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Título :: Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro
© 2010, Carlos MorenoTodos os direitos reservados.
ISBN: 9789892311616
Índice
Preâmbulo :: 9
Introdução :: 13
Parte 1 Conhecimentos gerais sobre finanças públicas
Capítulo 1 Noções prévias sobre finanças públicas :: 17
Capítulo 2 A voz dos números das finanças públicas :: 33
Capítulo 3 Gestão dos dinheiros públicos :: 53
Capítulo 4 Controlo financeiro público externo :: 73
Parte 2 Das PPP à Casa da Música: 18 anos de maus gastos
públicos
Capítulo 5 As PPP: 18 anos a cometer os mesmos erros :: 99
Capítulo 6 Causas dos erros nas PPP :: 125
Capítulo 7 Derrapagens nas obras públicas :: 139
Parte 3 Como pode o Estado gastar menos e melhor
Capítulo 8 Propostas de rigor para a actividade de gestão
dos dinheiros públicos :: 163
Capítulo 9 Sugestões para melhorar a organização
e o funcionamento do Tribunal de Contas :: 179
Epílogo :: 189
9 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
Preâmbulo
Para quem tenha curiosidade em saber porque decidi escrever
este livro, vou contar duas histórias que marcaram a minha vida
profissional e citar de memória o que li num livro de um econo-
mista que muito me perturbou, quando comecei a minha carreira
de auditor público. Velhas de anos, mantêm flagrante actualidade
como vão ver.
Um dia, algures na burocracia europeia, durante uma fiscaliza-
ção a despesas com a aquisição de material de escritório, os auditores
descobriram que o serviço inspeccionado tinha alugado uma cave para
nela guardar quantidades sem fim de resmas de papel, canetas, tintei-
ros, esferográficas, lápis, borrachas, etc., etc. Encontrava-se ali acumu-
lado material que dava para cobrir as necessidades de dez anos de fun-
cionamento do serviço.
Quando questionados sobre tão insólita situação, os dirigentes
responderam que os seus superiores hierárquicos sempre lhes tinham
dado instruções para, em cada ano, gastarem até ao último cêntimo
a totalidade das verbas inscritas no respectivo orçamento, já que não
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despender as dotações orçamentais a 100 por cento era fundamento
para cortes automáticos de verbas no orçamento do ano seguinte.
Noutra ocasião, agora na burocracia portuguesa, no decurso de
uma auditoria a um hospital, os inspectores encontraram ainda encai-
xotado todo um equipamento novinho em folha para o bloco operató-
rio. E com surpresa apuraram que o mesmo tinha sido comprado há já
alguns anos por concurso público, dado o seu elevado preço.
Instados a justificar a anormalidade da situação, os dirigentes expli-
caram que a compra tinha sido preparada e decidida pelos anteriores res-
ponsáveis do hospital. Mas após a entrega do equipamento a nova admi-
nistração tinha constatado que, para o instalar, tornava-se necessário
realizar obras de vulto no bloco operatório. E era também indispensável
dar formação especializada a vários técnicos, para aprenderem a utilizar
o novo material. Apesar de repetidos pedidos, o hospital ainda não tinha
sido dotado com as verbas necessárias para aqueles dois efeitos.
Mesmo com muitos anos passados, situações deste género con-
tinuam a repetir-se e permitem compreender porque é que o Estado,
demasiadas vezes, gasta tanto dinheiro dos impostos sem o correspon-
dente benefício para os contribuintes. E, portanto, mal gasto.
Em 2010, com a crise económica e financeira no auge, nada melho-
rou em Portugal no capítulo da gestão dos dinheiros públicos, e os con-
tribuintes vêem-se confrontados com uma enorme dívida do Estado para
pagar e o rendimento disponível e a qualidade de vida a diminuir.
Por exemplo, continuam a sentar-se à mesa do orçamento do Estado
perto de 14.000 entidades. E o Estado continua sem fazer o trabalho
de casa de verificar quantas delas são socialmente inúteis ou duplicam
a prestação dos mesmos bens ou serviços.
Os governantes e os demais responsáveis também ainda não expli-
caram aos contribuintes para que servem – e porque são alimentadas
por dinheiros públicos – mais de 900 fundações e associações e mais
de 1.000 empresas estatais e locais.
Só em remunerações do pessoal dos gabinetes ministeriais (adjun-
tos, consultores, secretárias, motoristas, etc.) o orçamento prevê para
11 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
2010 mais de 49 milhões de euros. Em Junho daquele ano, não eram
visíveis sinais de aqui se querer poupar.
Boa gestão financeira e exemplo generalizado de rigor e de austeri-
dade, no dispêndio do dinheiro dos contribuintes pelo sector público,
continuam a não ser visíveis para os portugueses, depois de terem sido
duramente castigados com dois pacotes de medidas de austeridade,
decretados pelo Governo para tentar sanear o descalabro das contas
públicas.
Poucos anos após ter começado a trabalhar, veio-me parar às mãos
um livro de um economista, no qual encontrei descritas as diferenças
entre uma obra privada e uma obra pública.
A diferença que mais me impressionou foi a seguinte: os privados,
mesmo depois de lançarem uma obra, se concluírem que ela deixa de
ter racionalidade económica ou financeira param-na, e não gastam nem
mais um cêntimo; o Estado teima sempre em levar até ao fim as suas
obras e paga-as com o dinheiro dos contribuintes.
Esta leitura velha de décadas foi premonitória do que se passa em
Portugal no ano de 2010 – com uma crise financeira gravíssima às cos-
tas, o Estado insiste em prosseguir as suas obras públicas sem cuidar
de reavaliar a sua racionalidade à luz das novas realidades.
Poder explicar de forma simples, aos leigos nestas matérias, alguns
problemas ligados às finanças públicas, que a todos hoje interessam
e respeitam, foi também decisivo para escrever este livro.
13 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
Introdução
O Estado não tem fatalmente que realizar negócios ruinosos com
os privados quando contrata Parcerias Público-Privadas (PPP), nem
de aceitar sistemáticas derrapagens de custos e de prazos em obras
públicas, nem de manter empresas públicas cronicamente deficitárias
e sobre-endividadas.
Também é sua obrigação não relegar para as gerações futuras
o pagamento de despesa não justificada pela equidade inter-geracio-
nal, ou financeiramente insustentável, e muito menos continuar a gas-
tar alegremente mais do que tem e depois obrigar ciclicamente os con-
tribuintes a apertar o cinto, por imposição dos credores internacionais
e de Bruxelas.
Neste livro analiso vários casos conhecidos da opinião pública, nos
quais os erros cometidos pelo sector público, que custaram milhões aos
contribuintes, podiam ter sido evitados. A seguir apresento as princi-
pais conclusões sobre as respectivas causas. Termino com a indicação
de algumas medidas de rigor financeiro a adoptar pelo Estado e de cer-
tos comportamentos sociais que os cidadãos poderiam seguir.
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Antes, disponibilizo ao leitor leigo nestas andanças conhecimentos
gerais sobre finanças públicas. Se já estiver familiarizado com termos
como o Produto Interno Bruto (PIB) ou o Programa de Estabilidade
e Crescimento (PEC), se souber distinguir dívida de défice ou se a boa
gestão financeira e a auditoria pública forem temas seus conhecidos,
sugiro-lhe que passe à frente dos respectivos capítulos.
Resta-me acrescentar que nas escolhas dos conteúdos não sigo um
caminho neutro ou asséptico ou, por outras palavras, politicamente
correcto. Opto pela minha visão pessoal sobre as matérias que trato.
A qual é, todavia, decisivamente influenciada quer pela docência uni-
versitária da cadeira de Finanças Públicas, quer pela profissão de audi-
tor público que apaixonadamente exerci durante largos anos.
17 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
CAPÍTULO 1
Noções prévias sobre finanças públicas
Apresento a seguir vários termos e noções técnicas relacionados
com as finanças públicas, isto é, com os dinheiros do Estado, que são afi-
nal os nossos dinheiros. Entre outros, avanço com conceitos e referências
úteis a respeito do défice e da dívida pública, do Produto Interno Bruto,
das parcerias público-privadas, do mercado e da concorrência. Se nada
disto tem segredos para si, sugiro-lhe que passe ao capítulo seguinte.
ESTADO E SECTOR PÚBLICO
Quando se usa a palavra Estado é quase certo que ela não signi-
fica o mesmo para toda a gente. Para além do conceito de Estado poder
ter um âmbito mais vasto ou mais restrito, é também frequente ver
aquela palavra designar realidades que nada têm a ver com a noção de
Estado.
Esta última situação ocorre, por exemplo, quando se identifica
o Governo ou os ministros com o Estado.
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Para efeitos das finanças públicas relevantes para os contribuin-
tes, o Estado só pode ser entendido no seu sentido mais amplo, ou
seja, como sinónimo de sector público, já que são sempre os dinhei-
ros dos cidadãos que alimentam e fazem funcionar todas as entida-
des que integram este último e suportam as operações e os negócios
que nele se realizam.
Estado em sentido amplo engloba a administração central, incluin-
do a segurança social, as regiões autónomas, as autarquias locais, bem
como todo o sector público empresarial, no qual se integram as empre-
sas de capitais total ou maioritariamente públicos, estatais e locais (como,
por exemplo, a CARRIS a CP a REN, a REFER, a Caixa Geral de
Depósitos ou o Porto de Lisboa).
Integram ainda este conceito amplo de Estado as fundações e asso-
ciações públicas.
Também as demais fundações e associações financiadas por di-
nheiros públicos (como é o caso da Fundação Mário Soares ou da
Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – colecção Berardo),
embora não integrem o conceito de Estado assumem particular im-
portância para os contribuintes que as alimentam com dinheiros
seus.
Não estou aqui a falar de bagatelas, pois além das dezenas e deze-
nas de empresas locais, a administração central é dona de mais de 700
empresas (algumas repletas de dívidas). As fundações e associações ali-
mentadas por dinheiros dos contribuintes são mais de 900.
Todavia, no âmbito dos países do euro nos quais Portugal se inte-
gra, existem domínios fundamentais das finanças públicas, como o défice
e a dívida pública, que apenas tomam em conta as receitas e despesas
das chamadas administrações públicas, concretamente as administra-
ções central, regional e local e a segurança social. Ficam portanto de
fora, para este efeito, as finanças do sector empresarial público, mesmo
que muito vasto, como acontece no nosso país.
Em conclusão: para efeitos dos dinheiros públicos que interes-
sam aos contribuintes tem de se reter um conceito amplo de Estado,
19 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
sinónimo de todo o sector público – seja o administrativo, o empre-
sarial, seja o das fundações e associações públicas. As demais funda-
ções e associações beneficiárias de dinheiros públicos, mesmo que não
integrem tecnicamente o conceito de Estado, têm de ser associadas a
este, enquanto alimentadas por verbas orçamentais relevantes para os
contribuintes.
No quadro financeiro comunitário o conceito de Estado é restrito,
pois está limitado às administrações públicas central, regional e local
e inclui a segurança social.
RECEITAS E DESPESAS PÚBLICAS
O Estado gasta milhões e milhões de euros todos os anos. Com
os seus órgãos (Governo, tribunais, etc.), com os seus serviços (minis-
térios, direcções-gerais, etc.), com as suas regiões (Açores e Madeira),
com as suas autarquias (308 municípios e 4.260 freguesias). De igual
modo, com o pagamento dos ordenados aos seus mais de 700 mil fun-
cionários, com os subsídios de desemprego, com as pensões dos aposen-
tados. Sustenta também os prejuízos de dezenas e dezenas de empre-
sas públicas e paga a construção de estradas, pontes, escolas, prisões,
barragens, etc. E, todos os dias, o Estado compra mil e um produtos
e serviços.
Se o sector público sozinho é responsável por mais de metade
de toda a despesa do país, é evidente que para funcionar e poder satisfa-
zer as necessidades sociais dos cidadãos carece, como de pão para a boca,
do vil metal. Tem naturalmente de receber dinheiro e de o gastar.
Porém, no rigor dos termos, receitas e despesas públicas, são só
as que estão inscritas e previstas nos orçamentos das administrações
públicas. Ainda que os meios financeiros administrados pelas centenas
e centenas de empresas estatais e locais constituam dinheiros públicos,
as suas receitas e despesas não são tratadas pela legislação financeira
como receitas e despesas públicas.
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Existem várias maneiras de classificar as receitas e as despesas públi-
cas, mas aqui vou arrumar cada uma delas apenas num grupo especí-
fico, para tornar mais fácil a respectiva compreensão.
A classificação mais expressiva das receitas públicas organiza-as em
tributárias, creditícias e patrimoniais.
As primeiras provêm dos impostos cobrados, com força obrigató-
ria, às famílias, às empresas e à generalidade dos agentes económicos
– são as mais importantes, em termos de volume e de impacto social.
As segundas traduzem-se nos empréstimos que as várias entidades
públicas contraem nos mercados financeiros – o nacional e os interna-
cionais. As receitas patrimoniais consistem nos rendimentos provenien-
tes dos bens públicos, como por exemplo as rendas de imóveis, o pro-
duto da venda de árvores das florestas do Estado e os dividendos pagos
por empresas de capitais públicos lucrativas.
A melhor maneira de organizar as despesas públicas, para se per-
ceber em que é que o Estado gasta o dinheiro dos contribuintes, é clas-
sificá-las em despesas de funcionamento e de investimento.
As primeiras suportam o custo da actividade de toda a máquina
administrativa – a mais volumosa e importante diz respeito aos salários
dos funcionários públicos. As despesas de investimento, também desig-
nadas como reprodutivas, são as que o Estado realiza para fazer cres-
cer a riqueza do país no futuro, através do aumento da sua capacidade
produtiva. É o caso das despesas com a construção de infra-estruturas
'(auto-estradas, pólos industriais, redes de transporte de energia, por-
tos, aeroportos, etc.) e das destinadas ao financiamento da investiga-
ção científica e tecnológica.
No domínio do dispêndio público, a maior preocupação de todos
os gestores e decisores (incluindo os políticos) financeiros públicos deve
ser sempre a de gastar o mínimo, com o máximo proveito e os melho-
res resultados para os cidadãos.
Afinal todo o dinheiro do Estado é proveniente da amputa-
ção do rendimento dos agentes económicos privados e nunca deixa
de estar ao serviço e de ser pertença dos cidadãos. Por isso deve ser
21 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
sempre administrado por todos os responsáveis públicos em nome
e por conta daqueles, e segundo as normas de prudência e de rigor
que o bom pai de família utiliza na administração do património
familiar.
PRODUTO INTERNO BRUTO
O Produto Interno Bruto (PIB) passou a ter relevância decisiva
para as finanças públicas portuguesas a partir da adesão do nosso país
ao euro, a moeda única europeia.
O PIB português representará 170.388 milhões de euros, segundo
estimativa para 2010 e de acordo com a nova base de cálculo do Instituto
Nacional de Estatística (INE).
Os países do euro são obrigados a manter as suas finanças públicas
sãs e equilibradas. Défices excessivos nas contas das respectivas admi-
nistrações públicas, ou endividamento demasiado elevado das mesmas,
não são permitidos. Ora, os limites comunitários impostos, tanto para o
défice orçamental como para a dívida pública, são fixados precisamente
em percentagem do PIB de cada estado membro.
O PIB define-se como a produção anual de uma dada economia,
normalmente um país, ou seja, como a nova riqueza nele criada durante
um ano.
Mede-se pela soma dos valores acrescentados por cada um e todos
os agentes económicos ao que é produzido em bens e serviços. Só con-
tam os valores finais acrescidos por cada produtor, excluindo-se a dupli-
cação de quaisquer valores.
Para melhor perceber como é calculado o PIB, atente no seguinte
exemplo.
Existem duas empresas: uma vende cimento e a outra, com o cimento
comprado à primeira, constrói prédios que depois vende aos seus clien-
tes. A primeira vende o cimento por 300; a segunda vende o prédio por
1.000. Qual é neste caso o valor final acrescentado pelas duas empresas?
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1.300 (300+1.000)? Não – fazendo assim as contas, adicionava-se
duas vezes o valor do cimento. O que não pode acontecer no cálculo
do PIB. Por isso, avalia-se a produção da segunda empresa apenas com
base no que ela acrescenta à matéria-prima, o cimento, que havia com-
prado à primeira empresa. Sem voltar a contabilizar o respectivo valor.
Para apurar o valor acrescentado pela segunda empresa, tem-se em
conta o valor final do prédio (os referidos 1.000), mas descontado do
valor do cimento utilizado (os tais 300), já contabilizado por conta da
primeira empresa. O que dá 700. Assim fazendo, reencontra-se a pro-
dução total de 1.000 (700+300), que é o resultado da produção final
acrescentada pelas empresas.
O PIB não inclui a produção da economia não oficial ou subter-
rânea, como é o caso dos chamados biscates e da venda de produtos
de contrabando (de apreciável volume em vários países e também em
Portugal), nem o trabalho doméstico ou o auto-consumo das famí-
lias. Estima-se que no nosso país a economia paralela (não declarada
ao fisco) ultrapasse 23% do PIB, com tendência para forte crescimento
em período de crise.
O PIB também só mede a contribuição produtiva das unidades
residentes no país, uma vez que o valor acrescentado criado no estran-
geiro, ainda que por empresas portuguesas, integra o Produto Nacional
Bruto (PNB) e não o PIB.
Para além de referência para medir o défice e a dívida pública,
o PIB é um indicador muito utilizado para outras medidas e compa-
rações. Por exemplo, o PIB per capita é frequentemente usado como
um indicador de riqueza e de qualidade de vida dos cidadãos. Deve
todavia ser analisado com cautela, pois pode suceder que o PIB de
um país cresça e a maioria dos seus residentes fique mais pobre ou
não aumente a riqueza na mesma proporção, devido às assimetrias na
repartição do bolo.
Nem todo o aumento do PIB é sinónimo de progresso social –
é o que sucede quando o crescimento económico resulta do aumento
de certo tipo de produtos, como o álcool ou o tabaco.
23 COMO O ESTADO GASTA O NOSSO DINHEIRO :: CARLOS MORENO
DÉFICE PÚBLICO
Quando as despesas do Estado são superiores às suas receitas, isto
é, sempre que os dinheiros públicos anualmente recebidos pelas admi-
nistrações públicas não chegam para cobrir as respectivas despesas
anuais, existe défice orçamental. Défice é, pois, sinónimo de o Estado
gastar mais do que tem em cada ano.
Para fazer face ao saldo negativo das contas públicas, os Governos
recorrem em regra à contracção de empréstimos nos mercados finan-
ceiros, o que constitui a maneira mais fácil de resolver esta dificuldade.
Podem também aumentar impostos, reduzir a despesa pública ou ven-
der património, isto é, desfazer-se dos anéis.
Nos dois programas de saneamento das contas públicas que já
decretou em 2010, por imposição de Bruxelas e dos credores interna-
cionais, o Governo português comprometeu-se a fazer de tudo aquilo
um pouco com destaque para o aumento de impostos.
A União Económica e Monetária, à qual Portugal pertence, proíbe
os Estados membros de manter défices orçamentais excessivos.
É excessivo o défice que ultrapasse os 3% do PIB. O nosso país,
depois de se ter apurado que o défice público do ano de 2009 tinha che-
gado aos 9,4% do PIB, ficou em situação de défice excessivo. Este dese-
quilíbrio das contas públicas obrigou o Governo a apresentar a Bruxelas
um programa de saneamento das suas finanças, para vigorar de 2010
a 2013, período durante o qual aquele défice de 9,4% teria de ser redu-
zido para menos de 3% do PIB.
Todavia, mesmo antes de começar a ser executado, aquele programa
teve de ser drasticamente reforçado e ver antecipadas as suas metas,
principalmente em matéria de défice, na sequência das pressões feitas
pelos credores internacionais, pelas agências de rating e por Bruxelas,
com intervenção decisiva da Alemanha.
Quem vai agora pagar a parte de leão da factura e apertar o cinto
são os cidadãos, aos quais o Governo impôs nomeadamente o aumento
dos impostos, a redução dos salários reais e o corte de benefícios sociais.
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Tudo em simultâneo e a partir de Junho de 2010. O que significa dimi-
nuição do rendimento disponível e do nível de vida dos portugueses
durante largo período de tempo, e o cavar do fosso do seu afastamento
da média da Europa.
DÍVIDA PÚBLICA
A dívida pública é o valor que corresponde à soma dos emprésti-
mos contraídos pelas administrações públicas (central, regional, autár-
quica e segurança social), junto dos aforradores nacionais e estrangei-
ros, e que ainda não foram pagos.
Diferente da dívida pública é a dívida externa portuguesa. Esta
abrange mais devedores e é maior.
Com efeito, para além das administrações públicas, também várias
dezenas de empresas do Estado, algumas em grandes proporções, têm
vindo a endividar-se no mercado financeiro, contraindo empréstimos
que ainda não pagaram. O mesmo fez também grande parte dos agen-
tes económicos privados – famílias, empresas e bancos.
A dívida externa portuguesa representa precisamente o total con-
solidado de todos os empréstimos contraídos nos mercados financei-
ros pelas administrações públicas, empresas estatais e locais, famílias,
empresas privadas e bancos e que estão por pagar.
Para efeitos da disciplina financeira imposta aos países do euro
não é a dívida externa que conta mas apenas a dívida pública, ou seja,
os empréstimos contraídos e não pagos pelas administrações públicas.
Não contam, pois, para este efeito os empréstimos contraídos e não
pagos pelas empresas públicas.
Sempre que o montante da dívida pública ultrapasse o patamar dos
60% do PIB, o limite fixado por Bruxelas, o país em questão, como é o
caso de Portugal, tem de arrepiar caminho e voltar a situar a sua dívida
pública naquele nível.