AFETIVIDADE NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
AFFECTION IN THE CONTEMPORARY FAMILY
Erick Henrique do Nascimento Santos – [email protected]
Graduando do UNISALESIANO
RESUMO
A família não é fundada em laços meramente sanguíneos, pois as relações devem
ser observadas como uma comunidade de afeto, uma ponte que pode sustentar uma
formação de caráter adequado, um tratamento digno ao filho como pessoa detentora
de direitos e deveres. Dessa forma, utilizando o método dedutivo e pesquisa
bibliográfica, o presente trabalho investiga a efetividade da paternidade e filiação
socioafetivas com base no reconhecimento do valor jurídico do afeto, para se chegar
à consideração de que o vínculo biológico e o registral não são absolutos em definir
o que seja família, sendo a relação de afeto a mola propulsora da geração de efeitos
decorrentes do estado de filiação. Assim, reconhece-se os efeitos jurídicos da
paternidade socioafetiva.
Palavras-chaves: FAMÍLIA. DIREITO DE FILIAÇÃO. AFETIVIDADE.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
ABSTRACT
A family is not founded in ties merely for blood, because the relationships should be
observated like a community affective, a bridge that can support a formation of a
suitable character, a worthy treatment to son like a person that has rights and duties.
That way, using the deductive method and bibliographic search, the present work
investigates the effectiveness of paternity and membership based on recognition of
the legal worth of the affection to get to the conclusion that the biological and registral
bond are not absolute to define family, being the relation of affection the impulse of
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the geration of effects resulting of membership. Thereby, is recognizes the juridical
effects of socio-affective fatherhood.
Keywords: FAMILY. RIGHT OF AFFILIATION. AFFECTIVITY. SOCIO-AFFECTIVE
FATHERHOOD.
INTRODUÇÃOA principal característica da família se dá pela forma com que o
relacionamento se desenvolve, pela vontade em ser pai ou mãe, pela disposição em
fornecer o devido cuidado, não do laço sanguíneo. A condição sanguínea é
importante, pois faz com que a pessoa saiba sua origem, mas isso não tira o peso
que o afeto tem na construção do caráter, como princípio basilar na criação e
educação dos filhos.
Partindo desse pressuposto, tem-se que a socioafetividade divide espaço com
a condição biológica, de modo que uma não anula a outra, mas, se fosse possível
considerar qual das condições é a mais importante para qualquer tipo de relação,
seja ela familiar ou nas relações interpessoais, o afeto é a principal. Em diversas
situações, aquele que assume o papel de se portar como pai, faz o trabalho com
melhor perfeição do que se fosse biológico.
Em curtas palavras, filiação socioafetiva é resumida pela seguinte frase: “pai e
mãe é quem cria”, não aquele que contribui unicamente com material genético.
Assim, diversas jurisprudências têm reconhecido e considerado a relação afetiva em
favor da verdade biológica, demonstrando que a família deve ser entendida como
uma comunidade de amor, de afeto e de desejos em conviver em comunhão.
OBJETIVOS
Através do presente estudo pretendeu-se demonstrar e comprovar que o
afeto é a base principal no Direito de Família, bem como, têm contribuído de
diversas formas para a sociedade e para a entidade familiar como um todo.
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Por conseguinte, procurou-se esclarecer a importância jurídica do afeto no
Direito Brasileiro, demonstrando que a sociedade passou por vários avanços no
decorrer do tempo e a família deixou de ser uma comunidade com interesses
religiosos, políticos ou patrimoniais.
METODOLOGIA
Utilizou-se na elaboração do trabalho os métodos dedutivo, qualitativo e
descritivo, desenvolvido por meio de procedimentos técnicos bibliográficos e
documentais. O material foi obtido mediante pesquisa de artigos publicados em
revistas especializadas, livros, acórdãos de tribunais superiores e textos publicados
na internet acerca do assunto.
CAPÍTULO 1 - AFETIVIDADE NA FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
A família pode ser considerada um reflexo da sociedade na qual está inserida
e tomando como exemplo dessa nova e atual realidade, temos a união estável, os
casos de multiparentalidade, monoparentalidade, homoafetividade e a filiação
advinda pelas técnicas de inseminações artificiais (seja fertilização in vitro seguida
de transferência de embriões, transferência intratubária de gametas, transferência
intratubária de zigotos ou gestação por mãe substituta), formando assim, dentre as
citadas, diversos tipos de relações que integram o núcleo familiar.
No decorrer dos anos, a afetividade ganhou um espaço maior na sociedade,
eis que, na antiguidade não era possível se falar em afeto como elo integrante e
principal da família, tendo em vista que o laço religioso e o patrimonial eram
preponderantes. Sobretudo, no direito romano, em que se concentrava todo o poder
na figura do pater familias, de modo que esse era o chefe absoluto sobre o lar,
reivindicando sua autoridade e hierarquia por meio do conceito religioso de que o pai
era o senhor, com poderes absolutos sobre sua mulher e possuía direitos de vida e
morte sobre seus filhos.
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[...] o afeto natural, embora pudesse existir, não era o elo de ligação entre os membros da família. Nem o nascimento nem a afeição foram fundamento da família romana. [...] Os membros antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. [...] Por isso era sempre necessário que um descendente homem que continuasse o culto familiar. Daí a importância da adoção no velho direito, como forma de perpetuar o culto, na impossibilidade de assim fazer o filho de sangue (VENOSA, 2013, p. 20).
Com a promulgação do Código Civil de 1916 no Brasil, observa-se a
tradição da indissolubilidade do matrimônio e o regime de comunhão universal.
Entretanto a figura do homem no âmbito familiar ainda era muito forte e presente,
tendo em vista que a mulher era considerada por vezes, relativamente incapaz (art.
6°, Código Civil de 1916) e, ainda, havia o conceito de família legítima e ilegítima,
em seu art. 226, sendo assim, qualquer filho que fosse gerado em casamento
diferente ao formal não poderia ser reconhecido, demonstrando assim que o amor
ainda não era a base das relações matrimoniais ou familiares.
Assim, digne a expor a Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, o Código Civil
revogado: “Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à
maneira de os exercer: [...] II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade
conjugal”
E ainda anuncia o legislador anterior: “Art. 229. Criando a família legítima, o
casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (artigos.
352 a 354)”
Mais tarde, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, veio
com seu art. 226 para mudar paradigmas quanto ao conceito de família, prevendo
não só que a família é a base da sociedade e que o Estado deve fornecer proteção
especial a mesma, como também, estabeleceu o caráter gratuito do casamento
civil (§1°), o efeito civil do casamento religioso (§2°), a possibilidade de
reconhecimento de união estável entre homem e mulher, facilitando a conversão
em casamento (§3°), além de considerar também como entidade familiar o núcleo
formado por qualquer um dos pais e seus descendentes (§ 4°). A Carta
Constitucional declarou que os direitos poderiam ser exercidos por ambos os
cônjuges na sociedade conjugal, trazendo a isonomia conjugal, seja no fato da
mulher ganhar independência financeira ou em se desprender do poder marital que
antes estava ligada (§5°). E, por fim, a possibilidade da dissolução do casamento
civil mediante divórcio direto.
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Ademais, baseando-se no princípio da dignidade humana e da paternidade
responsável, o casal pode livremente realizar o planejamento familiar, seja
preparando-se para achegada dos filhos, como adiar qualquer gravidez indesejada.
Com o advento da Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o novo Código
Civil, houve muitas mudanças nas regras sobre o casamento para se afinar com os
fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, sendo que
agora é possível ao homem e a mulher acrescer sobrenome do outro ao seu,
havendo igualdade quanto às condições dos consortes no matrimônio (art. 1.565 do
Código Civil), seja na direção da sociedade conjugal, priorizando o interesse do
casal e dos filhos (art.1.567) ou na concorrência financeira no matrimônio, sempre
observando a proporção de seus rendimentos patrimoniais (art. 1.568).
Pode-se, ainda, enfatizar a alteração a respeito dos filhos, no que se refere ao
reconhecimento e a dissolução do pátrio poder, agora chamado de poder familiar,
sendo exercido igualmente pelo pai e pela mãe, e não unilateralmente pelo chefe de
família, como visto até então (art. 227 da Constituição Federal e art. 1.596 do Código
Civil).
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 2002).
Cabe ainda ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 trouxe novos ideais ao Direito de Família, passando a reconhecer a união
estável como entidade familiar (art. 226, §7º), iniciando o primeiro de muitos outros
passos que seriam dados rumo ao reconhecimento do afeto como uma das
principais bases do Direito de Família e da boa convivência.
E nesse diploma que se encontram princípios expressos acerca do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1 º, III). Nesse campo, situam-se os institutos do direito de família, o mais humano dos direitos, como a proteção à pessoa dos filhos, direitos e deveres entre cônjuges, igualdade de tratamento entre estes etc. Foi essa Carta Magna que também alçou a princípio constitucional da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art. 226, § 5º) e igualdade jurídica absoluta dos filhos, não
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importando sua origem ou a modalidade de vínculo (art. 227, § 6º). (VENOSA, 2013, p.23).
Maria Helena Diniz ressalta (DINIZ, 2010):
Com base nesse princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite-se o reconhecimento de filhos extramatrimoniais e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade.
As numerosas alterações legais foram necessárias para que a sociedade
avançasse rumo a um ordenamento atual, de modo que o vínculo do afeto e o
amor fossem reconhecidos no conjunto familiar e nas relações pessoais.
Anteriormente, sequer era possível citar a afetividade como norteadora das
relações familiares. Atualmente, doutrinadores têm discorrido se o sentimento deve
realmente fazer parte do direito, deixando de ser meramente subjetivo, para tomar
um conceito mais objetivo e formal.
Enfatiza ainda Giselda Hironaka (2006):
O afeto, reafirme-se, está na base de constituição da relação familiar, seja ela uma relação de conjugalidade, seja de parentalidade. O afeto está também, certamente, na origem e na causa dos descaminhos desses relacionamentos. Bem por isso, o afeto deve permanecer presente, no trato dos conflitos, dos desenlaces, dos desamores, justamente porque ele perpassa e transpassa a serenidade e o conflito, os laços e os desenlaces; perpassa e transpassa, também, o amor e os desamores. Porque o afeto tem um quê de respeito ancestral, tem um quê de pacificador temporal, tem um quê de dignidade essencial. Este é o afeto de que se fala. O afeto-ternura; o afeto-dignidade. Positivo ou negativo. O imorredouro do afeto.
Assim, digne a dizer a psicanalista Giselle Câmara Groeninga
(GROENINGA, 2008, apud TARTUCE, 2012):
O papel dado à subjetividade e à afetividade tem sido crescente no Direito de Família, que não mais pode excluir de suas considerações a qualidade dos vínculos existentes entre os membros de uma família, de forma que possa buscar a necessária objetividade na subjetividade inerente às relações. Cada vez mais se dá importância ao afeto nas considerações das relações familiares; aliás, um outro princípio do Direito de Família é o da afetividade.
A sociedade ainda se recupera da grande cicatriz deixada pelos dispositivos
já revogados, principalmente no que se refere a aceitação da afetividade como fonte
primária da relação familiar. Foram necessárias várias mudanças para que o filho,
que antes não tivesse qualquer vínculo biológico pudesse ser registrado e
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considerado como se legítimo fosse, seja ele de outro matrimônio ou advindo de
adoção.
Apesar do avanço legal no decorrer dos anos, ainda não há qualquer previsão
legal que dê o devido valor ao afeto, sendo até então meramente princípio subjetivo,
ou seja, não se encontra atualmente palpável no ramo do Direito.
Mas apesar da omissão legal à cerca do afeto, tal vínculo não pode ser
negado ou ter seu valor diminuído, tendo em vista que é objeto principal dos laços
familiares, sendo extremamente necessário para a construção de qualquer lar
saudável e bem desenvolvido.
1.1 O valor jurídico do afeto na nova ordem jurídica do Direito de Família
Como já dito, a família tem papel essencial para a formação do indivíduo na
sociedade, sendo assim, necessita de um cuidado especial e uma abordagem
delicada quanto à sua base, principalmente no que tange à afetividade. Mediante
vínculos afetivos, os indivíduos relacionam-se na sociedade e partilham de diversos
fatores importantes para o desenvolvimento psicológico e moral. Os sentimentos de
amor, carinho, solidariedade decorrem diretamente do afeto, sendo fenômenos
primordiais para a formação da família e desenvolvimento do caráter subjetivo do
indivíduo.
O reconhecimento jurídico da afetividade como princípio fundamental no
âmbito familiar tem crescido, ainda que a passos tímidos, pois ainda que não tenha
qualquer regulamentação legal acerca do assunto, vários doutrinadores, pautados
nas jurisprudências dos tribunais brasileiros, têm entendido que um dos sentimentos
necessários à boa convivência e à comunhão de vidas é o afeto.
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o
Código Civil de 2002 tem aberto novos precedentes e diferentes interpretações, de
modo que o art. 1.593 tem sido cada vez mais explorado, tendo em vista que a
expressão outras origens, contido no texto abre espaço para novas discussões.
Assim, se digne a expor o texto da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002:
“Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou
outra origem”.
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Ademais, nessa expressão "outra origem" também pode ser identificada a posse de estado de filho, estudada a seguir e que de certa forma complementa a noção de paternidade socioafetiva. Toda essa elasticidade de interpretação é doutrinária e jurisprudencial. Melhor seria que o legislador tivesse acolhido expressamente esses novos aspectos (VENOSA, 2013, p.237).
O afeto, no âmbito jurídico pode ser considerado como aquilo que une as
pessoas umas às outras, em decorrência do sentimento que as rodeia, bem como,
cabe enfatizar que tal sentimento decorre do princípio da solidariedade familiar,
emergindo da demonstração de carinho e cuidado pelo outro.
A família atual é tecida na complexidade das relações afetivas e solidárias, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. A chamada verdade biológica nem sempre é adequada, pois a certeza absoluta da origem genética não é suficiente para fundamentar a filiação, especialmente quando esta já tiver sido constituída na convivência duradoura com pais socioafetivos (posse de estado) ou quando derivar da adoção. (LÔBO, 2013).
Para a filosofia, o termo afeto, ou simplesmente affectus, é a fonte motriz da
sociedade, salientando que não há qualquer oposição entre o afeto e a razão,
considerando os dois institutos como potências da natureza, de modo que é definido
como a condição ou transição de um corpo em relação a outro, podendo ainda
influenciar diretamente em todo o mundo dos sentimentos e emoções (LIMA, 2015).
No campo da psicologia, se houver a ausência de afeto nas relações
interpessoais poderão ocorrer graves transtornos psicológicos, como a depressão,
considerados o mal do século, diversos tipos de fobias e várias outras crises,
tratando-se, portanto, de importante ingrediente para influenciar no desenvolvimento
mental e cognitivo de qualquer pessoa, seja para o crescimento ou para a
destruição.
Sendo assim, seja no campo jurídico quanto no âmbito psicológico ou
filosófico, grande é a influência do afeto na sociedade e nos indivíduos que dela
fazem parte, sendo imprescindível sua presença em qualquer tipo de relação.
1.2 A nova estrutura da família a partir da afetividade
A própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reconhece a
família como sendo a base da sociedade, bem como, a necessidade do Estado em
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protegê-la. As relações familiares são as principais formadoras de caráter no
indivíduo, tendo em vista que de um bom ambiente familiar, surgirá o respeito, uma
boa convivência, a segurança e vários outros sentimentos construídos em
decorrência do amor e do afeto.
Assim, digne a expor a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
houve a criação de novas entidades familiares, como àquelas que não se originam
no casamento, quais sejam: a união estável (art. 226, §3º, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988), em que não há exigência de formalidades
e solenidades para a sua constituição, sendo caracterizada pela informalidade; a
família monoparental (art. 226, §4º, da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1.988) e a família adotiva, esta constituída por sentença judicial transitada
em julgado. Porém, todas devem possuir os mesmos vínculos, direitos e deveres
como em qualquer outra entidade familiar legalmente constituída. Essa
transformação significa resolver a questão patriarcal, tirando o foco principalmente
da questão biológica e visando o afeto como laço necessário à formação do núcleo
familiar e evolução da sociedade.
Várias decisões têm sido tomadas com base no princípio da afetividade,
tendo em vista a necessidade da criança e do adolescente, bem como, sempre visar
o melhor interesse do menor e do adotante.
Não se pode negar que em qualquer relação familiar saudável, o afeto estará
presente, seja na ordem objetiva, em que há a presença de todos os fatos sociais
que indiquem a existência do afeto ou na condição subjetiva, fazendo alusão aos
sentimentos que permeiam tal vínculo.
A principal intenção em reconhecer o afeto na relação da família é buscar o
melhor interesse da criança, baseando-se no princípio da dignidade humana, tendo
em vista que além dos cuidados patrimoniais, não há o que se falar no
desenvolvimento pessoal sem que haja a presença do vínculo afetivo como
interesse básico do menor.
É necessário entender que o vínculo biológico deve ser considerado como
fator importante, entretanto, não pode ser o único ponto de partida para o
reconhecimento, tendo em vista que o simples fato de carregar traços sanguíneos
não é garantia de que o menor venha a crescer com os cuidados necessários.
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1.2.1 Os fundamentos constitucionais do direito de família baseados nos princípios
Antes de adentrar no mérito dos princípios constitucionais do direito de
família, faz-se necessário esclarecer que as normas jurídicas são divididas em duas
categorias, como sendo princípios e regras.
Diz o ilustre Miguel Reale:
Os princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis (REALE, 2001, p.299).
Admite-se então o entendimento de que os princípios são os valores,
fundamentos que as normas jurídicas devem seguir, indicando um valor hipotético
genérico, amplo.
As regras necessitam estar de acordo com os princípios, mas tratam-se de
imposições, com valor hipotético fechado, ou seja, não admitem ponderação, sendo
o chamado “tudo ou nada” no âmbito jurídico. Entretanto, é necessário que ambos
estejam em consonância quando se depararem com determinado caso concreto,
sendo impossível aplicar determinada regra sem que haja a observância de algum
princípio.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] III - a dignidade da pessoa humana; [...] (BRASIL, 1988). (Grifo do aluno).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 1988). (Grifo do aluno).
Atualmente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
encontra-se repleta de princípios que são aplicados no direito de família, verificando-
se a presença do princípio da dignidade da pessoa humana, em que não é permitido
qualquer tipo de violação ao indivíduo, por se tratar de parte essencial à sociedade,
tendo como base o pressuposto de que todos devem ser tratados iguais na medida
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de suas igualdades e desiguais na medida de suas desigualdades, como determina
o princípio da igualdade.
Há também, a presença de princípios específicos relativos ao Direito de
Família dentro da Constituição Federal de 1988, que tratam de assuntos peculiares
referentes aos princípios gerais.
O princípio da paternidade (parentalidade) responsável, trata sobre o
planejamento familiar responsável que poderá ser exercido por ambos os genitores.
Cabe ressaltar que o referido princípio encontra previsão no art. 226, § 7° da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, garantindo direitos iguais
aos pais para fornecer aos filhos o direito à convivência familiar digna, de modo que
o menor esteja livre de qualquer discriminação relativa ao estado de filiação em que
se encontra.
De forma explícita, o princípio da paternidade responsável foi incluído no art. 27, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), ao dispor que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça (PIRES, 2013).
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, elencado no art.
227, caput e seus parágrafos, da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, faz com que o filho não seja mais considerado mero objeto na relação familiar,
mas passe a ser tratado como sujeito de direitos, de modo que por se tratarem de
indivíduos em fase de desenvolvimento psíquico e físico, necessitem de tratamento
diferenciado que faça com que tenham proteção integral em seu crescimento.
O princípio da proteção integral deve orientar a atuação do legislador, de
modo que o mesmo obriga a intervenção do Estado para proteção e para que o
mesmo impeça a violação de quaisquer direitos.
Há também a presença de um princípio implícito, o chamado princípio da
afetividade, que possui como elemento principal o affectio, presente nas relações
familiares, que estabelece principalmente a constância e a necessidade da
comunhão dos pais em relação aos filhos, para que os mesmos tenham um
crescimento estável, baseado na sociafetividade.
Por fim, no que se refere ao princípio da convivência familiar, contemplado no
art. 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
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estabelecendo a convivência duradoura entre os integrantes da família,
reconhecendo, ainda, o direito dos avós em manter contato com os netos e supõe
juntamente o espaço físico, seja a casa, o lar e a moradia.
CONCLUSÃO
O principal objetivo foi discorrer acerca da paternidade afetiva, ilustrando os
diversos conceitos decorrentes da figura do pai, quais sejam a verdade biológica e a
verdade afetiva. Contudo, pôde-se verificar que há afetividade quando houver um
mútuo esforço das partes em estabelecer fortes laços baseados no respeito, na
solidariedade, no carinho e na proteção.
A paternidade socioafetiva deve ter sua importância reconhecida, não
somente na doutrina, mas nas decisões atuantes dos tribunais, reconhecendo-se,
pois, que a diferença quanto à origem da filiação não é suficiente para se determinar
a paternidade, e que o valor do afeto na família é muito mais que um sentimento,
mas um sentimento dotado de valor jurídico o qual se forma um vínculo indissolúvel
entre pai e filho, posto que irrevogável, provando-se assim, ser tão importante na
sociedade que fez com que ela se libertasse das amarras que antes possuía - a
consideração da família como mera figura religiosa ou política e biologizada.
A família não pode estar presa ao fator biológico apenas, pois há diversos
casos em que aquele que não tem qualquer ligação genética desempenha o papel
de pai melhor do que alguém que efetivamente carregue o fator genético. A
paternidade socioafetiva está diretamente ligada ao princípio da dignidade humana,
pois a principal função do afeto, no âmbito familiar, é promover ao filho tudo o que
lhe é de direito, mas, principalmente, formar seu caráter para que este seja atuante
de valor na sociedade.
Nesse ínterim, verificou-se que toda e qualquer relação saudável e aceitável
entre pai e filho está baseada no afeto, pois esse sentimento faz com que os
membros da família estejam ligados entre si, produzindo relações fortes e
resistentes entre si. Sendo assim, é impossível falar em família sem pensar no afeto,
seja ela biológica ou socioafetiva.
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REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 05 nov.2016.
BRASIL. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (Lei n. 3.071/1916). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20 maio 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 de maio de 2017.
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