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Crticas Teoria das Geraes (ou mesmo Dimenses) dos Direitos Crticas Teoria das Geraes (ou mesmo Dimenses) dos Direitos Crticas Teoria das Geraes (ou mesmo Dimenses) dos Direitos Crticas Teoria das Geraes (ou mesmo Dimenses) dos Direitos
FundamentaisFundamentaisFundamentaisFundamentais
Por George Marmelstein Lima, Juiz Federal no Cear, mestre em Direito
pela UFC1
SUMRIO: 1. Um despretensioso discurso; 2. As Crticas; 2.1. Uma gerao no substitui a outra; 2.2.
Ausncia de verdade histrica; 2.3. Perigosa e falsa dicotomia; 2.4. A indivisibilidade dos direitos
fundamentais; 3. Pode-se falar em dimenses dos direitos fundamentais? 4. Concluso. Bibliografia.
PALAVRAS-CHAVES: Direitos Fundamentais Direitos Humanos Geraes dos Direitos
Fundamentais Direitos Civis, Polticos, Sociais, Econmicos, Culturais, Ambientais Liberdade
Igualdade Fraternidade Direitos a Prestaes Direitos Negativos Estado Liberal Estado Social.
1. Um despreten1. Um despreten1. Um despreten1. Um despretensioso discursosioso discursosioso discursosioso discurso
No ano de 1979, proferindo a aula inaugural no Curso do Instituto
Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo, o jurista Karel VASAK utilizou,
pela primeira vez, a expresso geraes de direitos do homem, buscando,
metaforicamente, demonstrar a evoluo dos direitos humanos com base no lema da
revoluo francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
De acordo com o referido jurista, a primeira gerao dos direitos
humanos seria a dos direitos civis e polticos, fundamentados na liberdade (libert). A
segunda gerao, por sua vez, seria a dos direitos econmicos, sociais e culturais, baseados
na igualdade (galit). Por fim, a ltima gerao seria a dos direitos de solidariedade, em
especial o direito ao desenvolvimento, paz e ao meio ambiente, coroando a trade com a
fraternidade (fraternit) 2.
O professor e Juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
Antnio Augusto Canado TRINDADE, durante uma palestra que proferiu em Braslia,
em 25 de maio de 2000, comentou que perguntou pessoalmente para Karel VASAK por
que ele teria desenvolvido aquela teoria. A resposta do jurista tcheco foi bastante curiosa:
1 E-mail: [email protected]
2 Cf. entre outros, PIOVESAN, Flvia. Temas de Direitos Humanos. So Paulo: Max Limonad, 1998, p. 28.
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Ah, eu no tinha tempo de preparar uma exposio, ento me ocorreu de fazer alguma
reflexo, e eu me lembrei da bandeira francesa.
Portanto, segundo Canado TRINDADE, nem o prprio VASAK levou
muito a srio a sua tese3.
Mesmo assim, esse despretensioso discurso logo ganhou fama. Os
juristas passaram a repeti-lo e at desenvolv-lo, como, por exemplo, Noberto BOBBIO,
que foi um dos principais responsveis pela sua divulgao4. Alis, muitos pensam
erroneamente que a doutrina das geraes dos direitos fundamentais de sua autoria.
Novas geraes foram acrescidas trade inicial5, destacando-se a quarta,
desenvolvida pelo Professor Paulo BONAVIDES.
Para o grande constitucionalista brasileiro, o direito democracia (direta),
o direito informao e o direito ao pluralismo comporiam a quarta gerao dos direitos
fundamentais, compendiando o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os
povos e, somente assim, tornando legtima e possvel a to temerria globalizao
poltica6.
Em sntese, o quadro das geraes dos direitos fundamentais ficou
desenhado do seguinte modo:
1111aaaa Gerao Gerao Gerao Gerao 2222aaaa Gerao Gerao Gerao Gerao 3333aaaa Gerao Gerao Gerao Gerao 4444aaaa Gerao Gerao Gerao Gerao
Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta)
Direitos negativos
(no agir)
Direitos a prestaes
Direitos civis e
polticos: liberdade
Direitos sociais,
econmicos e
Direito ao
desenvolvimento, ao
Direito informao,
democracia direta e
3 Palestra proferida durante o Seminrio Direitos Humanos das Mulheres: A Proteo Internacional. Disponvel
on-line: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/Cancado_Bob.htm 4 A propsito, v. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8a ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Interessante notar
que at o Supremo Tribunal Federal j teve a oportunidade de reproduzir a teoria das geraes dos direitos fundamentais, conforme se observa no seguinte voto do Min. Celso de Mello: "enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) - que compreendem as liberdades clssicas, negativas ou formais - realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade" (STF, MS 22164/SP). 5 J se fala em direitos de quarta, quinta, sexta e at stima geraes, surgidas com a globalizao, com os avanos
tecnolgicos (ciberntica) e com as descobertas da gentica (biotica). Cf. HOESCHL, Hugo Csar. O Conflito e os Direitos da Vida Digital. Disponvel on-line (1/11/2003): http://www.mct.gov.br/legis/Consultoria_Juridica/artigos/vida_digital.htm 6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 524/525.
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poltica, de expresso,
religiosa, comercial
culturais meio-ambiente sadio,
direito paz
ao pluralismo
Direitos individuais Direitos de uma
coletividade
Direitos de toda a Humanidade
Estado Liberal Estado social e Estado democrtico e social
Conforme se demonstrar, apesar da fama que a teoria das geraes dos
direitos fundamentais alcanou, ela no se sustenta diante de uma anlise mais crtica, nem
til do ponto de vista dogmtico. Possui, contudo, um inegvel valor didtico, j que
facilita o estudo dos direitos fundamentais, e simblico, pois induz idia de historicidade
desses direitos. Alm disso, o modelo baseado nas geraes fornece o alicerce para a
construo de uma nova teoria das dimenses dos direitos fundamentais, esta sim
importante e til.
Neste trabalho, busca-se tanto demonstrar o equvoco da teoria das
geraes quanto fornecer subsdios para a construo de uma nova teoria das dimenses
dos direitos fundamentais.
2. As Crticas2. As Crticas2. As Crticas2. As Crticas
2.1. Uma gerao 2.1. Uma gerao 2.1. Uma gerao 2.1. Uma gerao nononono substitui a outra substitui a outra substitui a outra substitui a outra
A expresso gerao de direitos tem sofrido vrias crticas da doutrina
nacional e estrangeira. que o uso do termo gerao pode dar a falsa impresso da
substituio gradativa de uma gerao por outra, o que um erro, j que, por exemplo, os
direitos de liberdade no desaparecem ou no deveriam desaparecer quando surgem os
direitos sociais e assim por diante.
Alm disso, a expresso pode induzir idia de que o reconhecimento de
uma nova gerao somente pode ou deve ocorrer quando a gerao anterior j estiver
madura o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo
nos pases ditos perifricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um nvel
minimamente satisfatrio de maturidade dos direitos da chamada primeira gerao.
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Por causa disso, a teoria contribui para a atribuio de baixa carga de
normatividade e, conseqentemente, de efetividade dos direitos sociais e econmicos, tidos
como direitos de segunda gerao e, portanto, sem prioridade de implementao.
At em pases desenvolvidos, como nos Estados Unidos, ainda no se
aceita pacificamente a idia de que os direitos sociais so verdadeiros direitos
fundamentais, apesar de inmeras Constituies de Estados-membros consagrarem em
seus textos direitos dessa espcie.
Naquele pas, a prpria Suprema Corte norte-americana, na chamada Era
Lochner (primeiras dcadas do sculo XX), declarou a inconstitucionalidade de diversas
leis federais, editadas perodo do New Deal, que concediam aos trabalhadores direitos
sociais mnimos, como a limitao da jornada de trabalho e pisos salariais. As decises
baseavam-se justamente na idia de que a livre iniciativa ou a liberdade contratual era
um direito assegurado constitucionalmente, e que o legislador no poderia interferir nessa
liberdade, sob pena de violar o due process of law, em seu sentido material7. Fica
subentendido, nessas decises, que os direitos de primeira gerao (liberdade) so mais
importantes do que os direitos de segunda gerao (igualdade), como se houvesse uma
ntida hierarquia entre esses direitos. Interessante notar tambm que, nesse perodo, o
ativismo judicial foi bastante intenso, sendo constantemente invocada a clusula do
substancial due process para impedir o surgimento de direitos sociais, o que demonstra que
nem sempre o ativismo judicial prprio de juzes revolucionrios...
Como se sabe, essa postura conservadora da Suprema Corte norte-
americana foi sendo modificada aos poucos, em razo de forte presso poltica exercida
pelo Presidente Roosevelt. No entanto, at hoje aquele pas considera os direitos sociais
como direitos de segunda categoria. No toa que os Estados Unidos tm-se negado,
sistematicamente, a ratificar tratados internacionais de proteo de direitos da segunda e
terceira geraes. A esse respeito, informa Fbio Konder COMPARATO que o ltimo
tratado internacional de direitos humanos integralmente ratificado pelos Estados Unidos
foi o Pacto aprovado pelas Naes Unidas em 1966, sobre direitos civis e polticos. O
pacto do mesmo ano sobre direitos econmicos, sociais e culturais foi rejeitado pelo
Congresso norte-americano, bem como diversos tratados posteriores, inclusive de cunho
ambiental, como o Protocolo de Kioto (1998), que prev metas para a reduo de emisso
7 Cf. MORO, Srgio Fernando. Jurisdio como Democracia. Tese de Doutorado, p. 15/17.
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de gases para a atmosfera. Com isso, os Estados Unidos se tornam, no plano internacional,
um Estado fora da lei8.
2.2. Ausncia de verdade histrica2.2. Ausncia de verdade histrica2.2. Ausncia de verdade histrica2.2. Ausncia de verdade histrica
Alm do equvoco acima exposto, que torna at perigosa a teoria das
geraes dos direitos fundamentais, j que dificulta a positivao e a efetivao dos direitos
sociais e econmicos, bem como dos direitos de solidariedade mundial, a teoria tambm
no retrata a verdade histrica.
A evoluo dos direitos fundamentais no segue a linha descrita
(liberdade igualdade fraternidade) em todas as situaes. Nem sempre vieram os
direitos da primeira gerao para, somente depois, serem reconhecidos os direitos da
segunda gerao.
O Brasil um exemplo claro dessa constatao histrica. Aqui, vrios
direitos sociais foram implementados antes da efetivao dos direitos civis e polticos. Na
Era Vargas, durante o Estado Novo (1937-1945), foram reconhecidos, por lei, inmeros
direitos sociais, especialmente os trabalhistas e os previdencirios, sem que os direitos de
liberdade (de imprensa, de reunio, de associao etc) ou polticos (de voto, de filiao
partidria) fossem assegurados, j que se vivia sob um regime de exceo democrtica e a
liberdade no saa do papel.
Outro exemplo mais atual dessa falsa idia de que os direitos de
liberdade antecedem historicamente os direitos de igualdade ocorre na China e em Cuba.
Nesses pases, onde vigora um regime comunista autoritrio, no h proteo aos direitos
de liberdade, mas vrios direitos de igualdade so proclamados pelo Estado.
Alm disso, no plano internacional, os direitos trabalhistas (sociais)
surgiram primeiro do que os direitos de liberdade, bastando lembrar que a Organizao
Internacional do Trabalho (OIT), criada logo aps a I Guerra Mundial para uniformizar,
em nvel global, as garantias sociais dos trabalhadores, surgiu antes da Organizao das
Naes Unidas (ONU). Desse modo, vrios tratados reconhecendo direitos sociais foram
8 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. 3 Ed., Saraiva, So Paulo,
2003, p. 433, 532/533.
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editados no comeo do sculo XX (1920/1930), ao passo que a Declarao Universal dos
Direitos do Homem somente foi editada em 1948.
Por fim, outra afirmao que historicamente no traduz totalmente a
verdade a de que a postura do Estado Liberal sempre foi uma postura meramente
passiva. Essa apenas uma meia verdade, pois, no campo da represso, o Estado liberal foi
bastante ativo, extrapolando, muitas vezes, a proclamada condio de espectador,
colocando-se ao lado dos detentores do capital na represso aos trabalhadores. Era comum
o apoio das foras policiais para proteger as fbricas, perseguir e prender lideranas
operrias, apreender jornais, destruir grficas9, demonstrado que o discurso liberal era de
mo nica, protegendo apenas os interesses da burguesia. Quando a liberdade (no caso, a
liberdade de reunio, de associao e de expresso) representava uma ameaa ao status quo,
o Estado deixava de lado a doutrina do laissez-faire, passando a agir, intensamente, em
nome dos interesses da burguesia. Qualquer semelhana com o Estado neoliberal no
mera coincidncia.
2.3. Perigosa e falsa dicotomia2.3. Perigosa e falsa dicotomia2.3. Perigosa e falsa dicotomia2.3. Perigosa e falsa dicotomia
Outro equvoco grave da teoria considerar que os direitos de primeira
gerao so direitos negativos, no onerosos, enquanto os direitos de segunda gerao so
direitos a prestaes. Essa viso, certamente influenciada pela classificao dos direitos por
status, desenvolvida por Jellinek, considera, em sntese, que os direitos civis e polticos
(direitos de liberdade) teriam o status negativo, pois implicariam em um no agir (omisso)
por parte do Estado; os direitos sociais e econmicos (direitos de igualdade), por sua vez,
teriam um status positivo, j que a sua implementao necessitaria de um agir (ao) por
parte do Estado, mediante o gasto de verbas pblicas10.
Essa falsa distino, repetida sem muito questionamento por quase todos
os juristas, a responsvel pela principal crtica que pode ser feita teoria das geraes dos
direitos fundamentais, j que enfraquece bastante a normatividade dos direitos sociais,
retirando do Poder Judicirio a oportunidade de efetivar esses direitos.
9 DE LUCA, Tnia Regina. Direitos Sociais no Brasil, p. 472. In: Histria da Cidadania. So Paulo: Contexto,
2003, pp. 469/493. 10
Logicamente, a teoria de Jellinek no to simples assim, at porque ele inclui outras categorias de status. No entanto, para os fins que ora se propem, vale mencionar apenas essas duas categorias.
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um grande erro pensar que os direitos de liberdade so, em todos os
casos, direitos negativos, e que os direitos sociais e econmicos sempre exigem gastos
pblicos. Na verdade, todos os direitos fundamentais possuem uma enorme afinidade
estrutural. Concretizar qualquer direito fundamental somente possvel mediante a adoo
de um espectro amplo de obrigaes pblicas e privadas, que se interagem e se
complementam, e no apenas com um mero agir ou no agir por parte do Estado.
Com exemplos, ser melhor visualizado o equvoco dessa dicotomia.
O direito de propriedade um direito civil por excelncia. Seria um direito
de primeira gerao e, portanto, de status negativo.
Sem dvida, uma das garantias decorrentes do direito de propriedade
compreende a proibio de violao da propriedade pelo Estado, salvo mediante regular
processo expropriatrio, com prvia e justa indenizao, o que denota uma caracterstica
negativa desse direito (o Estado no pode confiscar a propriedade particular). No entanto, a
sua plena proteo exige tambm inmeras obrigaes positivas: promoo de um
adequado aparato policial para proteger a propriedade privada (segurana pblica), edio
de normas para garantir o exerccio do direito, estabelecimento de medidas normativas e
processuais adequadas para garantir a reparao do dano no caso de violao do direito de
propriedade etc. Ou seja, no basta o Estado ficar inerte, sem gastar nada, para garantir o
direito de propriedade. Pelo contrrio, a proteo da propriedade exige o dispndio de
grande soma de dinheiro, sob pena de tornar a propriedade alvo fcil de criminosos.
Apenas para ilustrar esse aspecto oneroso de um direito dito de primeira gerao, basta
dizer que os Estados Unidos gastam, com segurana pblica, vrias vezes o valor que
gasto com a sade, sobretudo aps os ataques terroristas de 11 de setembro de 200111.
J que se falou em sade, vale fazer a mesma anlise. A proteo do
direito sade, que um direito social, e, portanto, de segunda gerao, teria, na
classificao tradicional, status positivo. No entanto, esse direito no garantido
exclusivamente com obrigaes de cunho prestacional, em que o Estado necessita agir e
gastar verbas para satisfaz-lo. O direito sade possui tambm facetas negativas como,
por exemplo, impedir o Estado de editar normas que possam prejudicar a sade da
populao ou mesmo evitar a violao direta da integridade fsica de um cidado pelo
11 Os gastos com segurana interna nos Estados Unidos passaram de US$ 18 bilhes para US$ 38 bilhes aps os
ataques terroristas, conforme noticiou a imprensa (fonte: http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20030910/pri_mun_100903_118.htm).
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Estado (o Estado no pode agir contra a sade dos cidados). Alm disso, nem todas as
obrigaes positivas decorrentes do direito sade implicam gastos para o errio. Por
exemplo, a edio de normas de segurana e sade no ambiente de trabalho no implica
qualquer gasto pblico, pois quem deve implementar tais medidas so, em princpio, as
empresas privadas12.
Veja-se que h vrios outros direitos sociais (de greve e de sindicalizao,
por exemplo) cuja nota mais marcante precisamente um no-agir estatal. Igualmente, h
vrios direitos ditos de primeira gerao (direito de petio e de ao, direito ao devido
processo, direito dos presos a um tratamento digno etc) cujo cumprimento somente
ocorrer atravs da adoo de medidas positivas (agir) por parte do Estado.
Uma simples anlise do oramento estatal no Brasil comprova que os
direitos ditos de primeira gerao exigem tantos gastos pblicos quanto os direitos ditos de
segunda gerao. Basta ver o que se gasta com o Poder Judicirio, com as polcias e corpos
de bombeiros, com os presdios, com as agncias reguladoras (ANATEL, ANP etc), com o
processo eleitoral, com os conselhos de proteo da concorrncia (p.ex. CADE
Conselho Administrativo de Defesa Econmica) etc. para perceber que os chamados
direitos civis e polticos tambm so bastante onerosos, e nem por isso negada a
possibilidade de interferncia judicial para proteger esses direitos. Veja-se que aqui nem se
mencionou o chamado nus indireto, decorrente de renncias fiscais que o Estado pratica
para proteger alguns direitos de liberdade, como por exemplo, as imunidades tributrias
dos templos de qualquer culto (art. 150, inc. VI, b, da CF/88) e dos livros, jornais,
peridicos e o papel destinado a sua impresso (art. 150, inc. VI, d, da CF/88), destinadas a
assegurar, respectivamente, a liberdade religiosa e a liberdade de expresso. Tambm no
se mencionou o dinheiro que os particulares gastam para poderem exercitar esses direitos
(segurana particular, seguros, conselhos de regulao profissional, taxas judicirias,
campanhas eleitorais milionrias etc).
12 No mesmo sentido, assim discorre Ingo SARLET: o direito sade pode ser considerado como constituindo
simultaneamente direito de defesa, no sentido de impedir ingerncias indevidas por parte do Estado e terceiros na sade do titular, bem como - e esta a dimenso mais problemtica - impondo ao Estado a realizao de polticas pblicas que busquem a efetivao deste direito para a populao, tornando, para alm disso, o particular credor de prestaes materiais que dizem com a sade, tais como atendimento mdico e hospitalar, fornecimento de medicamentos, realizao de exames da mais variada natureza, enfim, toda e qualquer prestao indispensvel para a realizao concreta deste direito sade (Algumas Consideraes em Torno do Contedo, Eficcia e Efetividade do Direito Sade na Constituio de 1988, p. 98. In: Interesse Pblico n. 12, So Paulo: Nota Dez, 2001, pp. 91/107).
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Por isso, fundamental que se afaste essa equivocada dicotomia de que os
direitos de liberdade so direitos negativos, no onerosos, e que os direitos sociais so
direitos a prestaes, onerosos. Essa falsa diviso afeta diretamente a teoria da
aplicabilidade das normas constitucionais, contribuindo para reforar a odiosa tese de que
os direitos sociais so meras normas programticas, cuja aplicao ficaria a depender da
boa vontade do legislador e do administrador pblico, no podendo a concretizao desses
direitos ser exigida judicialmente.
Na verdade, somente pelo contexto histrico h sentido em distinguir os
direitos civis e polticos dos direitos sociais, econmicos e culturais. Do ponto de vista
estrutural e funcional, todos esses direitos se equivalem e se completam, numa relao de
interdependncia.
2.4. 2.4. 2.4. 2.4. A indivisibilidadeA indivisibilidadeA indivisibilidadeA indivisibilidade dos direitos fundamentais dos direitos fundamentais dos direitos fundamentais dos direitos fundamentais
Como se observa, todas as categorias de direitos fundamentais, sejam os
direitos civis e polticos, sejam os direitos sociais, econmicos, ambientais e culturais,
exigem obrigaes negativas ou positivas por parte do Estado. Os direitos civis e polticos
no so realizados apenas mediante obrigaes negativas, assim como os direitos sociais,
econmicos, ambientais e culturais no so realizados apenas com obrigaes positivas.
Percebe-se, com isso, uma interessante afinidade estrutural entre todos os
direitos fundamentais, reforando a idia de indivisibilidade, conforme j reconhecido pela
ONU desde 1948. Note-se, por exemplo, como difcil desvincular o direito vida (1
gerao) do direito sade (2 gerao), a liberdade de expresso (1 gerao) do direito
educao (2 gerao), o direito de voto (1 gerao) do direito informao (4 gerao), o
direito de reunio (1 gerao) do direito de sindicalizao (2 gerao), o direito
propriedade (1 gerao) do direito ao meio ambiente sadio (3 gerao) e assim por diante.
de suma importncia tratar os direitos fundamentais como valores
indivisveis, a fim de no se priorizarem os direitos de liberdade em detrimento dos direitos
sociais ou vice-versa. Na verdade, de nada adianta a liberdade sem que sejam concedidas as
condies materiais e espirituais mnimas para fruio desse direito. No possvel,
portanto, falar em liberdade sem um mnimo de igualdade, nem de igualdade sem as
liberdades bsicas. Como afirma Srgio MORO, at valioso relacionar os direitos sociais
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s liberdades para que, desde logo, fique claro que no se trata de optar entre aqueles e
estas. No se querem direitos sociais sem liberdade, assim como esta no possvel, para
todos, sem aqueles. Em ambos esses casos, ficaria comprometida a democracia e o
princpio da dignidade da pessoa humana13.
Essa indivisibilidade dos direitos fundamentais exige que seja superada
essa idia estanque de diviso dos direitos atravs de geraes. E mais: exige que seja
abominada a idia de que os direitos sociais so direitos de segunda categoria, como se
houvesse hierarquia entre as diversas geraes de direitos fundamentais, e que a violao
de um direito social no fosse to grave quanto a violao de um direito civil ou poltico.
3. Pode3. Pode3. Pode3. Pode----se falar em dimenses de Direitos Fundamentaisse falar em dimenses de Direitos Fundamentaisse falar em dimenses de Direitos Fundamentaisse falar em dimenses de Direitos Fundamentais14141414????
Em razo de todas essas crticas, a doutrina recente tem preferido o
termo dimenses no lugar de geraes15, afastando a equivocada idia de sucesso, em
que uma gerao substitui a outra.
No entanto, a doutrina continua incorrendo no erro de querer classificar
determinados direitos como se eles fizessem parte de uma dada dimenso, sem atentar para
o aspecto da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Na verdade, no adequado nem
til dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte da primeira dimenso.
Tambm no correto nem til dizer que o direito moradia um direito de segunda
dimenso.
O ideal considerar que todos os direitos fundamentais podem ser
analisados e compreendidos em mltiplas dimenses, ou seja, na dimenso individual-
liberal (primeira dimenso), na dimenso social (segunda dimenso), na dimenso de
solidariedade (terceira dimenso) e na dimenso democrtica (quarta dimenso). No h
qualquer hierarquia entre essas dimenses. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma
13 MORO, Srgio Fernando. Jurisdio como Democracia. Tese de doutorado, p. 217.
14 Fala-se em dimenses de direitos fundamentais em vrios sentidos, por exemplo, dimenses subjetiva e
objetiva, dimenses analtica, emprica e normativa, entre outras (v. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituio. So Paulo: Celso Bastos Editor, 2002). Neste trabalho, porm, o termo dimenso est sendo cogitado apenas para substituir o termo gerao. 15
Entre outros: GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introduo ao Direito Processual Constitucional. Porto Alegre: Sntese, 1999, p. 26; SARLET, Ingo Wolfgand. A Eficcia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 47; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. So Paulo: Malheiros, 1998, p. 524/525.
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realidade dinmica. Essa a nica forma de salvar a teoria das dimenses dos direitos
fundamentais.
Veja-se, a ttulo de exemplo, o direito propriedade: na dimenso
individual-liberal (primeira dimenso), a propriedade tem seu sentido tradicional, de
natureza essencialmente privada, tal como protegida no Cdigo Civil; j na sua acepo
social (segunda dimenso), esse mesmo direito passa a ter uma conotao menos
individualista, de modo que a noo de propriedade fica associada idia de funo social
(art. 5, inc. XXIII, da CF/88); por fim, com a terceira dimenso, a propriedade no apenas
dever cumprir uma funo social, mas tambm uma funo ambiental16.
A mesma anlise pode ser feita com os direitos sociais, como por
exemplo, o direito sade. Em um primeiro momento, a sade tem uma conotao
essencialmente individualista: o papel do Estado ser proteger a vida do indivduo contra
as adversidades existentes (epidemias, ataques externos etc) ou simplesmente no violar a
integridade fsica dos indivduos (vedao de tortura e de violncia fsica, por exemplo),
devendo reparar o dano no caso de violao desse direito (responsabilidade civil). Na
segunda dimenso, passa a sade a ter uma conotao social: cumpre ao Estado, na busca
da igualizao social, prestar os servios de sade pblica, construir hospitais, fornecer
medicamentos, em especial para as pessoas carentes. Em seguida, numa terceira dimenso,
a sade alcana um alto teor de humanismo e solidariedade, em que os (Estados) mais ricos
devem ajudar os (Estados) mais pobres a melhorar a qualidade de vida de toda populao
mundial, a ponto de se permitir, por exemplo, que pases mais pobres, para proteger a
sade de seu povo, quebrem a patente de medicamentos no intuito de baratear os custos
de um determinado tratamento, conforme reconheceu a prpria Organizao Mundial do
Comrcio, apreciando um pedido feito pelo Brasil no campo da AIDS17. E se formos mais
alm, ainda conseguimos dimensionar a sade na sua quarta dimenso (democracia),
exigindo a participao de todos na gesto do sistema nico de sade, conforme determina
a Constituio Federal de 1988 (art. 198, inc. III).
16 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Introduo ao Direito Processual Constitucional. Porto Alegre:
Sntese, 1999, p. 26. 17
A notcia sobre a quebra de patentes de remdios para a AIDS foi amplamente divulgada nos meios de comunicao. Tratava-se, no caso, de um processo movido pelos Estados Unidos contra o Brasil, que havia permitido a licena compulsria de medicamentos com base na Lei de Propriedade Industrial brasileira e no Acordo Internacional sobre Propriedade Intelectual (TRIPS Agreement), firmado pelos pases membros da OMC. Ao fim do processo, os EUA aceitaram que o Brasil produza medicamentos genricos anti-Aids, desde que se comprometa a avisar antecipadamente a concesso de licenas compulsrias de patentes registradas por indstrias farmacuticas norte-americanas.
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O direito ao meio ambiente tambm pode ser visualizado em mltiplas
dimenses. Em uma dimenso negativa, o Estado fica, por exemplo, proibido de poluir as
reservas ambientais. Por sua vez, no basta uma postura inerte, pois o Estado tambm
deve montar um aparato de fiscalizao capaz de impedir que os particulares promovam a
destruio do ambiente, a fim de preservar os recursos naturais para as geraes futuras.
Alm disso, j caminhando em uma quarta dimenso, o Estado deve proporcionar a ampla
informao acerca das polticas ambientais (educao ambiental art. 225, 1, inc. VI, da
CF/88), permitindo, de modo direto, a participao dos cidados na tomada de decises
nessa matria, democratizando o processo poltico, atravs da chamada cidadania scio-
ambiental.
Os exemplos se seguem em todos os direitos fundamentais, inclusive os
de cunho instrumental (direitos processuais). O direito de ao, por exemplo. Na viso
tradicional, a ao tem aquele cunho individualista, representando a mera faculdade de
acionar o Poder Judicirio. Com a segunda dimenso, o processo deixa de ser mero
instrumento de proteo de direitos subjetivos, passando a ter uma conotao mais social,
abrangendo as lides coletivas e exigindo do Estado uma postura mais ativa no sentido de
facilitar o acesso Justia, sobretudo para as camadas mais pobres da populao. Ganha
tambm o processo uma conotao democrtica (quarta dimenso), devendo ser abertos os
canais de participao popular no debate judicial, a fim de pluralizar a discusso,
garantindo, assim, uma maior efetividade e legitimidade deciso, que ser enriquecida
pelos elementos e pelo acervo de experincias que os participantes do processo podero
fornecer18. Essa democratizao da atividade jurisdicional deve afetar, inclusive, a prpria
administrao da Justia, tornando, por exemplo, o processo de escolha dos membros do
Judicirio mais transparente e legtimo.
Como se observa, a teoria da dimenso dos direitos fundamentais, vista
com essa nova roupagem, possui implicaes prticas relevantes, j que obriga que se faa
uma abordagem de um dado direito fundamental, mesmo aqueles ditos de primeira
18 Nesse sentido, Peter HBERLE, na obra Hermenutica Constitucional: a sociedade aberta dos intrpretes da
constituio: uma contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da constituio, defende que cidados e grupos de interesse, rgos estatais, o sistema pblico e a opinio pblica constituiriam valiosas foras produtivas da interpretao, cabendo aos juzes ampliar e aperfeioar os instrumentos de informao, especialmente no que se refere s formas gradativa de participao e prpria possibilidade de interpretao do processo constitucional (HBERLE, Peter. Hermenutica Constitucional: a sociedade aberta dos intrpretes da Constituio: contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da Constituio. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editor, 1997, pp. 9/10).
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dimenso, atravs de uma viso sempre evoluda, acompanhando o desenvolvimento
histrico desses direitos19.
Alm disso, essa nova viso baseada na multidimensionalidade dos
direitos fundamentais permite a superao da classificao dos direitos por status,
desenvolvida por Jellinek, que uma das responsveis pelo entendimento de que os
direitos sociais no seriam verdadeiros direitos, mas simples declaraes de boas intenes
destitudas de exigibilidade.
3333. Concluso. Concluso. Concluso. Concluso
No presente trabalho, foi demonstrado que a teoria das geraes dos
direitos fundamentais no correta. As crticas desenvolvidas no tiveram, logicamente, a
pretenso de desmerecer por completo a teoria. Pelo contrrio. Pretendeu-se, apenas,
apresentar alguns equvocos e perigos que ela pode acarretar para a concretizao dos
direitos considerados de geraes subseqentes.
No se nega a sua importncia didtica e simblica. fundamental que
se busque sempre o reconhecimento de novos direitos, bem como que se tenha a
conscincia de que os direitos fundamentais no so valores imutveis. Nesse ponto, a
teoria facilita a compreenso do processo evolutivo dos direitos fundamentais, embora essa
evoluo demonstrada pela teoria no se aplique a todas as situaes histricas.
Por ltimo, preciso reforar a mudana de paradigma que deve ser
feita. No se deve procurar incluir tal ou qual direito em uma determinada gerao (melhor
dizendo: dimenso), como se as outras dimenses no afetassem o contedo desse direito.
Todos os direitos fundamentais (civis, polticos, sociais, econmicos, culturais, ambientais
etc) devem ser analisados em todas as dimenses, a saber: na dimenso individual-liberal
(primeira dimenso), na dimenso social (segunda dimenso), na dimenso de solidariedade
e fraternidade (terceira dimenso) e na dimenso democrtica (quarta dimenso). Cada uma
dessas dimenses capaz de fornecer uma nova forma de conceber um dado direito.
A liberdade sem o mnimo de igualdade pouco vale. Do mesmo modo,
de nada adianta a igualdade se no h garantia de liberdade. A luta pela efetivao dos
19 A respeito da natureza histrico-evolutiva dos direitos humanos, v. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 8
ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
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direitos fundamentais deve englobar todos esses direitos e no apenas os de uma
determinada gerao, como se essa efetivao devesse ocorrer de forma progressiva de
uma gerao para outra.
No se pode aceitar o discurso, to em voga nesses tempos neo-liberais,
de que o papel do Estado apenas garantir as liberdades bsicas, cabendo iniciativa
privada a prestao dos direitos sociais e econmicos. Na verdade, se no houver uma
interveno estatal no sentido de promover a distribuio da riqueza, buscando a reduo
das desigualdades sociais (art. 3, inc. III, da CF/88), atravs da concretizao dos direitos
sociais e econmicos, a prometida neo-liberdade no passar de instrumento de
escravizao branca. Da porque cada vez mais importante quebrar essa dicotomia entre
direitos de liberdade e direitos de igualdade, tratando todos os direitos fundamentais como
valores indivisveis e interdependentes.
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