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Vida. Segundo S. Jerônimo, fundamentado em Suetônio, Catulo viveu 30 anos e

morreu em 58 a.C. No entanto, a data parece estar errada, pois em mais de um

poema, o poeta alude à campanha de César na Britânia, que ocorreu em 55 a.C.

O erro parece ter ocasionado por uma confusão nos nomes dos cônsules dessa

época. Assim parece ter vivido entre 82 e 52 a.C.

De uma família rica de Verona, foi cedo para Roma, não para abraçar a carreira

política, mas para estudar e escrever. Não se sabe muito sobre sua vida. Mas,

segundo Apuleio, a Lesbia a quem canta se chamava Clódia, que pode ter sido

a esposa de C. Metelo Céler, um dos homens influentes da aristocracia romana,

a quem, inclusive, foi acusada de ter envenenado.

Poetae novi. Pertenceu a um grupo de poetas e intelectuais (Licínio Calvo,

Hélvio Cina, Varrão Atacino, Quinto Cornifício e sua irmã Cornifícia, Valério

Catão, Cornélio Nepos, Fúrio Bibáculo, Ticidas) que rompeu com o passado

literário romano, representado pela tradição épica. Por isso, o grupo foi

pejorativamente apelidade por Cícero de neóteroi (Cartas a Ático, 7, 2, 1) ou

poetae novi (O Orador, 3, 45).

Influência da poesia helenística. Poesia fruto de uma cultura escrita. A biblioteca

de Alexandria, que na época de Ptolomeu II, contava com mais de 742.000

volumes. Bibliotecários: Calímaco de Cirene (300-240 a.C.), Apolônio de Rodes

(295-215 a.C.). Teócrito viveu em Alexandria e conheceu Calímaco. Afeição ao

pequeno e ao delicado. Repúdio à épica, por exemplo, em Calímaco: "eu odeio o

poema cíclico" (epigrama 28). E ainda: "um grande livro é igual um grande mal".

Gêneros cultivados: o epílio (pequena épica), o idílio (pequeno quadro). Ará

(imprecação, em latim dira). O epigrama, a elegia (poema de maior extensão,

em dísticos, um hexâmetro e um pentâmetro).

A poesia de Catulo. O livro de Catulo, a única obra que nos chegou dos poetae

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novi, tal como nos chegou, contém pouco mais de 100 poemas, com três

grandes partes. Dos poemas 1 a 60, metros variados. Dos poemas 61 a 68,

carmina docta, do 68 a 116, poemas elegíacos. No primeiro poema, Catulo fala

do seu libellus, livrinho. Fala de nugae, bagatelas, ninharias, tradução de

paígnia. Ou seja, poesia de circunstância: bilhetes enderaçados a amigos,

reclamações, registro das vicissitudes do amor, etc.

Estilo. Fala na primeira pessoa e usa seu nome. A simplicidade e sinceridade

dos poemas dão a impressão de serem expressões de sua vida interior. No

entanto, ele mesmo insulta quem acredita que seus poemas reflitam a sua vida.

A sinceridade oculta seus artifícios: ars est celare artem.

Proposta de um estilo de vida leve. Termos próprios: uenustus (relativos a

Vênus), lepor (graça), facetiae (atitudes e ditos vivazes), salsus (o que tem sal),

elegans ( o que sabe escolher), urbanus (em contraposição ao rústico).

Primeiro poema:

A quem dedico esta graça (lepidum) de livro

novinho em folhas recém-buriladas?

A ti, Cornélio, pois tu costumavas

ver uma coisa qualquer nestas nugas,

já desde o tempo em que ousaste, primeiro

na Itália inteira, explicar toda a História

em três volumes mui sábios - por Júpiter!

muito difíceis. Contigo então, leve,

leva este quê, o que for, de livrinho (libelli):

que viva, ó deusa virgem, mais de um século! (Minerva, protetora da poesia)

Deve-se tomar cuidado em considerar seus poemas uma mera expressão de

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sua vida. É o que diz no poema XVI

Eu comerei vocês (pedicabo) e farei com que me chupem (irrumabo)

Aurélio viado (pathice) e Fúrio bicha (cinaede),

que, a partir dos meus versinhos, julgaram

que, por serem delicados (molliculi), sou pouco recatado.

Ora, convém que o escrupuloso poeta seja casto

ele próprio, quanto a seus versinhos, não é nem um pouco necessário,

já que só tem, justamente, sal (salem) e graça (leporem).

Se são delicados e pouco recatados

e podem excitar o tesão

não digo dos meninos, mas desses peludos

que não conseguem mover os lombos endurecidos.

Vocês, que muitos milhares de beijos

leram, julgam que eu não sou lá muito homem?

Eu comerei vocês e farei com que me chupem.

Poesia amorosa. Não se pode falar de poesia amorosa em Roma antes de

Catulo. Isso porque a poesia privada não era julgada digna da grauitas do

cidadão romano. Daí, a epopeia como atividade literária lógica. Antes de Catulo,

a tradição conhecia os amores da palliata, que eram amores por cortesãs, cujo

final era o matrimônio apenas quando se descobria que a cortesã era de

nascimento livre.

Em Catulo, o poeta dá vida a um novo modelo de comportamento, falando de

uma nova relação entre homem e mulher, que não é nem a do matrimônio, nem

a paixão fugaz por mulheres de pouco valor. Na verdade, nosso modo de

conceber o amor tem muito em comum com as concepções do amor elegíaco.

Catulo inova ao cantar o amor por uma mulher de alta linhagem e casada,

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possivelmente a Clódia que fora esposa de M. Célio Rufo. É uma força

devastadora e um modo de recusa do uir gravuis. Além disso, a amada sofre um

processo de idealização. É uma puella diuina.

O amor digno de canto não é o amor feliz, mas aquele que é permanente fonte

de sofrimento. Por isso, o papel da traição é fundamental, a ser aceita com

sofrida resignação. O poeta também sabe que jamais poderá concretizar suas

ambições conjugais com a mulher amada. Assim, ao matrimônio, ele sobrepõe o

foedus amoris, que mantém sólidos laços com a fides.

Poesia de escárnio. Poética da masculinidade: o que importa são os papéis

ativo e passivo. O homem livre domina suas paixões e é ativo. O passivo é o

papel das mulheres e escravos. Escárnio ao falar de agressão sexual.

Vocabulário. Futuere, vaginal; paedicare, anal; irrumare, oral. Termos

pejorativos: pathicus, o pederasta passivo; cinaedus, o praticante da felação.

Puer, o escravo que pode ser objeto sexual. Moechor, ter amantes, qualquer

relacionamento que não tem a sanção da fides.

BIBLIOGRAFIA

CATULO. O Cancioneiro de Lésbia. Tradução de Paulo Sérgio Vasconcellos. S.

Paulo: Editora Hucitec, 1991.

__________. O Livro de Catulo. Tradução de João Angelo Oliva Neto. S. Paulo:

EDUSP, 1996.

FEDELI, P. A poesia de amor. In: CAVALLO, G. et al. O Espaço Literário da

Roma Antiga. Belo Horizonte, Tessitura, 2010.  


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