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O COMPORTAMENTO AGRESSIVO DE CRIANAS DO SEXO MASCULINO NAESCOLA E SUA RELAO COM A VIOLNCIA DOMSTICA1
Daniela Patricia Ado Maldonado*
Lcia Cavalcanti de Albuquerque Williams#
RESUMO. Este trabalho teve como meta estudar o comportamento agressivo de crianas do sexo masculino na escola e sua
relao com a violncia domstica. Avaliaram-se 28 crianas do sexo masculino e suas respectivas mes, dentre as quais 14
crianas apresentavam comportamentos agressivos na escola (Grupo A). Estas ltimas foram comparadas s 14 crianas do
mesmo sexo e nvel de renda que no apresentavam tais comportamentos (Grupo B). Os dados foram coletados inicialmente
pelas professoras das crianas em trs escolas de Ensino Bsico de uma cidade do interior de So Paulo. Seguidamente, foram
coletados dados com as mes das crianas em visitas domiciliares. Os resultados gerais apontam para a ocorrncia de
violncia em ambos os grupos, porm, com maior incidncia e maior severidade, no grupo de crianas agressivas. Asconsideraes finais sinalizam a necessidade de futuros estudos para expandir a compreenso do comportamento agressivo e
sua relao com a violncia domstica.
Palavras-chave:comportamento agressivo, violncia domstica, violncia na escola.
AGGRESSIVE BEHAVIORS OF MALE CHILDREN IN SCHOOL
AND ITS RELATION TO DOMESTIC VIOLENCE
ABSTRACT. The present study aimed at studying the aggressive behaviors of male children in school and its relation to domestic
violence. For such purpose, 28 male children and their mothers were evaluated, 14 of them showed aggression in schools (Group A)
and were compared to 14 children of the same sex and income who did not present aggression (Group B). Data were initially gatheredby the teachers of three elementary schools of an inland city of So Paulo state. Afterwards, data were taken with the childrens
mothers in their respective homes. General results point to the occurrence of violence in both groups; however, the group of
aggressive children had more incidents and more severity of violence. Final considerations point to the need for further research in
order to expand the knowledge of aggressive behavior and its relationship to domestic violence.
Key words: aggressive behavior, domestic violence, violence in school.
1 Apoio: CNPq
* Mestre pela Universidade Federal de So Carlos, Centro de Educao e Cincias Humanas, Programa de Ps-Graduao em
Educao Especial.# Doutora. Docente da Universidade Federal de So Carlos, Centro de Educao e Cincias Humanas, Departamento de
Psicologia.
A violncia um problema social grave que
atinge toda a populao e precisa ser estudada de
diferentes maneiras. A importncia do tema no pode
ser solapada pela cotidianidade. Existem vrias
definies de violncia, mas, como comenta Koller
(1999), todo ato de violncia tem em comum o fato de
ser caracterizado por aes e, ou omisses que
podem cessar, impedir, deter ou retardar o
desenvolvimento pleno dos seres humanos (p. 33).
Tal autora assinala que existem trs papis no ato da
violncia, que podem ser confundidos, mesclados ou
no: o papel de vtima, o de autor e o de testemunha.
Azevedo e Guerra (1995) definem a violncia
domstica contra a criana como:
todo ato ou omisso praticado por pais,
parentes ou responsveis contra crianas e/ou
adolescentes que sendo capaz de causar
dano fsico, sexual e/ou psicolgico vtima
implica de um lado numa transgresso do
poder/dever de proteo de adulto e, de
outro, numa coisificao da infncia, isto ,
numa negao do direito que crianas e
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adolescentes tm de ser tratados como
sujeitos de direitos e pessoas em condio de
desenvolvimento. (p. 36)
A violncia contra a criana, muitas vezes,acontece dentro do prprio lar. H diferentes formas
de violncia domstica ou intrafamiliar, as quais so
agrupadas e definidas como: fsica, sexual, psicolgica
e negligncia (Caminha, 1999). A violncia no lar se
expressa de diferentes formas. A criana, como parte
integrante da famlia, pode estar exposta agresso
direta - quando ela o alvo da agresso - ou indireta -
quando presencia cenas de violncia entre os pais
(Brancalhone, 2003; McCloskey, Figueredo & Koss,
1995). Ambas as formas de agresso so prejudiciais
criana (Jouriles, McDonald, Norwood, Ezell, 2001).
H um grande nmero de crianas que
testemunham a violncia domstica (Jaffe & Poisson,
2000; McCloskey, Figueiredo & Koss, 1995),
assinalam que uma das importantes razes pelas quais
filhos de mes agredidas apresentam um quadro de
distrbio o fato de terem presenciado uma cena de
violncia domstica contra a prpria me, sendo isto
uma experincia traumtica. Graham-Bermann (1998)
explica que a maioria das pesquisas de sade mental
na rea de violncia domstica concluem que a mera
exposio violncia domstica , em si mesma, uma
forma de maltratar a criana, afirmando que a criana
que testemunha a agresso sua me vitima de
violncia psicolgica.
Algumas dificuldades que podem decorrer do fato
de se presenciar violncia domstica so ilustradas no
estudo comparativo de famlias violentas e no-
violentas e estresse maternal, indicando uma
significativa prevalncia de problemas
comportamentais e reduzida competncia social em
crianas expostas violncia familiar (Wolfe, Jaffe,
Wilson & Zak, 1985). Os resultados obtidos no estudo
de Wolfe e colaboradores do embasamento posio
de Cummings (1998) no trabalho em que discute as
diretrizes conceituais e tericas sobre crianas
expostas ao conflito conjugal e violncia. Tal autora
ressalta a posio de Bandura (1973) de que as
crianas podem aprender modelos cognitivos e
comportamentais a partir de modelos ou cpias de
eventos dirios, incluindo-se a observao de seus pais
em situaes interparentais. A famlia tem uma
importante influncia na aquisio de modelos
agressivos pelas crianas (Bandura, 1973; Gomide,
2003; Jaffe, Wolfe, & Wilson, 1990). Pais que
utilizam a punio esto mostrando a seus filhos que aviolncia uma forma apropriada de resoluo de
conflitos e de relacionamento entre homens e
mulheres.
Graham-Bermann (1998) assinala, em seu
trabalho sobre o impacto da violncia contra a mulher
no desenvolvimento social da criana, que os modelos
de comportamento aprendidos na primeira infncia em
interaes com os outros so automaticamente usados
em novas situaes. Segundo a autora, por meio dessa
aprendizagem, a criana adiciona tticas de agresso,
podendo aprender a manipular, persuadir, coagir e
mostrar, desde o incio, comportamentos anti-sociais,
podendo ainda exibir tais comportamentos em
interaes sociais com seus pares, fora do lar.
O comportamento agressivo, segundo os estudos
acima citados, est inserido entre os problemas
apresentados pelas crianas frente violncia
domstica. Conforme o Manual Diagnstico e
Estatstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o
comportamento agressivo se encontra associado a
vrios transtornos; no entanto, encontra-se, mais
especificamente, inserido no quadro de transtornos de
conduta, que caracterizado por um padro
persistente de comportamento que viola os direitos
bsicos dos outros e as normas ou regras sociais
importantes e apropriadas idade (American
Psychiatric Association, 2003).
Na reviso de literatura aqui realizada constatou-
se que a literatura nacional a respeito de crianas
expostas violncia conjugal est apenas iniciando.
Brancalhone, Fogo e Williams (2004) citam a
definio de Holden (1998) de que a criana exposta
violncia conjugal aquela que presencia, viu, ouviu
agresso contra a prpria me, viu o seu resultado ou
vivenciou seu efeito. Cabe ressaltar o estudo realizado
por Corra e Williams (2000), sobre o impacto da
violncia conjugal na sade mental das crianas, o
qual confirma os dados da literatura estrangeira,
indicando que foram encontrados altos ndices de
depresso, agressividade, isolamento e baixa auto-
estima em tais crianas. J no trabalho de DAffonsecae Williams (2003) sobre interveno psicoteraputica
com crianas vtimas de violncia fsica intrafamiliar,
foram encontrados resultados que mostraram a
presena de comportamento agressivo nas crianas,
dentre os indicadores da ocorrncia de abuso fsico. O
presente estudo envolver tanto crianas que sofrem
violncia domstica (vitima direta) como aquelas que
presenciam tal tipo de violncia (vtimas indiretas).
Cabe destacar que vrios estudos chamam a
ateno para algumas diferenas comportamentais
apresentadas pelas crianas, segundo o gnero, como
conseqncia da violncia domstica. O DSM-IV-TR(American Psychiatric Association, 2003) destaca que
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foram encontrados maiores escores de problemas de
comportamento em meninos do que em meninas, da
mesma forma que diferenas sobre os tipos especficos
de comportamento. Graham-Bermann (1998) assinala
diferenas em relao identificao de papis
familiares segundo o gnero. Tanto Holden, Geffner e
Jouriles (1998) como Fantuzzo e Lindquist (1989)
discutem um maior ndice de internalizao de
comportamentos-problema em meninas do que em
meninos expostos violncia conjugal. Em contraste,
para tais autores, os meninos apresentam maior
externalizao dos comportamentos-problema. Por
essa razo, o presente estudo restringiu a amostra a ser
investigada a crianas do sexo masculino.
Alguns estudos apresentam dados sobre a possvel
relao entre violncia domstica e comportamentoagressivo. Meneghel, Giugliani e Falceto (1998)
estudaram a relao entre violncia domstica e
agressividade na adolescncia, mais especificamente,
num estudo comparativo entre alunos considerados
agressivos e no-agressivos de duas escolas (pblica e
privada), da cidade de Porto Alegre. Os resultados
indicaram que em ambas as escolas existiam famlias
com episdios graves e freqentes de punio em
proporo semelhante. A relao entre agressividade
na adolescncia e punio fsica grave foi
estatisticamente significativa. Os adolescentesconsiderados agressivos na escola eram mais punidos
do que os adolescentes no-agressivos. Assim, como
ressaltam os autores, ficou explcita a figura do
adolescente agressivo e maltratado, violento e
machucado (Meneghel, e cols., p. 332).
As crianas podem apresentar vrias
conseqncias em decorrncia de sofrer violncia
fsica. Manion e Wilson (1995) apresentam evidncias
de estudos que sugerem que os maus-tratos em
crianas esto associados a comportamentos infratores
em adolescentes. Os resultados do trabalho de taisautores distinguem que experincias de maus-tratos na
infncia podem colocar os adolescentes em alto perigo
de se engajarem em comportamentos de risco, estando
relacionados a severos dficits de ajustamento nos
adolescentes. Estes so suscetveis de apresentar maior
internalizao e externalizao de comportamentos-
problema, tais como ansiedade, depresso, agresso e
delinqncia. Estudos sobre comportamento anti-
social em crianas e jovens salientam que modelos
coercitivos traam histrias de desenvolvimento que
caracterizam jovens infratores e adultos anti-sociais
(Patterson, Reid & Dishion, 1992; Reid, Patterson &Snyder, 2002). Webster-Stratton (1997) destaca que
diversos estudos tm demonstrado uma alta
continuidade entre crianas que apresentam transtorno
desafiador opositivo e externalizao de problemas
nos primeiros anos pr-escolares e adolescentes que
apresentam transtorno de conduta.
De acordo com as consideraes aqui levantadas,
cabe dizer que as conseqncias do comportamento
agressivo podem ser graves, razo pela qual
importante a compreenso de tal comportamento. Nesse
sentido, o presente estudo se justifica fundamentalmente
pelo propsito de decifrar o comportamento agressivo
como um sinalizador da existncia de problemas com
crianas que se encontram em situao de risco,
contribuindo, assim, com dados e informaes, de
forma a facilitar a elaborao de estratgias de
preveno e atuao na rea.Assim sendo, o presente estudo se props como
objetivo avaliar se as crianas do sexo masculino que
apresentam comportamentos agressivos na escola,
quando comparadas s crianas do mesmo sexo que
no apresentam comportamentos agressivos, tm
maior histrico de violncia domstica.
MTODO
Participantes
Participaram deste estudo 28 crianas do sexomasculino, de 7 a 11 anos de idade (mdia 8,2
anos) e suas respectivas mes. As crianas
cursavam a primeira e a segunda sries do Ensino
Fundamental de trs escolas pblicas de uma cidade
de porte mdio do Estado de So Paulo, de dois
bairros identificados, segundo o estudo realizado
por Basso (1998), como lugares com alto ndice de
denncias de ocorrncia de violncia. Os critrios
para participao foram os seguintes: que as
crianas participantes fossem do sexo masculino e
que a composio familiar fosse constituda de
figura materna e paterna no lar, sendo que a uniodo casal deveria ter pelo menos um ano.
As crianas participantes foram divididas em dois
grupos segundo seu comportamento na escola: o
grupo das crianas que apresentaram comportamentos
agressivos (grupo A) e o daquelas crianas que no
apresentaram comportamentos agressivos (grupo B),
sendo que cada grupo tinha quatorze meninos.
Instrumentos
Para a coleta de dados foram utilizados:
a) Escala de Percepo por Professores dosComportamentos Agressivos de Crianas na
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Escola (Lisboa & Koller, 2001). A escala consta de41 itens que avaliam o comportamento da criana,medindo sua agressividade na escola. Cada itemrepresenta uma afirmao, sendo que a respostadeve ser dada pelo professor em uma escala de 5pontos - onde 1 corresponde resposta discordototalmente, e 5 corresponde resposta concordototalmente;
b) Entrevista para Levantamento de Dados sobre asFamlias (roteiro adaptado de Williams, 1998).Trata-se de uma entrevista semi-estruturada, comdurao aproximada de 40 minutos, contendo itensde caracterizao, relacionamento e ocorrncia deviolncia. Por exemplo: descrio da famliaquanto ao nmero de integrantes, ao nvel
socioeconmico, sade, modalidade de violnciaexperienciada pela famlia e sua freqncia;
c) Escala de Tticas de Conflito Revisada (RevisedConflict Tactics Scale CTS-2, Straus, 1996),respondida pela me da criana logo aps aentrevista para levantamento de dados sobre afamlia. Tal escala consta de 78 itens, sendocomposta por afirmaes que so utilizadas paraidentificar a violncia (fsica, psicolgica, sexual)entre casais e confirmar a existncia ou no daviolncia conjugal nas famlias das crianas. Osescores resultantes da escala representam a
freqncia de classes e nveis de comportamentoapresentados pelo casal.
Procedimento
Dados coletados na escola
O primeiro contato com as escolas foi feito com aapresentao, por parte da pesquisadora, dos objetivosdo estudo e da solicitao da assinatura do Termo deConsentimento Livre e Esclarecido para a participaona pesquisa pelos professores.
Aps aceitao de participao na pesquisa asprofessoras da primeira e segunda sries receberamuma breve instruo sobre como preencher oinstrumento a ser utilizado por elas. Em seguida, foientregue o instrumento Escala de Percepo, porProfessores, dos Comportamentos Agressivos deCrianas na Escola (Lisboa & Koller, 2001), sendosolicitado s professoras o preenchimento relativo atodas as crianas do sexo masculino da sua sala. Combase nos dados fornecidos pelo instrumento, apesquisadora analisou os resultados.
Para a anlise da pontuao da escala de
percepo (Lisboa & Koller, 2001), a pesquisadorautilizou o seguinte procedimento: foram computados
os pontos negativos (referentes a comportamentosagressivos), sendo diminudos os pontos positivos(referentes a comportamentos cooperativos ouassertivos) da escala. Em seguida, foram calculados amdia de cada sala e o desvio-padro. Os alunos quese encontravam acima da mdia de desvio-padroforam consideradas pertencentes ao grupo A (grupo decrianas com comportamentos agressivos), e aquelasque se encontravam em um desvio-padro abaixo damdia foram consideradas pertencentes ao grupo B(crianas que no apresentavam comportamentosagressivos). As crianas do grupo B foramemparelhadas com as do grupo A, tomando-se emconta o nmero delas, a faixa etria e o fato depertencerem mesma sala de aula. Tendo compilado alista de alunos integrantes de ambos os grupos, aadministrao da escola cedeu os endereos dascrianas para que as respectivas mes fossemcontatadas.
Dados coletados com as mes
Inicialmente foi feito um contato domiciliar comcada uma das mes das crianas de ambos os grupos erealizado o convite para participar da pesquisa, dandoseu Consentimento Livre e Esclarecido por escrito.Posteriormente, foi realizada a Entrevista paraLevantamento de Dados sobre a Famlia com asrespectivas mes de ambos os grupos. Em seguida apesquisadora, aplicava nas mes a Escala de Tticasde Conflito Revisada (CTS-2), na qual as mesresponderam a questes relativas ao comportamentodelas e do parceiro. Terminada a coleta de dados comas mes, caso fosse necessrio, a pesquisadorarealizava orientaes e encaminhamentos paraservios especializados, respondendo a dvidaseventuais das mes. O estudo tambm tomou osdevidos cuidados ticos, obtendo a aprovao doComit de tica do Comit de tica em Pesquisa daUniversidade Federal de So Carlos, registrado no
CONEP.
RESULTADOS E DISCUSSO
Aps o levantamento dos dados, foram analisadose comparados os dados de 14 crianas queapresentavam comportamento agressivo na escola(grupo A) e suas famlias, em relao a 14 crianasque no apresentavam tal comportamento (grupo B) esuas famlias. Em um primeiro momento foramrealizadas anlises a respeito das caractersticasapresentadas pelas famlias de ambos os grupos econstatou-se, com base nos testes estatsticos deMann-Whitney (Teste de Hipteses no Paramtricos,
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com nvel de significncia fixado em 5%), que os
grupos A e B no so diferentes quanto s variveis de
caracterizao das famlias. Tais resultados no
chegam a ser surpreendentes, uma vez que as crianas
eram provenientes das mesmas salas e, portanto, dos
mesmos bairros, com alta probabilidade de serem
iguais quanto s variveis socioeconmicas. As
famlias do estudo caracterizaram-se por serem de
baixa renda, vivendo em condies precrias de
habitao, sendo que os pais no completaram o
ensino fundamental na maioria dos casos.
Considerando como referncia o indicador de situao
de pobreza do Programa das Naes Unidas para o
Desenvolvimento ONU/UNDP (1997), a maioria
das famlias do grupo A e B (78,6%) encontrava-se
inserida dentro da linha da pobreza.
As caractersticas apresentadas pelas crianas,
mediante a aplicao dos testes estatsticos (Testes de
Mann-Whitney), indicaram que ambos os grupos so
iguais quanto idade e diferentes quanto pontuao na
escala de comportamentos agressivos entre os grupos,
como era de se esperar segundo os procedimentos
utilizados para seleo dos participantes.
Os resultados da anlise estatstica (Teste Qui-
quadrado, 1.= 3,84146, com nvel de significncia
de 5%) dos dados relativos violncia na famlia,
coletados na entrevista realizada com as mes,
indicaram que os incidentes de violncia familiardos grupos A e B foram diferentes, sendo maiores
para o grupo A. Foram analisados dois itens, um a
respeito da ocorrncia de violncia em casa e outro
a respeito da ocorrncia de violncia contra a
criana. Quanto aos dados referentes ocorrncia
de violncia em casa, no grupo A, 28,6% das mes
relataram a ocorrncia, em contraposio ao grupo
B, que no relatou incidentes desse tipo de
violncia. Em contraste, episdios de violncia
contra a criana surgiram em ambos os grupos: em
42,9% das famlias do grupo A e em 14,3% das
famlias do grupo B houve relatos de episdios deviolncia contra a criana. Pode-se mencionar a
existncia, no grupo A, de um nmero expressivo
(42,9%) de crianas que, segundo as mes,
sofreram violncia direta por parte de algum
familiar. Cabe destacar que a maioria das mes que
relataram terem ocorrido incidentes de violncia
contra a criana no considerou tais incidentes
como sendo integrantes dos relatados de episdios
de violncia em casa.
Os dados obtidos nas entrevistas foram, tambm,
analisados em relao s medidas aplicadas pelos pais
em decorrncia de comportamentos inapropriados dascrianas para os grupos A e B respectivamente.
Segundo o relato das mes, as medidas aplicadas pelos
pais (pai, me) foram divididas em trs tipos: medida
verbal (ex. repreende, grita, xinga), medida fsica
(palmada, bate, bate com objeto) e outros (referente
a aes como colocar de castigo, deixar sem assistir
TV). Para tal anlise foi aplicado o Teste No
Paramtrico de Mann-Whitney (com nvel de
significncia fixado em 5%). Verificaram-se na
comparao entre os grupos A e B diferenas entre a
medida verbal aplicada pelas mes dos grupos,
sendo tal tipo de medida significativamente maior para
o grupo B. J para com as outras variveis no foram
encontradas diferenas significativas. Pode-se dizer
que, em geral, as famlias de ambos os grupos afirmam
aplicar os mesmos tipos de medida s suas crianas,
exceto aquela carter verbal.
No obstante, em ambos os grupos, 21,4% das
mes relataram o uso, para castigar as criancas, de
objetos como cinto ou chinelo, sem aparentemente
discriminar tal prtica como constituinte de um
exemplo de violncia contra a criana. Segundo
pesquisadores da rea (Azevedo & Guerra, 2001;
Straus, 2000) o uso de punio corporal , muitas
vezes, embasado em crenas e normas culturais
presentes na rede social. Essas crenas e normas
culturais consideram que o uso da punio
corporal seja uma forma aceitvel de disciplina e
refletem um desconhecimento da legislao emvigor como o atual Estatuto da Criana e do
Adolescente (1990).
Nas famlias participantes foram encontrados
problemas de sade (como abuso de lcool, drogas e
depresso), tanto no grupo A como no grupo B. No
Grupo A, 35,7% das mes e 42,8% dos pais foram
identificadas como tendo problemas de sade, e no Grupo
B, 21,4% das mes e 28,5% dos pais. Pode-se dizer que
ambos os grupos existem estressores que contribuem para
o desencadeamento da violncia domstica.
H consenso na literatura de que problemas de
sade por parte da famlia, dentre esses o abuso de
lcool e drogas so considerados srios estressores
que propiciam o desencadeamento da violncia
(Caminha, 1999; Sinclair, 1985; Webster-Stratton,
1997). Alm disso, altos nveis de estresse parental
podem estar associados a um maior risco de abuso
fsico infantil, na medida em que as crenas e
valores dos pais aprovarem o uso da fora fsica
como forma de lidar com a criana (Crouch &
Behl, 2001). Mais especificamente sobre a sade da
famlia, em seu estudo de reviso sobre programas
de interveno com famlias de crianas pr-escolares com problemas de comportamento,
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Webster-Stratton (1997) diz que mes com
depresso, pais alcoolistas, e comportamento anti-
social e agressivo em quaisquer dos pais implica
em um fator de risco (p. 434).Quando se levam em conta os dados a respeito
dos episdios de violncia familiar, constatou-se que
em 71% das famlias do grupo A em que se
identificou a ocorrncia de episdios de violncia no
relato da me, existiam, adicionalmente, problemas de
sade na famlia. Essa caracterstica no se repetiu
com o grupo B. As mes do grupo B com problemas
de sade no relataram episdios de violncia.
Os dados obtidos na Escala de Tticas de Conflito
CTS-2 foram calculados seguindo as sugestes de
Straus e cols. (1996). Na anlise sugerida pelos
autores a escala constituda pelas subescalas:violncia psicolgica, violncia fsica, coero sexual,
ferimentos e negociao (essa, particularmente, refere-
se s habilidades socialmente desejveis para a
resoluo de conflitos). Os resultados obtidos so
apresentados na Figura 1.
De modo geral, os dados apresentados a
respeito da Escala de Tticas de Conflito (CTS-2)
mostram existirem nveis de violncia e de
negociao em ambos os grupos. Entre as
subescalas que apresentaram maior porcentagem de
pontuao em ambos os grupos tm-se a subescalaviolncia psicolgica e a subescala negociao. No
entanto, na subescala negociao o grupo B
apresentou 11,6 % de pontuao a mais do que o
apresentado pelo grupo A. Sendo assim, o grupo B
demonstrou maiores ndices de negociao que o
grupo A.
6,0%
53,7%
0,4%
5,8%
20,2%
42,1%
0,9%4,2%
2,8%
17,5%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
V.Psi. V. Fis. C. Sex. Fer. Neg.
S u b - e sc a l a s
Grupo A
Grupo B
Nota. V Psi.= violncia psicolgica; V Fis.= violncia fsica; C Sex.=
coero sexual; Fer.= ferimentos; e Neg. = negociao (habilidades
socialmente desejveis para a resoluo de conflitos).
Figura 1. Porcentagem mdia de pontos atribudos pelas
mes de ambos os grupos, nas subescalas do CTS-2
Uma vez que as mes de ambos os grupos
relataram ter experienciado violncia, cabe
perguntar em que medida a violncia seria igual
para os dois grupos. Teria ela a mesma
intensidade? Para responder a tal questionamento
uma segunda anlise consistiu em avaliar a
intensidade da violncia sofrida por cada grupo.
Straus e cols. (1996) dividem os atos violentos em
duas categorias de intensidade: leve e severa.
Para comparar os grupos A e B a respeito dos
dados obtidos nas subescalas, por nveis de
intensidade da violncia, mudou-se a unidade de
anlise dos grupos para as famlias de cada grupo que
apresentaram pontuao nas subescalas de violncia, o
que ocorreu para 12 famlias do grupo A e 11 famlias
do grupo B. Foram efetuados Testes Qui-quadrado( 1.= 3,84146) sobre o total de cada subescala e sobre
os nveis de intensidade de violncia, considerando-se
o nvel de significncia de 5%.
A Tabela 1 expressa os resultados obtidos a partir
dessa classificao. Tal Tabela apresenta a pontuao
de itens por nveis de intensidade assinalados em cada
subescala e os resultados obtidos dos testes estatsticos
realizados.
Tabela 1. Pontuao de itens assinalados por nveis de
intensidade em cada subescala dos grupos A e B
Classes e nveis de comportamento Grupo A Grupo B
Violncia Fsica
Leve 135* 102*
Severa 100* 18*
Total 235* 120*
Violncia Psicolgica
Leve 388* 346*
Severa 109* 83*
Total 497* 429*
Coero Sexual
Leve 45* 71*
Severa 77* 17*Total 122* 88*
Ferimentos
Leve 4* 13*
Severa 5* 7*
Total 9* 20*
Total de violncia 863* 657*
Negociao 884* 1117*
* diferenas estatisticamente significativas p < 0,05.
Em relao subescala violncia fsica, a
pontuao obtida nos itens assinalados, referentes ao
nvel de intensidade leve, foi significativamente maiorpara o grupo A (135) do que para o grupo B (102), o
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mesmo ocorrendo em relao violncia severa,
sendo o grupo A (100) significativamente maior do
que o grupo B (18) para tal intensidade.
Na subescala correspondente violncia
psicolgica, em ambos os grupos a maior
pontuao se encontrou na intensidade leve. No
entanto, cabe ressaltar que o grupo A apresentou
uma pontuao significativamente maior de
violncia psicolgica leve (388) do que o grupo B
(346). Adicionalmente, tal como na modalidade
violncia fsica, a pontuao dos itens assinalados
correspondentes intensidade de violncia
psicolgica severa foi significativamente maior no
grupo A (109) do que no grupo B (83).
Quanto subescala coero sexual, o grupo A
apresentou uma pontuao significativamentemenor (45) do que a obtida pelo grupo B (71)
quanto ao nvel de intensidade leve. Em contraste,
o inverso aconteceu no nvel de intensidade
severa, sendo que o grupo A apresentou uma
pontuao significativamente maior (77) do que a
obtida pelo grupo B (17).
Para a subescala relativa a ferimentos, na
intensidade de violncia leve, a pontuao obtida foi
significativamente menor para o grupo A (4) do que
para o grupo B (13). Da mesma maneira, no nvel de
intensidade de violncia severa o grupo A teve umapontuao significativamente menor (5) do que o
grupo B (7). Alm disso, em contraste com as demais
subescalas, os dados obtidos na subescala ferimentos
apresentaram a menor pontuao obtida pelos grupos
A e B, em relao s outras subescalas referentes
violncia.
Com respeito subescala negociao, pode-se
destacar que ambos os grupos apresentaram uma
pontuao elevada de negociao. Considerando-se a
escala (CTS-2) como um todo, pode-se constatar que a
subescala negociao foi a que obteve a maior
pontuao.
Analisando-se os dados apresentados na Tabela 1,
relativos aos totais, observa-se que o grupo A
apresentou pontuao significativamente maior na
maioria das subescalas, sendo, no geral, a violncia
experienciada pelo grupo A significativamente mais
severa do que no grupo B. Da mesma forma, o grupo
A apresentou uma pontuao total (863)
significativamente maior do que o grupo B (657),
referente s subescalas de violncia. Assim sendo,
pode-se dizer que as crianas do grupo A
experienciaram maior freqncia e intensidade deviolncia do que as do grupo B.
A Figura 2 resume os dados obtidos nos relatos
das mes, durante a Escala de Tticas de Conflito
(CTS-2), a respeito dos nveis de intensidade de
violncia em cada um dos grupos.
572
291
532
125
0
200
400
600
800
Leve Severo
Nveis de intensidade de Violncia
Pontuao-CTS2.
Grupo A
Grupo B
Figura 2. Pontuao total dos nveis de intensidade deviolncia nos grupos A e B, no CTS-2
Os resultados apresentados na figura mostram que
a pontuao do nvel de intensidade leve foi maior
para o grupo A (572) e menor para o grupo B (532).
Ainda neste nvel de intensidade, ambos os grupos
mostram uma proximidade na pontuao. Em
contraposio, a pontuao total obtida pelo grupo A
(291) foi mais do que o dobro da pontuao obtida
pelo grupo B (125) com respeito ao nvel de
intensidade severo. Mais especificamente, o grupo A
apresentou intensidade de violncia severa 57% maior
do que o grupo B. Esses resultados mostram, tambm,
um nmero maior de pontuao violncia deintensidade leve em relao severa, em ambos os
grupos.
Tais dados reforam a idia de que a violncia
est presente nas famlias de ambos os grupos, no
entanto, nas famlias do grupo A ela existe com maior
intensidade e freqncia. Portanto, pode-se dizer que
as crianas do grupo A (crianas agressivas) estavam
mais expostas a incidentes de violncia severa do que
as crianas do grupo B (crianas no agressivas).
CONSIDERAES FINAISOs resultados apresentados confirmaram os
resultados do estudo comparativo de McCloskey,
Figueredo e Koss (1995) sobre os efeitos da
violncia sistmica sobre a sade mental das
crianas. Em ambos os estudos foram encontrados
ndices de violncia familiar, comparando-se as
famlias de risco com as famlias do grupo-
controle; da mesma forma, os dados sobre punio
corporal foram iguais em ambos os grupos. Vale
acrescentar que a punio corporal o principal
fator de risco para o abuso fsico (Straus, 2000). Ouso da punio corporal como forma de educar ou
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360 Maldonado & Williams
Psicologia em Estudo, Maring, v. 10, n. 3, p. 353-362, set./dez. 2005
disciplinar as crianas envolve conceitos arraigados
em nossas crenas e normas culturais (Azevedo &
Guerra, 2001) que, no geral, no so condenados
pela comunidade, talvez por no ter cincia da
gravidade dessa prtica disciplinar, bem como pela
inexistncia de polticas pblicas de combate e
preveno do castigo corporal.
No estudo de Meneghel, Giugliani e Falceto
(1998) sobre as relaes entre violncia domstica e
agressividade na adolescncia, os resultados
encontrados mostraram uma associao entre
agressividade e punio fsica. No presente estudo no
se obtiveram dados suficientes que confirmem ou
refutem estes resultados, por conseguinte, seria
pertinente a realizao de futuros estudos sobre
comportamento agressivo e violncia domstica queconsiderassem as duas populaes participantes de
ambos os estudos (adolescentes e crianas) a respeito
de sofrer punio fsica.
A presena de violncia em ambos os grupos
pode ser explicada por diversos fatores. As famlias
participantes do estudo fazem parte de uma populao
imersa em uma srie de fatores de risco inter-
relacionados que colaboram para a ocorrncia de
violncia domstica em maior escala. Dentre esses
fatores podem-se destacar a pobreza excessiva
(Barnett, 1997), os problemas de sade, o consumo de
lcool e drogas, (Webster-Stratton, 1997), o baixonvel de escolaridade e o fato de a comunidade onde
as famlias se encontram ser desprovida de uma rede
estruturada de apoio social (Koller, 1999; Pires, 1999).
Entretanto, estes fatores de risco contribuem para o
desenvolvimento da violncia domstica, mas no
devem ser utilizados como justificativa para a
ocorrncia desta violncia.
Deve-se ressaltar que a maioria das famlias de
ambos os grupos apresentaram pontuao na subescala
negociao da escala CTS-2; portanto, pode-se dizer
que, de modo geral, as famlias que apresentaram
violncia tambm negociavam, ou seja, elasapresentavam habilidades socialmente desejveis para
a resoluo de conflitos. A presena de nveis de
negociao nas famlias participantes da pesquisa
pode ser um fator importante que explicaria o no-
engajamento de alguns dos pais em comportamentos
abusivos e negligentes. Como j observou Barnett
(1997), a boa habilidade interpessoal parental
considerada um fator de proteo contra a ocorrncia
de violncia domstica.
Os fatores de proteo tm um papel fundamental
na mediao dos efeitos da violncia. Talvez a formacomo as crianas responderam ocorrncia de
violncia - sua capacidade de resilincia - (Masten,
2001), seja uns dos fatores de proteo que pode ter
referido no-ocorrncia de comportamentos
agressivos por parte das crianas do grupo B, que
tambm estavam expostas direta ou indiretamente
violncia domstica. Da mesma maneira que os
fatores de proteo, o nvel de exposio violncia
conjugal pode ter agido como mediador da violncia a
que a criana estava sujeita, uma vez que os nveis de
intensidade da violncia foram diferentes em ambos os
grupos. As crianas do grupo B, que no
apresentavam comportamentos agressivos, foram
expostas a nveis de violncia menores do que as
crianas do grupo A, que apresentavam
comportamento agressivo. Mais especificamente, as
famlias do grupo B apresentaram nveis de
intensidade de violncia severa 57% menores do queos apresentados pelo grupo A. Segundo Osofsky
(1997), o nvel de exposio violncia pode ter uma
relao com os sintomas apresentados pelas crianas.
Cabe destacar a importncia da realizao de maiores
estudos a respeito das conseqncias apresentadas
pelas crianas frente a diferentes nveis de intensidade
de violncia, assim como a capacidade de resilincia
apresentada pelas mesmas.
Em concluso, o presente estudo responde ao
questionamento inicial. H, no geral, maior incidncia
de severidade de exposio violncia domstica nas
crianas do sexo masculino que apresentaramcomportamento agressivo na escola, quando
comparadas s crianas do mesmo sexo que no
apresentam tal comportamento. Na amostra estudada o
fenmeno da violncia domstica foi encontrado em
ambos os grupos, mas os nveis da violncia se
expressaram de formas diferentes. As crianas do
grupo A estavam expostas a violncia conjugal mais
severa do que as crianas do grupo B.
Pode-se afirmar que o comportamento agressivo
das crianas na escola poderia ser entendido como
um pedido de ajuda das mesmas, j que a
apresentao de comportamento agressiva pode serconsiderada um indicador de que a criana se encontra
em situao de risco, frente exposio violncia
severa. Espera-se que o presente estudo sirva de alerta
para a necessidade de se desenvolverem servios de
preveno e interveno em relao s crianas em
situao de tal risco.
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Recebido em 30/11/2004
Aceito em 30/06/2005
Endereo para correspondncia: Daniela Patricia Ado Maldonado, Laboratrio de Anlise e Preveno da Violncia. Programa
de Ps-Graduao em Educao Especial do Centro de Educao e Cincias Humanas,
Universidade Federal de So Carlos. Rodv. Washington Luis, Km. 235, Cx. Postal 676 CEP
13565-905, So Carlos-SP.E-mail: [email protected]