CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EXCELÊNCIA EM
ARISTÓTELES APLICADO AO DOCENTE E DISCENTE DO ENSIN O
TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO
ROMANOWSKI, Joana Paulin – PUCPR1 [email protected]
CUNHA, Marilise Pinheiro da – PUCPR2
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o conceito de excelência moral em Aristóteles, e focaliza o conceito de hábito na excelência moral aplicado ao aluno e ao professor do Ensino Técnico quanto à sua ação docente. Toma como ponto de partida a afirmativa que “a virtude intelectual gera-se e cresce graças ao ensino, por isso requer experiência e tempo, enquanto que a virtude moral é adquirida em resultado de um hábito” (ARISTÓTELES, 2001, p.67). Em Aristóteles, “toda virtude ou excelência não só coloca em boa condição a coisa de que é a excelência como também faz com que a função dessa coisa seja bem desempenhada.” 3 Portanto, o hábito, que é uma virtude moral gerada pela disposição de caráter, leva à excelência, que é fazer o seu melhor no momento em que estiver executando uma tarefa. Este conceito também se aplica à formação em que a tônica é o aperfeiçoamento de técnicas por repetição o que converge com a formação proposta em cursos da educação profissional, conhecidos também como Cursos Técnicos de Nível Médio. Serão discutidas suposições como a de que a qualidade da formação de um profissional de Nível Superior que tenha cursado o Ensino Técnico de Nível Médio, embasado no conceito de hábito em Aristóteles, de modo geral, terá melhor desempenho. O experimento e sua repercussão na prática constante proposta pela formação técnica básica interfere na opção de escolha da graduação em Nível Superior, entendendo que o graduado em Nível Superior expressa ser melhor profissional na sua área de atuação se tiver uma formação técnica prévia.
Palavras-chave: Excelência. Hábito. Aristóteles. Ensino técnico. Educação
profissional.
1 Doutora em Educação e docente do Programa de Mestrado e Doutorado da PUCPR. 2 Mestranda em Educação pela PUCPR. 3 Ética a Nicômaco - Livro II, 1106a, p. 15-20 (N. do T). Devido à característica do texto a citação por
quadras nesse artigo será utilizada como agente facilitador para localizar as citações.
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Introdução
Formação Técnica
“Mais vale a prática do que a gramática”, versa o dito popular. Essa sempre foi a
afirmativa que embasou a prática dos artífices desde os princípios da humanidade,
especialmente quando os grupos de trabalho era formado por artesãos que, de forma singular,
executavam suas tarefas. Como exemplo dessas atividades profissionais que existiam, e ainda
existem, temos os ferreiros, sapateiros, padeiros, cozinheiros, enfim, aqueles que executavam
ou executam trabalhos manuais que requeriam uma dedicação absoluta para que o resultado
fosse sempre o melhor, em consonância com critérios de qualidade a serem seguidos na
elaboração de um mesmo produto.
Com a Revolução Industrial, várias formas de atuação para essas mesmas tarefas
surgiram criando um novo universo profissional.
Aquilo que era elaborado de forma artesanal passou a ser produzido em grandes
quantidades, em série, e sem o formato de “arte”, de peça exclusiva, atendendo às demandas
de um mercado ávido de consumo. Muitas profissões artesanais foram perdendo sentido, tais
como o ferreiro que produzia armas, peças para o trabalho agrícola, sem falar nas rodas para
carroças, já não mais produzidas de forma artesanal nem utilizadas com exclusividade como
em outras épocas, entre outros elementos agora industrializados. Contudo, algumas atividades
não sucumbiram à Revolução Industrial, ao contrário, foram aperfeiçoadas. Um exemplo são
os padeiros e cozinheiros que tiveram a contribuição do maquinário, entretanto, a essência
manual de seu trabalho prevalece sobre a ação mecânica, quando produzem artesanalmente.
Outras atividades manuais que lidam essencialmente com o corpo humano tiveram a
contribuição das novas tecnologias e se mantiveram ao longo do tempo, mas com alteração de
processo, continuando individualizadas e singularizadas.
Entre esses trabalhos estão o dos profissionais de saúde tais como médicos cirurgiões,
enfermeiros, entre outros.
A sociedade percebeu que as máquinas não resolveriam todos os seus problemas. Pelo
contrário, após a produção em larga escala foram criadas novas profissões tais como
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, atividades voltadas à reabilitação devido a
problemas físicos e necessidades geradas pelo excesso de trabalho em atividades repetitivas
do trabalhador, enfim, profissões que reabilitariam lesões dentro das funções profissionais,
oriundas dos problemas provocados pela industrialização e seus resultados adversos, dentre
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eles, acidentes de trabalho, pós-guerras, atividades repetitivas e lesivas ao ser humano entre
outros.
Diante disso alguns questionamentos são necessários:
Mas... E a ação humana em todas essas atividades profissionais?
O desejo apenas de realizar uma tarefa garante um bom desempenho profissional?
Dom, talento ou desenvolvimento de técnica?
Quando se fala em atuação profissional, sempre lembramos daquilo que é chamado de
dom ou talento. Não é difícil encontrarmos afirmativas de que uma pessoa tem dom para tal
atividade. Como exemplo prosaico, utilizaremos aqui o profissional médico. Não raras são as
afirmações de que certa pessoa tem dom para ser médico e para ser médico tem que se ter
dom.
Ora, se toda e qualquer atividade prevê e requer o desenvolvimento de uma técnica, se
dependêssemos apenas dos profissionais com dons para a sobrevivência da humanidade, esta
pereceria. Claro que consideraremos aqui, aqueles que têm um desejo trabalhado, uma
tendência fisiológica, uma inclinação a desenvolver certas habilidades que dão a ele
características mais próximas, correlatas às atividades na área da saúde, por exemplo. Neste
momento afirma-se o conceito, em Aristóteles, de que a virtude ou a excelência é o exercício
do melhor, mas que só se manifesta através dos termos vivenciados ou experimentados em
certas aptidões que são movidas ou pelas paixões ou pelos vícios.
“... Ora nem as virtudes nem os vícios são paixões, porque ninguém nos
chama bons ou maus devido às nossas paixões, mas sim, devidos às nossas virtudes
ou vícios” (ARISTÓTELES, 2001, p.71)4.
Em Aristóteles, “...Por conseguinte se as virtudes não são paixões nem faculdades, só
resta uma alternativa: a de que sejam disposições de “caráter”,5 ou seja, precisamos criar
certas disposições de caráter através da experiência em torno de algo, a fim de agirmos de
modo excelente o que gerará a excelência moral. E para finalizar essa reflexão, para criar
4 Ética a Nicômaco - Livro II, 5, 1105b, p. 27-31 (N. do T). 5 Ética a Nicômaco - Livro II, 5, 1106a, p. 10-11 (N. do T).Grifo do autor.
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certas disposições de caráter há que se ter sido educado em bons hábitos o que criará
disposições de caráter para uma ação específica.
“... é preciso ter sido educado em bons hábitos. Porquanto o fato é o ponto
de partida, e se for suficientemente claro para o ouvinte, não haverá necessidade de
explicar por que é assim: e o homem que foi bem educado já possui esses pontos de
partida ou pode adquiri-los com facilidade” 6 (ARISTÓTELES, 2001, p.51).
Essa afirmativa leva a crer que a pessoa que deseja ser médico, o será com mais
conhecimento e melhor desempenho se tiver passado por experiências prévias na área de
saúde tendo contato com a área de atuação desejada. Mas não basta a experiência por si
mesma, pois o fazer exige conhecimento teórico e prático associados, além das “disposições
de caráter”.
É importante salientar na conceituação de virtude para Aristóteles, também o fato de
ser uma excelência sempre relativa a nós. Esta será sempre uma disposição de caráter relativa
a nós, que depende de um desempenho individual. Portanto, o que pode ser excelência para
um, pode não ser para outro.
Algumas áreas têm convergências específicas que asseguram uma melhor atuação
profissional pela similaridade de conteúdos. Cito como exemplo que, um médico socorrista
será mais preparado para sua atuação se ele previamente tiver frequentado um Curso Técnico
em Enfermagem, por exemplo. Suas vivências diárias nas atividades exercidas pelo Técnico
em Enfermagem o tornarão um profissional mais qualificado para enfrentar situações das
AVD’s - Atividades de Vida Diária - de um profissional da Saúde. Citei o médico socorrista
pela similaridade com a atividade do enfermeiro que trabalha diariamente com curativos, por
exemplo. Mas se remontarmos ao embasamento científico proposto nas duas atividades,
conhecimentos de disciplinas estruturais pertencentes às duas formações tais como Anatomia,
Fisiologia, entre outros, são comuns às duas profissões respeitando, obviamente, respeitando
seus limites de atuação. Assim como um engenheiro civil será um melhor engenheiro se tiver
cursado Edificações, um engenheiro elétrico será melhor engenheiro se tiver cursado
Eletrotécnica, por exemplo.
6 Ética a Nicômaco - Livro I, 4, 1095b, p. 05-10 (N. do T).
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Em Aristóteles, “Sendo, pois, de duas espécies, a virtude intelectual e moral, a
primeira, por via de regra, gera-se e cresce graças ao ensino – por isso requer experiência e
tempo: enquanto na virtude moral, esta é resultado do hábito”7.
Para a criação de uma virtude, adquirimo-las pelo exercício nas citações do grande
filósofo grego como segue:
“Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las
aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e
tocadores de lira tangendo esse instrumento... é das mesmas causas e pelos mesmos
meios que se gera e se destrói a virtude... Os arquitetos e todos os demais
construindo bem tornam-se bons, e, construindo mal, maus. Se não fosse assim não
haveria necessidade de mestres, todos os homens teriam nascidos bons ou maus em
seus ofício”8 (ARISTÓTELES, 2001, p.67).
A afirmação acima corrobora com o pensamento de que para se exercer um ofício, seja
ele qual for, o faremos ainda melhor se tivermos o exercício prático prévio nesta atividade.
Sabemos que o grande desafio dos jovens é a escolha por uma profissão. De modo
geral, em noticiários, há informações de que apenas cinco em cada cem jovens estão
absolutamente certos de sua escolha antes da inscrição para o Vestibular.
A adolescência e entrada na fase de adulto jovem, trás consigo, além de outras
transformações, uma grande responsabilidade: a escolha por uma formação. Percebemos que
muitos são os conflitos que o adolescente tem de administrar nessa fase. A explosão de
hormônios, a pressão da sociedade que exige uma postura pessoal de adulto ainda
desconhecida, as emoções desvendadas enfim, uma série de novas situações. E a maior de
todas elas: escolher uma nova profissão. O pior é, ao escolher uma área, perceber que não era
aquilo exatamente o que ele queria para a sua vida. A frustração e a cobrança das pessoas no
seu entorno social gera um problema difícil de ser administrado. Em alguns casos, mesmo
estando frustrado com a sua escolha, o estudante permanece na formação por imaginar ser
esta a única maneira de assegurar a si uma condição de independência financeira, e a tão
desejada entrada na fase adulta.
7 Ética a Nicômaco - Livro I, 1, 1103a, p. 14-18 (N. do T). 8 Ética a Nicômaco - Livro I, 1, 1103b, p. 36-40 (N. do T).
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Isto parece ter menor incidência se o jovem tivesse acesso à Educação Profissional no
Ensino Médio. Quando o estudante frequenta uma Formação Técnica concomitante ou
subsequente, consegue abrir seus horizontes visualizando com mais precisão o que deseja
como profissão, ou não, para o resto de sua vida, o que convenhamos , é um ganho imenso em
termos pessoais. Se não tiver aptidão para a área escolhida, consegue descobrir precocemente
o que não quer fazer como atividade profissional, quando o investimento financeiro e pessoal
é pequeno. Isso facilitará novas escolhas, gerando satisfação e segurança na atividade
profissional que exercerá.
“A concepção e os princípios expostos sinalizam a relevância técnico-
política do diálogo da Formação de Professores para a Educação Profissional com o
campo da formação de professores em geral e a importância de que, sem cair no
voluntarismo ou no economicismo, seus agentes se unam na luta por uma Educação
e uma Educação Profissional de qualidade social” (SANTOS, 2005, p.459).
Aristóteles (2001, p.147) afirma que a sabedoria prática é o poder de deliberar bem
sobre o que é bom e conveniente não sob um aspecto particular, mas para a vida boa em geral
e que essa característica não é dos jovens, pois esta vem apenas com o tempo e com a
experiência:
“... embora os moços possam tornar-se geômetras, matemáticos e sábios em
matérias que tais, não se acredita que exista um jovem dotado de sabedoria prática.
O motivo é que essa espécie de sabedoria diz respeito não só aos conhecimentos
universais mas também aos particulares, que se tornam conhecido pela experiência.
Ora, um jovem carece de experiências que só o tempo pode dar”9 (ARISTÓTELES,
2001, p.147).
Portanto, vivenciar as experiências da educação profissional traria ao jovem a
possibilidade de melhores escolhas, o que levaria a uma vida profissional mais feliz, tendo em
vista que a excelência é sempre relativa a nós. Portanto, mesmo a atividade técnica, embora
9 Ética a Nicômaco – Livro VI, 5, 1142b, p. 12-15 (N. do T).
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siga padrões específicos, sempre precisará considerar o KAIRÓS, que aqui tem relação com o
tempo apropriado, respeitando o momento de cada um para as escolhas, para a apropriação do
conhecimento, com a escolha profissional mais apropriada no tempo certo de cada um .
O professor do ensino profissionalizante de Nível Técnico: com se desenvolve a sua ação
docente?
O Ensino Técnico no país é marcado preponderantemente por professores oriundos de
um Bacharelado que proporciona o conhecimento específico para atuar como profissional.
Geralmente, com base nestes conhecimentos inicia a atividade como docente em uma
determinada área, sem ter uma formação pedagógica. A maioria dos professores desse
segmento não são licenciados. Isso promove, no meio acadêmico, uma diferenciação em
relação a esse docente que traz, muitas das vezes em sua bagagem, um elevado conhecimento
com base no saber prático sem apresentar um referencial teórico didático-pedagógico que
fundamente sua prática como agente de capacitação e facilitador para ministrar suas aulas.
Mas a que se atribui o desempenho do bom professor que é Bacharel e tem um
trabalho docente excelente?
Interessa, neste texto, abordar que para ensinar é necessário a busca da excelência
moral preconizada por Aristóteles em que a virtude está voltada à disposição de caráter a fim
de agirmos de modo excelente o que gerará a excelência moral. Como essa disposição é
sempre relativa a nós ela deve advir de bons hábitos. Assim, o professor teria então o
empenho em ser exemplo para seus alunos, buscando a excelência em demonstrar com
qualidade aquilo que é virtuoso ao discente, ou seja, ensinar com exemplos, com boas
práticas, com comprometimento, com atitude proativa. Por residir o “bem feito” na função,
também conhecida como “ergón”10 de algo, acreditamos que somente o desejo pelo “sumo
bem”11 gera a excelência, fundamentada em boa prática, gerada por bons hábitos. Com diz o
ditado popular “o cachimbo faz a boca torta”.
De outro modo expressas Aristóteles:
10 Função própria. 11 Aristóteles refere-se ao sumo bem como a capacidade de atingir a felicidade pela excelência.
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Outra crença que se harmoniza com a nossa concepção é a que o homem
feliz vive bem e age bem, pois definimos a felicidade como uma espécie de boa vida
e boa ação... além do “bem feito” a atividade excelente, ao ser executada, tem de ser
um agir e um “agir bem”12 (ARISTÓTELES, 2001, p.57).
Por outro lado, quem já não ouviu falar de um determinado professor graduado que
possui em seu curriculum lattes um enorme conteúdo teórico, mas que não sabe realizar uma
aula em que seus alunos aprendam? Como dizem os alunos: “este professor sabe muito, mas
não tem didática”.
Diante disso, o que é mais produtivo para a formação dos estudantes, especialmente os
do Nível Técnico: o saber prático e específico para o mercado do trabalho ou que o professor
ministre aulas menos direcionadas ao mercado, mas tendo uma formação pedagógica que
atenda as exigências legais sem, entretanto, trazer consigo a experiência prática diária?
Acredito que o professor para o ensino técnico necessita compreender o contexto do
trabalho e desenvolver boas aulas. Quero dizer com isso que, de modo geral, os bacharéis que
atuam no mundo do trabalho são empenhados, mas eles também necessitam se dedicar aos
saberes didático-pedagógicos, um dos grandes desafios da educação.
Segundo Oliveira (2010, p.458) , a proposição na formação docente em todos os níveis
da educação quer sejam da educação infantil ao ensino superior logrou práticas plurais quanto
à formação docente gerando políticas voláteis cujas sucessivas mudanças trazem à tona a
necessidade de políticas públicas que se ocupem dessa matéria. A questão da docência sem
uma Licenciatura é um problema que não só emerge nas formações técnicas, mas também no
ensino superior, especialmente no Ensino Tecnológico. Sabemos também que na educação
básica isso ocorre, mas esse não é o nosso tema no momento.
Segundo Oliveira (2010, p.458) “talvez nunca as questões da formação de professores
tenham frequentado tão assiduamente as pautas políticas, das propostas e da produção
intelectual na área da educação, no País”.
Quando se faz um resgate histórico sobre a ação docente em Nível Técnico e
Tecnológico, isso remonta há quase cem anos13. Pereira (2010) afirma que “... essa
12 Ética a Nicômaco - Livro I, 8, 1098b, p. 22-24 (N. do T). 13 Referência a 1909, data da criação da escola de Aprendizes Artífices.
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modalidade de ensino muito caracterizada pelo saber “fazer” é marcada fortemente pela ação
de professores leigos até os dias atuais”.
Isso se evidenciou a partir da segunda metade desse século quando o ensino
profissionalizante ganhou destaque pelas mudanças políticas e necessidades geradas pela
revolução industrial. Pegarei um viés diferenciado nessa abordagem em detrimento de toda
uma política que se propõe para a formação desses docentes.
Segundo Veiga (2008, p.7), prioritariamente as dimensões do processo didático na
ação docente são: ensinar, aprender, pesquisar e avaliar. Portanto, a ação docente deve
compreender a visão de todas as dimensões abordadas. Somos favoráveis a uma formação
didático-pedagógica para o aprendizado, prioritariamente em processos de formação
continuada. Sabemos que essas formações não asseguram um melhor desempenho do
docente, mas dão mais significado ao ato de ensinar.
Contudo, sinalizamos que a docência pode estar muito mais ligada ao desejo de
ensinar do que às formações acadêmicas. Está voltada à virtude de ser mestre em todos os
momentos, de se apropriar da interferência que a ação do professor terá na vida desse aluno.
Quantos professores pensam nisso? Quantos têm a dimensão de que depois que ele, o
professor, passou na vida daquele aluno a vida dele, do aluno, nunca mais será a mesma?
Acredito que a vida de ambos não será a mesma.
Mediante tais arguições, defendemos a necessidade dos processos de formação
continuada para professores, regularmente instituída como obrigatória, lugar para a
abordagem que não esteja vinculada unicamente à sua prática específica, mas, na
conscientização do seu papel como educador. Devido à volatilidade de políticas educacionais
que definam a exigência clara de uma formação para professores da Educação Profissional, os
processos de formação continuada proposto pelas escolas em que atuam, traduzem o que
existe de mais consistente em termos de formação docente até o presente momento para esse
segmento educacional.
O conceito de hábito e de excelência em Aristóteles
Sabemos que Aristóteles via com certa desconfiança o saber “útil”, uma vez que cabia
aos escravos a maioria dos ofícios, considerados indignos dos homens livres. Como seus
escritos sobre educação se perderam e o que restou foi reorganizado (e talvez modificado) por
pensadores de outras épocas, não sabemos se seus conceitos não poderiam ser atribuídos para
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definir os ofícios. No conceito de excelência moral do grande filósofo grego o bem, ou
melhor, o sumo bem é o objetivo final da existência do Homem.
A tese é que a virtude é adquirida pelo hábito:
“sendo, pois, de duas espécies a virtude intelectual e moral, a primeira, por
via de regra, gera-se e cresce graças ao ensino- por isso requer experiência e tempo:
enquanto a virtude moral é adquirida pelo hábito, donde ter-se formado o seu nome
étique da palavra hábito. Por tudo isso, evidencia-se que a virtude moral não surge
em nós por natureza...” 14 (ARISTÓTELES, 2001, p.67).
O conceito de que a virtude intelectual se gera graças à prática de ensino, requer
experiência e tempo e é compatível com atividades que se consolidarão graças à repetição ou
ao exercício diário dentro de um tempo mínimo, o que é o caso das Formações Técnicas.
Já a virtude moral não surge em nós por natureza:
“... com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito
contrário à sua natureza... Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza
que as virtudes se geram em nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza
a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito” (ARISTÓTELES, 2001, p.67).
Esse conceito aproxima-se do prazer de fazer o que é um paradoxo, pois, no atual
contexto, fazemos muitas vezes por exigência externa e não por decisão pessoal.
A virtude moral é adquirida pelo hábito e a virtude intelectual pelo aprender:
“... com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las,
aprendemô-las fazendo: por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e
tocadores de lira tangendo os instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos
14 Ética a Nicômaco - Livro II, 1, 1103a, p. 15-20 (N. do T).
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praticando atos justos, e assim com temperança, a bravura, etc.” 1103b15
(ARISTÓTELES, 2001, p.67).
No entanto, para aprender precisamos de bons mestres, como nos lembra Aristóteles,
o que implica que o bom professor realize bom ensino. Ora, pode-se entender que a
excelência moral é fazer o seu melhor no momento em que estiver executando uma tarefa.
Que apenas o hábito levará à melhoria e a qualidade proposta para o desenvolvimento de uma
tarefa. Observamos que nas atividades que são práticas o que realmente importa é o treino
incansável para a execução de uma tarefa e o refinamento da técnica através do
desenvolvimento de uma habilidade prática.
Ainda no que concerne às virtudes docentes, Aristóteles afirma:
“... é das mesmas causas e pelos mesmos meios que se gera e se destrói
toda a virtude, assim como toda arte: de tocar a lira surgem os bons e os maus
músicos. Isso também vale para os arquitetos e todos os demais: construindo bem,
tornam-se bons arquitetos; construindo mal, maus. Se não fosse assim não haveria
necessidade de mestres e todos os homens teriam nascido bons ou maus em seu
ofício” 16 (ARISTÓTELES, 2001, p.67).
Mas qual a relação que podemos fazer entre esses conceitos e a prática específica?
É possível deduzir que quanto maior a prática exercida pelo professor, melhor será a
sua atuação profissional já que as virtudes são adquiridas pelo hábito. Segundo Souza (2010,
p.59), vários estudos foram realizados e um dos mais recentes publicados tem a ver com a Lei
das 10.000 horas, produzido pela Universidade de Harvard, que preconiza que aquele que se
esforça, que se dedica e treina 10.000 horas, aproximar-se-á do sucesso muito mais do que
aquele que praticou por pouco tempo.
Então podemos dizer que a excelência moral é associada à excelência laboral pois
quanto mais nos esforçamos, melhor será o resultado daquilo que é praticado.
O autor Perine (2001), no artigo “aspectos emocionais da inteligência de Aristóteles”,
afirma que o filósofo não concebe a educação como um processo de mera submissão passiva, 15 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco, livro II, 1, 1103b, p. 32-35. 16 Ética a Nicômaco, livro II, 1, 1103b, p. 7-12 (N. do T).
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mas com uma relação na qual o educando é também agente, uma vez que cabe a ele habituar-
se a gostar das coisas certas de maneira conveniente. Ainda, afirma que Aristóteles, ao
terminar o capítulo 12 do livro III, diz que os imoderados, como as crianças, são dominados
pelos apetites e o desejo agradável é sempre mais forte neles. Se as crianças não forem
preparadas para obedecer e submeter-se a seus mestres, eles não conhecerão qualquer limite,
pois num ser ainda irracional o desejo do prazer insaciável e generalizado, e a tendência inata
é estimulada pela satisfação dos desejos.
Em Aristóteles a sabedoria prática não se transforma em ciência, nem em arte, pois
agir e produzir são de natureza diferente. A escolha no agir carece de balizamento, pois gera
efeitos no homem e na sua natureza. Assim, fazer exige pensar para poder escolher o agir que
gere o bem, o sumo bem, pois através do sumo bem se atinge a felicidade por excelência.
“Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele
mesmo e tudo o mais desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda
coisa desejamos com vistas em outra (porque então, o processo se repetiria ao
infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar) evidentemente tal fim será o bem, ou
antes, o sumo bem” 17 (ARISTÓTELES, 2001, p.49).
Considerações Finais
Mediante o exposto podemos entender que a prática leva a um melhor
desenvolvimento de qualquer técnica, pois será melhor aquele que praticar mais. A tese é que
as virtudes são adquiridas pelo hábito.
Em Aristóteles (2001, p.71) 18 “Por conseguinte se as virtudes não são paixões nem
faculdades, só resta uma alternativa: a de sejam disposições de caráter”, ou seja, precisamos
criar certas disposições de caráter através da experiência em torno de algo, a fim de agirmos
de modo excelente, o que gerará a excelência moral. E para finalizar essa reflexão,
Aristóteles diz que para criar certas disposições de caráter há que se ter sido educado em bons
hábitos, o que criará disposições de caráter para uma ação específica (EN I, 4, 1095b, p. 1-8).
17 Ética a Nicômaco- Livro I, 2, 1094b, p. 5-22 (N. do T). 18 Ética a Nicomaco, II, 5, 1006a, p. 10-12.
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Ainda, que essa disposição de caráter reside na função, no “ergón”, de algo. Para se ter
uma atividade excelente tem de se agir e agir bem. Mas, acima de tudo, há que salientar que
essa função é sempre relativa a nós, à nossa disposição em querer fazer o nosso melhor.
O estudante do Ensino Técnico, especialmente nas formações subsequentes, que são
formações técnicas realizadas após a conclusão do ensino médio, faz a escolha deste curso
por opção o que o torna mais agradável a si. O prazer pela formação trará mais próxima à
disposição de caráter para fazer melhor aquilo para o qual está se propondo. Temos também
de considerar, sobretudo o KAIRÓS, aqui descrito como o tempo apropriado, de cada um no
que se refere à sua formação, lembrando que os tempos são vistos diferentemente pelas
pessoas . Ressaltamos que a prática e a dedicação dos professores do Ensino Técnico podem
contribuir para que a escolha feita pelo jovem não seja frustrada pelo agir do mestre. Para
todos aqueles que aprendem com outra pessoa esse é o maior exemplo, cabendo aos mestres a
atenção a todas as suas ações, pois são exemplos aos seus discípulos. O desejo do sumo bem é
atingir a felicidade pela excelência, ser feliz ao seu modo e fazer o melhor que puder naquele
momento, segundo Aristóteles.
Assim, para ser docente do Ensino Técnico é necessário ter conhecimento pedagógico
e conhecimento das boas práticas da profissão. O professor tem papel importante na vida de
cada aluno, e cada aluno ficará refletido na trajetória profissional daquele professor.
A atuação do professor do ensino de Nível Técnico está posta, com todas as
peculiaridades que cabem a essa atividade profissional. Deste modo, se o professor não
consegue agir adequadamente para produzir o bem, por deficiência de formação, esta
formação precisa ser conquistada.
REFERÊNCIAS
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Educação Profissional e Tecnológica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/lic_ept.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2010.
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