
anterior, obtemos o seguinte
90 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
TEOREMA. Uma função fpxq definida e contínua em um intervalo fe-
chado assume nesse intervalo todos os valores compreendidos entre o seu
máximo e o seu mínimo.
Com efeito, sejam l “ fpξq e L “ fpηq o mínimo e o máximo de fpxqno intervalo a $% b em que esta função é definida e contínua; podemos
supor l ă L, pois se esses valores fossem iguais, a função seria constante, e
o teorema evidente. Seja k um valor compreendido entre l e L. A função
fpxq ´ k é evidentemente contínua no intervalo que tem por extremos os
pontos ξ e η, o qual está contido no anterior; aplicando o lema, deduzimos
que existe entre esses pontos, e portanto no intervalo a $% b, um ponto x0
em que aquela função se anula, isto é, para o qual se tem fpx0q “ k.
Do último resultado do § 16, sobre funções monótonas, se deduz facil-
mente que uma função crescente e contínua em um intervalo a $% b, tem
sempre uma função inversa crescente e contínua no intervalo fpaq $% fpbq, e
que toma neste intervalo todos os valores do intervalo a $% b. Uma propo-
sição análoga vale para toda função decrescente e contínua em um intervalo.
Estas proposições admitem uma recíproca que é a seguinte: Se y “ fpxqé uma função definida e contínua no intervalo a $% b e se valores distintos
de x correspondem a valores distintos de y, essa função é ou crescente ou
decrescente nesse intervalo.
Interpretado geometricamente, este teorema pode-se enunciar da seguinte
maneira: Se os pontos de um segmento AB estão em correspondência con-
tínua e biunívoca com os pontos de um conjunto C de uma reta, então esse
conjunto C é também um segmento e a correspondência conserva a ordem,
no sentido de que, sendo P, Q, R, três pontos quaisquer de AB e P 1, Q 1,
R 1, os seus correspondentes, se Q está entre P e R, Q 1 estará entre P 1 e R 1.
Segue-se daqui que aos extremos de um segmento correspondem os extremos
do outro, e que a correspondência inversa é também contínua.
Para demonstrar este teorema basta provar que fpxq não pode ter máximo
nem mínimo interno em nenhum intervalo parcial de a $% b. Com efeito, se
fosse ξ um ponto de máximo, por exemplo, no intervalo x1 $% x2 contido
em a $% b, sendo x1 ă ξ ă x2, teríamos fpx1q ă fpξq ą fpx2q; mas então,
pela continuidade de fpxq, tomado um valor k compreendido entre o maior
dos números fpx1q e fpx2q e o valor máximo fpξq, haveria um ponto x 1 entre
x1 e ξ e outro, x2, entre ξ e x2, para os quais a função tomaria o mesmo valor
k, contra a hipótese de biunivocidade. Da mesma maneira se demonstra que
não há mínimo interno em nenhum intervalo parcial. Logo, em qualquer
intervalo parcial de a $% b o máximo de fpxq está num dos extremos e o
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 91
mínimo no outro. Se a é ponto de mínimo para todo o intervalo a $% b,
dados dois pontos quaisquer x1 e x2 deste intervalo, com x1 ă x2, como fpaqé também mínimo de fpxq em a $% x2, fpx2q será o máximo, donde se deduz
fpx1q ă fpx2q. Se a fosse ponto de máximo, deduziríamos analogamente,
para dois pontos quaisquer x1 e x2 com x1 ă x2, fpx1q ą fpx2q, logo o
teorema está completamente demonstrado.
§ 20. Continuidade uniforme. Teorema de HEINE. Já vimos que uma
função fpxq definida em um intervalo qualquer é contínua num ponto z desse
intervalo quando, dado arbitrariamente ε ą 0, pode-se determinar o número
δ ą 0 tal que para todo ponto x satisfazendo à condição |x ´ z| ă δ se
tenha |fpxq ´ fpzq| ă ε. Nesta definição o número δ depende não só de ε,
mas também de z. Pode acontecer que mudando este ponto seja necessário
tomar outro valor de δ e assim por diante. Por exemplo, a função y “ 1xé definida e contínua em todos os pontos do intervalo 0 ´ 8, pois fixados
z ą 0 e ε ą 0, basta que se tome δ menor que o menor dos números z2 e
εz22 para se deduzir de |x´ z| ă δ (e portanto x ą z2),
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
1x
´ 1z
ˇ
ˇ
ˇ
ˇ
“ |z´ x|xz
ă εz2
2xză ε;
neste caso vemos que o valor de δ depende essencialmente de z.
Ora, se, dada uma função fpxq definida em um conjunto C e dado arbi-
trariamente ε ą 0, existe sempre um valor de δ independente do ponto z tal
que de |x ´ z| ă δ se deduza sempre |fpxq ´ fpzq| ă ε, a função fpxq diz-se
uniformemente contínua no campo C.
Esta definição pode tomar outra forma, introduzindo a oscilação da fun-
ção em um conjunto parcial. Com efeito, se fpxq satisfaz à condição anterior,
como nesta condição x e z entram simetricamente, podemos dizer que fixado
qualquer intervalo de amplitude menor que δ, a diferença dos valores de fpxqem dois pontos quaisquer de C que estejam nesse intervalo é menor que ε em
valor absoluto; segue-se daqui que a oscilação da função em um tal intervalo,
que é o extremo superior dessas diferenças, é menor ou igual a ε; reciproca-
mente, se esta condição está satisfeita para qualquer intervalo de amplitude
δ, basta fixar um ponto z de um tal intervalo para se obter a condição ante-
rior (a menos do sinal de igualdade na última condição, que se pode mudar
facilmente). Diremos então que uma função fpxq é uniformemente contínua
em um conjunto C, se dado ε ą 0 arbitrário, é possível determinar um nú-
mero δ ą 0 tal que em qualquer intervalo de amplitude ă δ, a oscilação de
fpxq nos pontos de C que caem nesse intervalo é menor que ε.
92 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
Podemos agora demonstrar o teorema da continuidade uniforme, tam-
bém chamado teorema de HEINE:
Toda função contínua em um intervalo fechado a $% b, é uniformemente
contínua nesse intervalo.
Este teorema se demonstra facilmente por meio do teorema de BOREL-
LEBESGUE (§ 4). Com efeito, seja dado o número positivo arbitrário ε. Pela
continuidade da função fpxq, cada ponto x 1 do intervalo a $% b é interno
a ao menos um entorno pδ 1q de x 1, no qual a oscilação de fpxq é menor
que ε. Consideremos a família F de todos os intervalos x 1 ´ δ 1 ´ x 1 ` δ 1,
que satisfazem a esta condição, para todos os pontos x 1 e a $% b. Pelo
teorema citado, pode-se determinar um número finito n desses intervalos
que contém internamente todos os pontos de a $% b. Os extremos desses
intervalos formam um conjunto I com um número finito de pontos; seja δ
um número positivo menor que a mínima distância de dois pontos distintos
quaisquer de I. Qualquer intervalo α de amplitude δ contido em a $% b,
contém no máximo um ponto P de I, e portanto está contido em um dos
n intervalos determinados acima (se esse intervalo α contém um ponto P,
ele estará contido no intervalo que contém P, pois as distâncias de P aos
extremos deste intervalo são maiores que δ). Logo, a oscilação de fpxq em
qualquer intervalo de amplitude δ é sempre menor que ε, e sendo ε arbitrário,
o teorema está demonstrado.
§ 21. Critério de convergência de Cauchy. Até aqui temos considerado
as propriedades dos limites das funções, nos casos em que esses limites exis-
tem, supondo o seu valor conhecido. Mas em muitas questões de Análise
Matemática é preciso previamente saber se a função fpxq tem ou não um
limite finito quando x tende a um ponto a, isto é, se a função é ou não con-
vergente neste ponto, e para esta pesquisa prévia não podemos introduzir no
raciocínio o valor do limite, que ainda não sabemos nem mesmo se existe.
Desta consideração ressalta a importância fundamental do seguinte teorema,
ou
CRITÉRIO DE CONVERGÊNCIA DE CAUCHY. A condição necessária e
suficiente para que uma função fpxq tenha um limite finito em um ponto
de acumulação a do seu campo de definição é que, dado o número ε ą 0
arbitrário, se possa sempre achar em correspondência um entorno α de a tal
que para dois valores quaisquer x 1 e x2 dentro dele, e distintos de a, se tenha,
para os valores correspondentes da função
|fpx 1q ´ fpx2q| ă ε.
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 93
A verificação desta condição não depende do conhecimento do limite cuja
existência se trata de provar. Passemos à demonstração.
a) Suponhamos que a função tenha um limite finito b; podemos então,
dado ε positivo arbitrário, determinar um entorno α de a dentro do qual,
para x ‰ a, se tenha sempre |fpxq ´ b| ă ε2; tomados então dois valores
quaisquer de x: x 1 e x2 dentro de α e distintos de a, temos
|fpx 1q ´ fpx2q| ď |fpx 1q ´ b| ` |fpx2q ´ b| ă ε
2` ε
2“ ε,
e portanto a condição enunciada é necessária.
b) Suponhamos que a condição seja satisfeita; dado um número ε ą 0
arbitrário, podemos então achar um entorno pγq de a, dentro do qual se
tenha, sendo x 1 e x2 valores quaisquer de x distintos de a, |fpx 1q ´ fpx2q| ăε2. Fixado o valor de x 1 nesse entorno, teremos, para todos os pontos x ‰ a
do mesmo, ´ε2 ă fpxq ´ fpx 1q ă ε2, e portanto,
fpxq ď fpx 1q ` ε
2e fpxq ě fpx 1q ´ ε
2.
Sejam agora Lpγq e lpγq, respectivamente, o extremo superior e o inferior
de fpxq para x ‰ a no entorno pγq de a. Pelas condições acima, teremos
evidentemente,
Lpγq ď fpx 1q ` ε
2lpγq ě fpx 1q ´ ε
2donde, sendo Lpγq ě lpγq,
(1) 0 ď Lpγq ´ lpγq ď ε.
Mas pelas propriedades dos extremos das funções, é fácil ver que Lpγqe lpγq são funções monótonas, a primeira não decrescente, a segunda não
crescente, de γ para γ ą 0. A oscilação Ωpγq “ Lpγq ´ lpγq é portanto
também função monótona não decrescente. Mas essas três funções de γ são
limitadas ao menos em um entorno de 0, e portanto têm limites finitos para
γ Ñ 0, e das desigualdades (1), deduzimos
limγÑ0
rLpγq ´ lpγqs “ limγÑ0
Lpγq ´ limγÑ0
lpγq “ 0
donde
limγÑ0
Lpγq “ limγÑ0
lpγq “ b.
Isto quer dizer que dado ε ą 0 pode-se achar um número δ ą 0, tal que
no entorno pδq de a se tenha
b´ ε ă lpδq ď Lpδq ă b` ε
94 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
e como para todo x ‰ a desse entorno pδq é sempre lpδq ď fpxq ď Lpδq,obtemos finalmente, b´ ε ă fpxq ă b` ε, ou
|fpxq ´ b| ă ε
isto é,
limxÑa
fpxq “ b
o que prova que a condição enunciada é também suficiente.
Este teorema se aplica também para o limite à esquerda, se a é ponto
de acumulação à direita, bastando substituir o entorno pδq pelo entorno es-
querdo a ´ δ % a de a; igualmente se aplica ao limite à direita, assim como
ao caso do ponto de acumulação infinito, para o qual facilmente se adapta a
demonstração acima.
§ 22. Limite máximo, limite mínimo e oscilação em um ponto. Seja y “fpxq uma função qualquer definida em um campo linear C e a um ponto
de acumulação de C. O raciocínio que fizemos no parágrafo anterior em
relação às funções Lpγq e lpγq continua válido em qualquer caso, se admitir-
mos que essas funções possam valer ` ou ´8, isto é, admitindo isto, estas
quantidades são sempre funções monótonas de γ, respectivamente não de-
crescente e não crescente, e a sua diferença, a oscilação de fpxq no entorno
pγq de a, excluído o ponto a,Ωpγq “ Lpγq´lpγq é função não decrescente de
γ; esta oscilação deve ser considerada infinita quando Lpγq “ 8 ou quanto
lpγq “ ´8. Em qualquer caso, temos evidentemente Ωpγq ě 0, e portanto,
chamando L, l e Ω os limites destas funções monótonas para γ Ñ 0, temos
Ω ě 0 ou L ě l.
Os números L, l e γ chamam-se, respectivamente, limite máximo, limite
mínimo e oscilação de fpxq no ponto a. Considerando somente os pontos
de C à esquerda de a, no caso deste ser ponto de acumulação à direita,
definem-se analogamente, o limite máximo esquerdo Le e o limite mínimo
esquerdo le de fpxq em a, assim como a oscilação esquerda Ωe; também se
definem os mesmos elementos à direita de a, isto é, os números Ld, ld e Ωd,
respectivamente limite máximo e mínimo direito e oscilação direita de fpxqem a. Se a é ponto de acumulação à esquerda e à direita do campo C, existem
sempre os quatro limites (finitos ou infinitos), Le, le, Ld e ld. Evidentemente,
o maior e o menor dos quatro coincidem, respectivamente, com os limites L
e l definidos atrás.
Verifica-se, por exemplo, que para a função y “ ex sen 1x
temos no ponto
0, com as notações anteriores,
Le “ Ld “ L “ 1, le “ ld “ l “ ´1;
IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 95
e para a função
y “ 1 ´ e´1x
p1 ´ sen 1xq ,
e no mesmo ponto 0, temos
Le “ le “ ´8, Ld “ `8, ld “ 12
.
Pode-se dar outra definição para esses limites. Consideremos os números
M que têm a seguinte propriedade: existe um entorno de a no qual, para
todos os pontos x ‰ a, temos fpxq ă M. Naturalmente, o conjunto dos
números M nesta condição forma uma classe majorante, e é fácil ver que
essa classe define exatamente o limite máximo L. Analogamente o limite l
pode ser definido como o extremo superior do conjunto dos números m tais
que exista um entorno de a no qual para x ‰ a se tenha sempre fpxq ą m.
§ 23. Funções com valores complexos. Suponhamos que a cada valor de
x em um campo linear C correspondam, de modo bem determinado, um ou
mais valores complexos Z “ X ` iY. Diz-se então que Z é função complexa
de x. Ora, neste caso é claro que tanto a parte real X como o coeficiente do
imaginário Y são funções de x; assim, dar uma função Z “ Fpxq com valores
complexos é o mesmo que dar duas funções Xpxq e Ypxq com valores reais,
definidas no mesmo campo C. Mas a consideração da função Fpxq, além
da vantagem da notação abreviada tem a de admitir a mesma definição de
limite: diz-se que Fpxq tem para limite um número complexo Z0 quando x
tende a um ponto de acumulação a de C, se dado ε ą 0 arbitrário, existe em
correspondência um número positivo δ tal que, sendo |x´ a| ă δ e x ‰ a, se
tenha em correspondência |Fpxq´Z0| ă ε. No primeiro membro desta última
desigualdade intervém o módulo de um número complexo. Mas como as
propriedades da desigualdade para o módulo são as mesmas que para o valor
absoluto de números reais, facilmente se deduz que para estas funções valem
todos os teoremas sobre limites, com exceção do critério de confronto, pois
não definimos a desigualdade entre números complexos. Note-se também
que o teorema 1 do § 13 deve ter aqui o seguinte enunciado: Se Fpxq tem
limite Z0 ‰ 0 para x Ñ a, existe um entorno de a tal que para x nesse
entorno e ‰ a, Fpxq é constantemente diferente de zero. A demonstração se
adapta facilmente. Vê-se também que a condição necessária e suficiente para
que se tenha
limxÑa
Fpxq “ Z0 “ X0 ` iY0
é que se tenha ao mesmo tempo
limxÑa
Xpxq “ X0 e limxÑa
Ypxq “ Y0,
96 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
o que facilmente se deduz das desigualdades
|X´ X0| ď |Z´ Z0|, |Y ´ Y0| ď |Z´ Z0||Z´ Z0| ď |X´ X0| ` |Y ´ Y0|.
Deduz-se imediatamente que para que a função Fpxq seja contínua (com
a mesma definição do § 12) é necessário e suficiente que o sejam as duas
funções Xpxq e Ypxq.Entre as funções desse tipo, podem-se assinalar os polinômios e funções
racionais com coeficientes complexos e as funções algébricas, como a função
definida pela equação
x2 ` y2 ` 1 “ 0
que para cada valor real de x admite dois valores imaginários puros
y “ ˘i
a
1 ` x2.
Uma das funções mais importantes é a função z “ eαx, com α “ a` bi,
a e b reais, que se define pela igualdade (vide capítulo III, § 4):
z “ eax`bix “ eaxebix “ eaxpcosbx` i senbxq,
em que e é o número definido no § 18. O emprego do mesmo símbolo e para
este número e para a indicação da função ebix, será justificado no capítulo
VI.
§ 24. Funções de variável complexa. Também se podem considerar fun-
ções (em geral com valores complexos), definidas em conjuntos de números
complexos, ou de pontos do plano de ARGAND-GAUSS. No capítulo VIII
daremos as noções fundamentais sobre conjuntos de pontos no plano. Aqui
podemos antecipar a noção de entorno pεq e de ponto de acumulação, que
se definem da mesma maneira que no campo real, substituindo o valor abso-
luto pelo módulo; assim, o entorno pεq do número complexo α é o conjunto
dos números complexos z que satisfazem à desigualdade |z ´ α| ă ε; esses
números têm como afixos os pontos do plano que são internos ao círculo de
centro α e raio ε. Toda a teoria dos limites e de funções contínuas, com exce-
ção do critério de confronto e dos teoremas em que intervêm as relações de
desigualdade entre os valores assumidos pelas funções, se aplica a este caso.
Exercícios e Complementos
1. Demonstrar a seguinte extensão do último teorema do § 1: Dada uma
família F de conjuntos, e chamando C o conjunto reunião dos conjuntos de
F, o extremo superior de C é o extremo superior do conjunto de extremos
EXERCÍCIOS E COMPLEMENTOS 97
superiores dos conjuntos de F. Um teorema análogo vale para o extremo
inferior.
2. Se o extremo superior de um conjunto C não é máximo, ele é ponto de
acumulação à direita de C.
3. O conjunto dos números decimais finitos, compreendidos entre 0 e 1,
em cuja representação só entram os algarismos 0 e 5, é um conjunto denso
em si, pois todos os seus elementos são pontos de acumulação à esquerda.
Os pontos de acumulação à direita desse conjunto são os números decimais
infinitos, escritos com os mesmos algarismos 0 e 5.
4. O conjunto dos números reais compreendidos entre 0 e 1, em cuja
representação decimal só entram os algarismos 0 e 5, é um conjunto perfeito,
se incluirmos o número 0.
5. Achar o conjunto derivado do conjunto de números 1m ` 1n, em
que m e n são números naturais.
6. Seja a um número positivo irracional. Tomemos para cada número
inteiro n o resto por falta, rn, da divisão de n por a, isto é a diferença rn “n ´ ma, sendo ma ď n ă pm ` 1qa. Mostrar que os números rn formam
um conjunto denso em si, cujo derivado é o intervalo 0 $% a (utilizar o teor.
de BOLZANO e o fato que, se r e r 1 são números do conjunto, r´ r 1 também
o é, assim como todos os múltiplos menores que a deste último número).
7. A definição de função por meio de gráficos é a base do conceito de
função em geral: Consideremos dois conjuntos de entes quaisquer, X e Y (por
exemplo, X e Y sendo o campo dos números reais, ou X - campo dos números
reais e Y - conjunto de todas as curvas de um plano, ou vice-versa, ou X -
conjunto dos pontos do espaço e Y - conjunto dos vetores no espaço, etc).
Designa-se com XˆY o conjunto dos pares ordenados px, yq, em que x é um
elemento do conjunto X e y um elemento do conjunto Y. Um subconjunto
qualquer F desse conjunto X ˆ Y, define uma função y “ fpxq, cujo campo
de definição é o conjunto C dos elementos de X que fazem parte de pares
px, yq pertencentes a F, e que para cada elemento x de C, tem por valores
os elementos y tais que o par px, yq faça parte de F. Este mesmo conjunto F
define a função inversa x “ f´1pyq. Na definição dada no § 10, X e Y são o
campo real, ou o conjunto de pontos de uma reta, X ˆ Y está representado
pelo plano e F é uma figura plana qualquer.
8. Determinar o campo de definição das funções:
a) y “ arcsen log x
b) y “ 4a
1 ´ log tg x
c) y “ log sen 2x
98 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL
d) y “ log arcsenp1 ´ tg xq(em 8a) e 8d), tome-se para arcsen a função monódroma definida no § 17,
3).
9. Achar o extremo superior do conjunto dos números an “ sennc,
sendo c um número real fixo e n percorrendo o conjunto dos números in-
teiros; mostrar que esse conjunto só tem máximo quando πc é racional e
que esse máximo só é igual a 1 se esse número, representado como fração
irredutível, tem numerador par.
10. Seja y “ fpxq uma função definida no campo real absoluto da se-
guinte maneira: y “ 1q para todo x racional “ pq (fração irredutível);
y “ 0 para todo x irracional. Demonstrar que essa função é contínua nos
pontos irracionais e descontínua nos pontos racionais. (Basta notar que dado
ε ą 0, o conjunto dos números pq com 1q ą ε, ou q ă 1ε não tem ne-
nhum ponto de acumulação finito, logo, se a é irracional existe um entorno
de a sem ponto desse conjunto; para todo x desse entorno, racional ou irra-
cional, temos fpxq ă ε).
11. Demonstrar que se fpxq e gpxq são funções definidas em um entorno
de x “ 0 e se tivermos limxÑ0 fpxqx “ p ‰ 0 e limxÑ0 gpxqx “ q ‰ 0,
tomados dois números reais quaisquer α e β, não nulos, temos
limxÑ0
fpαxqgpβxq “ αp
βq.
12. Deduzir dos resultados do § 15, os seguintes limites:
a)
limxÑ0
1 ´ cos xx2 “ 1
2;
b)
limxÑπ
4
cos x´ sen xπ4 ´ x “
?2;
c)
limxÑ0
arcsen xx
“ limxÑ0
arctg xx
“ 1.
13. Aplicar os resultados do § 18 aos seguintes cálculos dos limites:
a)
limxÑ1
loga xx´ 1
“ loga e;
b)
limxÑ0
pcos xq2 cot2 x “ 1e
;
c)
limxÑπ
4
p2 2sen xqtg 2x “ 1
e.
EXERCÍCIOS E COMPLEMENTOS 99
14. Mostrar que a sucessão tp1 ` 1nqn´1u é crescente.
15. Mostrar que a sucessão tp1 ` 1nqn`1u é decrescente. (Tomar o
quociente do termo geral pelo precedente e aplicar a desigualdade 1 ` 1n ăp1 ` 1n2qn).
16. Uma função definida num intervalo a $% b diz-se convexa quando,
dados nesse intervalo três pontos quaisquer x1, x2, x3 tais que x1 ă x2 ă x3,
fpx2q é sempre menor ou igual ao valor da função linear gpxq determinada
pelas condições gpx1q “ fpx1q e gpx3q “ fpx3q; em outras palavras, quando
qualquer arco da curva y “ fpxq fica abaixo ou coincide com a corda corres-
pondente. Mostrar que esta condição equivale à seguinte desigualdade:∣
∣
∣
∣
∣
∣
∣
fpx1q x1 1
fpx2q x2 1
fpx3q x3 1
∣
∣
∣
∣
∣
∣
∣
ď 0.
17. Demonstrar que, quaisquer que sejam as funções ypxq e zpxq, defini-
das num mesmo conjunto C com ponto de acumulação a, temos (subenten-
dendo os limites para x Ñ a)
limy` lim z ď limpy` zq ď limpy` zq ď limy` lim z
limpy´ zq ď limy´ lim z.
18. Esboçar o gráfico e determinar os limites máximos e mínimos, tanto
à direita como à esquerda, no ponto x “ 0, das seguintes funções:
a)
exsen2 1x
b)
sen
ˆ„
1x
π
4
˙
c)cos 1
x
2 ´ e 1x
.
Índice Remissivo
A
altura de um número racional, 64
C
classe
majorante, 8
imprópria, 20
minorante, 7
imprópria, 20
classes contíguas, 15
conjunto
contínuo, 14
denso, 14
denso em si, 58
discreto, 57
enumerável, 20
fechado, 57
finito, 2
infinito, 3
limitado, 53
limitado inferiormente, 53
limitado superiormente, 53
ordenado, 13
partição de um, 14
perfeito, 58
conjunto derivado, 57
conjunto linear, 53
correspondência biunívoca, 60
critério de confronto, 77
Critério de convergência de CAUCHY, 92
D
desigualdade de BERNOULLI, 35
E
e, 87
entorno
de um ponto, 19
direito, 19
direito do infinito, 20
do infinito, 20
esquerdo, 19
esquerdo do infinito, 20
simétrico, 19
do infinito, 20
equação binômia, 50
F
fórmula de MOIVRE, 43
função, 59
algébrica, 62
circular
direta, 63
inversa, 63
contínua, 72
à direita em um ponto, 73
à esquerda em um ponto, 73
em um ponto, 71
convergente num ponto, 69
crescente, 82
decrescente, 82
descontínua em um ponto, 72
divergente num ponto, 69
exponencial, 63
indeterminada num ponto, 69
inversa, 60
limitada, 66
inferiormente, 66
superiormente, 66
101
102 ÍNDICE REMISSIVO
linear, 61
logarítmica, 63
mínimo de uma, 66
máximo de uma, 66
monódroma, 59
monótona, 82
teorema fundamental, 82
não crescente, 82
não decrescente, 82
oscilação de uma, 66
polídroma, 59
ponto de mínimo de uma, 66
ponto de máximo de uma, 66
racional, 61
inteira, 61
transcendente, 62
elementar, 62
uniformemente contínua, 91
função exponencial, 32
função logarítmica, 33
funções elementares, 61
G
gráfico de uma função, 61
grandezas comensuráveis, 1
I
indicador de GAUSS, 49, 64
infinito, 20
negativo, 20
positivo, 19
intervalo, 18
aberto, 19
fechado, 18
finito, 20
ilimitado, 20
infinito, 20
limitado, 20
L
limite, 67
à direita, 70
à esquerda, 70
mínimo, 94
máximo, 94
sobre um conjunto parcial, 70
limite inferior de um conjunto, 53
limite superior de um conjunto, 53
logaritmo, 33
neperiano, 88
M
mais infinito, 19
menos infinito, 20
N
número, 1
decimal exato, 16
finito, 20
inteiro relativo, 5
irracional, 9
racional, 4
real absoluto, 9
número complexo, 37
coeficiente do imaginário, 38
conjugado, 39
forma exponencial, 43
forma trigonométrica, 42
imaginário, 37
imaginário puro, 37
módulo de um, 40
norma de um, 40
parte imaginária de um, 38
parte real de um, 38
números
incomensuráveis, 2
irracionais, 2
racionais, 2, 5
absolutos, 7
relativos, 7
reais, 2
relativos, 11
O
oscilação, 94
P
partição, 14
polinômio, 61
ponto
finito, 20
ponto de acumulação, 56
ÍNDICE REMISSIVO 103
à direita, 56
à esquerda, 56
ponto de WEIERSTRASS, 67
ponto isolado, 56
postulados de PEANO, 2
potência, 23
potência irracional, 63
R
raiz de índice n, 26
raiz primitiva da unidade, 48
S
secção
própria, 9
racional, 7
sucessão, 65
T
Teorema de BOLZANO, 57
Teorema de BOREL-LEBESGUE, 58
Teorema de HEINE, 92
Teorema de WEIERSTRASS, 66
Teorema fundamental sobre funções
monótonas, 82
U
unidade imaginária, 38