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COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS ALUNOS
ÚLTIMO-ANISTAS DOS CURSOS DE PSICOLOGIA
RESUMO
Muitos estudos vêm sendo desenvolvidos a fim de que se contraponha a visão cristalizada e
naturalizante dos fenômenos sociais e do psiquismo humano, uma nova forma de se conceber
o homem e as relações que este estabelece se fez necessária. A partir disso, iniciou-se o que
vem sendo discutido como o compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo. Dessa
forma, este trabalho teve como objetivo analisar o discurso dos alunos último-anistas dos
cursos de psicologia da região do Vale do Paraíba paulista acerca da questão do compromisso
social da psicologia, e mais especificamente objetivou-se analisar se os alunos identificam
essa questão transmitida durante o curso de formação em psicologia e também compreender
como estes alunos identificam essa questão no Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Foram sujeitos desta pesquisa oito alunos que responderam a uma entrevista semi-estruturada,
a qual foi discutida através da técnica de análise de conteúdo, tendo por base todo o
referencial teórico apresentado no trabalho. Assim, os participantes demonstraram que a
questão do compromisso social é entendida como algo muito importante para a psicologia
enquanto profissão, mas, por outro lado, é algo que não se vê comumente na prática
psicológica. Tais alunos demonstraram também, que não percebem essa questão como algo
transmitido durante o curso, da mesma forma que pouco percebem essa preocupação expressa
no Código de Ética da profissão. O que levou a considerar que a falta de questionamento e
reflexão frente o que é transmitido na formação acadêmica se transformam na escassez de
posicionamento crítico dentro da ciência psicológica e conseqüentemente na falta de subsídios
essenciais para a efetivação de uma prática comprometida socialmente.
Palavras-chave: Compromisso Social. Formação em psicologia. Psicologia Social
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COMPROMISSO SOCIAL: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOS ALUNOS
ÚLTIMO-ANISTAS DOS CURSOS DE PSICOLOGIA
AUTOR: SHARLENE APARECIDA NEVES
ORIENTADORA: PROFª DRª CECÍLIA PESCATORE ALVES
BANCA EXAMINADORA:
.Professora Doutora Cecília Pescatore Alves
.Professor Doutor Régis de Toledo Souza
.Professor Doutor Carlos Alberto Máximo Pimenta
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1. INTRODUÇÃO
A Psicologia foi definitivamente institucionalizada em 1962 através da Lei 4119 que
regulamentou a profissão no Brasil e fez com que novas possibilidades fossem se
desenvolvendo a partir desse novo campo de trabalho. Mas, foi a partir da década de 80,
quando os psicólogos começaram a trabalhar no serviço público, que novos desafios
começaram a ser encontrados (Bock,1999b).
Neste momento, segundo esta autora, iniciou-se uma maior reflexão por parte dos
psicólogos quanto ao seu trabalho perante a sociedade brasileira, visto que se depararam com
uma realidade até então pouco conhecida durante a formação acadêmica, até mesmo por
questões políticas; e muito menos explorada pelos convencionais modos de trabalho do
psicólogo. Visto que estes reproduziam o modelo de atuação profissional advindo de outros
países, os quais não correspondiam à realidade social encontrada aqui no Brasil.
É como relata Dimenstein (2001, p.59) sobre o assunto:
Historicamente, a psicologia sempre esteve “míope” diante da
realidade social, das necessidades e sofrimento da população, levando
os profissionais a cometer muitas distorções teóricas, a práticas
descontextualizadas e etnocêntricas, e a uma psicologização dos
problemas sociais, na medida em que não são capacitados para
perceber as especificidades culturais dos sujeitos.
A partir disso, a dimensão da realidade social e a necessidade de conhecê-la
começaram a fazer parte das preocupações de alguns segmentos da psicologia e a nortear
conseqüentes movimentos para isso. De acordo com Bock (1999b), a preocupação em
contextualizar os fenômenos psicológicos e em entender o indivíduo dentro de um processo
histórico se mostrou primordial.
Muitos estudos, desde então, foram e vêm sendo desenvolvidos a fim de que se
contraponha à visão cristalizada e naturalizante dos fenômenos sociais e do psiquismo
humano, uma nova forma de conceber o homem e as relações que este estabelece se fez
necessária, ou seja, deu-se início ao que atualmente vem sendo discutido como o
compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo.
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Segundo Bock et al (2007) a professora Silvia Tatiana Maurer Lane tem uma trajetória
de vida profissional, que faz dela uma das mais importantes influências no desenvolvimento
desse novo projeto para a psicologia. Assim, a autora comenta que:
A única certeza de que nunca abriu mão foi a da necessidade da
produção de uma ciência com compromisso social. Nunca se importou
com rótulos e com passeios por diferentes teorias, porque buscava
outra coisa: um conhecimento capaz de falar da vida vivida e de
apresentar possibilidades de contribuição para a transformação das
condições de vida na busca da dignidade (BOCK et al 2007).
A própria Silvia Lane relata na apresentação do livro “Psicologia Social – O Homem
em Movimento”, do qual foi uma das organizadoras, que esperava com este, contribuir “para
uma psicologia voltada para os problemas concretos de nossa realidade, tornando o
profissional um agente de transformação na sociedade brasileira” (LANE, 2001, p. 7). Neste
mesmo livro, ao falar a respeito da Psicologia Social e da necessidade de uma nova concepção
de homem para a Psicologia a autora afirma:
O ser humano traz consigo uma dimensão que não pode ser
descartada, que é a sua condição social e histórica, sob o risco de
termos uma visão distorcida (ideológica) de seu comportamento
(LANE, 2001, p. 12).
Como vemos, a Psicologia Social como campo de conhecimento dentro da Psicologia,
foi a responsável por trazer a realidade sócio-histórica para a formação e conseqüente atuação
do psicólogo. Isto implica em afirmar a necessidade de que toda a Psicologia seja social, e
como explicou Lane (2001, p.19), isso “não significa reduzir todas as especificidades da
psicologia a esse campo de saber, mas sim que dentro de todas estas especificidades esteja
contida a natureza sócio-histórica do ser humano”.
Deve-se ressaltar também, que os autores deste movimento não se empenham apenas
em discutir o tema ou em defender tal postura, mas principalmente em evidenciar a posição
do psicólogo como permanentemente constituidor de novos conhecimentos científicos, ao
passo que trabalhe unindo teoria e prática, construindo o conhecimento de acordo com as
novas necessidades que encontra.
Sobre isto, Lane (2001, p.15, 16) afirma:
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É dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos
encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um
conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada
indivíduo que permita uma intervenção efetiva na rede de relações
sociais que define cada indivíduo – objeto da Psicologia Social.
É possível observar essa preocupação atualmente, sobretudo nos documentos que
norteiam tanto os cursos de formação em psicologia no país, quanto naqueles que estabelecem
padrões de conduta que são esperados pelos profissionais da categoria.
Instituída em 2004, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação
em Psicologia, tem como uma das metas centrais para a formação do psicólogo que o curso
assegure princípios e compromissos como a compreensão crítica dos fenômenos sociais,
econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da
profissão. O curso deve garantir também que o profissional consiga atuar em diferentes
contextos considerando as necessidades sociais, os direitos humanos, tendo em vista a
promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades
(DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO
EM PSICOLOGIA, 2004).
Neste mesmo documento, descreve-se sobre algumas competências requeridas ao
formado em Psicologia como, por exemplo: analisar o campo de atuação profissional e seus
desafios contemporâneos; analisar o contexto em que atua profissionalmente em suas
dimensões institucional e organizacional, explicitando a dinâmica das interações entre os seus
agentes sociais; identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar,
elaborar projetos, planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características
da população-alvo e saber usar o conhecimento científico necessário à atuação profissional,
assim como gerar conhecimento a partir da prática profissional (Idem).
A partir destes fragmentos deste documento é possível perceber claramente a
necessidade de que os cursos de formação em Psicologia consigam transmitir os
conhecimentos dos fenômenos psicológicos a partir da realidade sócio-histórica em que estes
se encontram e se desenvolvem. Do mesmo modo que, em consonância com as Diretrizes
Curriculares, observamos estas preocupações também no Código de Ética do psicólogo.
Pode-se verificar no Código de Ética Profissional do Psicólogo aprovado em 2005,
uma constante preocupação em transmitir para o profissional a responsabilidade social de sua
profissão revelando que a elaboração de tal código teve como “princípio geral aproximar-se
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mais de um instrumento de reflexão do que de um conjunto de normas a serem seguidas pelo
psicólogo” (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO, 2005, p.6). É possível
identificar tal postura em todo o documento, principalmente nos Princípios Fundamentais que
devem nortear a profissão.
Destacam-se assim, importantes considerações acerca da questão do compromisso
social do psicólogo, que podem ser identificadas facilmente nos próprios documentos que
regulamentam e norteiam tanto a formação quanto a atuação deste profissional no país.
Diversos estudos são feitos acerca de perspectivas, limites, e contextos em que tal
assunto se insere ou deveria se inserir, ou seja, há alguns anos o tema do compromisso social
vem sendo discutido por diversos autores, que se empenham em demonstrar a relevância do
assunto e a necessidade da efetivação de tal postura dentro de uma Psicologia comprometida
com a realidade social na qual está inserida.
Frente ao exposto, verifica-se a necessidade de pesquisas que visem compreender
como tal temática é concebida atualmente tanto por alunos de psicologia, quanto por
profissionais psicólogos e também por aqueles profissionais envolvidos com o ensino da
psicologia no Brasil. O presente trabalho procurou oferecer uma contribuição neste sentido, a
partir de pesquisa de campo realizada com alunos do último ano de graduação em psicologia.
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2. PROBLEMA
Como os alunos dos últimos anos dos cursos de Psicologia entendem a questão do
Compromisso Social do Psicólogo?
2.1 OBJETIVOS
2.1.1 Objetivo Geral
Analisar o discurso dos alunos último-anistas dos cursos de Psicologia do Vale do
Paraíba acerca da questão do Compromisso Social do Psicólogo.
2.1.2 Objetivos Específicos
• Conhecer o que os alunos dos últimos anos dos cursos de Psicologia do Vale do
Paraíba dizem a respeito do compromisso social do psicólogo.
• Analisar se os alunos identificam a questão do compromisso social do psicólogo como
algo transmitido durante o curso e necessário na atuação profissional.
• Identificar e compreender como os alunos último-anistas dos cursos de Psicologia
concebem o Código de Ética Profissional do Psicólogo, principalmente no que diz
respeito aos princípios fundamentais que devem nortear a profissão.
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3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1. Formação em Psicologia
Para expor a respeito do histórico da formação em Psicologia no Brasil, serão
utilizadas as explanações de Jefferson de Souza Bernardes encontradas em sua tese de
doutorado, finalizada em 2004. O autor teve como foco apresentar documentos que foram
publicados a esse respeito ao passo que apresenta alguns momentos pelos quais a Psicologia
enquanto profissão e campo de saber estendeu-se.
Para este autor, em um primeiro momento a busca da regulamentação da profissão e
da formação em psicologia surgiu no início da década de 1930 e durou até o final da década
de 1950. O marco de tal momento foi a forte política nacional, orientada para o crescimento
da indústria no país. Com o advento do setor industrial e a criação do Ministério do Trabalho
em 1930 observou-se o grande movimento dos trabalhadores para esse novo setor. O qual, por
sua vez, necessitava de grande número de mão-de-obra com rápida qualificação técnica para o
gerenciamento da maquinaria.
É neste período que o trabalho dos psicotécnicos se fez altamente necessário para
recrutamento, seleção, orientação e treinamento dos novos trabalhadores. Em conseqüência
disso, foi neste mesmo momento que se observou uma primeira ação em direção a um
reconhecimento da profissão, pois houve a necessidade da regulamentação da atuação dos
psicotécnicos e em 1947 foi criado o ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional),
um órgão especializado cujo principal objetivo era contribuir para a eficácia do trabalho de
acordo com as suas necessidades e com as aptidões do trabalhador (BERNARDES, 2004).
“Em relação à formação em Psicologia, trata-se do período dos ‘psicologistas’,
vocabulário utilizado para caracterizar o(a) profissional em psicologia” (BERNARDES,
2004, p. 89).
No campo da Educação, a atuação do psicólogo era confundida com a figura do
orientador educacional. Segundo Patto (1999, apud Bernardes 2004), destaca-se “nesse
momento, na esfera educacional, embora possa ser estendida para outros campos, a
perspectiva clínica e curativa como modelo de atuação em psicologia, orientada para o
diagnóstico e o ajustamento dos indivíduos”.
Na Psicologia Clínica a atuação do psicólogo era fortemente associada à Medicina,
tendo seu trabalho esclarecidamente limitado e podendo apenas exercer funções de orientação
e acompanhamento clínico, tudo subordinado ao trabalho do médico. Sobre isso o autor
esclarece:
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A literatura sobre a história e a historiografia da Psicologia no Brasil,
também abordam o caráter prático e tecnicista presente na profissão e
na formação. Trata-se de uma formação eminentemente técnica,
esbarrando na fronteira de várias profissões já consolidadas, por
exemplo, a Medicina, a Pedagogia e a Administração (BERNARDES,
2004, p. 90).
O segundo momento, segundo o autor, vai de 1960 a 1979, e a Psicologia
caracterizou-se com uma forte postura técnico-cientificista, influenciada pelos ideais
positivistas e utilizando o status do saber científico para se consolidar como ciência e como
profissão.
Em 1962, a Psicologia foi regulamentada como profissão no Brasil e para Campos
(1992, apud BERBARDES, 2004. p. 94), “esta Lei veio referendar e delimitar,
simbolicamente, a existência de um domínio técnico-científico já existente no país,
anteriormente a lei”. Segundo esta mesma autora, esta definição legal:
(...) é um registro histórico dos dois movimentos que lhe deram
origem: o movimento social de progressiva racionalização das funções
a serem desempenhadas nas modernas sociedades industriais, entre as
quais se insere o conjunto de funções atribuídas ao psicólogo, e o
movimento dos profissionais já engajados na prática em busca do
reconhecimento e de segurança para exercer a profissão (CAMPOS,
1992. p. 6 apud BERNARDES, 2004, p. 94-95).
O contexto político-econômico e social é marcante na arena de discussões. Em termos
políticos, o golpe militar de 1964 foi, sem dúvida, um acontecimento marcante. Em termos
econômicos, destaca-se a internacionalização do mercado, sob os primeiros passos de uma
lógica neoliberal.
Algumas conquistas da Psicologia viriam logo a ser significativamente retardadas
com o golpe militar de 1964 e a instalação no país de um regime repressivo que exerce grande
controle sobre os movimentos organizados então existentes (BERNARDES 2004, p. 95).
Ainda neste período, “a Psicologia foi marcada pelo obscurantismo, pelas delações,
pelos rompimentos com compromissos éticos, políticos e sociais” (Idem p. 94).
A graduação em Psicologia, para o autor, produz um tipo de prática psi que, é marcada
pela tradição positivista, tanto com a teoria behaviorista, quanto com uma Psicologia Social
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que reproduz conceitos e técnicas de estudo de inspiração norte-americana. O que se estende
também para outras teorias como a Psicanálise, que além de serem marcadas pela
psicologização da vida social e política, essas teorias derivam uma atuação psicológica que
faz com que grande parte dos estudantes de Psicologia sonhem com os atendimentos clínicos
privados (BERNARDES, 2004). Sobre isso ele ressalta:
A formação, diante das características acima apresentadas, se orienta
para um profissional com uma concepção tecnicista e fragmentada de
seu saber, especializada em torno de uma lógica individualista, de uma
relação dual, asséptica, a-histórica, centrada em seu “consultório”, seja
esse na escola, na fábrica, ou em edifícios da “Zona Sul” carioca ou do
“Moinhos” em Porto Alegre. Trata-se de uma prática segregacionista e
elitizada, atendendo às demandas da classe média e alta, pequeno
burguesa, de grandes centros urbanos. O espírito da modernidade,
combatente do modelo latifundiário rural, atinge um dos ápices de seu
vigor nos modos de atuação do psicólogo (BERNARDES, 2004, p.
100).
Deste modo, conforme descreve o autor, houve um grande crescimento do número de
cursos de formação em Psicologia no país e em dezembro de 1962 o Conselho Federal de
Educação publica a Resolução do Currículo mínimo para os cursos de Psicologia. Tal medida
gerou conflitos entre a categoria pela postura rígida que estabelece os currículos mínimos por
meio de uma lista de matérias e disciplinas. A categoria se mobilizou em função das
tentativas de mudança desse currículo mínimo e fizeram um movimento para o diálogo e
delimitação das Diretrizes Curriculares do curso de Psicologia. E em 1971 é regulamentado o
Conselho Federal de Psicologia, que surge como órgão auxiliador do Estado para a
fiscalização e orientação dos profissionais da categoria.
Bernardes (2004) expõe que no terceiro momento, a diferença com o período anterior
é observada pela mobilização política dos psicólogos e início de uma profunda discussão
sobre o papel social da Psicologia no Brasil. De acordo com a revista Psicologia: Ciência e
Profissão (1987, p.4 apud BERARDES, 2004, p, 110), esse período “tem se caracterizado
como um período de amadurecimento da categoria, não só pelo seu crescente nível de
organização, mas principalmente pela busca de novas formas de atuação profissional visando
ao atendimento de toda a população e em especial dos setores historicamente
marginalizados”.
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No âmbito político, o país vivenciava uma crise com várias trocas de moedas e
crescimento da desigualdade na distribuição de renda da população. A Psicologia começou a
questionar seu papel social e a discussão em torno das reformas curriculares em Psicologia se
tornou forte.
Os anos 80 pareceram trazer uma re-avaliação por parte dos psicólogos do modelo de
atuação existente e da formação em Psicologia. É como relata Campos (1992):
Várias mudanças na formação em Psicologia foram levadas a cabo
durante a década de 1980. Sinais e sintomas desse movimento são
observados em todos os foros de debate acerca da Psicologia: nas
universidades, nas associações científicas, nos conselhos profissionais.
Nesses foros, o núcleo das discussões era: em primeiro lugar, o
questionamento da prevalência do domínio da técnica (refletindo
sobre os fundamentos ideológicos e sóciopolíticos da atuação do
psicólogo); em segundo lugar, a preocupação com a produção de um
saber relevante para a população que trabalhava junto a Psicologia
(CAMPOS, 1992, apud BERNARDES 2004, p. 112).
Para o autor foi um momento rico em termos de reflexão, embora, como mostram os
documentos, nada pôde ser efetivamente transformado como se almejava. De acordo com os
textos estudados, é possível perceber que houve a predominância de valores e condutas
individualistas e intimistas, os quais se afastam da esfera pública. Entretanto, surgiram
experiências com novas áreas da Psicologia, como por exemplo, toda a discussão da
Psicologia Social que acarretou com a criação da Psicologia Comunitária.
A esse respeito Bernardes (2004), conclui que seria um sacrilégio dizer que foi uma
criação exclusiva do campo acadêmico. Muitas associações e profissionais entraram na
discussão, por insatisfação com os modelos sociais aprendidos, pela articulação com modelos
sociais diversos, pelo início da abertura política no país, entre outros.
Entende-se assim, que vários movimentos de tentativas de ruptura com a ideologia
existente no momento ocorreram. Tais movimentos ocasionaram algumas mudanças não tão
concretas como se esperava, mas nem por isso menos importantes dentro da conjuntura da
ocasião. Como cita o autor, “os primeiros questionamentos sobre a retórica científica entram
em cena. Os primeiros questionamentos sobre as funções sociais da Psicologia também”
(BERNARDES, 2004, p. 114).
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O que modifica o caráter político da profissão, ocasionando novas características a
órgãos como CFP (Conselho Federal de Psicologia) e culminando com o surgimento de novas
entidades afins com propósitos revolucionários e preocupação com o compromisso social da
Psicologia, é o caso da ABRAPSO (Associação Brasileira de Psicologia Social) que surge no
início da década de 80.
Antes de encerrar sua narrativa sobre os períodos pelos quais a Psicologia e a
formação em Psicologia passaram no Brasil, o autor descreve sobre o quarto momento
histórico, que compreende o início da década de 1990 e vai até 2004, ano em que foi
concluída sua pesquisa.
Segundo ele “este período inaugura uma nova rodada na regulamentação e
normalização da formação em Psicologia no Brasil, caracterizada pela forte mobilização das
entidades e dos cursos de Psicologia”. (BERNARDES, 2004, p. 118). Isso porque agora há
uma maior organização do Estado em seu posicionamento político, com a consolidação da
democracia, com um plano econômico e uma moeda estável. O que consolida também uma
nova configuração do campo social e cultural do país. No âmbito educacional, novas leis e
reconfigurações para a estrutura do ensino superior.
No campo da ciência há, aparentemente, maior aceitação para novas concepções. O
que indica maior possibilidade de críticas às rígidas posturas “racional-positivista”. É o que o
autor denomina:
A ciência desce de seu pedestal e se transforma em uma prática social
sujeita a erros, controles, mas, também, com acertos e libertações.
Torna-se mais humana com a discussão em torno da reflexividade na
construção do conhecimento cientifico, ou seja, da reflexão entre quem
pesquisa e seu objeto de estudo (BERNARDES, 2004, p. 120).
Sobre a formação em Psicologia, há também um avanço concreto a partir de idéias da
década anterior, que segundo o autor são pontuais, locais, específicos, que começam a
aparecer e são debatidos, criticados, consolidados e socializados. Na página 121 de seu
trabalho o autor afirma que o debate atual se materializa por meio de três documentos
relacionados às Diretrizes Curriculares, visto que estes estão permeados por questões
políticas, educacionais gerais e específicas do campo de conhecimento em questão.
Em suas considerações finais, o autor afirma que pouca coisa mudou em termos da
formação em Psicologia no Brasil, e que esta ainda mantém algumas heranças do século XX,
como por exemplo, a “Tendência Liberal Tecnicista” apresentada por Libâneo (1985, apud
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BERNERDES, 2004, p.184). Ele ainda propõe algumas soluções desdobradas em sugestões e
finaliza afirmando:
“(...) a Psicologia, de instrumental de análise da realidade, transforma-se em objeto de
análise. A Psicologia é uma das principais responsáveis pela maneira como o mundo é visto.
Daí, a importância dos estudos que envolvem a formação” (BERNARDES, 2004 p. 190).
Sobre este assunto, Alves, Correr & Leão (2005), discutem que diante da
complexidade das mudanças na formação do psicólogo, mais do que apresentar respostas
conclusivas é necessário refletir os fundamentos que sustentam a formação do psicólogo até
os dias de hoje no Brasil e salientam que uma característica necessária para ensinar Psicologia
é “mostrar o geral contido no particular e apreender as particularidades subsumidas na
totalidade” (p. 56). E sobre isso destacam:
Propomos que ensinar psicologia no Brasil deve ser: ensinar sobre
como nos tornamos humanos, portadores de características
psicológicas que nos fazem iguais a todos os seres humanos, porém,
seres humanos que se desenvolvem nos embates próprios da nossa
sociedade e produzem processos de consciência inerentes a essa
realidade: esses processos são gerais, mas determinados por
necessidades e possibilidades inerentes à vida neste País (ALVES,
CORRER, LEÃO, 2005, p. 56)
Dessa forma, constatam-se as dificuldades para o ensino em Psicologia no Brasil, visto
que os instrumentos e teorias utilizados ainda não englobam a realidade social histórica e
acabam por se resumirem apenas em identificar os problemas e/ou patologias existentes nos
indivíduos, calcados em uma visão individualista e justificada atualmente pelos desvios
sociais.
Os autores afirmam que ensinar Psicologia até os dias de hoje tem sido basicamente
reproduzir verdades que não permitem dúvidas e questionamentos, enquanto o que deveria
acontecer é o contrário. O ensino desta ciência deveria ser grande possibilitador de novas e
constantes indagações, ou seja, a formação deveria simultaneamente designar à produção de
pesquisas, como expõem os autores: “A pesquisa concebida como método de exploração da
realidade, como uma prática de pensar é que precisa do seu lugar na trajetória de formação
dos futuros psicólogos” (ALVES, CORRER, LEÃO, 2005, p. 59).
Para o ensino da Ciência Psicológica deve haver um compromisso maior em se
conhecer a realidade deste país visto que somente assim, o conhecimento será transmitido e
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reconstruído a todo momento de forma verdadeira e válida. De acordo com os autores, as
formas de atuação na educação também são interações sociais, como o próprio homem que é
“caracterizado por iniciar e interpretar suas interações com seu ambiente físico e social”
(ALVES, CORRER, LEÃO, 2005 p. 67). Daí a importância da pesquisa que visa novos
conhecimentos calcados na realidade social e histórica momentânea e que seja questionada,
revista, reestruturada e principalmente refletida continuamente. Pois:
Não se fazem coisas porque elas precisam ser feitas no passado, ou
porque as queremos feitas no futuro. A única dimensão significativa
do tempo é o presente, porque ele contém o passado e prepara o
futuro, e o presente é sempre realizado na conduta efetiva (ALVES,
CORRER, LEÃO, 2005, p.67).
Ao expor sobre os desafios da formação do psicólogo, partindo da relação entre
psicologia e compromisso social, Mitjáns Martínez (2003) afirma que ao considerar o
indivíduo como eixo da produção e utilização do conhecimento psicológico numa prática
comprometida se coloca em primeiro lugar, a discussão sobre a subjetividade do psicólogo e
especialmente de sua condição de sujeito.
Assim sendo, ela ressalta que:
“Se a subjetividade não é um processo inato e natural, mas constituída
nos espaços sociais de relação dos indivíduos, existe a possibilidade
de delinear esses espaços sociais para contribuir para a constituição de
recursos subjetivos necessários para uma ação comprometida
socialmente” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003, p. 149).
A autora demonstra que, sendo a subjetividade humana constituída socialmente por
meio das relações entre os indivíduos, é possível mover ações para que dentro dos próprios
espaços que se destinam a formação de psicólogos se desenvolvam características que visam a
contribuir para formar os recursos subjetivos necessários para uma prática científico-
profissional socialmente comprometida.
Preocupada em esclarecer este pensamento, a autora explica que de acordo com a
complexidade do desenvolvimento da subjetividade não é possível estabelecer relações de
causa e efeito, pois é conhecida através de estudos científicos a singularidade deste processo e
a diversidade de mecanismos que nele atuam. Trata-se então, conhecendo os limites que
envolvem qualquer estratégia educacional, de estruturar ações que contribuam dentro desses
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limites para gerar contextos favorecedores dos recursos desejados (MITJÁNS MARTÍNEZ,
2003).
Para esta autora, o conhecimento psicológico não tem sido utilizado em prol da
formação do próprio profissional psicólogo. O que a leva assim, a considerar que “a educação
formalizada, e dentro dela a educação superior, é ainda, infelizmente, essencialmente
conteudista, centrada na transmissão de conhecimentos e apenas em algum grau no
desenvolvimento de habilidades profissionais operacionais” (Idem, p. 153). E, mesmo com a
preocupação expressa por vários autores brasileiros em relação à formação do psicólogo no
país, não se observam saltos significativos nessa direção. E argumenta que:
Sem dúvida se tem avançado na clarificação do que o psicólogo tem
que “saber” e especialmente do que o psicólogo tem que “saber fazer”,
porém muito nos falta em relação a clarificar o que tem que “ser”,
aspecto que cobra especial importância se temos em conta que o saber
e o saber fazer são expressões de um sujeito que “é” (Idem p. 155).
Desta forma, a autora argumenta que já existem na produção científica da psicologia
suficientes subsídios para desenhar estratégias educativas, nas quais recursos pessoais
importantes para o exercício compromissado da profissão são suscetíveis de desenvolvimento
(MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003).
E ressalta também sobre a importância da significação do compromisso social para os
professores que são formadores de psicólogos. Segundo ela, para mover ações intencionais
para a formação de psicólogos comprometidos socialmente, se fazem necessária abertura,
flexibilidade, audácia, uma cultura psicológica ampla e concepções educativas avançadas aos
formadores de psicólogos. E principalmente, “um compromisso profissional e social como
sujeitos que lhes permita utilizar suas capacidades, criatividade e energia para contribuir com
a mudança da situação atual da formação” (Idem, p. 157). E sobre isso revela:
“No entanto, muitos professores universitários não possuem essas
características e não são capazes de contribuir efetivamente para as
transformações necessárias. Mesmo que concordem com o discurso,
às vezes vazio e formal do “compromisso social”, não tentam discutir
a fundo seu significado e muito menos despender tempo e esforço
para tentar concretizá-lo, efetivamente, na formação de seus alunos”
(MITJÁNS MARTÍNEZ, 2003, p. 157).
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Assim, percebe-se que uma discussão sobre a questão do compromisso social da
psicologia e/ou do psicólogo no Brasil, implica inicialmente, em revelar os caminhos
percorridos pela formação em psicologia por meio de uma análise crítica que permita
compreender todas as dimensões que estão contidas nesta temática. Pois, para entender como
se dá a profissão e o desenvolvimento da proposta de atuar com compromisso social é
imprescindível antes saber como se estrutura a formação desta categoria.
3.2. O Social e a Questão Social
Durante todo o desenvolvimento do projeto e efetivação desta pesquisa a discussão de
alguns conceitos como o “social” e a “questão social” se fizeram essenciais, devido à
constância em que tais temas surgiram dentro deste contexto e principalmente devido as
formas naturalizadas em que eles se apresentam, evidenciando assim, a necessidade de um
questionamento sobre o que são e como se manifestam dentro dessa conjuntura. Portanto, a
proposta deste capítulo é introduzir uma discussão acerca desta temática, ressaltando que ela é
muito mais abrangente e complexa.
Deste modo, ao propor uma genealogia do social, Silva (2005) justifica que certas
questões sempre fizeram presente na sua trajetória de professora de psicologia social, como o
fato de que a noção de social sempre se deu como se fosse algo intrínseco à condição humana,
usado como sinônimo de sociabilidade, como algo natural e por isso dispensável de
interrogação. Em conseqüência, a proposta de discutir a definição do termo social sempre foi
dificultosa e a de entender qual a função da psicologia social mais ainda.
Para ela, é preciso conceber o social como um campo problemático que possui uma
historicidade e configurações adversas nas mesmas condições humanas e, além disso, é
necessário saber problematizá-lo a partir de uma pesquisa genealógica para compreender que
o social jamais será um objeto real e concreto. Segundo esta autora, em uma perspectiva
genealógica tal como foi desenvolvida por Michel Foucault, o social deixa de ser evidência e
passa a ser tomado como objeto construído e a primeira conseqüência disso é nos depararmos
com a sua multiplicidade. E assim esclarece:
Precisamos admitir que não vamos encontrar apenas uma
configuração do social, mas várias: cada formação histórica cria um
campo de possibilidades de onde emerge uma certa problemática que
engendra, ao mesmo tempo, uma configuração específica do social
(SILVA, 2005, p. 17).
17
Isto esclarecido, a autora coloca que o importante é “poder compreender quando o
social passa a ser formulado um problema que requer um tipo de intervenção específica”
(Idem). Isto significa que a partir do momento em que certas relações começam a ser vistas
como “disfunções” dentro de determinadas sociedades é que se pode falar em
“problematização do social”. E ao falar em problematização do social, inicia-se o processo de
criação de um corpo profissional específico para se ocupar dessas “disfunções”.
Silva (2005) explana, de acordo com o exposto, que a primeira configuração do social
se caracteriza em torno de um campo assistencial, no qual a sociedade começa a criar espaços
institucionais que se ocupam por assistir populações carentes que não tem mais suas
necessidades supridas dentro do tecido de relações informais da própria sociedade. Como é o
caso dos asilos, dos hospícios e dos orfanatos, por exemplo.
Para esta autora, esta primeira configuração do social é o que Castel (1995) chamou
de modelo “social-assistencial”, e que se caracteriza pelo desenvolvimento de um conjunto de
práticas que possuem função protetora e integradora, com o objetivo de atender certos
segmentos da população carente, mas que para isso delimita alguns critérios para definição
daqueles que serão atendidos, como pertencer à comunidade e a incapacidade para trabalhar.
Nessa primeira configuração do social já se revela uma relação explícita com a
questão do trabalho, “uma vez que a operacionalização de certos dispositivos assistenciais
estará relacionada preferencialmente aos que são julgados incapazes de trabalhar” (SILVA,
2005, p. 20). E que por esta razão “até metade do século XIX, a problematização do social se
encontrará ligada às formas de intervenção que caracterizam o campo assistencial” (Idem).
No entanto, ao descrever sobre a segunda configuração do social, a autora afirma que é
a nova organização da sociedade industrial que vai colocar em evidência uma dimensão
diretamente implicada na questão do trabalho, que não mais se limita apenas a uma
demarcação das populações concernidas pelo campo assistencial em função de sua
incapacidade ou não de trabalhar. E que, “portanto, um dos elementos que precipitará a
formulação do que daí por diante será chamado de “questão social” é, seguramente, uma
reorganização do mundo do trabalho” (SILVA, 20005, p 23). Nessa segunda configuração do
social é possível perceber então, um novo tipo de relação entre a questão do trabalho e da
pobreza.
Tendo em vista essas características das configurações do social, a autora reforça:
[...] o que marca a diferença entre a primeira e a segunda configuração
é precisamente o novo estatuto do social nesta última. O social não se
18
caracterizará apenas por um conjunto de práticas que buscam regular
os disfuncionamentos da sociedade. Essa característica que já marcava
a primeira configuração do social, permanecerá na segunda, embora
seja atualizada diferentemente em função dos problemas que atingem,
desta vez, a dinâmica da sociedade industrial. O importante é que
agora, nesta segunda configuração, o social se torna, além de tudo, um
objeto de conhecimento. Aí reside a principal diferença com relação à
primeira configuração: a objetivação do social enquanto um novo
domínio de saber (SILVA, 2005, p. 26).
Deste modo, dentro desse processo de objetivação do social, o fenômeno das
multidões desempenhou um papel decisivo, segundo a autora, principalmente porque suas
reivindicações tornavam evidentes as contradições inerentes à dinâmica do projeto liberal. E
ressalta ainda, que a psicologia moderna efetuou suas primeiras aproximações na direção do
social através do fenômeno das multidões.
Sobre isso Silva (2005) dedica um capítulo de seu estudo, para segundo ela, tentar
entender a gênese da noção social no campo psi, e faz isso por meio da análise de três
aproximações diferentes do campo da psicologia em relação ao social, as quais aqui serão
apenas mencionadas.
A primeira tem como objeto o problema originado pelas massas no final do século
XIX, e as idéias apresentadas por Le Bon sobre o caráter irracional das multidões, idéias estas
que constituem um dos principais ingredientes desta primeira aproximação e contribuem para
certa patologização do social. A segunda está relacionada com as transformações sofridas pela
família quando esta perde sua antiga função social enquanto meio de reprodução econômica
no século XIX, e as obras de Freud que atribui uma nova função à família no plano de uma
economia subjetiva. A terceira, diz respeito ao modo pelo qual a psicologia americana
aproxima-se do social através do estudo dos efeitos da interação grupal no aumento da
produtividade (SILVA, 2005, p.53).
E assim considera que:
[...] a característica comum destas primeiras aproximações efetuadas
na virada do século XX é o fato de elas se organizarem em torno de
um mesmo principio analógico que reforça o método das divisões
binárias sobre o qual são construídas suas respectivas argumentações
19
que pretendem explicar o social a partir do indivíduo e que, assim, não
cessam de produzir um expressivo reducionismo do potencial criativo
e disruptivo imanente ao campo social (idem, p. 54)
Toda essa análise permitiu a autora traçar a terceira configuração do social que,
segundo ela, nos é contemporânea e apresenta-se como um esboço por ser aberta e inacabada
e por não significar que as outras duas configurações tenham sido superadas ou que tenham
deixado de existir.
Esta terceira configuração do social é caracterizada por uma revolução tecnológica e
cibernética que produz um novo arranjo do tecido social a partir do advento de novas
tecnologias, o que aliado a uma concentração de poder do capital dá condições para criação de
uma nova ordem mundial, conhecida pela expressão “globalização”. E logo, é possível dizer
que a principal característica dessa configuração do social “é estabelecer novas coordenadas
nas relações de tempo-espaço, criando uma superfície lisa para a expansão “ilimitada” do
capital que vai sem dúvida afetar os modos de existência em escala planetária” (Idem, p. 111).
Assim, toda explicação sobre o funcionamento das sociedades nesta configuração
passa pela expressão “globalização”, as transformações no mundo do trabalho são um dos
principais efeitos desse processo de globalização, que na verdade mascara todo um processo
de aumento da violência e da miséria inerente à nova ordem do capitalismo mundial. Nesta
configuração, a estratégia do capitalismo opera menos por exclusão e mais em termos de uma
estratégia de inclusão diferencial e os tipos psicossociais encontrados são o consumidor e o
especulador (SILVA, 2005).
Com uma discussão intensa, a qual aqui foi mencionada resumidamente, a autora
encerra considerando que:
“[...] a função da psicologia social na atualidade é a de realizar uma
ontologia do presente e colocar em questão quem somos e qual é este
mundo, este período em que vivemos. É do encontro com estas
questões e da violência que elas provocam em nosso pensamento que
se pode produzir a criação de novos territórios existenciais que
possibilitem re-singularizar a subjetividade contemporânea em cima
de novos valores” (Idem, p. 126).
Em conseguinte, considera-se importante aclarar brevemente sobre a discussão que fez
Castel (1997), especificamente sobre a questão social e as transformações desta. Dessa forma,
20
este autor descreve que “a questão social é como uma aporia fundamental, uma dificuldade
central, a partir da qual uma sociedade se interroga sobre sua coesão e tenta conjurar o risco
de sua fratura” (CASTEL, 1996, p.164) e que tal situação tem seu início bem ilustrado com a
industrialização ocorrida no início do século XIX, quando a ameaça da fratura foi
representada pelos proletários das primeiras concentrações industriais. E deste modo, é
possível perceber a importância do desenvolvimento das relações do trabalho dentro desta
temática para este autor, assim como também concebeu Silva (2005).
Castel (1996, p.165) pontua que “a nova questão social hoje parece ser o
questionamento desta função integradora do trabalho na sociedade” e que, muito disso se deve
ao novo desafio que se deparam as sociedades atualmente, desafio este chamado de
globalização, o qual traz mudanças estruturais em toda ordem social.
O autor ainda ressalta que, a despeito de suas explanações dizerem respeito à realidade
européia e mais especificamente a francesa, não há como negar que a situação seja mais grave
aqui no Brasil e em toda a América Latina, mas que isso, acredita ele, seja mais por uma
diferença de grau do que de natureza. E que assim, não é possível propor receitas para o que
pode ser feito frente a essa situação, é possível apenas contar com o debate entre os
interessados nesta problemática.
Dentro deste debate, considera que alguns pontos devem ser abordados, como o
processo de transformação do trabalho em emprego, a forma como a configuração da
sociedade salarial vem sendo condicionada por processos como a internacionalização do
mercado e a mundialização e, diante dessa nova configuração da questão social, que futuro
pretendemos ter? (CASTEL, 1996)
Em outro trabalho apresentado por Pastorini (2004) encontra-se um estudo acerca das
formas como a categoria “questão social” vem sendo empregada. Tal autora faz uma crítica
aos autores que vem tratando desta temática, dentre eles Robert Castel, como a “nova questão
social”. Pois, considera que desta maneira perde-se a processualidade dos fatos como se a
“antiga questão social” tivesse sido superada e/ou resolvida.
Segundo Pastorini (2004), esta problemática pensada à luz das transformações
políticas, econômicas e sociais que vem ocorrendo nos últimos trinta anos nas sociedades
capitalistas, faz com que a questão social venha se manifestando de novas formas, mas
mantêm os traços essenciais de sua origem. E por isso não deve ser encarada como uma “nova
questão social” com o risco de cair no dualismo antigo-novo, passado-presente etc.
Desta forma, ela ressalta que as “manifestações da questão social devem ser
explicadas com base no confronto de interesses contraditórios que trazem como conseqüência
21
as desigualdades nas sociedades capitalistas” (PASTORINI, 2004, p. 38) e para isso considera
essencial fazer referência às mudanças ocorridas no mundo da produção e, mais precisamente,
no mundo do trabalho, ou seja, seria “impossível explicar e analisar as manifestações da
questão social hoje sem fazer referência ao contexto mais abrangente da reestruturação
produtiva” (Idem, p.37).
E aponta que:
Trata-se de desvendar no mais novo aquilo que permanece, já que só
pode ser novo em relação a algo (àquilo que não é novo), portanto, o
mais novo deve ser explicado em relação àquilo que lhe antecede.
Nesse sentido, a realidade contemporânea nos dará luz para
compreender o passado, e vice-versa; as novas determinações devem
ser pensadas a partir dos desdobramentos das antigas, pois só dessa
forma poderemos acompanhar o movimento histórico e dialético do
real (PASTORINI, 2004, p. 48-49).
Dessa forma, afirma que ao pensarmos nas manifestações da questão social hoje, como
por exemplo, o desemprego crescente, e o aumento da miséria e das desigualdades sociais;
devemos obrigatoriamente pensar no desenvolvimento do capitalismo tardio e dependente da
América Latina. Isto significa que devemos questionar tanto o processo do sistema capitalista
quanto o Estado por ele constituído, visto que o não questionamento leva a perda da
processualidade dos fatos e a conseqüente naturalização dos fenômenos da realidade.
Ao concluir seu pensamento Pastorini (2004, p. 112) também observa que a “questão
social capitalista continua sendo um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como
os homens se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que
tem suas expressões na esfera da reprodução social”, e de acordo com isso salienta que as
manifestações da questão social nas sociedades capitalistas por si só não se dão da mesma
forma, visto que dependem de particularidades específicas de cada formação social como, por
exemplo, a forma de inserção de cada país na ordem capitalista.
Deste modo, a novidade da questão social atualmente seria a forma que ela assume a
partir das transformações capitalistas em cada sociedade e momento histórico.
A partir dessa breve discussão acerca do “social” e da “questão social” e mais
precisamente sobre as configurações destas temáticas engendradas nas sociedades, é possível
refletir com mais teor a respeito do tema deste trabalho. Visto que, essa discussão, oferece um
22
princípio de fundamentação para quem deseja compreender e/ou debater a proposta do
compromisso social da psicologia
3.3. O Compromisso Social
Por meio da trajetória da Psicologia enquanto ciência e profissão no Brasil é possível
perceber o surgimento desse projeto denominado atualmente como o compromisso social da
Psicologia e/ou do psicólogo. Visto que tal proposta emergiu como algo óbvio e inevitável
diante da realidade social e política e do contexto histórico no qual se consolidou essa
profissão neste país.
Inúmeros são os trabalhos que descrevem acerca do tema e é possível identificar em
todas as leituras um único consenso que compartilham os autores, qual seja o da
obrigatoriedade em haver um compromisso social na intenção de quem atua como psicólogo.
Pois, tal postura implica em conhecer a realidade sócio-histórica na qual os fenômenos
psicológicos estão se desenvolvendo e compreender que o homem é um ser que constrói e é
construído pela sociedade, sendo assim, indissociáveis um do outro.
Para Bock (1999b, p.321), “discutir o compromisso social da Psicologia significa,
sermos capazes de avaliar a sua inserção, como ciência e profissão, na sociedade e
apontarmos em que direção a Psicologia tem caminhado”. Neste sentido, a referida autora se
propõe a responder duas questões para contribuir para este debate: 1ª) Por que hoje se coloca
esta exigência para a Psicologia, de atuar com compromisso social? e 2ª) Quais os critérios
para se afirmar que a intervenção “demonstra compromisso social”?
Ao responder a primeira questão, a autora expõe dados sobre a realidade brasileira e as
péssimas condições de vida em nosso país e acaba por afirmar que:
[...] hoje, se coloca essa exigência porque as condições de vida do
nosso povo estão se deteriorando; há muita pobreza, muita carência e
estas situações têm gerado sofrimento psíquico e nós psicólogos, já
não podemos mais estar de costas para esta realidade. Ela entra pela
nossa casa; ela se estampa nos jornais e na televisão; ela nos atinge em
nosso trabalho. A realidade já é tão evidente que nos perturba e nos
coloca questões. (BOCK, 1999b, p. 323).
23
Sobre isso ela ainda pontua que outra questão pode surgir com o argumento de que a
realidade brasileira sempre foi vivida com dificuldades e por que agora se coloca esta
exigência? A resposta para tal questão é fundamental, qual seja, “porque a Psicologia vem se
transformando e vem se aproximando de visões concretas e históricas, abandonando as visões
naturalizantes que ainda caracterizam nossa ciência e nossas técnicas.” (Idem).
Isto nos remete a lembrar novamente, o histórico deste campo de saber no país que a
princípio se detinha apenas em reproduzir os conceitos e modos de atuação cristalizados
advindos de outros países e que infelizmente ainda caracterizam a profissão no Brasil,
embora, o que seja mais importante aqui é que este quadro atualmente vem se modificando,
pois, a “Psicologia está, então, se abrindo para estas questões e isto coloca o compromisso
social como uma possibilidade, como uma exigência, como um critério de qualidade da
intervenção” (Idem, p.325)
A autora responde a segunda questão, ressaltando que não pretende esgotar os critérios
possíveis para a intervenção com compromisso social, mas apenas apontar os que lhe parecem
importantes. Em primeiro lugar, “o trabalho do psicólogo deve apontar para a transformação
social, para a mudança das condições de vida da população brasileira”. Outro critério é
“verificar se a prática escapa do modelo médico de fazer Psicologia. Isto é, se a prática
desenvolvida não pensa a realidade e o sujeito a partir da perspectiva da doença”. E
finalmente, o terceiro critério seria “o tipo de prática que se utiliza”.
Ao analisar o pensamento de Bock (1999b), verifica-se que sua preocupação com a
atuação com compromisso social visa primeiramente à finalidade do trabalho, ressalta que ao
falar de compromisso fala-se, portanto de uma perspectiva ética, e assim, o que vale é a
intenção; a finalidade do trabalho. Segundo a autora, o psicólogo não pode mais ter uma visão
individualizante do sujeito, como se ele existisse só e por si só; o psicólogo deve entender o
Homem concebido dentro de uma sociedade e assim fazer com que qualquer intervenção seja
vista como social, para que, a partir disso, consigamos entender que o sofrimento psíquico
tem a ver com as condições de vida do sujeito e que a prática psicológica remete, ou pelo
menos deveria remeter diretamente a uma transformação da sociedade.
Para melhor explicitar esta postura vale alvitrar o livro: “Aventuras do Barão de
Münchhausen na psicologia”, escrito por Bock (1999a), como fruto de seu trabalho de
doutorado. Neste livro é proposta uma crítica à concepção positivista de um homem
autônomo, utilizando a figura do Barão de Münchhausen, visto que este homem dizia ter sido
capaz de puxar a si próprio pelos seus cabelos e sair do pântano onde estava afundando. “Um
homem que é dotado de capacidades e possibilidades que lhe são inerentes, naturais. Um
24
homem dotado de uma natureza humana que lhe garante, se desenvolvida adequadamente,
ricas e variadas possibilidades” (BOCK, 1999a, p.182). Este homem considera a sociedade
apenas como o lugar onde ele se desenvolve, todas as suas potencialidades são naturais e
garantidas pela sua própria condição de homem. É esta concepção que deve ser banida da
Psicologia. Para tanto, destaca:
Temos feito ideologia. Temos contribuído para o desenvolvimento do
sujeito alienado. Compreender-se é compreender o mundo que está a
nossa volta, pois é ele que nos dá sentido.
É preciso discutir o indivíduo. É preciso colocar em questão a ênfase
na individualidade. É preciso terminar com as aventuras do Barão de
Münchhausen na Psicologia (BOCK, 1999a, p.194-195).
Em seguida, de acordo com o segundo critério para analisar a prática psicológica com
compromisso social, a autora sugere que o psicólogo deixe de ver o sujeito a partir da
perspectiva da doença e ter sua prática facilmente limitada. Ao psicólogo, entretanto, cabe
trabalhar em busca da saúde de maneira mais ampla e abrangente, possibilitando ao próprio
sujeito criar alternativas para modificar sua realidade.
No terceiro critério indicado, Bock pontua sobre os tipos de técnicas que os psicólogos
têm utilizado, as quais por muito tempo contemplaram apenas a uma determinada camada da
população, e que por isso são muito distantes da realidade social brasileira e não conseguem
atingir a todos os interessados. Para a autora é preciso inovar, pois, “nossa formação tecnicista
tem nos ensinado coisas prontas para aplicar. Precisamos nos tornar capazes de criar
Psicologia, adaptando nossos saberes à demanda e à realidade que nos apresenta” (BOCK,
1999b, p.327).
Ao concluir sobre a questão do compromisso social da psicologia ela ressalta que:
Assumir um compromisso social em nossa profissão é estar voltado
para uma intervenção crítica e transformadora de nossas condições de
vida. É estar comprometido com a crítica desta realidade a partir da
perspectiva de nossa ciência e de nossa profissão. É romper com
500anos de desigualdade social que caracteriza a história brasileira,
rompendo com um saber que oculta esta desigualdade atrás de
conceitos e teorias naturalizadoras da realidade social. Assumir
compromisso social em nossa prática é acreditar que só se fala do ser
25
humano quando se fala das condições de vida que o determinam
(Idem).
E ressalva ainda, que tudo isso remete a necessidade de transformação da identidade
profissional do psicólogo lembrando que identidade é sempre metamorfose e que por isso não
devemos transformá-la e nos aquietarmos, mas sim reconstruí-la, sempre acompanhando as
mudanças da realidade social de nosso país. E por fim, conclui: “Queremos estar em busca
permanente, em movimento sempre. Queremos que o movimento seja a nossa identidade e
que a inquietação seja nosso lema” (BOCK, 1999b, p.328).
Em consonância com todo o pensamento exposto encontramos na leitura de
Dimenstein (2001), escritos sobre o compromisso social, agora mais especificamente no
contexto da saúde coletiva. Neste trabalho esta autora apresenta uma discussão acerca do tema
apoiada em dados de uma pesquisa realizada em Natal/RN e Teresina/PI acerca da questão do
comprometimento social dos psicólogos que trabalham na rede básica de saúde destas duas
cidades nordestinas.
A princípio, a autora descreve sobre o Sistema de Saúde Pública brasileiro e em
seguida pontua o que considera ser compromisso. Para isso escreve que “[...] compromisso
implica necessariamente em uma tomada de posição; envolve decisão por parte de um
Sujeito/Ator Social e ocorre no plano das ações, da realidade concreta” (DIMENSTEIN,
2001, p.58-59). E com as palavras de Paulo Freire destaca: “A primeira condição para que um
ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir” (FREIRE, 1998,
p.16 apud DIMENSTEIN, 2001, p.59). Deste modo, somente um sujeito que conhece a
realidade sócio-histórica, política e cultural na qual está inserido é capaz de mover ações que
visam a transformar tal realidade.
Os resultados da investigação realizada mostram que para os psicólogos entrevistados,
estar comprometido com o trabalho restringe-se ao cumprimento de tarefas que consolidam o
antigo modelo de identidade desta profissão e que, esses dados, portanto, demonstram que o
psicólogo deve incorporar uma nova concepção de prática profissional. A autora ainda
salienta que “[...] a formação acadêmica não tem fornecido elementos para a construção de
um profissional-cidadão com possibilidade de intervenção adequada aos espaços territoriais
locais [...]” (DIMENSTEIN, 2001. p.62). Ela finaliza afirmando que:
No panorama atual da saúde coletiva, o compromisso profissional não
é uma questão burocrática, mas, especialmente, o desenvolvimento de
26
ações/reflexões cuja intencionalidade prática e política é produzir
cidadania ativa, sociabilidade e novas subjetividades (Idem).
Com este estudo verifica-se, mais uma vez, a crucial importância da questão do
compromisso social da Psicologia, desta vez sendo destacada dentro do contexto da Saúde
Pública no Brasil, a partir do modo de atuação e concepção dos próprios psicólogos que nessa
esfera atuam. Os resultados mostraram que ainda é necessário um constante movimento de
transformação que atinja a categoria em todas as suas dimensões e que por mais que essa
discussão pareça obsoleta, a realidade denuncia sua necessidade permanente.
Antes de finalizar esta discussão, é necessário apresentar as idéias de Yamamoto
(2007), não apenas por serem tão recente, mas pela sua devida relevância dentro desse
contexto. Este autor discutiu as possibilidades e os limites do trabalho do psicólogo no campo
de bem-estar social/público incluindo o chamado “terceiro setor” para contextualizar a
discussão dos limites do compromisso social do psicólogo. Tal relevância se faz notar porque
o autor ao passo que admite a existência deste assunto dentro do campo da Psicologia no
Brasil por tanto tempo, entende que a questão dos limites não vem sendo muito explorada,
apesar de que sempre esteve presente.
Yamamoto (2007) pontua que essa discussão sobre o compromisso social do psicólogo
há muito vem acompanhando a trajetória da Psicologia, mesmo que com acepções diversas.
Ele afirma que se compararmos os dados referentes à atuação do psicólogo no setor público
nas primeiras décadas da regulamentação da profissão com os dados atuais, verificaremos que
houve um considerável aumento do número destes profissionais atuando sobretudo, no setor
público da saúde.
Para explicar melhor, o autor expõe sobre as Políticas Sociais no Brasil, pois as
concebe como indispensáveis à “questão social”, visto que, as primeiras acabam por serem
assim chamadas, no plural, porque necessitam se fragmentar em dimensões específicas para
abarcar toda a totalidade da segunda, ou seja, da questão social. Segundo o autor, “É na forma
de políticas setorizadas que as prioridades no campo social são definidas. E política, é sempre
conveniente lembrar, é conflito [...]” (p.32). Por isso e, a partir disso, entendem-se os conflitos
existentes entre as diferentes classes econômicas que surgem de acordo com os diferentes
interesses na distribuição de valores feita pelas Políticas Sociais Públicas. Tais conflitos
acabam por fazer com que os serviços oferecidos pelas Políticas Sociais do Estado, na maioria
das vezes, deixem a desejar para a população (YAMAMOTO. 2007).
27
Ao trazer essa realidade para o contexto da discussão sobre o compromisso social da
Psicologia Yamamoto (2007, p.32) escreve:
Intervir como profissão (entendida como uma prática
institucionalizada, socialmente legitimada e legalmente sancionada),
no terreno do bem-estar social, portanto, remete a Psicologia para a
ação, exatamente, nessas seqüelas da questão social transformadas em
políticas estatais e tratadas de forma fragmentária e parcializada, com
prioridades definidas ao sabor das conjunturas históricas particulares.
Isto conferirá tanto a relevância quanto os limites possíveis da
intervenção do psicólogo.
Em conseguinte, o autor traz o surgimento do referido terceiro setor como algo lógico
nesta conjuntura, porque “a responsabilidade pelas seqüelas da “questão social” [...] deixa de
ser do Estado – ou, pelo menos, exclusividade do Estado – sendo “dividida” com dois outros
“setores”, o mercado e a sociedade civil” (YAMAMOTO, 2007, p. 33). A sociedade civil,
neste contexto, desempenha importante papel com o serviço filantrópico, voluntário, não
governamental e sem fins lucrativos. O que pode ser traduzido como um recorte da sociedade
civil em esferas, “o estado constituindo-se como “primeiro setor”, o mercado no “segundo
setor” e a sociedade civil no “terceiro setor” (Idem).
A questão que este autor quer deixar clara é a transferência da responsabilidade por
parte do Estado em relação à questão social, a qual se transfere para o “terceiro setor”, que
também traz a despolitização dos conflitos sociais e acaba por acarretar grande importância a
esse novo setor. O que por sua vez, pode ser identificado, dentro da conjuntura da Psicologia
enquanto profissão, como uma ampla possibilidade de trabalho para esta categoria, deixando
de permanecer exclusivamente na esfera particular e partindo para outros setores que agora
não tem a esfera pública como única escolha, para este autor, a atuação do psicólogo
atualmente tem grande abertura no contexto do chamado “terceiro setor”.
Contudo, Yamamoto (2007) escreve que mesmo que os campos de atuação do
psicólogo brasileiro já tenham se modificado, mesmo que com uma mudança tendencial, a
abrangência da questão do compromisso social não se restringe a ação profissional do
psicólogo. É necessário desenvolver uma discussão acerca da “natureza (como esse
compromisso é exercido) e direção (para quê) desse compromisso”. (p.34) Ao expor sobre a
natureza o autor salienta que mesmo tendo seus campos de atuação ampliados para o setor do
bem-estar social, os psicólogos, como já ressaltaram outros autores, ainda mantém os
28
convencionais modelos de atuação clínica aprendidos pelas referências teóricas clássicas da
Psicologia. Quanto à direção do trabalho do psicólogo, o autor remete ao pensamento de Bock
(1999b) lembrando que a atuação deve apontar para a transformação da realidade social. E
comenta que:
Na realidade, os dois aspectos adicionais à abrangência que
destacamos articulam-se muito estreitamente – não estaríamos, aqui,
defendendo a neutralidade da técnica. As questões postas pela tese da
transformação social são as possibilidades e os limites da ação
profissional (YAMAMOTO, 2007, p.35).
De tal modo, o autor destaca que há uma necessidade de discutir o conceito de
profissão, lembrando sempre que o fazer do psicólogo enquanto trabalho é uma das
especializações inscritas na divisão social e técnica do trabalho, e por isso ao se fazer uma
crítica aos modelos de atuação do psicólogo é preciso evitar exigências que vão além de suas
possibilidades. Pois, como já foi mencionada neste texto, a intervenção que age na esfera da
questão social sempre será uma intervenção parcializada e tem assim, seus limites.
Desta forma, Yamamoto conclui que seja qual for o envolver da Psicologia e de toda a
prática profissional, estes devem ser postos em contexto e que:
[...] o desafio posto para a categoria é ampliar os limites da dimensão
política de sua ação profissional, tanto pelo alinhamento com os
setores progressistas da sociedade civil, fundamental na correlação de
forças da qual resultam eventuais avanços no campo das políticas
sociais, quanto pelo desenvolvimento, no campo acadêmico, de outras
possibilidades teórico-técnicas, inspiradas em outras vertentes teórico-
metológicas que as hegemônicas da Psicologia (YAMAMOTO, 2007,
p. 36).
A partir da exposição do pensamento destes autores é possível concluir que falar do
compromisso social da Psicologia e/ou do psicólogo brasileiro é antes de qualquer coisa falar
do desenvolvimento desta categoria profissional no Brasil e de suas relações com o processo
de ensino-aprendizagem acadêmico, considerando todas as suas dimensões, sejam elas
políticas, teóricas, pedagógicas etc. E considerar que vivemos em uma sociedade contraditória
e que, por isso mesmo, tais contradições também devem estar presentes nessa discussão,
remetendo-nos sempre a refletir sobre as condições sociais e históricas que nos cercam.
29
4. PROCEDIMENTO
Para atender aos objetivos desta pesquisa considerou-se adequado um estudo descritivo
no modelo de levantamento, pois, segundo Gil (1995), este tipo de pesquisa se caracteriza
pela interrogação direta das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Basicamente,
procede-se à solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do
problema estudado para em seguida, mediante análise qualitativa e/ou quantitativa, obter as
conclusões correspondentes aos dados coletados.
No caso do presente trabalho a análise foi qualitativa e o projeto desta pesquisa foi
aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Taubaté sob o protocolo CEP/UNITAU
nº: 325/08.
Inicialmente, a proposta deste estudo era de que a pesquisa se realizasse dentro das três
Universidades do Vale do Paraíba que oferecem o curso formação em psicologia, devido ao
fato desta ser a região de realização do trabalho. No entanto, infelizmente, uma das
Universidades empôs exigências as quais inviabilizaram a realização da pesquisa dentro da
mesma. Assim, este trabalho se desenvolveu dentro de duas Universidades do Vale do
Paraíba.
Em um primeiro momento, a aluna pesquisadora entrou em contato com os responsáveis
pelo curso de cada Universidade para a apresentação da pesquisa (ver anexo A), e após a
autorização destes, iniciava-se o procedimento de encontrar alunos que de dispusessem a
serem sujeitos desta pesquisa mediante autorização por escrito (ver anexo B).
Desta forma, foram participantes dessa pesquisa oito alunos que estavam cursando o
último ano do curso de Psicologia, ou seja, quatro alunos de cada Universidade. Sendo que,
seis eram do sexo feminino e dois eram do sexo masculino, isso porque, como a maioria dos
estudantes de psicologia no Brasil é do sexo feminino, não foi possível encontrar e/ou obter
consentimento de número de alunos do sexo masculino equivalente ao número de alunos do
sexo feminino. Tais alunos tinham idades entre vinte e dois e trinta e dois anos.
Esta amostra foi selecionada por acessibilidade, pois segundo Gil (1995), este constitui
o menos rigoroso de todos os tipos de amostragem. Por isso mesmo é destituída de qualquer
rigor estatístico. O pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes
possam de alguma forma, representar o universo.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizado entrevista semi-estruturada (ver
apêndice A) constituída por quatro questões que visavam obter respostas que fossem de
30
encontro com os objetivos propostos neste trabalho. As entrevistas foram gravadas e após
serem transcritas as fitas foram destruídas (ver apêndice B).
Para analisar os depoimentos dos entrevistados trabalhou-se a análise de conteúdo
realizada a partir do referencial teórico apresentado neste trabalho.
Segundo Ferreira (2008), a análise de conteúdo é usada quando se quer ir além dos
significados, da leitura simples do real. Para esta autora, tudo que é dito, visto ou escrito pode
ser submetido à análise de conteúdo
Criada inicialmente como uma técnica de pesquisa com vistas a uma descrição
objetiva, sistemática e quantitativa de comunicações em jornais, revistas, filmes, emissoras de
rádio e televisão, hoje é cada vez mais empregada para análise de material qualitativo obtido
através de entrevistas de pesquisa (Machado, 1991, p. 53).
A análise realizada enfatizou as entrevistas a fim de identificar e compreender o que
está por trás de cada conteúdo manifesto. “(...) o que está escrito, falado, mapeado,
figurativamente desenhado e/ou simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida
para a identificação do conteúdo manifesto (seja ele explícito e/ou latente)” (MINAYO, 2003,
p. 74).
Deste modo, após a transcrição das entrevistas iniciou-se o processo de organização do
material através de constantes leituras do mesmo. A partir disso, considerou-se mais adequado
separar a análise de acordo com as respostas obtidas para cada questão. E em seguida, os
temas ou assuntos que emergiram em cada questão foram sendo separados em forma de
categorias.
Estas categorias foram colocadas em tabelas para que assim, pudessem ser
acompanhadas de frases retiradas das próprias entrevistas, a fim de uma melhor compreensão
sobre a categoria apresentada.
Feito isso, cada categoria foi discutida a luz do referencial teórico apresentado neste
trabalho e a partir das constatações obtidas pela própria aluna pesquisadora não apenas
durante toda a realização desta pesquisa, mas também durante todo o curso de formação em
psicologia. Visto que esta pesquisadora é também parte do universo aqui representado pelos
alunos entrevistados.
31
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para discutir os relatos coletados por meio das entrevistas, considerou-se adequado
separar a análise de acordo com cada questão e em seguida apresentar as categorias que
emergiram em cada uma delas.
Dessa forma, ao analisar a primeira questão: “O que você entende da relação da
psicologia com o compromisso social?”, é possível identificar as seguintes categorias de
análise destacadas nos trechos das falas dos entrevistados:
1ª categoria: Inserção da psicologia no social Entrevista
“as pessoas não têm a noção da importância dela no social hoje” Nº 1
“eu acho que a psicologia tem que tá voltada mais pro social” Nº 2
“eu acho que a psicologia ela tem que olhar mesmo pro social” Nº 3
“eu acho que a psicologia (...) tem muito a contribuir pro meio social” Nº 5
A primeira categoria, diz respeito à inserção da psicologia no social, isto é, as
respostas que foram inseridas nesta categoria demonstraram que a relação que estabelece da
psicologia com o compromisso social se baseia no quanto, estes entrevistados percebem a
psicologia, enquanto profissão, atuando e promovendo ações efetivamente neste campo social.
A partir das falas dos entrevistados fica evidente que, para eles, esta união entre
psicologia e meio social ainda não é real e/ou suficiente, ou seja, concebem esta relação como
essencial, mas ainda não vêem isso como algo concreto.
Uma provável explicação para essa evidência pode ser percebida em outra fala
bastante presente nestas entrevistas, que diz respeito à necessidade de a psicologia deixar de
ser uma profissão que trabalha, por tradição, para a elite e começar a dirigir seu trabalho para
as outras camadas da população que são mais carentes, possuem menor poder aquisitivo,
muitas vezes estão em situação de risco ou em estado de vulnerabilidade social e que também
necessitam do trabalho oferecido pelos psicólogos. E que neste sentido, a atuação voltada para
a prevenção e promoção de saúde se faz altamente indispensável.
Dentro deste contexto, vários participantes mencionaram ainda o fato de que o
psicólogo não pode mais trabalhar apenas com o modelo clínico e tradicional que há décadas
caracteriza a profissão, pois tal modelo limita a atuação deste profissional e não corresponde a
demanda de toda a população que se insere dentro do que chamaram de meio social.
32
Assim, é possível perceber que os alunos entrevistados verificam, inicialmente, a
precisão do compromisso social da psicologia e/ou do psicólogo de acordo com o que colocou
Bock (1999b) a esse respeito, ao pontuar que essa discussão parte do questionamento a
respeito da direção em que a psicologia tem caminhado na nossa sociedade e que isso nos leva
a refletir sobre as reais condições de vida da nossa população e conseqüentemente sobre os
modelos de intervenção e técnicas cristalizadas que vem sendo utilizadas.
Entretanto, também é possível identificar que, ao falarem dessa necessidade da
psicologia atuar efetivamente no meio social, os alunos entrevistados demonstraram uma
concepção do termo social pouco explorada, indicando que entendem o social como um
sinônimo de sociabilidade, o que vai de encontro com o que foi posto por Silva (2005), onde
pontua que este termo sempre aparece como algo natural e inerente a condição humana,
ocultando assim, sua problemática e historicidade que o fazem ter configurações diversas em
cada sociedade.
Deste modo, tal concepção naturalizada é o que dificulta o questionamento do termo e
sua problematização, fazendo com que assim, não se consiga desenvolver novas formas de
enfrentamento e estratégias de intervenção que possibilitem a real transformação das
condições de vida da maior parte população.
A segunda categoria identificada nesta primeira questão é a seguinte:
2ª categoria: Contribuição para a sociedade Entrevista
“é você ter um compromisso com a sociedade” Nº 4
“tá ajudando mesmo no desenvolvimento da sociedade (...) dessa evolução
toda que vem ocorrendo”
Nº7
As respostas incluídas nesta categoria dizem respeito ao compromisso do profissional
de psicologia em relação à sociedade em que ele está inserido, ou seja, demonstra a
necessidade de atuação do psicólogo visando contribuir com a sociedade de forma geral, a
partir do momento em que faz intervenções específicas, acompanhando as transformações que
ocorrem ao longo do tempo e participando de seu desenvolvimento.
Esta concepção ressalta o que foi pontuado por Bock (1999b) quando diz que para
contribuir para transformações sociais no Brasil é necessário acompanhar as mudanças da
realidade social e ajudar a reconstruí-la. Observa-se, aqui, que os respondentes possuem uma
concepção sobre o compromisso social da psicologia sustentado em postulações não
33
naturalizantes, mas que envolvem a atuação do profissional de psicologia como sujeito com
possibilidades de atuações transformadoras na vida cotidiana da sociedade em movimento.
De acordo com Bock (1999a, 1999bb), a preocupação em contextualizar os fenômenos
psicológicos e em entender o indivíduo dentro de um processo histórico se mostra primordial.
Pois, compreender o mundo a nossa volta é o que nos dá sentido para compreendermos os
próprios indivíduos.
Em conseguinte, destaca-se a terceira categoria para esta primeira questão:
3ª categoria: Compromisso de ajuda Entrevista
“eu acho que a psicologia tem trazido bastante benefícios para ...para
algumas pessoas que necessitam de ajuda...”
Nº 8
Nesta categoria destacou-se a relação de ajuda que é concebida para este campo de
saber, fica evidente neste caso, a concepção de que a psicologia é vista como uma ciência que
vem usando seus conhecimentos para ajudar quem precisa.
Entretanto, o ponto que merece destaque nesta categoria, diz respeito à necessidade de
reflexão sobre que ajuda é essa que está sendo falada? Pois, este termo dentro da psicologia,
quando considerado como algo que dispensa questionamento e melhor conceitualização, tanto
pode levar a um mero reducionismo da atuação do psicólogo, como pode indicar uma prática
duvidosa.
Afirmar apenas que a psicologia ajuda as pessoas é algo muito vago e impreciso. É
necessário discutir sobre as formas pelas quais a psicologia vem concebendo e
desempenhando esta relação de ajuda ao longo de sua história.
No estudo realizado por Bock (1999a), sobre o significado do fenômeno psicológico
na categoria dos psicólogos, constatou-se, entre outros, que a prática profissional aparece
relacionada a conteúdos morais de ajuda ao próximo, de auxílio etc. O que para a autora, é
evidenciado como uma noção onipotente da profissão e de si próprios como profissionais,
como se o psicólogo tivesse em suas mãos a possibilidade de fazer o outro feliz a partir dos
conhecimentos que detém.
Nesta concepção, não se coloca uma finalidade social ou política ao trabalho do
psicólogo, as finalidades ainda estão ligadas a um movimento natural do próprio homem, o
que levou Bock (1999a) a concluir que a maioria das respostas dadas pelos psicólogos se
enquadra na visão liberal de homem e que poucas se encaixam no que denominou de visão
sócio-histórica.
34
E neste sentido, verifica-se uma aproximação com a categoria anterior e o que dizem
os autores Silva (2005) a cerca da necessidade de questionamento sobre o que vem a ser o
social, assim como Castel (1996) e Pastorini (2004) sobre as manifestações da questão social
e suas diferentes configurações nas sociedades em cada momento histórico, para que assim
não ocorra uma naturalização dos fenômenos da realidade.
Para finalizar sobre a primeira questão, é necessário pontuar sobre a quarta categoria
que se apresenta:
4ª categoria: Atuação do psicólogo Entrevista
“onde tem gente tem social, então eu acho que a gente não pode distinguir
uma coisa da outra assim”
“noção do que o psicólogo faz, que espaço ele ocupa nesse mundo”
Nº 6
Esta categoria diz respeito à atuação do psicólogo de forma abrangente, em todas as
esferas da sociedade, ou seja, a atuação psicológica voltada para o ser humano onde ele
estiver. E neste sentido, a relação da psicologia com o compromisso social se dá por meio
dessa abrangência e também se faz presente em todos os lugares.
Contudo, se nos apoiarmos nas idéias de Yamamoto (2007), veremos que esta temática
não se limita tão somente a atuação abrangente do psicólogo. Isto significa que, o fato de o
campo de atuação do psicólogo estar crescendo e se desenvolvendo em outras esferas da
sociedade, por si só não significa que esta atuação denota um compromisso social.
Para ele, é necessário discutir a natureza e a direção desse compromisso, pois sobre a
natureza, vemos que mesmo ampliando seus campos de atuação os psicólogos ainda mantêm
seus antigos modelos de atuação clínica, como podemos observar também no estudo feito por
Dimenstein (2001). E quanto à direção desse compromisso, ele deve apontar como colocou
Bock (1999b) para a transformação da realidade social.
Assim, verifica-se que entender a relação da psicologia com o compromisso social é
algo mais complexo e que necessita de discussão e questionamentos constantes, levando em
conta as contradições e as historicidades de cada sociedade. Assim como se faz necessário
saber reconhecer os limites que são impostos nesta temática pela própria questão social e suas
diversas configurações.
Para dar continuidade a análise é preciso colocar a primeira categoria que emergiu da
segunda questão da entrevista, qual seja: “Como você entende essa relação na produção
científica e na área de atuação?”.
35
1ª categoria: Práxis insuficiente Entrevista
“eu acho que na área científica ainda tem muito pouco falando”
“na atuação eu acho que o pessoal tá começando também a praticar, mas
também tem pouquíssimos”.
Nº 1
“eu acho que é um campo limitado” Nº 2
“eu acho que o psicólogo ainda tem muito a conquistar nesse sentido” Nº 3
“acho que são poucas, não são muitas” Nº 4
Nesta categoria foram incluídas as respostas que consideram que a produção científica
e/ou a atuação psicológica que demonstra um compromisso social não são satisfatórios dentro
deste contexto. Para estes alunos a atuação do psicólogo e a realização de pesquisas voltadas
para esta temática são entendidas como algo importante e necessário, contudo ainda não se
apresentam suficientes.
Sobre esse assunto, é mandatório relembrar as idéias de Lane (2001) quando pontua
que o psicólogo deve ser permanentemente constituidor de novos conhecimentos acerca da
realidade na qual está inserido, a partir do momento que nela atua e percebe que os antigos
modelos de atuação já não correspondem à atual demanda social.
E dentro disso, entende-se a necessidade da concepção da práxis psicológica mais
atuante dentro dos cursos de formação em psicologia, visto que os alunos ainda entendem a
ciência e a profissão como coisas distintas. É necessário entender essa relação existente entre
teoria e prática para que só assim, possam ser construídos conhecimentos que atendam a
realidade social dos sujeitos.
Neste sentido, Lane (2001) ainda afirma que a condição sócio-histórica do ser
humano não pode ser esquecida para não cairmos em uma visão distorcida e ideológica.
Segundo Bock et al (2007) Silvia Lane não se preocupava com a teoria a ser utilizada, pois o
mais importante para ela, é construir conhecimentos com vistas a transformação das
condições de vida da maioria da sociedade brasileira, com promoção de cidadania e
dignidade.
Esta postura é o que precisa ser incorporada no pensamento e nas atitudes, tanto dos
estudantes quanto dos profissionais de psicologia no Brasil, pois o que se percebe é que a
maior preocupação durante a realização de pesquisas e na atuação desta categoria é a
“fidelidade” às teorias e aos métodos que estas propõem, descartando as transformações
36
históricas que ocorrem ao longo tempo e que refletem mudanças no desenvolvimento e nos
modos de vida dos seres humanos.
Outra preocupação expressa nesta categoria diz respeito à limitação da atuação
psicológica votada para a transformação social, e novamente relembramos Yamamoto (2007)
quando descreve acerca das possibilidades e dos limites da questão do compromisso social,
pois como já foi posto, é necessário que se conheça o alcance dessa prática. Não podemos
acreditar que o fato de a psicologia se inserir na realidade social fará com que os problemas se
acabem ou que as questões de desigualdade social sejam superadas.
Para estes alunos que estão prestes a se tornar profissionais e adentrar ao campo de
trabalho, há a preocupação ainda maior e constante sobre as possibilidades de colocação
profissional e de remuneração. Apreensão esta que é facilmente compreendida, mas que
deveria se reverter em tomada de posicionamento que reflita criticamente quanto a este campo
de trabalho que ao longo do tempo foi construído pela própria categoria.
A proposta de atuação com compromisso social implica, portanto, em uma ciência e
uma profissão que tenha conhecimento das vastas contribuições que pode oferecer, mas que
prioritariamente se questione, se reformule e se re-signifique diante das transformações
histórico-sociais. É preciso transformar a insatisfação em ação.
Em seguida, a segunda categoria emergida nesta questão é:
2ª categoria: Responsabilidade da formação Entrevista
“acho que isso é um objetivo do curso de psicologia”
“porque no nosso curso, por exemplo, não se busca muito isso, essa direção
do social”
Nº 5
“eu acho que falta muito isso ainda nos cursos”
“eu acho que nesse nosso curso a gente não teve um grande embasamento
desse compromisso com a sociedade né?”
Nº 7
As respostas que deram origem a esta categoria, demonstram um ponto de vista de que
os cursos de formação de psicólogo devem ”promover” e “incentivar” tanto pesquisas quanto
uma atuação que denote um compromisso social. Estes entrevistados mostraram ainda, que
entendem a produção científica como algo muito importante e necessário para embasar a
atuação profissional.
De acordo com esse pensamento podemos citar o que foi posto por Alves, Correr e
Leão (2005) que igualmente evidenciam a obrigação dos cursos de psicologia no Brasil em
37
proporcionar e oferecer apoio às pesquisas científicas que retratem a realidade social para que
assim, os alunos possam conhecer efetivamente a realidade circundante e agir para
transformá-la.
Assim, de acordo com a percepção dos alunos entrevistados, destacam-se também as
idéias apresentadas por Mitjáns Martínez (2003) que argumenta que o conhecimento
psicológico ainda não é utilizado dentro das instituições formadoras dos próprios psicólogos e
por isso os cursos acabam por oferecer uma formação conteudista, preocupada apenas em
transmitir conhecimentos e não em desenvolver estratégias que visem o desenvolvimento de
habilidades profissionais voltadas para a leitura da realidade e efetivação do compromisso
social, como por exemplo, capacidade de reflexão crítica, sensibilidade perante os problemas
humanos e sociais entre outros.
Um exemplo do que muitas vezes acontece dentro das instituições acadêmicas, diz
respeito às exigências absurdas que são justificadas pelos processos burocráticos quase que
infinitos que por inúmeras vezes desmotivam ou inviabilizam a realização de pesquisas
durante a formação. Como aconteceu neste próprio trabalho, quando uma das universidades
que serviria como local de realização para a pesquisa, colocou exigências incompreensíveis,
as quais mesmo assim foram acatadas, mas que até o momento de finalização do trabalho não
obtivemos se quer uma resposta.
Por conseguinte a terceira categoria destacada nesta segunda questão se coloca:
3ª categoria: Predomínio da área clínica Entrevista
“infelizmente hoje em dia a clínica ainda é a mais exacerbada né?”
“a clínica tradicional ela é a mais comum e nem sempre ela tem
o compromisso que talvez o psicólogo deveria ter”
Nº 6
Esta categoria traz uma preocupação em relação ao habitual modo de atuação do
psicólogo durante o histórico da profissão. Como podemos demonstrar, a questão aqui
colocada reflete um certo descontentamento e/ou inquietação acerca da atuação do psicólogo
que historicamente se dedicou ao trabalho clínico.
Esta discussão, contudo, não é novidade dentro da produção teórica de alguns
segmentos da psicologia e são vários os autores que destacam essa verificação de forma
crítica e contextualizada.
Dimenstein (2001), após uma pesquisa realizada com profissionais que atuavam na
saúde pública em duas cidades do nordeste brasileiro, constatou que os modos de atuação
destes profissionais ainda eram os característicos da prática clínica privada e deste modo,
38
acredita que “os psicólogos precisam incorporar uma nova concepção de prática profissional,
associada ao processo de cidadanização” (Idem, p. 62). Do mesmo que colocou Bock (1999b)
ao expor sobre os critérios que afirmam se a prática demonstra compromisso social, e destaca
que um deles é verificar a intervenção e as técnicas que utilizam, pois o psicólogo não pode
ter uma visão individualizada do sujeito e trabalhar com propostas que atendam apenas a uma
camada da população, como é o caso das clínicas privadas.
Para finalizar a análise da segunda questão, observamos a quarta categoria que dela
emergiu:
4ª categoria: Concepção de cientificidade Entrevista
“na verdade, tem partes da psicologia que eu vejo que é área científica e na
verdade tem partes da psicologia que eu não vejo como área científica né?"
“a busca (...) pra psicologia se torna científica tá mais ligada mesmo na área
da comportamental né?”
Nº 8
Esta categoria implica em uma discussão acerca do caráter científico que é atribuído a
psicologia. Nela percebe-se claramente que a compreensão de ciência ainda está muito ligada
a áreas de visão mais positivistas da psicologia.
E a questão que se coloca neste momento indaga o porquê, mesmo hoje, quarenta e
seis anos após a regulamentação da profissão no Brasil, esta dúvida ainda se faz presente.
Esta concepção é colocada como dúvida visto que na própria fala do entrevistado é
possível verificar a incerteza do que diz, procurando sempre, ao finalizar cada frase uma
palavra ou gesto de concordância por parte da entrevistadora.
Dessa forma, por meio do que foi colocado a cerca da trajetória em formação em
psicologia e das formas que caracterizam essa profissão no país, é possível entender que haja
essa incerteza se essas práticas correspondem ao modelo considerado como científico. De
acordo com Bernardes (2004) a psicologia em sua trajetória histórica utilizou o status de saber
científico para se consolidar como ciência e profissão influenciada, especialmente por ideais
positivistas.
Portanto, essa concepção vem de encontro com o que argumentam os autores, como
Alves, Correr e Leão (2005), quando afirmam que na formação em psicologia, a pesquisa
deve ser entendida como método de exploração da realidade. E se a realidade é algo que se
transforma constantemente, a pesquisa deve ser uma prática de pensar, de refletir, de
questionar sempre.
39
Como isso ainda não é constatado eficazmente nos cursos, os alunos concebem como
científicas aquelas áreas da psicologia que realizam pesquisas e em seguida apresentam
técnicas prontas para serem empregadas em quaisquer populações, estabelecendo relação de
causa, efeito e solução, sem considerar as contradições existentes mesmo em espaços
semelhantes.
Na análise da terceira questão: “Você acha que o Código de Ética aborda essa
questão? De que maneira?”, identificam-se as seguintes categorias?
1ª categoria: Insuficiência do Código de Ética Entrevistas
“eu acho que não (...) acho que deveria pontuar um pouco mais o trabalho do
psicólogo social”
Nº 1
“ainda não tive o cuidado de olhar assim e pensar nisso pro social
especificamente, mas assim, eu acho que nos dá uma certa proteção né?”
Nº 3
“eu acho que não é muito bem abordado no código de ética não” Nº 4
“poderia ser mais elaborado também pra essa questão”
“eu acho que não é suficiente, pra questão de... desse âmbito social não”.
Nº 8
Foram incluídas nessa categoria as respostas que acreditam que o Código de Ética
Profissional do Psicólogo não aborda de forma suficiente a questão do compromisso social.
Para estes respondentes o código de ética deixa “algumas lacunas” em alguns pontos
que consideram importantes na atuação psicológica comprometida socialmente, o que por eles
foi expressa como atuação voltada para o social, e atuação exercida pelo psicólogo social.
Dessa forma, consideraram que este instrumento privilegia a atuação clínica e
especificamente o setting terapêutico, “deixando a desejar pro social”.
Outro fator relevante demonstrado nestas respostas foi a concepção de que o Código
de Ética é um instrumento que serve somente para proteger os psicólogos, por meio da
imposição de normas para serem seguidas, como se fosse um manual para uma execução
mecânica.
É possível perceber também, que as respostas verificam a psicologia enquanto
profissão muito dividida. Provavelmente, isso se dê novamente, pelo desenvolvimento da
formação em psicologia que se caracteriza por dividir a ciência psicológica em teorias, linhas
e áreas de atuação por exemplo. No entanto, o código de ética é um instrumento que
representa uma categoria e por isso mesmo o seu conteúdo é norteador de toda atuação em
psicologia, sem quaisquer exceções.
40
Esta categoria é de grande relevância, porque apesar de mostrar conteúdos diferentes
em aspectos da mesma questão, ela fora considerada representativa de apenas um fato, qual
seja a falta de um maior aprofundamento e/ou discussão a cerca do que vem a ser e do que
propõe o código de ética profissional para aqueles que estão a alguns meses de se tornarem
psicólogos.
Para fundamentar tal afirmação, somente o texto de apresentação do Código de Ética
Profissional do Psicólogo (2005) se faz suficiente. Neste escrito, primeiramente, toda
profissão é definida como um corpo de práticas que buscam atender demandas sociais através
de normas técnicas, mas é ressaltado que a missão primordial de um código de ética
profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar um
padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social da categoria.
E argumenta-se ainda, neste mesmo texto, que todo código de ética expressa uma
concepção de homem e de sociedade, traduzem princípios e normas que pautam pelo respeito
ao sujeito humano e seus direitos fundamentais e constituem a expressão de valores tais como
sócio-culturais, que refletem a realidade do país entre outros. Por isso não pode ser visto como
um conjunto de normas e imutável no tempo, deve ser refletido continuamente visto que as
sociedades transforma-se e as profissões também.
Para dar continuidade a esta discussão, a segunda categoria que emergiu desta questão
foi:
2ª categoria: Diversidade na concepção Entrevistas
“eu acho que sim. Eu acho que fala dessa questão de você ser responsável pelo
outro né? no cuidado com o outro, então eu acho que o outro é qualquer pessoa
né?”
Nº 2
“acredito que o código de ética se preocupa muito com essa questão social (...) a
partir do momento que eles falam dos princípios...”
Nº 5
“Aborda. Quando o código de ética ele coloca quais são limites da nossa atuação
ele tá falando um pouco de compromisso social”
Nº 6
“Eu acho que aborda sim né? ele vê tudo que o psicólogo realmente precisa né?
é um amparo pra gente o código de ética né?
Nº 7
Nesta categoria observam-se respostas que constatam a questão do compromisso
social inserida no código de ética profissional do psicólogo e mais que isso, através delas é
41
possível verificar diferentes formas que tal questão pode ser percebida, transmitida ou
discutida.
Como por exemplo, a questão da abrangência da atuação expressa na entrevista
número dois. Quando no Código de Ética profissional do Psicólogo (2005) é colocada a
questão de que este instrumento deve garantir relação adequada de cada profissional com a
sociedade como um todo, baseando-se em valores universais tais como na Declaração
Universal dos Direitos Humanos e outros, é admissível a abrangência à que se destina essa
atuação profissional, preocupada em garantir a dignidade, o respeito, a integridade, entre
outros propósitos aos indivíduos sem distinção, discriminação ou qualquer forma de
preconceito.
Outro respondente verifica que essa preocupação com o compromisso social é
ressaltada nos sete princípios fundamentais apresentados no código. Tais princípios
expressam conteúdos que devem nortear a atuação do psicólogo, como, por exemplo, que “o
psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade
política, econômica, social e cultural” (Idem, p. 7).
E mesmo quando pontua a respeito dos limites que devem ser respeitados na prática
psicológica, como já fora discutido em outras questões, esse entendimento é algo essencial
para a atuação do psicólogo. Assim como é igualmente importante compreender que este
instrumento serve de apoio e abrange as questões da atuação em psicologia da forma crítica e
contextualizada historicamente e por isso mesmo deve ser revisto e questionado quando
necessário for.
De acordo com as falas dos respondentes percebe-se então, o surgimento de algumas
questões que fazem parte de toda a temática proposta e inserida no código de ética.
Entretanto, é possível perceber também, certa dificuldade ou falta de aprofundamento
acerca destas questões. Dessa forma, o que os entrevistados apresentam nesta categoria é um
princípio de entendimento do que vem a ser a questão do compromisso social por meio das
colocações inseridas no código de ética profissional do psicólogo. Entendimento este, que
sem dúvida, deve ser melhor discutido, principalmente a fim de que se evidencie a
necessidade da efetivação dessa postura.
Desta forma, para esta terceira questão, a interpretação de apenas duas categorias
separadas em concepções claramente contrárias não quer dizer que esta seria a única forma de
analisá-las, todavia foi a forma mais “apropriada” neste momento para conseguir discuti-las.
E finalmente a análise da quarta e última questão: “Qual a sua avaliação sobre o
Compromisso Social do psicólogo?” pode ser expressa através das seguintes categorias:
42
1ª categoria: Motivação pessoal Entrevistas
“olha é até difícil responder né? porque (...) a gente tem que escolher uma ênfase
né? e eu escolhi o compromisso social porque eu acho que todo ser humano tem
que ter uma... um olhar diferente pro outro”
“então, às vezes, a gente não gosta de lidar com a própria ferida”
Nº 1
“eu acho que não é todo mundo que tem esse compromisso social, porque é
muito assim... só consultório...”
“eu acho que pra mim, essa área social é que mais desperta atenção e eu entrei
na psicologia com esse intuito”.
Nº 2
“na verdade... não sei se... até coisa do destino né? mas eu penso muito mais até
estar trabalhando pra esse social né?
“porque não sei se você percebeu, eu acredito nesse trabalho, eu acho que a
gente acreditar nisso é o mais importante sabe?
Nº 3
Logo após o término de cada uma dessas entrevistas, essa constatação de uma
motivação pessoal para atuar com compromisso social, se fazia estridente. Isso porque esta
questão, ao passo que perguntava sobre a avaliação de cada entrevistado sobre o compromisso
social do psicólogo de uma geral, possibilitava que os respondentes colocassem sua visão e,
além disso, a justificasse.
E foram essas justificativas que mais chamaram a atenção. Visto que denotam que a
preocupação e a concepção de atuar com compromisso social advêm por motivos que pouco
se relacionam com o que foi transmitido ao longo desses cinco anos de formação acadêmica.
Nestes casos, essa motivação ocorreu mesmo antes do ingresso na universidade, e a
colaboração e/ou a responsabilidade da formação para essa escolha é algo minimizado.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para os cursos de graduação em psicologia
uma das competências e compromissos do psicólogo deve ser analisar criticamente a
realidade social, cultural, política e econômica do país. Talvez essa capacidade de análise
crítica seja o que está faltando dentro dos cursos, para que, por meio dela, os alunos consigam
compreender a obrigatoriedade de uma prática comprometida socialmente não apenas por
motivos pessoais.
Entretanto, estas respostas também trouxeram algumas preocupações e conteúdos que
merecem ser pontuados, como a concepção de que a psicologia deve trabalhar a “multi e a
inter-disciplinariedade”, que o psicólogo trabalha com a “prevenção” e a “promoção de
43
saúde”, e que a prática mais comum é de “consultório”, mas que só beneficia “quem tem
dinheiro para pagar”, entre outros. Tais respostas demonstram um distanciamento da
cristalizada forma de atuar em psicologia e por isso mesmo se aproximam de uma atuação
comprometida com a realidade social.
Em seguida verificam-se as respostas que deram origem à segunda categoria para esta
quarta questão:
2ª categoria: Importante e precário Entrevista
“eu acho que o psicólogo ele tem um compromisso, eu acho que ele é bem ciente
do que ele faz, tudo”.
“mas também tem as exceções né? que chega e vê uma demanda muito... um
público muito vulnerável lá e se assusta e não segue com o compromisso dele”
Nº4
“eu avalio como sendo essencial fundamental e que todos os psicólogos têm que
ter esse compromisso”
Nº 5
“seria mais importante que o psicólogo tivesse mais envolvido nisso mesmo né? Nº 7
“eu acho que tem poucos psicólogos que tão mais ligados nesse...nessa área
social, grupos sociais, o pessoal procura mais saber de clínica, de resolver
problemas individuais e não de um coletivo né?”
Nº 8
As respostas que fizeram emergir essa segunda categoria, dizem respeito à
compreensão da importância e da necessidade de os psicólogos terem uma atuação com
compromisso social, mas também revelam que para eles, isso não é algo que predomina
dentro desta profissão atualmente.
Essa constatação vai de acordo com o que colocaram diversos autores como, por
exemplo, Bernardes (2004), Bock (1999a, 1999b), Dimenstein (2001), Lane (2001) entre
vários outros que se preocupam em mostrar essa realidade vivenciada pela categoria
profissional dos psicólogos no Brasil.
Os alunos aqui entrevistados demonstraram uma visão a cerca do que vem a ser o
compromisso social como algo importante, mas também evidenciaram a não constatação de
tal postura a partir dos conhecimentos que obtiveram na formação acadêmica. Pois, o que se
percebe é que os alunos ainda têm muitas dificuldades para relacionar os conteúdos
aprendidos nos cursos durante a formação e a real necessidade da maior parte da população
deste país.
44
Essas dificuldades, certamente, são embates da própria formação em psicologia no
país, que não tem possibilitado e mais que isso não tem privilegiado o desenvolvimento de um
pensamento crítico acerca da realidade social dentro dos espaços de formação.
Para finalizar a análise das entrevistas, a terceira categoria desta última questão é:
3ª categoria: Compromisso dos formadores Entrevista
“eu acredito que eu tô numa posição privilegiada, primeiro porque eu tô muito
protegida pela universidade né? então o compromisso que eu atuo como
estudante de psicologia, na verdade, não é meu, são dos meus supervisores que
me mandam fazer as coisas, que me orientam...”
Nº6
O conteúdo expresso nesta categoria vem mencionar pela primeira vez, a
responsabilidade dos formadores de psicólogos neste contexto. Até agora, falou-se muito
sobre a formação em psicologia e por meio desta resposta podemos discutir um pouco sobre
os professores universitários nas faculdades de psicologia.
Uma das determinações expostas nas diretrizes Curriculares para os cursos de
graduação em psicologia define que os estágios realizados pelos alunos durante o curso
devem ser supervisionados pelos professores. Desta forma, mais do que transmitir conteúdos
dentro das salas de aula e laboratórios, estes docentes têm a responsabilidade de acompanhar
as primeiras atuações dos então estagiários em psicologia.
E em consonância com isso, destacamos o que colocou Mitjáns Martínez (2003)
quando ressalta sua forte preocupação em relação à significação do compromisso social dos
formadores dos psicólogos. Para esta autora, “o compromisso social do psicólogo e em
primeiro lugar dos que formam psicólogos é hoje mais que nunca necessário se pretendemos
uma prática profissional e social na qual a psicologia possa ser utilizada a serviço de uma
sociedade mais justa” (p. 158).
E argumenta também que não basta reconhecer tal postura apenas no discurso, é
imprescindível praticar e instrumentalizar os programas de formação em psicologia para
efetivação deste compromisso. Assim, não se pode deixar que o individualismo, a
competição, a falta de sensibilidade, a falta de trabalho em equipe e o desinteresse pela
produção e o saber dos pares caracterize as instituições acadêmicas onde os psicólogos são
formados, como segundo ela acontece atualmente.
As primeiras leituras da realidade e dos fenômenos psicológicos que os alunos fazem e
que lhes servem de base para desenvolverem seu próprio pensamento estão, neste momento,
estritamente relacionadas com as concepções individuais dos próprios professores-
45
supervisores. Estes profissionais têm, na realidade, uma responsabilidade e um compromisso
maior do que a princípio se apresenta na formação destes estudantes.
Contudo, esta responsabilidade está mais ligada à capacidade de oferecer meios para
que o aluno se desenvolva do que apenas e tão somente lhe ensinar a fazer. O aluno não deve
ser um reprodutor dos atos e pensamentos dos professores e supervisores, pois assim nunca
desenvolverá seu próprio pensamento e compromisso.
A formação em psicologia e os próprios formadores, neste sentido, parecem não
estarem se preocupando em possibilitar o desenvolvimento da autonomia dos alunos, o que
conseqüentemente faz com que também não desenvolvam seu próprio compromisso.
Portanto, a análise aqui apresentada procurou discutir os temas que se evidenciaram de
forma mais clara durante a realização das entrevistas e a organização do material coletado na
concepção da aluna pesquisadora. O que significa que esta análise não pretende ser conclusiva
ou que demonstra a única forma de discussão a respeito do que foi exposto, ela se define por
apresentar aproximações a respeito da problemática proposta durante o desenvolvimento deste
trabalho.
46
6. CONCLUSÃO
Para contemplar tudo que foi posto neste trabalho, é possível afirmar que, para os
alunos dos últimos anos dos cursos de psicologia da região do Vale do Paraíba, a questão do
compromisso social é concebida como algo muito importante para a psicologia enquanto
profissão. Mas, por outro lado, também é entendida como algo que não se vê comumente na
prática psicológica.
Esta concepção é mais bem entendida quando se verifica que, para estes alunos, a
atuação psicológica comprometida socialmente não é algo transmitido durante o curso de
formação em psicologia, com vistas a capacitá-los para uma atuação mais voltada para a
realidade social brasileira e assim se diferenciar das práticas que ainda caracterizam a
profissão no país.
A evidência de uma cristalização dos modos de atuação do psicólogo brasileiro, como
já foi posto por diversos autores, mostra que a prática clínica ainda é a mais comum entre os
psicólogos. E que, na maioria das vezes, aqueles que desejam uma atuação diferente trazem
uma motivação pessoal para isso em que pouco se relaciona com o que foi aprendido no curso
de graduação.
Desta forma, a formação em psicologia no país, é algo que merece destaque dentro
dessa conjuntura e que deve ser questionada continuamente a fim de que se reflita sobre o que
tem sido ensinar psicologia no Brasil e o que deveria ser de acordo com a realidade em que
vivemos.
A discussão acerca da questão social também se mostrou fundamental neste contexto,
pois os alunos respondentes mostraram que ainda concebem o social como algo natural que
apenas abarca todas as populações e instituições da sociedade contemporânea.
Dessa forma, mesmo acreditando que a proposta de atuar com compromisso social é
algo necessário, estes alunos que estão prestes a se tornarem psicólogos ainda não sabem
exatamente o que isso significa e, além disso, não sabem como fazê-lo.
A expressão deste desconhecimento pode ser verificada por meio das concepções a
respeito do instrumento norteador da profissão que é o código de ética profissional do
psicólogo. Tal instrumento é entendido pelos alunos, como normatizador da categoria, a fim
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de identificar o que se pode e o que não se pode fazer atuando como psicólogos. Assim, toda a
preocupação expressa neste instrumento sobre o comprometimento social do psicólogo não é
identificada pelos alunos de forma clara e contextualizada.
Todos os conteúdos e visões expressados através das entrevistas que foram realizadas
demonstram que estamos caminhando para uma psicologia mais humana, contudo, também
demonstram que a naturalização dos fenômenos psíquicos ainda se faz muito presente na
prática psicológica.
A falta de questionamento e reflexão frente o que é transmitido na formação
acadêmica se transformam na escassez de posicionamento crítico dentro da ciência
psicológica. Os determinantes sociais, políticos, culturais e econômicos são minimizados
frente aos psíquicos e naturais.
E conseqüentemente, todo o processo histórico dos sujeitos e sociedades não recebe a
devida relevância. E verifica-se a falta de subsídios essenciais para uma prática comprometida
socialmente.
Para concluir, é indulgente colocar que a proposta deste trabalho não é dizer o que é
certo e errado dentro da psicologia no Brasil, mas sim, evidenciar a necessidade de
questionamento acerca da psicologia enquanto ciência e profissão e qual a finalidade da
prática psicológica neste país.
Uma ciência e uma profissão comprometida socialmente visa disponibilizar todos os
seus recursos para todos a quem de direito se julguem necessitados. Visa trabalhar com intuito
de colaborar para a transformação da sociedade em que vive e que tanto necessita. E acima de
tudo, visa estar aberta à discussão e a modificação sempre, acompanhando o movimento
constante dos homens e sociedades.
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