CAPÍTULO 10 A dinâmica política do Processo de Reorganização
Nacional (Argentina, 1976-1983)
Paula Canelo
Introdução
Em meados de 1978, o cientista político francês Alain Rouquié afirmava em um artigo
de conjuntura que o “regime nascido do último golpe de Estado foi, sem dúvidas, o mais
militar de todos aqueles ocorridos na Argentina desde 1930”.1 Mesmo no calor do
momento, o observador já podia perceber as inéditas transformações que viria a operar o
autodenominado Processo de Reorganização Nacional (PRN, 1976-83) sobre o cenário
argentino de meados dos anos 1970.
Com a perspectiva que outorga a distância, hoje podemos confirmar que a última
ditadura militar foi o ponto mais alto em uma crescente aberta pelos anos 1930, quando
a Argentina anunciara, pela primeira vez, a “Hora da Espada”.2
Por um lado (e isto já foi destacado),3 a ditadura argentina de 1976 pretendeu
superar suas antecessoras, pondo em marcha a primeira experiência de envolvimento
institucional pleno em exercício do poder e do governo. Efetivamente, depois do golpe
1 Alain Rouquié, “Reorganización Nacional y ‘Guerra Sucia’”, in, Alain Rouquié, Autoritarismos y Democracia, p. 281. 2 A expressão pertence ao intelectual argentino Leopoldo Lugones que, em 1924, em uma homenagem à
Batalha de Ayacucho, afirmou que “chegou, mais uma vez, para o bem do mundo, a hora da espada”; suas expressões foram recuperadas pelos partidários do general José Félix Uriburu logo após o golpe militar de 1930. 3 Entre outros trabalhos, consultar Carlos Acuña e Catalina Smulovitz, “Militares en la transición argentina: del gobierno a la subordinación constitucional”, in VVAA, Juicio, castigos y memorias. Derechos humanos y justicia en la política argentina; Marcos Novaro e Vicente Palermo, La dictadura militar 1976/1983.
de Estado de março de 1978, as três armas participantes na Junta Militar, órgão máximo
soberano do esquema governamental, se comprometeram institucionalmente no destino
de tal experiência, compartilhando o poder em partes iguais.
Por outro lado (e isso, sem dúvidas, tem sido muito menos discutido),4 os
militares procesistas transitaram com particular intensidade no próprio eixo político do
Estado e do governo, entre todas as contradições ideológico-políticas que
caracterizaram as Forças Armadas argentinas desde sua origem como instituições
profissionais, no início do século XIX, dotando a experiência ditatorial de um
importante grau de incoerência e instabilidade.
O referente mais direto do Processo foi seu antecessor imediato, o regime militar
da Revolução Argentina, durante o qual se sucederam as presidências dos generais Juan
Carlos Onganía, Roberto Levingston e Alejandro Lanusse (1966-73). Considerada a
primeira tentativa consistente da corporação militar de promover mudanças radicais e
irreversíveis na sociedade argentina, este “Estado Burocrático-autoritário”5 reuniu os
interesses da fração “azul”6 das Forças Armadas com aqueles da burguesia
trasnacionalizada mediante a articulação entre “segurança” e “desenvolvimento”.
A primeira lição que os elencos progressistas diziam ter aprendido da Revolução
Argentina está relacionada com a eleição da política repressiva. Diferentemente de sua
antecessora, a ditadura de 1976 privilegiou pela repressão legal (onde a
responsabilidade era assumida por órgãos repressivos legais, e mediava algum tipo de
normativa prévia) uma metodologia ilegal baseada na clandestinização do Estado, a
4 Consultar, entre outros, Paula Canelo, El Proceso en su laberinto. La interna militar de Videla a
Bignone; Paula Canelo, “Dictature et politique. L’expérience fondatrice inachevée du ‘Processus de réorganisation nationale’ (Argentine 1976-1983)”. 5 Guillermo O’Donnell, El Estado burocrático-autoritario. 6 “Azuis” e “colorados” são os dois supostos grupos que confrontam nas manobras militares. Assim haviam sido batizadas duas frações militares surgidas com a derrubada del presidente Juan Domingo Perón em 1955, que poriam concepções distintas sobre o peronismo e que se enfrentaram militarmente em 1962 e 1963.
atividade de “grupos de tarefa” e a organização de centros clandestinos de detenção,
onde os prisioneiros eram submetidos às mais severas torturas e perseguições, que
costumavam acabar em morte ou desaparição.
A segunda lição, especialmente interessante para este trabalho, se refere ao
exercício do poder governamental. Os militares progressistas sabiam que os conflitos
internos e a “personalização” do poder eram duas coisas a serem evitadas. Para isso,
adotaram um modelo institucional complexo (“esquema de poder”), regido por duas
regras fundamentais: a supremacia da Junta Militar sobre o presidente e o
tripartidarismo do poder.7 Este modelo deveria permitir, idealmente, o autoatamento das
instituições armadas ao destino da experiência autoritárias, exercer um controle vertical
e horizontal do poder, neutralizar conflitos internos, tanto intraforças como interforças,
e evitar a concentração do poder.
No entanto, as Forças Armadas não previram que a dinâmica deste esquema
seria radicalmente oposta à desejada. De fato, a mesma potenciaria o surgimento e
desenvolvimento dos conflitos internos, transferi-los-ia a toda a estrutura de poder e
atentaria contra o cumprimento de vários dos objetivos mais importantes do regime.
Finalmente, como sucederia historicamente, isso incidiu com a entrega imprevista e
descontrolada do poder aos civis; com a diferença de que, nesse caso, a queda do regime
arrastaria as Forças Armadas argentinas à sua mais profunda crise na história,
colocando-as à beira da desintegração institucional.
Neste trabalho sustentamos que esta especificidade do regime argentino se
explica não pelas particularidades de seu traçado institucional em si, apesar de suas
evidentes limitações; tampouco pelas particularidades de sua protagonista dentro do
esquema, a conflituosa e contraditória aliança cívico-militar, que levou à frente a
7 Novaro e Palermo, op. cit.
experiência autoritária. Afirmamos que a dinâmica política particular que caracterizou a
última ditadura militar Argentina foi resultado da combinação destes dois níveis, o do
modelo institucional e o de seus atores, articulados historicamente em sucessivos e
instáveis contextos políticos.
A seguir, desenvolveremos em separado cada um dos níveis, o do “esquema de
poder” e o da composição da aliança cívico-militar protagonista da experiência
autoritária, para dedicarmos-nos, nas partes seguintes, a compreender de que forma
ambos se combinaram durante as sucessões presidenciais dos generais Jorge Rafael
Videla (1976-81), Roberto Eduardo Viola (1981), Leopoldo Fortunato Galtieri (1981-
82) e Reynaldo Bignone (1982-83), em um alternante contexto político. Finalmente,
concluiremos com algumas reflexões sobre a dinâmica particular do PRN.
O “esquema de poder”
A partir de 1976, consolidando a tendência inaugurada pela Revolução Argentina de
progressivo envolvimento dos militares no governo, a Junta Militar integrada pelos
Comandantes das três Forças Armadas (Exército, Armada e Força Aérea), se constituiu
como “órgão supremo da Nação”. Seus propósitos primordiais eram “velar pelo normal
funcionamento dos demais poderes do Estado” e pelo cumprimento dos “objetivos
básicos”. A Junta designava o presidente da Nação, os membros da Comissão de
Assessoramento Legislativo e aos altos funcionários do Poder Judicial da Nação;
controlava estreitamente suas atividades e poderia destituí-los quando considerasse
“conveniente”. Absorvia várias funções que, segundo a Constituição, caberiam ao
Executivo e ao Legislativo, como o comando em chefe das Forças Armadas, as funções
militares e de guerra, e a declaração do estado de sítio.
O presidente da Nação deveria ser um “oficial superior das Forças Armadas”
aposentado que não pudesse desempenhar suas funções, ao mesmo tempo, como
membro da Junta. Teria faculdades executivas e legislativas, devia designar aos juízes
dos tribunais inferiores da nação e aos governadores das províncias, e controlar a
estrutura ministerial por meio da Secretaria Geral da Presidência. O controle sobre o
gabinete era reforçado mediante a designação, em cada Ministério, de um delegado
militar para cada uma das três Forças.
A Comissão de Assessoramento Legislativo (CAL) era un órgano legislativo
integrado por nove oficiais superiores, três para cada Força, e em seu interior
funcionavam oito subcomissões, uma para cada ministério. Havia “faculdades de
assessoramento legislativo em representação das Forças Armadas” frente ao Poder
Executivo: sua principal tarefa era selecionar e criticar os projetos de lei apresentados
por distintas repartições do aparato estatal para o exame posterior do presidente,
permitindo um controle vertical e horizontal da produção legislativa8.
O tripartidarismo do poder, outro traço fundamental do esquema, ordenou os
mais altos níveis governamentais, como a Junta Militar e a CAL, onde as Forças
buscavam representação equitativa. En 1976, sobre o Poder Executivo Nacional, cada
Força obteve duas das cadeiras do gabinete, com exceção de Educação e Economia,
designadas a civis. A metade dos cargos de gobernador provincial ficou nas mãos do
Exército e a outra metade se repartiu ente a Armada e a Força Aérea, enquanto os
8 Sobre o “esquema de poder”, consultar o “Estatuto para el Proceso de Reorganización Nacional”, 24/3/1976; y “Reglamento para el funcionamiento de la Junta Militar, Poder Ejecutivo Nacional y Comisión de Asesoramiento Legislativo”, Boletín Oficial de la República Argentina, 26/3/1976; Marta Castiglione, La militarización del Estado en la Argentina (1976-1981); Novaro e Palermo, op. cit.
cargos municipais eram distribuídos entre civis e afins.9 Os meios de comunicação, os
sindicatos, as obras sociais, as organizações empresariais e os diretórios de empresas
públicas, entre outros, também eran intervenidos y repartidos entre membros das três
Forças.
O critério tripartido também predominou no traçado repressivo que literalmente
“feudalizou” o território nacional. O terrorismo de Estado foi organizado a partir da
divisão territorial dos Corpos do Exército, delimitando-se Zonas e Subzonas onde
operavam as “forças conjuntas”, sob um comando unificado e com um objetivo comum;
contudo, o Exército tinha a responsabilidade operativa primária, era “apoiado” pela
Marinha e pela Força Aérea mediante a atribuição de elementos próprios.10 O
envolvimento conjunto, da mesma maneira que a participação massiva de militares na
repressão, fortaleceu o “pacto de sangue” travado ao redor da mesma, que se
transformou no principal recurso para coesão interna de las Fuerzas Armadas.11
A aliança cívico-militar
As Forças Armadas que levaram adiante o regime autoritário se aglutinavam por dois
objetos políticos inseparáveis: a criação de uma nova classe dirigente, imaginada sob o
bombástico título de “Movimento de Opinião Nacional” (MON), e a institucionalização,
sob a forma de um “quarto poder”, do rol de “seguranças” e “árbitros” que, afirmavam,
9 Al respecto, consultar Paula Canelo, “La importancia del nivel municipal para la última dictadura militar argentina. Un estudio a través de sus documentos reservados y secretos”; Paula Canelo, “Construyendo elites dirigentes. Los gobernadores provinciales durante la última dictadura militar (Argentina, 1976-1983)”; y Paula Canelo, “Los efectos del poder tripartito. La balcanización del gabinete nacional durante la última dictadura militar argentina”.
10 Federico Mittelbach e Jorge Mittelbach, Sobre Áreas y Tumbas. Informe sobre desaparecedores. 11 Canelo, 2008(a), op. cit.
haviam atuado historicamente no sistema político argentino.12 Porém, além desse
entusiasmo compartilhado, poucas eram as precisões (e menos ainda precisões
compartilhadas) que os militares podiam estabelecer sobre como alcançar,
concretamente, esses objetivos.
Paralelamente, o principal elemento que amalgamava o diagnóstico das Forças
Armadas com o de seus aliados civis era a aversão ao “populismo econômico”,
concebido em termos bastante amplos. A transformação dos atores protagonistas de la
elevada conflictividad de la sociedad de posguerra (especialmente os sindicatos y los
partidos políticos) só podia ser alcançada, pelo que entendiam, desmantelando as
estruturas e as práticas populistas, tanto econômicas quanto políticas.13
Finalmente, esta ambiciosa (e não necessariamente coerente) soma de
refundação política e econômica devia ser garantida por uma tarefa superior: a “luta
antissubversiva”. Como ha sido afirmado, a mesma era alimentada por diversas
vertentes: entre outras, a Doutrina de Segurança Nacional, que considerava que a
preservação das “fronteiras ideológicas” e da luta contra o “inimigo interno” deviam ser
as principais missões militares, a exemplo das “guerras subversivas” travadas na Argélia
e na Indochina pelo exército francês. Pero también por la participação dos militares
progressistas no bando “colorado”, que nos levava a conceber (diferentemente dos
“azuis”) o peronismo e a “subversão” como duas faces e uma mesma moeda.
12 Ambos objetivos eram centrais nos documentos políticos que circulavam estritamente. Em outubro de 1976, o então governador de Buenos Aires, general Ibérico Saint Jean, recomendava a “estruturação de uma nova classe dirigente” e a criação de um “Conselho da República (onde) as Forças Armadas participaram (...) como guardiães dos interesses específicos da segurança e do potencial da nação, dispondo de um poder de veto” (“Un nuevo ciclo histórico argentino: del Proceso de Reorganización Nacional a la Tercera República. Lineamientos para una estrategia nacional”, General Ibérico Saint Jean, octubre de 1976, s/d. Archivo personal de la autora). Em abril de 1978, o influente Jaime Perriaux, entusiasta intelectual civil da ditadura, impulsionava uma “reforma institucional” que permitiria a criação de um “Conselho da República”, onde foi poderia “institucionalizar-se aquela última intervenção das Forças Armadas (...) como guardiães permanentes da continuidade histórica” (“Propuesta Política de Jaime Perriaux para el Proceso de Reorganización Nacional”, abril de 1978, p. V-3 e ss. Archivo personal de la autora.). 13 Novaro e Palermo, op. cit.; Canelo, 2008 (a), op. cit.
Esses recursos de coesão e a definição ampla das tarefas perseguidas atenuaram
inicialmente as contradições desta complexa aliança cívico-militar, composta por
distintas frações internas.
A fragmentação da frente militar era contundente. A fração “revolucionária” ou
“dura” tinha forte gravitação no Exército, sobretudo entre os Comandantes do Corpo ou
“senhores da guerra”, e na Força Aérea. Seus membros, defensores do poder soberano
do Processo, eram profundamente anticomunistas e antiperonistas, rechaçavam qualquer
aproximação com as organizações civis e postulavam tanto a primazia da “luta contra a
subversão” quanto uma prolongada permanência das Forças Armadas no governo. Não
apresentavam postura ideológica homogênea, variando entre o nacionalismo elitista, o
paternalismo e o fundamentalismo católico, nem coincidiam em sua crença econômica:
enquanto a Força Aérea apoiavam a reforma econômica liberal, os “duros” do Exército
se opunham, defendendo a intervenção econômica estatal e o fortalecimento da indústria
bélica, a qual consideravam estratégica para o “desenvolvimento” e para a “defesa
nacional”.
Na fração “moderada” se agrupavam os mais altos funcionários do Exército,
como os generais Videla, Albano Harguindeguy e Galtieri, que compartilhavam, em
termos gerais, o fervor pelo MON com o apoio à política econômica liberal. Mais o
mais relevante desta fração não sua coerência ideológica, mas o papel que
desempenhava na dinâmica política da frente militar em geral, e do Exército em
particular. De fato, sua função era “moderar” a interna intraforça do Exército,
outorgando alternativamente seu apoio às “minorias de preferência intensas” (as frações
“dura” e “politicista”), e conservar o equilíbrio institucional.
Por último, a fração “politicista” tinha relativa influência dentro do Exército e de
um grupo importante de generais, como Viola, Horácio Tomás Liendo, José Rogelio
Villareal, Antonio Vaquero e Bignone. Seus membros aceitavam, com uma visão
acentuadamente política, subordinar os objetivos parciais do Processo ao êxito ou ao
fracasso da experiência como um todo. Assim, por exemplo, consideravam que os
partidos políticos e as organizações sindicais existentes eram interlocutores válidos
quando se tratava de superar o debilitamento dos recursos de legitimação e/ou do
esgotamento dos tempos políticos. Finalmente, eram opositores da reforma econômica
liberal, mas não por profundas convicções econômicas (mais próximas do
desenvolvimentismo, como os “duros” do Exército), e sim por considerá-la contrárias às
necessidades de legitimação da ditadura.
De sua parte, os elencos civis da ditadura se alienavam nacionalistas y liberales,
las mesmas correntes ideológicas que habían nutrido los quadros de governo dos
regimes militares anteriores14. De fato, nacionalistas e liberais integraram a estrutura
executiva do regime, especialmente o gabinete nacional onde, dando seguimento à
mesma busca por equilíbrio interno do poder tripartido, desfrutaram um empate inicial
virtual.
O nacionalismo argentino se encontrava relativamente debilitado, já que poucos
anos antes do golpe, vários de seus mais paradigmáticos expoentes haviam falecido,
ideólogos civis com grande influência nas Forças Armadas, como Julio Meinvielle,
Carlos Sacheri e Jordán Bruno Genta, estes dois últimos vítimas de atentados da
organização armada Exército Revolucionário do Povo (ERP). Apesar de seu eclipse, en
1976 los nacionalistas obtiveram o Ministério da Educação, primeiro com Ricardo
Bruera e logo depois como Juan José Catalán, que aprofundaram a influência do
14 Paula Canelo, “Las ‘dos almas’ del Proceso. Nacionalistas y liberales durante la última dictadura militar argentina (1976-1981)”, Páginas, 2008 (b).
nacionalismo católico na área educativa.15 Além disso, destacados nacionalistas foram
nomeados como membros da Corte Suprema da Justiça16 e no CONICET, sobretudo nas
ciências sociais; a emblemática revista Cabildo e a Igreja Católica lhes outorgaram
canais fluidos de expressão.17
O liberalismo obteve, a partir de 1976, o Ministério da Economia, para o qual foi
nomeado José Alfredo Martínez de Hoz. Muitos dos funcionários da área haviam
ocupado cargos públicos durante a Revolução Argentina ou o interinato de Guido, e
alguns provinham do “Clube Azcuénaga”, círculo de intelectuais, políticos e
economistas promovido por Jaime Perriaux e o general Hugo Miatello, ou havia
militado nos regimes da democracia sita ou em grupos católicos.18 A transformação
sofrida pelo liberalismo vernáculo permitia identificar, dentro dos elencos econômicos
da ditadura, tanto partidários do “liberalismo tradicional”, como membros de uma nova
corrente, o “liberalismo tecnocrático”. Os primeiros eram representantes de velhas
classes dominantes agrárias diversificadas em atividades industriais, comerciais e
financeiras, que conservavam uma importante influência, facilitada por seu acesso a
poderosos meios de comunicação, como o diário La Nación, e promoviam a defesa dos
“setores produtivos”, os princípios das vantagens comparativas e o antiestatismo. De
sua parte, os “tecnocratas” expandiam sua presença em círculos privados, como
institutos de investigação, lobbies e empresas. No quadro das transformações
econômicas internacionais da década de 1970, e inspirados na experiência da ditadura
15 Laura Graciela Rodríguez, Católicos, nacionalistas y políticas educativas en la última dictadura (1976-1983). 16
Emilio Mignone, Iglesia y dictadura. El papel de la Iglesia a la luz de sus relaciones con el régimen militar, p.12. 17 Jorge Saborido, “El antisemitismo en la historia argentina reciente: la revista Cabildo y la conspiración judía”, Revista Complutense de Historia de América, vol. 30; David Rock, La Argentina autoritaria. Los nacionalistas, su historia y su influencia en la vida pública. 18 Canelo, 2008 (a), op. cit
chilena, postulavam a implementação local dos avanços da academia norte-americana,
do tipo Friedman e a “Escola de Chicago”.19
A “idade do ouro” do Processo: a primeira presidência de Videla
A primeira presidencial do general Videla (1976-78) pode ser considerada a “era de
ouro” do regime militar. Durante a mesma, da mão do predomínio da fração
“moderada”, que buscou imprimir à gestão um marcado toque institucionalista e de
apego aos “Documentos Básicos do Processo”, a ditadura argentina se expressou com
sua maior potência.
A partir de março de 1976, o governo militar perseguiu dois objetivos centrales:
a “luta antissubversiva” e a “normalização da economia”. Apesar de as principais
organizações armadas (Montoneros e ERP) terem sido destruídas militarmente antes do
golpe,20 os militares embarcaram em uma “última guerra final da humanidade”,21
cenário onde a ditadura encontrou seu recurso mais importante de legitimação social e
coesão institucional.
Porém, a legitimidade outorgada pela “luta antissubversiva” se esgotou
rapidamente, e no final de 1976 a ditadura precisou iniciar o “fechamento” do cenário
da “guerra interna”, enquanto o coro do regime anunciava a elaboração de um Plano
Político que permitisse a “convergência cívico-militar”.
A confluência de duas necessidades contraditórias — a de definir seus objetivos
políticos e a de recompensar os “duros” pela “guerra interna” — levou a la dictadura a
19 Canelo, 2008 (a), op. cit.. 20 Daniel Frontalini e María Cristina Caiati, El mito de la guerra sucia. 21 Carl Schmitt, El concepto de lo político.
criar um Ministério de Planejamento, para o qual designaram o general Ramón Genaro
Díaz Bessone, Comandante do Corpo II. Tal pasta redatou o primeiro Plano Político do
regime, o “Projeto Nacional”, que resumia a cosmovisão dos “duros” e também a do
Onganiato: a defesa do desenvolvimento econômico, a promoção das “associações
intermediárias” como forma de evitar a representação partidária, e prazos políticos não
menos que “doze anos”.22
Os “moderados” pronto reconheceram a conveniência de deslocar as versões
mais extremas do regime. Os “duros” não só questionavam a política econômica, mas,
além disso, acabavam muito inconvenientes para enfrentar a frente em favor dos direitos
humanos que operava o governo norte-americano de Jimmy Carter, que buscava, entre
outros efeitos locais, uma considerável redução da assistência militar.
Enquanto Planejamento era convertido em uma secretaria dependente da
presidência da Nação, o Plano Político era submetido a um complexo processo de
“compatibilização” interna do que devia surgir uma proposta unificada. Este processo
tinha etapas: durante a primeira, de “compatibilização intraforças”, cada Força Armada
devia conciliar internamente uma proposta; durante a segunda, de “compatibilização
interforças”, os distintos planos parciais deviam se discutidos em uma “Equipe de
Compatibilização Interforças” que redigiria um documento final a ser aprovado pela
Junta Militar.
A primeira a concluir seu documento foi a Armada. A divisão tripartida e a
supremacia da Junta sobre o presidente alimentavam como nunca as ambições
institucionais da força do mar, e as expectativas presidenciais de seu comandante em
chefe, o almirante Emilio Eduardo Massera. As “considerações sobre o processo de
institucionalização e o Movimento de Opinião Nacional” foram concluídas em outubro
22 “Proyecto Nacional”, Ministerio de Planeamiento, 25 de mayo de 1977, p. 310 e ss. Archivo personal de la autora.
de 1977. No documento sustentavam que o máximo imperativo do Processo era “a
formação de um movimento de opinião nacional, vital e amplo”, que não devia surgia
nem dos partidos políticos nem dos sindicatos existentes, mas que devia ser “totalmente
novo”.23 A Armada também recomendava começar a prever a “normalização das
organizações políticas, (para poder) assumir a iniciativa quando as circunstâncias
indiquem a necessidade e/ou conveniência de uma abertura”.24
O Exército apresentava uma situação mais complexa. Em novembro de 1977,
aos planos dos “duros” já existentes foi agregado o “Plano de Ação Política da Proposta
de União Nacional”, onde os “politicistas” da Secretaria Geral da Presidência
afirmavam que o objetivo principal do regime não era criar o MON, mas definir prazos
políticos concretos. Entre novembro de 1977 e março de 1979, o regime devia dedicar-
se à “seleção de interlocutores”, à definição da “mecânica e dos objetivos do diálogo” e
à “legitimação expressa por meio de um referendo”; e, a partir de março de 1979,
deviam implementar as medidas que permitiram a ascensão, em maio de 1983, de um
presidente da Nação “resultante de um acordo cívico-militar”.25
No entanto, as diferenças entre “duros” e “politicistas” foram “moderadas” pelos
generais. O documento definitivo do Exército, as “Bases políticas do Exército para o
Processo de Reorganização Nacional”, advertia que a ditadura seria “longa”, e
descartava tanto uma “saída política” quanto a participação “dos partidos políticos
preexistentes (que) não são aptos para encarar a descendência do PRN”.26
23 “Consideraciones sobre el proceso de institucionalización y el Movimiento de Opinión Nacional, Documento de Trabajo”, Armada Argentina, octubre de 1977, p. 3 e ss. Archivo personal de la autora. 24 “Consideraciones…”, op. cit., p. 26-27. 25 “Plan de Acción Política de la Propuesta de Unión Nacional, Secretaría General de la Presidencia, noviembre de 1977, p. 25 e ss. Archivo personal de la autora. 26 “Bases políticas del Ejército para el Proceso de Reorganización Nacional”, Ejército Argentino, marzo de 1978, pp. 1-3 a 3-3, Archivo personal de la autora.
No fim de julho de 1978, a Força Aérea concluía as “Bases políticas para a
Reorganização Nacional”, onde os brigadeiros coincidiam com generais e almirantes na
necessidade de “criar” uma chefia “adita”, e onde reclamavam desarticular a “antiga
estrutura política partidária” e evitar qualquer tipo de “diálogo” com os civis.27
Enquanto a “compatibilização intraforças” revelava as extremas dificuldades que
se apresentavam às Forças Armadas para unificar posturas, a visão do regime se dirigia
decididamente até o plano econômico. Apesar de ser um dos pilares fundamentais do
projeto autoritário nesta etapa inicial, a política econômica foi também o “tema da
oposição”28 ao redor do qual se articularam muitas das tensões que atravessavam os
elencos governamentais.
Por um lado, o liberalismo da equipe econômica começava a ficar incompatível
com as distintas variantes do nacionalismo arraigadas nas Forças Armadas. O
crescimento vertiginoso do mercado financeiro operado pela Reforma Financeira de
junho de 1977, a integração da econômica argentina ao mercado mundial perseguida
pela abertura comercial de 1978, ou a (mais anunciada que concretizada) redução do
aparato estatal, ameaçavam os valores e interesses de distintos setores militares, entre
eles os burocratas que dirigiam ou administravam as empresas do Estado e o complexo
militar-industrial, o almirante Massera e a Armada, os “duros” e os “politicistas” do
Exército.
Por outro lado, no interior da equipe econômica, os “liberais tradicionais” como
Juan Alemann, secretario da Fazenda, se enfrentavam com os “tecnocratas” como
Guillermo Klein, Secretario de Programação e Coordenação Econômica, e Alejandro
Estrada, Secretario de Comércio e Negociações Econômicas Internacionais, ao redor das
27 “Bases Políticas para la Reorganización Nacional. Documento de Trabajo”, Fuerza Aérea Argentina, 26 de julio de 1978, p. 3. Archivo personal de la autora. 28 María de los Angeles Yannuzzi, Política y dictadura. Los partidos políticos y el Proceso de Reorganización Nacional. 1976-1982; Novaro e Palermo, op. cit.
receitas mais eficazes para controlar a inflação. Os primeiros propunham implementar
um ajuste ortodoxo, baseado na recessão e o ajuste do gasto público, enquanto que os
segundos defendiam a completa liberalização da economia da intervenção estatal, a
abertura aos fluxos financeiros internacionais e a privatização de empresas públicas.29
Como consequência, o Ministério da Economia foi víctima de la dinâmica de
controle (e bloqueio) interno derivada do “esquema de poder”. O Ministro foi
submetido a uma vigilância tanto vertical quanto horizontal: devia prestar conta de seus
atos frente à Junta Militar e às assembleias dos quadros militares superiores, enquanto
sua atividade era controlada pela Secretaria Geral da Presidência, pela CAL e, como em
outros ministérios, por três “oficiais de ligação” com poder de veto sobre suas decisões.
Mas Martínez de Hoz contou com o apoio dos “moderados” do Exército,
consolidando com o presidente Videla e o Ministro Harguindeguy um verdadeiro
triângulo estratégico, integrado pela Presidência da Nação e os Ministérios da Economia
e do Interior. Todos os membros deste “núcleo estável” gozaram neste primeira etapa de
uma excepcional permanência no tempo, ainda em um contexto de alta rotação e
conflitos internos. Além disso, o Ministro da Economia desfrutou do estratégico aval de
outros altos funcionários, como o general Galtieri, o general Ibérico Saint Jean, a cúpula
da Força Aérea, vastos setores do Exército e numerosos civis e militares aposentados,
sem mencionar seus fluidos contatos internacionais. No entanto, provavelmente o
recurso mais precioso de Martínez de Hoz foi sua capacidade para renunciar a vários de
seus objetos conjunturais para alcançar seus propósitos de máxima, aqueles que lhe
permitiram operar uma transformação estrutural da economia e da sociedade argentinas.
29 Canelo, 2008 (a), op. cit.; Nola Reinhardt e Wilson Peres, “Latin America’s New Economic Model: Micro Responses and Economic Restructuring”, World Development.
A crise do Processo: a segunda presidência de Videla
Em meados de 1978, o regime militar se submeteu a uma dura prova institucional: a
primeira rotação dos mais altos cargos, como o do presidente da Nação e membros da
Junta Militar. Esto se resolveu mediante a designação de Videla como presidente da
nação até 1981, e se decidiu a composição de uma nova Junta: Videla seria sucedido
pelo general Viola, Massera pelo vice-almirante Armando Lambruschini e o brigadeiro
Orlando Ramon Agosti pelo brigadeiro Omar Graffigna.
Videla e os “moderados” iniciaram sua segunda presidência en un clima social y
político muito diferente do relativamente favorável de 1976. Aos obstáculos derivados
da fragmentação da frente interna somavam-se uma importante transformação do
cenário, onde a ação imperturbável dos organismos de direitos humanos nacionais e
internacionais somava-se o “despertar” dos partidos políticas e das organizações
sindicais. Advertidos pela larga aprendizagem na instabilidade política e na alternância
cívico-militar clássicas da Argentina, os políticos se mantiveram sempre dispostos a
negociar com um regime que, o sabiam, cedo ou tarde deveria abandonar o poder. Por
isso, exercitaram uma oposição limitada à crítica da política econômica, enquanto
evitavam pronunciar-se sobre os feitos das Forças Armadas no plano repressivo.30
O trinfo da seleção argentina na Copa do Mundo de 1978 e a abertura de uma
nova etapa institucional impulsionaram o regime a encara o “fechamento” do cenário da
“guerra interna”, e o início da “compatibilização interforças” do Plano Político.
Ainda que a “luta antissubversiva” continuasse sendo um recurso de coesão
institucional indiscutido, em torno das consequências da violação dos direitos humanos,
30 Hugo Quiroga, El tiempo del Proceso. Conflictos y coincidencias entre políticos y militares. 1976-1983; Yannuzzi, op. cit.
começou-se a delinear duas frentes, orientadas, e maior ou menor medida, pelo apego a
uma “ética da responsabilidade” ou a uma “ética da convicção”.31
Os “clausuristas” orientados por certa “ética da responsabilidade”, entre eles
Viola e Videla, acreditavam ser conveniente articular uma postura institucional sobre o
terrorismo de Estado para conseguir um conjunto de objetivos urgentes: a reposição da
“luta antissubversiva” por outros princípios de legitimação e antecipar as (previsíveis)
sanções civis, tanto locais como internacionais. Do outro lado, os “revolucionário”
partidários da “ética da convicção”, que geralmente haviam tido responsabilidade
“operativas” na repressão, consideravam que qualquer tentativa de subordinar a “glória”
da “luta antissubversiva” a imperativos políticos não poderia ser outra coisa que não
uma traição ao “sangue derramado” pelos “heróis e mártires”.
Os primeiros decidiram encarar uma arriscada operação política: convidar o país
a la Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos
Estados Americanos, que ocorreu em 6 de setembro de 1979.
A convocação à CIDH foi o primeiro de uma série de passos em falso que
levariam o Processo a um beco sem saída no âmbito dos direitos humanos. Na presença
da delegação, que visitou estabelecimentos carcerários e dependências militares, foram
entrevistados funcionários e representantes de quase todos os setores, incluindo
familiares de detentos e desaparecidos, e receberam numerosas denúncias, contribuíram
com a articulação de uma frente opositora no que se tratava das questões dos direitos
humanos.32 Mientras aumentó la legitimidad pública de los organismos de derechos
31 A “ética da responsabilidade” supõe a obrigação de se ter em conta as consequências da ação e (por
isso é própria, por exemplo, de um líder político), enquanto que a “ética da convicção”, ou final, está baseada na máxima “ faça-se justiça e pereça o mundo”; Max Weber, “La política como vocación”, in, Max Weber, Ensayos de sociología contemporánea I, p. 67 e ss.
32 Novaro e Palermo, op. cit.
humanos33 y alentou a aproximação de importantes dirigentes políticos, a visita voltou a
colocar a “luta antissubversiva” e os “duros” no centro do palco34.
Finalmente, o informe final da CIDH destruiu as pretensões dos “clausuristas”.
O documento identificava “numerosas e graves violações de fundamentos dos direitos
humanos” executadas por “pessoas pertencentes ou vinculadas a organismos de
segurança do Governo”, tomava como mortos “os milhares de detentos desaparecidos”,
e denunciava “o emprego sistemático de torturas e outros tratos cruéis, inumanos e
degradantes”.35 Em resposta, os “duros” debilitaram ainda mais a já inconsistente
postura oficial sobre a “guerra suja”, que atribuía as atrocidades cometidas durante a
“luta subversiva” aos “excessos” de “grupos fora de controle”: o general Santiago
Riveros, delegado frente a Junta Interamericana da Defesa, declarou que “a guerra foi
conduzida pela Junta Militar por meio dos Estados Maiores”.36
Em 19 de dezembro de 1979, a ditadura apresentou seu Plano Político definitivo,
as “Bases Políticas das Forças Armadas para o Processo de Reorganização Nacional”. O
documento estabelecia as linhas doutrinárias do governo e as características gerais do
país idealizado pelo poder militar,37 mas não poderia ir muito além. As Forças Armadas
só podiam (ou preferiam) oferecer aos civis as mínimas coincidências que haviam
sobrevivido às “compatibilizações”: que o sistema político devia permitir “a rotação no
poder e sua transferência sem alterações (apoiado) em correntes de opinião”, e que as
Forças Armadas teriam “competência na tomada de decisões para a condução
33 Por ejemplo, el otorgamiento del prêmio Nobel da Paz a Adolfo Perez Esquivel, criador do Serviço Paz e Justiça, em outubro de 1980 34 Foi um dos motivos da primeira insurreição militar durante o Processo, protagonizada pelo general Luciano Benjamín Menéndez, comandante do III Corpo, que se rebelou na província de Córdoba em rechaço à libertação do sequestrado Jacobo Timerman, ex-diretor do periódico La Opinión, contra a autoridade do comandante Viola. 35 “Informe sobre la situación de los derechos humanos en la Argentina”, 11/4/1980. Disponível em http://www.cidh.oas.org. Acessado em 11/01/2011. 36 La Nación, 13/2/1980. 37 González Bombal, op. cit.
estratégica nacional, a segurança nacional e a defesa da Constituição Nacional”. Os
únicos anúncios concretos eram o do início do “diálogo político” com alguns
“interlocutores válidos” indeterminados, e a “normalização” dos partidos políticos “a
partir do segundo semestre de 1980”.38
As “Bases” selaram o extravio dos objetivos políticos principais do regime. Em
primeiro lugar, o Processo perdeu sua última oportunidade de criar o MON; y en
segundo lugar, la sumatoria de conflictos internos y las negativas de los civiles durante
el diálogo político39, le impedirían al gobierno militar avanzar en la reforma de la
Constitución; el regime autoritário argentino não conseguiria, como o faria a ditadura
chilena, “legalizar-se” exitosamente.40
Paralelamente, era no plano econômico onde se gestavam as tensões que
efetivamente liquidariam o segundo governo videlista. A política econômica aglutinava
as mais variadas resistências e críticas, interna e externamente: empresários industriais
afetados pelo encarecimento da dívida externa e a redução do mercado interno,
produtores rurais prejudicados pelo baixo tipo de câmbio real, setores assalariados que
sofriam drástica redução de seus salários reais, dirigentes políticos que criticavam
Martínez de Hoz por não se pronunciar sobre o terrorismo de Estado, burocratas
militares que se negavam a aceitar a redução estatal, e até o almirante Massera, que,
ainda aposentado, continuava personificando uma das frentes de maior instabilidade do
regime militar.
Ainda que continuasse parte do “núcleo estável”, as manobras de Martínez de
Hoz eram cada vez mais estreitas. A persistência da inflação impedia-o de reclamar o
reconhecimento de seis feitos no desmantelamento do “modelo populista”; no entanto, o
38 La Nación, 19/12/1979 39 Paula Canelo, “Represión, consenso y diálogo político. El Ministerio del Interior durante la última dictadura militar argentina”.
40 Robert Barros, Constitutionalism and Dictatorship. Pinochet, the Junta and the 1980 Constitution.
ajuste ortodoxo reclamado a ele pelos “liberais transnacionais” era inviável pela
resistência da frente militar em aceitar recessões, enquanto que as medidas heterodoxas
eram consideradas como uma traição à “filosofia do Processo”.
Finalmente, o Ministro decidiu por uma proposta que prometia ser politicamente
viável, o “enfoque monetário da balança de pagamentos” que aproximava os
“tecnocratas”.41 Em 20 de dezembro de 1978, o “superministro” de Videla anunciou
uma etapa de “aprofundamento e ajuste” do plano econômico, baseada na abertura do
mercado de capitais e a posta em prática da pauta du ajuste cambiário conhecida como
“tablita”, cujo objetivo fundamental era deter a inflação mediante a “convergência”
entre os preços internos e os internacionais.
No entanto, a crise final era iminente: durante o verão de 1980, em um clima
social e econômico convulsionado, as corridas bancárias e as quebras empresariais em
cadeia sepultaram consigo el proyecto de los “moderados”.
A “era dos extremos”: as presidências de Viola, Galtieri e Bignone
A partir de 1981, o regime começou a trilhar os rumos de sua decomposição. Uma crise
política e econômica profunda se enlaçava com a multiplicação das frentes de oposição
civil com uma acentuada desorientação dos elencos do governo.
Diante da derrocada dos “moderados”, que haviam conduzido as duas
presidências videlistas, foram as frações “extremas” as que ensaiaram três tentativas
sucessivas de conjurar um desastre: o protagonizado pelos “politicistas” durante a
presidência do general Viola; aquele conduzido pela fração “dura” que encurralou
41 Canelo, op. cit.; Novaro e Palermo, op. cit.
Galtieri; e o impulsionado pelos “politicistas” que levaram Bignone à presidência da
Nação.
Durante esse período, a dinâmica política do regime representou alguns traços
específicos: a sucessão no governo de frações extremas, que foi resultado sempre de
putschs internos; uma significativa dificuldade para estabelecer alianças com atores
“externos” à corporação, causada sobretudo pelas resistências da frente interna; e o
fortalecimento da “luta antissubversiva” como recurso de coesão institucional, frente ao
aprofundamento dos conflitos existentes em outros planos.42
O general Viola assumiu a presidência da Nação em 29 de março de 1981. Tinha
o aval da maioria do Exército e da Força Aérea, mas provocava resistências pela
Armada, pelos “duros” e pelos partidários da reforma econômica liberal.43 Durante seu
governo se revelaram novamente os efeitos mais contraproducentes do “esquema de
poder”: tanto as longas discussões internas sobre sua escolha representativa, como a
constituição de uma nova Junta Militar na qual se destacava a figura do general Galtieri
por sobre a presidência, deterioraram sua autoridade desde o início.
Apesar de ter sido eleito por ser considerado herdeiro da “linha videlista”, Viola
se propôs a modificar a direção geral do Processo, concretizar a chamada “participação
civil”, que alcançou os governos provincianos e alguns ministérios estratégicos,44 e
encarar a segunda etapa do “diálogo político”. Também buscou reduzir a importância da
área econômica modificando a estrutura ministerial, designando um “gabinete
econômico-social” integrado pelos cinco ministros nos quais foram divididas Economia,
42 Paula Canelo, “La descomposición del poder militar en la Argentina: las Fuerzas Armadas durante las presidencias de Galtieri, Bignone y Alfonsín (1981-1987)”, in, Alfredo Pucciarelli (comp.): Los años de Alfonsín, 2006. 43 Somos, 10/6/1983. 44 González Bombal, op. cit.
y los ministros de Trabalho (nas mãos da Força Aérea) e da Ação Social (nas mãos da
Armada).45
No entanto, a inconsistente autoridade de Viola impediu que a chefia política o
percebesse como um interlocutor válido. O regime já havia perdido tempo demais
especulando sobre o MON e o “dialogo político”, e se aproximado demais da direita
provinciana, designando como assessores presidenciais alguns de seus representantes.46
Dessa maneira, havia dado aos dirigentes dos partidos majoritários tempo e motivos
suficientes para perceber que era mais lucrativo enfrentar o regime militar que se
aproximar dele.
De fato, em julho de 1981, a União Cívica Radical, o Partido Justicialista
(Peronista), o Movimento de Integração e Desenvolvimento, a Democracia Cristã e o
Partido Intransigente constituíram a Assembleia Multipartidária, que, em seu primeiro
documento pragmático, “Convocatória ao país”, exigiu o “retorno do Estado de direito”,
a “normalização da atividade política, gremialista e empresarial”, a elaboração de um
“plano econômico de emergência”, e a “formulação de um plano político para a
institucionalização”. No entanto, os políticos continuavam evitando se pronunciar sobre
a “luta contra a subversão”.47
No caso dos empresários, a participação no gabinete da ditadura de alguns
dirigentes das corporações agrárias e industriais não foi suficiente para integrá-los como
“base social” do regime, e aumentou o distanciamento com os setores financeiros.48 De
sua parte, em 22 de julho de 1981 a chefia sindical convocou a segunda greve geral
realizada contra a ditadura. Finalmente, no documento “Igreja e Comunidade”, a Igreja
45 Yannuzzi, op. cit. 46 González Bombal, op. cit. 47 González Bombal, op. cit. 48 Novaro e Palermo, op. cit.
Católica reivindicou o sistema de governo democrático, afirmando que a Argentina
sofria uma “crise de autoridade”.49
Porém, o verdadeiro problema de Viola foi a própria frente militar, pela qual era
considerado um “traidor” da “filosofia do Processo” devido a sua aproximação aos civis
e por seu estilo “personalista”, distante do tom institucionalista dos “moderados”. Seus
inimigos voltaram a fazer uso do “esquema de poder”. A Junta Militar bloqueou a
aproximação de Viola dos partidos mediante a convocação dos “moderados”, como
Hardguindeuy e Miatello, para assessores políticos, e mediante as “Pautas da Junta
Militar ao Poder Executivo (para o exercício da ação do governo 1981/1984)”, que
postergavam para 1982 a aprovação do Estatuto dos Partidos Políticos, voltando a
declarar o MON como objetivo principal do Processo.50
A crise política era alimentada pela crise econômica. El Ministro de Economía
Sigaut intentó amenizar os efeitos mais graves da herança de seu antecessor,
concentrando-se no setor financeiro e na correção do câmbio. Até final de 1981, o
panorama econômico era desolador: enquanto a dívida externa, o dólar e a inflação
cresciam descontroladamente, se perfilava um panorama recessivo onde aumentava o
desemprego e caiam os salários reais.51
Em novembro, Viola foi internado no Hospital Militar por um “quadro de
hipertensão”; apenas um mês depois a Junta Militar designou um de seus membros, o
general Galtieri, como presidente da Nação. Depois desse putsch interno, os “duros”
ensaiaram uma nova tentativa de saída mediante a “restauração” dos objetivos da “era
de ouro”.
49 Clarín, 1/7/1981. 50 “Pautas de la Junta Militar al Poder Ejecutivo (para el ejercicio de la acción de gobierno 1981/1984)” , s/f; Novaro e Palermo, op. cit. 51 Novaro e Palermo, op. cit.
O brilhante governo articulou três objetivos fundamentais: o retorno à ortodoxia
econômica liberal, o alinhamento com os Estados Unidos e o relançamento do MON. O
“liberal tradicional” Roberto Alemann, novo Ministro de Economia, se propôs a avançar
em vários dos propósitos abandonados por Martínez de Hoz, especialmente a redução
do Estado e a privatização das empresas públicas, implementando um plano anti-
inflacionário ortodoxo. Além disso, aproveitando a “revolução conservadora” que
realinhava a política exterior e de direitos humanos das potências estrangeiros com
Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher na Grã-Bretanha, Galtieri
impôs uma “cruzada antissubversiva” e uma nova geração de “duros” que “exportaram”
os métodos repressivos empregados na Argentina para os países fronteiriços e a
América Central.52
Finalmente, o governo tentou impulsionar o MON para bloquear o avanço da
Multipartidária, enquanto os dirigentes políticos permaneciam em uma atitude
esperançosa: no documento “Antes que sea tarde” [Antes que seja tarde], reclamavam a
elevação da proibição política, mas deixavam claro que não pretendiam converter-se em
um “polo cívico antiditatorial”.53
No entanto, no início de 1982, o avanço das frentes civis de oposição já era
impossível de deter. Enquanto os órgãos de direitos humanos reclamavam pela
publicação das “listas” de detidos e desaparecidos (ainda que a busca pela “verdade”
ainda não tivesse se transformado em demanda de “justiça”),54 a Multipartidária e as
52 Ariel Armony, La Argentina, los Estados Unidos y la cruzada anticomunista en América Central, 1977-1984. 53 Novaro e Palermo, op. cit. 54 A ação dos organismos de direitos humanos argentinhos esteve articulada ao redor de três componentes que forma se incorporando progressivamente: o pedido pela “verdade”, a demanda da “justiça” e o imperativo da “memória”; Hugo Vezzetti, Pasado y presente. Guerra, dictadura y sociedad en la Argentina.
organizações sindicais, Confederação do Trabalho (CGT) e 62 Organizações iniciavam
distintos projetos de mobilização.
A pressão civil foi, sem dúvida, um dos motivos mais poderosos que levaram o
regime a lançar-se à recuperação das Ilhas Malvinas. A ação posta em atividade no dia 2
de abril conseguiu o realinhamento das outrora rebeldes organizações políticas e
sindicais sob as bandeiras do regime, contra o “imperialismo” e o “colonialismo
britânico”: a Multipartidária expressou seu apoio “total e decidido” e a CGT destacou
“o espírito de liberdade de todos os argentinos”.55
A derrota argentina para a Grã-Bretanha desencadeou um novo putsch, desta vez
contra Galtieri protagonizado pelos “politicistas”, que nomearam o general Bignone
para a presidência da Nação. Esta decisão do Exército, que ignorava a autoridade da
Junta Militar, precipitou a desvinculação da Armada e da Força Aérea do órgão Maximo
governamental56 e desatou em um virtual esvaziamento do Estado perante as renúncias
em cadeia dos funcionários designados em virtude do critério tripartido: governadores,
ministros, secretários, subsecretários, integrantes de diretórios as empresas estatais,
delegados militares nos ministérios, nas secretarias e na CAL etc.
Bignone assumiu a presidência em 1º de julho de 1982, com o objetivo exclusivo
de negociar uma “saída” com a chefia política. Enquanto la “Comissão Rattenbach”
investigava as “responsabilidades políticas e estratégico-militares no Conflito do
Atlântico Sul”,57 o presidente acelerou a aproximação com a frente política e a sindical.
55 “CGT: el 30 de marzo y las Malvinas”, 6/4/1982, cit. in, Abós, op. cit., p. 140 e ss.; La Nación,
3/4/1982. 56 A Junta se reconstituiu em setembro de 1982 com novos comandantes: Nicolaides no Exército, Hughes na Força Aérea e Franca na Força Armada.
57 La Nación, 12/11/1982. Os achados da chamada “Comissão Rattenbach”, criada pelo regime para analisar e avaliar os responsáveis políticos e estratégico-militares na guerra das Malvinas, agravaram o enfrentamento entre as cúpulas que haviam conduzido a guerra e as patentes inferiores que haviam obedecido suas ordens. Este conflito, alimentado por outros enfrentamentos hierárquicos derivados da
Para isso, anunciou que a institucionalização do país se produziria em março de 1984,
outorgou um aumento salarial e nomeou a frente de Economia a Jorge Wehbe, que
também havia acompanhado o general Lanusse durante a “saída” da Revolução
Argentina.
Porém, todos os sinais conciliadores foram bloqueados pela frente com a qual
era impossível conciliar. O denominado “show del horror” inaugurado em outubro de
1982 por uma série de exumações de tumbas “NN” em vários cemitérios transformou o
componente de “verdade” no de “justiça” ao acionar os organismos de direitos
humanos.58 Paralelamente, se radicalizou a frente interna: os retirados dos “Centros de
Oficiais das Forças Armadas” apreciaram que “o governo havia perdido o controle da
situação,59 e o general Ramón Camps, ex-chefe da Polícia bonaerense, afirmou que “não
desapareceram pessoas, desapareceram subversivos”, e confessou que “a alguns” “dei
sepulturas em tumbas NN”.60
Encurralado, o governo de Bignone desconsiderou a “solução” que a
Multiparidária oferecia para a questão dos desaparecidos, consistente em estabelecer
distintos “níveis de responsabilidade” e intercambiar “autodepuração” militar por
“respeito às instituições”.61 No “Documento final sobre a guerra contra a subversão e o
terrorismo”, as Forças Armadas atribuíram as desaparições de pessoas ao “modus
operandi terrorista”, negavam a existência de “lugares secretos de detenção (ou) presos
clandestinos”, e sustentavam que “a informação e explicações proporcionadas neste
“luta antisubversiva”, foi a semente das manifestações “carapintadas” que ocorreram na Argentina entre abril de 1987 e dezembro de 1990. 58 Vezzetti, op. cit. 59 La Nación, 12/2/1983. 60 Clarín, 5/11/1983. 61 Tanto os “níveis de responsabilidade” quanto a “autodepuração” foram dois elementos centrais da política militar do presidente constitucional Raúl Alfonsín a partir de 1983; Canelo, 2006, op. cit.
Comentario [P1]: Creo que
corresponde citarlo en español
Comentario [P2]: “Porteña”
refiere sólo a la Ciudad de Buenos
Aires, en este caso se trata de la
polícía de la provincia de Buenos
Aires.
documento é tudo que as Forças Armadas dispõem”.62 E na chamada “Lei de
Autoanistia” tentaram dar por “extinguidas” as ações penais emergentes dos delitos
comentidos com motivação ou finalidade terrorista ou subversiva, desde 25 de maio de
1973 até 17 de junho de 1982”.63
O resultado foi, mais uma vez, contrário ao esperado. Em dezembro de 1983,
Bignone se retirou da Casa de Governo desejando ser “o último presidente de fato da
história e do futuro argentino”.64
Reflexões finais
O principal argumento deste trabalho é o de que para compreender a particular dinâmica
política do PRN é necessário reconhecer, primeiramente, a multiplicidade e
complexidade de seus determinantes. De fato, a especificidade da dinâmica do regime
argentino foi resultado da combinação de dois níveis, necessariamente articulados: o do
modelo institucional escolhido, caracterizado pela supremacia da Junta Militar sobre o
presidente e a divisão tripartida do poder, e os actores envolvidos, especialmente a
contraditória aliança cívico-militar, que levou à frente a experiência autoritária, mas
também aqueles actores que incidiram com a conflituosa configuração do contexto da
ação política.
A complexidade apresentada por esta dinâmica entre 1976 e 1983 conspira
contra as tentativas do observador de sistematizá-la. No entanto, é possível extrair um
62 La Nación, 29/4/1983. 63 La Nación, 24/9/ 1983. 64 Clarín, 1/12/1983.
conjunto de elementos centrais, que se mantiveram relativamente estáveis durante o
período.
O primeiro elemento está relacionado com a aprendizagem que a ditadura
buscou capitalizar argentina em relação às experiências de ditadura anteriores. Contra as
postulações que destacam (ou que simplistamente se detém) a “radical” novidade do
Processo (em seus objetivos refundacionais, na profundidade de sua política repressiva,
em sua selvagem política econômica etc.), entendemos que compreender a última
ditadura militar argentina requer necessariamente vinculá-la com a larga série de
regimes autoritários que se sucederam no país desde 1930, com os que o Processo
manteve relações de continuidade e ruptura, mas que de quem sempre buscou aprender.
Em segundo lugar, na dinâmica política do Processo se destaca uma esforçada
busca de estabilidade frente ao quadro de elevada fragmentação interna, dada pelos
conflitos intraforças e interforças, e também pelas contradições existentes entre os
elencos governamentais civis, que estiveram muito longe de apresentar essa coerência
ideológica ou essa comunidade de interesse com as que frequentemente se associa.
Nesse sentido, acaba particularmente interessante retornar a outras postulações de
Rouquié, especialmente à desafiante e controvertida hipótese geral com a que o autor
pretende explicar a recorrente intervenção das Forças Armadas na cena política
argentina. A mesma afirma que desde 1930 os militares tenderam a exercer, frente a
uma classe dirigente dividida e ausente, um “rol hegemônico substitutivo”, função
reguladora mediante a qual tentaram restabelecer o “equilíbrio de uma sociedade
hegemônica”.65
Poderíamos afirmar que durante o Processo, houve vários “subsistemas” que
desenvolveram esta busca de equilíbrio, mas, nesse caso, a partir do centro do governo
65 Alain Rouquié, Poder militar y sociedad política en Argentina. Tomo II: 418 e ss.
em si. O primeiro foi a fração “moderada” do Exército, que buscou equilibrar a interna
intraforças entre as frações extremas “dura” e “politicista”. Em volta dos “moderadores”
se articulou um projeto relativamente consistente e durável (combinação de “luta
antissubversiva” e reforma econômica liberal) que viabilizou la “era de ouro” do
Processo. Durante as presidências de Videla, o projeto dos “moderados” se
institucionalizou no que chamamos “núcleo estável”, integrado pela presidência da
Nação, e os dois principais ministérios do gabinete, o de Economia e o de Interior, que
gozaram de uma extraordinária estabilidade.
O segundo subsistema foi a Força Aérea, que empregou (sobretudo diante das
presidências de Videla) a inédita gravitação que lhe outorgava o “esquema de poder”
para incidir na história interna interforças entre a Armada e o Exército, que durante o
Processo se expressou no próprio cerne da Junta Militar, potencializada pelo modelo
institucional. Enquanto a primeira disputava o poder no Exército, buscando satisfazer
seus próprios interesses corporativos (ou pessoais, no caso do almirante Massera), e o
segundo se complicava em sua própria fragmentação, os aviadores suspenderam suas
próprias preferências ideológicas para desempatar quando as tensões entre as Forças se
aprofundavam.
É possível afirmar que a partir de 1981 a decomposição do poder militar foi
acompanhada pela desarticulação destes “subsistemas” e a abertura da “era dos
extremos”. De fato, com a queda dos “moderados” a regra virou a alternância entre as
“minorias intensas”, que não podia senão suceder-se mediante putschs internos. A partir
daí, o Processo começou a revelar os distintos projetos que agrupavam em seu cerne,
projetos que variaram desde o mais institucionalista dos “moderados”, ou o mais
beligerante de Galtieri e sua Junta Militar, até os mais “politicistas” de Viola ou
Bignone, que com diferentes intensidades e distintas estruturas de oportunidades,
buscaram substituir a economia e a guerra pela política.
Finalmente, a dinâmica política do regime impactou de forma diferenciada o
sucesso de seus mais importantes objetivos. De todos eles, provavelmente foram os
objetivos políticos, especialmente o da alucinada criação de uma nova classe dirigente e
o da institucionalização do “quarto poder”, os dois mais extraviados. Foi no plano
político onde ficou mais evidente que o regime perdia seu rumo ainda quando não tinha
que enfrentar uma oposição civil consistente, e onde a superposição entre disposições
institucionais e comportamento dos personagens revelou seus efeitos mais perniciosos,
impedindo, por exemplo, a elaboração de uma plataforma política mínima que permitira
antecipar a avidez dos políticos e o esgotamento dos tempos.
No caso da política econômica, a combinação entre modelo institucional,
comportamento dos atores e contexto da ação produz resultados diferentes.
Provavelmente porque (e busquemos superar aqui as explicações mais “personalistas”,
que se detém nas qualidades políticas individuais de Martínez de Hoz), apesar das
resistências das Forças Armadas, das contradições dos elencos civis e da consolidação
da questão como “tema de oposição”, os objetivos da reforma econômica liberal
coincidiram com as da fração “moderada”, que predominou durante a maior parte da
ditadura. Frente a ela, nenhuma outra fração, nem militar, nem civil, conseguiu impor
seu projeto de mudança.
Sem dúvidas, neste longo espaço, foi no plano dos direitos humanos onde a
combinação entre modelo institucional, comportamento dos atores e contexto resultou
virtualmente letal. Enquanto este plano foi o único onde os militares argentinos
reclamavam ter “ganhado a guerra” (por ter alcançado seus débeis objetivos), a
dinâmica política gestada ao redor das “lutas antissubversivas” foi a que selou
definitivamente não somente o destino do regime militar, mas também o das Forças
Armadas e o da fraca democracia argentina.
O enfrentamento entre a “ética da responsabilidade” e a “ética da convicção”
impediu, primeiramente, consolidar uma postura militar unificada; depois, bloqueou
qualquer aproximação entre os partidários, militares e civis, da “ética da
responsabilidade”; e ligou, finalmente, a eficácia da promessa democrática à realização
da justiça perante os crimes de ônus à humanidade.66
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66 Sobre o enfrentamento entre ambas as éticas no plano dos direitos humanos durante o período pós-ditadura, consultar Canelo, 2008 (a), op. cit.; e Paula Canelo, “La responsabilidad y la convicción. Las ‘autocríticas’ del general Balza y su impacto en la interna militar argentina durante los años noventa”.
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