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Diante da desaceleração de suas economias, os bancos centrais da zona doeuro e do Japão decidiram adotar taxas de juros negativas para remuneraras reservas bancárias. A adoção de políticas cada vez mais heterodoxas,cujas consequências são de difícil previsão, mostra a dificuldade com que osBCs do mundo desenvolvido têm se defrontado para evitar que suaseconomias entrem em um processo deflacionário.

Nos Estados Unidos, duas questões preocupam os analistas. A primeira éreferente ao fato de que, apesar da queda de mais de 50% nos preços dopetróleo, das taxas de juros próximas a zero e do enorme volume deliquidez, a economia americana continua com um crescimentorelativamente baixo, na casa dos 2,0% ao ano. A segunda questão envolve areação do Fed diante de um cenário de fraco crescimento, queda da taxa dedesemprego e pressões inflacionárias decorrentes do aumento do custounitário do trabalho (o núcleo do PCE atingiu 1,7% ao ano, contra uma metade 2,0% ao ano). A pergunta que tem permeado as discussões entre osanalistas é se o Fed irá priorizar o crescimento ou a inflação.

A economia chinesa continuou a desacelerar e o governo já sinaliza quedeverá voltar a dar ênfase ao crescimento econômico, com incentivos aosetor industrial, em detrimento da mudança estrutural em direção ao setorde serviços. Em tal contexto, aumenta a probabilidade de umadesvalorização mais acelerada do yuan frente ao dólar, o que fatalmentelevaria à desvalorização de outras moedas asiáticas, e pressionaria aindamais o crescimento nas economias desenvolvidas.

Esses movimentos apontam para a manutenção de uma trajetória deaumento das taxas de juros nos Estados Unidos, com o Fed priorizando ocombate à inflação, e de valorização do dólar, o que deverá pressionar asbolsas de valores americanas para baixo.

O teor da delação premiada do ex-líder do governo no Congresso, DelcídioAmaral, e a condução coercitiva do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silvapara depor na Polícia Federal colocam o governo da presidente DilmaRousseff em situação extremamente delicada e o desfecho muito próximodo impeachment.

É interessante especular se a sequência dos acontecimentos - queda doMinistro da Justiça, publicação da delação premiada e decretação dacondução coercitiva do ex-presidente - foi aleatória ou seguiu umplanejamento pré-determinado. Nossa hipótese é que não terá sidoaleatória. É importante deixar claro que se trata de uma especulação queparte da observação de que as decisões da Operação Lava Jato têm semostrado bastante coerentes e seguido uma sequência lógica impecável.

A queda do ministro da Justiça foi o resultado de pressão desencadeadapelo ex-presidente Lula e pelo Partido dos Trabalhadores. Segundo o PT e oex-presidente, o ministro havia perdido totalmente o controle sobre aPolícia Federal e o Ministério Público, que passaram a ter uma atuaçãoindependente e a ter como objetivo destruir o partido e prender o ex-presidente. Para substituí-lo, foi indicado um procurador do Estado daBahia, desconhecido nacionalmente e ligado ao ministro da Casa Civil,Jacques Wagner, que, por sua vez, foi nomeado por influência do ex-presidente Lula. Segundo essa interpretação, a queda do ministro Cardozosugere a intenção clara de interferir nas investigações da Lava Jato.

Diante da ameaça, montou-se a estratégia que foi seguida ao longo dasemana. Na quinta feira, a delação premiada foi publicada, e, nela, o ex-líderdo governo declara que a presidente e o ex-presidente da República nãoapenas sabiam, mas participaram de todo o processo de corrupção queocorreu na Petrobras, inclusive da compra da refinaria de Pasadena.Uma vez tornada pública a delação sobre a participação do ex-presidente, acondução coercitiva passou a ser uma possibilidade concreta e justificável,para evitar obstrução da justiça via destruição de provas. Finalmente, aescolha da condução coercitiva, e não do convite para depor, teve por

objetivo testar a reação dos movimentos sociais, dos sindicatos e dosmilitantes do PT a uma eventual decisão da Justiça de determinar a prisãodo ex-presidente.

O teor da delação premiada do senador Delcídio Amaral, na medida emque coloca na linha de tiro da Operação Lava Jato uma presidente já isoladae encurralada, aumenta significativamente a probabilidade de que oimpeachment seja aprovado no Congresso. Ao mesmo tempo, não deixaoutro caminho para a presidente que não seja buscar o apoio de seu própriopartido, o PT. Restaria, assim, à presidente, por uma questão desobrevivência, caminhar em direção às propostas do PT para a economia,pelo menos aquelas que não dependam de aprovação do Congresso.

Nesse contexto, ganha especial relevância o documento recentementedivulgado pelo partido, com 16 propostas consideradas indispensáveis paraa retomada do crescimento. Em especial, além do aumento de impostos ede gastos públicos, chamam a atenção dois pontos importantes:

1.“Forte redução da taxa de juros como elemento fundamental paradiminuir o déficit nominal da União, aumentar o investimento público,impedir a valorização cambial, baratear o crédito e incentivar a retomada docrescimento econômico”;

2.“Utilização de parte das reservas internacionais para um FundoNacional de Desenvolvimento e Emprego, destinado a obras deinfraestrutura, saneamento e habitação, com destaque para ampliação doPrograma Minha Casa, Minha Vida”;

São medidas que não dependem da aprovação do Congresso, o que astorna mais prováveis de serem adotadas, com consequências bastantenegativas para a economia brasileira. Redução dos juros combinada comutilização das reservas para financiar infraestrutura, aumento do déficitpúblico e abandono das propostas de reformas de longo prazo levariam auma forte desvalorização do real e à aceleração da taxa de inflação, umcenário similar ao vivido pelo país no final dos anos oitenta do séculopassado. Trata-se de um risco concreto, capaz de gerar forte volatilidade,seja durante a discussão do processo de impeachment no Congresso até quese encerre (aproximadamente três meses), ou caso a presidente consigamanter o mandato.

Conjuntura Macroeconômica – por José Marcio Camargo

Carta Mensal Opus Gestão de RecursosPublicação Mensal, Fevereiro 2016

•Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio. Sócio e economista chefe da Opus Gestão de Recursos.

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