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Rev Tempus Actas Sade Col //203
Wnia Regina Veiga Martines1
Ana Lcia Machado2
Luciana de Almeida Colvero3
RESUMO
O objetivo deste estudo divulgar a
cartograa como importante inovador
metodolgico na pesquisa em sade. O
mtodo, originalmente descrito pelos lsofos
franceses Gilles Deleuse e Flix Guattari ao
nal da dcada de 1960, e cuja abordagem
considerada relativamente nova quanto a seu
uso na pesquisa qualitativa no Brasil , surge nos
ltimos anos como proposta metolgica adotada
por pesquisadores brasileiros. Na cartograa,
a construo de mapas permite a captao dacomplexidade presente no campo e nos dados
produzidos, que falam dos encontros entre
prossionais, gestores, pacientes e familiares.
Nesta perspectiva, a cartograa um modo de
mapear a realidade, de acompanhar processos
1Doutora em Cincias da Sade com ttulo pela Escolade Enfermagem da USP.2 Professora Associada da Escola de Enfermagem daUSP Departamento de Enfermagem Materno Infantil e
Psiquitrica Enfermagem em Sade Mental .3 Professora Associada da Universidade de So Paulo,Escola de Enfermagem, Departamento de EnfermagemMaterno-Infantil e Psiquiatria .
de produo, de possibilitar o acompanhamentode movimentos e intensidades dos sujeitos que
compem a complexa produo de cuidados
em sade.
Palavras chave: Cartograa; Pesquisa
qualitativa; Cuidados de sade.
ABSTRACT
The aim of this study is to promote the
cartography as an important methodological
innovation in health research. The method,
originally described by the French philosophers
Gilles Deleuze and Flix Guattari in the late
1960s, and whose approach is considered
a relatively new as to its use in qualitative
research in Brazil, appears in recent years
as a methodological proposed by Brazilian
researchers. In cartography, the construction
of maps enables the researchers to capture
the complexity in eld and in the data
produced, which regarding meetings between
professionals, managers, patients and relatives.
In this perspective, the cartography is the way
of mapping reality by monitoring production
processes in order to record movements and
intensities of the subjects that make up the
Temas Livres Tempus - Actas de Sade Coletiva
A cartografa como inovao metodolgica na
pesquisa em sade
The cartography as a methodological innovation inhealth research
La cartografa como innovacin metodolgica en lainvestigacin en salud
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complex production of health care.
Key Words: Cartography; Qualitative
research; Delivery of Health Care.
RESUMEN
El objetivo de este estudio es divulgar la
cartografa como una importante innovacin
metodolgica en la investigacin en salud.
El mtodo, descrito originalmente por los
lsofos franceses Gilles Deleuze y Flix
Guattari en nales de la dcada de 1960, y cuyo
enfoque se considera relativamente nuevo en
cuanto a su uso en la investigacin cualitativa
en Brasil, en los ltimos aos aparece como
una propuesta metodolgica adoptada por los
investigadores brasileos. En la cartografa,
la construccin de mapas permite la captacin
de la complejidad de este campo de estudio
y en los datos producidos, que hablan de los
encuentros entre profesionales, gestores,
pacientes y familiares. En esta perspectiva, lacartografa es una forma de realizar mapas
de la realidad, de acompaar los procesos de
produccin, de posibilitar el acompaamiento
de los movimientos y las intensidades de los
sujetos que componen la compleja produccin
de los cuidados en salud.
Palabras Clave: Cartografa; InvestigacinCualitativa; Prestacin de Atencin de Salud.
INTRODUO
Cartograa, cartografar. Do que estamos
falando ?
A cartograa tradicional volta-se como arte,
tcnica e cincia, elaborao de mapas, cartase outras formas de expresso ou representao
de objetos, fenmenos e ambientes fsicos
e socioeconmicos, em uma tentativa do
homem conhecer o mundo que habita1. Mas
a construo de mapas pode tambm permitir
a visualizao da distribuio espacial e
temporal de uma doena em uma populao
especca, no que diz respeito ao processo de
vigilncia epidemiolgica, onde necessria
a implementao de medidas de preveno
e controle de casos, por exemplo, de evento
infecto-contagioso na tuberculose2.
Por sua vez, o procedimento de cartografar
aqui proposto, baseado nos princpios da
esquizoanlise3
, possibilita o mapeamentode paisagens psicossociais, o mergulho na
geograa dos afetos, dos movimentos, das
intensidades.
Considerada como uma abordagem
relativamente nova quanto a seu uso na
pesquisa qualitativa no Brasil, a cartograa
vem sendo usada como proposta metodolgica
por pesquisadores brasileiros. Na rea da
sade, especicamente, temos importantes
trabalhos produzidos por pesquisadoras da rea
da Enfermagem4-9.
Nos ltimos 6 anos, o mtodo da
cartograa tanto vem norteando trabalhos de
iniciao cientca, mestrado e doutorado
conduzidos pelas autoras deste manuscrito,quanto subsidiando discusses (e produes
acadmicas) de grupos de estudo e pesquisa
relacionados produo de cuidados em sade,
como o Grupo de Pesquisas da Subjetividade
em Sade da Escola de Enfermagem da
Universidade de So Paulo, que se reune
mensalmente. Ao longo deste perodo
portanto, a pesquisa bibliogrca permanente
pela busca de obras e autores que pudessem
aprimorar a compreenso e o uso prtico deste
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mtodo na pesquisa qualitativa e a riqueza
dos materiais tericos, das experincias em
campo e da participao em congressos de
pesquisa qualitativa, motivaram-nos a reunir e
divulgar, neste trabalho, a cartograa e a gama
de possibilidades que ela traz, enquanto uma
inovao para a produo de conhecimento na
rea da sade.
A ORIGEM DO MTODO
Criada por Gilles Deleuze e Flix Guattari
ao nal da dcada de 1960, a cartograa nasce
com a esquizoanlise, tambm denominada de
losoa da diferena, clnica da diferena10.
Alimenta-se de teorias loscas e imagens da
literatura, pintura, cinema e msica. Nela, as
noes de inconsciente e de subjetividade so
reconstrudas. O inconsciente, afastando-se da
teoria psicanaltica, compreendido como uma
mquina de produo que opera no social, no
presente (composies atuais), atravessando
os sujeitos, seus territrios e suas relaes.
Segundo Diniz (2008), a subjetividade no
se remete a um eu, polifnica, mltipla.
Assim, identidades e trajetrias entregam-
se ao movimento permanente de (des)
territorializao e (re)territorializao,
utilizando-se da noo de devir como uma
abertura ao inacabado11.
Embora o mtodo da cartograa tenha sido
descrito como um dos princpios do rizoma, que
por denio : o que est enraizado12, os autores
o concebem como um sistema mais complexo,
diferenciado, comformas muito diversas, desde
sua extenso supercial ramicada em todos
os sentidos at suas concrees em bulbos e
tubrculos... H o melhor e o pior no rizoma:
a batata e a grama, que a erva daninha. E
para melhor compreender esta noo vamos
destacar algumas caracteristicas da estrutura
rizomtica por eles descritas10:
1 e 2 ) princpio de conexo e
heterogeneidade: qualquer ponto do rizoma
liga-se a outro, em tramas, em conectividade,
sem uma ordem estabelecida de comeo e m,
entre elementos heterogneos; 3) princpio da
multiplicidade: inexiste a condio de unidade
(o sujeito no uno, o objeto no uno). Com
a ausncia de pontos ou posies hierrquicas,
como em uma rvore ou raiz, h somente
linhas, situadas num plano; 4) princpio da
ruptura a-signicante: orizoma pode serrompido em qualquer lugar e tambm se
reconstitui em qualquer lugar, em suas linhas.
Possui linhas de segmentaridade, com alguma
espcie de organizao e territorializao, mas
tambm as linhas de desterritorializao, de
fuga. As linhas de fuga fazem parte do rizoma.
Por isso, afasta-se desta ideia a dicotomia
bom-mau. 5 e 6) princpio da cartograa e de
decalcomania: o rizoma no segue um modelo
estrutural ou gerativo. Ele afasta a existncia
de eixo gentico ou estrutura profunda, como
no decalque, que segue a ordem da reproduo,
daquilo que j est dado por uma estrutura ou
eixo.
Diferentemente do rizoma, os sistemas
arborescentes, que so sistemas hierrquicos nosquais residem centros de signicncia, poder,
subjetivao, memrias organizadas e centros
de comando; inuenciaram muito o pensamento
ocidental em vrias reas do conhecimento.
Entretanto, preciso compreender que rizomas
e sistemas arborescentes no vivem isolados
um do outro, existem ns de arborescncia nos
rizomas, empuxos rizomticos nas razes10
.
Armam tambm sobre a provisoriedade do
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mapa: o rizoma se refere a um mapa que deve
ser produzido, construdo, sempre desmontvel,
conectvel, reversvel, modicvel, com
mltiplas entradas e sadas, com suas linhas de
fuga... todo tipo de devires...10Sobreposio de
heterogneos, desmanchamento e surgimento
de intensidades. Provisoriedades. O cartgrafo
ento, ao esboar o mapa, procura prestar
ateno s mltiplas entradas e sadas que as
expresses dos sujeitos desenham em seus
gestos e narrativas. Conectividades. Devires.
No h dvidas de que a produo de cuidados
em sade (consequentemente, a pesquisa emsade) esteja em contato permanente com tais
fenmenos, em decorrncia da caracterstica
complexa que a constitui. Assim, mapas
igualmente complexos, podem ser esboados
para retratar a realidade, onde trabalhadores,
gestores, pacientes e familiares transitam com
suas aes, intenes e necessidades.
A CARTOGRAFIA COMO PROPOSTA
METODOLGICA NO PROCESSO DE
PRODUO DA SUBJETIVIDADE
Partindo da reexo sobre a produo
de cincia, observamos a necessidade de
formalizao, mesmo diante de fenmenos
volteis que tratam da ordem da emoo e do
sentimento, que se inscrevem em movimentoscontinuamente dinmicos de recriao e
variao13. Se por um lado, as simplicaes
metodolgicas e a superestruturao podem
eventualmente, empobrecer a captao da
realidade; por outro, o mtodo na pesquisa
qualitativa, no pode ser banalizado. Ele deve
existir de forma a atender s exigncias em
funo do objetivo denido. A abordagem
qualitativa portanto, permite a identicao
de nuanas de intensidade e essncia ao longo
da extenso do fenmeno. Lembrando-se
sobretudo, que cartografar a tarefa de dar
lngua para afetos que pedem passagem, de
mergulhar nas intensidades3.
Ao problematizar o uso de mtodo,
referencial terico e procedimentos tcnicos
na perspectiva cartogrca3, torna-se claro
que no possvel deni-los, uma vez que
os procedimentos devem ser captados pelo
cartgrafo em funo do contexto. Para aliviar
a possvel sensao de susto do leitor diante de
tal ideia, preciso dizer que no h o desejo
de suprimi-los. Deve haver um planejamentopr-organizado e a inteno de revisar os
procedimentos, sempre que necessrio, no
decorrer da progresso da pesquisa, em razo
do perodo de permanncia do pesquisador
em campo. Tempo este atravessado
continuamente por descobertas, impedimentos,
novas percepes e, consequentemente,
redirecionamentos.
A cartograa surge como um modo de
acompanhar percursos, de implicar processos
de produo, de perceber as conexes de redes
ou rizomas, de possibilitar o acompanhamento
de movimentos e a construo de mapas. As
entradas de uma cartograa so mltiplas, pois
o rizoma no tem um centro de organizao,
um sistema acntrico. Assim, a realidade concebida como um mapa mvel e nele nada se
decalca14, nada se copia, se imita ou se plagia12.
No entanto, preciso diferenciar o mapa do
decalque10: um mapa tem mltiplas entradas,
contrariamente ao decalque que volta sempre
ao mesmo. Um mapa uma questo de
performance, enquanto que o decalque remete
sempre a uma presumida competncia. Esta
performance depende (e muito) da qualidade
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atencional do cartgrafo, como tambm da
qualidade perceptiva e cognitiva, elementos
que dizem respeito a um tipo de sensibilidade
que possui - ou passa a possuir - diante da
tarefa de olhar, discriminar e registrar.
tambm preciso deixar a sensibilidade ligada
para perceber as pistas!
A cartograa portanto, prope uma
reverso metodolgica no sentido de afastar-
se de um conjunto de regras previamente
estabelecidas, que so substitudas por pistas,
na inteno de compor mapas. Implicado
com o acompanhamento de processos emovimentos, o cartgrafo no se afasta
do rigor do mtodo, mas abre-se para sua
ressignicao. A preciso est relacionada
ao interesse, compromisso e implicao14. A
cartograa no intenciona isolar o objeto ou o
fenmeno estudado, pelo contrrio, valoriza a
rede de foras ao qual ele est conectado, no
que diz respeito s suas articulaes histricas
e conexes com o mundo, em um movimento
dinmico e permanente15.
As pistas, por sua vez, servem como
referncia, como oportunidade de calibragem,
durante o percurso da investigao14, o que
sustenta o processo em uma condio de
plasticidade, uma vez que o carter inventivo
coloca a cincia em constante movimento detransformao, no apenas refazendo seus
enunciados, mas criando novos problemas e
exigindo prticas originais de investigao.
nesse contexto que surge a proposta do
mtodo da cartograa, que tem como desao
desenvolver prticas de acompanhamento
de processos inventivos e de produo de
subjetividades15
.
O processo possui dois sentidos: o de
processamento, e o de processualidade15.
Processamento no qual o conhecimento
baseado na teoria da informao. A pesquisa
vista como o ato de coletar e analisar
informaes: so colocados entre parnteses os
fatores extracognitivos, ou seja, a relao que
o fenmeno tem com a histria, o socius e o
plano dos afetos. A processualidade nos coloca,
segundo as autoras, no corao da cartograa.
Ana-se com a investigao de processos de
produo da subjetividade, de processos em
curso, nos quais o cartgrafo comea pelo
meio, entre pulsaes.
O caminho da pesquisa cartogrca
pressupe que os momentos de produo,
anlise e discusso de dados aconteam
simultaneamente, como o ato de caminhar,
que constitudo por passos que se sucedem
sem se separar, em um movimento contnuo,
desenhado pelo anterior e pelo que vem
em seguida. A tnica da processualidade
est igualmente presente no momento da
escrita15. Neste sentido, o leitor (da pesquisa)
convidado a partilhar preocupaes, desejos
e variaes de velocidade. Ritmos que se
alternam, sobretudo, nos rituais de avano
e recuo. Uma viagem com roteiro mais ou
menos denido, mas, que inuenciada pelos
elementos do entorno: instituies, pessoas,
acontecimentos, contextos, possibilidades e
interdies. Prprios de um cotidiano vivo,
pulsante.
A etapa de produo de dados procura
escapar da ideia de coleta, de extrativismo.
Ela acontece desde o incio, no contato com
o territrio a ser cartografado, em conjunto
com sujeitos, foras e ritmos. Isso signicaque no um processo vivido solitariamente
pelo pesquisador, tomando-se por base que o
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conhecimento que se produz no resulta da
representao de uma realidade pr-existente.
Informaes, saberes e expectativas precisam
ser deixados na porta de entrada, e o cartgrafo
deve pautar-se sobretudo numa ateno
sensvel, para que possa, enm, encontrar
o que no conhecia, embora j estivesse ali,
como virtualidade16.
imprescindvel enfatizar que no o
ponto de vista do cartgrafo que estabelece
composies. A inveno se d atravs do
cartgrafo, mas no por ele, pois no h agente
da inveno, portanto, sua ateno sensvel instrumento, que deve servir construo
processual. Alm disso, adotando uma
poltica construtivista, a ateno do cartgrafo
acessa elementos processuais do territrio
matrias uidas, foras tendenciais, linhas em
movimento bem como fragmentos dispersos
nos circuitos folheados da memria. Tudo isto
entra na composio de cartograas. Nesta
perspectiva, a produo de dados percorre
toda a pesquisa de campo e continua alm, nas
etapas que se sucedem: a anlise dos dados, a
escrita do texto, a publicao dos resultados,
incluindo a circulao do material escrito
e a leitura dos interessados, sem falar na
contribuio dos participantes da pesquisa na
produo coletiva do conhecimento16.
Sugere-se que o cartgrafo leve no bolso um
critrio, um princpio, uma regra e um breve
roteiro de preocupaes. Nesta concepo, o
critrio seria o grau de abertura para a vida,
que cada um se permite a cada momento.
O princpio, a adoo de uma postura de
extramoralidade, que permita a expanso da
vida, para que esta encontre canais de efetuao. possvel que haja necessidade de mudanas
de princpios, sempre que as pulsaes da vida
mostrarem-se cercadas, impedidas. Quanto
regra, deve dar elasticidade a seu critrio e
a seu princpio, um limite de tolerncia para
a desorientao e a reorientao dos afetos,
um limiar de desterritorializao. O roteiro de
preocupaes deve ser criado tendo por base a
ao em nome da vida. Desse modo, a prtica
do cartgrafo est relacionada s estratgias
das formaes do desejo no campo social,
ou seja, como o social se expressa, como se
inventa, como se espalha em intensidades e
compe novos mundos. A prtica do cartgrafo
poltica, da esfera da micropoltica, quando
das estratgias de produo de subjetividade3.
A leitura do material obtido, a anlise dos
achados e a composio da discusso podem
ser guiadas por aquilo que denominado
de gestos atencionais, uma das pistas que a
cartograa lana.
O carter inventivo do mtodo cartogrco
necessita que a ateno do cartgrafo seja
ativada, como uma ateno espreita
utuante, concentrada e aberta. A ateno
no um simples dispositivo para a seleo de
informaes: tomar o mundo como fornecendo
informaes prontas para serem apreendidas
uma poltica cognitiva realista; tom-
lo como uma inveno, como engendrado
conjuntamente com o agente do conhecimento, um outro tipo de poltica, que denominamos
construtivista. Consequentemente h que se
desativar ou inibir a ateno seletiva, que,
em geral, domina o funcionamento cognitivo
do pesquisador. Compreende-se por seletiva
aquela ateno que funciona pela via do
interesse e est aplicada na ao16.
Seguindo um vis construtivista, busca-se
uma ateno concentrada sem focalizao. Que
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esteja aberta captao do inesperado. Podem
surgir fragmentos de experincias, em um
primeiro momento sem sentido imediato, mas,
que indicam que h uma processualidade em
curso16, pois h acontecimentos em um uxo,
ou vrios uxos: a ateno se desdobra na
qualidade de encontro, de acolhimento... signos
so acolhidos numa atitude atencional de ativa
receptividade com as experincias... com o
inesperado... com o elemento problemtico.
Tomando-se por eixo prtico a concentrao
sem focalizao, assumida como uma sintonia
na com o problema, onde se procura evitaras interferncias relacionadas a saberes,
representaes e experincias anteriores;
podemos encontrar quatro variedades ou gestos
atencionais do cartgrafo: o rastreio, o toque, o
pouso e o reconhecimento atento16.
O rastreio a varredura na direo de
uma meta ou alvo mvel: para o cartgrafo
importante a localizao de pistas, de
signos, de processualidade. Rastrear
tambm acompanhar mudanas de posio, de
velocidade, de acelerao, de ritmo, atingindo
uma espcie de ateno movente, imediata e
rente ao objeto-processo16.
O toque, renado por meio de uma
percepo hptica, que segundo Deleuze deveser diferenciada da percepo tica. A tica
organiza o campo em gura e fundo, enquanto
a hptica coloca estes dois componentes lado a
lado, em um mesmo plano. Olhos, ouvidos ou
outros rgos so chamados a funcionar para
tatear, explorar e rastrear aquilo que ainda no
se sabe ao certo o que . O toque pode ocorrer
em vrios graus de intensidade, pode demandar
tempo e, sobretudo, pode seguir as mltiplas
entradas que um mesmo plano pode sugerir.
Ele vem ajudar a explorar assistematicamente
o terreno, at que a ateno seja tocada por
algo16.
O pouso o gesto que indica a possibilidade
de uma parada para se proceder a uma espcie de
zoom, na perspectiva de certo enquadramento
no campo perceptivo que no deve ser
confundido com um gesto de focalizao, mas,
que indica um trabalho mais no e preciso por
meio da magnitude e da intensidade16.
O reconhecimento atento, referencial
emprestado de Bergson, caracterizado
por ser capaz de nos reconduzir ao objeto
para destacar seus contornos singulares.
Este gesto atencional ocorre sob a forma de
circuitos, com expanso da percepo e da
cognio, possibilitando a desconstruo da
noo tradicional de reconhecimento, como
aquela que produz reencontros com imagens
ou esquemas anteriormente conhecidos, num
processo marcado pela adio, pela linearidade
nos encadeamentos. Neste caso, a percepo
no segue um caminho associativo operando
por adies sucessivas e lineares. Atravs
da ateno, ela aciona circuitos, afastando-
se do presente em busca de imagens e sendo
novamente relanada imagem atual, que
progressivamente se transforma. O tecido da
memria comporta um folheado, assim como odo objeto, que se refaz a cada instante16.
A dinmica atencional nos ajuda a pensar que
o conhecimento produzido por meio do mtodo
cartogrco no resulta da representao
de uma realidade preexistente. Ao contrrio,
surge como composio, como um trabalho
de inveno, lembrando mais uma vez que a
inveno se d atravs do cartgrafo, mas no
por ele, pois no h agente da inveno, no
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h decalque16.
CONSIDERAES FINAIS
O intuito principal deste trabalho contribuir
para a disseminao do mtodo cartogrcocomo importante recurso voltado produo
de pesquisas e consequente produo de
conhecimento, complexicando o olhar e o
pensar sobre os fenmenos bio-psico-sociais,
os sujeitos, as instituies e as polticas de
sade vigentes.
Assim, procuramos ao longo desta reexo,
explorar o carter inovador da cartograa
como uma via de passagem para intensidades,
afetos e experincias presentes na produo
de cuidados em sade. Produo esta que
construda, frequentemente, sob a perspectiva
do rizoma, dos pontos de conectividade entre
sujeitos, quer sejam prossionais, usurios,
familiares ou demais personagens que ocupam
o vasto territrio do cuidar.
preciso registrar que o olhar do pesquisador,
ainda que munido de recursos poderosos e
atentos, est longe de ser completo, preciso,
acabado. O pensar cartogrco estimula esta
premissa.
preciso enfatizar tambm que o mapa,
contrariamente ao decalque, deve ter mltiplas
entradas e sadas, possibilitando uma certa
liberdade em agregar contedos e optar pelo
aprofundamento de algumas discusses
especcas. Uma vez que o mapa mvel
um sistema acntrico, conexes das mais
heterogneas podem ser feitas de acordo com
contextos e descobertas aqui e acol, em ato.
Reforamos ainda a idia do sentido de
processualidade na cartograa, na qual o
cartgrafo est em contato permanente com as
pulsaes do campo de pesquisa. Ele chega,
permanece e sai daquele territrio em constante
movimento, o que faz do mapa um recorte
provisrio vivo, sujeito transformaes
contnuas.
Aproximando-se a pesquisa cartogrca
condio de rizoma, no cabem aqui
concluses denitivas, da mesma forma que
um rizoma no se conclui. Conserva-se ento
sua condio de provisoriedade. O mapa est
sujeito a elementos que podem agir sobreele, modicando-o, redesenhando-o em sua
aparncia e essncia.
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cartograa: pesquisa-interveno e produo
de subjetividade. 1 ed. Porto Alegre: Editora
Sulina; 2010. p. 32-51.
Artigo apresentado em: 17/04/2013Artigo aprovado em: 13/08/2013
Artigo publicado no sistema em: 13/09/2013