Download - Cadernos Metrópole 31. -
cadernos
metrópole
ISSN 1517-2422
teoria urbana e cidadeneoliberal na América Latina
Cadernos Metrópolev. 16, n. 31, pp. 1-292
jun 2014
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
SemestralISSN 1517-2422A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia BógusPontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das MetrópolesRua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes
05015-001 – São Paulo – SP – Brasil
Prof. Dr. Luiz César de Queiroz RibeiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das MetrópolesAv. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão
21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970São Paulo – SP – Brasil
Telefax: (55-11) [email protected]
http://web.observatoriodasmetropoles.net
SecretáriaRaquel Cerqueira
teoria urbana e cidadeneoliberal na América Latina
ttteeeooorrriiiaaa uuurrrbbbannna eee ccciiidddaaadddeeennneeeooollliiibbbeeerrraaalll nnnaaa AAAmmméééricccaaa LLaaatttinnnaaa
PUC-SP
Reitora Anna Maria Marques Cintra
EDUC – Editora da PUC-SPDireção
Miguel Wady Chaia
Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,
Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norival Baitello Junior, Oswaldo Henrique Duek Marques,Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori
Coordenação EditorialSonia Montone
Revisão de portuguêsEveline Bouteiller
Revisão de inglêsCarolina Siqueira M. Ventura
Revisão de espanholVivian Motta Pires
Projeto gráfi co, editoração e capaRaquel Cerqueira
Rua Monte Alegre, 984, sala S-1605014-901 São Paulo - SP - Brasil
Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected]
www.pucsp.br/educ
cadernos
metrópole
EDITORESLucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
CONSELHO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São Paulo,
São Paulo/São Paulo/Brasil)
COMISSÃO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito
Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos
Aires/Argentina) Angélica Tanus Benatti Alvim (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (Universidade Federal Fluminense, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (Pontifi cia Universidad Católica de Chile, Santiago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa,
Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São
Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal (Universidad Complutense
de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Antônio F. Alonso (Fundação de Economia e
Estatística, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil)
Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva (Instituto Universitário
de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (Universidade Federal da
Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil)
Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/
Brasil) Nelson Baltrusis (Universidade Católica do Salvador, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (Universidade de São Paulo, São Paulo/
São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/
Brasil) Sarah Feldman (Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa
Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 2014 7
sumário
Apresentação9
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América La naJosé Luis Coraggio
17Reading Polanyi based on socialand solidarity economy in La n America
37The capitalist city in the neoliberal pa ernof accumula on in La n America
La ciudad capitalista en el patrón neoliberalde acumulación en América La naEmilio Pradilla Cobos
Words and things in the La n American city. Epistemological obstacles in Argen nean
urban policies
61 Las palabras y las cosas en la ciudad la noamericana. Obstáculos epistemológicosen polí cas urbanas argen nasAna NúñezJorge Roze
Enfoques teóricos y usos polí cos del conceptode espacio público bajo el neoliberalismoen la ciudad de Cuernavaca, MéxicoCarla Alexandra Filipe Narciso
Theore cal frameworks and poli cal uses of the concept of public space under neoliberalism
in the city of Cuernavaca, Mexico
113
89A la carte urbanism: theories, policies,programs and other urban recipes
for La n American ci es
Urbanismo a la carta: teorías, polí cas,programas y otras recetas urbanaspara ciudades la noamericanasVictor Delgadillo
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo la no-americano de cidade ou metrópole?Ponto de vista de uma europeiaHélène Rivière d’Arc
139Is it possible to talk, in the 21st century,of a La n American model of city or metropolis?
A European’s point of view
dossiê: teoria urbana e cidade neoliberal na América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 1-292, jun 20148
195Regional centers in the North of Rio de Janeiro and the Metropolitan Region: poli cal culture
in a compara ve perspec ve
Polos regionais do Norte Fluminensee a Região Metropolitana: cultura polí caem perspec va comparada Sérgio de AzevedoJoseane de Souza Fernandes
169Internal migra ons and their contemporary protagonism in the urban imaginaries
of the metropolis of Lima, Peru
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo nos imaginários urbanosda metrópole de Lima, PeruBeatriz Silveira Castro Filgueiras
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográfi cas: um olhar sobre o entornodo Arroio Dilúvio em Porto AlegreWilliam MogHeleniza Ávila CamposLívia Salomão Piccinini
219Morphological analysis of urban spacesin river basins: analyzing the surroundings
of Dilúvio River in Porto Alegre
Avaliação das metodologias brasileirasde vulnerabilidade socioambiental como decorrência da problemá ca urbana no BrasilMônica Maria Souto MaiorGesinaldo Ataíde Cândido
239Analysis of the Brazilian assessmentmethodologies of socio-environmental
vulnerability as a result of urbanproblems in Brazil
Instruções aos autores289
149Neoliberal urban reorganiza on and the bus companies in the city of Rio de Janeiro
Reestruturação urbana neoliberal e as empresasde ônibus na cidade do Rio de JaneiroIgor Pouchain Matela
Variações intra e intermetropolitanasda desigualdade de renda racialLeonardo Souza SilveiraJerônimo Oliveira Muniz
Intra- and inter-metropolitan varia onsof racial income inequality
263
Artigos complementares
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 9
Apresentação
Sob o impacto da explosão do crescimento das grandes cidades, no período 1950/1970,
surgiu na América Latina um pensamento urbano que buscava encontrar os marcos estruturais-
-históricos da nossa formação urbana. Marcado pelo debate entre as teorias da dependência,
da modernização e do imperialismo e pelo reconhecimento da diversidade das cidades do
continente, esse pensamento teve grande infl uência no debate internacional. Expressava uma
atitude intelectual de estabelecer uma relação crítica com as próprias formulações críticas sobre
o desenvolvimento capitalista – vale dizer, o marxismo – pela qual as categorias de pensamento
necessitavam ser historicizadas diante da experiência histórica dos países latino-americanos, sem
o que o pensamento se destituía de sua capacidade cognitiva.
Posteriormente, contudo, a partir da institucionalização das disciplinas das ciências sociais
e suas especializações sobre os temas urbanos, o vigor intelectual desse debate foi obscurecido
pelo poder “geo-cultural“1 das grandes universidades do mundo europeu e norte-americano
e sua capacidade de hegemonizar o pensamento urbano na escala global. Uma verdadeira
divisão mundial do trabalho se estabeleceu no campo acadêmico, pela qual às instituições e
aos pesquisadores dos países do mundo euro-americano caberia a formulação de conceitos e
teorias com pretensões de legitimidade universais, enquanto aos posicionados nas periferias e
semiperiferias caberiam as tarefas de colocá-los à prova empírica.
O presente número da revista Cadernos Metrópole busca abrir espaço para os acadêmicos
que em vários países latino-americanos – e em outros continentes – vêm retomando os esforços de
reconstrução do pensamento latino-americano sobre a cidade, em diálogo crítico com uma teoria
urbana globalizante, nos planos teórico, conceitual e empírico. Ele repercute a iniciativa de um
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201410
grupo de pesquisadores2 do continente em criar um movimento intelectual-acadêmico que retome
o projeto de pensar a especifi cidade dos processos de urbanização e de mudanças das grandes
cidades latino-americanas. Tal iniciativa está em sintonia com um movimento mais amplo que
reúne acadêmicos, pesquisadores e intelectuais de vários países que vêm pensando e discutindo a
necessidade de construir uma perspectiva crítica desde o “Sul” sobre a globalização cultural que
impera nas ciências sociais em geral e nas disciplinas desse ramo de conhecimento que se dedica
aos temas urbanos.
A ampla adesão de pesquisadores à proposta editorial dos Cadernos Metrópole evidencia
que o tema atende à necessidade do mundo acadêmico latino-americano de encontrar formas
ativas de resistência ao poder cultural que criou uma geo-epistemologia global, cujo centro são as
grandes universidade do mundo euro-americano. Trata-se de uma batalha tanto mais importante
na medida que o controle do conhecimento é hoje a fronteira de expansão capitalista, dada sua
importância capital no desenvolvimento das Nações.
O continente latino-americano vive um momento especial, que impõe refl etirmos sobre os
paradigmas com os quais temos analisado as nossas particularidades como periferia da economia
mundo capitalista e as nossas possibilidades históricas para encontrar caminhos alternativos na
atual fase de crise da “virada neoliberal” iniciada nos anos 1970. Após a recessão dos anos 1980
e as políticas neoliberais dos anos 1990, observa-se em vários países crescimento econômico com
diminuição das desigualdades de renda, embora de modo geral os coefi cientes de Gini permaneçam
muito mais elevados do que a média mundial. Trata-se da combinação de efeitos pró-ciclos do
crescimento econômico impulsionado por dinâmica exportadora de commodities e pela expansão
do mercado interno. Simultaneamente, surgiram em vários países políticas sociais de transferência
de renda, ao mesmo tempo em que os Estados retomaram seus antigos compromissos com os
direitos sociais, notadamente na educação e na saúde, o que se expressa no aumento dos gastos
sociais. Também surgiram, em vários países da região, políticas de aumento real do salário mínimo
e do PIB per capita.
Este conjunto de mudanças se associa à crise do projeto neoliberal nos países centrais e
ao surgimento de governos que expressam novas correlações de forças, com a maior presença
dos partidos e grupos populares. Para muitos analistas, o continente latino-americano ingressou
desde os primeiros anos do século XXI em uma etapa de transição marcada por uma crise de
hegemonia do modelo liberal3 de desenvolvimento que orientou as políticas econômicas nos anos
1990. Com efeito, a economia mundial atravessou desde 1994 um longo período de crescimento,
apesar das frequentes crises, mas simultaneamente acontecem mudanças profundas na direção
do enfraquecimento das condições econômicas, fi nanceiras, políticas e ideológicas do projeto
neoliberal em marcha desde a segunda metade dos anos 1970. Para vários analistas da cena
política dos países latino-americanos, vêm surgindo no continente projetos de enfrentamento da
política neoliberal.
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 11
O que vem acontecendo nas cidades da América Latina? Segundo o documento Estado
das Cidades da América Latina e Caribe,4 elaborado pelo Programa das Nações Unidas para
os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a taxa de urbanização no Brasil e nos países do
Cone Sul chegará a 90% até 2020, só superior às verifi cadas no norte da Europa (84,4%) e da
América do Norte (82,1%). No México e nos países que formam a região andino-equatorial a
urbanização chega a 85%. No Caribe e na América Central, as taxas de urbanização são mais
baixas, mas em elevação constante, devendo chegar a 83% e 75% da população urbana em
2050, respectivamente. Mas as sociedades urbanas em emergência se expressam também pela
enorme concentração da população em grandes cidades, embora em ritmo mais lento do que o
verifi cado no passado. Segundo o mesmo estudo, hoje, 34 % da população da América Latina vive
em cidades com mais de 1 milhão de habitantes e 20% em centros metropolitanos, concentrando
mais de 5 milhões de pessoas.
Mas as cidades na América Latina conformam também o território de concentração dos
ativos e dos passivos de seus países. Ainda segundo o documento da ONU/Habitat, cerca de 2/3
do PIB concentram-se nas regiões urbanas e, ao mesmo tempo, há extremados índices de carência,
polarização e desigualdades sociais. Com efeito, 111 milhões de pessoas ainda moram em
moradias consideradas subnormais em termos de padrões habitacionais, 74 milhões de pessoas
(16%) em moradias sem saneamento adequado e menos de 20% do esgotamento da água usada
e do resíduo sólido é tratado antes de ser despejado. A polarização e as desigualdades sociais
em termos de renda vêm diminuindo nos últimos anos em alguns países – Panamá, México, El
Salvador, Honduras, Brasil, Venezuela, Uruguai e Peru – mas mantêm-se em elevados patamares,
o que faz das cidades da América Latina as que apresentam os maiores índices de inequidade do
planeta. Tal desigualdade da estrutura social traduz-se na constituição de cidades duais, divididas
e segregadas como marcas da organização do território urbano, com importantes impactos nos
padrões de sociabilidade.
Tais números indicam que os países ingressaram em sociedades urbanas, mas com cidades
ainda fortemente precárias e improvisadas para cumprir seu papel de espaços sociais fundamentais
para a produção e a reprodução da vida. Por outro lado, o mesmo estudo da ONU/Habitat menciona
a retomada em alguns países de políticas urbanas e habitacionais regulatórias e de promoção de
bem-estar coletivo, praticamente abandonadas no período neoliberal dos anos 1990. Em vários
deles surgiram, por exemplo, políticas de provisão de moradia fundadas no subsídio fornecido pelo
orçamento público para aquelas famílias que sempre estiveram fora do mercado imobiliário. No
Brasil, a constituição de 1988 e a lei federal conhecida como Estatuto das Cidades fi xaram, como
princípio da política e da gestão urbana, a função social da propriedade privada do solo urbano e
da própria cidade.
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201412
Simultaneamente à retomada de políticas públicas de provisão de moradia de interesse
social, observa-se nos países do continente a inexistência de ações públicas de regulação
do mercado de terras e de ordenamento do uso e da ocupação do solo. Ao mesmo tempo, em
várias cidades latino-americanas vem sendo adotado o modelo de política concebido sob a
ótica da competitividade urbana, o que se expressa por projetos que visam ativar e promover
reformas urbanas que liberem a cidade dos fatores institucionais, culturais, sociais e urbanísticos
que bloqueiam o pleno funcionamento dos circuitos de acumulação urbana. São experimentos
regulatórios liberais usando a formulação de Neil Brenner, Jamie Peck e Nik Theodore no, hoje,
famoso artigo Depois da Neoliberalização? publicado nos Cadernos Metrópole, 2012, v. 14,
n. 27 – entendidos como ações pontuais realizadas em vários âmbitos da ação do Estado e em
suas múltiplas escalas com o poder de impor, intensifi car e reproduzir modalidades de políticas
e governança urbana focadas na mercantilização da cidade. No plano das cidades, assistimos,
portanto, a uma disputa entre modelos de políticas neoliberais e reformistas.
Uma das preocupações que orientaram a organização deste número é a de que esta
disputa de projeto de cidade e sua experimentação ganham centralidade no atual momento de
confronto de projetos políticos nacionais liberais e reformistas, em vários países da América Latina.
Disputa marcada, por um lado, pela crise de hegemonia do modelo liberal global, e, por outro,
pelas difi culdades das esquerdas de construírem um projeto alternativo com a capacidade contra-
-hegemônica para conduzir a oportunidade de transição aberta para os países do continente.5
Como afi rma Eder Sader (2007), a construção do projeto hegemônico pós-liberal depende do
conhecimento das transformações ocorridas na América Latina, em especial da nova estrutura
social de recomposição da força de trabalho ocorrida nos períodos liberal e pós-liberal e, ao mesmo
tempo, do conhecimento dos elementos e mecanismos pelos quais a concepção liberal de mundo
se afi rma e se difunde nas sociedades do continente. Em outras palavras, trata-se de entender os
mecanismos de construção e de legitimidade do projeto liberal.
Traçando um paralelo entre esse período recente com outro momento da história política
da América Latina, nossa hipótese é que a crise urbana e suas representações nos campos político,
acadêmico, jornalístico e na sociedade civil vêm realizando papel semelhante ao assumido
pela crise dos serviços públicos nos anos 1980 e 1990: veículo e mecanismo de construção de
consentimento de uma nova rodada de neoliberalização que participa ativamente da fragilização
da hegemonia dos projetos antiliberais.
Conforma-se, assim, um paradoxo cuja compreensão é fundamental. Enquanto muitas
políticas na escala federal parecem mover-se na direção antiliberal, mas em constante confl ito
com as políticas macroeconômicas ainda de orientação liberal por fundarem-se em seus
princípios – metas de infl ação, câmbio fl utuante e superávit fi scal – experimentos regulatórios
liberais na cidade vão afi rmando seu contrário, muitas vezes através da associação entre políticas
urbanas locais liberais com políticas nacionais com pretensões antiliberais. Ao mesmo tempo,
experimentos de políticas urbanas locais claramente neoliberais são difundidos e adotados, ainda
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 13
que parcialmente, por escalas supralocais em políticas que se pretendem regulatórias antiliberais.6
O exemplo é o novo modelo de relação entre o Estado e os interesses dos capitais representado
pela Parceria Público-Privado.
A compreensão dos fundamentos desse paradoxo da cidade exige ir além dos fatos mais
imediatos da presente conjuntura. Devemos nos indagar sobre as relações econômicas e políticas
entre as forças presentes nas cidades com aquelas que vêm comandando o desenvolvimento das
relações capitalistas na América Latina. Tais relações foram sempre biunívocas, especialmente
naqueles países que conheceram a expansão do capitalismo industrial. Em outros termos, em
muitos países do continente se estabeleceu uma relação orgânica entre o capitalismo industrial e
o que poderíamos chamar de “capitalismo urbano”, pela qual pôde se legitimar o padrão liberal
do desenvolvimento latino-americano. A cidade foi, portanto, historicamente controlada pelas
forças do mercado como fundamento de um bloco de poder que comandou nossa inserção na
expansão do moderno sistema capitalista. Este fato político-econômico decorre da acomodação
das forças dominantes internas aos países latino-americanos à inserção associada às forças
liberais-internacionalizantes que surgem e se expandem desde o século XVI, a partir do núcleo do
moderno sistema capitalista.
Os textos reunidos no dossiê referem-se a esse debate, evidenciando as distintas
manifestações do embate neoliberal em diferentes contextos da sociedade latino-americana.
O artigo de José Luiz Coraggio retoma o pensamento e os conceitos elaborados por
Karl Polanyi, traçando um paralelo entre o pensamento desse autor e o atual debate contra o
neoliberalismo, ressaltando a importância de se fazer uma leitura do continente latino-americano
a partir da própria América Latina. Aponta a coerência entre a contribuição de Polanyi e a proposta
de construir “outra economia” a partir de práticas de economia social e solidária.
Emílio Pradilla Cobos analisa as características da cidade capitalista forjada no contexto
neoliberal de acumulação vigente na América Latina. Ressalta suas peculiaridades e adverte para
a difi culdade de elaborar análises com conceitos elaborados a partir e para o estudo de cidades do
chamado mundo desenvolvido. Para ele, a análise das cidades latino-americanas no neoliberalismo
vigente deve considerar a combinação entre o novo e o velho, a existência de um desenvolvimento
desigual e combinado e as especifi cidades históricas de cada uma dessas cidades.
Focalizando os processos de produção de teorias e marcos conceituais voltados à análise
das cidades latino-americanas e à formulação de políticas urbanas, Ana Núñez e Jorge Roze, a
partir do caso das cidades médias da Argentina, propõem a revisão das bases epistemológicas de
um pensamento desvinculado das situações empíricas às quais a formulação de políticas urbanas
deve estar necessariamente referida.
De fato, como aponta Victor Delgadillo, ao longo das últimas décadas surgiram na América
Latina em cidades de diferentes países, políticas públicas e "receitas" urbanísticas similares, de
eficácia supostamente comprovada, que parecem ignorar tanto as especificidades históricas
como os problemas e desafios presentes nos diferentes contextos urbanos. Compreender as
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201414
circunstâncias que produzem a formulação e implementação de programas e políticas urbanas
semelhantes em contextos políticos com orientações distintas constitui a proposta central do
autor. Nesse sentido, o conceito de espaço público tem se tornado polissêmico, ideologizado
e idealizado, sobretudo quando se trata de legitimar a estruturação capitalista das cidades
e mascarar as desigualdades sociais que, para serem combatidas, necessitam de políticas
específi cas, adequadas a cada situação concreta. A partir da análise da cidade de Cuernavaca,
no México, Carla Alexandra Filipe Narciso discute os usos políticos do conceito de espaço público
e a necessidade de sua revisão.
Avançando nesse debate e indagando sobre o que se entende, hoje, por cidade
neoliberal na América Latina, Hélène Rivière d'Arc apresenta algumas refl exões sobre eventos
que pontuaram a história das cidades e identifica algumas categorias de análise utilizadas
nas investigações sobre as cidades latino-americanas, desde os anos 1990, e destaca seis
paradigmas de análise que orientaram importantes trabalhos de investigação sobre o processo
de urbanização em diferentes países latino-americanos, salientando simultaneidades e
similaridades desse processo.
Passando para outra escala de análise, Igor Pouchain Matela, sobre as empresas de ônibus
na cidade do Rio de Janeiro, trabalha com a hipótese de que a reorganização do transporte no
Brasil expressa a agudização do processo de neoliberalização e estaria produzindo alterações
estruturais na organização espacial vigente. Para esse autor, a modernização das formas de
acumulação urbana tende a estabelecer padrões de regulação nos serviços públicos ligados à
lógica de mercado.
Em artigo sobre as migrações internas no Peru e a explosão urbana de Lima na segunda
metade do século XX, Beatriz Silveira Castro Filgueiras investiga o protagonismo desses
movimentos populacionais – sobretudo em comparação com outras metrópoles latino-americanas
e considerando os diagnósticos característicos do pensamento urbano regional neste início de
século – como elemento central nos discursos e imaginários sobre a metrópole contemporânea.
Por um lado, trata-se de compreender as especifi cidades daqueles processos no caso peruano, no
marco mais geral da urbanização latino-americana e dos discursos canônicos que marcaram seu
entendimento. Por outro lado, em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se a persistente
centralidade do fenômeno migratório nos discursos contemporâneos sobre a cidade e suas
dinâmicas socioespaciais.
Os artigos do dossiê são complementados por outros textos cujos temas têm permeado
os estudos sobre as cidades na América Latina e constituem, em muitos casos, importantes
chaves para a compreensão das diferentes formas de sociabilidade, associativismo e dos
movimentos sociais ali presentes.
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 2014 15
O artigo de Sérgio de Azevedo e Joseane de Souza Fernandes analisa, numa perspectiva
comparada, as semelhanças e diferenças da cultura política da população residente nos polos
regionais do Norte Fluminense (Campos dos Goytacazes e Macaé) e na região metropolitana
do Rio de Janeiro, identifi cando seus determinantes a partir tanto de fatores cognitivos como
daqueles associados à participação política estrito senso. O estudo aponta para a predominância
do associativismo e da mobilização sociopolítica nos polos regionais, quando em comparação
com a região metropolitana do Rio de Janeiro, e analisa as condições em que essas diferenças
se manifestam.
Os textos seguintes abordam os desafi os que se colocam à sustentabilidade ambiental
urbana. Willam Mog et al. discutem a importância das bacias hidrográfi cas e de sua preservação, a
partir do caso de bacia situada em área de grande densidade populacional, na região metropolitana
de Porto Alegre. O trabalho analisa situações consideradas críticas devido aos confl itos entre a
população e o meio ambiente e abre caminho para o debate sobre as vulnerabilidades socio-
ambientais e a importância das metodologias de avaliação das mesmas, tal como proposto no
texto de Mônica Maria Souto Maior e Gesinaldo Ataíde Cândido.
O último artigo deste número, de Leonardo Souza Silveira e Jerônimo Oliveira Muniz,
discute a associação entre segregação residencial e desigualdade racial buscando apontar os
mecanismos responsáveis pelos diferenciais entre brancos e negros, com destaque para aqueles
favoráveis à reprodução das desigualdades, consideradas as especifi cidades de diferentes regiões
metropolitanas brasileiras. O texto apresenta resultados de pesquisa que mostram a variabilidade
da desigualdade racial tanto do ponto de vista intrametropolitano quanto intermetropolitano,
além de mostrar o quanto as segmentações raciais e espaciais estão atreladas à variabilidade do
diferencial de rendimentos entre brancos e não brancos.
Além de um convite à reflexão e à realização de novas pesquisas, este conjunto de
textos vem contribuir para o debate de alguns dos principais processos em curso nas cidades
latino-americanas.
Lucia BógusLuiz César de Q. Ribeiro
Editores científi cos
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 9-16, jun 201416
Notas
(1) O termo geo-cultura foi criado por I. Walerstein para designar as normas e as prá cas discursivas amplamente reconhecidas como legí mas no seio do sistema-mundo e que, como tal, exercem relevante papel de base do poder hegemônico exercido nas relações hierárquicas eistentes no âmbito do sistema interestatal e na divisão mundial do trabalho. Ver Wallerstein, I. (2006). Comprendre le monde. Introduc on à l´analyse des systèmes-monde. Paris, La Découverte/ Poche.
(2) Sobre a criação de uma Red La noamericana de Inves gadores sobre Teoría Urbana, veja-se www.relateur.org [email protected].
(3) Ver, por exemplo, Sader, E. (2007). Crise hegemônica na América La na. Revista em Pauta, Rio de Janeiro, Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, n. 19.
(4) h p://www.onuhabitat.org/
(5) Esta análise está presente no texto de Sader (2007).
(6) No caso brasileiro, um bom exemplo é a difusão no tecido ins tucional regulatório a par r da experiência de muitos governos municipais do disposi vo conhecido como Parceria Público-Privado – PPP, através do qual a ação do poder público se orienta para fomentar o fi nanciamento privado de polí cas públicas. Concebido na segunda metade dos anos 1980 com instrumento para a realização de operações de renovação urbana de certos territórios da cidade pela coalisão ad hoc entre governos municipais e empresas de construção de obras públicas e imobiliárias, tornou-se em 2011 (Estatuto da Cidade) instrumento nacional de polí ca urbana e atualmente vem sendo u lizado pelo Governo Federal para a realização de vultosas obras de infraestrutura econômica.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina*
Reading Polanyi based on socialand solidarity economy in Latin America
José Luis Coraggio
AbstractThis paper presents elements of social thought and of concepts developed by Karl Polanyi, in confrontation with economic neoliberalism, and draws a parallel with the current struggle against neoliberalism. Differences emerge when Latin America is considered: a bias that might be qualifi ed as Eurocentric, which excludes considerations about the co-constitution of America and Europe, the structural heterogeneity that produces an incomplete market economy. However, it is coherent between Polanyi’s contribution and the proposal for building another economy with the collaboration of practices of social and solidarity economy, which is outlined in the present paper.
Keywords: Po lany i ; so l idar i ty economy; neoliberalism; substantive economics.
ResumenSe presentan elementos del pensamiento social
y de conceptos desarrollados por Karl Polanyi,
en confrontación con el liberalismo económico,
haciendo un paralelo con la lucha actual contra el
neoliberalismo. Se plantean diferencias que surgen
al hacer una lectura desde América Latina: un
sesgo que podría califi carse como eurocéntrico, que
excluye consideraciones sobre la co-constitución de
AMérica y Europa, la heterogeneidad estructural
que nos hace economías de mercado incompleta.
A la vez se muestra la coherencia entre aportes de
Polanyi y la propuesta de construir Otra Economía
con el aporte de prácticas de Economía Social y
Solidaria de la cual se esbozan algunos rasgos.
Palabras claves: Polanyi; economía solidaria;
neoliberalismo; economía sustantiva.
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201418
Introducción
Karl Polanyi y la propuesta de que otra economía es posible
La obra de Karl Polanyi (2003 e 2008) puede
contribuir a la elaboración de esquemas
mentales que ayuden a desentrañar el sentido
y las posibilidades de las prácticas económicas
conocidas como de Economía Social y Solidaria
(ESS). Esto requiere un trabajo previo de
esclarecimiento sobre qué es lo económico,
cuestión que el redescubrimiento de Polanyi
permite retomar.1
Como ot ros grandes pensadores
que no solo escribieron sino que hablaron
públicamente a lo largo de épocas de fuertes
transformaciones, el conjunto de su obra
leído simultáneamente puede ser visto como
ambiguo y hasta contradictorio.
En todo caso, consideramos que la
obra de Polanyi está abierta a desarrollos
diversos y es extraordinariamente fértil para
pensar en momentos de gran incertidumbre.
No buscamos un conocimiento polanyiano
def ini t ivo y coherente que pueda ser
igualmente válido para caracterizar y explicar
las dos mayores crisis del capitalismo global,
las diferencias o similitudes en sus orígenes
liberales o neoliberales y el período de
capitalismo organizado (los treinta gloriosos
años) que media entre ambas. No buscamos
tampoco una ley general del doble movimiento
que pretenda proyectar un posible fascismo
o estatismo en un futuro post-neoliberal
(posibilidades que están presentes como
amenaza en los saltos mentales al vacío
que provoca la incertidumbre). Tampoco
argumentaremos que hoy Polanyi propiciaría
la Economía Social y Solidaria como salida a la
crisis de reproducción social. Nos interesa en
cambio su autorizada y sugerente contribución
crítica al programa de las ciencias sociales
en coyunturas de transición epocal como la
que atravesamos, y es desde adentro de ese
programa en construcción que intentaremos
pensar.2
Resumimos la lección de Polanyi: no hay
una realidad económica necesaria a la que hay
que adaptarse o morir, más bien, a partir de
cualquier economía empírica, otras economías
son siempre posibles. Tambien recogemos su
advertencia: aún las acciones más conscientes
y bien intencionadas pueden producir
resultados opuestos a los buscados.3 Tomamos
esto como un sabio consejo: si vamos a hacer
propuestas para un cambio societal mayor, es
mejor ser cuidadosos, humildes, responsables,
conocedores de la historia y reconocedores de
la diversidad.
La obra de Polanyi permite organizar
un argumento contra la naturalización de
la economía que pretende introyectar el
neoliberalismo en nuestro sentido común.4 Es
el siguiente:
a ) toda sociedad cont iene procesos
económicos ( ac t i v idades económicas
recurrentes institucionalizadas) (Polanyi, 2008,
pp. 53-78);
b) una sociedad no puede perdurar a
menos que pueda institucionalizar el proceso
económico de tal forma que produzca y
reproduzca las condiciones materiales para el
sustento de la vida, tanto humana como de la
naturaleza externa;5
c) al menos desde la modernidad, las
economías son construcciones políticas y no el
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 19
mero resultado natural de procesos evolutivos;
d) esas construcciones, para ser viables
y no auto-destructivas, deben reconocer la
base natural transhistórica que toda sociedad
humana necesariamente tiene (como parte de
la condición humana los sujetos son sujetos
necesitados);6
e) los intentos de realizar la utopía que
reducir la economía moderna a un sistema de
mercados autoregulados es destructiva de lo
humano y sus bases naturales.7
La responsabi l idad que en estas
afirmaciones le cabe al pensamiento social
crítico y propositivo fue señalada por Polanyi:
el mercado no puede ser reemplazado como
cuadro general de referencia mientras las
ciencias sociales no logren elaborar un cuadro
de referencia más vasto dentro del cual se
pueda situar el mercado mismo (Polanyi, 2008,
p. 77).
La institucionalización/integración de la economía
La institucionalización de lo económico como construcción
Nos ubicamos dentro del amplio espacio que
abre el concepto sustantivo de economía
propuesto por Polanyi para orientar el
programa de investigación histórica de las
condiciones económicas de existencia de
cualquier sociedad humana: “un proceso
de interacción de los hombres entre sí y con
la naturaleza cuyo resultado es la provisión
continua de medios materiales que permitan
la satisfacción de las necesidades” (Polanyi,
2012). Un proceso que Polanyi visualiza como
organizado y estabilizado en cada sociedad
mediante la combinación variable de un
conjunto de principios o modelos discernibles
de institucionalización, que pautan las
conductas con contenido económico de
personas y grupos, integrándolas como parte
de la trama de relaciones constitutivas de esa
sociedad.
Polanyi limita esos principios a los de
redistribución, reciprocidad e intercambio
(comercio o mercado), por lo que ha sido
tachado de circulacionista. En un intento
de completar ese conjunto de principios
de integración social de los procesos
económicos, hemos incluido los principios de
autarquía (producción para el autoconsumo,
mencionado pero finalmente excluido por
Polanyi), producción social (relaciones sociales
de producción, organización de los procesos
de trabajo y su relación con la naturaleza),
distribución (apropiación por los productores
di rectos o por una c lase dominante) ,
consumo (consumismo, consumo prudente
de lo necesario), coordinación (mercado,
planificación). No vamos a desarrollar tal
esquema ampliado en este trabajo.8
En r e sumen : e l s en t i do de l a
integración de la economía por la sociedad es
institucionalizar las actividades de producción,
distribución, circulación y consumo de los
miembros de la sociedad de manera que ésta
mantenga su cohesión como tal y reproduzca
sus bases materiales constituidas, en última
instancia, por la vida de los miembros de
la sociedad y de la naturaleza “externa”.
Por supuesto que “la sociedad” y “la vida”
resultan abstractos. Hay la vida del esclavo y
la vida del amo, la vida de los proletarios y la
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201420
de los capitalistas, la de los colonizados y los
colonialistas. Por otro lado, la reproducción
social es mucho más que reproducción de la
base material de la vida, pero sin esa base no
hay vida social con todas sus contradicciones,
ni mundo simbólico. Por lo demás, lejos de ser
un puro metabolismo, la participación en la
economía genera valores, reglas, visiones del
mundo, sentimientos, etc. El mero hecho de ser
una interacción entre hombres supone lenguaje
y modos de comunicación, como Habermas
señala reprochando a Marx no haber tenido
suficientemente en cuenta este aspecto de las
relaciones sociales de producción (Habermas,
1981, pp. 131-180).
La institucionalización parece poder
ser resultado de procesos históricos sin
sujeto (cristalización de usos o costumbres)
o con sujeto (e.g. el estado moderno o las
mismas fuerzas políticas que lo fundan), y
puede prospectivamente ser eficaz para la
reproducción social o no serlo. Así, la forma
capitalista de institucionalizar la economía
durante el Siglo XIX en base al modelo de
individuación egocéntrica utilitarista de los
integrados, y con la pretensión del dominio
del mercado autorregulado (precios formados
en el juego de oferta y demanda agregadas),
fue resultado de una construcción política
parte de la cual Polanyi describe en La Gran
Transformación (LGT) y que el liberalismo
económico condujo a situaciones insostenibles
que generaron nuevas acciones desde la
política ( fascismo, socialismo estatista,
socialdemocracia, cada una con su propio
proyecto social) en un doble movimiento
que Polanyi interpreta no como movimiento
mecánico sino como dirigido con la intención
de superar las tendencias a la autodestrucción
de la sociedad. Lo que está en juego entonces
es la posibilidad de subsistir como todo
social (esto no implica armonía ni ausencia
de contradicciones internas) ante procesos o
políticas expresas que ponen en alto riesgo el
basamento material de la vida humana.
Pero no se trata de confirmar la hipótesis
observando el fin definitivo de la vida en la
tierra, sino de actuar cambiando de curso
para evitar las graves anticipaciones de ese
fin. Estamos, al hacerlo, participando en el
movimiento defensivo de la sociedad humana,
no de la pretendida sociedad de mercado que
lleva a su autodestrucción. Y la Economía Social
y Solidaria es una propuesta – entre otras –
para organizar esa defensa de la sociedad. No
se trata de recalcular la mejor asignación de los
recursos con precios “sociales” en un mundo
en incierta transición. Más que racionalidad
exacta se busca institucionalizar la economía
subordinando los comportamientos al principio
ético de la racionalidad reproductiva de la vida
de todos, pautar la razonabilidad y prudencia,
maximizando la seguridad de la reproducción
de la vida de todos, partiendo del principio
de que la vida del individuo humano aislado
es un imposible y que el reconocimiento del
otro y la valoración de su vida es condición de
la superación de las tendencias del mercado
egocéntrico. En todo esto, el posible final
de la sociedad humana debe diferenciarse
claramente de la discusión sobre el derrumbe
del capitalismo al sucumbir por las propias
contradicciones internas del sistema de
acumulación.
Extraemos de los trabajos de Polanyi
la idea-fuerza de que el liberalismo y el
neoliberalismo entran en contradicción mortal
– institucionaliza la economía de manera que
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 21
tiende a destruir la sociedad – generando
condiciones para una necesaria y posible
reinstitucionalización que, agregamos, puede
(socialismo?, economía social y solidaria?) o
no (fascismo, socialdemocracia) implicar un
cambio en el Modo de Producción.9
Algunas consideraciones desde la periferia latinoamericana
El comercio colonial
Polanyi hace un aporte muy significativo para
la teoría de la economía social cuando plantea
la necesidad de diferenciar entre comercio y
mercado. Por mercado se refiere a un sistema
de intercambio en que se absolutiza el principio
egocéntrico de trocar para ganar, ganar para
acumular. La lógica del mecanismo de mercado
tiende a barrer con las diferenciaciones entre
grupos y personas, los vuelve indiferentes –
conmutables – y a través de la mercantilización
de todas las dimensiones de la vida destruye las
bases de la misma existencia de seres humanos
en sociedad; y lo hace en un proceso de culto
a la ilimitación, como demuestra la lógica de
la acumulación de capital montada en un
proceso de industrialización, mecanización y
automatización, independizado del sentido
de lograr el sustento de todos. Esto a su vez
lleva a modos de individuación que reducen las
personas a poseedores-consumidores que no
se hacen responsables por las consecuencias
de sus acciones sobre otros o sobre la
naturaleza. En cambio, por comercio se refiere
a un sistema de intercambio administrado o
sujeto a costumbres, que cuida de conservar las
sociedades que participan. Es de destacar que
los activistas de la Economía Social y Solidaria
hablan de comercio justo y no de mercado justo
(que sería un oximoron, pues no hay pretensión
de justicia en los principios de comportamiento
del mercado).
Tal diferenciación, siendo úti l , es
incompleta cuando se la mira desde la
perifer ia del mundo occidental ( las ex
colonias o ámbitos de imperialismo de
Europa y EEUU). Efectivamente, aún si no se
utilizaron los mecanismos de formación de
precios de mercado, el comercio administrado
impuesto dentro de una estructura de poder
colonial puede haber sido coherente con
el progreso de las sociedades centrales,10
pero fue destructivo (más precisamente: no
cuidadoso sino genocida) para las sociedades
periféricas.11 En todo caso, en ese casos de
comercio administrado ya está instalado el
utilitarismo, operando con un poder central
que busca cohesionar en un todo asimétrico
soc iedades con cu l tu ras fuer temente
diferenciadas. Se comercia administrando la
distribución asimétrica de las ventajas entre
metrópoli y colonia.
La posterior posibilidad de comerciar
libremente (propuganada por muchos de
nuestro próceres de la independencia), y que
fueran los individuos (personas naturales
y personas jurídicas)12 quienes tomaran la
iniciativa de ganar mediante el comercio,
podía entonces aparecer como una liberación
del despotismo de los poderes coloniales
administradores. Sin embargo, aún con libre
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201422
comercio iban a operar otros mecanismos
propios de un sistema-mundo desigual
( intercambio desigual, dependencia) aun
cuando hubiera liberación de la esclavitud
o la servidumbre, una libertad tan aparente
como la de los proletarios amenazados por el
hambre a la que se refiere Polanyi.
La heterogeneidad estructural
Aún hoy, desde la periferia del sistema-mundo,
donde el proceso de industrialización, de
individuación y de desarrollo de las condiciones
para el funcionamiento de los mercados
continua lejos de haberse completado, es
fácil observar fenómenos que indican algo
que tal vez sea menos visible en los países del
centro de occidente: la economía no se reduce
a economía de mercado. Existen sectores
de la economía (en sentido sustantivo) no
monetizados, partes importantes de la
naturaleza y del trabajo que no han sido
mercantilizados, y todos los principios,
incluido el de administración doméstica,
tienen peso en una economía plural (Laville
plantea esto pero como una posibilidad lógica
universal, sin diferenciar empíricamente entre
sociedades del centro y de la periferia…).13
A pesar del proceso secular de destrucción
violenta-sobreconformación de estructuras
comunitarias (Ayllu-Encomiendas) mediante
el coloniaje despótico y la mercantilización,14
en la actualidad sobreviven y se reproducen,
inc luso de manera ampl iada , fo rmas
económicas con distinto grado de hibridación,
p ropias de las redes de mutual idad -
reciprocidad y la administración doméstica
( familias nucleares o extendidas, redes
de parentesco, vecindarios, comunidades
r u r a l e s r e l a t i v a m e n t e a u t á r q u i c a s ,
comunidades indígenas, que mantienen una
red de relaciones de autoabastecimiento
y cuidado fuera del mercado, en defensa
de su integridad, incluso si la opción del
mercado puede parecer más ventajosa en lo
inmediato).15 Igualmente, el peso del Estado y
el principio de redistribución (entre sectores y
clases sociales, entre géneros y etnias, entre
ramas de la economía, entre regiones, etc.),
siguen operando efectos, y son atacados
abiertamente cuando son progresivos por
fuerzas políticas (interestatales o nacionales)
como las que promovieron el mercado total,
mientras son impulsados por otras fuerzas (los
industrialistas, los sindicalistas, los sectores
pobres, movimientos reivindicativos de la
tierra y el agua, la lucha contra las leyes de
propiedad intelectual global, etc.). El estudio
de la economía requiere tomar en cuenta que
los principios no se imponen y substituyen
por el mero transcurso del tiempo, sino que
son asumidos y defendidos como bandera
por distintas fracciones de clase o fuerzas
sociales.16
En adición, dentro de la economía
dominada por el mercado, y aun con una
perspectiva empresarialista, se reconocen
fuertes segmentaciones y puede diferenciarse
un gran sector inorgánico de emprendimientos
mercantiles de la economía popular urbana y
rural, con relaciones de producción familiares,
comunitarias o asociativas (pero informales).
Desde nuestra propia perspect iva, las
unidades económicas populares no son los
emprendimientos mismos,17 que compiten en el
mercado con las empresas de capital y luchan
por sostenerse viables, sino las unidades
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 23
domésticas familiares o comunitarias de los
cuales los emprendimientos mercantiles son
una extensión articulando prácticas orientadas
por el principio de mercado pero subordinadas
al principio de administración doméstica.
Esas unidades domésticas hibridan recursos
y combinan diversas formas de inserción
económica de sus capacidades y recursos
en el sistema de división social del trabajo
procurando la reproducción ampliada de la
vida de sus miembros. En esto juega un papel
importante la economía pública, proveedora
de bienes y servicios públicos parcialmente
o no monetizados en absoluto. Estos bienes
pueden verse como una institucionalización de
lo económico por el principio de redistribución,
pero también como una institucionalización
por el principio de reciprocidad/mutualidad
(sistemas de seguridad social de reparto), y el
principio de plan (anticipación de necesidades
sociales de educación, salud, crecimiento de las
ciudades, etc.).
Polanyi y la relación Europa-América
Como un subproducto inesperado, nuestra
lectura de Polayi señala un aparente silencio,
que podría ser significativo, en la obra de
Polanyi que conocemos hasta ahora, y que
puede dar lugar a la circulación de otros
trabajos de Karl Polanyi, a refutaciones o a
explicaciones e interpretaciones de tal silencio:
la ausencia de consideración, en su análisis del
surgimiento del sistema-mundo capitalista, del
co-nacimiento de Europa y América, del centro
y la periferia de ese sistema-mundo.
No es que Polanyi no advi r t iera
la violencia de la unidireccionalidad del
comercio: "Lo que distingue el comercio de la
búsqueda de presas, de un botín, de maderas
de esencias raras o de animales exóticos, es
la bidireccionalidad del movimiento que le
confiere también su carácter generalmente
pacífico y bastante regular".18 También hace
referencias al imperialismo, y explica que
los efectos de degradación y hasta extinción
que provocaba en las poblaciones de las
regiones semicoloniales contribuían a limitar
el comercio interno en los países centrales
por temor a experimentar consecuencias
similares.19 En efecto, nada de pacífico tuvo
el saqueo de América Latina y de África, de
recursos naturales y de personas esclavizadas,
que es aún hoy una fase o un elemento del
desarrollo del Capital, constituyendo lo que
Marx denominó “acumulación originaria”,
sin la cual el Capital y el Capitalismo no
hubieran podido formarse ni podrían hoy
reproducirse. Pero tampoco fueron sin violencia
las formas posteriores que tomó la relación
centro/periferia, el imperialismo económico
y la dependencia política, los manejos de las
deudas que fueron desde los bloqueos por
flotas extranjeras hasta las condicionalidades
del FMI y el BM. Cabe preguntarse si la
acumulación originaria,20 que no sólo se dio
mediante los cercamientos y las leyes de pobres
en Europa sino en la relación de dominio y
exacción de los pueblos americanos y africanos,
fue una fase histórica que ya estaría agotada
porque el capital puede reproducirse sobre
sus propias bases.21 En cambio compartimos
la tesis de Meillasoux (1977) de que la
acumulación originaria ha acompañado a toda
la modernidad y continúa con formas más o
menos pacíficas: la minería a cielo abierto o
la extracción de petróleo avanzando sobre el
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201424
hábitat indígena o popular, el patentamiento
de conocimientos ancestrales como propiedad
privada, la imposición del cobro usurario de
deudas ilegítimas, o la continuada explotación
indirecta del trabajo doméstico de mujeres
y niños, ahora a escala global, o el uso del
Estado para consolidar la propiedad privada
de recursos que son patrimonio de pueblos
ancestrales o de la humanidad.22
Desde la perspectiva latinoamericana,
es evidente la parcialidad (al menos en los
trabajos que conocemos de Karl Polanyi) en la
explicación del surgimiento del capitalismo en
Europa cuando se construye sin considerar la
relación ya mencionada entre el colonialismo
y la formación de Occidente como centro del
sistema-mundo capitalista.23 Los valiosos
anális is que hemos considerado están
centrados en la lucha contra el evolucionismo
naturalizador de la economía de mercado y
el homo economicus, en la conjunción de los
procesos de formación del estado nacional
moderno y la creación política de condiciones
para que pudiera funcionar un sistema de
mercado (mediante la mercantilización de la
naturaleza y el trabajo humano). No aparece
en cambio registrado el gigantesco proceso
de conformación de una economía-mundo
centrada en la relación Europa-Centro/
América-Periferia. De otra manera lo ven
autores como Aníbal Quijano,24 que ha dado
lugar a una escuela de pensamiento alrededor
de la colonialidad. Fue la ocupación y saqueo
de América25 lo que puso en marcha el proceso
de formación de la modernidad tal como la
conocemos, generando a la vez conceptos
fundantes como el de poder-dominio y el de
raza, o inspirando la interesada teoría política
de autores como Locke para justificar la relación
colonial y el esclavismo en base a los derechos
humanos y la definición de ciudadano como
propietario.26 Esta relación de co-constitución
fue material, política e ideológica. El concepto
de progreso así como las utopías europeas de
los siglos XVI-XVIII no pueden explicarse sin la
experiencia de descubrimiento de América.27
Si el concepto de América fue incluso
previo al de Europa, si la formación de los
Estados Nación y del sistema capitalista mundial
centrado en Europa no pueden comprenderse a
cabalidad sin el comercio abiertamente colonial
y luego como intercambio desigual entre las
nacientes repúblicas de América y los Estados-
Nación europeos (y posteriormente entre
Estados Unidos de Norteamérica y el resto de
América), hay aquí una tarea significativa para
completar la obra de Polanyi como explicación
del surgimiento del sistema-mundo capitalista,
déficit que no es achacable a Polanyi, que no se
propuso ese objetivo, sino eventualmente a sus
lectores y seguidores.
Principios de integración y modos de producción
Por o t ro lado , desde las soc iedades
altamente heterogéneas de la periferia
no resulta tan fácil admitir que la tópica
polanyiana de la pluralidad de principios
de integración social habilite la disolución
total de la tópica marxista de la Formación
Económico Socia l ( la ar t icu lac ión, en
s o c i e d a d e s c o n c r e t a s , p o r e l m o d o
capitalista de otros modos de producción,
donde capi ta l i smo y mercado no son
términos intercambiables). Por lo pronto, es
importante incorporar el análisis histórico
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 25
que inspira Aníbal Quijano, cuando señala
que el pensamiento europeo produjo un
concepto de tiempo unilineal, en el que
ubicó el modo de ser europeo en el presente
y futuro, como autoconstrucción (cuando no
podía haberse dado sin la construcción de
América) y las formas de las altas culturas
americanas como formas “primit ivas”,
salvajes, prehistóricas, más como parte de
la naturaleza que de la humanidad. Y que
las formas de explotación del trabajo no
formalmente capitalistas (como la pequeña
producción campesina o artesanal, las formas
de servidumbre de las comunidades que
pudieron salvarse del genocidio, el esclavismo
de los negros) fueron en realidad articuladas
en un sistema de explotación capitalista, lo
que aún perdura como “nuestro” modo de ser
parte del capitalismo. Esto lleva a pensar si
la reciprocidad que hoy encontramos tiene
algo que ver con la reciprocidad ancestral,
o si t iene el mismo sentido. De ser un
modo de organización de la economía para
asegurar la autonomía, puede haber pasado
a ser una forma de subsidio al capital en
el proceso de reproducción de la fuerza de
trabajo. Y este análisis se potencia cuando
se hace en el contexto del conjunto de
relaciones de la sociedad.
Un problema derivado es que, si bien
se define la economía como un sistema
de producción, distribución (movimiento
de apropiación), circulación (transporte,
almacenamiento, intercambio, compra-venta
simultánea o a crédito con formación de
deudas), y consumo, el análisis de Polanyi o de
sus intérpretes/continuadores se centra en los
modos de distribución (apropiación directa y/o
mediada por un centro) y de circulación. Hay
poca referencia a las relaciones de producción,28
a la organización del proceso de trabajo en la
transformación material (salvo la referencia
a la vertiginosidad y voracidad de escala que
introdujo la maquinización) y a los modos de
consumo (definición de las necesidades, su
relación con los deseos, la determinación de
los satisfactores y la tecnología del consumo
mismo como relación social).
En todos estos aspectos es preciso
incluir la discusión planteada por la teoría de
la dependencia originada en América Latina y
la teoría que se inspiró parcialmente en ella:
el Sistema-Mundo de Wallerstein. Aún si
incorporamos (como creemos debe hacerse)
la tópica de los modelos de integración
social de lo económico, esas otras cuestiones
no pueden dejarse afuera, al menos para
entender lo esencial de la historia de las
formaciones sociales de América Latina. Y
también para hacer la crítica no sólo de la
mercantilización del trabajo y la naturaleza
sino de las formas de organizar la producción,
el metabolismo sociedad-naturaleza y
de definir las necesidades, todo lo que la
economía sustantivista permite pone en el
centro de atención.
Esto tiene consecuencias además para
pensar las alternativas: no se trata meramente
de tomar el poder de la propiedad, de los
mecanismos de redistribución, o de propiciar
las relaciones de autarquía o ayuda mutua
sobre la misma base de cultura productivista
y consumista que forjó el capitalismo. Otra
Economía implica un cambio civilizatorio, otro
sistema de mediaciones, desde la base del
metabolismo sociedad/naturaleza, desde la
redefinición emancipadora de la división del
trabajo y del trabajo mismo.29 Sin una crítica
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201426
al proceso socio-técnico de trabajo capitalista
– el dirigido por el capital empresarial o el
que aparenta ser autónomo – no surge la
visión más dialéctica que advierte que el
trabajo responde a fines utilitarios desde
la perspectiva del capital o del trabajador,
pero “también trabajamos” – declara Mauss
(1924) – “porque tenemos el sentimiento del
deber, por dignidad, por conciencia, y antes
que nada porque sentimos y nos alegramos
de sentir el progreso regular, gradual y
cotidiano de nuestras búsquedas” (1969[1924],
p. 635).30 No se trata entonces de recuperar
la centralidad del empleo y la generación
de ingresos, sino de redefinir el sentido del
trabajo y de las necesidades humanas.
La posible anomia teórica del indeterminismo
Pero hay más cuestiones teóricas. Si los
precios son tan importantes en una economía
de mercado, cabe preguntarse si hay alguna
ley tendencial que rige su formación. Aquí,
mientras Marx reconoce la acción de la
oferta y la demanda, postula que subyacen
precios de producción que dependen de la
composición del capital, de su velocidad de
rotación y de la tasa de explotación y plantea
tendencias intrínsecas del modo de producción
capitalista que se manifestarían en la ley
tendencial a la caída de la tasa de ganancia
así como en la tendencia a la pauperización
de los trabajadores. O recordemos la tesis de
Presbish sobre la tendencia en los términos
del intercambio entre economía industriales y
primario-exportadoras.
Por su lado, Polanyi parece no apreciar
la teoría del valor-trabajo de formación de
los precios y atenerse a la ley de la oferta y la
demanda que, sin duda, opera en el corto plazo.
Pero esto nos dejaría en un mundo contingente
sin tendencias discernibles (por hipotéticas que
fueran) salvo las catastróficas consecuencias de
los intentos de totalización del mercado. Siendo
bueno no retomar versiones ideologizadas del
determinismo económico finalista, abandonar
la hipótesis de que hay grados y formas
de determinismo nos dejaría en un mundo
político, sí, pero puramente decisionista. Esto
no puede ser ignorado, y creemos que resulta
inevitable el regreso de consideraciones
ontológicas críticas, en ningún caso para recaer
en un determinismo de las estructuras que no
permite pensar la política.
Por otro lado, la autorregulación no
es un proceso mecánico cuyo movimiento
puede ser anticipado exactamente, sino que
supone que en la sociedad capitalista y en
toda sociedad se registran luchas, conflictos
antagónicos o agónicos , que pueden
efectivamente estar expresados en el mercado
(por ejemplo en la lucha por el salario o por
los precios de los medios de vida o de los
servicios ambientales. Esto es tan importante
como analizar y teorizar qué ocurre en el
interior de los diversos modelos capitalistas
de organización del trabajo así como subrayar
la dimensión emancipadora en la disputa del
control del proceso de trabajo que debe ser
parte del programa de construcción de otra
economía.31
De lo contrario, el conjunto de las luchas
sociales, propio de la política, queda fuera del
campo de la indagación de la economía como
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 27
sistema, pues cae en el dominio de la libertad
de opción de los seres humanos, no sujeta a
leyes determinables. Esto sería paradójico
para una teoría sustantiva que advierte que
hay leyes de lo económico, pero nos limita a
describir y analizar desde la empiria cada caso,
muñidos de ciertos conceptos que no alcanzan
a constituir una teoría (falible, por supuesto)
del movimiento histórico. Un punto no menor
es que la casuística del doble movimiento
debería incluir no sólo la Revolución Soviética
y la instauración del modelo fordista-
keynesiano, sino otras revoluciones socialistas
de la periferia, fallidas o exitosas, así como las
grandes manifestaciones democráticas que
recientemente experimentaron Venezuela,
Ecuador y Bolivia, que, en los tres casos,
levantan la consigna de una economía
popular, social, solidaria o comunitaria.
Sobre la Economía Social y Solidaria
Vamos a resumir nuestro esquema conceptual
relativo a la Economía Social y Solidaria
y su programa de acción, de modo que
algunas de las convergencias o diferencias
con el pensamiento de Polanyi puedan ser
resaltadas.32
Adoptamos una definición sustantiva
de economía: el sistema de instituciones,
valores y prácticas que se da una sociedad
para definir, movilizar, distribuir y organizar
capacidades y recursos a fin de resolver de
la mejor manera posible las necesidades
y deseos legítimos de todos sus miembros
(reproducción ampliada de la vida de todas y
todos, e intergeneracionalmente). Se retoma
aquí la idea central de Polanyi: las economías
modernas son construcciones políticas, sea a
cargo de democracias o de dictaduras. Marcar
como sentido la resolución de las necesidades
y deseos legítimos de todos implica que se
mantiene la idea de Polanyi de que las vías de
institucionalización deben ser procesadas por
una democracia participativa y no por un poder
político de elites.
En nuestra v is ión, las unidades
domésticas populares, sus extensiones ad-hoc
(como los emprendimientos mercantiles) sus
comunidades y sus asociaciones voluntarias,
marcan el contenido material de esa parte
de la economía mixta bajo dominación
capitalista que llamamos economía popular:
la reproducción de la vida de sus miembros
(racionalidad reproductiva).33 El trabajo es su
principal capacidad, pero cuentan también
con otros recursos y una potencia en acto de
producción y reproducción de riqueza (valores
de uso producidos o naturales) que queda
oculta para la ideología económica hegemónica
pero es de gran peso económico. Es usual la
combinación de inserciones: trabajo para el
autoconsumo doméstico, trabajo por cuenta
propia, asalariado, asociativo, cooperación
en la producción, en la comercialización,
producción para el autoconsumo de bienes
públicos a niveles locales, etc.
A nuestro juicio, el programa de la
Economía Social y Solidaria supone reconocer
como base material de última instancia el
principio de producción humana para el
autoconsumo, desarrollar (complejizar) a partir
de la economía popular y la economía pública
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201428
las prácticas cooperativas, comunitarias y
solidarias, luchar por la redistribución progresiva
de recursos productivos y bienes públicos,
impulsar formas democráticas de gestión de los
colectivos de producción y de lo público, ganar
autonomía respecto a la dirección del capital
y desarrollar la capacidad de regular procesos
ciegos como el mercado monopolista o el
competitivo autorregulado, asumiendo como
objetivo estratégico la reproducción ampliada
de la vida de todos y todas (solidaridad
ad-extra) (Lisboa de Melo, 2007). Esto no
puede limitarse a reconocer y remunerar el
trabajo doméstico en su sentido corriente,
o a promover emprendimientos familiares
a nivel microeconómico, o a focalizarse en
determinados sectores de actividad, como los
servicios de proximidad. Incluye una búsqueda
– desde lo micro, lo meso y lo sistémico – de
otra ética y complejidad de la aparentemente
contradictoria solidaridad material ( c f.
Caillè, 2009), y su objetivo estratégico no
es meramente reintegrar los exlcuidos más
pobres al mismo sistema de mercado que
los excluyo, sino transformar todo el sistema
económico. Tampoco se trata de meramente
satisfacer las necesidades no cubiertas por
el mercado ni el estado, sino de transformar
los patrones de consumo y el sistema de
satisfactores, resignificando la libertad del
consumidor como prosumidor.
Se af i rma una ét ica mater ial : la
vida debe ser el criterio de evaluación y
reinstitucionalización de las actividades
económicas. Esto puede parecer idealista
cuando vivimos en sociedades que sin
duda existen y se reproducen generando
decenas de miles de muertes evitables. Aquí
Hinkelammert o Dussel afirmarían que la vida
humana pensada como condición individual
y por tanto pasible de ser contada y sumada
a otras no tiene posibilidad de existencia,
que es siempre vida en sociedad, y que el
reconocimiento del otro es condición de
nuestra propia vida como individuos. Cabe
señalar que el límite entre lo fáctico y lo ético
no está claro, pues sería posible proponer
una ética del dominio como condición de
la existencia de sociedades humanas, aún
reconociendo que el imperio deberá asegurar
el sustento de los diferentes estamentos de la
sociedad, y en todo caso en ningún caso de
habla de sociedades institucionalizadas de tal
manera que sean eternas. Nos parece que aquí
es preciso combinar el determinismo natural
de la ética (debemos sostener la vida si es que
vamos a existir y tener cualquier tipo de fines)
con la apuesta a una sociedad democrática
que pueda debatir, elaborar y codificar no sólo
conceptos particulares de la buena vida sino
de la vida social en general.
Se trata de continuar y actualizar las
críticas Marxiana y Polanyiana del liberalismo,
ahora neoliberalismo, que propone resolver
la institucionalización de la economía como
un sistema de mercados abarcador de cuanta
actividad humana pueda ser organizada
como negocio individual. Esa economía
orientada por la utopía de mercado perfecto
produce una ética individualista y socialmente
irresponsable, y que hace del crecimiento
y la acumulación el criterio de eficiencia
económica. La crítica teórica y la evidencia
empírica -particularmente en América Latina,
donde de manera expresa y conciente se
experimentaron en nuestros pueblos esas
tesis en condiciones extremas- confirman
la tesis de Polanyi de que esa propuesta se
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 29
basa en falacias y es un discurso elaborado
para reproducir estructuras de poder de
elites, con dominio (hasta con dictaduras)
o con hegemonía (ahora con instrumentos
tan poderosos como los medios de masas,
convertidos en negocios privados).
En términos de Polanyi, la Economía
Social y Solidaria afirma el objetivo posible
de construir un sistema económico nacional
y regional que articule los principios de
integración antes expuestos atendiendo a
las diferentes condiciones de partida (las
sociedades andinas y mesoamericanas, las
caribeñas, las del Cono Sur) de manera de
generalizar instituciones democráticas, en las
que podamos ir aprendiendo progresivamente
a articular libertad e igualdad. Se trata de
ir hacia una sociedad con mercado y no de
mercado. En esto es crítico lograr otra relación
entre Estado, economía y sociedad y evitar las
opciones absolutistas que reiteradamente se
plantea entre esos términos.
Al final de LGT, Polanyi da pautas para
un programa radical de Economía Social y
Solidaria. Aunque erró al afirmar que “gran
parte del sufrimiento enorme, inseparable
del proceso de transición, ha pasado ya” sus
lineamientos estratégicos siguen firmes para la
nueva transición:
1 ) s a c a r a l t r a b a j o d e l m e r c a d o ,
desprivatizando los contratos de trabajo
asalariado al instalar como una cuestión social
y política las relaciones sociales de producción
capitalista, agregando ahora la expansión
y articulación de un sector cada vez más
complejo de ESS basado en organizaciones
autogestionarias de trabajadores vinculadas
por redes de cooperación, responsabilidad y
solidaridad con el otro;
2) limitar el sometimiento de la tierra
respecto del mercado, hoy planteada por los
movimientos indígenas y ecológicos como
desmercantilización de la naturaleza, respeto a
los territorios y a los ecosistemas. Por extensión,
tal como plantea Polanyi, se trata de avanzar en
la soberanía alimentaria (incluyendo el agua)
y energética, que implica desmercantilizar
los medios básicos de alimentos y de energía
de los pueblos del mundo. Aquí se conjuga
la racionalidad reproductiva con un grado
imprescindible de autarquía en ámbitos a
definir en cada sociedad;
3) recuperar de la competencia de los
Estados o de organismos interestatales
controlados democráticamente en relación a
cuestiones de emisión monetaria, productos
financieros, orientación del ahorro, el crédito y
la inversión, con desarrollo de la capacidad de
las ciudadanías para participar en la discusión
de prioridades y vías institucionales, algo tan
actual como cualquier lector de diarios puede
advertir.
Esta plataforma supera la diferenciación
neoliberal entre lo económico (como segunda
naturaleza) y lo social (dominio de la voluntad
política, relativo a la atención de los pobres,
excluidos y discriminados) y de ningún modo
se limita a promover caminos autogestionarios
de microemprendimientos asociativos, o
la ocupación de nichos de necesidades
que el mercado y el modelo redistribuidor
asistencialista no atienden. Se trata de
mucho más: de encarar la reestructuración
del conjunto del sistema económico, las
instituciones jurídicas, de justicia, educativas,
de protección pública, las definiciones y accesos
plurales a la disposición/propiedad de los
recursos, la reingeniería del sistema financiero
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201430
y bancario, del sistema fiscal y de inversión
pública, de las regulaciones laborales, del
sistema educativo, de la gestión de los recursos
públicos, de la deuda pública, de controlar
los sistemas de innovación tecnológica, de
impulsar instituciones participativas en que
el saber práctico y el científico se encuentren,
atendiendo a los problemas cotidianos en
un marco de prospectiva y planificación
de los principales procesos del desarrollo
humano, desde lo local a lo nacional y lo
regional. Esto debe ser hecho no por un poder
central omnímodo y esclarecido, sino con la
participación y el continuo aprendizaje de las
mayorías populares y sus organizaciones y
movimientos, sea porque toman la iniciativa,
sea porque refrendan las propuestas iniciadas
desde el Estado (las constituyentes de
Venezuela, Ecuador y Bolivia y sus respectivos
procesos democráticos muestran que ese
camino es plural, posible, conflictivo y largo).
Con diferencias entre subregiones, en
América Latina partimos entonces de una
economía mixta bajo dominación capitalista,
donde Otra Economía deberá construirse
con la convergencia de acciones públicas y la
autoorganización de una sociedad conciente
de su potencial y de la imposibilidad de que el
sistema de mercado reintegre la sociedad con
justicia y libertad. Según la coyuntura, como
se dijo, la iniciativa podrá ser inicialmente
de los gobiernos (Venezuela) de los actores
colectivos (la guerra del agua en Cochabamba,
el Movimiento sin Tierra en Brasil) o de la
conjunción de ambos (Ecuador). A ello hay
que sumar procesos diversos de orientación
popular, el de Argentina o aún menos definido,
el brasileño. Y esto variando con el proceso de
maneras no previsibles. En todo caso, la tarea
de construir otra economía se plantea como
imperativo ético, basado en la necesidad previa
de vivir como sociedad para poder discutir qué
abanico de buenas vidas y qué instituciones
distintas admite o quiere cada pueblo.
El programa de la Economía Social y
Solidaria ve a las prácticas de construcción
de Otra Economía como una larga transición,
donde cabe experimentar y aprender de la
experiencia propia y de otros. No hay modelo
más allá de la necesidad de no absolutizar
ningún modelo (ni “mercado solidario”,
realmente un oximoron, ni homo reciprocans).
No hay sujeto histórico pre-visto deducido
teóricamente ni ya listo para asumir la
propuesta. La construcción de Otra Economía es
un proceso político cuyos sujetos emergerán en
el mismo proceso. La naturaleza de los sistemas
de poder es las sociedades capitalistas obliga a
una lucha contrahegemónica cuyas variantes
dependerán de la coyuntura, pero en todos
los casos la lucha cultural prolongada que nos
espera incluye como elemento fundamental la
desnaturalización de la economía.
América Latina está en un inevitable
proceso de creación de una pluralidad de
formas de economía alternativa. Al hacerlo
hereda y abona un piso firme y fértil basado
en nuestra propia historia para avanzar
por los caminos objetivamente necesarios
de construcción de otra economía. Como
periferia ex-colonial expoliada de Occidente,
la propuesta del Estado desarro l l i s ta
modernizador (la versión para América Latina
del Estado de Bienestar de los gloriosos
treinta años de posguerra) no pudo completar
su tarea. Subsistió y mostró resiliencia un
grueso sector de economía popular basada
en el trabajo autogestionado, mercantil y
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 31
no mercantil. Y lo que se avanzó hacia una
sociedad semi-industrial (dependiente), fue
desmantelado en muchos de nuestros países
por dictaduras y democracias neoliberales. Pero
no se trata ahora de intentar anacrónicamente
instalar o reinstalar la versión europea del
estado social. Lejos de que la mayoría de las
necesidades fueran resueltas por el mercado
o el Estado, la pobreza estructural – rural
y urbana – no pudo ser erradicada en la
mayoría de nuestros países y a ella se sumó
la nueva polarización de la distribución del
poder y la riqueza, con el empobrecimiento
de las clases medias, alcanzando tasas que
promedian un 50% de pobres (que para los
estándares de consumo del Norte serían
indigentes), por lo que grandes mayorías de
nuestros ciudadanos siguieron apelando a
formas no capitalistas de producción para la
supervivencia, manifestado en la perduración
de formas campesinas, comunitarias y en el
gran sector informal urbano. Nuestro desafío
es, sin embargo, no limitar nuestras prácticas
a los sectores indigentes – algo a lo que
tienden las prácticas y hasta las teorías de
la economía solidaria en la región –, sino
lograr la autoconvocatoria (o la convocatoria
desde legítimos gobiernos populares) de
comunidades locales heterogéneas y alianzas
tan amplias como se pueda para participar
en la pugna por otro desarrollo, por otra
humanidad.
Notas
(*) Versión revisada y reducida de la ponencia presentada en la Eleventh Interna onal Karl Polanyi Conference/20th Anniversary of the Karl Polanyi Ins tute of Poli cal Economy Conference, “The relevance of Karl Polanyi for the 21st Century”, Montreal, December 9-11, 2008.
(1) Ver: Qué es lo económico...
(2) Con las contribuciones de Polanyi se deben ar cular, sin duda, las de otros crí cos del capitalismo, como por ejemplo K. Marx, M. Mauss, I. Wallerstein, A. Quijano, F. Hinkelammert, G. Arrigi, A. Escobar, E. Dussel,…
(3) Speenhamland y el socialismo real son dos ejemplos (Polanyi, 2003, p. 129).
(4) Polanyi sustenta este argumento en inves gaciones históricas y antropológicas, algunas de las cuales han sido cues onadas, pero ello no invalida sus conclusiones generales. Ver: Caillè y Laville (2008).
José Luis CoraggioUniversidad Nacional de General Sarmiento, Instituto del Conurbano. Buenos Aires, [email protected]
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201432
(5) Esta proposición fác ca es corroborable, sujeta a una defi nición empírica de cómo se especifi ca en cada momento histórico el sustento, dado que la vida no es meramente biológica, sino vida en sociedad. Sobre esta base empírica es que Hinkelammert deriva el impera vo é co de evitar el suicidio y luchar por la vida. Se en ende que hay que diferenciar una sociedad perdurable de una buena sociedad, pero no puede haber confrontación entre proyectos diversos de buena sociedad sin una sociedad con bases materiales para perdurar. Ver: Hinkelammert (2005, cap. I). Ver también Hinkelammert y Mora (2009).
(6) En el mismo sen do, ver: Hinkelammert (1984 y 2005).
(7) Como muestra la actual crisis que, aunque anunciada desde las teorías crí cas, no ha dejado de sorprender a los defensores de la economía de mercado libre.
(8) El desarrollo de este esquema pude verse en Coraggio (2011).
(9) Aunque la perspectiva institucionalista no substituye al concepto marxiano de Modo de Producción agrega un marco rico, menos determinista o más con ngente, para comprender y actuar en el espacio de las prác cas que pretenden mantener o transformar las estructuras sociales existentes. La reins tucionalización puede tanto ser un cambio en la jerarquización y peso de los modelos básicos de integración social de la economía sin salir del modo capitalista de producción (al es lo de la construcción del estado de bienestar, planifi cador, redistribuidor y regulador del mercado dio lugar al capitalismo organizado y sus “30 años gloriosos”), como ser parte de un proceso de transición societal más profunda.
(10) Cabe discu r si esto fue cierto en el largo plazo para España y Portugal.
(11) Igualmente, en el Imperio Azteca el comercio tenía un fuerte contenido de tributación asimétrica.
(12) Pero sólo para aquellas personas incluidas en las nuevas leyes, claramente no para los indios ni menos aún para los negros. En cuanto a las personas jurídicas, las empresas, pasaban a tener derechos como los seres humanos!!
(13) Ver Laville (2006). La versión traducida y revisada está incluida en este volumen.
(14) Algo que KP señala con total claridad en LGT para el proceso de construcción de una economía de mercado dentro de Europa en el siglo XVIII, y que Marx denominó acumulación originaria.
(15) Esto toma hoy la forma, por ejemplo, del ya mencionado programa de soberanía alimentaria. Evidentemente los países de Europa y EEUU aplican el principio de autarquía cuando subsidian su producción de alimentos o reservan sus fuentes propias de energía fósil evitando depender totalmente del mercado global.
(16) Aquí nos estamos refiriendo, como Polanlyi, a la redistribución secundaria, no a la primaria, fuertemente asociada a la propiedad pero también a los poderes asimétricos en los cuasimercados de factores y de bienes. En un análisis más completo deberíamos a) considerar que el principio de redistribución puede ser rever do en su sen do: concentrar para concentrar la riqueza, en cuyo caso cabe reservar el concepto para el caso de redistribución progresiva y ver esta redistribución regresiva como una extensión del principio de maximización egocéntrica de la u lidad al ámbito del Estado; b) ubicar la consideración de los mercados reales, monopólicos, con capitales en capacidad de infl uir sobre la oferta y la demanda, incluso sobre los deseos, cuyas relaciones enen un contenido no sólo de intercambio libremente pactado sino de redistribución de la riqueza mercantil sin la mediación inmediata de un centro político o de una autoridad simbólica. Esto sólo puede captarse con una visión del conjunto de la estructura económica.
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 33
(17) Ver Coraggio (1998). Para otro punto de vista, ver los trabajos de Luis Razeto en: h p://www.riless.org/inves gadores_desarrollo.shtml?x=24531.
(18) “Ce qui dis ngue le commerce de la recherche de gibier, de bu n, de bois d’essences rares ou d’animaux exo ques, c’est la bidirec onnalité du mouvement que lui confère également son caractère généralement pacifi que et assez régulier” (Polanyi, 2008, p. 66).
(19) Ver Polanyi (2003, p. 275).
(20) Para una aplicación del concepto de acumulación originaria al proceso de transición que denominamos Economía Social y Solidaria, ver Cristobal Navarro, La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate necesario, Tesis de Maestría, Buenos Aires, 2008.
(21) Algo que parece afi rmar Caillé (2009).
(22) Aquí podemos coincidir con la búsqueda de realismo de Caillè: hablar de economía de la solidaridad o de las virtudes del asocia vismo local sin referirse y proponer acciones rela vas al marco global de explotación, limita y vuelve inverosímiles las profesiones de solidaridad.
(23) Margie Mendell afi rma (comunicación personal) que Polanyi estaba perturbado por el contraste que había encontrado entre las condiciones económicas y de reproducción cultural tan desfavorables para la clase obrera en Inglaterra y la Europa que había conocido antes de emigrar. El concluyó en que en el proceso de industrialización Inglaterra había sufrido ese experimento social conocido como “laissez faire”, proceso que grafi có como los “molinos sátánicos”.
(24) Ver su “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”, en Lander (2000, pp. 201-246).
(25) Diferenciando entre el Norte, por un lado, y América Central y Sudamérica, en que fueron los reinos de España y Portugal los centros de poder.
(26) Ver Hinkelammert (2005, cap. II).
(27) Ver Quijano (1988).
(28) A nuestro juicio, no alcanza con mencionar que se mercan liza la erra y el trabajo, sin algún concepto elaborado de explotación del hombre y la naturaleza, sobre todo si se rechaza la teoría del valor marxiana.
(29) Ver: Postone (2006).
(30) Para un estudio del imaginario del trabajo que puede emerger en las experiencias de economía solidaria, ver Veronesse (2007).
(31) Aunque la economía solidaria usualmente se prac ca centrada en la integración de los excluidos al mercado que los excluyó y la mejor distribución del valor en el mercado.
(32) Hay diversas ver entes y corrientes de economía alterna va en la región. Al respecto pueden verse los trabajos incluidos en Coraggio (2007).
(33) Sobre el concepto de racionalidad reproduc va ver Hinkelammert y Mora (2009). Ver también su trabajo publicado en h p://www.riless.org/otraeconomia/
José Luis Coraggio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 201434
Referencias
ARICÓ, J. (1982). Marx y América La na. México, Alianza Editorial Mexicana.
CAILLÈ, A. (2009). “Sobre los conceptos de economía en general y de economía solidaria en par cular”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). Qué es lo económico. Materiales para un debate necesario contra el fatalismo. Buenos Aires, Ciccus.
CAILLÈ, A. e LAVILLE, J.-L. (2008). “Actualité de Karl Polanyi. Pos acio”. In: POLANYI, K. Essais de Karl Polanyi. Paris, Seuil.
CORAGGIO, J. L. (1998). Economía urbana. La perspec va popular. Quito, Abya-Yala.
______ (org.). (2007). La economía social desde la periferia.Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
______ (2008). Economía Social, Acción Pública y Polí ca. Buenos Aires, Ciccus.
______ (2011). Economía social y solidaria. El trabajo antes que el capital. Alberto Acosta y Esperanza Mar nez (eds). Quito, Abya-Yala.
GAIGER, L. I. (2007). “La economía solidaria y el capitalismo en la perspec va de las transiciones históricas”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
GARCÍA, R. (2006). Sistemas complejos. Barcelona, Gedisa.
HABERMAS, J. (1981). La reconstrucción del materialismo histórico. Madri, Taurus.
HINKELAMMERT, F. J. (1984). Crí ca a la razón utópica. San José de Costa Rica, DEI.
______ (2005). El sujeto y la ley. El retorno del sujeto reprimido. Costa Rica, EUNA/Heredia.
HINKELAMMERT, F. J. e MORA, H. (2009). Economía, Sociedad y Vida Humana. Preludio a una segunda crí ca de la economía polí ca. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
LANDER, E. (comp.) (2000). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspec vas la noamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco.
LAVILLE, J.-L. (2006). Défi ni ons et ins tu ons de l’économie. Pour un dialogue maussien. Revue du MAUSS, n. 27. Paris, Découverte.
______ (2008). Los servicios de proximidad en Europa: en perspec va con la economía popular. Otra Economia, n. 3. Disponível em: h p://www.riless.org/otraeconomia/
LISBOA DE MELO, A. (2007). “Economía solidaria: una reflexión a la luz de la ética cristiana”. In: CORAGGIO, J. L. (org.). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
MAUSS, M. (1924). Interven on à la Société Française de Philosophie sur les fondements du socialisme (28 de febrero de 1924). Cohésion sociale et divisions de la sociologie. Œuvres. Marcel Mauss, III, Edi ons de Minuit, 1969 [1924], Marx, Karl, Introducción general a la crí ca de la economía polí ca/1987, Cuadernos de Pasado y Presente, n. 1, Córdoba, 1968.
MEILLASOUX, C. (1977). Mujeres, graneros y capitales. México, Siglo XXI.
NAVARRO, C. (2008). La acumulación originaria de la economía del trabajo. Elementos para un debate
Una lectura de Polanyi desde la economía social y solidaria en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 17-35, jun 2014 35
necesario. Tesis de Maestría. Buenos Aires.
NYSSENS, M. (2000). Les approaches économiques du tiers sector. Les contributions théoriques européennes sur la protec on sociale et l’économie prurielles. Sociologie du Travail, v. 2, n. 4, Paris.
PATZI PACO, F. (2005). Sistema comunal. Una propuesta alterna va para salir de la colonialidad y del liberalismo. CEA.
POLANYI, K. (2003). La gran transformación. Los orígenes polí cos y económicos de nuestro empo (LGT, 1944). México, Fondo de Cultura Económica.
______ (2012). “La economía como proceso instituido”. In: POLANYI, K. Textos escogidos. Buenos Aires, UNGS/Clacso.
POLANYI, K. et al. (2008). Essais de Karl Polanyi (EKP). Seuil.
POSTONE, M. (2006). Tiempo, trabajo y dominación social. Una reinterpretación de la teoría crí ca de Marx. Madri, Marcial Pons.
QUIJANO, A. (1988). Modernidad, iden dad y utopía en América La na. Lima.
______ (2000). “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América La na”. In: LANDER, E. (comp). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspec vas la noamericanas. Buenos Aires, Clacso/Unesco.
SINGER, P. (2007). “Economía solidaria. Un modo de producción y distribución”. In: CORAGGIO, J. L. (org). La economía social desde la periferia. Contribuciones la noamericanas. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
VERONESSE, M. (org.) (2007). Economía solidaria y subje vidad. Buenos Aires, UNGS/Altamira.
Texto recebido em 14/out/2013Texto aprovado em 5/nov/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014
La ciudad capitalista en el patrón neoliberalde acumulación en América Latina
The capitalist city in the neoliberal patternof accumulation in Latin America
Emilio Pradilla Cobos
ResumenEl desarrollo capitalista es desigual y combinado
en el tiempo y territorio; por ello la ciudad
latinoamericana tiene características particulares,
específicas, que no pueden analizarse mediante
conceptualizaciones que explicarían a las del
mundo desarrollado. La histórica mundialización
del capital – ¿globalización? – no homogeniza a
las formaciones urbanas; las diferencia. Explicar la
ciudad latinoamericana en el neoliberalismo vigente,
implica analizarla en la generalidad capitalista y su
particularidad latinoamericana, su combinación de
lo nuevo y lo viejo, sus rasgos históricos específi cos:
subsistencia indígena; urbanización acelerada;
industrialización tardía; desindustrialización
temprana; terciarización informal; autoconstrucción
masiva; mercado informal de suelo y vivienda;
desempleo estructural, pobreza, informalidad;
regímenes de excepción; baja ciudadanización;
diversas posturas gubernamentales ante el
neoliberalismo; violencia urbana generalizada; etc.
Palabras claves: capitalismo; desarrollo desigual;
patrón neoliberal; ciudad latinoamericana; rasgos
específi cos.
AbstractA combination of unequal capitalist development, time and territory produces Latin American cities with particular, specific characteristics that cannot be analyzed by concepts that are used to explain cities of the developed world. The historical capital globalization does not homogenize urban formations ; rather, it dif ferentiates them. Explaining the Latin American city in the current neoliberal pattern involves analyzing, in the capitalist generality and in its Latin American particularity, its combination of new and old, its specific historical features: indigenous subsistence; rapid urbanization; late industrialization; early deindustrialization; informal outsourcing; massive self-help housing; informal land and housing market; structural unemployment; poverty; informality; emergency regimes; low urbanization; various governmental positions concerning neoliberalism; widespread urban violence, etc.
Keywords: capitalism; uneven development; neoliberal pattern; Latin American city; specific features.
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201438
Introducción: el desarrollo desigual del capitalismo y las particularidades latinoamericanas
Desde su formación o reconfiguración en
el siglo XVI, las ciudades latinoamericanas
estuvieron subsumidas, formal o realmente, al
proceso de acumulación originaria de capital
que engendró al capitalismo en las entrañas
del feudalismo (Marx, [1867] 1976, cap. XXIV,
t. 1, v. 3) en el que jugaron un papel sustantivo
pero subordinado dadas las condiciones de
dominación colonial a las que se encontraban
sometidas (Pradilla, 2009, cap. I); desde
entonces, siguieron las determinaciones y
ocuparon los lugares estructurales que les
impusieron los distintos y sucesivos patrones
de acumulación de capital,1 en su relación
dialéctica2 con las fases específicas de su
inserción en la mundialización del capital
(Pradilla, 2009, cap. VIII): expoliación colonial
hasta las independencias, capitalismo mercantil
en el siglo XIX e inicios del XX (patrón
primario-exportador), intervencionismo estatal
de 1940 a 1980 (industrialización sustitutiva de
importaciones), y neoliberal después de 1982.
Por ello, desde entonces y a lo largo de
su historia, las ciudades latinoamericanas
han sido capitalistas3 y en lo general, se
explican a partir de la(s) teoría(s)4 y leyes
generales que explican las formas sociales, la
estructura, los procesos y las contradicciones
del modo de producción capitalista. Sabemos
también, desde Marx, que el desarrollo de las
formas y relaciones sociales y de los modos de
producción que conforman es desigual, y por
tanto combinado, en el tiempo, la intensidad, la
profundidad y el territorio (Pradilla, 2009, cap.
I); esta lógica es reconocida ampliamente por
Harvey en sus elaboraciones teóricas generales
sobre el capitalismo, el territorio y la ciudad
(Harvey, [1982] 1990, cap. XIII, 1 y 2; Harvey,
[2000] 2003, pp. 93 y ss.).
Tanto la inc is iva cr í t ica teór ico-
metodológica de Kalmanóvitz a los teóricos de
la dependencia latinoamericana de los años
setenta (Kalmanóvitz, 1977 y 1982, citado en
Pradilla, 1984, pp. 622 y ss.), como la de Singer a
Castells sobre su concepción de la urbanización
dependiente y la marginalidad (Singer, 1973;
Castells, 1973), nos mostraron hasta la
saciedad que ni el desarrollo capitalista en
América Latina ni la urbanización que genero
han seguido el mismo camino histórico, ni
iguales modelos,5 ni ocurrieron en los mismos
tiempos y ritmos seguidos por estos procesos
en Europa o Estados Unidos en los siglos XIX
y XX, ni han dado lugar a ciudades y sistemas
urbanos similares. Ningún tratado serio de
historia general, económica, social o urbana de
los siglos XIX y XX avala la posibilidad de la
igualdad mundial del desarrollo.
Las razones fundamentales señaladas
por Kalmanóvitz y Singer son: a) el papel
diferenciado que asumen unas y otras
sociedades en sus relaciones (colonizadores o
dominantes, colonizados o dominados); b) las
diferentes estructuras económicas, sociales,
culturales y políticas que se conformaron
en unas y otras sosedades, en su relación
conflictiva con las sociedades pre-existentes,
y las diferencias de sus condiciones de
desarrollo; c) el papel activo de las clases
sociales colonizadas o dominadas frente a las
colonizadoras o dominantes, y sus conflictos,
evidentes en la historia; d) las distintas
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 39
temporalidades de los procesos en unas y otras
sociedades; y e) las diferencias geográficas,
medioambientales y territoriales pre-existentes
o que se configuraron en estos procesos.
En la actualidad, el mito ideológico6
neoliberal de la globalización y su derivación
en el de las ciudades globales (Pradilla, 2009,
cap. VIII) han pretendido homogeneizar al
planeta entero, y aplicar así en los países
latinoamericanos, asiáticos o africanos, las
mismas recetas de políticas económicas,
sociales y territoriales engendradas en los
países hegemónicos del patrón neoliberal de
acumulación, imponer su verdad única, explicar
sus procesos, incluidos los urbanos, mediante
las mismas conceptualizaciones y modelos
construidos para analizar los suyos propios, en
una clara muestra de colonialismo intelectual,
pasivamente aceptado por muchos en nuestra
región (Pradilla, 2010b).
La imposición del patrón neoliberal de
acumulación de capital, en sus tres décadas
de historia, ha dado lugar a una creciente
desigualdad del desarrollo capitalista entre
los países hegemónicos imperialistas y los
dominados y atrasados, y entre estos últimos,7
acentuando la fragmentación y diferenciación
entre los países y sus formas territoriales;
aún en las áreas dominadas del mundo, con
condiciones histórico-sociales homólogas como
América Latina, esta diferenciación se acentúa,
por ejemplo entre Brasil o México y Haití u
Honduras; así, el planeta aparece hoy como
una combinación caleidoscópica, un mosaico
de fragmentos profundamente desiguales en lo
económico, lo social y lo urbano.
La naturaleza capitalista y la vigencia,
también diferenciada, del patrón neoliberal
de acumulación impuesto a la mayoría de
las naciones del mundo por los organismos
multinacionales (FMI, OMC, Banco Mundial)
asignan generalidades y rasgos comunes
a nuestras c iudades y las del mundo
desarrollado, que son explicadas por las teorías
generales; pero estos rasgos generales también
se combinan con los heredados del pasado, de
la propia historia particular de las formaciones
sociales concretas, y los que surgen de sus
desigualdades de desarrollo, que solo pueden
ser explicados por el análisis concreto de
las realidades concretas y diferenciadas.
La presencia histórica en América Latina
de formas y procesos socio-territoriales
particulares, ausentes en Europa o los EUA,
como la subsistencia de núcleos indígenas en
el campo y la ciudad, las formas de propiedad
colectiva de la tierra periurbana en México8
(1917 a 1992), la urbanización acelerada entre
1940 y 1980, la autoconstrucción masiva de
vivienda popular generalizada en la región
desde 1940, la formación y presencia actual
de un mercado informal de suelo urbano, la
llamada informalidad9 como actividad laboral
de subsistencia ante el enorme desempleo
estructural y la pobreza, la presencia recurrente
de dictaduras militares y regímenes de
excepción en la región sobre todo en los años
setenta, la actual diversidad – discursiva o
real – de las posturas gubernamentales ante
el neoliberalismo, o la violencia generalizada
en las ciudades en la actualidad debida en
gran medida al narcotráfico y su incidencia
en la vida cotidiana urbana, nos sirven a la
vez para mostrar: que las teorizaciones y
modelos urbanos globales homogeneizantes
no tienen validez para nuestra región; y
que existen rasgos generales propios de la
región, gestados históricamente y agudizados
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201440
en el neoliberalismo, que hacen viable la
construcción de explicaciones latinoamericanas
de esas particularidades comunes. Tenemos
que entender también que aún en e l
contexto regional los procesos entre países,
regiones y ciudades son desiguales, y que las
conceptualizaciones regionales nos explican
solo los rasgos generales y comunes entre ellos
y no toda su especificidad.
Las ciudades latinoamericanas en el patrón neoliberal de acumulación de capital
En las últimas tres décadas, las ciudades
latinoamericanas han sufrido grandes cambios
demográficos, económicos, sociales, políticos,
culturales y morfológicos cuya naturaleza y
determinaciones debemos explicar y teorizar,
tanto en su generalidad como producto de
las relaciones capitalistas dominantes y del
tránsito de un patrón de acumulación a otro,
como en su particularidad histórica regional.
Estos cambios se han producido a partir
de la aplicación – diferenciada en el tiempo,
la intensidad y la profundidad en los distintos
países – que no podemos suponer concluida
ni irreversible, de las reformas estructurales
que han materializado el cambio de patrón
de acumulación de capital en la región, del
intervencionista estatal al neoliberal, las
cuales han modificado la arquitectura del
capitalismo y su territorio, acentuando sus
rasgos y contradicciones y generando nuevos
conflictos socio-territoriales. Para avanzar en
la caracterización y teorización de la ciudad
capitalista que emergió durante el período
de operación del patrón intervencionista
estatal de acumulación de capital y el proceso
simultáneo de industrialización sustitutiva
de importaciones y urbanización acelerada,
y de cómo se ha venido reestructurando
con la implantación del patrón neoliberal de
acumulación de capital, contamos con un acervo
de investigaciones sobre las particularidades
nacionales y urbanas, y los rasgos comunes
a la región, que construyen sus conceptos e
interpretaciones en el trabajo de análisis de
las realidades concretas latinoamericanas
mediante el uso de las teorías generales
que explican la estructura, funcionamiento
y contradicciones de la sociedad capitalista
(ver Ramírez y Pradilla (comps.), 2013); en
este esbozo, nos apoyaremos en una parte,
limitada por el tiempo de elaboración y la
dimensión de este trabajo, de este rico acervo
latinoamericano.
Las mutaciones del proceso de urbanización
La fase más intensa de cambio de la
distribución territorial de la población entre
urbana y rural ocurrió en América Latina,
desigualmente según los países, en el período
1940-1980, impulsado por la industrialización
por sustitución de importaciones y su correlato,
la penetración del capitalismo en el campo, la
descomposición de las formas agrarias pre-
capitalistas y la expulsión del campesinado
hacia las ciudades, que dio lugar a altas tasas
de crecimiento poblacional en ellas (Pradilla,
1981); hoy podemos afirmar que la región
se acerca a la urbanización relativa casi total
(Pradilla, 2009, caps. VI y VII). En las últimas
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 41
décadas, han disminuido sustancialmente
las tasas de crecimiento anual promedio
de la población urbana, en especial en las
metrópolis, lo cual no significa que se haya
agotado totalmente el potencial de migración
debido a que el crecimiento demográfico en el
campo, a pesar de ser declinante, ha mantenido
en él a una masa de población muy grande,
que por lo general subsiste aún mediante
formas pre-capitalistas o capitalistas atrasadas
de producción.
La persistencia de la migración del
campo y los pequeños poblados a las ciudades
es motivada por la descomposición de las
formas atrasadas de producción agraria aún
subsistentes determinada por la pobreza, la
carencia de servicios, la introducción de nuevas
técnicas productivas, la exacerbación de la
competencia desigual en el libre mercado con
las formas productivas avanzadas internas
o externas, la eliminación neoliberal de los
subsidios públicos al campo y la continua
expansión urbana sobre las tierras agrarias.
La persistencia de la migración rural y entre
ciudades, que se suma al crecimiento natural
interno, o la integración de pueblos y pequeñas
ciudades a las tramas urbanas, en las nuevas
condiciones de la acumulación de capital, han
acelerado los procesos de metropolización y
formación de ciudades-región,10 que se han
convertido en las formas urbanas características
y dominantes del patrón de urbanización en el
actual período histórico (Pradilla, 2009, pp. 263
y ss.).
Al interior de las metrópolis, asistimos
también a intensos cambios de la distribución
territorial de la población derivados de: la
periferización de la vivienda de interés social
construida por el capital inmobiliario en
grandes mega-conjuntos o por los ocupantes
irregulares y autoconstructores; el vaciamiento
de población residente de las áreas centrales
o los corredores terciarios donde la vivienda
es sustituida por actividades terciarias y por
grandes megaproyectos inmobiliarios mixtos
destinados a las actividades empresariales y a
vivienda de sectores de altos ingresos (Pradilla,
2010b). El resultado son tasas de crecimiento
demográfico muy bajas o negativas en las
áreas centrales, mientras en las periferias y en
los asentamientos en proceso de integración
a las metrópolis se alcanzan tasas muy
superiores a la media urbana, lo cual mantiene
un crecimiento físico más que proporcional al
demográfico.
Las rentas del suelo en los procesos de expansión y re-construcción urbana
Los patrones de estructuración urbana en
América Latina están determinados, en forma
compleja, por las lógicas de formación de las
rentas del suelo urbano tanto en los territorios
periurbanos o intersticiales metropolitanos,
como en las áreas ya integradas donde se
articulan las viejas y nuevas condiciones
estructurales de la acumulación de capital
(Jaramillo, 2009).11
En las ciudades latinoamericanas
funcionan hoy dos mercados de suelo urbano
con reglas del juego distintas: el formal,
plenamente capitalista y sometido a las
regulaciones estatales de la propiedad y el
urbanismo; y el informal que domina en las
áreas carentes de titulación de la propiedad
que fueron urbanizadas ilegal o irregularmente;
el segundo, articulado y subsumido al primero,
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201442
entra también en el juego de definición de
las rentas del suelo urbano (Calderón, 2006;
Eibenschutz y Benlliure, 2008; Abramo, 2011).
Los gobiernos urbanos, desde los tiempos de
la urbanización acelerada han tratado, por la
represión o la regularización, de eliminar el
mercado informal o de integrarlo al formal, sin
que hayan tenido éxito pleno pues la pobreza
y la ausencia de una oferta legal adecuada a
los bajos niveles de ingreso, lo reproducen
continuamente.
La coexistencia de estos dos mercados
en las ciudades latinoamericanas es uno de
sus rasgos específicos que las diferencian
estructuralmente de las de los países
hegemónicos e imponen la necesidad de una
elaboración teórico-interpretativa propia.
Las rentas urbanas y su metamorfosis
en precios del suelo inician en la intersección
de lo urbano con lo rural, partiendo del nivel
alcanzado allí por las rentas agrarias. En
este límite, a los vectores históricos de la
continua expansión urbana, en particular los
procesos de ocupación irregular de terrenos
para la autoconstrucción de vivienda popular,
se combinan ahora como factores de la
transformación del uso del suelo de rural a
urbano y de formación e incremento de las
rentas urbanas: los cambios en el régimen
de propiedad de la tierra rural hacia su
privatización (caso mexicano en 1992) y/o
su concentración; la irrupción del capital
inmobiliario-financiero en la producción de
vivienda “de interés social” en las periferias
lejanas para abaratar el costo del suelo, la cual
transforma en urbanos y eleva las rentas en los
terrenos que quedan libres entre sus proyectos
inmobiliarios y el límite urbano anterior (Duhau,
2008; Eibenschutz y Goya, 2009, pp. 16 y ss.);
las grandes infraestructuras viales producidas
por el Estado o las empresas privadas, que
impulsan el fraccionamiento y construcción
del suelo aledaño; y la generalización de las
ventajas de aglomeración en los ámbitos de las
regiones urbanas que permiten la localización
casi indiferenciada de actividades económicas
en sus intersticios rurales (ver nota 10).
En el caso de la Zona Metropolitana del
Valle de México, una de las dos mayores de
la región junto con São Paulo, la expansión
urbana ha ocurrido siguiendo un patrón de
tipo cíclico, de expansión – consolidación –
expansión territorial (Duhau, 1998, pp. 131 y
281; Duhau y Giglia, 2008, p. 116) que, en su
segundo movimiento implica la saturación
de los terrenos intersticiales dejados libres
en el movimiento expansivo, por nuevos
asentamientos irregulares o empresariales.
A pesar de las particularidades, entre las que
destaca la diferencia de tendencias históricas
hacia la verticalización y la compactación
(Brasil o Argentina), o la expansión con
baja densidad (México), creemos que esta
característica se repite en diversas ciudades
latinoamericanas (Ferreira, 2012, pp. 18 y 22;
Pradilla, 2011). Este tipo de expansión difiere
estructuralmente del que Dematteis caracteriza
como disperso o difuso al referirse a las
ciudades anglosajonas de Europa en el pasado,
y su generalización actual en ese continente
(Dematteis, 1998), o el patrón disperso de
baja densidad históricamente dominante
en las áreas de vivienda de las ciudades
norteamericanas.
En el neoliberalismo, en las áreas ya
integradas y centrales de las metrópolis,
las diversas formas de la renta del suelo
(Jaramillo, 2009, cap. IV), están dialécticamente
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 43
articuladas con: los procesos de privatización
de lo público urbano; los significativos cambios
en la localización de las actividades urbanas
(usos del suelo), determinados por los procesos
de desindustrialización y terciarización
metropolitana (Márquez y Pradilla, 2004 y
2008) y la formación de corredores terciarios
(Pradilla y Pino, 2004; Pradilla, Moreno y
Márquez, 2012a); y los nuevos procesos de
verticalización emprendidos por el capital
inmobiliario-financiero (Pradilla, 2010a), que
modifican sustantivamente su funcionamiento,
monto y distribución social, y son características
determinantes y dominantes de la lógica actual
de estructuración urbana.
El resultado es un crecimiento sostenido
en términos reales de las rentas y, por tanto,
de los precios del suelo urbano, de múltiple
sentido territorial: de la periferia hacia el
centro, del centro hacia la periferia, de la
trama de corredores terciarios hacia el interior
de las áreas de vivienda y otros usos, cuya
orografía no puede explicarse desde esquemas
concéntricos como los de la Escuela de Chicago;
este crecimiento afecta sobre todo a los
sectores más pobres de la sociedad, sean ellos
compradores o locatarios de vivienda, eleva el
costo de la vida en las metrópolis e incide en los
procesos de empobrecimiento en ellas.
La mercantilización y privatización de lo urbano
Marx, al construir su teoría general sobre
el modo de producción capitalista en El
Capital ([1867] 1975) y muchos otros textos,
señala claramente el papel de la mercancía
y su realización en el ciclo del capital y
su acumulación, la necesidad constante y
creciente de los capitalistas de integrar a todo
lo producido y aún lo no producido por el
hombre (la tierra, el agua, el aire, los recursos
naturales no renovables, etc.) al régimen
mercantil, y el papel del fetichismo de la
mercancía en el ámbito de la ideología como
encubridor de las relaciones de explotación
de los trabajadores por el capital (Marx,
[1867] 1975, l. 1, t. 1, cap. II, 4). Se refiere
también, premonitoriamente, a la tendencia
a la privatización, mercantilización plena y
capitalización de las condiciones generales
del proceso social de producción – transporte,
comunicaciones y almacenamiento en ese
momento, pero que integran a muchos otros
elementos considerados urbanos hoy en día
(Pradilla, 1984, cap. II) – en la medida que
el capitalismo se desarrolla (Marx, [1857-
1858] 1972, v. 2, n. 22, citado en Pradilla,
2009, p. 125). En tiempos recientes, autores
multicitados por los investigadores urbanos
como Polanyi ( [1957] 2003), Wallerstein
( [1983] 1988, cap. 1) , o Harvey ( [1973]
1977, pp. 273 y ss.), se refieren ampliamente
al proceso continuo, pero desigual, de
mercantilización. Sobra señalar que las
mercancías y el mercado en el que se
intercambian, son las piedras claves de la
construcción de la teoría económica burguesa,
y en particular de su variante neoliberal.
En el patrón neoliberal de acumulación,
esta mercanti l ización se ha acelerado,
profundizado, y articulado intrincadamente
con la privatización de lo público constituido
o construido a partir de la intervención del
Estado – incluyendo a su aparato legislativo12
– en etapas históricas anteriores, que
constituye una de sus políticas fundamentales
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201444
(Valenzuela, 1991, cap. II; Pradilla, 2009,
cap. III). La privatización de lo público, que
entrega al capital privado a las empresas
productivas, comerciales, de servicios y las
condiciones generales de la acumulación y de
la reproducción social bajo su control, incluye
a muchos ámbitos públicos urbanos: suelo e
inmuebles públicos, plazas, parques, reservas
naturales, vialidades, servicios sociales,
áreas recreativas, etcétera, integrándolos a
un amplio, profundo e incesante proceso de
mercantilización de todos los elementos de la
estructura urbana, incluidos los no producidos
por el hombre.
Paradójicamente, esta privatización
ha sido más acelerada, profunda y extensa
en los países latinoamericanos que en los
capitalistas hegemónicos, sobre todo los
europeos, debido fundamentalmente a
la poca capacidad defensiva real de los
trabajadores y ciudadanos latinoamericanos
ante las embestidas privatizadoras de sus
gobernantes y empresarios neoliberales, que la
de los ciudadanos europeos con gran tradición
histórica de lucha defensiva de sus conquistas
sociales y sus condiciones de vida. Estos
hechos, constatables factualmente, muestran
el carácter desigual de los dos procesos,
que también se manifiesta entre los países
latinoamericanos y sus ciudades, en el tiempo,
la intensidad y la profundidad, lo que obliga a
su diferenciación y particularización.
Estos dos procesos han sido claves para
que el capital en su conjunto, en particular el
inmobiliario-financiero y constructor, avance
por múltiples caminos en su empoderamiento
sobre la economía y el cambio urbanos.
La desindustrialización y la terciarización informal de las metrópolis
E n l a s ú l t i m a s d é c a d a s, l o s p a í s e s
latinoamericanos, en particular los de mayor
peso económico relativo (Brasil, Argentina
y México) han sufrido desigualmente lo que
Pierre Salama denomina desindustrialización
re lat iva prematura, debida a: la baja
productividad del sector fabril; las altas tasas
de interés en el mercado especulativo y abierto
de capitales; la apreciación de sus monedas
frente a las divisas internacionales; y la baja
competitividad de sus precios de producción
en el marco del proceso neoliberal de apertura
comercial internacional (Salama, 2012a).
Este ha sido el contexto general nacional
en el que ha ocurrido una desindustrialización
relativa y/o absoluta de las metrópolis
latinoamericanas industrializadas durante
el período 1940-1980, cuya determinación
multifactorial incluye, además de las razones
generales, el crecimiento de las desventajas
(deseconomías) de aglomeración derivadas de
la saturación vehicular que alarga el tiempo
y costo del transporte de materias primas,
productos y trabajadores, la contaminación
ambiental y el costo de las medidas para
controlarla, la elevación de los precios del suelo
y los impuestos prediales, los más elevados
niveles salariales; así como de los efectos de
las políticas públicas desindustrializadoras y la
aceptación acrítica de la vocación terciaria de
las metrópolis (Márquez y Pradilla, 2008).
La desindustrialización y las políticas
públ icas urbanas en ese sent ido han
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 45
determinado y /o acentuado la tendencia
estructural hacia la terciarización de las
economías metropolitanas propia de esta
etapa del desarrollo capitalista. Sin embargo,
en la región, la terciarización ha tenido un
carácter espurio, polarizado y dominantemente
informal notorio en la mayoría de los análisis
empíricos, pues en 2002 la fuerza laboral
en la informalidad alcanzaba en América
Latina el 46,5% (Tokman, 2007, p. 295)
de la población económicamente activa
total (PEA), superaba el 34% en algunas
de las mayores metrópolis del continente
y se concentraba fundamentalmente en el
sector terciario (Portes y Roberts, 2005, pp.
40-41; Pradilla, 2010a). Esta característica
dominantemente informal del sector terciario
urbano latinoamericano es una diferencia
sustantiva respecto de la señalada por diversos
autores sobre la predominancia de los servicios
especializados a la producción en las grandes
metrópolis de los países hegemónicos en la
economía mundial.
La conjunción de los dos procesos ha
tenido consecuencias muy negativas para la
vida económico-social metropolitana: pérdida
del dinamismo económico por la desaparición
del sector industrial, más dinámico que
el terciario; caída de la productividad
urbana media al dominar el sector terciario
informalizado, de más baja productividad del
capital y del trabajo que el industrial; déficit
de la balanza comercial del territorio urbano
específico dada la poca exportabilidad de los
servicios; incremento del desempleo urbano;
y caída del nivel de ingresos de los sectores
populares al perderse los empleos fabriles
mejor remunerados que los terciarios (Márquez
y Pradilla, 2008).
Los impactos territoriales de ambos
procesos combinados han sido: liberación
de grandes terrenos industriales insertos en
la estructura urbana, en muchos casos de
alto precio, y cambio de su uso a terciario o
habitacional para sectores de ingresos medios
o altos; terciarización de los usos del suelo en
áreas integradas a la trama urbana donde se
desarrollan los corredores terciarios (ver item
“Los cambios en el patrón de estructuración
urbana”) reemplazando antiguas áreas de
vivienda y desplazando a sus habitantes; y
multiplicación de las concentraciones lineales
o zonales de comercio en la vía pública y
otras actividades informales, en particular
sobre los ejes viales, los corredores terciarios
y áreas e inmuebles de gran flujo de peatones
y usuarios como centros comerciales, servicios
públicos, oficinas gubernamentales, lugares de
recreación, etc.
La hegemonía del capital fi nanciero y su fusión con el capital inmobiliario
Desde finales del siglo XIX, el capital financiero
resultante de la fusión del capital bancario
y el industrial y comercial, inició su carrera
hacia la hegemonía como fracción del capital
en el capitalismo; América Latina no fue la
excepción, gracias sobre todo a la penetración
del capital bancario extranjero y al crédito
internacional solicitado por los sectores público
y privado. Desde entonces, ha penetrado
profundamente en el funcionamiento de la
economía en su conjunto y en la vida cotidiana
urbana a través del crédito a las personas y más
recientemente a la proliferación de las tarjetas
de crédito y débito (Pradilla, 2012). Su carácter
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201446
abiertamente especulativo y parasitario ha
estado presente en todas las crisis económicas
sincrónicas a nivel mundial de las últimas tres
décadas, sobre todo en la del 2008 (Rozo,
2010, cap. 1).
La fusión entre el capital financiero
y el inmobiliario nacional y trasnacional,
de te rm inada po r l a s ca rac te r í s t i ca s
estructurales del sector de la construcción,13
se ha convertido en la fracción dominante en
la inversión urbana, debido a la disminución
rápida y la pérdida de protagonismo del
capital productivo industrial, a que tiende
a convertirse en el único sector productivo
de valor en las metrópolis y al hecho de que
crea gran cantidad de empleo, aunque sea de
baja calificación laboral, de corta duración,
estacional e inestable y mal remunerado.
Por estas razones, los gobiernos urbanos,
discursivamente de distinta ideología, tienden
a otorgar privilegios e incentivar los negocios
de esta fracción del capital en sus políticas
urbanas, lo cual, como veremos en la sección
“Las dinámicas de los movimientos sociales en
las metrópolis”, genera nuevas contradicciones
urbanas y una modificación de los actores en
los movimientos sociales urbanos.14
El capital inmobi l iar io-f inanciero
expande, casi sin límites, a las ciudades al
adquirir terrenos baratos y construir viviendas
para distintos sectores sociales, incluido ahora
el segmento de viviendas de interés social
en mega-conjuntos de micro-viviendas en
las periferias lejanas; al mismo tiempo, re-
construye las áreas centrales de las ciudades
con sus productos emblemáticos: centros
comerciales, torres de usos mixtos y conjuntos
cerrados y segregados, etcétera, apoderándose
de los incrementos de rentas del suelo
generados colectivamente por el crecimiento
metropolitano mismo (Pradilla, 2010a).
Las nuevas políticas neoliberales de
vivienda popular tienden a ubicar el papel de
las instituciones estatales de vivienda, en el
lugar de bancos hipotecarios que financian a
sus derechohabientes para que compren sus
viviendas al capital inmobiliario, convirtiéndose
así en sus promotores (Ferreira, 2012, pp. 39 y
ss.; Puebla, 2002; Castro y otros, 2006).
La fracción inmobiliaria-financiera en
la producción de vivienda fue el origen de la
crisis, por sobreproducción, de 2008-2009
en Estados Unidos, para luego transmitirse
a otros sectores económicos a través de los
vínculos del capital financiero (Rozo, 2010,
cap. 1); ha estado presente en las posteriores
convulsiones de las economías europeas; y
en México, el sector se enfrenta hoy a una
seria crisis sectorial derivada de la ausencia
de compradores para sus viviendas de interés
social o su abandono y/o moratoria de pago,
por su pésima calidad constructiva y muy mala
localización en relación con las ciudades, la
cual está relacionada con la desaceleración
y bajo crecimiento reciente de la economía
nacional.
La pauperización de la fuerza de trabajo y la segregación socio-territorial
La aguda desvalorización de la fuerza de
trabajo asalariada se ha producido por la vía
de la reducción del salario real – directo,15
indirecto16 y diferido17 – y la eliminación o
reducción de las prestaciones sociales en los
contratos colectivos de trabajo, la flexibilización
de la relación laboral – despido discrecional,
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 47
fragmentación de la jornada laboral, reducción
del escalafón de puestos de trabajo, exigencia
de calificación múltiple de los trabajadores,
contratos de corta duración, etcétera –, y la
privatización de los servicios públicos con
elevación de los precios. La eliminación de
subsidios y la reducción del gasto público
social, ha sido un eje básico de la política
neoliberal en América Latina (Valenzuela, 1991,
pp. 45 y ss.; Guillén, 1997, pp. 167 y ss.; Pradilla,
2009, cap. II). Estas políticas se han aplicado
desigualmente en el tiempo, la intensidad en
los distintos países.18
En el contexto de una reducción de
la inversión para la formación bruta de
capital fijo, un bajo crecimiento del Producto
Interno Bruto desde 1982 y hasta ahora, y
recesiones recurrentes (Cepal, 2004 y 2013,
pp. 81-86; Pradilla, 2009, pp. 312 y ss.), los
impactos sociales más inmediatos han sido:
un reducido crecimiento del PIB per cápita
(Cepal, 2013, p. 74), la elevación de la tasa
de desempleo abierto, el crecimiento del
sector informal, la caída del salario real sobre
todo en las décadas iniciales de los ochenta
y noventa cuando imperó la hiperinflación,
la pérdida de participación del salario de los
trabajadores frente a la ganancia empresarial
en la distribución de la renta nacional, y
una mínima reducción de los niveles de
pobreza e indigencia urbanas a pesar de
los gastos multimillonarios en programas
focalizados en sectores muy vulnerables
de corte fundamentalmente asistencialista
(Cepal, 2013, p. 78; Tokman, 2007, pp. 294-
296). La mejoría relativa, desigual según los
países, del salario real y la distribución del
ingreso entre salarios y ganancias, registrada
en la primera década del siglo XXI, partió
de niveles muy bajos, y no ha permitido
la recuperación de lo perdido en las dos
décadas anteriores (Salama, 2012b, p. 648).
La histórica desigualdad en la distribución
del ingreso y su concentración en una minoría
se han acentuado significativamente en este
período (Cepal, 2013, p. 78); en este aspecto,
deberíamos incluir también los efectos del
incremento de los flujos de ganancias al
extranjero derivados de la trasnacionalización
del capital y la liberación de los flujos de
mercancías y capitales (Cepal, 2013, p. 97),
pues reducen la reinversión de ganancias y las
rentas distribuidas al interior de los países.
La segregación socio-territorial en las
ciudades latinoamericanas19 se fraguó en
su fase de crecimiento acelerado – 1940 a
1980 –, teniendo como vectores articulados
dialécticamente, a la desigualdad socio-
económica creciente, la formación de
rentas y el mercado del suelo, las formas de
producción de los soportes materiales urbanos,
en particular la formación de viviendas del
tipo vecindad o conventillo en las áreas
centrales, la ocupación irregular de la tierra y
la autoconstrucción de viviendas localizadas
en los terrenos menos construibles y poco
atractivos para los promotores inmobiliarios
y los sectores de ingresos medios y altos, los
fraccionamientos de capas medias y altas
mediante la producción por encargo (Pradilla,
2012) y los valores ideológicos imperantes.
Durante las tres décadas de políticas
neoliberales, el mantenimiento o incremento
de la desigualdad y la polarización socio-
económica, y de la pobreza y la indigencia
en los sec tores populares urbanos es
uno de los factores explicativos de la
segregación territorial imperante en las
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201448
ciudades latinoamericanas de hoy, pero en
su articulación dialéctica con otros procesos:
los cambios sustantivos en las rentas y los
mercados – formal e informal – del suelo,
las modificaciones ocurridas en la estructura
de las formas productivas de lo urbano
(Pradilla, 2012), las nuevas formas urbano-
arquitectónicas impulsadas por el capital
inmobiliario-financiero (megaproyectos de
renovación urbana, centros comerciales,
corredores terciarios, clubes privados, edificios
mixtos, conjuntos cerrados, macro-conjuntos
de vivienda de interés social, etc.) , y los
gobiernos locales: revitalización y renovación
urbana, revalorización de centros históricos,
construcción de vialidades confinadas y otras
obras viales (Sabatini, 2003, p. 6). Hay también
que añadir el predominio del automóvil
individual en los desplazamientos urbanos,
la individualización de la vida cotidiana en la
ideología, y la formación de territorios de la
violencia creciente.20
La fragmentación socio-territorial de las
ciudades, que implica a la vez la desigualdad
social, la segregación territorial y la existencia
de barreras físicas o socio-culturales como la
violencia, a la movilidad, se ha incrementado
a partir de la multiplicación de los conjuntos
cerrados y cercados para clases medias y altas,
el aislamiento territorial de los mega-conjuntos
de interés social, la proliferación de vialidades
confinadas y segundos pisos viales como
barreras físicas, y las creadas por los guetos de
la violencia urbana (Carrión, 2006).
La movilidad urbana y el dominio del automóvil
La movil idad y la conectividad se han
convertido en temas predilectos del discurso
de los gobiernos urbanos y de la investigación,
precisamente cuando los recorridos urbanos
han a lcanzado una gran extens ión y
complejidad, la saturación de las vialidades
y los medios de transporte público llegan a
niveles críticos y se alarga significativamente
el tiempo dedicado a los desplazamientos. Los
factores estructurales hay que encontrarlos
en el crecimiento poblacional y la continua
expansión territorial de las ciudades, la
complejidad alcanzada por las actividades
urbanas, la generación de múltiples polos de
atracción de los desplazamientos debido al
surgimiento disperso de las nuevas formas
urbano-arquitectónicas, el papel protagónico
de la industria automotriz en las economías
regionales y sus prácticas publicitarias y
de crédito, el rezago y mala calidad del
transporte colectivo público o privado, y la
creciente individualización de la vida cotidiana
acrecentada por la violencia urbana.
El transporte urbano de pasajeros
es realizado cada vez más en automóvil,21
m ien t ra s s e a cen túa e l de te r i o ro e
insuficiencia del transporte colectivo público
o concesionado a actores privados, donde
aún dominan en muchos casos los medios de
transporte más irracionales o contaminantes
como los microbuses o pequeños autobuses
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 49
organizados precariamente en cooperativas o
asociaciones atrasadas. A pesar del desarrollo
reciente de sistemas como los metro-buses22
confinados y los trenes subterráneos o de
cercanía en algunas ciudades, públicos o
privados, de alto precio, el automóvil es
privilegiado por las políticas públicas mediante
la continua construcción de vialidades
confinadas o en segundo piso, distribuidores
viales, puentes y subterráneos, en muchos
casos realizados y/o administrados por el
capital privado nacional/extranjero, de cuota
y excluyentes, a partir de visiones pragmáticas
y realistas impregnadas por la ideología
neoliberal de la privatización de lo público.
Estas obras y sus efectos multiplicadores sobre
el uso del auto, impactan negativamente
sobre el funcionamiento del trasporte público,
se convierten en barreras de fragmentación
socio-territorial, y afectan la vida cotidiana del
sector mayoritario de la población.
Los peatones, en particular los niños,
mujeres embarazadas, discapacitados y
ancianos, son los grandes olvidados por las
políticas de movilidad, transporte y vialidad:
cada vez más tienen que enfrentar barreras
infranqueables como las vías rápidas y /o
confinadas, los segundos pisos y distribuidores
viales, los subterráneos y puentes o los
elevados y distantes puentes peatonales;
el automóvil, el artefacto más icónico del
capitalismo industrial del siglo XX (¿y XXI?)
es el dueño absoluto de la calle y la ciudad
(Márquez y Pradilla, 2007).
Los cambios en el patrón de estructuración urbana
En las grandes metrópolis y ciudades medias
en expansión, emerge una lógica diferente de
estructuración urbana basada en una trama
de corredores terciarios lineales, sobre grandes
ejes de vialidad y de flujos de personas y
mercancías, de diversa intensidad de actividad,
de densidad inmobiliaria y de área de
influencia, que sustituyen a las centralidades
ampliadas del período de la industrialización
y al poli centrismo de transición23 (Pradilla y
Pino, [2002] 2004; Pradilla, Moreno y Márquez,
2012a; Pradilla (coord.) y otros, 2012, cap. VI).
Las determinaciones de este cambio
estructural tenemos que encontrarlas en una
combinación compleja de factores, entre
ellos: el crecimiento poblacional y físico de las
ciudades que dispersa a la población en grandes
extensiones territoriales; las necesidades de
abasto comercial y de servicios en áreas cada
vez más alejadas de la antigua centralidad; la
respuesta privada y pública a este mercado de
bienes y servicios territorialmente localizado; la
libre circulación internacional de mercancías y
capitales; la multiplicación de formas terciarias
como centros comerciales, tiendas en cadena
y franquicias; las nuevas formas urbano-
arquitectónicas desarrolladas por el capital
inmobiliario-financiero nacional y trasnacional
que se ubican privilegiadamente en estos
corredores de flujos para apropiarse de las
ventajas de aglomeración que allí se forman y/o
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201450
contribuyen a formar; el dominio del automóvil
privado como medio de transporte urbano; y
las políticas promocionales públicas que los
consideran ámbitos de desarrollo económico
y urbano en la terciarización asumida como
vocación de las ciudades. Paradójicamente, los
corredores terciarios también se convierten en
lugares de concentración del comercio informal
en la vía pública cuando este es tolerado por
los gobiernos locales, complementando al
sector formal en el abasto de los compradores
pobres y los empleados formales de bajos
ingresos que no pueden acceder a lo vendido
por sus empleadores (Duhau y Giglia, 2008).
La desigualdad social en la apropiación de las nuevas tecnologías
La introducción de los nuevos productos y
procesos resultantes de la aplicación del
conocimiento científico y tecnológico, ha
sido muy desigual en los diversos sectores
de la actividad urbana: por ejemplo, es muy
importante en los campos de la comunicación
y trasmisión de la información24 o la salud,
menor pero notoria en el transporte, y muy
poco significativa en el suministro de agua
potable o la eliminación de desechos líquidos
y sólidos.
La apropiación social de estas nuevas
tecnologías es muy desigual, tanto en su acceso
como en su uso en los procesos productivos,
de acumulación de capital o de reproducción
social, de acuerdo a la ubicación de los sujetos
en la estructura de clases y de distribución
del ingreso. Excluyen a sectores productivos,
comerciales o de servicios como las micro y
pequeñas empresas, y en su adquisición y uso a
sectores mayoritarios de trabajadores urbanos
y acentúan la segregación socio-territorial.
Estas dos desigualdades implican que su
papel en la modificación de aspectos diversos
del funcionamiento estructural y de la vida
cotidiana urbana sea muy diferenciado y
desigual, lo que nos lleva a dejar de lado las
caracterizaciones generales, a veces propias
de un futurismo sin sustento, y analizar
en lo concreto, en nuestra realidad, sus
desigualdades y sus efectos específicos y
particulares.
La extinción de la planeación y la subordinación de las políticas urbanas al capital
En el patrón de acumulación con intervención
estatal, la planeación urbana indicativa gozaba
de legitimidad y contaba con los instrumentos,
limitados, que se derivaban del papel que tenía
el Estado en la arquitectura de la actividad
económica, social y política. Sin embargo, su
práctica real en el ordenamiento racional de
la construcción y re-construcción de lo urbano
fue limitada, insuficiente y con frecuencia
inadecuada para enfrentar el crecimiento
urbano acelerado resultante de la acción
individualizada, espontánea de los múltiples
actores urbanos.
Esa planeación no fue sistemática y
continua en el tiempo; no se aplicó en todos
los centros urbanos que la requerían; con
frecuencia fue realizada por agentes privados
(consultores o despachos de urbanismo)
sin conocimiento de las lógicas políticas y
sin capacidad de decisión; se pensó como
plan documento estático y no como proceso
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 51
permanente y dinámico; careció de una base
científica de análisis de la problemática a
resolver; cuando existió, se modificó cada
vez que cambiaba el gobierno por lo que
careció de continuidad; se subordinó a los
intereses de los sectores sociales hegemónicos
y del capital inmobiliario; no incluyo la
participación ciudadana como elemento
de validación y aceptación social; careció
de los instrumentos de acción suficientes y
adecuados a la problemática a enfrentar y a su
aplicación, particularmente ante las acciones
irregulares de los promotores inmobiliarios
para las clases medias y altas y los ocupantes y
autoconstructores del sector popular (Pradilla,
2009, pp. 201 y ss.).
En el patrón neoliberal de acumulación,
desapareció esta legitimidad ante la ideología
y la política dominaste: la desregulación de la
vida económica y social, el adelgazamiento
del Estado, su cambio de función de
interventor a facilitador de la acción privada,
la libre iniciativa y el libre mercado como
formas de funcionamiento de la economía
en el territorio, el fortalecimiento del capital
inmobiliario-financiero nacional y extranjero
en el marco del libre flujo internacional de
capitales, y el nuevo protagonismo del capital
privado (Pradilla, 2009, pp. 205 y ss.). Aunque
se mantenga la elaboración de planes de
desarrollo urbano por cuestiones legales25 o de
legitimación discursiva e ideológica, su eficacia
y operatividad se desvanece en el aire ante las
nuevas condiciones de operación del Estado
capitalista en el neoliberalismo.
De hecho, tanto en el intervencionismo
estatal como en el neoliberalismo, lo que ha
operado y opera son las políticas urbanas
entendidas como:
Todas aquellas acciones, prácticas o discursivas, que llevan a cabo los distintos poderes del Estado (Ejecutivo, Legislativo, Judicial, militar) en diferentes campos de la actividad económica, social, política, territorial, cultural, etcétera, que tienen efectos directos o indirectos, temporales o duraderos, sobre las estructuras y el funcionamiento de las ciudades. (Pradilla, 2009, p. 198)
Las políticas urbanas de los gobiernos
locales, poco diferenciadas en términos
de la ideología declarada de los partidos
gobernantes, se han hecho pragmáticas
y en ocasiones banales,26 responden a los
imperativos neoliberales, ideológicos o
reales, del libre mercado, la globalización, la
competitividad entre ciudades, la rentabilidad
del terr itorio, la vocación terciaria, la
conectividad, la movilidad, la gobernanza,
etc. En realidad, se someten a las razones
o dictados del capital y sus cabilderos: a la
privatización y la mercantilización creciente
de lo urbano, a la rentabilidad de los negocios
urbanos, al capital inmobiliario-financiero
como fracción dominante en la producción de
lo urbano y sus intervenciones, a los intereses
de las trasnacionales automotrices, etcétera,
aunque tengan que afectar más a los sectores
mayoritarios o, aún, a sectores medios y altos
en sus barrios y colonias.
Las dinámicas de los movimientos sociales en las metrópolis
A pesar de la agudización de las contradicciones
sociales urbanas, los movimientos urbanos
populares se han debilitado relativamente, muy
desigualmente en el tiempo y el territorio según
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201452
los países y ciudades, en lo que se refiere a sus
reivindicaciones históricas de tierra, vivienda
y servicios, bajo los impactos del cambio de
función del Estado, el clientelismo político sobre
todo de los partidos locales “de izquierda”, las
nuevas políticas asistencialistas de vivienda, o
la presencia y prácticas desmovilizadoras de
muchas ONGs; sin embargo, aparecen también
nuevas causas urbanas para su movilización
como la reivindicación del derecho a la ciudad,
o la defensa ante los mega-eventos y sus
impactos sobre la vivienda popular en Brasil en
los años 2012 y 2013.
La novedad actual es que la articulación
estrecha entre gobiernos locales y capital
inmobi l iar io -f inanciero, en los mega-
proyectos urbanos públicos y privados
(grandes conjuntos de usos múltiples y /o
cerrados, vialidades confinadas y elevadas,
inmuebles y complejos para los mega-eventos,
etc.) , o en las intervenciones privadas de
re-producción, renovación y verticalización
urbana, afecta crecientemente a sectores
medios y altos en sus lugares de vivienda y
ha llevado a la integración de estos sectores,
puntual y fragmentádamente, a movimientos
de oposición, a la vez, al capital inmobiliario
y a los gobiernos locales (para la ZMVM, ver
Pradilla, Moreno y Márquez, 2012b).
En el período, se han operado dos
desp lazamientos s ign i f i ca t i vos en la
reivindicación y la confrontación social
por razones urbanas o urbanizadas. En
primer lugar, la aparición de múltiples
movimientos interclasistas y/o sectoriales por
reivindicaciones y problemas nuevos como la
igualdad de género, la diversidad sexual, la
exclusión social, la ecología, la discapacidad,
la violencia urbana, etc. En segundo lugar,
el desplazamiento del discurso político, la
investigación y las prácticas sociales, de los
movimientos como procesos colectivos, hacia
la participación ciudadana, individualizada,
controlada y restringida por el Estado y sus
regulaciones, sin que este le otorgue un papel
decisorio en la gestión urbana, dominada
por burocracias políticas neoliberalizantes;
este desplazamiento busca debilitar a los
movimientos sociales clasistas, al tiempo
que evadir la toma de conciencia de una
participación que trasforme a la sociedad y
la ciudad.27
La violencia y la vida cotidiana en la ciudad
En las tres décadas transcurridas desde la
gran crisis económica de 1982, las ciudades
latinoamericanas se han hecho cada vez
más violentas, dando lugar a un imaginario
social del miedo, sobre todo urbano, al
reconocimiento social de “espacios” del
miedo28 y a modificaciones sustantivas de las
prácticas sociales cotidianas urbanas en función
de uno y otros: rutas de desplazamiento,
lugares de recreación, cierre de calles en áreas
de vivienda, multiplicación de inmuebles y
unidades de vivienda cerradas y amuralladas,
controles de policías privadas, uso de centros
comerciales en lugar de la calle y las plazas
públicas, etc. (Carrión, 2006).
Aunque no podemos caer en e l
simplismo lineal de asignar al neoliberalismo
como patrón de acumulación la causalidad del
fenómeno de la agudización de la violencia,
si podemos constatar que ella ha ocurrido en
este periodo.
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 53
Se habla de la globalización de la
delincuencia organizada en el narcotráfico,
el contrabando de armas y muchos otros
productos, el tráfico internacional de seres
humanos, el secuestro de personas, etc.,
actividades por naturaleza violentas como
lo ejemplifican los casos de Colombia en la
década del ochenta o México en la actualidad.
Su alta rentabilidad y la masa de dinero
que mueven las organizaciones criminales,
articuladas trasnacionalmente, les permiten
penetrar las estructuras políticas y estatales,
usar la corrupción y mediante ella gozar de
amplios márgenes de impunidad. El incremento
del desempleo, la multipl icación de la
informalidad, y la exacerbación de la pobreza,
en este período, nos permiten explicar por
qué, donde y como encuentran las mafias a
sus ejércitos de sicarios, como carne de cañón
sacrificable. Estas realidades nos explican
también la multiplicación de la delincuencia
incidental, espontánea, que se registra en las
calles de nuestras ciudades.
A manera de conclusión: lo nuevo y lo viejo, lo común y lo diferente en la lógica de estructuración urbana
Los países y ciudades de América Latina, se
estructuran y funcionan hoy, en términos
generales, siguiendo las determinaciones del
patrón neoliberal de acumulación de capital,
que tiene ya una edad de más de treinta años,
el cual ha determinado una nueva fase de
su historia. En ella, lo viejo, lo heredado del
pasado, se ha combinado y mutado con lo
nuevo, en una estructura compleja que suma
y potencia los problemas y contradicciones del
pasado y el presente, así como las prácticas
y políticas de los distintos actores según sus
intereses, divergentes u opuestos. Aunque
el patrón neoliberal de acumulación ya ha
mostrado sus deformaciones estructurales,29
no es aún posible predecir su sustitución por
otro, pues aún es sostenido por los países
hegemónicos y los empresarios trasnacionales,
grandes benef ic iar ios de su carácter
especulativo y expoliador.
Lo que se mantiene es el imperativo y las
determinaciones de las relaciones técnicas y
sociales del modo de producción capitalista, el
dominio y la explotación del trabajo asalariado
y otras clases dominadas, por el capital, como
la base de la acumulación de riqueza; y por lo
tanto, el carácter capitalista como lo general de
las formas urbanas en los sucesivos patrones
de estructuración.
L a s c i u d a d e s c a p i t a l i s t a s
latinoamericanas que también han asumido
diferentes estructuras y morfologías a lo largo de
su historia, adquieren ahora las características,
los rasgos generales del neoliberalismo. Sin
embargo, a pesar de que comparten estos
rasgos, no podemos confundirlas con las
ciudades de las sociedades de los países
hegemónicos en el mundo capitalista, porque
ellos son formaciones sociales concretas
diferentes, con historias distintas, y porque
ocupan una posición distinta, dominante, en la
cadena de depredación del mundo capitalista;
debemos, tenemos que explicarlas en su
particularidad social e histórica, sin caer en el
recurso fácil de utilizar las interpretaciones,
validas o no, que explicarían a las ciudades
del capitalismo avanzado, y menos aún las
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201454
mitologías neoliberales de moda, espuriamente
generalizadoras.
A lo largo de este texto, que se sustenta
en la investigación original desarrollada
po r muchos i nves t i gado res u rbanos
latinoamericanos, citados algunos, muchos
otros no debido a la dictadura del tiempo y
la extensión, hemos tratado solamente de
articular entre sí algunas de las formas y
procesos económicos, sociales, ideológicos
y territoriales, presentes en las realidades
urbanas latinoamericanas, resaltando tanto
sus rasgos comunes como sus particularidades
y sus diferencias con las formas y procesos
urbanos que se han desarrollado en los países
dominantes del capitalismo y, en algunos casos,
sus propias diferencias.
Los rasgos comunes a las diferentes
ciudades latinoamericanas nos permiten
construir una interpretación y teorización
macro-regional, mientras que las diferencias
nos remiten a las particularidades nacionales o,
aún, micro-regionales a su interior, resultantes
de las particularidades que diferencian a una
formación social de otras, y sus desiguales
grados y procesos de desarrollo.
Avanzar en una teorización válida para
las ciudades de América Latina, ha sido en el
pasado y lo seguirá siendo, un trabajo colectivo,
a veces anónimo, acumulativo y necesariamente
crítico, que no podemos desechar por motivos
de actualidad, precisamente porque lo viejo y
lo nuevo se combinan en la realidad y, también,
en su explicación. Es de lamentar y hay que
criticar que este esfuerzo latinoamericano sea
ignorado con demasiada frecuencia por los
investigadores de países desarrollados cuando
generalizan sus propias explicaciones al
mundo entero, por muchos de nuestros propios
investigadores, y por las grandes editoriales
de lengua castellana o portuguesa también
dominadas por el capital trasnacional.
Emilio Pradilla CobosUniversidad Autónoma Metropolitana – Unidad Xochimilco, División de Ciencias y Artes para el Diseño, Departamento de Teoría y Análisis. México DF, Mé[email protected]
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 55
Notas
(1) Entendemos por patrón de acumulación de capital, a la “arquitectura” que asumen los diferentes componentes estructurales de una formación social concreta en un período determinado y sus reglas de operación, para garan zar la reproducción simple o ampliada del capital. Estos patrones han cambiado, local y/o internacionalmente, en diferentes momentos de la historia del capitalismo, su desarrollo es desigual en diferentes formaciones sociales, y sus resultados y contradicciones también lo son.
(2) Como veremos más adelante, las formaciones sociales la noamericanas no han sido, ni son, pasivas en esta relación; sus estructuras y actores sociales han actuado de una forma u otra en ella.
(3) En los dis ntos grados de desarrollo determinados por la ubicación de la nación, la región y la ciudad en el patrón de acumulación vigente en ese momento.
(4) En aras del debate teórico, podríamos incluir a las teorías burguesas que, desde el punto de vista del capital y los capitalistas, explican su lógica y la de la explotación de la fuerza de trabajo, desde las clásicas hasta las neoliberales.
(5) Agregaríamos, en general, que la “modelización” de los procesos socio-territoriales es un ar fi cio metodológico espurio, acien fi co, para igualar, generalizar y eternizar estructuras y procesos que solo se constatan en casos par culares, históricamente datados.
(6) Todo mito ideológico se asienta sobre algunos hechos de la realidad que se sistematizan, se generalizan, se magnifican y se convierten en verdad única e incontestable que no hay que comprobar por que forma parte de la ideología social dominante, aceptada por todos independientemente de su lugar en la estructura económica, social o polí ca, formando parte de la falsa conciencia.
(7) Las llamadas economías emergentes, las del grupo BRIC, ejemplifi can esta diferenciación del desarrollo capitalista entre los países dominados o atrasados.
(8) La propiedad ejidal y la comunal de la tierra rural, restauradas en la Constitución de 1917, intransferibles e inalienables, se mantuvieron así hasta 1992 y tuvieron un papel fundamental en la forma que asumió el crecimiento urbano en el período 1940-1980.
(9) Aunque consideramos este concepto inconsistente teóricamente, no conocemos otro alterna vo, ni lo hemos construido, por lo que lo usamos a regañadientes.
(10) “Entendemos la ciudad-región como un gran sistema urbano uni o mul -céntrico, como una trama densa pero no necesariamente con nua, de soportes materiales de infraestructuras y servicios, viviendas, ac vidades económicas, polí cas, culturales, administra vas y de ges ón, resultante de la expansión centrífuga de una o varias ciudades o metrópolis cercanas, que ar cula y/o absorbe a otros asentamientos humanos en su periferia o a lo largo de las vialidades y transportes que los unen y a las áreas rurales inters ciales; este conjunto está integrado como un todo único pero contradictorio, por una alta intensidad de relaciones y fl ujos permanentes de mercancías, personas, capitales, mensajes e informaciones; en esta trama, la localización de ac vidades es rela vamente indiferente en la medida que sus lugares comparten los efectos ú les de aglomeración y las ventajas compara vas” (Pradilla, [1998] 2009, p. 263)
(11) El libro de Samuel Jaramillo desarrolla en forma sistemá ca, rigurosa y precisa el funcionamiento de las rentas del suelo agrario, su transformación en rentas urbanas y las formas que asumen estas en la ciudad capitalista de hoy, y en par cular en la ciudad la noamericana.
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201456
(12) Por ejemplo, en la legislación que defi ne al subsuelo, a las corrientes de agua, o a determinadas erras como propiedad de la nación.
(13) La larga duración del proceso construc vo de los inmuebles derivada de su ubicación en un si o determinado, como proceso de ensamblaje y el bajo desarrollo de las fuerzas produc vas en el sector; y el largo período de recuperación del precio de producción del inmueble por su alto costo, lo que implica la presencia de un agente fi nanciero diferente al promotor inmobiliario: la banca hipotecaria (Pradilla, 2012).
(14) Ver el conjunto de trabajos sobre São Paulo, Buenos Aires, Ciudad de México, San ago de Chile y otras ciudades la noamericanas incluido en la compilación de Pereira (2011).
(15) Entregado periódicamente en dinero al trabajador por el empleador.
(16) Recibido por el trabajador mediante los servicios públicos estatales subsidiados: agua, energía, transporte, educación, salud, etc.
(17) Recibido como prestación social o derecho cuando las condiciones del trabajador lo exigen o permiten, como vivienda, salud, servicios funerarios, etc.
(18) La intensidad en su aplicación fue mucho mayor en las décadas de los 80 y 90, cuando se aplicaron simultánea e intensivamente en todos los países, con frecuencia por gobiernos dictatoriales; disminuyó su intensidad en la primera década del siglo XXI en algunos países gracias en parte a la presencia de gobiernos democrá cos y/o de izquierda, discursivamente an neoliberales.
(19) Sobre este tema, en lo teórico y factual, ver el trabajo de Francisco Saba ni (2003).
(20) Para el caso de la ZMVM, ver: Rubalcava y Schteingart (2012) y Pradilla (coord.) (2013).
(21) Una mayoría de automóviles privados subu lizados satura las vialidades y el tránsito, circulando o estacionados, pero transporta a una minoría de los viajeros urbanos.
(22) En cada ciudad, iniciando en Curi ba, Brasil, se le ha dado una denominación dis nta a este sistema.
(23) Hemos llevado a cabo trabajos empíricos sobre la Zona Metropolitana del Valle de México y observaciones sobre otras ciudades mexicanas que confi rman nuestra hipótesis; también los recorridos realizados en algunas metrópolis latinoamericanas nos sugieren que ocurre algo similar en estadios diferentes de desarrollo, para las que habría que llevar a cabo estudios empíricos para confi rmarlo.
(24) No compartimos las versiones teórico-analíticas que asignan al cambio tecnológico en la informá ca un papel central en la organización social en su conjunto y en la ciudad (modo de producción informacional, sociedad de la información, ciudad imformacional, cibercity, etc.) por considerarlas teóricamente insustentables, no coincidentes con lo real, y preñadas de determinismo tecnológico.
(25) En México, por ejemplo, se man ene vigente la Ley de Planeación Democrá ca aprobada en 1983, cuando se iniciaban las reformas neoliberales que la harían ineficaz, la cual contiene la obligación de cada nuevo gobierno Federal, Estatal o Municipal de elaborar Programas Generales de Desarrollo y de Desarrollo Urbano.
(26) Poco signifi ca vas en relación con los problemas socio-territoriales a enfrentar, o simplemente resultantes de las modas o mitos del la modernización neoliberal.
(27) Sobre estos temas, es muy signifi ca vo y ú l el trabajo crí co de Sergio Tamayo (2010).
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 57
(28) Ciudades enteras consideradas violentas, incluidas en rankings mundiales, como Ciudad Juárez o Monterrey en México, o ámbitos territoriales como los Centros Históricos en general, las favelas en las ciudades brasileñas, Tepito o partes de la Delegación Iztapalapa en la ciudad de México, el bronx bogotano, por ejemplo.
(29) La generalizada y profunda recesión económica de 2008-2009, aún no superada, es una muestra de estas deformaciones estructurales y, también, de cómo se cargaron sus costos a todos los ciudadanos a través de los “rescates” gubernamentales de grandes bancos, fondos de inversión, monopolios industriales trasnacionales, y empresarios de naciones enteras, como Grecia y otros (Rozo, 2010).
Referencias
ABRAMO, P. (2011). “O mercado de solo informal em favelas e a mobilidade residencial dos pobres nas grandes ciudades brasileiras: notas para delimitar um objeto de estudo”. In: NATAL, J. (org.). Território e planejamento. Rio de Janeiro/IPPUR, URFR, UFRJ/Letra Capital.
CALDERON COCKBURN, J. (2006). Mercado de erras urbanas, propiedad y pobreza. Lima, Peru, Lincoln Ins tute of Land Policy, Sinco Editores.
CARRIÓN MENA, F. (2006). La inseguridad en la ciudad: hacia una comprensión de la producción social del miedo. EURE, n. 97. San ago, Chile.
CASTELLS, M. (1973). “La urbanización dependiente en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América La na. Barcelona, Espanha, Gustavo Gilli.
CASTRO, J.; COULOMB, R.; LEÓN, P. e PUEBLA, C. (2006). “Los desarrolladores y la vivienda de interés social”. In: COULOMB, R. e SCHTEINGART, M. (coords.). Entre el Estado y el mercado. La vivienda en el México de hoy. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Azcapotzalco y Miguel Ángel Porrúa.
COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE (CEPAL) (2004). Una década de desarrollo social en América La na 1990-1999. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas.
______ (2013). Estudio económico de América La na y el Caribe 2013. San ago de Chile, Organización de las Naciones Unidas.
DEMATTEIS, G. (1998). “Suburbanización y peri urbanización. Ciudades anglosajonas y ciudades la nas”. In: MONCLUS, F. J. (ed.). La ciudad dispersa. Suburbanización y nuevas periferias. Espanha, Centre de Cultura Contemporánea de Barcelona.
DUHAU, E. (1998). Habitat popular y polí ca urbana. México DF/México, Miguel Ángel Porrúa y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco.
______ (2008). Los nuevos productores del espacio habitable. Ciudades, n. 79. México DF/México, Red Nacional de Inves gación Urbana.
DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del (des)orden: habitar la metrópoli. México DF/México, Siglo XXI y Universidad Autónoma Metropolitana-Azcapotzalco.
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201458
EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e ESCOBEDO, C. G. (coords.) (2009). Estudio de la integración urbana y social en la expansión reciente de las ciudades en México, 1996-2006: dimensión, caracterís cas y soluciones. México DF/México, Cámara de Diputados/Sedesol/UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.
EIBENSCHUTZ HARTMAN, R. e BENLLIURE B. P. (coords.) (2009). Mercado formal e informal de suelo. Análisis de ocho ciudades. México DF/México, UAM-Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.
FERREIRA, J. S. W. (coord.) (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafi os para um novo Brasil urbano. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.
GUILLÉN ROMO, H. (1997). La contrarrevolución neoliberal. México, Era.
HARVEY, D. [1973] (1978). Urbanismo y desigualdad social. Madri, Siglo XXI.
______ [1982] (1990). Los límites del capitalismo y la teoría marxista. México, Fondo de Cultura Económica.
______ [2000] (2003). Espacios de esperanza. Madri, Akal.
JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (2009). Hacia una teoría de la renta del suelo urbano. Bogotá, Universidad de los Andes.
KALMANOVITZ, S. (1977). Ensayos sobre el desarrollo del capitalismo dependiente. Bogotá, Pluma.
______ (1982). Cues ones de método en la teoría del desarrollo. Comercio Exterior, v. 32, n. 5. México, Bancomext.
MÁRQUEZ LÓPEZ, L. e COBOS, E. P. (2004). Estancamiento económico, desindustrialización y terciarización informal en la Ciudad de México, 1980-2003, y potencial de cambio. Inves gación y Diseño, n. 1. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.
______ (2007). Ciudad de México: el automóvil contra el transporte público. Inves gación y Diseño, n. 4. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.
______ (2008). Desindustrialización, terciarización y estructura metropolitana: un debate conceptual necesario. Cuadernos del CENDES, n. 69. Caracas, Universidad Central de Venezuela.
MARX, K. [1857-1858] (1972). Elementos fundamentales para la crí ca de la economía polí ca. Borrador, v. 2. Buenos Aires, Siglo XXI.
______ [1867] (1975). El Capital. México, Siglo XXI.
PEREIRA, P. C. X. (org.) (2011). Negócios inmobiliários e transformaciones sócio-territoriais em ciudades da América La na. São Paulo, Universidade de São Paulo.
POLANYI, K. [1957] (2001). La gran transformación. Los orígenes polí cos y económicos de nuestro empo. México, Siglo XXI.
PORTES, A. e ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado”. In: PORTES, A.; ROBERTS, B. R. e GRIMSON, A. (eds.). Ciudades la noamericanas. Un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.
La ciudad capitalista en el patrón neoliberal de acumulación en América Latina
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 2014 59
PRADILLA COBOS, E. (1981). Desarrollo capitalista dependiente y proceso de urbanización en América La na. Revista Interamericana de Planifi cación, v. XV, n. 57. México, Sociedad Interamericana de Planifi cación.
______ (1984). Contribución a la crí ca de la teoría urbana. Del espacio a la crisis urbana. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.
______ (2009). Los territorios del neoliberalismo en América La na. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.
______ (2010a). Mundialización neoliberal, cambios urbanos y polí cas estatales en América La na. Cadernos Metrópole, n. 24. São Paulo, Educ.
______ (2010b). Teorías y polí cas urbanas: ¿Libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo.
______ (2011). “Zona Metropolitana del Valle de México: una ciudad baja, dispersa, porosa y de poca densidad”. In: COBOS, E. P. (comp.). Ciudades compactas, dispersas, fragmentadas. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco/Miguel Ángel Porrúa.
______ (2012). Formas produc vas, fracciones del capital y re-construcción urbana en América La na. México, Universidad Autónoma Metropolitana.
PRADILLA COBOS, E. e HIDALGO, R. A. P. [2002] (2004). Ciudad de México: de la centralidad a la red de corredores urbanos. Anuario de Espacios Urbanos. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Gernika.
PRADILLA COBOS, E.; GALVÁN, F. M. e LÓPEZ, L. M. (2012a). ”Cambios económicos y morfológicos en la Zona Metropolitana del Valle de México”. In: DUHAU, E. (ed.). Ciudad de México: la construcción permanente de la metrópoli. Quito, Olacchi.
______ (2012b). “Changements économiques, sociaux et mor ologiques dans la zone métropolitaine de la Valée de Mexico (1980-2010)”. In: TELLIER, L-N. e VAINER, C. (comps.). Métropoles des Ameriques en muta on. Quebec, Presses de l´Université de Quebec.
PRADILLA COBOS, E. (coord.), CARPYNTEIRO, C. C.; FLÓREZ, L. O. D.; DIEGO, C. H.; CHAPA, F. G. N.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P.; SANTIAGO DE LA CRUZ, C. e RÍOS, C. V. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios demográficos, económicos y morfológicos. México, Proyecto Conacyt-UAM parte I, inédito.
PRADILLA COBOS, E. (coord.), MEJÍA, H. B.; FLORES, L. O. D.; DIEGO, C. H.; ROBLES, F. F. M.; GALVÁN, F. DE J. M.; HIDALGO, R. A. P. e SANTIAGO DE LA CRUZ, C. Zona Metropolitana del Valle de México: cambios sociales. México, Proyecto Conacyt-UAM parte II, inédito.
PUEBLA, C. (2002). Del intervencionismo estatal a las estrategias facilitadoras. Cambios en la polí ca de vivienda en México. México, El Colegio de México.
RAMÍREZ VELÁZQUEZ, B. R. e COBOS, E. P. (comps.) (2013). Teorías sobre la ciudad en América La na.México, Universidad Autónoma Metropolitana.
ROZO, C. A. (2010). Caos en el capitalismo fi nanciero global. México, Océano/Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Xochimilco.
Emilio Pradilla Cobos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 37-60, jun 201460
RUBALCAVA, R. M. e SCHTEINGART, M. (2012). Ciudades divididas. Desigualdad y segregación social en México. México, El Colegio de México.
SABATINI, F. (2003). La segregación social del espacio en las ciudades de América La na. Washington, Banco Interamericano de Desarrollo.
SALAMA, P. (2012a). Globalización comercial: desindustrialización prematura en América La na e industrialización en Asia. Comercio Exterior, v. 62, n. 6. México, Bancomext.
______ (2012b). ¿Cambios en la distribución del ingreso en las economías de América La na? Foro Internacional 209, LII.
SINGER, P. (1973). “Urbanización, dependencia y marginalidad en América La na”. In: CASTELLS, M. (comp.). Imperialismo y urbanización en América La na. Barcelona, Gustavo Gilli.
TAMAYO, S. (2010). Crí ca de la ciudadanía. México, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Azcapotzalco/Siglo XXI.
TOKMAN, V. R. (2007). Informalidad, inseguridad y cohesión social en América La na. San ago de Chile, Cepal.
VALENZUELA FEIJOO, J. (1991). Crí ca del modelo neoliberal. México, Facultad de Economía, UNAM.
WALLERSTEIN, I. [1983] (1988). El capitalismo histórico. México, Siglo XXI.
Texto recebido em 31/out/2013Texto aprovado em 20/nov/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014
Las palabras y las cosasen la ciudad latinoamericana.Obstáculos epistemológicos
en políticas urbanas argentinas*
Words and things in the Latin American city.Epistemological obstacles in Argentinean urban policies
Ana NúñezJorge Roze
ResumenEl artículo invita al debate sobre los procesos
de producción de saberes, teorías y marcos
conceptuales que operaron y operan en el
conocimiento sobre la ciudad latinoamericana,
junto a la formulación de políticas urbanas. Nos
adentramos, fundamentalmente, en la constitución
de las categorías dominantes que operan en la
refl exión, y la construcción de pseudonecesidades
como políticas urbanas. Abordamos la revisión de
las bases epistemológicas de este pensamiento,
hac iendo obser vable sus l imitac iones , y
proponemos un retorno a un conjunto de
refl exiones, presentes en las investigaciones que
venimos desarrollando desde fines de la década
de 1980, ancladas empíricamente en dos ciudades
intermedias argentinas.
Palabras claves: procesos de conocimiento;
obstáculos epistemológicos; estilos investigativos;
fetichismos; políticas urbanas.
AbstractWe propose a discussion about the processes of production of knowledge, theories and conceptual frameworks that have operated and will operate in the construction of knowledge about Latin American cities, together with the formulation of urban policies. We focus on the constitution of the dominant categories that influence the reflection and construction of pseudo-needs as urban policies. We approach the revision of the epistemological foundations of this thought, carefully observing their limitations, and propose a return to a set of reflections present in the research that we have been developing since the late 1980s in medium-sized cities in Argentina.
Keywords: knowledge process; epistemological obstacles; investigative st yles; fetishism ; urban policies.
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201462
Introducción
“El pensamiento surge desde el lugar dondese halla el cuerpo: acomodado, o en conflicto”.
Eduardo Rosenzvaig (2004, p. 175)
Este texto plantea una invitación a debatir
sobre los procesos de producción de saberes,
teorías y marcos conceptuales que operaron
y operan en el conocimiento de las ciudades
latinoamericanas, en general, junto a la
formulación de políticas urbanas en dos
ciudades intermedias argentinas, en particular.
Nos adentramos en aspectos particulares de
esas teorías. Uno de ellos, vinculado con el
dominio de los estudios sobre las metrópolis,
donde los problemas urbanos son tratados
como problemas metropolitanos. Otro, sobre
la constitución de las categorías dominantes
que operan en la reflexión, construcción de
pseudonecesidades como políticas urbanas,
y la fetichización de los sujetos operantes. Es
decir, su constitución en un sentido común
que tiñe linealmente el pensamiento de los
investigadores de la ciencia “normal” y sus
derivados, y su emergencia como políticas
públicas.
Para ello, abordamos en la primera
parte la revisión de las bases epistemológicas
de este pensamiento, haciendo observable
sus limitaciones, y proponemos un retorno a
un conjunto de reflexiones, presentes en las
investigaciones que venimos desarrollando
desde fines de la década de 1980. Estas
reflexiones emergen a partir de invertir y abrir
el problema investigativo y sus categorías, que
han operado hegemónicamente en la literatura
especializada.
A los efectos de ejemplificar la brecha
entre teorías y realidad de la investigación
que denominamos como “normal”, en la
segunda parte ponemos en movimiento dichas
categorías a partir de su anclaje empírico
en dos políticas urbanas, desenvueltas en
dos ciudades intermedias argentinas. La
selección de dichas políticas, las luchas por
y con el agua y el saneamiento, en Mar del
Plata, y la construcción de defensas, en torno
a las inundaciones, en Resistencia,1 tiene su
fundamento no sólo en la potencialidad de
su matriz teórico-metodológica y empírica
para sostener nuestros argumentos, y pensar
las políticas urbanas, sino que han sido
reconstruidas históricamente por los autores
de este texto, pues atraviesan axialmente las
condiciones de vida de nuestras sociedades. Por
último, recuperar su historicidad, en términos
de mediciones cruciales, torna observables
otros procesos explicativos de lo que se
denomina “política urbana”, soslayados por la
bibliografía latinoamericana, en general.
Apertura del problema2
Como planteáramos en un trabajo anterior
(Núñez y Roze, 2011), dos estilos de búsquedas
de explicación de la realidad parecen dibujarse
en el ámbito académico argentino, donde
constituyen y son constitutivos tanto de lo
que podríamos denominar el ámbito del
descubrimiento, conocimiento, saberes, así
como de las trayectorias, o, mejor dicho, las
carreras profesionales en lo que se denomina
“la investigación”, con éxitos disímiles entre
los que se inscriben en uno u otro camino.
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 63
Caracterizaremos como “investigación
normal” por su carác ter ex tendido y
dominante, aquella que se produce y reproduce
en las estructuras fuertemente formalizadas,
donde conceptos y teorías aplicables a las
realidades locales tienen, en general, su origen
en lo que se puede denominar los maestros de
las disciplinas, mayoritariamente provenientes
de los caracterizados como centros de
excelencia del saber: universidades y centros
de investigación dominantemente americanos
y europeos estrechamente vinculados con las
grandes editoriales que alimentan sin crítica
los saberes de nuestros maestros locales y el
conjunto de discípulos sostenidos con becas
de las agencias, universidades, fondos de
programas.
Esta investigación normal, consume la
casi totalidad de los fondos para investigación
y formación, en tanto los miembros de las
Comisiones Evaluadoras son tributarios de
este estilo de investigación donde el éxito de
las propuestas está asegurado por las líneas
trazadas en el largo proceso de colonización –
que podríamos caracterizar como horizontal –,
al interior de las disciplinas en Argentina.
Al otro estilo de búsqueda de explicación
de la realidad lo denominaremos como de
“crítica conceptual”, compuesto por un
conjunto de herejes que intentamos desafiar
esos saberes estructurados, lo que nos lleva a
la búsqueda de nuevas explicaciones a través
de métodos, instrumentos, marcos teóricos y
conceptuales. En general, el punto de partida
es la crítica de los saberes operativos en
el conjunto de la sociedad y la convicción,
además, que esos saberes actúan como
obstáculos epistemológicos en la posibilidad de
una explicación acorde con las condiciones de
existencia de nuestras poblaciones operantes
en nuestras sociedades.
En el ámbito de la práctica social, los
saberes, en distintos niveles de estatalidad,
definen líneas de acción a través de programas,
planes, políticas, que afectan de forma directa
las condiciones de vida – y la vida misma – de
grandes grupos de población. Los saberes del
hacer de los funcionarios, siempre derivados de
la investigación normal, es decir, de las teorías
de las verdades indiscutidas, se transforman
de un simple juego ético en la práctica
profesional a dar curso y reproducir las formas
más inhumanas devenidas de un orden social
esencialmente injusto.
Empero, en ambos estilos investigativos
hay que añadir ciertas prácticas bamboleantes
entre uno y otro, según convenga a los
comisarios del saber. Estos teóricos olvidan la
riqueza inagotable de la realidad; y olvidan que
toda cosa es una totalidad de momentos y de
movimientos que se envuelven profundamente,
y cada uno de los cuales contiene otros
momentos, otros aspectos, otros elementos
provenientes de su historia y de sus relaciones.
Todo lo que proclama la superioridad de
una parte sobre la totalidad proviene de la
alienación y de sus formas modernas (Lefebvre,
1971, 2011).
La literatura académica hegemónica, en
Argentina particularmente, y la investigación
de base que la sustenta, independientemente
de las d ist intas per spec t ivas teór ico -
m e t o d o l ó g i c a s , a r t i c u l a o b s t á c u l o s
epistemológicos (Bachelard, 1987) que
cercan un saber cosif icado centrado en
f ic t ic ias d icotomías ( centro / per i fer ia ;
legal /ilegal; formal /informal; propietario /
ocupante; público/privado) que, al mantener
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201464
como inobservable la génesis social del
problema, redunda en la materialización
fetichista de políticas reproductoras de la
desigualdad social (Núñez, 2007, 2011, 2012;
Roze, 2003).
En otros términos, se ha ido aludiendo,
implícita o explícitamente, a un patrón espacial
“centro-periferia”, signado por un gradiente
decreciente en las condiciones sociales, urbanas
y de la intervención del Estado en medios de
consumo social, proceso que se subsumió y
denominó, junto al de la autoproducción de
viviendas, como urbanización de la pobreza,
sin suturar el hiato entre teoría social y espacio
material (Roze, 1995).
Se trató, en la casi totalidad de los
estudios urbanos latinoamericanos, de una
ficción homogeneizante de sujetos desposeídos
que viene promoviendo modelos acríticamente
replicados de políticas desenraizadas de
las prácticas sociales (Núñez, 2012). Esta
naturalización y manera hegemónica de
abordar el problema, ha permanecido hasta
la actualidad y es realimentada por los
organismos y las agencias internacionales,
tiñendo los diagnósticos y justificando acciones
que reproducen la desigualdad.
En ese contexto, del análisis de la
literatura académica, independientemente
de los momentos por los que atravesó y qué
dimensiones se jerarquizaron, las distintas
perspectivas pueden vincularse, en general,
a partir de: a) un abordaje fragmentado y
sesgado; b) una matriz analítica espacio-
temporal decreciente centro-periferia en
las inversiones (o ausencias) del Estado, a
su vez reificado,3 en medios de consumo
social; y c) los determinismos predominantes
muestran la resultante, en la que las fuerzas
han desaparecido, se han cosif icado y
transformado en inobservables, es decir, donde
la tregua establecida por los sujetos aparece
como el sistema institucional de ese momento:
el orden, y, por ende, la política urbana como
un producto de actores sociales previamente
constituidos (mercado, Estado, empresas...),
naturalizándola en apariencias fetichizadas
(Cfr. Pírez, 1995; 2013). En otras palabras, y
siguiendo a Elías (1982), se abandonaron las
preocupaciones teóricas por el estudio de los
procesos, tratando a los objetos sociológicos
como entidades cerradas e independientes
entre sí, omitiendo la conceptualización de las
acciones y las relaciones sociales que vinculan
dichos objetos, sólo sentidas en trabajos
de campo de tipo etnográfico y análisis
documentales, de largo aliento (Núñez,
1994, 2000, 2012). Siguiendo a Pradilla
(2010, pp. 9-10), las visiones y políticas
importadas y fragmentadas disciplinarmente,
ha llevado a los investigadores a acuñar y
reproducir conceptos (ciudad global, ciudad
informacional, ciudad dual, ciudad estallada,
etc.), que se generalizan y se reproducen
acríticamente en cualquier parte del mundo,
referenciando en forma espuria, en nombre
de la globalización, homogeneizando procesos
sociales e ignorando las particularidades
socio-territoriales, escamoteando el análisis
de la totalidad social como articuladora de la
segregación y la fragmentación, sin dar cuenta
de sus causas estructurales (Pradilla, 2010, pp.
16-17; Núñez, 2000; 2012).
En s íntes i s, nuest ra c r í t i ca a la
construcción dominante del problema que
nos ocupa refiere a tres dimensiones: 1) una
visión tecno-burocrática que constriñe los ejes
del debate a la naturalización de la escasez,
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 65
conduciendo la reflexión a la hegemonía de
las obras; a materializar objetos, manteniendo
la génesis del problema como inobservable
(Cfr. Herzer, Pírez, et al., 1994); 2) aun los que
propugnan observar los aspectos socio-políticos
del problema, construyen la identidad social
del demandante (Castro, 1999), perdiendo de
vista que, por un lado, no siempre y no toda
carencia material se transforma en demanda
social (por qué y cómo, nos preguntaríamos),
y, por otro, que la demanda y la apropiación
de las respuestas a esa demanda es una de
las formas en que la rutina burocrática, que
descansa omnipotente e infinita sobre la
propiedad parcelaria, dirá Marx (1998, p. 120),
diluye, fragmenta y dispersa de esa manera la
lucha social (Holloway, 1994; Lefebvre, 1972,
1976); y 3) a la ausencia del análisis sobre cuál
es el contenido de la expresión de una lucha de
clases como lucha política, económica y teórica
(Marín, 1996).
En todo caso, la pregunta debería
reformularse en términos de qué respuestas, a
qué demandas y de quién y dónde, para poder
desentrañar los mecanismos institucionales
que operan en la construcción y ordenación
normativa de lo que “debe demandarse”.
Concretamente, la desnaturalización de la
demanda conlleva a no considerarla sólo
un derecho,4 sino una condición esencial
del funcionamiento de las instituciones y su
burocracia (Holloway, 1994).
Sucintamente, el problema ha quedado
encerrado en una naturalización y poco feliz
esquematización que lo fractura en políticas,
enraizadas en arreglos formales, y necesidades,
enraizadas en arreglos informales (Cfr. Pírez,
2013), perdiendo de vista que todo límite, toda
frontera es una relación social.
Se trata de reorientar la observación
sobre el movimiento de la sociedad, para tornar
observable que aquella ficción homogeneizante
oculta un proceso previo de expropiación,
por lo que debería hablarse de miserias de la
urbanización (Núñez, 2012).
En efecto, ¿Cómo comprender, si no, el
crecimiento en profundidad y extensión de los
denominados asentamientos precarios, que en
la ciudad de Mar del Plata superan los 200?
¿Cómo explicar que la tasa de crecimiento de
la población que habita en esa forma social de
extrema pobreza denominadas villas creció a
un ritmo más de cuatro veces superior a la tasa
de crecimiento de la población total? Avances
de actuales investigaciones en distintas
ciudades (Núñez y Ciuffolini, 2011), muestran
que un alto porcentaje de los adjudicatarios
de viviendas sociales no reside en ellas porque
se han vendido hasta cuatro veces, y han
retornado a otro asentamiento; un 48% de
los hogares continúa sufriendo hacinamiento
personal, un 24% padece hacinamiento
familiar, se abandona el trabajo por los costos
sociales y económicos que implica el traslado,
pérdida de fuentes de ingreso, se producen
rupturas de relaciones sociales y construcción
de otras nuevas, muchas veces bajo la forma
de conflictos de vección horizontal, cambios
en los compor tamientos demográf icos,
entre otras transformaciones. Es decir, las
cifras e indicadores socio-habitacionales por
todos conocidos, sólo reflejan este proceso
expropiatorio. Se trata de conocer la génesis
de los procesos que las generan, oculta bajo su
naturalización.
Pero argumentemos más detenidamente
nuestra exposición. A mediados de la década
de 1970, concomitantemente con la crisis
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201466
del modelo de acumulación fordista, se
produjo una ruptura epistemológica en los
estudios urbanos, a partir de la aplicación
de análisis basados en diferentes enfoques
del materialismo histórico. En ese marco, el
espacio urbano se consideraba un componente
de la producción y reproducción de las
relaciones sociales capitalistas (Lefebvre,
1969, 1972, 1976); de las dinámicas más
generales de la acumulación (Lojkine, 1979);
y el locus de la reproducción de la fuerza de
trabajo (Castells, 1978),5 siendo la renta del
suelo la categoría explicativa de los diferentes
costos de reproducción y de la división social
del espacio (Lipietz, 1979; Topalov, 1979;
Yujnovsky, 1984).
A s í , l o s e s t u d i o s u r b a n o s
latinoamericanos, en general, de la década de
1970 y comienzos de la de 1980, inscriptos en la
corriente francesa de la sociología, movilizaron
mecanismos estructurales y de naturaleza
económica para explicar la conformación
de la ciudad y las políticas urbanas, ya sea
asociándolos al modo de producción o al
comportamiento económico de los agentes
sociales (Marques, 1997).6 A lo largo de la
década de 1980, esos determinismos fueron
reemplazados por otros de nivel micro,
basados principalmente en los actores y los
movimientos sociales (Castells, 1988).7
En ambos casos, coincidimos con el
análisis de Marques (1997) en que el punto
ciego de la literatura fue el análisis del Estado,
en toda su complejidad, y, por ello, las políticas
urbanas eran explicadas como un producto
de procesos externos a él, predeterminadas
por las necesidades de reproducción del
sistema capitalista, basando las reflexiones,
primero, en los procesos localizados del lado
de la oferta y, posteriormente, del lado de
la demanda, reificando, en ambos casos, el
producto, el Estado y el mercado.
A partir de la década de 1990, las
políticas de ajuste neoconservador, bajo
denominaciones como la mercantilización
del consumo, la desregulación del mercado,
la privatización de los servicios, la reforma
del Estado y la descentralización, entre otros
procesos, colocaron los problemas urbanos
de manera muy diferente a las dos décadas
anteriores, y reinsertaron como principal
tema de investigación en las ciencias sociales,
la problemática del Estado, que había sido
desplazada en la década de 1980 por estudios
sobre la democracia y la sociedad civil.
Sin embargo, y coincidiendo con Oszlak
(1997), buena parte de esa literatura ha
omitido aspectos significativos, al evaluar
procesos de reforma sobre modelos de Estado
deseables (Cfr. Herzer, et al., 1994).
A s i m i s m o , l o s p r o g r a m a s d e
modernización del Estado y descentralización,
preconizados e impulsados por los organismos
multilaterales de crédito, a través incluso de
cursos de gestión urbana impartidos a través
del mundo (Stren, 2001, p. 10), y aceptados
e implementados por nuestros académicos y
gobiernos de la región, se alimentaron de dos
procesos: 1) la revalorización del municipio;
y 2) las privatizaciones.8 Concretamente,
“Ciudades y municipios son la base de
la estructura polít ica de cualquier país
democrático” (Freire, 2001, p. xx); “En algunos
aspectos importantes, un gobierno local es
análogo a un negocio. Proporciona servicios
a sus clientes, los residentes. A su vez, los
residentes deben pagar por los servicios
que reciben” (Bird, 2001, p. 164), o “...el
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 67
lenguaje de ´reinventar el gobierno´, y aplicar
las experiencias y cultura del sector privado al
gobierno local (...)comenzó a tener coherencia
(...)los administradores locales (con el apoyo
de agencias internacionales tales como el
Programa de Administración Urbana, UNCHS,
UNDP y el Banco Mundial) comenzaron a
llamarse “administradores urbanos” (Stren,
2001, p. 188).
En ese contexto, la política urbana y
el Estado van a reaparecer, en los estudios
urbanos, pero acríticamente naturalizados
bajo el término de gestión,9 especialmente
de los medios de consumo colectivo,10
y la globalización (Pradilla Cobos, 2009,
2010), abonando lo que hemos dado en
llamar las miserias de la urbanización, a los
efectos de conceptualizar la imbricación de
la mercantilización política, económica y
teórica, a la vez que problematizar, en una
irónica inversión, la construcción de la tesis
hegemónica de urbanización de la pobreza
(Núñez, 2007, 2012).
Precisamente, las perspectivas del estudio
de las ciudades – asumiendo que las usinas
del pensamiento dominante en los ámbitos
académicos latinoamericanos se importan
de los centros de saber de las metrópolis –,
refieren al dominio de la reflexión sobre las
metrópolis latinoamericanas, donde, al calco
de los estudios de las ciudades globales, dejan
de lado el conjunto de ciudades de porte medio
que alojan, en general, la mayor parte de la
población de América Latina. Resulta imposible
explicar – con las conceptualizaciones e
instrumentos de análisis con que se enfocan
los problemas metropolitanos –, los fenómenos
que impactan, configuran y estructuran las
ciudades intermedias latinoamericanas,
producto de la aplicación de los planes y
proyectos de las políticas neoliberales. No
se trata de lo mismo a otra escala, sino de
problemas y fenómenos propios del tipo de
configuración que la relación de la ciudad con
su entorno, así como la dinámica de las clases
populares, determina.
La ciudad informacional, los barrios
cerrados de las burguesías aterrorizadas por
la sociedad que están creando, los shoppings,
ciudades mundiales, las megaciudades, los
archipiélagos urbanos... nos entretienen en
juegos de nuevas palabras, para mirar una
ciudad sin detenernos en los sujetos. En
palabras de Balvé y Balvé (2005, p. 128),
“el fetichismo de los cuerpos y las cosas
organizadas en instituciones corporizadas, sean
éstas sindicatos o movilizaciones, se convierte
en un obstáculo epistemológico en el proceso
de conocimiento de la realidad”.
La ciudad, ámbito de enfrentamientos,
lugar de relaciones, espacio de conflictos,
alianzas, estrategias de supervivencia, se ha
convertido en lugar describible en una práctica
de entomólogos. Como los “no lugares” la “no
ciudad”.
Esa no c iudad es la c iudad s in
multitudes. Es la ciudad que el pensamiento
posmoderno funda y refunda todos los días en
sus ilusiones de una sociedad sin trabajo, sin
masas, sin clases, sin sujetos. Nuestra ciudad
latinoamericana es la antítesis, y entenderla es
nuestro rumbo.
N u e v o s f e n ó m e n o s , s o n l o s
emprendedores en Pymes11 que se expresan
en le retorno al paisaje urbano de vehículos
de tracción a sangre, particularmente carros
tirado por caballos que circulan a lo largo
del día por las calles céntricas de la ciudad
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201468
en busca de objetos vendibles, madera para
combustible, cartón, botellas, etc.
Las más avanzadas redes de la ciudad
informacional, que vinculan (y hacen parte de
la globalidad) a la mayoría de la población
tienen su nodos en las agencias internacionales
de crédito y llegan a los usuarios a través
de programas de distintas instancias de la
estatalidad bajo la forma de de reparto de cajas
de comida, alimentos en comedores escolares,
y comedores comunitarios y, en los últimos
años, tarjetas de débito, popularización de los
cajeros automáticos, como forma de pago de
diversos planes y programas sociales.
Así, la ciudad informacional y las
Tecnologías de Información y Comuncaciones
se nos aparecen en nuestro centro con una
notable cantidad de gente con teléfonos
celulares; los bancos y sus redes de cajeros
automáticos, comercios de artículos de
computación, cabinas de telecentros, una
gran empresa de servicios de computación de
capitales mixtos y sin que quede mucho por
enumerar los usuarios privados que intentamos
ser intelectuales globalizados.
La mayoría de las escuelas han sido
equipadas con computadoras, pero muchas
de ellas no tienen electricidad o no pueden
pagar maestros que enseñen computación a
los chicos, o las maestras, lejos de la cultura
informática prefieren que no se toquen para
que nadie las rompa.
Tal vez, el único elemento que refleja
grandes avances en la cultura mediática
son los políticos y gobernantes, quienes han
construido una virtualidad de su imagen y
de sus emprendimientos mientras más de un
tercio de la población está por debajo de la
línea de indigencia.
Desde la perspec t iva urbaníst ica
y /o arquitectónica los nuevos espacios
de sociabilidad urbana lo constituyen los
comedores comunitar ios o los nuevos
asentamientos donde aparecen espacios
comunes para la alimentación de los caballos.
Lo que queremos poner de manifiesto son dos
cuestiones: la primera, ya señalada, sobre el
uso de las categorías analíticas en las modas
sociológicas. La segunda, y más importante,
que afuera de los circuitos globales de la
información y el dinero, los comportamientos
de los sistemas siguen leyes diferentes, de
modo que debemos repensar la dinámica
de nuestras ciudades a partir de nuestros
hallazgos empíricos y emprender la aventura
de teorizar por nuestra cuenta.
Nues t ra p ropues t a e s pone r en
interacción y movimiento los vínculos que
ver tebran tales relaciones, indisolubles
al hablar de polít ica urbana ; tornando
visibles los procesos de construcción social
de identidades12 situándonos, para ello,
en una perspectiva diferente que abra el
problema, y partiendo de otra pregunta
rectora preliminar ¿qué relaciones sociales
se ocultan, se construyen y destruyen,
detrás de la materialidad de los objetos?
¿Qué mecanismos de violencia invisible y
cotidiana operan detrás de la racionalidad
técnico-burocrática de una política urbana,
y a través de qué dimensión institucional?
Así, la política urbana que viene siendo
reificada en una aparente homogeneidad
como producto, nuestra hipótesis de trabajo
la repiensa como materia prima analítica
de las interconexiones en las prácticas
cotidianas de dominación, y como mediación
de relaciones sociales.13
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 69
En otras palabras, transformamos lo
que se denomina política urbana, en luchas
sociales, desnaturalizando así la cosificada
relación lineal entre “población que aumenta,
una ciudad que se expande y objetos escasos
que, corriendo detrás, nunca llegan...”
Y esto es lo que permitiría situar el
conflicto en el conjunto de la sociedad, en
la lucha de clases, ya que la producción
de lo social es ininteligible sin introducir la
noción de confrontación, de enfrentamiento,
de luchas entre existencias...Se ponen en
interacción, así, obediencia y resistencia como
los vínculos que vertebran el conjunto de
relaciones entre clases; de relaciones sociales
entre sociedad y espacio.
Abriendo categorías
Cuando hablamos de política urbana, una
primera dimensión es el Estado. Pero “¿Se
puede analizar el Estado?”, se pregunta Lourau
(1980, pp. 24-25). La premisa básica es que
sí es posible analizarlo pero, a partir de ahí,
lo que aparece son estudios, de las distintas
alternativas, de reificación de un determinado
Estado del poder (Lourau, 1980).
Está ausente, diría este autor, en las
interpretaciones corrientes, el análisis sobre
cuál es la fuerza que dispara, autoriza o
legitima la modificación de las relaciones
sociales que condensan esa estabilización.
Pareciera confundirse, en general, el resultado
de la lucha con lo que el contenido de la lucha
transforma. Porque esa “emergencia” es, en
todo caso, la expresión de una lucha de clases
como lucha política, económica y teórica.
Expresión, más o menos densa, en alguno de
esos ámbitos centrales, pero nunca en forma
escindida (Marín, 1996).
A s í , l a p e r s p e c t i v a c a m b i a s i
consideramos, como dice Lourau (1980, p.
123), que es el Estado el que nos analiza, el
Estado es nuestro inconsciente, a partir de
un enfoque que propone reflexionarlo no
sólo como objeto sino como instrumento de
investigación (el proceso de estatalización), es
decir, abrirlo, transformarlo en un instrumento
de conocimiento de las fuerzas reales que
operan no sólo en el control sino en el
proceso de construcción del orden social y,
por lo tanto, de identidades sociales que lo
sostienen y reproducen (Roze, 2001b, 2003b;
Castro, 1999), porque:
El Estado es una simple película de legit imación sobre la superficie de las sociedades (. . . ) El Estado es el Inconsciente... (Lourau, 1980, pp. 15-19)
Porque así pareciera ser la forma en que
el Estado se nos revela en Marx y Engels, como
una organización compleja, atravesada por
conflictos y luchas:
Todas las luchas que se libran dentro del Estado (...) no son sino las formas ilusorias bajo las que se ventilan las luchas reales entre las diversas clases... (Marx y Engels, 1968 , p. 35)
Esta visión dinámica permitiría articular
teóricamente lo que se presenta en distintos
niveles de abstracción, considerando al Estado
como un conjunto dinámico, cambiante, y
conflictivo de relaciones entre clases, en
una determinada sociedad, que expresan
la dominación bajo formas aparentes de
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201470
consenso, y a los aparatos del Estado como
la forma visible en que esta relación se
materializa (Roze, 2003b). Distinción útil, y
necesaria, diría el Profesor Paul Bromberg,
entre Estado y aparatos del Estado, que permite
claridades que, de confundir los términos, no
serían posibles14.
No conocemos, hasta el momento,
mejor operacionalización para avanzar y
sortear estériles discusiones, y que nos ayude
a analizar las interconexiones en las prácticas
cotidianas de dominación, naturalizadas en
apariencias fetichizadas. Concretamente,
creemos más fructífero empíricamente y más
fértil teóricamente, analizar los mecanismos
institucionales que dispersan, diluyen y
fragmentan la lucha de clases, considerando
al gobierno como el uso de esos mecanismos,
en el que compiten los partidos que expresan,
alternativamente, las fuerzas orgánicas propias
del capitalismo (Roze, 2003).
Empero, esas inst ituciones deben
ser leídas como construidas por fuerzas
sociales para librar las confrontaciones de
las clases dominantes; instituciones políticas
e instituciones sociales (Marín, 1996), como
ámbitos del régimen, es decir, de los defensores
del orden social y jurídico institucional (Roze,
2003b), a través del interjuego por el cual se
intenta mantener el dominio de los intereses de
una clase sobre el conjunto.
Las formas en que se organizan estos
intereses sociales y económicos particulares
desde la dominación capitalista, pueden ser
mejor comprendidas a través de Marx (1968,
pp. 59-61), cuando esclarece las relaciones
entre burocracia y corporación:
“Las corporaciones son el materialismo de la burocracia y la burocracia el espiritualismo de las corporaciones. La corporación es la burocracia de la sociedad civil; la burocracia es la corporación del Estado”;
y más adelante,
“La burocracia (...) es la ´conciencia del Estado´, la ´voluntad del Estado´, el ´poder del Estado´... “La burocracia es el círculo del que nadie puede escaparse
Así, esa dialéctica se va a explicar a partir
de la transfiguración de los intereses (particular
y general) y, en esta crítica, la burocracia, como
institución de obediencia pasiva, sería una
forma de incapacidad para la lucha.
L a i nve r s ión d e l p ro b lema q ue
proponemos reconoce su origen en que “No
existe inicialmente un sujeto, al que se ve,
se nomina, se analiza, y finalmente sobre el
que se despliegan un conjunto de acciones
(de salvaguarda, de protección, de represión,
de exclusión, etc.) sino que las acciones
que la sociedad ejerce y los procesos de
conceptualización con que se nominan, son
los elementos configuradores del sujeto,
resultante de esas acciones”, en Roze et al.
(1999) y Roze (2003).
Es decir, postulamos que creando,
manipulando y violentando identidades
que sustentan un orden permanentemente
naturalizado, se genera y nomina población
cautiva, objeto de diversas expropiaciones,
a través de distintas formas de violencia,
deambulando por la espacialidad social que
se configura en una doble dimensión: una
estatalidad profunda y una estatalidad extensa
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 71
(Núñez, 2012)15. ¿Qué lazos sociales y políticos
articulan la estatalidad profunda, (el blindaje16
hacia su interior), y la estatalidad extensa,
su permeabilidad hacia y con el exterior?
¿Cómo median las obras en la construcción/
destrucción de esos lazos? Porque, como dice
Marx (1968, pp. 61-62):
El espíritu general de la burocracia es el secreto, el misterio guardado en su seno por la jerarquía y hacia fuera, por su carácter de corporación cerrada(...), es la lucha por los puestos más elevados; hay que abrirse camino (...) El burócrata ve en el mundo a un simple objeto de su actividad.
Esta apertura del problema nos permite
salir del círculo vicioso de la tesis hegemónica
de que hay sujetos pobres que se localizan en
suelos baratos, sin servicios de infraestructura,
en ausencia del Estado, desconociendo
que su fuerza radica en poder disimularse
y, por ende, es esa ficción homogeneizante
de sujetos desposeídos lo que permite,
precisamente, la acción racionalizadota y
justificatoria de los aparatos del Estado y los
intelectuales a la moda. En otros términos, la
escasez de equipamiento urbano evidencia el
enfrentamiento de las fuerzas sociales17 en la
apropiación de la ciudad y no la ausencia del
Estado (Pereira, 1986).
Ahora bien ¿cómo operacionalizar este
andamiaje teórico? A partir de mediciones
cruciales, por medio de las cuales se hace
referencia a momentos del proceso social de
enfrentamientos, donde emergen los problemas
devenidos del juego de intereses, que se
expresan tanto en sus aspectos económicos,
políticos como teóricos (Roze, 2003).
Mediciones cruciales, pseudonecesidades y pseudoidentidades
Los estudios sobre política urbana, en general,
han abordado los vínculos y las relaciones
entretejidos entre los sujetos involucrados
como algo dado, cosificados, y con un énfasis
excesivo en la corrupción y en el clientelismo,
ambos en sus variadas formas, reificando
la burocracia, los vecinos y las empresas,
en términos de actores y escenarios. Por
otra parte, aun cuando el municipio ha
sido el ámbito social clave de las políticas
neoliberales, vehiculizando las reformas
estructurales emanadas de los organismos
internacionales de crédito, se ha prestado poca
atención a las formas que asumen las alianzas
de las fracciones sociales dominantes locales,
y sus acciones, en tanto fuerza política que
viabilizó el programa neoliberal.
Por el contrario, las mediciones cruciales
(Roze, 1993; Núñez, 2012) refieren, por un
lado, a distintos ejes de análisis: a) a las
luchas sociales generadas en el proceso de
construcción de estructuras organizacionales
y su transformación (lucha política); b) a las
luchas sociales entre fuerzas progresivas y
del régimen (lucha teórica); y c) a las luchas
sociales interburguesas (lucha económica).
En tanto a ) hace referencia a la
creación de instituciones políticas, b) y c) a
instituciones sociales, que son atravesadas
transversalmente por a) y, por lo tanto,
suponen también momentos diferentes
de articulación de alianzas de clase y de
confrontación (Marín, 1996).
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201472
Por otro, a distintos ámbitos de análisis,
que interrelacionamos y abrimos: a) el
ámbito político burocrático, el de cómo los
sujetos definen situaciones de dominación
y violencia a través del manejo de las
instituciones, de la construcción de normas y
de pseudoidentidades que generan población
cautiva y excluida, de los dueños del saber
y del hacer no se sabe cómo, dueños de las
decisiones sobre las condiciones de vida de la
mayoría de la sociedad, donde se organizan los
intereses económicos y sociales particulares de
la condición de dominación capitalista, el de
los saberes legítimos, dominantes, que definen
el orden de las personas y las cosas; b) el
ámbito de la economía, de donde se construye
la escasez de recursos económicos y se decide
la transferencia que una parte de la sociedad
realiza a otra; c) el ámbito de lo barrial, de
identidades heterogéneas que oscilan entre la
autonomía y la heteronomía, entre el consenso
y la indefensión; la obediencia pasiva a la
burocracia y la desobediencia; sus fracturas y
controversias; y d) el ámbito de las empresas
constructoras y su relación con el gobierno, los
trabajadores y los vecinos, y la transfiguración
de personificaciones.
El anclaje empírico del trabajo, a los
efectos de ejemplificar la brecha entre teorías y
realidad de la investigación que denominamos
como “normal”, lo constituyen las luchas por y
con el agua y el saneamiento, en Mar del Plata,
y la construcción de defensas, en torno a las
inundaciones, en Resistencia,18 reconociendo
que esta selección de dicho anclaje tiene
su fundamento no sólo en la potencialidad
teórico-metodológica y empírica para sostener
nuestros argumentos, sino que constituyen dos
políticas urbanas reconstruidas históricamente
por los autores de este texto, pues atraviesan
axialmente las condiciones de vida de nuestras
sociedades.
El punto de partida fue, en el primer
caso, comprender la génesis urbana como un
momento de la lucha de clases; como forma
de resolver un conflicto interburgués, a través
de un intercambio de favores y la emergencia
del pueblo como un loteo privado aprobado
por excepción en 1874 (Núñez, 1994, 2012),
pero instaurando la mercantilización del suelo
urbano y el orden de la propiedad privada.
De aquí se construirán socialmente las
pseudoidentidades de ocupante, clandestino,
usurpador y otros.
En ese desenvolvimiento, la génesis
de una institución política como Obras
Sanitarias de la Nación, en 1912, fue la
forma de resolver un conflicto entre la
Iglesia, los higienistas y la estatalidad, pero
instaurando los límites del derecho al agua,
creando las pseudoidentidades del usuario y
el demandante. La bifurcación temporal de
la manipulación de esta institución política
por las diversas alianzas de clases que se
la apropiaron, las fueron traduciendo en
distintos dispositivos urbanos, tales como
grifos públicos, bombas manuales, bombas
eléctricas, etc. (Gráfico 1).
En el marco de la confrontación histórica
sobre la gestión del agua y el saneamiento de
fines de la década de 1980, paradójicamente,
el proceso de municipalización ha quedado
relativamente soslayado en la literatura
especializada, respecto del derrotero que han
seguido las diversas formas de privatización.
Además de esa invisibilidad, nuestra crítica
refiere a que, por un lado, en la bibliografía
consultada, aparece el momento de la
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 73
privatización y el estudio de ese proceso en
términos de condiciones y/o consecuencias del
mismo, desde un enfoque, en nuestra opinión,
parcial, aun desde perspectivas teóricas
diferentes. Particularmente en Argentina,
a pesar del lugar de privilegio en que las
investigaciones en ciencias sociales ubicaron
a los servicios públicos en la década de 1990,
lo hicieron de una manera fragmentaria y
sesgada, obstaculizando la mirada de una
década aludiendo al paso de un servicio
bajo control público, a un servicio privado
no regulado. Se afirmaba que “las correas de
transmisión entre uno y otro polo (público-
privado) pudieron accionar por las usinas de
pensamiento neoliberal, por una estrategia
de cooptación y soborno al sindicato” (Loftus
y McDonald, 2001) y “por la ausencia de
la sociedad en el proceso de discusión”
(Aspiazu y Forsinito, 2001). Se ignoraron,
así , los observables que le otorgarían
significación al proceso, al considerar la
privatización como un punto de partida y de
llegada, subsumiendo su complejidad en las
precondiciones, condiciones y consecuencias
de la participación del capital privado. Sin
embargo, ni la sociedad ni el sindicato
estuvieron ausentes en el conflicto por la
transferencia de los servicios, iniciado antes
de 1980. En ese marco, la municipalización del
servicio de agua y saneamiento fue una forma
de resolver un conflicto de cuatro años entre
gobierno y sindicato, que emergió como lucha
económica, generando amenazas, chantajes e
indefensión a las fracciones sociales excluidas
de esa confrontación, bajo la forma de “falta
de agua” (Núñez, 2007, 2012).
Siguiendo el Gráfico 1, lo que se conoce
como OSN fue una sucesión histórica de
distintas alianzas de clase que crearon, se
apropiaron, manipularon y transformaron
una institución política para vehiculizar sus
intereses a través del agua y el saneamiento,
construyendo y transfigurando distintas
identidades sociales (Núñez, 2007, 2012).
Con esta mirada teórica, genética
y procesual, pudimos tornar observables
procesos históricos que trabajos sobre los
servicios públicos soslayan, y que explican,
precisamente, una política urbana, de los
cuales mencionaremos sólo algunos: a) la
creación del cerco urbano, de mediados
de la década de 1930, que por ley limitaba
espacialmente el espacio escaso para la
inversión pública de agua, condicionando la
demanda legítima, y por fuera del cual, por
supuesto, la población comenzó a desplegar
una multiplicidad de estrategias de resistencia
y de apropiación del agua. Estrategias de
desobediencia al cerco, dentro y fuera de
él, porque el límite no significó la inversión
efectiva. Esto no es sino la construcción
estatal de la carencia,19 de población cautiva,
que luego será clasificada y homogeneizada,
entre otras nominaciones, como clandestina,
sujeta a nuevas expropiaciones; b) el ANDA,
que ya en 1944 transforma el servicio público
en una ficción,20 c) la AGOSN,21 que intenta
vincular el adentro y el afuera del cerco con
extensiones atravesantes que supusieron
relaciones de propiedad y buena vecindad,
para confluir en usuarios; d) en 1956, el
primer proyecto de privatización de OSN,
cuando Argentina ingresa al FMI y al BIRF, con
la consiguiente apertura al capital financiero
internacional,22 derivando en la creación
del SNAP (1964),23 donde la alianza con la
burguesía extranacional va a permitir a los
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201474
Gráfi co 1 – Eje temporal de las bifurcaciones de OSN
Fuente: Núñez (2007).
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 75
organismos internacionales conocer dos cartas
fundamentales para el juego privatizador de
1990:24 las constituciones provinciales y los
recursos hídricos subterráneos y superficiales
de todas las provincias, neutralizando a
otras fracciones sociales a través de un
tortuoso camino a la propiedad y al agua,
según capacidad de pago, e indefensión.
Indefensión que se profundiza a partir de
perversos procesos de construcción de
heteronomía, obediencia pasiva y anticipada,
y subordinación.
En lo que denominamos estatalidad
profunda, hay que entrar en el espacio
social de la burocracia de la clase dominante
para encontrarnos con: la migración de
recur sos y conoc imientos , técn icos y
financieros, entre instituciones; la seducción,
captura, migración y desecho de técnicos y
funcionarios entre instituciones, y entre éstas
y empresas constructoras; apropiación de
cargos jerárquicos a partir de las prácticas
heteronómicas de los partidos políticos;
intercambio social clandestino entre el espacio
público y el espacio privado (colusión) ;
absorción gradual y continua de intelectuales
orgánicos ; lealtades que reproducen la
obediencia ant ic ipada y subordinada ;
funcionarios cautivos de los ilegalismos,
intermediarios de la alianza entre el gobierno,
las empresas y la universidad, entre otros
vínculos. En otros términos, los lazos de lo que
denominamos territorialidad burguesa.
A su vez, la heterogeneidad empresarial
materializada en el territorio, expresa un
conjunto de relaciones sociales que nos
hablan de una ficción jurídica de igualdad
en las licitaciones. Algunas de ellas refieren
a la permeabil idad gobierno-empresa;
la te rc ia r i zac ión in terempresar ia l ; la
asociación partido-empresa; la asociación
inter-empresarial; la cartelización. Estas
relaciones, que nos hablan nuevamente de la
complementariedad y los difusos límites entre
lo legal/ilegal, entre corrupción y colusión, nos
abren los vínculos con los vecinos quienes,
también, desplegarán una multiplicidad de
estrategias, en defensa de sus condiciones de
reproducción, resignificando constantemente
esa identidad, al combinar, en sus acciones,
distintas personificaciones. Es decir, los vínculos
de la estatalidad extensa.
¿Quién y cómo construye la demanda?
¿Cómo se establece el juego entre vocero y
representados? ¿Cómo se traduce este juego
en la relación con el campo político y hacia
adentro del campo barrial, en una política
urbana?25
A veces, el vecino legítimo, opera
como intermediario entre quien no tiene la
propiedad del suelo y la empresa pública,
y construye solidaridades, intercambiando
capital económico por el trabajo del vecino
pauperizado. Concretamente, es el vecino
legítimo que personifica la empresa, a la vez
que articula acciones para la valorización
económica y social del barrio, siendo también,
un promotor. Otras veces, la estrategia de
cartelización de las empresas, permite entablar
negocios con el vecinalista, dando lugar a la
colusión y desplazando a la institución política.
Es decir, es el vecino legítimo, dirigente barrial,
que puede ser corrupto, y personificar a la
empresa estatal, eludiéndola.
Esto lleva a profundizar la fractura
vecinal debido a que los costos se inflan,
llegando a la denuncia, de otros vecinos, de
la falsificación del contrato vecino-empresa.
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201476
En otros casos, se induce al vecino moroso
a que arregle con el abogado de la empresa
constructora. Entonces, el vecino corrupto,
se transforma en persuasivo legítimo de
aquellos a quienes introdujo en un conflicto
legal ilegítimo, en función de sus intereses
particulares, personificando la legalidad.
Claro está que, otros vecinos, están
nutridos de valores diferentes. Son los vecinos
legítimos que, sin cuestionar la heteronomía,
están apegados a lo instituido y a la moral de la
palabra, como capital simbólico, personificando
al peticionante obediente pasivo. Pero la
construcción compleja de la heteronomía a
través de la palabra, de la promesa, crea el
vecino capturado por el discurso del gobierno,
que se lo apropia y reproduce, entrando en el
juego del campo político-burocrático, aun en
condiciones de máxima precariedad. En estos
intercambios, juega la imagen fetichizada
del vecino de creer que pertenece, por un
momento, al estado del poder. Es el vecino
cooptado, personificando un inspector,
ocupando el lugar de un técnico, desplazado a
su vez, por el funcionario.
La contracara, es la fracción social
que se opone a las obras, obstaculizando la
urbanización, pero, a la vez, realimentando
el desenvolvimiento de otras estrategias,
apropiándose de la potencial renta diferencial y
de la valorización económica y social del barrio,
aportada por otros vecinos. Nos referimos al
vecino ausente y el vecino terrateniente.
También, la desocupación del otro,
su est igmat izac ión, se t ransforma en
moneda de cambio que permite optimizar
las propias estrategias de acumulación de
capital económico. Es el vecino legítimo que
personifica la autoridad legítima, desplazando
a las empresas constructoras: “que trabajen los
desocupados del barrio...”
En fin, las identidades sociales que
configuran las acciones en una política urbana,
aparecen constantemente resignificadas. Las
personificaciones son trastocadas y generan
creencias que redefinen interacciones, vulneran
relaciones sociales pre-existentes y constituyen
nuevas. En otras palabras, ejerciendo una
violencia simbólica.
Los vecinos confían más en un organismo del Estado conducido por políticos, que en un procedimiento autogestionario conducido por sus propios vecinos... (Entrevista a Carlos Katz, ExPresidente de la empresa municipal de agua)
Esta aterradora conclusión de un
funcionario, ganado por la ignorancia, sólo
puede apenas comprenderse en el contexto
de la compleja construcción de la heteronomía
que hemos intentado objetivar, es decir, la
construcción de la argamasa de violencia y
obediencia en la que se anclan las situaciones
de dominio de una fracción social, sobre el
conjunto.
De esta manera, se reproduce el
discurso oficial y se devela la función negada
de las instituciones y reproduciendo el orden
dominante.
Si en el caso de los servicios públicos
hemos visto cómo la vaporosa indefinición de
la estatalidad profunda y extensa explica la
provisión selectiva de agua y saneamiento, en
el caso de las defensas contra la inundación la
explican como una pseudonecesidad.26
Acuñamos ese término a los efectos de
escapar de los encierros que nos planteaban
los conocimientos que la ciencia normal había
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 77
construido como “saberes” alrededor de las
inundaciones.
Desde la ciencia normal se hacían
presentes cuatro saberes vinculados con
“lo social” – más allá de las “exactitudes”
de los saberes técnicos o los haceres de los
saberes de la decisión – que buscaron aportar
a la cuestión. Referían a: 1) la evaluación
socioeconómica, 2) las estadísticas sociales,
3) la etnografía de la prensa, 4) el saber en
auxilio de la reparación. Todos ellos, con
un fuerte acento de lo local, por lo que, a
partir de la trascendencia de la catástrofe
en 1982-983, nuevamente el saber experto,
hegemónicamente concentrado en Buenos
Aires, se traslada a prestar colaboración,
bajo la forma de un equipo de la Comisión de
Estudios Urbanos y Regionales, del Consejo
Latinoamericano de Ciencias Sociales –
CLACSO.
Con algún f inanciamiento, con el
prestigio y el saber de la corporación
lat inoamer icana y e l es fuer zo de los
intelectuales locales, – que prestan su
información a cambio de alguna participación
– se organiza el Saber, con mayúscula,
que en última instancia no fueron sino las
teorías de los países del norte, prolijamente
traducidas y aplicadas a la situación local
(Cfr. Caputo, Hardoy, Herzer y Vargas, 1985;
Caputo y Herzer, 1987; Herzer, 1990). Lo más
sobresaliente de las conclusiones del seminario
fueron que “cuando más débil es la estructura
política, económica y social de una sociedad,
mayor es el impacto de la catástrofe” (Diario
Norte, viernes 20-5-1983, p. 4).
Ante tanta pobreza conceptual en
relación con el fenómeno, estudiamos para
cinco situaciones de catástrofes, las acciones,
sus resultados y consecuencias llevadas
adelante tanto por las poblaciones como los
diversos aparatos institucionales para enfrentar
las consecuencias del desborde de las aguas
del Río Paraná.
Acciones codificadas, repetitivas, –
que a lo largo del período permanecen, se
modifican, o son reemplazadas por otras –,
de cómo plantear y resolver los problemas
derivados del fenómeno natural del desborde
de los ríos.
Estas acciones produjeron una parte
de lo social, produjeron sujetos, produjeron
individualizaciones; produjeron el inundado,
como identidad, como cuadrícula de sujetos
cuya conducta se nutre de sus estrategias
de supervivencia y aquellas esperadas por
quienes se asumieron dueños del saber de lo
público.
Catástrofe y encierro, sintetizados
en el albergue, fueron los elementos que
determinaron el ámbito de la manufactura
de esta identidad, el lugar donde se hicieron
observables y observadas las cotidianeidades
de la pobreza.
Hemos privilegiado y particularizado los
procesos de conocimiento, reflexionando sobre
el saber de las inundaciones. Hemos mostrado
que es una larga construcción, producto de
la diseminación social de un conjunto de
pensamientos perversos de quienes tuvieron la
hegemonía del discurso.
Quienes tuvieron y tienen la decisión
y el saber para paliar sus efectos, han
fundado su acción en un conjunto de
falacias que estructuraron socialmente una
pseudonecesidad.
Dicha pseudonecesidad, a lo largo de
más de 50 años de enfrentar el problema, tomó
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201478
la forma de la imperiosa necesidad de construir
un rígido sistema de defensas materializado en
obras. Así, las falacias que la sustentaron fueron
tres: 1) las defensas como única alternativa, 2)
que no hay otro saber que el saber técnico, 3)
que no existen soluciones surgidas de lo local.
Respecto de la primera, la concepción
de las defensas definitivas de la ciudad de
Resistencia, planteadas como un gigantesco
recinto producto de un conjunto de grandes
obras, constituyó desde su concepción un
obstáculo a pensar otro tipo de alternativa y
bloqueó toda forma de reflexión acerca de la
ciudad.
La neces idad de de fensa se ha
constituido como una necesidad “natural”
para la existencia de la ciudad de Resistencia.
Transformar una cuestión propia de
lo social en “natural” conlleva, entre otras
conclusiones, a su inevitabilidad, así como
también a hacer inobservable su origen, ya que
por su naturaleza, se ha generado con la propia
ciudad.
La primer falacia – la más difícil de
refutar – es acerca de la necesidad misma de
defensas.
¿Para qué las defensas? El primer
señalamiento que queremos hacer, es que
la concepción de defensas definitivas, actuó
como una profecía que se autorrealiza. Desde
el momento que se planteó que si no se
construían defensas definitivas Resistencia
agonizaría con las inundaciones, se pusieron
en marcha mecanismos que hicieron de los
desbordes una catástrofe o se impidieron
que se pusieran en marcha los mecanismos
autocorrectivos propios de una estructura
sistémica (García; Inhelder, Volnéche, [1977])
¿A qué nos estamos refiriendo?
La c iudad s in defensas , hubiera
autoorientado su crecimiento hacia las
zonas sin afectación; ya por los mecanismos
propios del mercado, o por las decisiones de
los técnicos que necesariamente deberían
orientarse hacia las zonas altas.
Sobre la falacia de que no hay otro
saber que el saber técnico, vimos que a
la par del despliegue del saber técnico de
controles estructurales de las inundaciones y
de cualquier otro tipo de catástrofe a través
de grandes obras, se fueron desarrollando un
conjunto de saberes respecto de la prevención
de la catástrofe vinculados con la introducción
de acciones racionales en las acciones de
control de asentamientos, en la construcción
de edificios, en el tratamiento de los territorios
como las llanuras inundables.
La emergencia de estos saberes,
fueron producto, particularmente, de las
consecuencias no buscadas de las grandes
soluciones que constituyeron paradigmas
del saber tecnológico en el control de la
naturaleza, como lo fueron las grandes obras
hídricas de la cuenca del Rió Mississippi y los
grandes ríos de los EE.UU. 27
Emergieron, también, de la búsqueda de
soluciones en situaciones donde los ingentes
gastos en grandes obras constituían una
utopía y las soluciones debían buscarse con
procesos de adecuación a los fenómenos
naturales.
Esos conocimientos, no fueron privativos
de unos pocos, sino que se plantearon como
patrimonio de la humanidad, a través de
los organismos internacionales. El saber
técnico respecto de las catástrofes no puede
ignorarlos, alegando algún tipo de aislamiento
o dificultad de acceso a la información. La
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 79
orientación del saber es una elección. Lo
universal apareció de la mano del lucro de los
consultores, y se instaló dejando de lado toda
otra alternativa. Esa situación aún es presente.
Por último, la falacia de que no existen
soluciones surgidas de lo local. Otra vertiente
posible como respuestas a las inundaciones
a lo largo de este período de recurrencia, fue
la emergencia de los saberes locales, como
resultado del ingenio, la acción o la práctica de
los afectados, o como preocupación intelectual
de los técnicos atentos a nuevas alternativas
frente al fenómeno.
Soluciones improvisadas (colocar
ropas y utensilios en grandes bolsas plásticas
semi infladas que flotan, haciendo posible
transportar grandes volúmenes de ropa y
víveres con el agua en la cintura); artefactos
producto de la improvisación y el ingenio
(mecánicos que construyeron para campos
inundados lanchones adecuados a los niveles
de la zona, botes con gomas de autos o
tractores, o transportes acuáticos construidos
en base cualquier otro material de desecho),
pequeñas defensas para impedir la entrada de
agua en las casas, sistemas caseros de bombeo,
no fueron sino anécdotas locales.
Respecto de las soluciones alternativas
de técnicos locales, tampoco tuvieron eco
aquellas propuestas que tuvieran otro punto de
partida que los grandes emprendimientos.28
La posibilidad de defensas por áreas,
la necesidad de establecer códigos para la
construcción, la posibilidad de tecnologías
adecuadas a las áreas inundables de las
costas y de las islas, inclusive, la solución
de situaciones límites en cuanto a desagües
siempre críticos con trazados a cielo abierto, no
alcanzaron siquiera existencia efímera.
Una solución a las inundaciones rurales,
propuesta en el mencionado seminario que
consistía en que los productores instrumentaran
sistemas locales de defensas, pequeños
terraplenes que podían ser realizados con
sus máquinas o de sus vecinos, quedó como
una anécdota de intelectuales y de expertos
agropecuarios encerrados en sus experimentos.
(Neif, Patiño y Orfeo; 1987).
Refl exiones fi nales
Desde el momento mismo que, en 1999,
pusimos en marcha el grupo de trabajo sobre
ciudades latinoamericanas en los sucesivos
congresos de la Asociación Latinoamericana
de Sociología, evidenciamos la existencia de
un conjunto de obstáculos epistemológicos en
los estudios urbanos, que no sólo dificultaban
comprender el fenómeno de la vida de los
habitantes de las ciudades de América Latina,
sino también reproducían – fortaleciendo –,
un pensamiento sin perspectiva alguna para
superar la llamada “crisis urbana”, a través
de una gama de posibles intervenciones que
no hacían sino profundizar las condiciones
adversas de los pobladores.
El principal origen de esos obstáculos
epistemológicos se encontraba en las formas
que había adquirido la producción de verdad
en el ámbito de la academia y la denominada
“investigación científica” en las comunidades
y corporaciones del conocimiento en América
Latina. En relación con la dinámica de la acción
de los diversos grupos sociales, las respuestas
estructuradas en el plano académico no nos
ofrecían un marco explicativo, particularmente
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201480
en los aspectos relacionales entre las diferentes
personificaciones.
La causa, hipotetizábamos ya en aquel
entonces, residía en la raíz de las reflexiones,
en la casi totalidad de los casos, cimentada
en las políticas neoliberales – en principio –
emanadas desde los organismos financieros
internacionales y, a continuación, desde los
investigadores locales alineados en la ciencia
normal. Es decir, lo que no estaba presente en
esas reflexiones (aún hoy de uso hegemónico),
en los niveles de las acciones sociales,
era la dinámica de las fracciones sociales
directamente involucradas en la acción, en
términos de alianzas y enfrentamientos.
En el desarrollo de los diversos procesos
de asentamiento, los sujetos actuantes – en
los distintos casos – constituyen conjuntos de
relaciones sociales estructurados bajo forma
de instituciones o personificaciones, que
sintetizan, en su corporeidad, determinados
conjuntos de relaciones, que, en general,
operan bajo una lógica determinada por
una sumatoria (variable en sus magnitudes
y contradictorias, por lo tanto en conflicto
permanente) de intereses en los planos
económicos, políticos o corporativos.
Empero, nuestras reflexiones críticas
conceptuales, sostenidas con avances empíricos
que refutaban rigurosamente aquel “sentido
común”, eran un susurro que se mantuvo
históricamente acallado.
En el contexto de polémicas recientes,
este trabajo vuelve sobre la revalorización
de las sugerencias de Marx y Engels, Piaget
y Lefebvre, entre otros autores, sosteniendo
la fertilidad de una mirada que parte de la
génesis e historicidad de los procesos, contra
las visiones hegemónicas que naturalizan
el orden social y fetichizan los objetos y las
políticas urbanas.
Fina lmente, a tentos a lo nuevo,
pensamos que nuestro desafío de intelectuales
está en construir los instrumentos que en
lugar de desarmarnos intelectualmente en
teorías de lo imposible o entretenernos en los
juegos de pensamientos ajenos, nos armemos
teórica y moralmente, en nuestros ámbitos, y
podamos armar a las multitudes en actitudes
de autonomía y cooperación.
Ana NúñezUniversidad Nacional de Mar del Plata, Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Diseño, Instituto de Investigaciones en Desarrollo Urbano, Tecnología y Vivienda. Mar del Plata, Província de Buenos Aires, República [email protected]
Jorge RozeUniversidad Nacional del Nordeste, Facultad de Humanidades. Chaco, Corrientes, República [email protected]
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 81
Notas
(*) Este artículo es la ponencia homónima, presentada en el I Seminario Internacional La ciudad neoliberal en América la na: desa os teóricos y polí cos. Eje (IV) Los modelos de polí ca urbana y el pensamiento neoliberal. Red La noamericana de Inves gadores sobre Teoría Urbana, Río de Janeiro, 5-8 de noviembre 2013.
(1) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010).
(2) Siguiendo a Zemelman (1987, p. 66), “La idea de apertura se corresponde con el planteamiento de la realidad como proceso y exige que el objeto, a par r y a través del cual se explica algo, se considere siempre abierto a la constante transformación de sus referentes empíricos. La idea de movimiento en que descansa la noción de apertura, se relaciona con el “cómo es” de lo real y con el “cómo es posible de darse” de lo real...” (sub. nuestro).
(3) Cae fuera de los obje vos de esta Introducción, analizar los dis ntos enfoques que, tanto desde la perspectiva “estadocéntrica” como desde la “sociocéntrica”, han contribuido a analizar la relación Estado-sociedad en la defi nición de polí cas públicas. Ver, para ello, un excelente estado de la cues ón en Viguera (1998) y Marques (1997).
(4) Porque, además, siguiendo a Espinosa-Saldaña (1997, pp. 202-207), dentro de las ciencias jurídicas, dos de los puntos más complejos son: a) determinar cuándo estamos o no frente a un derecho fundamental; y b) la definición de cuáles derechos, en concreto, pueden ser considerados como sociales. El di cil acuerdo conduce al regateo de su exigibilidad, tendiendo a negar a algunos derechos de po social su carácter de derecho fundamental, aun cuando los organismos internacionales los reconozcan formalmente.
(5) Si bien el Castells de La cues ón urbana alcanza formulaciones de un cierto determinismo al subes mar, en principio, el peso de las contradicciones sociales, su aporte fue fundamental, al menos, al señalar que en los países periféricos el proceso de acumulación y el papel desempeñado en él por el Estado, no repiten el esquema de los países centrales. Ver este tema en Cignoli (1985).
(6) Como bien señala Marques (1997), aun introduciendo el confl icto en la explicación de las polí cas urbanas, el Estado aparecía como estructuralmente capturado y el proceso polí co resultaba en la victoria del capital en general. Para un análisis de las perspec vas analí cas que desde el marco histórico-estructural y desde la economía explicaban la intervención del Estado, ver Marques (1997).
(7) Para este segundo Castells (1988, p. 79; 1986) “...sólo las luchas urbanas que producen efectos de transformación en la estructura urbana son movimientos sociales urbanos”. Este autor procura caracterizar la contradicción urbana como específica a los problemas de la ciudad, diferenciándola de otros mo vos para la movilización social que ocurren en la ciudad (movimientos urbanos). En este sen do, para Pereira (1986) y Cignoli (1997), la limitación de la contradicción en Castells, es que confronta en la esfera del consumo y sólo indirectamente en la de la producción.
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201482
(8) Ver Burki, Perry y Dillinger (1999); y Freire y Stren (2001), ambas publicaciones del Banco Mundial. La nueva estrategia del desarrollo urbano del Banco Mundial difundía que la sustentabilidad de las ciudades debía abarcar cuatro aspectos: ser “habitables” (asegurar una vida decente e igualdad de oportunidades a todos los residentes); ser produc vas y “compe vas”; estar bien gobernadas y ser “fi nanciables” (en: Freire, 2001, p. xxii).
(9) A modo de ejemplo, pueden citarse a Dourojeanni (1994); Herzer et al. (1994); Borja y Castells (1997) y la publicación de Antonio Azuela y Emilio Duhau (1993) sobre Ges ón urbana y cambio institucional, donde explicitan “la necesidad de dar un giro a los análisis sobre “políticas urbanas”, aunque “sin descartar la interpretación general del papel del Estado” (p. 12). El debate que concentra dicha publicación creemos que cons tuye un avance respecto a los que se encuadran en la perspec va ar culadora de las funciones del municipio (Cfr. Herzer et al., 1994).
(10) Independientemente de su imprecisión, “medios de consumo colec vos” es la expresión que más se ha impuesto y la que se u liza como referencia, entendiendo por éstos una serie de valores de uso que por alguna de sus caracterís cas son di ciles de suministrar por el capital individual y, sin embargo, son indispensables para la acumulación del capital en general. Así, su naturaleza pública es el resultado de procesos sociales concretos, históricamente determinados. Ver Coing (1988, p. 88) y Jaramillo (1988, 1986, pp. 19 y ss.)
(11) Categoría censal que en Argentina refiere a “pequeña y mediana industria”, en la que se incorporan los emprendedores individuales y familiares, cuentapropistas, y todos aquellos que no disputan las tasas de ganancias como burguesías consolidadas en empresas.
(12) Respecto de las identidades, resulta particularmente pertinente retomar el sentido que le dan, por un lado, Rebón (2007, p. 21), como “concepto que enfa za el carácter social de una personifi cación, el haz de relaciones que expresa y su relación en términos de funcionalidad con el orden social en el que está inmerso. La conformación de las iden dades sociales no puede comprenderse sin tener en cuenta el desarrollo de la confrontación entre las mismas”.
(13) En palabras de Roze (1993), “No se trata de la materialidad de ese elemento de mediación ni de su volumen o costo sino que (la vivienda) enlaza relaciones que hacen a la casi totalidad de aspectos de las condiciones de producción y reproducción de la fuerza de trabajo en nuestras formaciones sociales”.
(14) Dice Paul Bromberg (2011), avanzando sobre la defi nición de Weber (1992, pp. 1056-1057), que “Una “sociedad” decide conformarse como Estado mediante un proceso en el que un grupo, o una alianza de grupos dentro de ella (la sociedad), logran consolidar su capacidad exclusiva para emplear la violencia sica con el fi n de hacer valer sus órdenes… Este acuerdo implica, entre otras cosas, que ese grupo o grupos deciden y hacen valer con éxito una frontera territorial (...) El Estado, así pensado, abarca entonces (1) territorio, (2) habitantes y (3) un aparato. Este úl mo concreta, en forma de en dades compuestas por personas con atribuciones establecidas, las reglas defi nidas por el grupo o por la alianza de grupos para la toma de decisiones que deben ser acatadas por los integrantes de la sociedad, bajo la amenaza del ejercicio de la violencia sica sobre quienes no las acatan.” (Material de clase del Curso de Posgrado Gobierno de la ciudad y polí cas públicas, en el marco de la Especialización en Polí cas y Mercados de Suelo en América La na, Universidad Nacional de Colombia). Sin embargo, para Lourau (1980, p. 29) al servirse de todos los recursos ideológicos para imponer una forma equivalente a todas las relaciones sociales some das a su poder, el Estado dispone de un instrumento de coacción que torna inú l la dis nción entre Estado y aparatos ideológicos del Estado.
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 83
(15) Entendemos por estatalidad profunda (territorialidad burguesa), las estrategias de reproducción adaptativas; trayectorias, vínculos y relaciones sociales en el entramado de instituciones políticas; entre el secreto y la lucha por abrirse camino (Marx, 1968); y por estatalidad extensa a la permeabilidad hacia y con el exterior (burocracia, empresas, vecinos), a la construcción y reproducción de estrategias y categorías que reproducen el orden dominante en las instituciones sociales. Se trata de ver cómo ambas se vertebren y se mantienen en una vaporosa indefi nición, en cuanto a límites y contenidos, y así se instala en el imaginario (Lourau, 1980). Ver Núñez (2007).
(16) El blindaje, el cierre social, refi ere a que determinados grupos sociales se apropian y reservan para sí mismos – o para otros allegados a ellos – ciertas posiciones sociales. En: Ansaldi (1997).
(17) Una fuerza social es una alianza de clases, entre fracciones de clases, que enen dis ntos grados de unidad de clase (Roze, 1993, 2003).
(18) Esta misma matriz teórico-metodológica es el andamiaje de nuestros estudios actuales sobre los programas de construcción de viviendas sociales, en dis ntas ciudades de Argen na. Ver Núñez (2010). Asimismo, para un análisis más exhaustivo de estas políticas urbanas en Argentina, remi mos al lector a nuestra bibliogra a citada, de manera de no extender este texto.
(19) El límite urbano de provisión de agua en la ciudad fue fi jado por Ordenanza del 3 de agosto de 1937, Exp. 158-0-1937. Asimismo, la Ley 12140/35 preveía el abastecimiento de provisión de agua mediante grifos públicos. Es decir, la carencia y la precariedad se legislan, se construyen y se ex enden estatalmente.
(20) El Decreto 33425/44 fundía Obras Sanitarias de la Nación – OSN y la Dirección General de Irrigación en la Administración Nacional del Agua. Establecía, en uno de sus artículos, la obligatoriedad de pagar a todo propietario cuyo inmueble estuviera localizado dentro del cerco, estuviera o no abastecido de agua. Es decir, se crea el contribuyente no usuario.
(21) Se crea por Ley 13577/49, que será la nueva Carta orgánica de OSN, confi riéndole autarquía.
(22) La transferencia de OSN era un proyecto dentro del programa de modernización del aparato estatal de la burguesía desarrollista y de la necesidad de divisas para implementar su polí ca. La alianza con la burguesía extranacional, a través de la Alianza para el Progreso, retrotrajo a la población a fi nes del siglo XIX, reinsertando el miedo a la muerte, pero sembrando el camino al agua con condiciones de propiedad, heteronomía y capacidad de pago. Para el Banco Mundial, la amenaza, la causa de la elevada mortalidad era la intensa presión del crecimiento demográfi co. O, en otros términos, la urbanización de la pobreza.
(23) Servicio Nacional de Agua Potable, creado por Decreto n. 9762, dentro del Plan Decenal de Salud Pública de la Alianza para el Progreso. En el ámbito local, se profundizó la provisión de grifos públicos y se implementaron préstamos para compra de bombas manuales.
(24) No debe olvidarse que, a fi nes de la década de 1990, los organismos internacionales de crédito promueven la reformulación del sistema polí co y la superación de la crisis de representación alentando la disolución de todo lazo entre representantes y representados, asumiendo que los sectores populares son incapaces de tomar decisiones y de par cipar con autonomía en la defi nición de su propio des no. El Programa de fi nanciamiento a municipios, con aportes del Banco Mundial – BM y el Banco Internacional de Desarrollo – BID de U$S420 millones en 1999 a la ciudad de Mar del Plata, apunta en esta dirección.
(25) Estas iden dades sociales surgieron de entrevistas abiertas en los barrios, que no transcribimos por razones de espacio. Ver Núñez (2007).
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201484
(26) Siguiendo a Piaget y García (1985, p. 81), una pseudo necesidad es un fenómeno corriente que se ubica en los primeros niveles de la génesis del conocimiento y que expresa la difi cultad de imaginar otros posibles diferentes y, como tal, cons tuyen una fase de indiferenciación entre lo real, lo posible y lo necesario (Roze, 2003).
(27) Un cierto número de conclusiones obtenidas a par r del estudio de campo produjeron un efecto intranquilizador sobre los responsables de la ejecución de programas federales de control de inundaciones, provocando la iniciación de nuevas inves gaciones para indagar más a fondo las cues ones que no habían quedado resueltas. Como resultado de estos nuevos trabajos, se vino a descubrir que mientras los gastos hechos para el control de inundación se habían mul plicado considerablemente, el nivel de daños producidos se había elevado también, por lo que resultaba que, con la ejecución de las obras proyectadas para el control de las avenidas, no se había conseguido alcanzar el obje vo nacional de reducir el tributo que suponían las pérdidas y daños sufridos por el país por tal concepto (White, 1973, p. 291).
(28) Cuando en el III Seminario sobre el Impacto de las Inundaciones en Resistencia, se plantea una exposición de este po de tecnologías, la inicia va no prosperó, al igual que toda otra que no supusiera ¡defensas defi ni vas ya! No queremos con este señalamiento que se pueda inducir que nuestro pensamiento se inscribe en "lo pequeño es hermoso" – tan de moda en décadas pasadas – o en la línea, – fuertemente impulsada del Banco Mundial – de las tecnologías adecuadas o apropiadas. Simplemente, dejamos constancia de la existencia de respuestas locales cuya diseminación debió haber cons tuido una de las tantas alterna vas a la emergencia hídrica y fue también transformada en un inobservable.
Referencias
ANSALDI, W. (1997). Fragmentados, excluidos, famélicos y, por si eso fuera poco, violentos y corruptos. Revista Paraguaya de Sociología, año 34, n. 98, pp. 7-36. Asunción, Centro Paraguayo de Estudios Sociológicos. Disponível em: h p://catedras.fsoc.uba.ar/udishal/art/fragmentados.pdf
AZPIAZU, D. e FORSINITO, K. (2001). La priva zación del sistema de agua y saneamiento en el Área Metropolitana de Buenos Aires. Discontinuidad regulatoria, incumplimientos empresarios, ganancias extraordinarias e inequidades distribu vas. Mimeo.
AZUELA, A. e DUHAU, E. (coords.) (1993). Ges ón urbana y cambio ins tucional. México, IIS/UAM/IFAL.
BACHELARD, G. (1987). La formación del espíritu cien fi co. México, Siglo XXI.
BALVÉ, B. e BALVÉ, B. (2005). El ́ 69. Huelga polí ca de masas. Rosariazo-Cordobazo-Rosariazo. Buenos Aires, RyR/CICSO/Ediciones ryr.
BIRD, R. (2001). “Cargos a los usuarios en las fi nanzas del gobierno local”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial # 21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega, pp. 164-176.
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 85
BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global. La ges ón de las ciudades en la era de la información. Madri, Taurus.
BURKI, S.; PERRY, G. e DILLINGER, W. (1999). Más allá del centro. La descentralización del Estado. Estudios del Banco Mundial sobre América La na y el Caribe. Washington, Banco Mundial.
CAPUTO, M. G.; HARDOY, J. E.; HERZER, H. M. e VARGAS, R. (1985). La inundación en el Gran Resistencia (Provincia del Chaco, Argen na) 1982-1983.Desastres naturales y Sociedad en América La na. Buenos Aires, CLACSO. Colección Estudios Polí cos y Sociales.
CAPUTO, M. G. e HERZER, H. M. (1987). Reflexiones sobre el manejo de las inundaciones y su incorporación a las polí cas de desarrollo regional. Desarrollo Económico, v. 27, n. 106. Buenos Aires, Ides.
CASTELLS, M. (1978). La cues ón urbana. México, Siglo XXI.
CASTRO, E. (1999). El retorno del ciudadano: los inestables territorios de la ciudadanía en América La na. Perfi les la noamericanos, # 14. México, FLACSO, pp. 39-62.
CIGNOLI, A. (1985). Estado e força de trabalho. Introduçao à polí ca social no Brasil. São Paulo, Brasiliense.
COING, H. (1988). Serviços urbanos: velho ou novo tema? Espaço & Debates, n. 23. São Paulo.
DOUROJEANNI, A. (1994). La ges ón del agua y las cuencas en América La na. Revista de la CEPAL, n. 53, pp. 111-127. San ago de Chile.
ELÍAS, N. (1982). Sociología fundamental. Barcelona, Gedisa. Serie Mediaciones.
ESPINOSA-SALDAÑA, E. (1997). “Apuntes sobre las difi cultades existentes para la protección de los derechos sociales en el modelo de jurisdicción cons tucional español”. In: BIDART CAMPOS, G. (comp.). Economía, cons tución y derechos sociales. Buenos Aires, Ediar.
FREIRE, M. (2001). “Introducción”. In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds.). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.
FREIRE, M. e STREN, R. (eds.) (2001). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.
GARCÍA, R.; INHELDER, B. e VOLNÉCHE, J. (comps.) (1977). Epistemología gené ca y equilibración (Homenaje a Jean Piaget). Buenos Aires, Huemul.
HERZER, H.; PÍREZ, P. e RODRÍGUEZ, C. (1994). Modelo teórico conceptual para la ges ón urbana en ciudades intermedias de América La na. San ago de Chile, Cepal, LC/R 1407.
HERZER, H. M. (1990). Los desastres no son tan naturales como parecen. Medio Ambiente y Urbanización, año 8, n. 30. Buenos Aires, IEED.
HOLLOWAY, J. (1994). Marxismo, Estado y capital. La crisis como expresión del poder del trabajo. Fichas temá cas de Cuadernos del Sur. Buenos Aires, Tierra del Fuego.
JARAMILLO, S. (1986). Crise dos meios de consumo cole vo urbano e capitalismo periférico. Espaço & Debates, ano VI, n. 18, pp. 19-39. São Paulo, Neru.
JARAMILLO GONZÁLEZ, S. (1988). “Crisis de los medios de consumo colec vo urbano y capitalismo periférico”. In: CUERVO, L. e JARAMILLO, S. et al. Economía polí ca de los servicios públicos. Una visión alterna va. Bogotá, Cinep.
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201486
LEFEBVRE, H. (1969). El derecho a la ciudad. Barcelona, Península.
______ (1971). El materialismo dialéc co. Buenos Aires, La Pléyade.
______ (1972). La revolución urbana. Madri, Alianza.
______ (1976). Espacio y polí ca. El derecho a la ciudad II. Barcelona, Península.
______ (2011). La noción de totalidad en las ciencias sociales. Telos, v. 13, n. 1, pp. 105-124. Maracaibo, Universidad Rafael Belloso Chacín.
LIPIETZ, A. (1979). El capital y su espacio. México, Siglo XXI.
LOFTUS, A. e McDONALD, D. (2004). Sueños líquidos: una ecología polí ca de la priva zación del servicio de agua en Buenos Aires. Realidad Económica, n. 183. Buenos Aires, Iade.
LOJKINE, J. (1979). El marxismo, el Estado y la cues ón urbana. México, Siglo XXI.
LOURAU, R. (1980). El Estado y el inconsciente. Ensayo de sociología polí ca. Barcelona, Kairos.
MARÍN, J. C. (1996). Conversaciones sobre el poder (una experiencia colec va). Buenos Aires, Ins tuto Gino Germani, Ofi cina de Publicaciones CBC, UBA.
MARQUES, E. (1997). Notas crí cas à literatura sobre Estado, polí cas estatais e atores polí cos. Bole m Bibliográfi co de Ciências Sociais, n. 43. Rio de Janeiro.
MARX, C. (1965). El Capital. Buenos Aires, Cartago.
______ (1968). Crí ca de la fi loso a del Estado de Hegel. México, Grijalbo.
______ (1998). El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte. Buenos Aires, Libertador.
MARX, C. e ENGELS, F. (1968). La ideología alemana. Montevideo, Pueblos Unidos.
NEIF, J.; PATIÑO, C. A. e ORFEO, O. (1987). Pautas para el manejo de plataformas y taludes en áreas inundables. Centro de Ecología Aplicada del Litoral (Cecoal-Conicet). Serie Técnica n. 2.
NÚÑEZ, A. (1994). Apropiación de la erra y organización territorial en una ciudad media argen na. El caso de Mar del Plata. Revista Interamericana de Planifi cación, v. l. XXVII, n. 107-108. Equador, SIAP.
______ (2000)[2012]. Morfología social. Mar del Plata, 1874-1990. Tandil, Grafi kart.
______ (2007). Polí ca urbana y proceso de estatalidad. Confl uências. Revista interdisciplinar de sociologia e direito, n. 9. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense.
______ (2010). “Tras el fe chismo de la vivienda digna”. In: ORTECHO, E.; PEYLOUBET, P. e DE SALVO, L. (comps.). Ciencia y Tecnología para el Hábitat Popular. Fortalecimiento del espacio disciplinar en los Sistemas Cien fi co Tecnológicos (seleccionado por referato internacional). Buenos Aires, Nobuko.
______ (2011). Formas socioterritoriales de apropiación del habitar y derecho al espacio diferencial.Revista Territorios, n. 24, pp. 165-192. Bogotá, Universidad del Rosario.
______ (2012) [2006]. Lo que el agua (no) se llevó...Polí ca urbana: poder, violencia e iden dades sociales. Buenos Aires, El Colec vo.
NÚÑEZ, A. e CIUFFOLINI, M. A. (eds. e comps.) (2011). Polí ca y territorialidad en tres ciudades argen nas.Buenos Aires, El Colec vo.
Las palabras y las cosas en la ciudad latinoamericana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 2014 87
NÚÑEZ, A. e ROZE, J. (2011). Refl exiones sobre falacias conceptuales y acciones concomitantes en polí cas urbanas y sociales en Argen na. Revista Theomai. Estudios sobre sociedad y desarrollo, n. 23, pp. 193-204. Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes.
OSZLAK, O. (1997). Estado y sociedad: ¿nuevas reglas de juego? Reforma y Democracia, Revista del CLAD. Caracas, CLAD.
PEREIRA, X. (1986). Valorização imobiliária, movimentos sociais e espoliação. Sinopses, #9. São Paulo, Fauusp.
PIAGET, J. e GARCIA, R. (1984). Psicogénesis e historia de la ciencia. México, Siglo XXI.
PÍREZ, P. (1995). Actores sociales y ges ón de la ciudad. Ciudades, n. 28, pp. 8-14. Puebla, RNIU.
______ (2013). Perspec vas la noamericanas para el estudio de los servicios urbanos. Cuaderno urbano. Espacio, cultura, sociedad, n. 14. Resistencia, Nobuko/UNNE.
POPOLIZIO, E. (en col. con Oscar Bonfan ) (1985). “Bases y criterios para la concepción de obras de infraestructura vinculada con las inundaciones”. In: Inundaciones y Sociedad en el Gran Resistencia, Chaco, 1982-83. Buenos Aires, Ediciones Bole n de medio ambiente y urbanización. CLACSO.
PRADILLA COBOS, E. (2009). La mundialización, la globalización imperialista y las ciudades la noamericanas. Bitácora, n. 15, pp. 13-36. Bogotá, Universidad Nacional de Colombia.
______ (2010). Teorías y polí cas urbanas: ¿libre mercado mundial o construcción regional? Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2. São Paulo.
REBÓN, J. (2007). La empresa de la autonomía. Trabajadores recuperando la producción. Buenos Aires, Colec vo/P.I.CA.SO.
ROSENZVAIG, E. (2004). Pabellón de rurales. Herramienta, Revista de debate y crí ca marxista, n. 27. Buenos Aires, Herramienta.
ROZE, J. (1993). Desastres recurrentes y confl ictos sociales. Tomas de viviendas en el marco de las inundaciones de 1983 1986. Cuaderno 1, Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, Facultad de Arquitectura y Urbanismo, Universidad Nacional del Nordeste.
______ (1995). Espacio y poder. Una mirada material. Cuaderno Urbano 2. Cátedra de Sociología Urbana. Resistencia, FAU/UNNE.
______ (2001). Las ciudades y la acción sobre las ciudades. AREA – Agenda de refl exión en arquitectura, diseño y urbanismo, n. 9. Secretaría de Inves gación en Ciencia y Técnica, Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo, Universidad de Buenos Aires.
______ (2003). Inundaciones recurrentes: ríos que crecen, iden dades que emergen. Ediciones Al Margen. Colección Entasis. La Plata, Fundación IDEAS Ediciones.
ROZE, J. et al. (1999). Trabajo, moral y disciplina en los chicos de la calle. Buenos Aires, Espacio.
SIR WILLIAM HALCROW e PARTNERS LTD. (1994). Estudio de regulacion del valle aluvional de los ríos Paraná, Paraguay y Uruguay para el control de las inundaciones. Informe fi nal. Buenos Aires, Sub Unidad de Coordinación para la Emergencia/Ministerio del Interior.
STREN, R. (2001). “Par cipación del sector privado en el suministro de los servicios públicos” e “Introducción” (a varios capítulos). In: FREIRE, M. e STREN, R. (eds). Los retos del gobierno urbano. Ins tuto del Banco Mundial #21642. Colômbia, Banco Mundial/Alfaomega.
Ana Núñez, Jorge Roze
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 61-88, jun 201488
TOPALOV, C. (1979). La urbanización capitalista. Algunos elementos para su análisis. México, Edicol.
VIGUERA, A. (1998). Estado, empresarios y reformas económicas. En busca de una perspec va analí ca integradora. Perfi les la noamericanos, año 7, n. 12, pp. 9-51. México, FLACSO.
WHITE, G. F. (1973). “La inves gación de los riesgos naturales”. In: CHORLEY, R. J. Nuevas tendencias en geogra a. Madri, Colección Nuevo Urbanismo. Ins tuto de Estudios de la Administración Local.
YUJNOVSKY, O. (1984). Claves polí cas del problema habitacional argen no. Buenos Aires, GEL.
ZEMELMAN, H. (1987). La totalidad como perspectiva de descubrimiento. Revista Mexicana de Sociología, v. 49, n. 1. México, Ins tuto de Inves gaciones Sociales/UNAM.
Texto recebido em 4/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014
Urbanismo a la carta: teorías, políticas,programas y otras recetas urbanas
para ciudades latinoamericanas
A la carte urbanism: theories, policies, programsand other urban recipes for Latin American cities
Victor Delgadillo
ResumenEn las últ imas décadas diversas ciudades
latinoamericanas han impulsado un conjunto de
similares políticas públicas, programas urbanos
y otras “recetas” urbanísticas para: confrontar
dist intas problemáticas urbanas, generar
competitividad económica o construir una buena
imagen de la ciudad. Este conjunto de acciones
parece constituir un “menú” de “recetas probadas”
en distintos contextos urbanos para confrontar
“con éxito” algunos problemas y desafíos urbanos.
Este artículo revisa sucintamente la circulación
de paradigmas y políticas urbanas; compara
algunas políticas y programas urbanos realizados
recientemente en Buenos Aires, Ciudad de México y
Quito e intenta responder algunas preguntas: Porqué
alcaldes con orientaciones políticas tan diferentes
ejecutan el mismo tipo de políticas urbanas: hay una
visión pragmática compartida, coincidencia política,
coacción económica o una ideología dominante?
Palabras clave: Urbanismo a la carta, teoría
urbana latinoamericana, políticas urbanas,
circulación de paradigmas urbanos, espacio público
AbstractIn recent decades, many Latin American cities have launched a similar set of public policies, urban programs and other urban development "recipes" in order to: confront different urban problems, generate economic competitiveness or build a good city image. These actions appear to build a "menu of tested recipes" in different urban contexts to "successfully" confront different urban problems and challenges. This article briefly reviews the circulation of urban paradigms and policies, compares some urban policies and programs which have been recently conducted in Buenos Aires, Mexico City and Quito, and attempts to answer some questions: Why do mayors with different political orientations implement the same type of urban policies? Is there a shared pragmatic vision, a political coincidence, economic coercion or a dominant ideology?
Keywords: a la carte planning; Latin American urban theory; urban policies; circulation of urban paradigms; public space.
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201490
Introducción
En las últimas décadas diversas ciudades
latinoamericanas, gobernadas por partidos
con la más distinta orientación política,
han impulsado un conjunto de similares
políticas públicas, programas urbanos y otras
“recetas” urbanísticas para: 1) confrontar
distintas problemáticas urbanas, 2) generar
competitividad económica o 3) construir una
buena imagen de la ciudad. Este conjunto de
políticas, programas y recetas urbanas abarca
la recuperación de los centros históricos, la
introducción de carriles confinados para el
uso de bicicletas y sistemas de transporte
colectivo rápido, el mejoramiento de barrios y
de vivienda, becas para población vulnerable,
presupuestos participativos, “playas urbanas”,
etcétera. Se trata de un conjunto de políticas
y acciones urbanas que parecen constituir un
“menú” de “recetas probadas” en distintos
contextos urbanos para confrontar “con éxito”
algunos problemas y desafíos urbanos.
Este artículo reconoce positivamente
que en América Latina hay un sistema de
vasos comunicantes que históricamente han
permitido el intercambio y la difusión de
políticas públicas y experiencias urbanas, que
han facilitado a las ciudades, sus ciudadanos
y gobiernos confrontar con dignidad y eficacia
diversos problemas y desafíos urbanos. La
difusión de experiencias urbanas desarrolladas
en otros contextos geográficos y en otros
momentos históricos son condiciones básicas
para la innovación urbana y el aprendizaje
mutuo. Por e l lo, en nuestro quehacer
profesional promovemos la difusión crítica de
las llamadas “buenas” políticas que adaptadas
a las condiciones locales pueden coadyuvar
a la solución de problemas específicos. Sin
embargo, en la difusión y reproducción de las
políticas, programas y acciones urbanas que
conforman este “Urbanismo a la carta” actual,
destacan dos cosas: 1) el papel (más o menos
impositivo) desempeñado por los organismos
internacionales de financiamiento como el
Banco Mundial y en nuestra región el Banco
Interamericano de Desarrollo; y 2) una visión
pro empresarial que a nombre de la creación
de riqueza y empleo, privilegia la actividad
económica directa e indirecta.1
Este art ículo 1) se propone abrir
n u e va s p e r s p e c t i va s e n e l e s t u d i o
comparado de algunas políticas públicas
que simultáneamente se aplican en diversas
ciudades latinoamericanas y 2) intenta
responder una serie de preguntas: Qué es lo
que hace que alcaldes y gobiernos locales con
orientaciones políticas tan diferentes ejecuten
el mismo tipo de políticas urbanas (más y/o
menos neoliberales), como la introducción de
“playas urbanas”, circuitos confinados para
bicicletas y metrobuses, o la programación
de múltiples eventos culturales en espacios
públicos que al parecer tienen la intención de
erosionar la dimensión política y ciudadana
de esos lugares para convertirlos en sitios
de entretenimiento para consumidores. ¿La
promoción de la misma política y el mismo
tipo de acciones urbanas en distintos contextos
responde a una misma visión pragmática, una
coincidencia política, una coacción económica,
o hay detrás de ello una teoría y una
ideología dominante que soporte esa toma de
decisiones? Los programas y recetas urbanas
que más se difunden ¿Promueven soluciones
de fondo o son simples paliativos para algunos
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 91
problemas urbanos? ¿En ausencia de pan
se trata de llevar circo a esas ciudades? ¿Se
atienden necesidades de la población o se
favorece la realización de negocios privados?
Este artículo analiza algunas políticas
públicas en tres ciudades latinoamericanas
(Buenos Aires, Quito y Ciudad de México)
que han sido elegidas en función de trabajos
previos (Delgadillo, 2011). A la manera de una
carta de restaurante este artículo propone
analizar una variedad de acciones, programas,
políticas, proyectos y megaproyectos urbanos,
así como estrategias de marketing urbano
para distintos gustos y precios, lo que abarca
la “cocina” típica, regional e internacional.
El “Urbanismo a la Carta” abarca acciones
puntuales, planes estratégicos; la realización
de megaproyectos; la recuperación de centros
históricos; así como acciones de marketing
urbano (con la adopción de slogans públicos
similares: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad
compacta, Ciudad sustentable, equitativa y
competitiva; etcétera). Se trata de un “menú”
con diversificado origen de esas “recetas”
urbanas, cuyo análisis debe abarcar el papel
desempeñado por los consultores foráneos
(algunos de ellos promotores del “modelo
Barcelona” for export), las agencias de
cooperación internacional y los profesionistas
locales (en su papel de académicos, consultores
o funcionarios públicos) en la difusión de
este “Urbanismo a la carta”. Por cuestión de
extensión en este artículo sólo analizamos las
políticas del espacio público y de transporte
público en bicicleta y en menor medida las
políticas de mejoramiento barrial.
Tenemos conciencia que algunos
aspectos de este artículo son bastante obvios
y conocidos, pero creemos que analizados en
el conjunto de tres ciudades llamaremos la
atención sobre la necesidad de teorizar sobre
la reproducción de estas prácticas. En síntesis,
este texto pretende evidenciar las cosas en
común que tienen tres políticas urbanas
recientes en tres ciudades latinoamericanas,
y cómo éstas son modeladas por la doctrina
neoliberal, lo que alcanza a gobiernos de las
más diversas orientaciones políticas (en el
discurso). El artículo presenta, en la primera
parte, una revisión sucinta sobre la circulación
de paradigmas y políticas urbanas. El apartado
dos presenta una comparación de tres políticas
urbanas realizadas en las dos últimas décadas
en las tres ciudades objeto de estudio. El
último apartado presenta las conclusiones y
una agenda de temas para seguir investigando
sobre la teoría urbana que subyace a una serie
de políticas públicas urbanas que se realizan en
más de una ciudad latinoamericana.
Sobre la circulación de los paradigmas y las políticas urbanas
Reproducción de prácticas latinoamericanas
En América Latina hay diversos sistemas
de comunicación que históricamente han
permitido la difusión de políticas públicas y
de experiencias urbanas heroicas (como las
de la población organizada de bajos ingresos
que ha construido su vivienda, su ciudad y
su barrio), que han facilitado a las ciudades,
sus ciudadanos y gobiernos confrontar con
dignidad y eficacia diversos problemas y
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201492
desafíos urbanos. La difusión de experiencias
urbanas desarrolladas en otros contextos
geográficos y en otros momentos históricos
son condiciones básicas para la innovación
urbana y el aprendizaje mutuo. Así por
ejemplo:
• El movimiento cooperativista uruguayo
de vivienda por ayuda mutua nutrió en la
década de 19702 una serie de experiencias
habitacionales en la Ciudad de México3 y otras
ciudades latinoamericanas. En el siglo XXI esta
experiencia ha sido retomada y renovada en las
áreas urbanas centrales de Buenos Aires por
el Movimiento de Ocupantes e Inquilinos y en
San Salvador por la Fundación Salvadoreña de
Vivienda Mínima, Fundasal.
• El sistema de transporte colectivo rápido
Metrobús, en un carril confinado, ideado en
Curitiba, se reprodujo en múltiples ciudades
latinoamericanas, entre ellas, Quito (1995),
Ciudad de México (2005) , Buenos Aires
(2011), etc.
• Los programas de mejoramiento barrial
de Suramérica, impulsados desde la década
de 1980, se han expandido a México y
Centroamérica en el siglo XXI.
• E l m o d e l o d e l o s p r e s u p u e s t o s
participativos brasileiros ha sido adoptado,
mal copiado o enriquecido en múltiples
ayuntamientos latinoamericanos.
• La política de vivienda social chilena,
construida por el sector privado con los fondos
sociales, se expandió de manera colosal, salvaje
y abusiva en México, y amenaza con hacerlo en
otros países de la región.
Algunas de éstas políticas, programas
e instrumentos urbanos han trascendido la
geografía latinoamericana, para ser adaptados
en algunas ciudades de Europa, como es el
caso de los Presupuestos Participativos y los
Programas de Mejoramiento Barrial adoptados
en Cataluña.
Reproducción de prácticas foráneas en América Latina
Nuestra región históricamente ha estado
vinculada e interesada en los avances
urbanísticos, sociales, tecnológicos, etcétera,
realizados en Europa desde el siglo XIX, y en
Norteamérica después de la II Guerra Mundial.
Arturo Almandoz (2002) en su bellísimo libro
sobre la planeación urbana de las principales
capitales de la región, realizada entre 1850 y
1950, da cuenta de la transferencia, adopción,
adaptación, transformación y enriquecimiento
de ideas urbaníst icas foráneas . En el
tránsito del siglo XIX al XX se trataba de un
selectivo préstamo de ideas urbanísticas
europeas, realizado por pequeños grupos
sociales (elites, académicos, gobernantes)
que buscaban: una identidad cosmopolita,
modernizarse o seguir “perteneciendo” (en
términos culturales) a Europa.
Tal vez una razón de mayor fondo era
la búsqueda de alternativas e instrumentos
para confrontar los emergentes problemas
urbanos (congestión, hacinamiento, salud
pública, etcétera) derivados del desarrollo
urbano impulsado por la incorporación de las
economías locales al mercado internacional,
la inversión capitalista local y extranjera, la
irrupción de nuevos sistemas de transporte
colectivo (primero tranvías y trenes y después
autobuses), el crecimiento de la población
(debido a la inmigración del campo) y la
expansión urbana. Al mismo tiempo que se
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 93
buscaba higienizar la ciudad y permitir la
fluidez de los nuevos transportes, se pretendía
modernizarla y embellecerla. Así, en el último
cuarto del siglo XIX y la primera mitad del siglo
XX destacadas figuras del urbanismo europeo
(Forestier, Agache, Bouvard, Le Corbusier, y
después Sert) fueron invitados a trabajar o
a aportar ideas para la modernización de
varias ciudades latinoamericanas (Hardoy,
1995). Queiroz y Pechman (1996) analizan la
presencia de urbanistas franceses en Brasil.
También pueden mencionarse las iniciativas
de algunos arquitectos, como Carlos Contreras
(Ríos, 2008) y Karl Brunner (Hoffer, 2003), que
entre las décadas de 1920 y 1940 intentaban
introducir en los países latinoamericanos la
planificación urbana practicada en ciudades de
los países más desarrollados.
Asimismo, otros urbanistas foráneos,
residentes temporales o permanentes
de nuest ra región, han apor tado sus
conocimientos y experiencia en la búsqueda
de nuevos rumbos para la planif icación
urbana, la modernización de las ciudades y la
solución de los problemas urbanos locales; y
han realizado ricas aportaciones teóricas. Por
citar a algunos de ellos podemos mencionar a
Gilbert (1997), Gormsen (1981 y 1989), y Bähr
y Mertins (1995).
A c t u a l m e n t e l a s “ n o v e d a d e s ”
urbanísticas europeas y anglosajonas continúan
siendo una referencia en América Latina. Se
trata de una relación dialéctica y asimétrica.
Por un lado, algunos arquitectos, urbanistas y
gobernantes latinoamericanos buscan ávida y
acríticamente emular las “modas” urbanísticas
del llamado “primer mundo”; en tanto que
otros latinoamericanos lo hacen de manera
crítica. Por otro lado, algunos consultores,
gobiernos y casas editoriales difunden masiva y
estratégicamente las “novedades” urbanísticas
de sus ciudades, con el propósito de vender
servicios, programas, políticas y proyectos a las
urbes del llamado “tercer mundo”. Aquí, para
hacer negocios, se trata de transferir políticas,
sistemas de planificación estratégica y formas
de gestión que han demostrado su “éxito” en
las ciudades del “primer mundo”. Esta segunda
actitud coincide con la de los organismos
internacionales de financiamiento, como el
Banco Mundial y en nuestra región el Banco
Interamericano de Desarrollo, instituciones que
promueven un “menú” de “recetas probadas”
en distintos contextos urbanos para confrontar
“con éxito” algunos problemas y desafíos
urbanos. Estas instituciones de financiamiento
fueron actores clave en el período de la guerra
fría y tuvieron un papel importantísimo como
promotores del “desarrollismo” en las décadas
de 1950 a 1970, y en la década de 1990
participaron activamente en los procesos de
reformas estructurales (políticas y económicas)
en América Latina.
Algunos ejemplos dan cuenta de la
diversidad de prácticas foráneas reproducidas
en América Latina, lo que abarca desde
la producción de planes estratégicos,
megaproyectos hasta la adaptación de algunos
instrumentos urbanísticos.
El modelo Barcelona for export
El proceso de transformación urbana de
Barcelona con motivo de las olimpiadas
de 1992, realizado entre 1980 y 1995 fue
reconocido como un modelo exitoso por
diversas agencias internacionales como
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201494
el Programa de Gestión Urbana, el Centro
Hábitat de Naciones Unidas, la cooperación
alemana GTZ, el Programa de Naciones Unidas
para el Desarrollo, etcétera. Este “modelo”
ha sido ampliamente promovido y difundido
en muchas ciudades. En este contexto, Borja
y Castells (1997) reconocen el papel de los
consultores catalanes en el Plan para Puerto
Madero de 1990 en Buenos Aires,4 y en la
elaboración de los Planes Estratégicos de Río
de Janeiro de 1995 y de Bogotá del año 2000,
en los que el mismo Jordi Borja fue consultor.
Se trata de una gran campaña realizada
por algunos consultores catalanes para
conquistar ávidos mercados (es decir, ciudades
y ayuntamientos) interesados en emular el
éxito vendido por Barcelona. El libro de Puig
(2009), Marca Ciudad, más que académico
desde la dedicatoria parece un folleto que
vende la adaptación del modelo Barcelona
“para las ciudades Latinoamericanas que están
rediseñando su futuro”.
Golda (2007) da cuenta de la aplicación
de los principios urbanísticos barceloneses en
el Plan del Centro de Lima de 1989 con todo
“el dogma de la multifuncionalidad del espacio
público” en el que el Parque de la Exposición
(cuyo origen se remonta a 1872) se transformó
en Parque de la Cultura. En este caso el
promotor del plan fue un arquitecto local que
estudió y trabajó en la capital catalana.
Por su parte, un híper crítico local de ese
“modelo” (Delgado, 2007) dice rabiosamente
que se trata de la “venta de mentiras”: una
ciudad habitada que ha sido “ordenada”,
maquillada, empaquetada y vendida como si
fuera una mercancía, una top model. Para él,
se vende una Barcelona aséptica, bien portada,
gentrificada y parquetematizada, una ciudad
donde los pobres, inmigrantes ilegales y
marginales han pagado muy altamente el costo
en la producción de un “modelo” socialmente
excluyente.
El Banco Interamericano de Desarrollo (BID)
El BID es una institución que promueve el
otorgamiento de créditos para la realización
de diversos programas y políticas urbanas
para confrontar diversos problemas en las
ciudades y promover el desarrollo: construcción
de infraestructura y vivienda, recuperación de
centros históricos, mejoramiento de barrios,
etc. El otorgamiento de los préstamos del BID
está condicionado a la adopción de formas
de gestión y administración de los créditos
adquiridos por los gobiernos nacionales y
locales, para facilitar el funcionamiento del
libre mercado. Así por ejemplo, en la década
de 1970 el BID promovía el turismo en las
áreas patrimoniales (zonas arqueológicas de
Perú y centros históricos de Cuzco y Panamá),
mientras que desde la década de 1990 el
BID, igual que el Banco Mundial, reconoce al
patrimonio cultural como un capital económico
capaz de generar riqueza. En el ámbito de la
recuperación del patrimonio cultural esto se
traduce en el impulso a la participación del
sector privado en el financiamiento, rescate
y usufructúo del patrimonio cultural, lo que
abarca la (des)regulación urbana; la generación
de condiciones idóneas para la operación del
mercado inmobiliario; y el retorno de la buena
clientela (ver Rojas y De Moura, 1999). Un
caso paradigmático fue el préstamo otorgado
en 1994 para la recuperación del Centro
Histórico de Quito, ciudad que tuvo que crear
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 95
una institución público privada, la Empresa de
Desarrollo del Centro Histórico, para operar
ese crédito e incorporar al sector privado en la
recuperación y aprovechamiento de la herencia
edificada.
Algunos instrumentos para el desarrollo urbano
En materia de instrumentos urbanísticos
destacan, por ejemplo, las Zonas Especiales
de Desarrollo Controlado (Zedec), actuales
Programas Parciales de Desarrollo Urbano, de
la Ciudad de México, inspiradas en las Zones
de Amenagement Controllé (ZAC o Zonas de
Gestión Controladas) de Francia. Mientras que
los Sistemas de Transferencia de Potencialidad
del Desarrollo Urbano o del Potencial de
la Capacidad Construible aplicados en las
Ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos
Aires, están inspirados o son adaptaciones de
los Sistemas de Desarrollo Transferibles de las
ciudades estadounidenses (ver Rojas et al.,
2004, p. 224).
Centro periferia, original y copia, importación y exportación de políticas urbanas
En el debate sobre la forma en que circulan
las ideas, los paradigmas y las políticas
urbanas aún permanecen algunas visiones
anglo y eurocentristas, en donde igual que
en las visiones dependentistas, prevalece
la idea de que las innovaciones urbanas
provienen del corazón de occidente (el
primer mundo, las ciudades globales, los
países más desarrollados) y desde allí se
diseminan al resto del mundo. Esta idea es
a menudo constatada al evidenciarse que
varios políticos, urbanistas, planificadores
urbanos y arquitectos de la región, con
gusto importan sistemas de planificación y
ordenamiento territorial, proyectos, políticas y
modelos urbanos foráneos (fundamentalmente
europeos y anglosajones) para intentar
confrontar problemas urbanos locales o
desarrollar estrategias de competitividad
urbana; mientras que los académicos y otros
estudiosos de los temas urbanos con gusto
adoptan teorías urbanas foráneas para explicar
los procesos urbanos locales.5
Sin embargo, frente a estas visiones
simplistas que reducen la circulación de las
ideas, los paradigmas y las políticas urbanas
a esquemáticos procesos lineales (centro-
periferia, original-copia) se ha avanzado y
actualmente se reconoce que se trata de
procesos más complejos (Jajamovich, 2013),
bien lejos de las visiones eurocentristas6 y
reduccionistas:
• Amér ica Lat ina ha mantenido un
diálogo respetuoso y crítico, así como un
interés constante con las apor taciones
teóricas urbanas provenientes de los países
hegemónicos (con sus poderosas cadenas
editoriales que inundan nuestros mercados
de libros con traducciones al español y al
portugués).
• La circulación de las ideas se ha acelerado
y multiplicado en un mundo globalizado.
• Muchos colegas “foráneos” que se
han avecindado y radicado temporal o
permanentemente en América Latina, han
realizado grandes aportaciones prácticas y
teóricas para la comprensión de los procesos
urbanos locales.
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201496
Conviene citar aquí dos críticas a las
visiones eurocentristas:
• Robinson (2009) señala que la modernidad
más que occidental es cosmopolita, y que
la idea de la invención, apropiación o copia
es una actitud o toma de posición frente al
mundo. Ella pone de ejemplo dos ciudades,
Nueva York y Rio de Janeiro, que a fines
del siglo XIX y principios del XX adaptaban
con gusto los modelos urbaníst icos y
arquitectónicos franceses: la primera se
asume como ciudad moderna y cosmopolita,
y olvidó que su cosmopolitismo urbanístico es
una apropiación, copia e imitación de otras
culturas; mientras que en la segunda, desde la
década de 1920 se mantiene la idea de que la
modernidad es foránea y es una copia que no
ha podido invisibilizar la pobreza urbana.
• Este mismo debate se repite en un
libro reciente sobre el nuevo urbanismo
colonizador. Atkinson y Br idge (2005)
presentan la idea de establecer una sede
del Museo Guggenheim en Rio de Janeiro,
a principios del siglo XXI, como una clara
evidencia del urbanismo colonizador. Sin
embargo, en ese mismo libro la sede de ese
museo en Bilbao aparece como una marca
y un modelo exitoso de renovación urbana
¿Porqué en Rio una sede del Guggenheim es
una evidencia del urbanismo colonizador y en
Bilbao no?
Es evidente que las teorías surgidas
en países foráneos, particularmente los
anglosajones, han tenido una influencia en
la agenda de investigación de la región (el
postmodernismo, la ciudad global, etc.). Sin
embargo, rechazamos la idea que coloca a
los investigadores latinoamericanos como
actores pasivos que adoptan paradigmas
en boga. Muchos latinoamericanos hemos
estudiado en países del llamado primer
mundo y a diferencia de muchos colegas
monolingües (sobre todo los anglosajones)
leemos y nos mantenemos actualizados sobre
lo que se escribe en otras lenguas sobre el
mundo urbano (hasta traducimos y reseñamos
trabajos escritos en idiomas foráneos) ,
pues tenemos un interés en el conocimiento
universal y de ninguna manera renunciamos
a las aportaciones extranjeras. Sin embargo,
retomamos críticamente lo que consideramos
que aporta para explicar nuestras y otras
realidades urbanas.
Asimismo, v iv imos en un mundo
globalizado en el que (así sea de forma
asimétrica) tenemos acceso a un importante
cúmulo de conocimiento c ient í f ico, e
interactuamos directa e indirectamente
con colegas, expertos y profesionistas de
los países del norte y/o del sur que van y
vienen a estudiar o son enviados a cooperar
y trabajar en el sur (y en menor medida
en sentido contrario ) . Estas relaciones
(cada quien con su formación profesional,
académica, así como con sus paradigmas,
visiones urbanas e intereses profesionales y
económicos), que se realizan en el marco de
profundas desigualdades económicas entre
las partes participantes de estos intercambios,
contribuyen al enriquecimiento científico y al
avance de las ciencias sociales en materia de
los estudios urbanos.
P o r e l l o , e n n u e s t r o q u e h a c e r
profesional promovemos la difusión crítica
de las aportaciones teóricas foráneas y de
las buenas políticas locales y foráneas que
adaptadas a las condiciones locales pueden
coadyuvar a la solución de problemas
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 97
específicos. Sin embargo, somos críticos
de las l lamadas “buenas p rác t i cas”,
especialmente cuando quienes las promueven
son organismos internacionales legitimadores
del modelo neoliberal.
Políticas, programas y acciones urbanas ¿urbanismo a la carta?
La repetición del mismo tipo de programas
y políticas urbanas y la difusión “exitosa” de
algunas experiencias urbanísticas en varias
ciudades latinoamericanas gobernadas
por partidos políticos con las más diversas
orientaciones políticas, conducen a plantear
la hipótesis de que existe un “Urbanismo a la
Carta” para confrontar diversos problemas y
desafíos urbanos, que se oferta a los gobiernos
locales y nacionales por parte de consultores,
bancos de desarrollo, agencias de cooperación
internacional, la Organización de Naciones
Unidas y otras instituciones internacionales.
Este “Urbanismo a la Carta” presenta, cual
menú de restaurante, una variedad de entradas,
ensaladas, platos fuertes y postres ad hoc para
distintos gustos y precios, lo que abarca la
“cocina” típica, regional e internacional.
Acciones puntualesDe bajo costo y con una gran visibilidad mediática
Programas urbanos diversosDe bajo costo que no necesariamente implican
la realización de obra pública
Programación de eventos culturales en espacios públicos.7
Introducción de políticas y programas de seguridad pública.
Promoción del turismo urbano.
Instalación de playas urbanas en el verano.
Introducción de carriles confi nados para el uso de bicicletas.
Formulación de planes estratégicos.
Otorgamiento focalizado de becas para población vulnerable.
Aplicación del ejercicio de los presupuestos participativos.8
Reubicación del comercio informal.
Introducción de parquímetros (para ordenar el tráfi co y desplazar a los “cuida” autos).
Remozamiento y recuperación del espacio público. Introducción de eco bicicletas como sistema de transporte público.
Proyectos y megaproyectos urbanos Estrategias de marketing urbano
Realización de Megaproyectos: recuperación de frentes fl uviales, reconversión de zonas fabriles, construcción de proyectos ícono, etc.
Recuperación de centros y barrios históricos.
Introducción del Sistema de Metrobús en un carril confi nado.
Programa focalizado de mejoramiento de barrios.
Programas de mejoramiento de vivienda popular con microcréditos.
Campañas de marketing urbano: Ciudad Verde, Ciudad global, Ciudad compacta, Ciudad sustentable, equitativa y competitiva / Ciudad para todos / Ciudad de la esperanza / Primero los pobres (porque siguen los ricos).
Realización y participación en conferencias internacionales para presentar los “logros” de una “gestión exitosa”.
Negociar en foros internacionales para ser la sede de algo: Capital Cultural, Encuentro internacional de Alcaldes, etc.
Nota: Los “platillos” del menú pueden cambiar de lugar y ser ofrecidos en paquete (menú completo) o en partes. Un pedido puede no tener entradas o postre. Así por ejemplo el comensal (ayuntamiento, gobernante, inversionista) puede considerar laelaboración de un Plan Estratégico o una campaña de marketing como “el plato fuerte” de su gestión o inversión.
Urbanismo a la Carta, Menú
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 201498
Los chefs o cocineros de este “Urbanismo
a la Carta” son destacados académicos
y consultores foráneos, los organismos
financieros internacionales (en nuestra
región el BID), las agencias de cooperación
internacional y también los profesionistas
locales en nuestro papel de académicos,
consultores o funcionarios públicos.
Por cuestiones de espacio, en este
artículo desarrollamos sólo algunas de las
recetas de este “Urbanismo a la Carta”:
el sistema de transporte en bicicleta, las
políticas sobre el espacio público y los
programas de mejoramiento de barrios. Las
razones de esta elección responden al énfasis
actual de la política urbana en la Ciudad de
México, en donde este conjunto de políticas
públicas se presentan no sólo como políticas
innovadoras sino como una invención “local”.
Sin embargo, como se puede comprobar en
este artículo, se trata de la recreación de
políticas y programas urbanos que han surgido
antes o de manera casi simultánea en otras
ciudades latinoamericanas. Asimismo, antes
de presentar algunos programas y políticas
urbanas considero necesario presentar algunos
datos de las tres ciudades objeto de estudio
para contextualizar las acciones desarrolladas
en ellas.
Algunos datos sobre Buenos Aires, Ciudad de México y Quito
Las tres ciudades han sido sede del poder
político desde la época de la colonia, son
la capital de su respectivo país desde la
independencia y tienen una dimensión
metropolitana, pero son muy diferentes en
dimensión física, demográfica, formas de
gobierno, origen, función económica, historia,
etcétera. Así por ejemplo, en términos de
población, la zona metropolitana de la
Ciudad de México es una vez y media mayor
que la zona metropolitana de Buenos Aires
y casi nueve veces mayor que el Distrito
Metropolitano de Quito. Mientras que sólo
la Ciudad de México es tres veces mayor que
Buenos Aires Capital Federal y 5.4 veces mayor
que la ciudad de Quito.
Población y Vivienda 2010
Buenos Aires Ciudad de México Quito
Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad Metrópoli Ciudad
Población
Vivienda
12,801,364
4,230,636
2,891,082
1,082,998
20,019,381
5,827,109
8,851,080
2,453,770
2,239,191
763,719
1,619,146
550,265
Fuentes: Elaboración propia con base en datos del Inec (2010); Inegi (2010).
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 99
Sin embargo, las t res ciudades y
los tres países presentan problemáticas
económicas, políticas públicas y turbulencias
políticas semejantes o coincidentes. Así
por ejemplo: 1) En el marco de reformas
políticas en 1996 y 1997 las ciudades capital
de Argentina y México, respectivamente,
eligieron democráticamente a sus gobiernos
locales por primera vez en la historia; 2)
La economía argentina estuvo dolarizada
durante un período de 10 años y la ecuatoriana
se encuentra dolarizada desde 2001, en
ambos países un mismo personaje fungió,
en diversos momentos, como secretario de
economía; 3) A pesar de procesos locales
de desindustrialización, las tres ciudades
contribuyen de manera importante a la
economía nacional. En el año 2000 Buenos
Aires aportaba el 25% del producto interno
bruto nacional y la Ciudad de México el 22.3%,
mientras que Quito concentraba el 30% de
la industria nacional; 4) Los tres países han
padecido fuertes crisis económicas y grandes
cambios políticos desde 1990:
• La economía mexicana sufrió un crack en
diciembre de 1994 y su moneda se devaluó
fuertemente en el trascurso de 1995; la
economía del Ecuador tuvo una fuerte crisis en
1999 y en el 2001 se dolarizó; mientras que la
economía argentina tuvo su crack entre 2001 y
2002 y se desdolarizó ese último año.
• Constantes crisis políticas, económicas y
financieras, generadas por la introducción de
políticas de ajuste de la economía y casos de
corrupción, han ocasionado la destitución de
varios presidentes en Ecuador (Bucaram en
1997, Mahuad en 2000 y Gutiérrez en 2005)
y Argentina (De la Rúa en 2001, aquí además
transitaron varios presidentes interinos).
Introducción de sistemas de transporte en bicicletas
Este apartado está basado en trabajo de
campo realizado en febrero de 2013 (Quito),
mayo de 2013 (Buenos Aires) y durante
agosto – octubre de 2013 (Ciudad de México),
así como en información obtenida en las
siguientes páginas de internet, visitadas en
oc tubre de 2013 : Gobierno Autónomo
de la Ciudad de Buenos A i res w w w.
ecobicibuenosaires.gob.ar; Gobierno de la
Ciudad de México www.ecobici.df.gob.mx;
Gobierno de Quito www.biciq.gob.ec/web.
Buenos Aires, la Ciudad de México
y Quito han introducido recientemente el
sistema de transporte público en bicicletas. En
las dos primeras esto ocurrió en los meses de
marzo y febrero de 2010 respectivamente, y
en Quito en julio de 2010. En las tres ciudades
el sistema incluye el conf inamiento de
algunos carriles para la circulación exclusiva
en bicicleta, un sistema de disposición de
bicicletas en préstamo en Buenos Aires, y en
alquiler Quito (25 dólares anuales) y Ciudad
de México (con costos desde 400 a 90 pesos
mexicanos si es por un año o por un día
respectivamente).
El sistema más grande es ofrecido en la
Ciudad de México con 275 estaciones, cuatro
mil bicicletas y 87 mil usuarios; seguido de
Buenos Aires con 28 estaciones, 750 bicicletas
y 70 mil usuarios registrados. Mientras que
en Quito el sistema tenía 25 estaciones y 425
bicicletas. Buenos Aires pretende incrementar
el sistema hasta llegar a 3 mil bicicletas, 200
estaciones y automatizar el servicio para
funcionar las 24 horas del día.
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014100
Curiosamente el Gobierno de la Ciudad
de México, que se autodesigna de izquierda,
es el único que ha concesionado el servicio
EcoBici. Aquí el sistema es operado por Clear
Channel a través de su división Smartbike
(una firma que opera en Oslo, Barcelona,
Estocolmo, Verona y otras ciudades) en
conjunto con una de las empresas de Carlos
Slim (el inversionista más rico del país) que
puede cobrar el alquiler de una Ecobici a través
del sistema telefónico Telmex. En cambio, en
Buenos Aires Mauricio Macri no consiguió
concesionar el sistema Mejor en Bici o Ecobici
por oposición social y en el parlamento local.
Llama la atención que el sistema
funciona en la parte bonita o moderna de
las tres ciudades (centro de las ciudades,
distritos de negocios, centros y barrios
históricos recuperados), al margen de los
barrios populares y bien lejos de los barrios
periféricos, donde vive la mayor cantidad
de población. Si bien es cier to que el
discurso en la promoción de este sistema de
transporte público, es justamente contribuir
a la descongestión del tráfico en las áreas
urbanas centrales, curiosamente estos
sistemas no promuevan una cobertura en los
barrios populares céntricos y en las periferias
urbanas, donde centenas de miles de personas
realizan desplazamientos locales para ir a
la escuela, de abasto y de compras. Tal vez
estos programas de transporte no se realizan
en los barrios pobres porque se teme que
la población no pague por el alquiler de la
bicicleta o se la robe para venderla o para su
consumo personal.
También es revelador que en los
argumentos of iciales en favor de este
sistema aparezca de manera protagónica una
comparación con las metrópolis del primer
mundo. Así:
• Mauricio Macri señala que éste es un
programa “en línea con las tendencias
mundiales” y con las grandes capitales como
“París, Nueva York, Barcelona y Bogotá”
(Fuente: GCABA Boletín del 22/6/2012).
• En la inauguración de EcoBici en la Ciudad
de México, en febrero de 2010, el alcalde
Marcelo Ebrard decía que éste sistema “nos
pone al mismo nivel que ciudades como
Barcelona, París y Washington” (Fuente: El
Universal 16/2/2010).
Políticas sobre el espacio público
El espacio público, como concepto, tiene
múltiples significados y dimensiones: política,
física, urbana y otros más. Algunas visiones
reducen este concepto al ámbito de la
ideología dominante o a los espacios urbanos
abiertos. Nosotros reivindicamos una definición
más amplia del concepto que puede inscribirse
en el ámbito de la filosofía política. En una
versión sintética, Rabotnikof (2010) define el
espacio público por tres criterios y principios
básicos: 1) lo que es de utilidad o de interés
común para todos (una comunidad o colectivo),
2) lo que se hace y desarrolla a la luz del día,
lo manifiesto y lo ostensible, y 3) lo que es de
uso común, lo que está abierto y es accesible
para todos. Esta definición amplia abarca la
política, la economía, la educación, la ciudad,
la salud, los medios de comunicación, el medio
ambiente, etcétera. Se trata de una definición
de principios que no necesariamente coincide
con el espacio público que tenemos o hemos
tenido. En este sentido se trata (como el
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 101
Derecho a la Ciudad) de un espacio público a
(re)conquistar o a construir.
Para Merino (2010) el espacio público se
corrompe, cuando su naturaleza se convierte
en privada, se oculta lo que debe saberse,
los atributos de inclusión y accesibilidad se
transforman en excluyentes, lo abierto se cierra,
los recursos públicos se utilizan como si fueran
privados, la información pública se usa de
manera privada, se oculta el origen y destino
de los recursos públicos, se cierran las calles y
plazas en beneficio privado, y el gasto social
y la política pública se tornan excluyentes e
inaccesibles.9
Para Borja (2003) el espacio público
no se reduce a un suelo con un uso y función
especializados, sino que el espacio público es
la ciudad: un lugar abierto y accesible para
todos, un sitio significante en el que confluyen
todo tipo de flujos, y un lugar político de
representación y de expresión colectiva de la
sociedad. Por su parte, el espacio público en su
dimensión física es un espacio funcionalmente
polivalente, que articula todo con todo, ordena
la urbe, facilita el encuentro, el intercambio,
la movilidad y la accesibilidad de los recursos
urbanos, así como la permanencia de las
personas.
Para Delgado (2011) el espacio público
es un concepto que tiene una yuxtaposición de
concepciones e interpretaciones que abarcan:
los lugares de libre acceso, los ámbitos para
los vínculos sociales, los espacios de relación
con el poder, los sitios del público y para las
relaciones en público, etcétera. La presencia
del espacio público ratificaría la democracia
y promovería el encuentro y las reuniones
sociales. Sin embargo, el espacio público
no es por naturaleza un lugar democrático
para un ciudadano abstracto e ideal, ni
tampoco borra las desigualdades sociales. Al
contrario, actualmente el espacio público es
una ideología que sirve a las construcciones
y a los negocios que rodea y se llena de
modo adecuado para los objetivos de los
inversionistas y los gobiernos. Como si
hablara de nuestro “Urbanismo a la carta”,
Delgado señala que las intervenciones en el
espacio público son una “guarnición de las
grandes operaciones inmobiliarias” (algo así
como una orden de papas fritas para un buen
bife).
Delgado (2011) afirma que el espacio
público es un concepto que recientemente
se puso de moda,10 a partir de los grandes
megaproyectos de reconversión urbana.
Se trata de una ideología que sirve para la
reapropiación capitalista de la ciudad, y que
bajo el argumento del paraíso de la ciudadanía
(cortés, consciente y bien portada) excluye y
desplaza los comportamientos inapropiados
de las clases bajas (vendedores ambulantes,
indigentes, inmigrantes, prostitutas, etc.).
Justo por ello, las legislaciones y normativas
cívicas a nombre de un espacio para todos
pretenden ordenar y controlar el espacio
público, y excluir los malos comportamientos.
Se trata de ordenanzas del tipo de la cero
tolerancia que intentan construir un estado de
excepción y excluir u ocultar la pobreza.
• Aquí podemos citar como ejemplo, que
el Gobierno de “izquierda” de la Ciudad
de México, comandado por Andrés Manuel
López Obrador, en 2002 contrató al ex
alcalde republicano de Nueva York, Rudolf
Guliani, para que lo asesorara en materia
de la seguridad pública en dos territorios
emblemáticos en proceso de “recuperación”:
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014102
el Centro Histórico y el Paseo de la Reforma.
En el marco de las recomendaciones de Guliani,
la mayoría de “izquierda” en el parlamento
local aprobó en 2004 la Ley de Cultura Cívica,
que otorga instrumentos jurídicos al gobierno
local para combatir el comercio y los servicios
informales, el grafiti y los sospechosos.
Autoridades y programas de recuperación, construcción y ampliacióndel “espacio público”
En las tres ciudades objeto de estudio ha
emergido con fuerza, en la última década,
el tema del Espacio Público, al grado que los
tres gobiernos locales han creado instituciones
específicas para ello. Lo que no omite que
antes de ello se hayan realizado proyectos
de mejoramiento del espacio público en
barrios y centros históricos, bulevares (como
la recuperación del Paseo de la Reforma en la
Ciudad de México 2000-2006 y de la Avenida
de Mayo en Buenos Aires 1991-1993) y de
otras calles simbólicas.
En efecto, en 2008 se creó la Autoridad
del Espacio Público en la Ciudad de México
(AEP, 2012), mientras que la Gerencia de
Espacio Público en Quito dejó de depender de la
Dirección Metropolitana de Territorio y Vivienda
para pasar a la Empresa Pública Metropolitana
de Movilidad y Obras Públicas (Salazar,
2011). Por su parte, en 2007 se fusionaron
dos ministerios en Buenos Aires para formar
el Ministerio de Ambiente y Espacio Público
(GCABA, 2013). Las tres dependencias públicas
tienen funciones similares, son órganos de
gestión y realización de obra pública como la
mejora y sustitución de mobiliario urbano y
alumbrado público; la arborización y cuidado o
creación de áreas verdes y plazas con juegos
de agua, aparatos de ejercicios, etc.; o el
cuidado y pavimentación de calles. En Quito
esa dependencia se ocupa de la nomenclatura
y la publicidad; y en Buenos Aires de la basura.
Destacan dos funciones en dos ciudades:
• la Autoridad del Espacio Público, en la
Ciudad de México, tiene como función la
mejora del espacio pública para crear las
condiciones económicas que incentiven la
inversión productiva y fomenten la creación de
empleo (AEP, 2012).
• en Buenos Aires destaca el eslogan de
Ciudad Verde y el impulso -desde 2008- al
Plan “Guardianes de la plaza” consistente
en un cuerpo de “Intendentes de plaza” que
difunde las normas básicas sobre el buen uso
del espacio público, disuade las actividades
prohibidas y denuncia los delitos. Hay 380
guardianes (en tres turnos) para 88 Espacios
Verdes en la capital porteña (GCABA, 2013).
Entre los proyectos emblemáticos se
pueden mencionar:
• en Buenos Aires: 1) la Remodelación
del Microcentro, con la peatonalización de
varias calles y la sustitución de redes de
infraestructura; 2) el Remozamiento de Palermo
Viejo, y 3) el remozamiento de una parte (27
de 130 hectáreas) del Parque Indoamericano
inaugurado en diciembre de 2011.
• en la Ciudad de México la Autoridad del
Espacio Público en su corta vida ha realizado
15 proyectos, los más emblemáticos son: 1)
el remozamiento de la Plaza, Monumento y
Museo de la Revolución, 2) el conjunto de la
Plaza Garibaldi (con el Museo del Tequila,
el Mercado San Camilito y la Academia del
Mariachi); el Corredor peatonal Madero, la
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 103
Azotea Verde y el remozamiento de la Av.
Juárez y la Alameda Central, la Av. Pino Suarez
y la Plaza Tlaxcoaque. Todos ellos en el centro
histórico.
• en Quito: 1) la construcción del Bulevar
Avenida Naciones Unidas con la ampliación
y mejoramiento del espacio público, lo que
recupera el prestigio de ese sector; 2) la
creación de la Plaza Cultural Quitumbe en
el Sur de la Ciudad; 3) el remozamiento
de la Av. Napo, en la zona centro sur; y 4)
el mejoramiento del espacio público y la
infraestructura de La Mariscal Sucre, un barrio
turístico y de servicios.
• en Buenos Aires y la Ciudad de México las
autoridades sobre el espacio público también
rescatan o mejoran los llamados “Bajo puente”
o “Pasos bajo nivel” con iluminación, cámaras
de video seguridad y pintura antigrafiti.
• en Quito esa autoridad es la encargada de la
administración de los 9,762 estacionamientos
concesionados o privados del área central,
mientras que en la Ciudad de México la
autoridad es la responsable de la instalación de
parquímetros en algunas colonias centrales de
clase media y alta.
En las tres ciudades se promueve
la realización de exposiciones y eventos
culturales al aire libre en los espacios públicos
remozados, creados o ampliados (esculturas
urbanas, pinturas, murales, etc.). Igualmente en
Buenos Aires se realizó en 2011 el Encuentro
Internacional Street Art y en la Ciudad de
México ese mismo año se realizó una actividad
similar a la que acudieron los más famosos
grafiteros, stencileros y muralistas del mundo.
Es curioso como el concepto de grafiti tiende
a ser, o ha sido, sustituido por el de murales,
esténciles, Street Art y Urban Art.
A s i m i s m o , e s e v i d e n t e q u e e l
remozamiento o creación de espacios públicos
privilegia selectas áreas urbanas centrales,
sobre todo en la Ciudad de México, en donde
prácticamente toda la intervención pública
se concentra en la parte “bonita” del centro
de la ciudad, donde viven o consumen las
clases medias y altas. Con ello, se fortalece
el patrón de segregación funcional y social
de la ciudad. En cambio, en Quito y Buenos
Aires hay obras simbólicas y puntuales que
se han realizado en zonas populares como el
parque Indoamericano (así sea para ocupar
políticamente un territorio invadido en 2010
por personas sin techo) y la Plaza Quitumbe
respectivamente.
Un último aspecto que me interesa
destacar es el discurso de los alcaldes y
gobiernos locales sobre el espacio público, así
como los eslóganes que usan y responden a
campañas de marketing:
• Macri habla de que "El espacio público
(…) es el lugar más democrático y el que más
necesitan los que menos tienen" y señala
que “El Parque [Indoamericano] recupera su
razón de ser: un espacio público de todos y
para todos”. Fuente: GCABA: Comunicado del
13/2/2013.
• El anterior alcalde de la Ciudad de
México, Ebrard, decía que “El espacio público
permite reducir la segregación que produce
la economía”, pero que en el centro histórico
“no se permitirá que haya vendedores
ambulantes, porque el espacio público es lo
que nos hace ciudadanos y nadie tiene derecho
a apropiárselo por ningún motivo”. Fuente: La
Jornada 19/7/2012.
• Por su parte, el gobierno local de Quito dice
que genera y recupera espacios públicos en la
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014104
ciudad (aunque además del megaproyecto
de la Avenida Naciones Unidas sólo ha
emprendido dos más, de menor dimensión e
inversión) para disminuir los desequilibrios
urbanos acercando los equipamientos y
servicios a la ciudadanía.
Market ing urbano, es lóganes de
gobierno: El Gobierno de Macri agrupa, bajo
el eslogan de Ciudad Verde, varios de los
programas públicos aquí referidos, mientras
que en toda la publicidad y difusión de los
programas y políticas de gobierno usa En todo
estás Vos. Ambos eslóganes son muy parecidos
a los que el actual y el anterior gobierno de la
Ciudad de México usaban y usan:
• Marcelo Ebrard (2006-2012) usaba un
anodino eslogan de gobierno “Ciudad en
Movimiento”, tal vez en abierta oposición al
de su antecesor López Obrador (2000-2006)
que usaban “La ciudad de la esperanza”, pero
en cambio su eslogan de desarrollo urbano era
“competitivo, equitativo y sustentable”.
• por su parte, el actual alcalde, Miguel
Ángel Mancera (2012-2018), usa como eslogan
de gobierno “Decidiendo juntos” y para el
desarrollo urbano el de “Ciudad compacta”.
Es evidente que los eslóganes de
gobierno se amparan en las ideas de la
atención y participación ciudadana; y los
de desarrollo urbano en el tema de la
sustentabilidad urbana, el urbanismo verde y
el desarrollo urbano intensivo. Sin embargo,
se trata de meros discursos que no resisten la
mínima prueba de la participación ciudadana
y del desarrollo urbano sustentable, pues a
menudo bajo estos emblemas se practican
políticas públicas en sentido contrario.
Programas de mejoramiento de barrios
Los programas de Mejoramiento de Barrios
se remontan a las décadas de 1960 y 1970,
cuando los gobiernos de diversas ciudades
latinoamericanas recurrieron a la regularización
de asentamientos informales y posteriormente
introducían infraestructuras y otras medidas de
saneamiento. Sin embargo, la versión actual de
esta política focalizada se remonta a la década
de 1980. El BID es un activo agente que desde
la década de 1980 ha otorgado créditos para
el mejoramiento barrial (hasta 2008 había
financiado 37 proyectos de mejoramiento
barrial en 13 países) con el propósito de
garantizar la gobernabilidad urbana, evitar
conflictos sociales y combatir la pobreza (Rojas,
2009).
En Argentina, Ecuador y México es
evidente el papel protagónico del BID,
institución que otorgó el primer crédito para
este propósito a Chile en 1986 y cofinanció el
emblemático programa Favela Bairro desde
1995. Esta política focalizada, en términos
sociales y territoriales, pretende integrar física
y socialmente los asentamientos populares a
la ciudad a través de un conjunto de acciones
físicas, jurídicas y sociales, entre las que
destacan: la dotación de infraestructuras, la
recuperación de áreas medioambientalmente
degradas o no urbanizables; la regularización
de la tenencia de la vivienda (esto no aplica en
muchas ciudades); y la introducción de servicios
sociales y comunitarios. Los programas de más
reciente generación también han pretendido
incorporar medidas para reducir la violencia
y combatir la inseguridad pública. Asimismo,
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 105
se ha pretendido incidir en la economía local,
a través de la creación de empleos; facilitar el
acceso a créditos a través de la regularización
de la propiedad inmueble; y eliminar el estigma
socio espacial a través del acceso a una
dirección y a un barrio formal.
E n A r g e n t i n a e l P r o g r a m a d e
Mejoramiento Barrial (PROMEBA I) data de
1996 y una segunda fase (PROMEBA II) se
realizó a partir de 2007. Este programa no ha
operado en Buenos Aires, tal vez porque la
dimensión de la problemática constituida por
las llamadas Villas Miseria es insignificante
comparada con la de las otras 19 provincias
argentinas, o bien porque no ha habido la
intención de reconocer esos asentamientos
informales. En cambio, en Ecuador y México
esa política se remite apenas al siglo XXI con
los programas de Apoyo al Sector Vivienda
(2002) y de Mejoramiento Integral de
Barrios (2007); y Hábitat I (2003) y Hábitat II
(2007) respectivamente. En ambos casos, los
asentamientos informales están excluidos de
esta política pública. En la capital mexicana
ese programa nacional financiado por el BID
no opera, porque un gobierno de izquierda
“no trabaja” con instituciones neoliberales.
Sin embargo, como se verá enseguida, no
hay diferencia alguna entre las políticas de
mejoramiento barrial financiadas por el BID
y el Programa Comunitario de Mejoramiento
Barrial que desde 2007 y desde la “izquierda”
se opera en la capital mexicana.
En e fec to, los bar r ios pobres y
marginados de Quito y la Ciudad de México se
deben organizar para competir por los recursos
públicos para mejorar sus barrios. En la Ciudad
de México en seis años se atendió a 981
barrios (la tercera parte de los 3,328 barrios
que compitieron para ganar los recursos
públicos) y los programas de mejoramiento
de la imagen urbana abarcaban el 40% de
los barrios atendidos (pintura de fachadas);
la construcción o rehabilitación de espacios
comunitarios alcanzaba una cuarta parte
(25%); y el mejoramiento de diversas áreas
comunes y jardines constituían el resto (22%).
Se trata de nobles pero insuficientes
políticas públicas que son definidas como
universalistas, pero tienen una forma de
operación focalizada. Los barrios pobres deben
organizarse y concursar por la obtención de
fondos públicos, y los escasos recursos se
reparten entre el mayor número posible de
población y de barrios. En este sentido hay una
serie de preguntas sin respuesta: ¿Se atiende
a la población más pobre o los beneficios
son capturados por los menos pobres? ¿La
población más pobre tiene capacidad de
organizarse y concursar un proyecto?
Algunas conclusiones
Para una agenda sobre la teoría urbana en América Latina
Este artículo ha pretendido modestamente
contribuir a la apertura de una línea de
investigación sobre la circulación de las
políticas urbanas recientes que de manera
simultánea o diacrónica se están reproduciendo
en diversas ciudades de América Latina. Aunque
este artículo se limita a la comparación de tres
tipos de políticas urbanas que se realizan en
tres ciudades, sabemos que estas políticas se
reproducen, recrean, adoptan y adaptan en
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014106
muchas ciudades de la región. Ello representa
un desafío y una línea de trabajo para futuras
investigaciones comparadas.
La circulación de ideas y políticas
urbanas se ha intensificado merced a la
propagación de las nuevas tecnologías de
las telecomunicaciones y a la multiplicación
de los intercambios, reales y virtuales, entre
gobernantes, académicos, estudiantes y
profesionistas de diversas ciudades, en
múltiples escalas: sur-sur, norte-sur, sur-norte,
etc. Hasta donde alcanzamos a ver la actual
circulación de paradigmas y políticas urbanas
ocurre en múltiples escalas y en dos circuitos
de manera simultánea y yuxtapuesta:
• un circuito hegemónico y bien neoliberal,
promovido por gobernantes, consultores y
agencias de desarrollo internacional,
• un conjunto de redes alternativas promovido
por gobernantes y académicos críticos,
organismos civiles y sociales, que lejos de la
doctrina neoliberal, y con una actitud universal
y abierta al mundo, aprenden de experiencias
foráneas (locales, regionales e internacionales)
para intentar confrontar de mejor manera los
desafíos urbanos del siglo XXI y las necesidades
de la mayoría de nuestra población.
En el primer caso destaca el papel
desempeñado por el BID que promueve
la reproducción de lo que esa institución
considera como “buenas prácticas” en otras
ciudades y países de la región, como es el caso
de los programas de mejoramiento de barrios.
También destaca el papel de los consultores
catalanes en la elaboración de un conjunto
de planes estratégicos para distintas partes
de diversas ciudades (así por ejemplo, el libro
de Borja y Castells (1997), contiene varios
recuadros que sintetizan la labor de estos
consultores en ciudades como Bogotá, Rio de
Janeiro y Buenos Aires.
En el segundo caso pueden citarse
por ejemplo el papel de la Secretaría
Latinoamericana de la Vivienda y el Hábitat
Popular (SELVIHP), institución creada a fines
del siglo XX por un conjunto de organismos
soc ia les, que constantemente rea l iza
intercambios en materia de experiencias
autogestivas entre sus socios miembros de
Brasil, Argentina, Uruguay, Chile y Paraguay.
Sobre la circulación histórica y actual
de paradigmas urbanos entre América Latina
y Europa y Norteamérica se han realizado
varios y muy ricos trabajos (Almandoz, 2002;
Golda, 2007; Hardoy, 1995; Jajamovich, 2013;
Queiroz y Pechman, 1996; etc.). Sin embargo,
consideramos que tenemos pendiente la
realización de investigaciones que den cuenta
cómo han circulado las políticas urbanas y
las aportaciones teóricas latinoamericanas
en la misma región. No conocemos trabajos
que de manera comparativa que presenten
un conjunto de programas urbanos surgidos
en el sur que se han propagado en el mismo
sur y en el norte, como la política de vivienda
social chilena, los presupuestos participativos
brasileños, el Metrocable de Medellín y el
Metrobus de Curitiba.
¿Izquierda y derecha? ¿Neoliberal anti neoliberal?
Este trabajo no está en condiciones de
responder fehacientemente a una de las
preguntas planteadas en la introducción ¿Qué
es lo que hace que alcaldes y gobiernos locales
con orientaciones políticas tan diferentes
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 107
ejecuten el mismo tipo de políticas urbanas?
¿La misma visión pragmática, coincidencia
política, coacción económica, una ideología
dominante? Consideramos que para responder
a estas preguntas tendríamos que realizar una
investigación en profundidad que en lo posible
abarcara la entrevista con los gobernantes, los
tomadores de decisiones y los promotores de
esas políticas. Dicho análisis podría abarcar
algunos aspectos biográficos relevantes, como
dónde estudiaron o dónde conocieron las
políticas urbanas que se adoptan. No obstante,
a manera de hipótesis, estamos de acuerdo
con Pradilla (entrevistado por Delgadillo,
2013) cuando sostiene que las “mismas”
políticas urbanas y similares megaproyectos
urbanos son reproducidos en distintas ciudades
latinoamericanas por gobiernos con distintas
ideologías y orientaciones políticas por tres
razones fundamentales: 1) después de la
caída del socialismo real se ha perdido la raíz
ideológica y el pensamiento neoliberal se ha
convertido en un pensamiento hegemónico del
cual se alimenta la mayoría de las tendencias
políticas actuales, 2) la falta de conocimiento y
de ideología en muchos gobernantes y políticos
les impide establecer las diferencias, 3) el
pragmatismo ha reemplazado el conocimiento,
de igual forma que la planeación estratégico y
los megaproyectos (que tienden a sustituir a la
planeación urbana tradicional), se concentran
en algunas partes de la ciudad y no en el todo
de la ciudad.
En este artículo, a partir de este análisis
sesgado y preliminar, es curioso constatar como
las orientaciones políticas que se sostienen en
el discurso poco tienen que ver con la praxis.
Así por ejemplo:
• el gobierno de la Ciudad de México que se
autodefine como de izquierda y anti neoliberal,
es más neoliberal que el conservador gobierno
de Buenos Aires. La Ciudad de México
es la única de las tres ciudades que tiene
concesionado el sistema de transporte de
bicicletas y de cobro de parquímetros. En esta
ciudad, a pesar del discurso universalista,
igualitarista y de izquierda, el programa de
mejoramiento barrial actúa de facto con las
reglas de operación del BID sin deberle crédito
alguno: mejoramiento de barrios a través de
concursos, hacer más (mejoramientos) con
menos (presupuesto), etc.
• la correlación de fuerzas polít icas
locales en Buenos Aires no han permitido al
conservador Jefe de Gobierno privatizar el
servicio de transporte público en bicicleta.
Mientras que en Quito el sistema de transporte
público en bicicleta es controlado y subsidiado
por el gobierno local.
La modernización selectiva de privilegiados territorios céntricos
Las tres ciudades concentran la mayor cantidad
de sus inversiones y proyectos emblemáticos
en las partes centrales de la ciudad, donde
viven y/o consumen la clase media y media
altas: los centros de negocios, centros y barrios
históricos. Allí, se remoza, recrea y amplía el
espacio público urbano, que además 1) se llena
de actividades culturales y posibilidades lúdicas
para atraer a más población; y 2) es objeto de
nuevas y fuertes medidas de seguridad pública
para prevenir y combatir cualquier tipo de
delitos.
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014108
En estos lugares, bellos, vibrantes,
higiénicos y seguros las 24 horas del día
parece cumplirse la utopía de la equidad social
y territorial; el derecho a una ciudad segura y
saludable donde coexisten respetosamente
las diferentes culturas, etnias y género (como
dice la propaganda en Quito); el lugar donde
se democratiza la cultura con las exposiciones
y espectáculos culturales abiertos y gratuitos
al aire libre; y el sitio donde se encuentran los
colectivos locales, nacionales y extranjeros en
sus facetas de trabajo, estudio o recreación.
Sin embargo, en dichos lugares no caben las
prácticas económicas de los desempleados
y subempleados que representan una gran
cantidad de nuestras ciudades, quienes
se dedican al comercio ambulante, a los
servicios informales y a otras actividades
“inadecuadas” para la dignidad de dichos
espacios urbanos.
La inversión pública no sólo mejora y
amplía los espacios públicos en las áreas más
rentables y visibles de las tres ciudades, sino
que revaloriza la propiedad privada, pero dicha
inversión pública no es recuperada. Además,
al no realizarse este tipo de acciones públicas
(ni en su dimensión física ni económica) en
espacios públicos en los barrios populares
ni en las periferias distantes dichas acciones
contr ibuyen a la profundización de la
segregación social y espacial de la ciudad.
• Espacios públicos en barrios en barrios
populares se realizan de manera muy puntual
en Buenos Aires (parque Indoamericano) y
Quito (Plaza Quitumbe).
• En la Ciudad de México no se realiza (ni
siquiera como alibi) ninguna acción de espacio
público en las periferias distantes ni en los
barrios populares céntricos.
Ello demuestra una vez más que de
nada sirve autonombrarse como gobierno de
izquierda y apostar por una ciudad igualitaria,
cuando en los hechos se refuerza la histórica
segregación socioespacial, las grandes
inversiones públicas se concentran en las
partes privilegiadas de las ciudad y se sigue
condenando a la periferia a la ausencia de la
inversión pública.
Victor DelgadilloUniversidad Autónoma de la Ciudad de México, Colegio de Humanidades y Ciencias Sociales, Academia de Ciencia Política y Administración Urbana. Ciudad de México, Mé[email protected]
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 109
Notas
(1) Se trata de obras que mejoran el espacio público y la imagen urbana con el propósito de atraer inversión local e internacional.
(2) En gran medida esta experiencia fue difundida por el exilio uruguayo, es decir por los coopera vistas perseguidos por la dictadura militar.
(3) Las coopera vas Guerrero y Palo Alto en el centro y la periferia urbana respec vamente.
(4) Moscato (2000) da cuenta del rechazo de los gremios de profesionales argen nos a la inicial propuesta catalana, por lo que se organizó un concurso público local para defi nir el plan urbano defi ni vo.
(5) Esta ac tud no es exclusivamente “un problema la noamericano”. Inves gadores de Europa también recurren a la “importación” de conceptos en boga. Recientemente en Francia se puso de moda el concepto del gueto estadounidense para intentar “explicar” la problemá ca de sus barrios étnicos problemá cos ubicados en las periferias urbanas (Wacquant, 2010).
(6) No resulta ocioso mencionar un ejemplo: en julio de 2013 estudiantes españoles que volvieron a Madrid después de una estancia de intercambio en Buenos Aires, sostenían que la capital porteña con la realización de Puerto Madero se estaba “desla noamericanizando”.
(7) Estas ac vidades pueden ser (co)fi nanciados por las embajadas de países amigos.
(8) No se necesita des nar el 17% del presupuesto público territorial como ocurre en Porto Alegre, puede ser el 3% – como se hace en la Ciudad de México – o hasta menos, cuando el obje vo es hacer creer a la población que realmente “par cipa” en la defi nición de lo público y de la polí ca pública territorializada.
(9) Merino (2010) presenta un estado desastroso del espacio público en México: el espacio público electoral ha sido debilitado por los par dos polí cos y los poderes fac cos; el espacio público mediá co es dominado por dos televisoras privadas; la economía mexicana (lejos de ser el lugar del intercambio y la producción) está marcada por la voracidad de los oligopolios; la clase polí ca actúa en su propio benefi cio. Por ello, Merino sos ene que el espacio público en México es un territorio secuestrado y excluyente. Aquí, los contenidos del espacio público no son negociados, sino que se han vuelto un negocio.
(10) Delgado demuestra que el espacio público es un concepto reciente que en las décadas de 1960 a 1980 casi no era u lizado. Ni Jane Jacobs, ni Jordi Borja, ni Henry Lefebvre usaban este concepto, y cuando lo mencionaban lo hacía como sinónimo de plaza y calle.
Victor Delgadillo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014110
Referências
AEP – AUTORIDAD DEL ESPACIO PÚBLICO (2012). Ciudad de México, Espacio Público 2009-2012. México DF, AEP-GDF.
ALMANDOZ, A. (coord.) (2002). Planning La n America´s Capital Ci es, 1850-1950. Londres, Routledge.
ATKINSON, R. e BRIDGE, G. (coords.) (2005). Gentrification in a Global Context: the new urban colonialism. Oxon, Routledge.
BÄHR, J. e MERTINS, G. (1995). Die Lateinamerikanische Gross-Stadt, Verstädterungsprozesse und Stadtstrukturen. Darmstadt, Wissehnscha liche Buchgesellsha .
BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza Editorial.
BORJA, J. e CASTELLS, M. (1997). Local y global, la ges ón de las ciudades en la era de la información. Madri, UNCHS/Taurus.
DELGADILLO, V. (2011). Patrimonio histórico y tugurios: las polí cas habitacionales y de recuperación de los centros históricos de Buenos Aires, Ciudad de México y Quito. México, UACM.
______ (2013). América La na Urbana: la construcción de un pensamiento teórico propio. Entrevista con Emilio Pradilla Cobos. Andamios, Revista de Inves gación Social, v. 10, n. 22, pp. 185-201.
DELGADO, M. (2007). La Ciudad Men rosa, fraude y miseria del “modelo Barcelona”. Madri, Los Libros de la Catarata.
______ (2011). El espacio público como ideología. Madri, Los Libros de la Catarata.
GCABA – Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires (2012). Bole n del 22/6/2012. Disponível em: h p://www.365buenosaires.com/buenos-aires-en-bicicleta_nota820.html
______ (2013). Espacio público en Buenos Aires.Disponível em: h p://www.buenosaires.gob.ar/areas/med_ambiente/. Acesso em: 31 out 2013.
GILBERT, A. (1997). La ciudad la noamericana. México, Siglo XXI.
GOLDA, K. (2007). Retracing a relation: Barcelona´s Role as Urban Model for Ibero-American Metropolises – Limas a Case Study. Trialog 93. Darmstadt, pp. 4-11.
GORMSEN, E. (1981). Die Städte in Spanischen Amerika; ein zeit-räumliches Entwicklungsmodell der letzten hundert Jahren. Erdkunde, Band 35. Bonn, pp. 290-303.
______ (1989). La rehabilitación de centros históricos en ciudades de América La na y de la península ibérica. Revista Interamericana de Planifi cación. Guatemala, v. XXII, n. 87 e 88, pp. 233-252.
HARDOY, J. (1995). Teorías y prác cas urbanís cas en Europa entre 1850 y 1930. Su traslado a América La na. Dana, n. 37/38, pp. 12-30.
HOFFER, A. (2003). Karl Brunner y el urbanismo europeo en América La na. Bogotá, El Áncora Editores/ Corporación La Candelaria.
JAJAMOVICH, J. (2013). Miradas sobre intercambios internacionales y circulación intenacional de ideas y modelos urbanos. Andamios, Revista de Inves gación Social, v. 10, n. 22, pp. 91-112.
MERINO, M. (coord.) (2010). ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV.
Urbanismo a la carta
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 89-111, jun 2014 111
Texto recebido em 20/ago/2013Texto aprovado em 30/set/2013
MOSCATO, J. (2000). “El proceso de reconversión de Puerto Madero en Buenos Aires”. In: GUTIÉRREZ, R. (coord.). La otra arquitectura: ciudad, vivienda y patrimonio. México, Conaculta.
PUIG, T. (2009). Marca Ciudad, cómo rediseñarla para asegurar un futuro espléndido para todos. Buenos Aires, Paidos.
QUEIROZ, L. R. e PECHMAN, R. (orgs.). (1996). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
RABOTNIKOF, N. (2010). “Discu endo lo público en México”. In: MERINO, M. (coord.) ¿Qué tan público es el espacio público en México? México, FCE/Conaculta/UV.
RÍOS, C. (ed.) (2008). Carlos Contreras. Revista Planifi cación 1927-1938. Tres Tomos, 27 números (1ª edición en versión digital). México, Facultad de Arquitectura UNAM.
ROBINSON, J. (2009). Ordinary Ci es. Londres, Routledge.
ROJAS, E. (ed.) (2009). Construir ciudades, mejoramiento de barrios y calidad de vida urbana. Washington DC, BID.
ROJAS, E. e De MOURA, C. (1999). Préstamos para la conservación del patrimonio histórico urbano, desa os y oportunidades. Washington DC, BID – Departamento de Desarrollo Sostenible.
ROJAS, E.; RODRIGUEZ, E. e WEGELIN, E. (2004). Volver al Centro, la recuperación de las áreas urbanas centrales. Washington DC, BID.
SALAZAR, D. (2011). Quito un nuevo Modelo de ciudad. Folleto promocional. Trama Ediciones.
WACQUANT, L. (2010). Las dos caras de un gueto. Ensayos sobre marginalización y penalización. Buenos Aires, Siglo XXI.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014
Enfoques teóricos y usos políticosdel concepto de espacio público
bajo el neoliberalismo en la ciudadde Cuernavaca, México
Theoretical frameworks and political uses of the concept of public space under neoliberalism in the city of Cuernavaca, Mexico
Carla Alexandra Filipe Narciso
AbstractIn the construction of the neoliberal cit y, public space has become a central concept with widespread use in academic and political discourses and agendas. Its utilization has become polysemic, ideological, and even highly idealized when it comes to legitimizing the capitalist management of cities and hiding the social inequalities that generate such interventions. What is the use of the concept of public space to the State and to neoliberal governments and how do they use it? The answer to this question is developed throughout the paper through a qualitative study whose methodology is to understand and interpret in order to transform (Massey, 1984).
Keywords: public space; neoliberal government; political ideology; social differentiation, socio-territorial relations.
ResumenDentro de la construcción de la ciudad neoliberal,
el espacio público se ha convertido en un concepto
central y de uso generalizado en los discursos
y las agendas académicas y políticas. Su uso se
ha tornado polisémico, ideologizado e incluso
altamente idealizado cuando se trata de legitimar
la ordenación capitalista de las ciudades y de
ocultar las desigualdades sociales que generan
dichas intervenciones. ¿Cómo y para qué sirve al
Estado y a los gobiernos neoliberales el concepto
de espacio público? La respuesta a esta pregunta
se desarrolla a lo largo del documento a través de
un estudio de carácter cualitativo cuya metodología
es comprender e interpretar para poder transformar
(Massey, 1984).
Palabras claves: espacio público; gobierno
neoliberal; ideología política; diferenciación social;
relaciones socioterritoriales.
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014114
Introducción
El estudio del espacio público ha sido en los
últimos años un tema de persistente debate
entre diversas disciplinas, sin embargo,
en él se mantiene una cierta confusión en
relación con su significado y dimensión, ya
que comúnmente se refiere a una extensión
abstracta de uso común con el que se designa
espacio político, opinión pública, vida pública,
ciberespacio, dominio público y espacios físicos,
en el caso concreto a describir, las plazas.
La evolución conceptual de los conceptos
mencionados ha dado como resultado el que
sean tratados como sinónimos dentro de un
marco neoliberal, es decir, hablar de plaza es
lo mismo que hablar de dominio público o
espacio democrático de la toma de decisiones
de la comunidad. Sin embargo, hay que tener
en cuenta que la selección léxica que se haga
no es neutral, está repleta de significados,
ideologías y de legitimización social de los
mismos poderes gubernamentales. Esa inercia
abstracta del concepto procura justificar las
intervenciones del gobierno que no hacen
más que aumentar las desigualdades sociales
a través de una deformación u ocultamiento
de la realidad que hace creer a las clases
dominadas que participan del mismo modo en
la sociedad, mientras las hegemonías se van
tornando cada vez más fuertes. Como comenta
Delgado (2011, p. 25), “(…) la dominación no
solo domina, sino que también dirige y orienta
moralmente tanto el pensamiento como la
acción sociales”. Lo preocupante es que la
validez de estos discursos está respaldada por
la misma academia y viceversa, así como de
organizaciones nacionales e internacionales.
Pero, ¿cómo viven y entienden las
poblaciones estos espacios ideológicos?,
¿cuál es la relación entre la forma de las
relaciones socio-territoriales y las nociones de
espacio público que construyen los agentes,
enfatizándose el uso y apropiación que se
desarrolla en los lugares, así como la percepción
que de estos se derivan de forma conjunta y
complementaria en la ciudad de Cuernavaca?
Estas preguntas orientan el presente trabajo,
justif icado por el conocimiento sobre el
espacio público de Cuernavaca y cómo este
fue rompiendo y cuestionando con ideas y
teorías predeterminadas que no se aplican al
espacio en estudio y cuya definición puede
estar conformada por distintos supuestos
teóricos asociado a diferentes factores, en la
mayoría de los casos, contextos abstractos
y homogéneos. Así, ¿cómo ubicarse fuera de
los cánones producidos para pensar de otra
forma el espacio público? Nuestro objetivo
es generar conocimiento y teoría a partir del
caso empírico de Cuernavaca, a partir de los
agentes que usan, perciben y se apropian del
espacio público.
En esta labor asumimos el concepto de
lugar como lugar de identidad y de percepción,
pero también como una integración de
espacio y tiempo, como un tejer de historias
en proceso, como un momento dentro de las
geometrías del poder y, en proceso, una tarea
inacabada (Massey, 2008). Además, si es una
tarea inacabada y en contante construcción,
¿cómo se puede seguir hablando de un espacio
público en abstracto y que se territorializa de
la misma forma en cualquier contexto? Es esa
misma concepción del espacio público y como
se ha viniendo construyendo que hace que
se haya tornado un blanco por excelencia del
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 115
poder político, ya que su carácter impreciso y
mítico lo ha convertido en un discurso repleto
de ideales e ideologías.
El trabajo se estructura en cinco partes:
en la primera, haremos un breve recurrido por
la evolución conceptual del espacio público y
su correlación con la construcción histórica en
la ciudad de Cuernavaca; en la segunda parte
concretamos el análisis a partir de la nueva
corriente neoliberal y cómo se manifestó en
la ciudad; la tercera parte se dedica a analizar
las relaciones que los agentes construyen
en los lugares concretos a partir de sus
prácticas cotidianas; posteriormente, en la
cuarta parte, analizamos la forma en que los
agentes perciben y representan el concepto;
finalmente, ponemos a discusión esa relación
con el poder político.
La contracara de la concepción teórica del espacio público en la ciudad de Cuernavaca
Tradicionalmente, el espacio público fue creado
o definido como lugar de expresión política
y social, de interacción y modos de la vida
cotidiana de una sociedad, que se expresaba
igualitaria desde una perspectiva teórica. Este
marco de análisis surge en la modernidad a
partir de los escritos filosóficos de Habermas
(1984) y Arendt (1972) que cuestionan la
dimensión pública y privada (esfera pública)
del espacio público y que, posteriormente, se
ha tornado en uno de los principales marcos
para su discusión. A pesar de que estos autores
no hayan discutido el desarrollo del concepto
de espacio público como tal, la conformación
histórica con la que analizan la esfera pública
se volvió un sello imperativo en el análisis
del concepto como espacio de la ciudadanía
y de la expresión igualitaria del poder y de
los derechos comunes. Habermas (1984) y
Arendt (1972) retoman la esfera pública y
privada de la civilización romana y griega
respectivamente, configurados a partir del
ágora y el fórum, donde el ciudadano libre y
los señores feudales ejercían su poder. Arendt
(1972) define el espacio público a partir de una
concepción de carácter más simbólico como
el espacio de las apariencias, la expresión de
modos de subjetivación no identitarios, en
contrapunto a los territorios familiares y de
identificación comunitaria, pero donde rige la
libertad y la igualdad. Habermas (1984), por su
parte, define lo público como consecuencia y
prolongamiento de las relaciones económicas;
como el dominio histórico construido a partir
de la controversia democrática y finalmente
como el espacio de uso libre y público de la
razón. La postura de Habermas fue tomada
de Kant que defendía que el espacio público
estaba en el corazón del funcionamiento
democrático, así como la esfera intermedia que
se constituyó históricamente, en el período de
las Luces, entre la sociedad civil y el Estado.
Entonces, el espacio público sería el lugar
accesible a todos los ciudadanos, donde el
público se reunía para formular una opinión de
forma democrática. La posición de Habermas
lleva a la construcción de un espacio público
idílico que supone la existencia de individuos
más o menos autónomos, con capacidad de
formar una opinión propia, no “alienados a
los discursos dominantes”, acreditando en
las ideas, argumentos y no solamente en la
confrontación física. En este contexto, el espacio
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014116
público sería la autenticidad de las palabras
que se impone sobre la de los muros, de las
vanguardias y de los sujetos de la Historia; la
idea de un reconocimiento del otro y no su
reducción al estado de “sujeto alienado”; el
reconocimiento del otro como igual y no como
diferente, lo que irreflexivamente marcaba las
pautas de definición entre público y privado.
Parece ser, en efecto, que era la
redefinición de lo privado lo que permitía
al espacio público diseñarse y afirmarse, en
contrapunto, pero siempre en función de
grupos hegemónicos. La definición de los
límites entre los espacios públicos y privados
era clara y acentuada por el uso de clase, factor
que, de acuerdo a algunos autores, parece
que se ha perdido en varios momentos de la
historia. ¿Será que realmente se ha perdido o
es un elemento que efectivamente lo define?
Las aportaciones de Habermas (1984) y Arendt
(1972) y su marco de análisis entre esfera
pública y privada hacen que, a partir de los
años setenta aproximadamente, el análisis
político del espacio público se popularice y
gane especial relevancia en su teorización. Lo
anterior ha llevado a la acepción de espacio
público como aquel que, adentro del territorio
urbano tradicional, sobre todo en las ciudades
capitalistas, donde la presencia del sector
privado es predominante, es del uso común y
posesión colectiva, pertenece al poder público
y como tal existe para el uso común donde
todos tienen derecho.
Esta imagen idealizada de un espacio
público moderno se ve afectada por diversos
cambios urbanos, sobre todo desde una
lógica neoliberal que acentuó procesos de
fragmentación y privatización. A partir de esto,
desde diferentes latitudes geográficas autores
como Sennett (1978); Borja (2003); Giglia
(2003); Zukin (2010) y Ramírez Kuri (2009)
empiezan a reivindicar el espacio público
como construcción social y como elemento
activo en la comprensión de las relaciones
y prácticas sociales en que se especializan,
transformando tanto la estructura, la forma y la
imagen urbana como las actividades humanas
y el significado de la ciudad vivida por grupos y
actores sociales diferentes.
Las aportaciones de estos últimos
autores surgen de la confrontación con la
planificación y su cambio de intervención
funcional a intervención espectáculo y
monumental, sumándose aquí la proliferación
de los centros comerciales, condominios
cerrados, pero también por la implementación
de políticas urbanas que fomentan los grandes
proyectos de renovación que han originado
una pérdida de la identidad y sociabilidad,
la generación de procesos de exclusión, la
privatización de la vida urbana y la desigualdad
social (Caldeira, 2007; Low, 2005) despuntando
la crisis y muerte del espacio público (Borja,
2005; Davis, 1992; Sorkin, 2004; Duhau y
Giglia, 2008). Sin embargo, esta crisis se
ha cuestionado en el sentido que algunos
rasgos de la sociedad actual ya se observaban
en la sociedad moderna: la desigualdad
social, la segregación y fragmentación
urbana. ¿Entonces, hasta qué punto estas
transformaciones urbanas han detonado
una crisis del espacio público?, ¿cuáles son
los objetivos de estas transformaciones y su
relación con la modernidad? Lo que podemos
afirmar es que este tipo de transformaciones
urbanas son resultado de un amplio proceso de
reproducción de las relaciones de producción
capitalistas y de la necesidad del capital en
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 117
generar excedente. En la modernidad podían ya
observarse, pero con otros matices.
Lo que nos parece pertinente considerar
es el supuesto desde el que dirigimos la
investigación: más que una crisis del espacio
público hubo dos transformaciones clave, por
un lado, una refuncionalización a partir de las
nuevas estructuras urbanas controladas por
nuevos agentes como el poder municipal y el
mercado; y, por el otro, una resignificación
a partir del momento que el espacio público
se asume como un producto que puede ser
comercializado desde el ideario de las clases
hegemónicas.
Ahora, esta crisis del espacio público
levantó diversos cuestionamientos sobre su
papel en la ciudad y el debilitamiento de los
espacios de formación de la sociedad, de
inclusión social, de accesibilidad y movilidad
que se estaban generando. Se empezó,
entonces, a problematizar a nivel mundial
sobre la importancia de espacios dignos
para la convivencia y calidad de vida en
condiciones de igualdad, es decir, sobre la
cuestión del derecho al espacio público como
un derecho humano.
Hablar del derecho al espacio público
es hablar de los atr ibutos tangibles e
intangibles del espacio público que han
sido defendidos por diversos autores e
instituciones (DGOTDU – Direcção Geral do
Ordenamento do Território e Desenvolvimento
Urbano, 2008; www.pps.org; Unesco) como
la accesibilidad, el confort, la buena imagen
y el entorno amigable, perspectiva asociada
en cierta medida a arquitectos y urbanistas.
Entonces, si el adjetivo público evoca a una
accesibilidad generalizada e irrestricta, un
espacio accesible a todos debe significar
algo más que simple acceso físico a espacios
abier tos de uso colectivo, debe ser un
componente fundamental para la organización
de la vida colectiva (integración, estructura)
y de representación (cultura, política) de la
sociedad que construye su razón de ser en la
ciudad. Por otra parte, el segundo atributo que
se defiende como el derecho al espacio público
es el derecho a espacios públicos confortables
y con buena imagen1 que promuevan la
inclusión social (Carrión, 2007) aunque se
pueda generar segregación social porque los
espacios bonitos son para las zonas de ingresos
medios/altos y para las zonas de ingresos
bajos, “cualquier cosa sirve”. Estas alocuciones
denotan cierta ambigüedad y recaen sobre
clichés preestablecidos y homogéneos propios
de un discurso neoliberal.
La componente idílica transversal al
espacio público heredada de la modernidad
se empieza a cuestionar desde diferentes
posiciones académicas ya que el neoliberalismo
lo va a d e tona r como un e l emento
estructurador y vertebrador del territorio de
la ciudad, entendido como el espacio físico y
las funciones urbanas que en él se procesan. El
espacio público moderno era una garantía de
las continuidades que incluía en la ciudad las
áreas segregadas y acercaba la periferia con el
centro. En estos discursos, el espacio público
surge como el espacio por excelencia de y en
la ciudad, es el espacio en el cual se conoce
la ciudad, capaz de producir ciudad y generar
integración social (Carrión, 2007; Borja, 2003;
Ramírez Kuri, 2009; Jacobs, 1992).
Borja (2003) explica que los valores
vinculados a la ciudad – libertad y cohesión
social, protección y desarrollo de los derechos
individuales y expresión y construcción
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014118
de identidades colectivas, de democracia
participativa y de igualdad básica entre sus
habitantes – dependen de que el estatuto de
ciudadanía sea una realidad material y no
solamente un reconocimiento formal. Pero,
¿qué es la ciudadanía o de cuál ciudadanía
nos habla? Parece ser una definición muy
abstracta (Delgado, 2011) la que Borja ofrece,
además, existen dimensiones importantes
como la política, temporal e histórica que no
son consideradas.
Por otro lado, el origen de la crisis del
vínculo social y de la crisis de ciudadanía
que Borja (2003) argumenta parece estar en
la pérdida de los valores (democrático) que
otorga al espacio público, así como de su
función relacional que, según el autor, parece
ser que no aísla, no segrega a los habitantes,
pero les da la oportunidad de vivir y participar
en igualdad en la ciudad. ¿Pero hasta qué
punto el espacio público se caracteriza por
ser democrático e igualitario?, ¿dónde está la
democracia y la igualdad? Nuestra posición es
diferente de Borja y más cuando consideramos
casos empíricos sobretodo de ciudades en
Latinoamérica cuyas realidades son muy
diferentes en que la construcción del espacio
público ha generado desigualdades sociales
muy fuertes,2 como el caso de Cuernavaca. Por
otra parte, autores como Fainstein (2005) tejen
toda una crítica a esta conceptualización del
espacio público, argumentando que este nunca
fue democrático, ya que no todos participaban
en los fórums y ágoras del mismo modo,
incluso había gente, sobretodo de las clases
bajas, que no podían asistir. Entonces, ¿dónde
está la democracia perdida?
También Ash Amin (s. d.) cuestiona las
actuales posturas sobre el espacio público,
para el autor no se puede pensar más como
un sitio central de la formación política. Se
está lejos de los tiempos cuando los espacios
públicos de la ciudad central eran un sitio
político primordial. Sin embargo, aunque
nos parece pertinente la posición de Amin, el
autor no hace un análisis más específico de la
historia y también cree en un espacio idílico de
integración social, en que todos participaban
por igual. A pesar de su crítica dura, Amin no
puede imaginar un lugar desde proyecciones
comunes del espacio público porque los
diferentes contextos tienen representaciones
d i ferentes . Efec t ivamente, aunque se
construyan bajo procesos similares, los matices
en los que se reproducen espacialmente son
distintos. Para Amin, el verdadero público son
los espacios públicos de la calle, de la plaza,
del jardín, del centro comercial, pero también
los virtuales.
Parece así que estamos frente a un
espacio público con nuevos significados
– político, ideológico, social y estructural –
pensado como un recurso, un producto y una
práctica (cotidiana, política, simbólica).
Desde las distintas posiciones – las
que reivindican la dimensión pública o la
física – las perspectivas de análisis se han ido
entrelazando, la dimensión pública se vuelve
espacial y viceversa, lo que ha dificultado más
su conceptualización, convirtiéndolo así en
un discurso ideal e ideológico o “una práctica
entendida como una unidad o incluso como una
política dominada por una misma perspectiva”.3
Como bien señala Delgado (2011, p. 10):
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 119
[ . . . ] e l e s p a c i o p ú b l i c o p a s a a concebir se como la real ización de un valor ideológico, lugar en el que se materializan diversas categorías abstractas como democracia, ciudadanía, convivencia, civismo, consenso y otros valores políticos centrales, un escenario en el que se desearía ver deslizarse a una ordenada masa de seres libres e iguales que emplea ese espacio para ir y venir de trabajar o de consumir y que, en sus ratos libres, pasean despreocupados por un paraíso de cortesía.
Esa construcción ideológica lo ha
definido a partir de un espacio contenedor
que parece ser igual y que se define en todos
los lugares de la misma forma, esto es, la
experiencia entre diferentes, la posibilidad
de encuentro entre desiguales, la interacción
e integración social, la vivencia de la ciudad
a partir del espacio son procesos comunes a
cualquier espacio público. Es en cierta medida
a partir de esta idea del espacio público
contenedor y reflejo, que autores como
Lefebvre (1974) y, posteriormente, Santos
(1986) y Massey (2005) proponen incorporar
nuevas dimensiones sociogeográficas y a su
vez renovar las perspectivas tradicionales
sobre la conceptualización o significado
de la categoría del espacio, propuesta
que retomaremos para e l anál is is del
espacio público. Así, a partir del análisis
metodológ ico de l espac io de Massey
(2005) nos quedó claro que no podíamos
analizar el espacio público de Cuernavaca
como un objeto inanimado, sino como un
objeto que está directamente relacionado
con la conformación de la sociedad en sus
distintos momentos históricos así como de
las relaciones socioterritoriales que lo van
resignificando y reutilizando. Así, ¿de qué
espacio público estamos hablamos?
El espacio público de Cuernavaca a finales
del siglo XIX era un espacio marcadamente
dividido entre la clase baja y la aristocracia;
había una clara división socioterritorial entre
los espacios públicos que usaban las dos
clases. Incluso el mismo uso era diferenciado,
ya que no era lo mismo el uso por necesidad
del trabajo cotidiano de las clases bajas, a los
paseos de la aristocracia que se lucia por los
espacios públicos emblemáticos de la ciudad.
Esta dualidad fue acentuada con la llegada de
Porfirio Díaz y la inauguración del ferrocarril
que detonó diversas obras que transformaron
el centro de la ciudad y expulsaron a los
mercadores que conferían una “mala imagen”
a las zonas centrales y obstruían la “belleza”
de la ciudad.
El descontento con la administración del
presidente Porfirio Díaz levanta la revolución
y la ciudad de Cuernavaca es el palco por
excelencia de confluencia de los ejércitos. Así,
cuando el comando de Emiliano Zapata toma
las calles, plazas y jardines de la ciudad de
Cuernavaca, la aristocracia la abandona y solo
a partir de los años veinte o treinta empieza
a regresar, pero va encontrar en el espacio
privado las funciones que anteriormente
depositaba en el espacio público. Este
periodo es marcado por una resignificación
y refuncionalización del espacio público a
través del abandono de los espacios públicos
de las elites y la apropiación de espacios
privados y una reapropiación de esos espacios
por las clases bajas. El espacio público es
así reconstruido a partir de la resistencia
social y con funciones que sirven al mismo
trabajo, las clases populares al ganar ese
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014120
espacio lo refuncionalizan de acuerdo a sus
necesidades que, por un lado, es la necesidad
de reivindicación de derechos por la tierra, por
el trabajo, pero también por el esparcimiento.
En los años sesenta, Cuernavaca va a
recibir mucha migración por cuenta de la
implementación del complejo industrial, sobre
todo del estado de Guerrero y empieza la
disputa por las tierras entre los asentamientos
irregulares y los fraccionamientos de lujo.
Los diferentes grupos sociales (dentro de una
misma clase social) empiezan a apropiarse
de los diferentes espacios y a consolidarlos
a partir de sus prácticas (uso, percepción
y apropiación). Pero esa diferencia entre
espacios es acentuada a partir de los años
noventa cuando el proceso de privatización
del espacio en Cuernavaca se realza con las
políticas neoliberales y el surgimiento de las
primeras plazas comerciales.
Este momento de privatización de la
vida pública4 despunta un interés en el estudio
sobre del espacio público, tornándose “el
centro del debate sobre las políticas urbanas, al
ser tomado como un componente urbano capaz
de soportar o desencadenar otros procesos
económicos y culturales” (Portas, 2003).
¿Cómo se redefi ne y resignifi ca el espacio público en el nuevo orden económico neoliberal?
Una nueva política se hacía adivinar por
la aportación del intervencionismo estatal
keynesiano que siguió a la Gran Depresión de
los años treinta y por una economía de guerra
cuyo objetivo era reconstruir las economías y
resolver la consecuente crisis de acumulación
(Pradilla, 2009). El proyecto neoliberal aparece
así como una forma de lograr la restauración
del poder de clase, pero que al mismo tiempo
hacía más vivos “(…) los efectos redistributivos
y la creciente desigualdad social como un rasgo
tan persistente de la neoliberalizacion para
poder ser considerado un rasgo estructural
de todo el proyecto” (Harvey, 2007, p. 23).
Esa reconfiguración en pro de la acumulación
del capital se sienta en una política de
empresarialismo urbano y de transferencia de
la competencia de los estados a los municipios
y al sector privado.
En este periodo la urbanización gana
especial protagonismo como un anclaje
espacializado por excelencia para acumulación
y reproducción del capital. Sin embargo,
autores como Pradilla (2009) argumentan
que el urbanismo a escala urbana tiende
a extinguirse, manteniéndose como débil
instrumento de regulación mientras ganan
importancia el capital inmobiliario y sus
grandes proyectos urbanos o megaproyectos.
Efectivamente, si consideramos la escala de
la metrópoli y su importancia en el contexto
global, vemos que muchos de los proyectos
de renovación urbana y espacio público
se reproducen de la misma forma en esas
escalas, lo que significa que se convertirán en
elementos de mercantilización.
Esta nueva forma de construir ciudad,
y a su vez el espacio público, no hizo más
que aumentar el número de condominios
cerrados, el conservadurismo estilístico,
la homogeneidad, una imagen general de
intolerancia y el mote de reivindicación de
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 121
un espacio público moderno inexistente.
No se ofrecieron soluciones para problemas
existentes, sino soluciones para las clases
media y alta. ¿Qué es lo que actualmente hace
la diferencia en el proceso de construcción
social del espacio público?
En la tarea que el estado delega a los
municipios, estos últimos se aprovechan
y, conscientes de sus limitantes, empiezan
a mostrar y mezclar una serie de intereses
públicos y privados – que puede ir desde los
intereses del propio presidente a agentes
privados y a grupos sociales hegemónicos.
Esa mezcla es visible en la reproducción del
espacio de forma conflictiva, porque posiciona
intereses contradictorios en donde gana lo que
más puede.
En este contexto, las infraestructuras
urbanas se vuelven imperativas para la
acumulación y regulación neoliberal, incluso
cuando en el proceso simultáneamente se
las socava y devalúa: se coloca las ciudades
en las fronteras de la formación de políticas
neoliberales al tiempo que son lugares de
resistencia concertada a la neoliberalización
(Leitner et al., 2007).
En Amér ica Lat ina , la expresión
territorial del neoliberalismo surge a partir
del agotamiento de la industrialización
sustitutiva de importaciones en la década de
los setenta y de la entrada de la economía
en la onda larga recesiva consecuencia de la
grave crisis económica de 1982, lo que abrió
la puerta política e ideológica a la progresiva
implantación de las políticas neoliberales
y al inicio de la extensión de la planeación
urbana y del gran urbanismo (Pradilla, 2009,
p. 206). Desde los años noventa, la lógica de
mercado neoliberal se empieza a reflejar en las
formas de producción y de gestión del espacio
urbano, en los grandes proyectos inmobiliarios
conducidos por el capital privado, en espacios
públicos cerrados y controlados en forma
privada, en el abandono de espacios públicos
tradicionales por parte de las clases media y
alta y la colonización de los mismos por los
sectores populares, entre otros (Duhau, 2003).
Sin embargo, este no es un proceso
nuevo, recordemos las intervenciones de
Haussaman en París que, con el objetivo de
sanear e higienizar la ciudad, confina las
clases bajas a zonas marginadas y al uso del
cuartier (Sennett, 1978) para que las clases
burguesas pudieran disfrutar tranquilamente
de las zonas bonitas de la ciudad sin mezclarse
con las clases populares. Estas intervenciones
fueron posibles gracias al apoyo de “la
burocracia capital ina que incentivó la
reconstrucción de París por Haussmann –
acumulación de capital” (Sennett, 1978), al
igual que en México con la política económica
del régimen porfirista.
La lóg ica de poder económico y
de embellecimiento urbano de Por f ir io
Díaz también se trasladó a Cuernavaca,
con las características de un contexto
latinoamericano, mexicano, del centro del
país, la ciudad de la eterna primavera. Lo
anterior ha conferido al proceso neoliberal y a
sus mecanismos de urbanización en la ciudad
especificidades propias y seguramente muy
distintas de otras ciudades. El gobierno de la
ciudad dio continuidad y además profundizó
las metas urbanas neoliberales definidas por
Brenner et al. (2009), apoyadas por una clase
dominante muy fuerte. En este nuevo proceso
entra un nuevo agente, el mercado, y sale el
Estado. La ciudad se queda a la merced del
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014122
mercado, entra en la lógica de la privatización
de los espacios: consumo de las elites (lo
que ya ocurría pero de otra forma) y el
control de poblaciones excluidas a diferentes
escalas; promoción de políticas de marketing
territorial; reducción de los impuestos locales;
establecimiento de corporaciones público-
privadas y nuevas formas de promoción local.
En 1991 es cuando el proceso gana
mayores contornos con el surgimiento de la
primera plaza comercial, Plaza Cuernavaca,
que pretendía dar respuesta a los moradores
de una de las zonas elegantes de la ciudad:
Reforma y Vista Hermosa. En el año de 2001
se genera uno de los grandes conflictos en la
ciudad debido a la construcción de una zona
comercial en Casino de la Selva, lo cual llevó a
la destrucción de una de las zonas naturales y
culturales más importantes de la ciudad.
En 2005 se construye la Plaza Galerías
junto de la autopista México-Cuernavaca,
como una forma de dotar a las clases medias-
altas de espacios de consumo diferenciados de
la Plaza Cuernavaca que se había popularizado.
Actualmente se encuentra en construcción
lo que será lo nuevo centro comercial en la
Av. Domingo Diez, en la zona norte de la
ciudad junto a Wal-Mart. Es visible cómo la
construcción del espacio se lleva a cabo en
buena medida en función del mercado y de la
sociedad de consumo.
En 20 0 9 su rge e l p rog rama de
embellecimiento de la imagen urbana5 de
la ciudad de Cuernavaca, a través del cual el
ayuntamiento, impulsor del proyecto, contrajo
un préstamo bancario de 600 millones de
pesos con el objetivo de movilizar la ciudad
a la modernidad y desarrollo. El programa
tenía beneficios integrales tales como dotar
a la población de espacios dignos para la
convivencia social, evitar el ocio y conductas
antisociales, además de atraer al turismo
y generar el desarrollo de la economía
local.6 Más que por las intervenciones, este
programa ganó importancia por los discursos
políticos que lo concibieron como un referente
sociourbano idí l ico, pero también una
mercancía y un mecanismo de control utilizado
como moneda de cambio para propósitos
electorales.
Las obras llevadas a cabo tuvieran como
blanco de intervención glorietas y camellones
(principal tipología en que intervinieron),
sobretodo en áreas de ingresos medios-
altos y altos o ejes estructurales de la ciudad
como Av. Domingo Diez y Av. Morelos. Su
principal característica fue adornar con flores
y fuentes repitiendo una imagen similar de
composición espacial en las diversas obras.
Dentro del programa se destacan dos obras
cuya implementación tiene relevancia por los
objetivos y discursos que las acompañaran:
la primera fue el Parque Tlaltenango, ya que
no fue una determinación del alcalde sino
de un grupo de agentes de clase media-alta
que buscaba su propio espacio, marcando
las pautas de acceso y automáticamente
excluyendo a los moradores de una colonia
popular colindante. La paradoja es que, en los
discursos, este era un parque resultado de la
“ciudadanía”.
El segundo ejemplo fue la construcción
de la “Fuente de la Eterna Primavera y sus
Cinco Musas” en la Avenida Teopanzolco
que, de acuerdo con el nuevo alcalde Sánchez
Gatica, “será un símbolo, una referencia y un
icono (…) situando a la Ciudad de la Eterna
Primavera como un símbolo emblemático a
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 123
nivel mundial".7 El discurso del alcalde es
respaldado por el diseñador y arquitecto8 de la
obra, Carlos Benítez Fuentes,
Cuernavaca no es la excepción en cuanto a la necesidad de contar con espacios dignos de convivencia social. El programa (…) ha logrado este objetivo y si hoy involucramos a las bellas artes como elemento significativo, definiéndolas como un fenómeno social, un medio de comunicación, una necesidad del ser humano de expresarse y comunicarse mediante formas, colores, sonidos y movimientos, logramos una simbiosis de estas bellas artes, la arquitectura y la escultura,
señaló.9 Se unen así discursos ideológicos a
partir de la cultura, como una forma engañosa
de estimular la condición de exclusión de
algunos agentes. Por otra parte, un factor
muy interesante y que respalda lo anterior
es que al término de cada obra se hacía una
inauguración, pero no todas las fiestas eran
iguales ya que los agentes eran distintos,
estas se establecían de acuerdo a la clase
social. La inauguración del camellón de la
Av. Reforma (zona de ingresos altos) fue
muy distinta del distribuidor vial de Emiliano
Zapata donde distribuyeron comida y llevaron
grupos musicales, lo que llevó a una espantosa
afluencia de gente de colonias populares.
¿Entonces, de qué espacio público
hablan los agentes públicos? Es visible cómo
en este marco neoliberal la planificación
anda de la mano con los discursos políticos
y viceversa, pero también con los privados y
los discursos académicos. Sin embargo, este
tema ha sido abordado de forma distinta
entre los diferentes autores, que en algunas
ocasiones contradicen sus posturas. Aunque
sea considerado para muchos un académico,
autores como Borja (2005, pp. 16-17) han
tenido un papel fundamental en la función
pública y en las decisiones políticas, así que no
es de extrañar que para él:
La presentación de las ciudades como lugares nodales, las nuevas oportunidades de los territorios (argumento apoyado en emergencias y reconversiones exitosas) y la prioridad al posicionamiento en las redes globales y, en consecuencia, a su proyección exter ior han s ido elementos clave de la construcción del vademécum de la buena política urbana. El plan estratégico, a su vez, ha sido la herramienta operativa (o ha pretendido serlo) de las ciudades aspirantes a triunfar en el mundo global mediante el discurso «hipercompetitivo»”.
Para el autor, el urbanismo neoliberal
debe ser encarado como una forma positiva
de atraer inversión, de mercantilización de los
espacios, y esa postura está apoyada por la
misma mercantilización del modelo Barcelona
a varios países de Latinoamérica, del cual Borja
formó parte. Hay que resaltar las interesantes
aportaciones que ha ofrecido al estudio del
espacio público desde un punto de vista
más conceptual, aunque muchas veces con
discursos contradictorios, entre la academia y
la función pública.
Borja y Forn (1996) creen que el
mayor desafío del planeamiento urbano
contemporáneo es aumentar el potencial
competitivo de las ciudades en el sentido
de responder a las demandas globales
y atraer recursos humanos y financieros
internacionales, sin embargo, de acuerdo
con varios ejemplos que hemos observado,
el planeamiento ha sido hecho al margen de
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014124
la ciudad, en paralelo con los objetivos del
capitalismo neoliberal. Su discurso es similar
al del alcalde Garrigós de Cuernavaca en el
sentido de magnificar las intervenciones en el
espacio público como forma de regenerar la
ciudad y tornarla competitiva. Aunque ya en la
academia, él mismo acaba por reconocer que
estos proyectos de renovación urbana como
proyectos políticos de ciudad pueden “derivar
en una cortina de humo llena de buenas
intenciones sin otra función que legitimar las
practicas del poder” (Borja 2005, p. 17).
Es importante referir en este contexto
que las formas de reproducción de las
políticas neoliberales no han sido siempre las
mismas, sino que hubo una reconstitución
del urbanismo neoliberal. Sin embargo, para
la ciudad de Cuernavaca ha sido un proceso
tardío que ha tenido su mayor auge en el
siglo XXI. El imperativo neoliberal básico
de movilizar el espacio económico como
arena para el crecimiento capitalista, para la
conversión de bienes y servicios en mercancías
y para implantar la disciplina de mercado
se ha mantenido como el proyecto político
dominante de los gobiernos locales ( Brenner
et al., 2009). Lo que se ha hecho es introducir
el pensamiento estratégico y empresarial
a la esfera de la administración urbana,
donde consultores “estrategas” difunden la
propuesta de que características del paisaje
urbano deben ser utilizadas como uno de los
principales triunfos en la competencia por
recursos e inversiones.
Este tipo de intervenciones alienadas
de su contexto, parece reducir los lazos de
sociabilidad, de integración social, de no
identificación, además del abandono y pérdida
de la ciudadanía por un encarcelamiento de
las personas en el ámbito doméstico. ¿Pero,
hasta qué punto es correcta esta afirmación?
¿Se ha abandonado el Zócalo de Cuernavaca,
o el Jardín San Juan, o el Jardín Juárez? Parece
que no, e incluso en un clima de tanta violencia
como el que vive la ciudad de Cuernavaca
habría muchas razones para este retraimiento
de los ciudadanos, pero los espacios siguen
vivos. Eso pasa porque estas obras están
pensadas para las clases altas de manera
que los espacios de las clases bajas siguen
teniendo “vida”. Frente a esto, consideramos
que este modelo de intervención lo que sí ha
hecho, a través de las nuevas formas urbanas
que generó, fue aumentar las desigualdades y
disparidades entre la sociedad y bifurcaciones
extremas entre la riqueza y la pobreza (Smith,
2005).
En este contexto de grandes cambios
urbanos, e l neol iberal ismo impl icó la
redefinición de los conceptos, de forma que
autores menos ortodoxos empiezan a plantear
la veracidad o redundancia de los mismos
(Ramírez, 2010), entre ellos el espacio público
ya no como un contenedor, sino como una
construcción de interrelaciones e interacciones
en respuesta al espacio absoluto y abstracto
(sin historia), pero que va más allá de su
producción idílica.
Frente a este proceso de reestructuración
y reconceptualización no podemos dejar de
cuestionarnos: ¿qué representa y cómo se
define actualmente el espacio público de
Cuernavaca?, ¿cómo se dan las relaciones
socioter r i tor ia les en los lugares y su
concordancia con los discursos políticos y
académicos?
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 125
Construyendo nuevas geografías
Lo valioso de una investigación de índole
cualitativa es que son los mismos agentes
entrevistados quienes generaran la base
teórica para que uno pueda argumentar o
disuadir los diversos planteamientos generales
sobre el tema en cuestión. La aplicación de
la teoría fundamentada nos permitió hacer
un análisis comparativo y construir tipos u
orientaciones de lugares, pero también poner
en cuestión el concepto de espacio público
desde el punto de vista de cómo lo entienden
los agentes y cómo entienden su relación con
el poder político. Así, a partir de criterios tales
como localización, periodo sociourbanístico,
agentes, prácticas, grupos de apropiación,
orden público y orden urbano destacamos
elementos como la colonia, el entorno, el
contexto de construcción, la edad, la clase
social, el nivel de estudios, el lugar de origen
de los agentes, el uso, la percepción y la
apropiación, las relaciones socioculturales,
las relaciones entre grupos y su posición en
el espacio y, finalmente, la localización en los
diferentes tipos de ciudad. Así, con base en los
criterios prestablecidos y los elementos que
queríamos destacar en nuestra investigación
con el afán de comprender las prácticas
en el espacio público, elegimos la Plazuela
del Zacate, el Parque Cri-cri y las Galerías
Cuernavaca.10
Mapa 1 – Localización en la estructura urbana de los tres laboratoriosde análisis a partir de la delimitación por Ageb
Galerias Cuernavaca
Plazuela del Zacate
Parque cri-cri
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014126
Para cada espacio público procedemos al
levantamiento de entrevistas semiestructuradas
a los distintos agentes que se encontraron. De
esta forma nos fue posible determinar qué
fenómenos estaban ocurriendo en los lugares
en un contexto urbano como Cuernavaca, así
como la relación que los agentes tienen con el
espacio público y el poder político.
El espacio público concreto
“Generalmente es un espacio en el cual solo
atrae a jóvenes a venir echar música fuerte y
tomar alcohol” (Mujer, 24 años, Colonia La
Pradera, Preparatoria). ¿Qué pasa en Plazuela
del Zacate? Plazuela es caracterizado por ser un
lugar de copas, de cervezas y de borrachos, su
público blanco es mayoritariamente joven con
un nivel de escolaridad media de licenciatura.
La presencia de los bares es asumida, por un
lado, como un espacio agradable de convivio
y encuentro entre los jóvenes pero, por otra
parte, refleja una imagen de violencia y vicio,
lo que para algunos agentes (sobretodo
personas de mediana edad o mayores) no
convida a su disfrute; simplemente es un lugar
de paso pues conecta dos paradas importantes
de rutas, aunque hay quien dé la vuelta para
no cruzar.
La presencia de los bares y las frecuentes
alusiones a su representación como un factor
denigrante del lugar es algo común entre los
diversos agentes, sin embargo su centralidad
también hace que muchos lo usen por
necesidad, es decir, por los usos prácticos del
lugar y sus cualidades físicas. Cabe destacar
que lo anterior es posible durante el día ya
que en la noche la configuración es otra, se
vuelve un lugar violento y lleno de borrachos
acorde al imaginario de algunos agentes.
Aun así pueden estar tranquilos y convivir,
además su centralidad permite la movilidad
a cualquier parte, tornándose muy accesible
(física y económicamente). Esa centralidad es
compartida por la mayoría de los agentes y,
más allá de ser el centro histórico, es centro
de servicios, de compras, de rutas (municipios
vecinos) y también turístico. Además, es un
punto de encuentro y de descanso entre los
diversos agentes, especialmente en la zona
donde no están los bares, ya sea por trabajo,
esperando a alguien o algo, comiendo el
almuerzo o aprovechando el receso del trabajo.
Aunque exista una diferencia en la percepción
del lugar, los que acuden saben a lo que van
y qué esperan encontrar, lo que hace que se
identifiquen entre ellos.
En la Plazuela del Zacate resaltan
algunos elementos que nos hicieron repensar
el papel de este espacio dentro del espacio
público en la ciudad de Cuernavaca, factores
que se puede también trasladar a otras
latitudes geográficas. La centralidad de la
Plazuela, su conexión con el Zócalo y el
valor de la historia que de esta emana, lo
convirtió en un atractivo para el poder político,
construido como un recurso turístico para
reproducción del capital. Como lugar central,
físicamente y simbólicamente fue arrastrando
una serie de reconversiones urbanísticas que
la identifican actualmente como un lugar de
copas y borrachos, pero que está “bonita”.
Su cambio fue fuerte, ya que la plazuela era el
lugar donde llegaban los vendedores a vender
zacate, pasó de ser conocido por la venta de
flores y de vivencia popular a ser tanto un
lugar para el público mayoritariamente joven,
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 127
influido por la presencia de los bares y como
un lugar turístico, hecho que se puede apreciar
en la nota de Diario de Morelos “Tiene fama
la Plazuela del Zacate” (Diario de Morelos del
día 9 de noviembre de 2012 en línea: http://
www.diariodemorelos.com/article/tiene-fama-
la-plazuela-del-zacate)
El poder polít ico hace uso de esa
imagen exterior como un recurso para el
turismo y por esa razón apoya las sucesivas
recalificaciones urbanas “ya que está en el
circuito del turibus”, hay que poner “bonito”
y reproducir una imagen que se asemeja a
contextos de ciudades nacionales o incluso
internacionales focalizadas al turismo, aun
cuando para ellos es igualmente un lugar de
borrachos. Esa transformación hace que las
personas mayores, sobre todo las que nacieron
en el centro, ya sea que vivan ahí o no, tengan
una imagen de un lugar que ya no existe y
que se ha perdido, acorde a su experiencia
y percepción, mientras que para los jóvenes
es un espacio muy bueno, de identidad y de
relación con los suyos. Esa transformación que
diversos entrevistados refieren como algo con
la cual no se identifican y que está indicada
para un público blanco es el resultado de una
estrategia política que se pudo identificar a
partir del uso, transformación, percepción
y apropiación por par te de los agentes
entrevistados. La Plazuela se ha construido
a partir de determinantes económicas ya
que la frecuencia de visita se debe sobre
todo a los bares, lo que hace que algunos
entrevistados se sientan autoexcluidos en la
plazuela, por este reemplazamiento de los
agentes a través de la transformación que
busca un lugar “boutique” en los términos
de Carrión (2012).
No obstante esta forma directa de
intervención política, los gobiernos tienen
otros mecanismos de reproducción del capital
en sociedad con empresas privadas, lo que
ha fomentado las diferencias sociales en el
espacio urbano de la ciudad: el consumo
y la exclusividad se despuntaron en Plaza
Cuernavaca. En Plazuela del Zacate hace falta
mejorar la basura y los bares, en Galerías: “(…)
hacen falta tiendas que desafortunadamente
solo hay en México, (…) no existe por ejemplo
una tienda Armani, no existe una tienda Vuitton,
no existe una tienda de marcas prestigiadas que
yo creo que sea conveniente que existirán en
una plaza aquí en Cuernavaca” (Hombre, 33
años, Colonia Buena Vista, Licenciatura). Lo que
puede representar un lugar es necesariamente
diferente para los distintos agentes, pero
casi siempre hay una asociación con un valor
económico: mientras hacen falta marcas como
Armani y solamente se le ve un valor comercial
(o posiblemente dependiendo de la clase social
y de lo que ha alcanzado puede ser un elemento
más comercial, de prestigio o ascensión social),
para otros es un lugar muy caro, pero no deja de
ser un lugar de distracción y de paseo familiar.
Lo anterior en palabras de Fiske (1989)
es porque el consumo no es necesariamente
evidencia de deseo de poseer, sino más bien
un indicio de la necesidad de control que el
sistema económico niega a los subordinados,
se da así la práctica del vitrineo como una
forma de insertarse en el orden social, de
acercarse a una clase social a la que sabe
que no se pertenece, la presencia en el lugar
genera la idealización de algo que no existe.
Esto es lo que def ine metafóricamente
Brummett (1994) al decir que cada uno asume
una posición en lugares como Galerías y uno
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014128
se asume como comprador o, como decía un
entrevistado: “parte de la borregada”, aunque
no compre nada.
¿Pero será que visitar Galerías es una
de las maneras de hacer y practicar ciudad
(Cornejo, 2007)?, ¿cómo este lugar puede
asimilar la vivencia de un contexto urbano
como el centro de la ciudad o incluso de las
periferias?, ¿cómo se representa este espacio
en comparación con la Plazuela?
Galer ías Cuernavaca es un lugar
caracterizado principalmente por la práctica
de consumo de las clases media y media-alta y
de trabajo para los pocos de clase baja. No es
un espacio donde se promueva la interacción
social, solamente se reúnen pequeños grupos
o familias que lo acuerdan de antemano. Al
contrario de lo que menciona Cornejo (2006)
en relación a los centros comerciales, Galerías
no ha pasado de ser un lugar anónimo a un
territorio construido, apropiado e íntimo. Es
un lugar hostil, porque es clara la demarcación
social (incluso fue donde los entrevistados
hablaron más de clase social) incluso para los
agentes que comparten la misma percepción,
ya que no se extendían a hablar del lugar,
simplemente respondían está “bien”.
Se habla del lugar pero no como
una experiencia propia, más bien como la
experiencia del otro, pues quienes tienen
dinero sí se identif ican, ellos sí pueden
acceder, pueden comprar porque tienen
dinero. Esa puede ser una función de Galerías,
no solo satisfacer necesidades individuales
a través del consumo, sino relacionar a los
agentes con un orden social que determina
su posición en el lugar. No es un lugar donde
existan actividades culturales, nada más
comer, comprar e ir al cine, entonces no
es totalmente acertado considerar que las
actividades culturales que antes se hacían
en la plaza pública se hayan recluido en los
centros comerciales cerrados, convirtiéndose
en una mercancía a la venta, donde la cultura
existe en forma de experiencia mercantilizada
como lo define Rifkin (2000).
Entre la representación del espacio
público en el imaginario de los agentes y
lo que debería ser existe un abismo, porque
Galerías es considerado un lugar para todos,
de libre acceso, donde todos pueden acceder
libremente sin tener que pagar, sin diferencia
de clase, es decir, el polo opuesto de lo que
pasa en realidad en el espacio. Pero cuando
se cuestiona cómo debería ser, justo debería
ser como Galerías, esto es, de alguna forma
existe una reivindicación de espacios públicos
como Galerías aunque sus características o
los elementos que lo componen no se cuajen
a esta tipología. Existe la necesidad de estos
espacios exclusivos posiblemente para que no
exista mezcla social.
Por otro lado, su construcción privada
ya demarcaba su constitución social, su difícil
accesibilidad está pensada para usuarios
con coche y en un área de expansión urbana
de oficinas y servicios. A esta relación de
accesibilidad se entrelaza la movilidad y
centralidad, ya que Galerías es un lugar
céntrico para los usuarios, así que una vez
más podemos inferir que existen tantas
centralidades cuantas necesidades y formas
de desplazamiento de los diversos agentes,
lo que hace diferencias de agentes entre la
semana y fin de semana, entre los locales y los
que vienen de fuera.
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 129
Es un espacio multifuncional como lo
define López Levi (1997), ya que la mayoría
lo usa con diferentes intenciones. Pero esa
multifuncionalidad de prácticas de uso no es
compartida por todos los agentes debido a que
la condición social es una limitante en acceso a
las tiendas o hasta en el mismo espacio. Es un
lugar de la familia, del paseo familiar, elemento
difícil de entender con la sobrevigilancia
que existe en el espacio con reglas claras de
uso. ¿Será que el factor control se entiende
a partir de lo que debe ser la familia, como
algo controlado de jerarquización patriarcal,
con límites bien definidos? Su configuración
territorial hace que muchos la usen porque
saben lo que los espera: el ser un espacio
semipúblico les da el derecho a no ser
incomodados, a la exclusividad, donde uno
encuentra todo lo que busca, lo que uno
necesita. Pero, ¿será que todos necesitan lo
mismo? Esa imagen de exclusividad hace
idealizar un espacio patrón que responde a
determinada clase social y por eso tiene buena
imagen, pero no resulta cómodo porque hacen
falta bancas y más espacio.
Es claro que Galerías Cuernavaca está
construido en respuesta al capital y como un
proceso de diferenciación social, tanto para
los que a ella asisten como aquellos que no
acceden o no se sienten identificados con el
lugar. Es un espacio cerrado sobre sí mismo
y también sobre la ciudad, no existe una
conexión con la estructura urbana de la ciudad,
o mejor dicho, no existe con ciertos lugares
de la ciudad. Pero el capital no se reproduce
solamente en espacios como Galerías, también
necesita de otros espacios como el Parque Cri-
cri. “Sinceramente hay de parques a parques
y este es el que tiene más corrupción, pero el
parque es de todos y una vez dentro es una
ciudad sin ley, aquí he visto personas que se
drogan, toman y lo demás no se lo digo por
discusión, pero hay de todo”(Hombre, 43 años,
Colonia Buena Vista, Primaria).
Hablar del Parque Cri-cri después de
Plazuela del Zacate y Galerías Cuernavaca
es hablar de un lugar muy distinto, si puede
decirse así, de un verdadero “lugar” público
en el sentido de las funciones tradicionales
como esparcimiento, distracción, descanso,
juego, entre otros, pero también de un lugar
en el sentido de Massey (2005). Este es un
lugar fundamental para el bienestar físico y
psíquico de los agentes porque es un espacio
donde se puede olvidar el trabajo, la rutina
del día a día; donde se encuentra tranquilidad,
donde es posible relajarse, distraerse, jugar,
en una palabra, cumplen con la función
tradicional de un lugar público, de un parque
público. Por otro lado, este lugar también es
una forma de subsistencia ya que muchos
hombres buscan a diario ahí trabajo y hay
quien trabaja directamente en el parque. ¿Qué
nos dice el Parque Cri-cri? Este lugar en un
contexto urbano es mucho más que un espacio
de “cohesión social” o de estructuración de la
red urbana, es un lugar donde la gente busca
trabajo para poder sobrevivir y eso va más allá
de lo que se conoce del espacio público.
Para las personas que ahí buscan
trabajo, el concepto de espacio público
seguramente es muy diferente y para nada un
espacio de integración social o regeneradora
del tejido social. El parque Cri-cri es un lugar
que desde la perspectiva física se encuentra
descuidado, además, no es apropiado, hay
mucho mal viviente, hombres con mal aspecto,
drogadictos, hay peleas, los policías tratan
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014130
mal a los jóvenes y fue tomado por las mujeres
prostitutas. Curiosamente, no deja de ser un
lugar al cual acuden familias y el monumento
Escultura de Gabilondo Soler representa la
familia: bonito, tranquilo, que está bien, un
lugar fresco por los árboles y el viento. Esto
nos lleva a considerar que el uso no tiene
una implicación directa con la percepción, no
se usa como se percibe y las características
físicas del lugar no condicionan el uso. Lo que
sí condiciona es la forma como se apropian
los distintos grupos del lugar: el modo como
se distribuyen en el espacio determina una
jerarquía o una forma de poder que legitima
un grupo y excluye al otro y así sucesivamente.
El comportamiento y las características del
grupo crea de manera conjunta determinado
estigma en relación a los mismos y eso se
percibe pero no hace que los demás dejen de
usar, porque el mismo lugar tiene demasiados
lugares. El parque funciona como uno solo,
porque aunque hay diferencias entre grupos, el
parque es de todos; sin embargo se cuestiona
el otro, no se aleja. El Parque Cri-cri es el
centro de la ciudad, forma “parte” del centro
de la ciudad, del Zócalo, al cual se acede
fácilmente, se encuentra entre dos paradas
de rutas importantes con servicio a cualquier
parte, sobre todo a los municipios vecinos.
Además, se encuentra cerca del Mercado
López Mateos, factor importante considerando
que la mayoría frecuenta el mercado o trabaja
en él. Así, la centralidad de un lugar no
depende de su centralidad histórica sino de
su accesibilidad y cercanía con los distintos
servicios, de las necesidades de cada uno y de
un grupo social con necesidades específicas,
es decir, nadie en Galerías va al Mercado
López Mateos a comprar.
Curiosamente, y en oposición a Galerías,
donde todo apuntaba para que los agentes
se sintieran cómodos, eso no pasó, pero en
Cri-cri casi todos se sienten bien, se sienten
cómodos, aun cuando tiene mala imagen
provocada por descomposición física y social
del lugar. La forma de relación con el parque es
muy personal pero también de grupo, porque
un aspecto relevante de esta cuestión es que
todos hablaban de su experiencia personal en
primer persona, hecho que no ocurrió en los
demás espacios. Por otro lado, hay algo que los
une e identifica, la clase social, y posiblemente
eso hace que en Cri-cri sea fácil platicar y
conocerse, que sea posible una relación entre
amistades y conocidos a partir de la frecuencia
e intención de uso, sea esta buscar trabajo,
servicios de las prostitutas o droga: “Sí, por
lo mismo de que somos de la clase baja
económicamente hablando y sin estudio. Aquí
no hay hijos de Adame o Garrigós” (Hombre,
45 años, Colonia Chipitlán, Primaria)
Es importante mencionar que los tres
lugares de análisis tienen públicos muy
distintos, fue interesante analizar cómo se
veían los unos a los otros y constatar que no
existe una relación de cercanía entre ellos. Cada
grupo se mueve de acuerdo a su condición
social, sus necesidades y su centralidad, no
significa que estos espacios sean nuevas
centralidades, sino que las insuficiencias de
cada grupo, su movilidad y accesibilidad a los
lugares es lo que hace céntrico a un lugar. Esa
movilidad también representa una alienación
frente a la ciudad porque muchos no tienen
conocimiento de lo que está ocurriendo en
los espacios de vida de todos, tienen un
conocimiento fragmentado de la ciudad, pero
saben que los gobiernos Municipal y Estatal
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 131
trabajan en función de la clase alta, dejando en
el olvido las “colonias”.
Así, estamos frente a espacios públicos
definidos por las prácticas de los agentes que
los usan, factor muy distinto a lo establecido en
las diferentes posiciones académicas y políticas.
Si para los agentes entrevistados el espacio
público es un lugar de trabajo, diversión,
descanso, familia y un lugar que marca la
diferencia entre ricos y pobres, para el poder
político es el espacio ciudadano en el que se
reproduce una imagen urbana a partir de una
homogeneización idealizada que agudiza la
diferenciación social y cuyo embellecimiento
permite controlar socialmente la ciudadanía.11
En este contexto, ¿es correcto seguir hablando
de espacio público como un concepto universal
y transversal a todas las latitudes geográficas?
El espacio público de Cuernavaca es…
“¡Yo ya no sé qué es un espacio público ya
todo está controlado por los políticos!”. Las
prácticas de uso, apropiación y percepción en
los espacios públicos de la Ciudad nos han
llevado a creer que el espacio público no existe
como lo han replanteando diversos estudios,
pero sí lugares. Si el análisis de espacios
públicos concretos nos alertó para esta
cuestión, cuando se preguntó a los agentes
qué era un espacio público y cómo debería
ser, esta alerta se convirtió en una afirmación
que lleva a reconocer el espacio público como
un lugar, producto de una mezcla distinta de
todas las relaciones, prácticas, intercambios
(entre diferentes agentes) y que se entrelazan
en él. Además en su construcción, todas esas
relaciones y prácticas y todos los intercambios,
están llenos de poder social. Son relaciones
de poder las que se dan en esos lugares al
mismo tiempo que resulta en una arena de
legitimación social de los poderes políticos.
Este Lugar es un entretejido de relaciones
sociales, en algunas de ellas el lugar tendrá una
posición subordinada, mientras que en otras
tiene una posición más o menos dominante; es
una apuesta política de las clases emblemáticas
de la ciudad para lucirse. Además, son lugares
de la multiplicidad, construidos por la lucha
de poder y control social que marca la
diferenciación social, y finalmente está siempre
abierto, siempre en construcción, nunca está
acabado.
Para los agentes, el espacio público es
sobre todo un lugar, un lugar a veces abstracto
donde existe una confusión en relación a lo
que es pero no a cómo debería ser. Los agentes
no reconocen en el concepto las características
de un espacio público, pero si de un Lugar o
de Lugares, aun cuando esa relación puede
ser conflictiva. Ese lugar en el Parque Cri-cri es
el mismo parque y debe permitir la inserción
en el mercado laboral, cubrir las necesidades
básicas de los agentes (agua y baños), permitir
el descanso, el usufructo del fresco de la
vegetación, que uno se sienta libre y que sea
de todos.
En la Plazuela del Zacate, un espacio
público también es un Lugar, un lugar
accesible y disponible a todos, para toda clase
de gente, que no haya presiones, en el cual
se puede uno despreocupar, estar a gusto,
donde se puede convivir con la familia. Debe
ser para todos sin distinción, para niños,
limpio, muy bonito, con flores, muy amplio
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014132
donde predomine el verde. Curiosamente,
en Galerías Cuernavaca el espacio público
también es un Lugar para todo tipo de
gente, es libre, no cobran, es de todos sin
restricciones y sin diferencia de clase, pero
debe de ser sobre todo como Galerías. Así,
Galerías no es un espacio público pero lo
debe ser porque hay que tener lugares de
exclusión, donde la pertenencia de clase sea
un marcador social.
Son las especificidades de estos espacios
lo que los hacen lugares, construidos a partir de
“una constelación determinada de relaciones
sociales, encontrándose y entretejiéndose en
un sitio particular” (Massey, 2012, p. 112),
donde los agentes ocupan distintas posiciones.
Pero también porque es “el lugar en el que el
Estado logra desmentir momentáneamente la
naturaleza asimétrica de las relaciones sociales
que administra y a las que sirve y escenifica
el sueño imposible de un consenso equitativo
en el que puede llevar a cabo su función
integradora y de mediación” (Delgado, 2011,
p. 28), es decir, es una extensión material de lo
que en realidad es ideología.
Espacio público y geometrías del poder
La forma de las relaciones socioterritoriales
de los espacios públicos de Cuernavaca
está determinada por múltiples factores,
especialmente por la clase social y la capacidad
con que el poder político territorializa en los
lugares esa diferencia de clase a partir de
diversos mecanismos de intervención urbana y
de control social. Uno de esos mecanismos es el
control por la movilidad que refuerza el poder,
debilitando otros grupos. El debilitamiento
hace que cada grupo se mueva de acuerdo a
su condición social y sus necesidades, lo que
genera distintas centralidades.
[…] la movilidad y el control por la movilidad reflejan y refuerzan el poder. No se t rata de una mera cuest ión de d is t r ibución desigual y de que algunas personas se muevan más que otras. Se trata de que la movilidad y el control de algunos grupos pueden debilitar activamente la de otra gente. La compresión espacio-temporal de unos grupos socava el poder de otros. (Massey, 2012, p. 119).
El modo en que los agentes determinan
sus prácticas en los lugares no es neutro,
refleja su condición a partir de cómo fue
pensado el lugar y a quién se espera que
responda. Existen objetivos claros del poder
político en la consolidación de lugares
con per f iles diferenciados, porque hay
que mantener una jerarquización social y
diferentes formas de anclar al capital, a través
de estructuras internas de dominación y
subordinación, pero también de legitimación
social. En este proceso, el concepto de espacio
público es un blanco ideal por su ambigüedad
y carácter “democrático”, encabeza las
agendas políticas como un elemento ideal e
idealizado que provoca la ilusión de que lo
que se hace es para la integración social de
todos cuando, en realidad, lo que se hace
según Marx es camuflar toda la relación de
explotación, todo dispositivo de exclusión y
el papel de los gobiernos como encubridores
y garantes de todo tipo de asimetrías sociales
(Delgado, 2011).
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 133
Una observación muy interesante que
se pudo obtener del análisis comparativo es
que para que un “verdadero” lugar público
desarrolle las funciones de esparcimiento,
diversión, relajación y juego, no siempre es
condición necesaria que los poderes políticos
realicen proyectos de recalificación urbana
u otro tipo de intervenciones en el “espacio
público”. Parece ser que estas estrategias o
programas de recalificación urbana impulsados
desde los gobiernos locales, estales y agencias
internacionales son una falacia. ¿Cómo pueden
estar promoviendo este tipo de programas que
no hacen más que aumentar las desigualdades
sociales? Lo que parece aún ser más grave
es que no es solamente en los discursos
políticos sino también los académicos en
donde comúnmente escuchamos hablar de
la promoción de proyectos cuya finalidad es
recalificar, reconvertir y recuperar determinados
espacios urbanos o concretamente espacios
públicos para regenerar los espacios urbanos y
promover la cohesión e integración social. Las
agendas políticas suman y siguen las diferentes
formas de tratar este tipo de proyectos,
alentando una promoción desmentida de la
política “social” o responsabilidad “social” de
gobiernos neoliberales.
Aunque el urbanismo tenga como
objetivo promover la articulación urbana y
la equidad social, la forma como se lo ha
tratado no deja margen de duda de que ha
sido un anclaje espacial del capitalismo. ¿Quién
se está beneficiando con estas estrategias
de recalificación urbana o intervención
privada? Seguramente no son las clases más
desfavorecidas las que alegan su condición
de pobreza y su identidad con el lugar por ser
de la misma clase o los que no se identifican
en Galerías, pero saben que los que tienen
dinero sí. Implícitamente, en los discursos que
justifican los proyectos de intervención en el
“espacio público” se alega el hecho de que
la pérdida de sociabilización es consecuencia
de la proliferación de espacios privados, pero
si pensamos en el Parque Cri-cri y la Plazuela,
no podemos decir que eso esté ocurriendo,
son espacios de sociabilidad, de interacción
social y con dinámicas fuertes al largo de los
días. Además, esa pérdida de la vida pública
asociada a la privatización de la vida colectiva
como los centros comerciales no se adecua
a la realidad de Cuernavaca, porque no se
ha perdido la vida pública en los espacios
públicos tradicionales, esa pérdida se siente
justo en Galerías Cuernavaca donde no existe
esa sociabilidad, donde cada quien está en lo
suyo, donde la clase social es lo que identifica
y no el encuentro, como sucede en la Plazuela
o el Parque Cri-cri. Este punto puede ser
una diferencia en relación a las sociedades
occidentales sobre las que Sennett (1978)
apuntaba un repliegue de la sociabilidad al
espacio doméstico, al privado, pero no hay que
perder de vista que ese “encarcelamiento”
era de las clases altas, las clases bajas siguen
viviendo los lugares públicos y, además,
los espacios siempre fueron socialmente
homogéneos.
La utilización de tres unidades de
análisis tan distintas nos llevó a considerar
que el espacio público no existe como tal,
porque los agentes entrevistados no reconocen
ese concepto para el lugar donde están
desarrollando sus prácticas sociales. Además,
es un concepto demasiado ambiguo que
puede referirse a cosas tan distintas, con usos,
significados y representaciones dentro de un
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014134
contexto urbano tan múltiples que no se puede
validar como algo que tenga una aplicación
común. Aun cuando se repitan acciones como
sentarse, pasear, ver, comer, la forma como se
hace marca esa diferencia, porque no es lo
mismo sentarse en Galerías que en la Plazuela
o en el Parque Cri-cri.
A partir de esta reflexión y en el marco
de análisis de la presente investigación
resignificaremos el concepto de espacio
público y asumimos el de lugar, ya que
el espacio no existe en la ciudad pero sí
existen lugares, lugares usados por agentes
distintos que juegan papeles distintos en la
ciudad, construidos a partir de determinantes
específicas, conformados y estructurados
por tipologías distintas y que están llenos de
poder, así, es un caso para decir “La geografía
importa” (Massey, 1984), porque cada lugar es
un lugar.
Carla Alexandra Filipe NarcisoBecaria del Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología – Conacyt. Ciudad de México, Mé[email protected]
Notas
(1) Esta idea del derecho al espacio público hizo que desde varias organizaciones e ins tuciones nacionales e internacionales hayan elaborado “guías” para la implementación de lo que deben ser espacios públicos de calidad que promuevan la integración social.
(2) Veamos los trabajos de Setha Low (2005) sobre Costa Rica y Michael Sorkin (2004) en que varios autores dan el ejemplo de diferentes ciudades estadounidenses.
(3) Fernández, Amin y Vigil (2008) hacen una refl exión acerca de cómo fueron cambiando las teorías del desarrollo regional y de cómo se va formando la Nueva Ortodoxia Regional como un discurso, ideas que retomamos para hacer referencia al concepto de espacio público.
(4) Considerando un proceso que se da mucho antes en otras la tudes geográfi cas que en la Ciudad de Cuernavaca.
(5) Toda esta estrategia del programa de embellecimiento de la imagen urbana de Cuernavaca respondió también al propósito del alcalde de especular en benefi cio propio. Este creó una empresa fantasma, DCA infraestructura, que estuvo encargada de las obras, y cuando estas estuvieran concluidas, la empresa daría la manutención a los espacios de forma gratuita durante un año. Sin embargo, resulta que esa manutención va costar al ayuntamiento 7.5 mdp anuales, a par r de la conclusión de las obras.
(6) h p://morelosdiario.com/index.php/destacamos/298-cuernavaca- ene-imagen-digna-gracias-al-gobierno-municipal-.html
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 135
(7) http://www.stereomundo.com.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=20869:inauguran-la-fuente-de-la-eterna-primavera-y-sus-cinco-musas-en-la-avenida-teopanzolco-&ca d=81:cuernavaca&Itemid=458
(8) La escultura es de Ricardo Ponzanelli.
(9) Ídem.
(10) Al iniciar nuestra investigación no habíamos contemplado los espacios comerciales, ya que no lo consideramos como espacio público, sino privado de acceso público (semipúblico), sin embargo en el transcurso de la inves gación nos dimos cuenta de cómo estos espacios tenían una expresión muy significativa en la ciudad al mismo tiempo que se reflejaba en ellos la jerarquización de clases. Como queríamos también analizar la variedad de respuestas por clase social, tuvimos que reconsiderar los espacios comerciales y tomamos como referente Galerías Cuernavaca.
(11) Incluso se puede notar una diferencia en la forma como el poder polí co u liza los conceptos, como el caso de ciudadanía. Por un lado, el espacio de la ciudadanía como el espacio de todos, de la democracia y por el otro, el espacio de la ciudadanía que debe ser controlado
Referencias
AMIN, Ash (s.d.). The poli cs of urban public space. Disponible en: h p://es.scribd.com/maria_zarate_1/d/40469568-Ash-Amin-Poli cs-of-Ubran-Space.
ARENDT, H. (1972). La crise de la culture. Paris, Ideés/Gallimard.
BORJA, J. (2003). La ciudad conquistada. Madri, Alianza.
______ (2005). “Revolución y contrarevolución en la ciudad global”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. (2005). Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA.
BORJA, J. e FORN, M. (1996). Polí cas da Europa e dos Estados para as Cidades. Revista Espaço e Debates. São Paulo, n. 39, pp. 32-47.
BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. SUR Corporación de Estudios Sociales y Educación. Temas sociales, n. 66.
BRUMMETT, B. (1994). Rhetoric in popular culture. Boston, Bedford/St. Mar n's.
CALDEIRA, T. (2007). Ciudad de muros. Barcelona, Gedisa.
CARRIÓN, F. (2007). “Espacio público: punto de par da para la alteridad”. In: SEGOVIA, O. Espacios públicos y construcción social. Hacía un ejercicio de ciudadanía. San ago de Chile, SUR.
______ (2012). “Dime quién fi nancia el centro histórico y te diré qué centro histórico es”. In: ZICCARDI, A. (coord.). Ciudades del 2010: entre la sociedad del conocimiento y la desigualdad social. México, Puec-Unam.
Carla Alexandra Filipe Narciso
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014136
CORNEJO, I. (2006). El Centro Comercial: ¿una nueva forma de “estar juntos”? Revista Cultura y representaciones sociales, año 1, n. 1.
______ (2007). El lugar de los encuentros, comunicación y cultura en un centro comercial. México, Universidad Iberoamericana.
DAVIS, M. (1992). Planeta de ciudades miseria. Madri, Foca.
DELGADO, M. (2011). El espacio público como ideología. Madri, Catarata.
DGOTDU – Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (2008). A iden dade dos lugares e a sua representação colec va. Bases de orientação para a concepção, qualifi cação e gestão do espaco público. Série Polí ca de Cidades, 3.
DIARIO DE MORELOS (9/11/2012). Disponível em: http://www.diariodemorelos.com/article/ enefama-la-plazuela-del-zacate. Acesso em: 23 nov 2013.
DUHAU, E. (2003). “Las megaciudades en el siglo XXI. De la modernidad inconclusa a la crisis del espacio público”. In: RAMÍREZ KURI, P. (2003). Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa.
DUHAU, E. e GIGLIA, A. (2008). Las reglas del desorden: habitar la metrópoli. México, UAMAzcapotzalco/Siglo XXI.
FAINSTEIN, S. (1994). The city builders. Cambridge, Blackwell.
FISKE, J. (1989). Reading the Popular. Londres/Nova York, Routledge/Unwin Hyman.
GIGLIA, A. (2003). “Espacio público y espacios cerrados en la ciudad de México”. In: RAMÍREZ KURI, P. Espacio público y reconstrucción de la ciudadanía. México, Flacso/Miguel Ángel Porrúa.
HABERMAS, J. (1984). Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
HARVEY, D. (2007). Breve história del capitalismo. Madri, Akal.
JACOBS, J. (1992). The death and life of the great american ci es. Nova York, Vintage.
LEFEBVRE, H. (1974). The produc on of space. Oxford, Blackwell.
LEITNER, H.; PECK, J. e SHEPPARD, E. (eds.). (2007). Contes ng neoliberalism: urban fron ers. Nova York, Guilford.
LÓPEZ LEVI, L. (1997). Los centros comerciales como espacios mul funcionales. Argumentos, n. 27, pp. 81-96.
LOW, S. (2005). Transformaciones del Espacio Público en la Ciudad Latinoamericana: cambios espaciales y prác cas sociales. Bifurcaciones, n. 5. Disponível em: www.bifurcaciones.cl/005/Low.htm. Acesso em: 16 abr 2007.
MASSEY, D. e ALLEN, J. (1984). Geography ma ers, a reader. Cambridge University.
MASSEY, D. (2005). “La fi loso a y la polí ca de la espacialidad: algunas consideraciones”. In: ARFUCH, L. (comp.). Pensar este empo: espacios, afectos, pertenencias. Buenos Aires, Paidós.
______ (2008). Pelo espaço. Brasil, Bertrand.
______ (2012). “Un sen do global del lugar”. In: ALBET, A. e BENACH, N. Doreen Massey. Un sen do Global del lugar. Barcelona, Icaria.
Enfoques teóricos y usos políticos del concepto de espacio público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 113-137, jun 2014 137
PORTAS, N. (2003). “Espaço público e cidade emergente”. In: BRANDÃO, P. e REMESAR, A. Design e espaço público, deslocação e proximidade. Lisboa, Centro Português de Design.
PRADILLA, E. (2009). Los territorios del neoliberalismo en América La na. México, UAM-X/Miguel Ángel Porrúa.
RAMÍREZ, B. (2010). “De la ciudad global a la ciudad neoliberal. Una propuesta teórica y polí ca”. In: ALFIE, M.; AZUARA, I.; BUENO, C.; PÉREZ NEGRETE, M. e TAMAYO, S. (eds). Sistema mundial y nuevas geogra as. México, UAM-Azcapotzalco, UAM- Cuajimalpa y UIA.
RAMÍREZ KURI, P. (2009). Espacio público y ciudadanía en la ciudad de México. Percepciones, apropiaciones y prác cas sociales en Coyoacán y su centro histórico. México, UNAM-IIS. PUEC/ Miguel Ángel Porrúa.
RIFKIN, J. (2000). La era del acceso: la revolución de la nueva economía. Barcelona, Paidós.
SANTOS, M. (1986). Espacio y Método. Geocri ca. Cadernos Crí cos de Geografi a Humana. Barcelona, Publicacions i Edicions UB, n. 65.
SENNETT, R. (1978). El declive del hombre público. Barcelona, Anagrama.
SMITH, N. (2005). “Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura”. In: HARVEY, D. e SMITH, N. Capital fi nanciero, propiedad inmobiliaria y cultura. Barcelona, Universitat Autónoma de Barcelona/MACBA.
SORKIN, M. (ed.) (2004). Variaciones sobre un parque temá co, la nueva ciudad americana y el fi n del espacio público. Barcelona, Gustavo Gili.
ZUKIN, S. (2010). Naked city. The death and life of authen c urban places. Nova York, Oxford.
Texto recebido em 11/set/2013Texto aprovado em 23/dez/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano de cidade ou metrópole?
Ponto de vista de uma europeia
Is it possible to talk, in the 21st century, of a Latin Americanmodel of city or metropolis? A European’s point of view
Hélène Rivière d’Arc
AbstractThe paper initially asks what can be understood by neoliberal city in Latin America in the 1990s and presents some reflections on events that have marked the history of cities. It identifies the categories of the past that clarify the ones that are currently in use in investigations, mainly those referring to systems that organize a specifi c domain: the metropolis in Latin America. As in anywhere else, the neoliberal city is the financialized city, where construction, in all its forms, in the entire urban territory which is now part of bank assets, leads to the privatization of old services and to the diffusion of new services, which are almost exclusively private. This definition encompasses practically all the cities of Latin America, large and medium-sized, and even diverse cities like São Paulo and Tegucigalpa. The text highlights six analysis paradigms that have guided important research studies on the Latin American urbanization process, allowing to analyze the simultaneity and the similarity of this process in different countries and in different periods of time.
Keywords: neoliberalism; Latin American city; urbanization.
ResumoA partir da indagação sobre o que se pode enten-
der por cidade neoliberal na América Latina nos
anos 1990, o artigo apresenta algumas reflexões
sobre eventos que pontuaram a história das cidades,
identificando quais são as categorias do passado
que esclarecem as atualmente em uso nas investi-
gações e, principalmente, as referentes aos sistemas
que organizam um domínio particular: a metrópole
na América Latina. Como em qualquer parte, a ci-
dade neoliberal é a cidade financeirizada, onde a
construção sob todas as suas formas, em todo o
território urbano que faz agora parte dos ativos ban-
cários, conduz à privatização dos antigos serviços e
à difusão de novos serviços quase exclusivamente
privados. Esta defi nição abarca praticamente todas
as cidades da América Latina, grandes e médias, e
até mesmo cidades tão diversas quanto São Paulo
e Tegucigalpa. O texto destaca seis paradigmas de
análise, orientadores de importantes trabalhos de
pesquisa sobre o processo de urbanização latino-
-americano, permitindo analisar a simultaneidade e
a similaridade desse processo em diferentes países e
em diferentes períodos de tempo.
Palavras-chave: neoliberalismo; cidade latino-
-americana; urbanização.
Hélène Rivière d’Arc
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014140
Inicialmente, levanto a hipótese de um
modelo de cidade que circula na América La-
tina, atribuindo à noção de modelo o sentido
dado pelos economistas quando procuram
saber qual é o elemento estruturador de um
sistema e as causas da reprodução ou não
desse último. Porém, tomo a escala espacial
da cidade como substrato do modelo e não a
escala nacional.
Do ponto de vista metodológico, contu-
do, a corroboração dessa hipótese pressupõe
algumas questões prévias. Devemos pensar
qual é o interesse de recorrer à noção de mo-
delo. De fato, essa última permite fugir ao con-
texto hegemônico de mundialização para ex-
plicar um processo, pois o reconhecimento de
um “modelo” permite por sua vez antecipar o
futuro e as possibilidades.
Saskia Sassen acredita poder reconhecer
um modelo universal da cidade global, que se
diferenciaria apenas por ser – em muitos ca-
sos – truncado. Assim, esse modelo nada mais
seria do que um retorno à hegemonia exercida
por algumas cidades e pelas redes de todos os
tipos, que exercem seus poderes virtuais a par-
tir dessas cidades. Para um especialista, esse
procedimento pode ser satisfatório. Para um
pesquisador em ciências sociais e econômicas,
ele me parece restritivo, na medida em que o
pesquisador considera que o tempo (político,
histórico...) é uma contingência das hipóteses
que ele levanta. Com efeito, propor a existên-
cia de um modelo de cidade latino-americana
(ou mesmo europeia) talvez se deva ao fato
de a primeira década de 2000 ter vivido, aqui
e lá, momentos políticos e econômicos muito
diferentes. A década de 1990, que presenciou
a liberalização e política desenfreadas, priva-
tizações, abertura ao intercâmbio comercial,
cultural e intelectual, foram anos dourados
para as redes de especialistas. Essas redes
fizeram circular suas definições dos riscos e
suas receitas em todos os continentes. Alguns
pesquisadores denunciaram, então, uma “des-
politização” das questões sociais e econômi-
cas, criticando indiretamente os especialistas
por dissipar as contradições não resolvidas,
unicamente com base em sua credibilidade
técnica. Em conclusão, isso remeteria o concei-
to de território urbano apenas à sua materiali-
dade física.
Outros ressaltaram a complexidade e a
dificuldade que representa para as populações
urbanas, principais vítimas desses riscos de to-
dos os tipos, enfrentar a inflação das medidas
burocráticas e/ou jurídicas, inspiradas nas reco-
mendações e receitas neoliberais. Mas pode-se
dizer também que, no outro extremo, o traba-
lho dos pesquisadores, baseado nessas contin-
gências do tempo e da história, pode por vezes
aparecer com uma negação de todo impacto
de um pensamento ou de uma ação reforma-
dora, seja ela qual for. Existe aí um dilema, mas
acredito que a evolução política dos anos 2000,
cujos traços marcantes são a aspiração às re-
fundações nacionais na América Latina e à pro-
fundidade da crise na Europa (e também nos
Estados Unidos), pode contribuir para mudar
as modalidades dessas circulações temáticas
sobre a cidade.
Nesse contexto dos anos 1990, o que
foi então entendido como cidade neoliberal
na América Latina? Como em qualquer parte,
mas talvez mais ainda que em outros luga-
res, trata-se da cidade financeirizada, onde a
construção sob todas as suas formas, em to-
do o território urbano que faz agora parte dos
ativos bancários, levam, por sua vez, a uma
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 141
privatização dos antigos serviços e à difusão de
novos serviços quase exclusivamente privados.
Essa definição abarca praticamente todas as ci-
dades da América Latina, grandes e médias, e
até mesmo cidades tão diferentes quanto São
Paulo e Tegucigalpa.
Investigar sobre os eventos que pontua-
ram a história das cidades permite identificar
quais são as categorias do passado que es-
clarecem as que estão atualmente em uso e
sobre os sistemas que organizam um domínio
particular: nesse caso, a metrópole na Améri-
ca Latina.
Alguns paradigmas observados
Neste texto, elenco seis paradigmas que
foram objeto de inúmeros trabalhos. Seria
preferível atribuir-lhes uma ordem que subli-
nhasse sua importância? Não, pois correspon-
dem a elementos de análise e períodos bas-
tante diferentes.
Em primeiro lugar, pode-se notar a simul-
taneidade em todos os países da América Lati-
na da mais forte explosão urbana do mundo,
frequentemente qualificada como espontânea,
informal e ilícita (acompanhada, aliás, por fenô-
menos de implosão urbana). Que interpretação
socioeconômica se dava desse processo? Acre-
dito ser a seguinte: na verdade, a população
“marginal” nas periferias esperava poder con-
quistar o status de proletário (ou assalariado),
construindo ao mesmo tempo seus territórios
específicos que se tornariam rapidamente a
expressão da maior expansão urbana do mun-
do (o atual sprawl, ou espalhamento). Muitos
sociólogos, dentre os quais Emilio Duhau, retra-
çaram essa história.
Com um pouco de recuo, penso em duas
explicações possíveis para a construção desse
modelo espacial: a primeira remete à ausência
de valor venal dos terrenos nos arredores das
cidades até uma época recente (anos 1980), e
a outra seria o corolário do primeiro, a indefini-
ção prolongada no tempo do status da proprie-
dade urbana. E os diferentes atores que ditam
as regras dessa urbanização selvagem acabam
por ter comportamentos muito parecidos nas
diferentes cidades para contornar esses obs-
táculos. O rápido aumento do valor fundiário
e a passagem ao mercado constituirão subse-
quentemente um dos paradigmas essenciais de
nossa análise.
O segundo ponto que gostaria de evocar
é o que vem a seguir, pois condiciona profun-
damente as novas formas de gestão das socie-
dades urbanas. Deve-se vincular a rapidez da
transição demográfica na América Latina e da
aplicação do respectivo modelo teórico com a
urbanização? A leitura dos trabalhos dos anos
1990 nos incita a isso. Essa transição durou vin-
te e cinco anos (dos anos 1960 aos anos 1990),
e a diferença de comportamento entre as zonas
metropolitanas e as zonas rurais era mais pro-
nunciada do que a diferença entre os países.
Segundo Maria-Eugenia Cosio, a partir de 1980
a média do número de filhos por mulher era in-
ferior a 2,5. Isso nos faz supor que os imigran-
tes das zonas rurais mudavam de modo de vida
assim que se instalavam em zonas urbanas. Os
demógrafos, incluindo M. E. Cosio, atribuem
essa transição extremamente rápida que marca
fundamentalmente as sociedades latino-ameri-
canas a duas causas essenciais. Primeiro, eles
se referem à importância das políticas médicas
Hélène Rivière d’Arc
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014142
na América Latina desde os anos 1930, e de-
pois, à mudança de atitude das famílias pobres
urbanas no que diz respeito à fecundidade. De
fato, a multiplicação de filhos por família não
seria mais, desde os anos 1980, uma segurança
para a sobrevivência da família, mas ao contrá-
rio, para enfrentar a crise, as mulheres teriam
sido levadas a um uso generalizado de anticon-
cepcionais, à sua disposição em condições de
acesso fáceis, sobretudo nas cidades.
Essa mudança coincidiu, em todas as par-
tes, com uma política de apoio à família urbana
imaginada no México, mas rapidamente difun-
dida em todo o subcontinente, através de mo-
delos bastante próximos e em cuja aplicação a
responsabilidade das mulheres é valorizada. Si-
multaneamente, a esperança de vida aumentou
a um ritmo igualmente rápido, fazendo então
surgir uma sociedade urbana composta por di-
versas gerações.
Em outras palavras, as condições de-
mográficas atuais não contradizem os pressu-
postos teóricos considerados universais, mas
os posicionam em uma perspectiva conjun -
tural com os desvios e divergências em seus
efeitos prováveis.
Há um terceiro paradigma, recorrente
quando se fala de cidades da América Latina:
o do impacto das desigualdades sociais extre-
mas existente há décadas, que divide a socie-
dade em cinco grandes “classes”: A, B, C, D e
E. Elas fundamentam hoje em dia as políticas
urbanas, designadamente a de habitação.
Criadas por gabinetes de estudos que atuam
na esfera nacional ou internacional, substi-
tuíram as antigas categorias de assalariados,
de “marginais”, e mesmo as que apareceram
posteriormente, de pobres e ricos. Em relação
a essas antigas categorias, elas dão uma visão
asseptizada da sociedade, sintetizando a di-
versidade dos status profissionais, dos ofícios,
das atividades e das condições sociais. Por isso,
elas parecem ser aceitas como “dados fixos”,
impossíveis de se questionar. “Sou da classe
‘D’”, especifica um comerciário. Isso deve ser
suficiente para explicar seu modo de vida e,
ainda mais, seu comportamento. Mas essas ca-
tegorias são, ao mesmo tempo, um instrumento
técnico de urbanismo comum aos arquitetos,
promotores e gestores, já que o recurso à sua
existência remete à intervenção no espaço ur-
bano em construção ou transformação, tanto
do ponto de visa das infraestruturas, como dos
serviços e da moradia. Principalmente, elas re-
velam o futuro possível de um bairro, pois tra-
duzem a capacidade de seus habitantes de pa-
gar impostos, mas ainda mais de obter crédito.1
O que remete a uma definição de um modelo
de cidade "latino-americano” hoje “financeiri-
zado", suportado por um valor fundiário urba-
no em aumento muito rápido. Esses aumentos
de preços obrigam as diferentes categorias da
população a modificar suas estratégias tra-
dicionais de acesso à moradia como a ocupa-
ção e a entrar na batalha do mercado, e aos
empreen dedores, bem como às organizações
populares, a entrar no que alguns chamam de
“caça aos espaços”.2
Há dois tipos de respostas a esse dilema
por parte das populações mais modestas, que
condicionam a reprodução do modelo espa-
cial centro/periferia que aplicávamos tradicio-
nalmente nos espaços metropolitanos latino-
-americanos ou, hoje, para seguir alguns atores
que preferem falar de fragmentação em vez de
segregação, o novo modelo “multicentralida-
des/periferias”. Acredito que esses dois tipos
de respostas, mesmo que expressas de modos
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 143
diferentes, estão presentes em inúmeras cida-
des da América Latina. A primeira é a aceitação
do afastamento dos centros das cidades, que
são, no entanto, os espaços mais provedores de
atividades de todos os níveis de qualificação,
de atividades precárias, de atividades noturnas,
com o risco de acumular as horas em todos os
meios de transportes públicos ou privados e de
precisar inventar novos modos de vida. A se-
gunda é a invenção de formas de pressão so-
bre os poderes locais para que seja facilitado o
acesso à moradia por meio de um empréstimo
adequado ou para que reconheçam o direi-
to das pessoas de permanecerem onde estão.
Essa formas de pressão podem ser exercidas
na rua, ao mesmo tempo que no interior das
instituições de participação implementadas em
quase toda a América Latina, de acordo com
um modelo inspirado em experiências de go-
verno municipal do PT, cujas modalidades ro-
daram o mundo.
A extrema dificuldade dos poderes pú-
blicos a dar coerência às políticas de trans-
porte ou a regular as atualmente em vigor
me parece, aliás, um dos traços marcantes do
modelo latino-americano há anos e um dos
mais explosivos das últimas décadas. De fato,
pode-se notar que o problema dos transportes
está ausente do discurso dos prefeitos que, no
entanto, são frequentemente de esquerda ou
pelo menos abertos à participação, enquanto
ocupa um lugar constante na sociedade urba-
na, considerando todas as classes. Por outro
lado, as institui ções municipais parecem estar
comprimidas entre a inextricável confusão que
reina no antigo setor privado e nos serviços
mais recentemente privatizados e um setor
público, às vezes presente, mas suplantado
pela emergência.
Cidade caótica ou cidade neoliberal?
Se até os anos 1960 os arquitetos detinham um
quase monopólio da reflexão sobre o urbanis-
mo e as cidades, o crescimento desenfreado
dessas últimas, tanto em extensão como em
população, contribuiu para retomar essa tra-
dição. Aparecendo primeiramente como vitrine
da modernização – uma visão que a época de
autoritarismo se esforçou para tornar oficial
durante duas décadas –, esse crescimento se
transformou pouco a pouco em crise, em pe-
sadelo até que atingiu seu ponto culminante
nos anos 1980. Contudo, uma crise tão difícil
de assimilar que as cidades da América Latina
ainda façam parte, nos anos 2000, desse Planet
of Slums (Planeta das Favelas), um título im-
pactante que transformou o livro do Mike Davis
em best-seller. Aliás, as estatísticas internacio-
nais, que associam sempre implicitamente a
pobreza e a violência, apresentam constante-
mente algumas das cidades da América Latina
como as mais violentas do mundo.
Porém, trata-se de um atalho enganador.
A questão merece ser colocada de maneira
diferente. Os paradigmas que tentei levantar
na primeira parte deste texto, que constituem
a essência do neoliberalismo, misturados com
histórias diversas, não deixam de interrogar
sobre a continuidade de experiências comuns
em todo o continente e no tempo, às vezes com
uma década de atraso.
Em esfera local, a coincidência principal
reside em uma certa similitude do discurso po-
lítico dos poderes locais, cuja fibra social an-
tecede frequentemente a dos governos nacio-
nais, mas que já vivem alternâncias políticas.
Hélène Rivière d’Arc
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014144
São o reflexo de atitudes de classes médias
que não são mais impregnadas pela análise
radical dos intelectuais orgânicos dos anos
1990. São os poderes locais que buscam, na
panóplia das medidas sociais/técnicas propos-
tas pelos fóruns internacionais, inspirações ur-
banísticas e sociais. Reconhecem a similitude
dos problemas encontrados em toda a Amé-
rica Latina. São, aliás, frequentemente perce-
bidos apenas como únicos portadores de um
discurso hoje de esquerda no mundo, que pre-
tende criticar um sistema neoliberal aplicado
à gestão do território, mas incapaz de propor
medidas alternativas.
C o n t u d o , a p ó s o c o n s e n s o d e
Washington, o custo social das doutrinas neo-
liberais que sucederam as ditaduras parece ter
deixado a desconfiança em relação aos repre-
sentantes de Estado se propagar por toda par-
te, mesmo se personagens carismáticos como
Chávez ou Lula conseguem ampla e tempo-
rariamente dar a impressão de que o quadro
está mais favorável.
No que diz respeito à sociedade urba-
na, a informalidade no trabalho e as ativi-
dades mudam de sentido. Ela se estende da
precariedade à transgressão e não é somente
a eventual “desindustrialização precoce” dos
países, retomando a expressão já adotada pe-
las economias e, por conseguinte, das cidades
onde as formas de emprego assalariado tradi-
cional estagnam, a responsável por isso. Po-
deríamos até mesmo praticamente dizer que
ao se aproximar das características dos em-
pregos informais e ao transgredir de maneira
complexa o direito do trabalho, os empregos
formais se “informalizam”.
Isso quer dizer que esse modelo urbano
latino-americano se explicaria ainda por meio
de duas teses que foram muito propagadas
nos anos 1960-1980 e que colocavam ambas
o Estado como ator principal do debate. Uma
delas, de Manuel Castelles, muito difundidas
na época na América Latina, via o Estado an-
tes de tudo como a expressão dos interesses de
classe, uma tese já suplantada, por ele mesmo,
aliás. O’Donnell explicava as experiências auto-
ritárias da época pela incapacidade dos gover-
nantes de aprofundar aquilo que podia dina-
mizar o processo de industrialização (pós-ISI).
Ela também foi suplantada. Acredito que é na
análise das experiências urbanas que se deve
continuar a buscar o modelo que se transfor-
ma incessantemente, como seria, por exemplo,
uma análise comparativa em meio urbano das
normas que regem a distribuição dos bens pú-
blicos e privados.
Conclusão
Como conclusão, apresento a síntese de uma
experiência de pesquisa realizada em São
Paulo e no México. A experiência consistia em
uma comparação entre as diferentes formas
de acesso à moradia em um contexto de forte
alta do valor fundiário urbano. Ela se apoiava
em uma constatação comum entre as duas ci-
dades: uma expansão urbana extremamente
ampla (sprawl ou espalhamento), apesar da
desaceleração do crescimento da população.
Essa constatação revelou uma das necessida-
des mais imperativas da sociedade: a mora-
dia. A questão para as municipalidades que
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 145
compõem as áreas metropolitanas é, portanto,
a seguinte: como gerenciar e interromper essa
expansão, sem negligenciar as necessidades re-
sidenciais mais urgentes e mais consumidoras
de espaço?
No México, nos anos 2000, sob os go-
vernos de Andrés Manuel López Obrador e
de seus sucessores, a fim de tentar restringir
a expansão espacial na circunscrição admi-
nistrativa do DF, foi elaborado um programa,
o Bando 2, que não durou muito tempo, mas
que teve consequências imediatas e atraiu
uma grande quantidade de atores. Esse pro-
grama visava impedir a promoção de novos
conjuntos residenciais fora do centro, isto é,
no Bando 2, para impulsionar a requalificação
do centro histórico do México. Mas quais são
hoje os meios de pressão do governo munici-
pal sobre as construtoras que, por sua vez, se
beneficiam de um processo de transferência
da promoção da moradia para o setor privado,
para que invistam no centro da cidade, onde o
valor fundiário originou um crescimento con-
siderável? As consequências desse programa
foram a emigração das operações de moradia
para fora do Bando 2, em municípios do esta-
do do México, muito satisfeitos em conceder
terrenos muito baratos a empresas que po-
diam se tornar contribuintes.
Esse resultado bastante próximo, me
parece, da situação madrilena, contribuiu
muito para a expansão urbana e para a cons-
trução de loteamentos muito afastados das zo-
nas de atividades do DF. Em suma, uma situa-
ção que, do ponto de vista social e do relato da
vida cotidiana dos habitantes, se parece com a
de São Paulo.
Inversamente, em São Paulo, o inves-
timento da municipalidade em moradias é
relativamente recente e é baixo. A bolha imo-
biliária para os imóveis de alto padrão atingiu
o pico no início dos anos 2000. Em 2007, essa
atividade experimentou uma queda bastante
brusca. As empresas que trabalhavam para a
categoria de alto padrão voltaram-se, então,
para outro mercado, o das classes médias C e
D, usando um modelo residencial padronizado.
Os diferentes programas propostos pelo gover-
no central, por meio da Caixa Econômica Fede-
ral, permitem essa reconversão. As construto-
ras, por outro lado, ocupam espaços liberados
pela demolição de zonas industriais. E, para
praticar essa reconversão, elas recorrem a dois
raciocínios: um, na escala da zona metropoli-
tana, e o outro, na escala do município de São
Paulo, deixando à cidade a incumbência de re-
solver a questão da moradia dos trabalhadores
com “menos de cinco salários mínimos”, isto é,
investimentos a fundo perdido.
Nos dois casos observados, ou seja, o DF
e o município de São Paulo, encontramos hoje
um valor fundiário que aumenta rapidamente,
mesmo se de maneira desigual, conforme os
espaços. No DF, é porque não há muita oferta;
em São Paulo, porque os espaços eventualmen-
te disponíveis e minuciosamente disputados,
são requalificados para a moradia de uma po-
pulação capaz de pagar.
Diante da financeirização dos espaços
urbanos, estratégias e ações foram modifica-
das, tanto no México, como em São Paulo. A
ocupação ou a invasão de know-how tradi-
cional que caracterizou mais de um século de
urbanização, tanto aqui, como lá, não é mais
a forma de ação dominante. No México, a rei-
vindicação dominante e o tema da mobilização
mais importante é o do acesso a crédito apro-
priado à situação do devedor. Outra maneira,
Hélène Rivière d’Arc
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014146
compatível com a primeira, é a adesão a uma
associação, cujo líder se incumbe de levar a
solicitação ao INVI (Instituto Nacional de la
Vivienda), ou diretamente junto à prefeitura. A
participação, mesmo se é afirmada pelo prefei-
to da Cidade do México, que alega inspirar-se
no modelo das cidades do Brasil, não tem mui-
ta influência nas tomada de decisão referentes
às questões de moradia.
Em São Paulo, O Movimento escolhe três
modalidades de ação. Ele participa do Conse-
lho Municipal de Habitação com seus aliados
das ONG, mas o orçamento examinado pelo
CMH é extremamente baixo em relação às ne-
cessidades. Ele procura terrenos que possam
ser construídos ou reabilitados por razões di-
versas3 que ele ocupa simbolicamente, fazendo
pressão simultaneamente sobre a prefeitura
para que faça valer o direito de preferência ou
os adquire a preço baixo.
Portanto, são estratégias distintas, po-
rém, com pontos em comum: a financeiriza-
ção da cidade deslocou as estratégias tradicio-
nais, cujo corolário era o status impreciso da
propriedade para ações integradas de maneira
absolutamente consciente no mercado. Assim,
há ainda nesse aspecto a simultaneidade de
mudanças marcantes nas duas cidades. Por
outro lado, aqui e lá se observa a importân-
cia do papel atribuído às corporações e aos
meios profissionais no debate, conduzindo à
seguinte observação: a consideração das de-
sigualdades sociais extremas como elemento
estruturador dos projetos de urbanismo como
“dados sociais fixos” leva os profissionais aqui
e lá à realização prática de modelos arquitetu-
rais muito similares. A aplicação desses mode-
los traduz uma mesma combinação de dados,
o custo de construção mais baixo possível,
enquanto o custo fundiário aumenta. O con-
senso em torno a um modelo único de casas
e apartamentos pequenos (cerca de 40 m2).4
Mas esse é outro debate.
A transformação das cidades latino-ame-
ricanas durante a última década marca, acre-
dito, a retomada da crença e dos termos das
instituições em detrimento dos das redes e da
comunicação imposta.
Hélène Rivière d’ArcInstitut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine. Centre de Recherche et de Documentation sur les Amériques. Paris, Franç[email protected]
Pode-se falar, nestes anos 2000, de um modelo latino-americano...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 139-147, jun 2014 147
Notas
(1) Pode-se perguntar, então, por que as metrópoles da América La na não vivenciaram a crise como Cleveland ou Madri; pode ser que, devido à prudência dos promotores e banqueiros, ainda não persuadidos de que a maioria da população urbana já se tornou de “classe média”, ou antes D+ ou C.
(2) É assim que um dos líderes da União dos Movimentos, em São Paulo, resume a tá ca de entrada das organizações populares no mercado fundiário.
(3) Em geral, an gos terrenos industriais e/ou terrenos abandonados.
(4) Curiosidade: a viagem dos empreendedores de São Paulo ao México em 2009, para entender como era possível construir loteamentos tão grandes de casas tão baratas (Ecatepec, Cuau tlan).
Texto recebido em 10/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014
Reestruturação urbana neoliberale as empresas de ônibus
na cidade do Rio de Janeiro
Neoliberal urban reorganization and the buscompanies in the city of Rio de Janeiro
Igor Pouchain Matela
ResumoEm 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro realizou
a concessão privada de todo o sistema de trans-
porte por ônibus na cidade. Historicamente, os
empresários do setor se constituíram numa das
principais forças na coalizão de interesses na po-
lítica urbana. Neste artigo, trabalhamos com a
hipótese de que a reorganização do transporte es-
tá inserida num contexto de aprofundamento do
processo de neoliberalização na escala urbana no
Brasil que estaria desestruturando/reestruturan-
do a coerência espacial anterior, implicando em
mudanças nas coalizões políticas e em suas rela-
ções com o Estado. A modernização das formas
de acumu lação urbana tende a estabelecer uma
regulação nos serviços públicos mais próxima da
lógica de um mercado autorregulado.
Palavras-chave: reestruturação urbana; neolibe-
ralização; transporte público; empresas de ônibus;
Rio de Janeiro.
AbstractIn 2010, the municipal government of Rio de Janeiro granted the private concession of the entire system of bus transportation in the city. Historically, entrepreneurs of the sector have constituted a major force in the coalition of interests in urban policy. In this paper, we work with the hypothesis that the reorganization of the transportation system is embedded in a context of intensification of neoliberalization in the urban scale in Brazil that would be disorganizing / reorganizing the previous spatial coherence, producing changes in political coalitions and in their relations with the State. The modernization of modes of urban accumulation tends to establish a regulation of public services that is close to the logic of a self-regulated market.
Keywords: urban reorganization; neoliberalization; public transportation; bus companies; Rio de Janeiro.
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014150
Introdução
O transporte na Região Metropolitana do Rio
de Janeiro se divide basicamente em cinco mo-
dais: ônibus, metrô, trens, barcas e vans (entre
legalizadas e clandestinas). Entretanto, desta-
ca-se a primazia do transporte rodoviário por
ônibus que pode ser verificada a partir de sua
atual participação de cerca de 70% no total
de deslocamentos realizados na cidade do Rio
de Janeiro – município núcleo e que apresenta
alta concentração dos postos de trabalho e da
renda na região metropolitana (Gráfico 1). Os
ônibus municipais são os únicos sob adminis-
tração da prefeitura da cidade, enquanto os ou-
tros meios se vinculam ao governo estadual e
passaram pelo processo de privatização no fim
dos anos 1990.
A hegemonia do modelo rodoviário do-
minado por empresas de ônibus no sistema de
transportes coletivos na cidade do Rio de Ja
neiro se consolida a partir da década de 1960.
Desde então, essas empresas reforçaram seu
poder econômico e político, tendo grande in-
fluência sobre as políticas e os investimentos
públicos no setor. Baseadas em permissões da
Prefeitura para operar o serviço, as empresas
atuavam sob um estatuto jurídico precário, sem
contratos definidos. Essa forma de regulação
vigorou até 2010, quando a prefeitura da cida-
de do Rio de Janeiro realizou, pela primeira vez,
uma licitação pública para a concessão por 20
anos de todo o sistema de transporte público
por ônibus.
Esta mudança se realiza num contexto
de grandes transformações urbanas no Rio
de Janeiro. A cidade se prepara para receber
Fonte: Armazém de dados do Rio de Janeiro.
Gráfi co 1 – Movimento de passageiros segundo os modos de transporteno município do Rio de Janeiro (1995-2012)1
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 151
os dois principais eventos esportivos interna-
cionais (Copa do Mundo e Jogos Olímpicos) e
tal situação é vista pela coalizão política do-
minante como uma oportunidade de inserção
competitiva da cidade no mercado mundial. In-
clusive, é um momento em que a própria coa-
lizão política parece se rearticular em torno de
novos interesses.
As tradicionais coalizões em torno da
acumulação urbana no Brasil se organizaram,
ao longo da segunda metade do século XX sob
a lógica mercantil, a partir de relações patrimo-
nialistas com o Estado. Tal fato conformou um
padrão de regulação que bloqueou a moder-
nização capitalista no espaço urbano. As rela-
ções de poder garantiram privilégios às frações
do capital nacional predominantes nos circuitos
de acumulação que envolviam obras públicas,
mercado imobiliário e serviços urbanos (es-
pecialmente os de transporte). Recorrendo às
contribuições de David Harvey, podemos afir-
mar que essas coalizões foram constitutivas da
coerência espacial estruturada característica
das cidades brasileiras no período.
Sugerimos que a recente reorganização
do transporte por ônibus no Rio de Janeiro
aponta para a hipótese de que presenciamos
um processo de neoliberalização nos espaços
urbanos no Brasil que estaria desestruturando/
reestruturando a coerência espacial anterior,
implicando mudanças nas coalizões políticas e
suas relações com o Estado.
A partir dessa abordagem, começamos
este artigo com uma breve discussão sobre a
formação de coerências estruturadas, alianças
de classe e coalizões governantes para, em
seguida, fazermos uma caracterização da coe-
rência urbana estruturada que se formou no
Brasil ao longo do século XX, seu padrão de
regulação e a coalizão urbana correspondente.
Mais especificamente, abordaremos a ascensão
das empresas de ônibus e sua consolidação he-
gemônica no sistema de transporte urbano do
Rio de Janeiro.
Na segunda parte, examinaremos a con-
cessão privada do transporte por ônibus reali-
zado a partir de 2010 pela Prefeitura, a racio-
nalidade emergente, o sentido da mudança da
regulação e como o processo se desenvolve
empiricamente, os conflitos e as adaptações
verificados até o momento.
Finalmente, tentaremos oferecer uma in-
terpretação sobre como a reacomodação dos
interesses na coalizão urbana implica mudan-
ças/permanências da política de transportes.
Em que medida há uma transição da acumu-
lação mercantil, baseada no patrimonialismo
para uma lógica de mercado, aprofundando a
mercantilização dos serviços urbanos.
Coerência urbana estruturada no período nacional-desenvolvimentista e ascensão das empresas de ônibus no Rio de Janeiro
Coerências espaciais estruturadas e alianças de classe
Os processos de circulação do capital, impul
sionados pela necessidade sistêmica de in-
cessante acumulação, são o fundamento da
geografia histórica do capitalismo. Esta ideia-
-chave desenvolvida com detalhamento pelo
geógrafo David Harvey nos ajuda a interpretar
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014152
as formas mais gerais de produção espacial no
capitalismo. Harvey recupera a ideia concebida
por Marx de que o movimento de acumula-
ção do capital precisa, a cada rodada, superar
as barreiras espaciais a fim de se realizar. Es-
sa tendência de “aniquilação do espaço pelo
tempo” se dá pela aceleração do tempo de giro
do capital por meio de formas de transporte e
comunicações cada vez mais modernas e vol-
tadas para a rapidez dos movimentos. O resul-
tado desse processo é a compressão do hori-
zonte espaço-temporal do mundo e tempos de
circulação do capital cada vez mais curtos.
Mas desse movimento emerge uma con-
tradição: se por um lado o capital deve supe-
rar as barreiras espaciais, por outro ele precisa
produzir espaços mais adaptados às suas cam-
biantes necessidades. Os limites geográficos
para acumulação do capital têm de ser ultra-
passados pela produção de um novo espaço.
Com isso, o capitalismo tende a produzir uma
paisagem geográfica apropriada a sua dinâmi-
ca de acumulação num determinado momento
histórico, para que num momento posterior es-
sa paisagem seja destruída para a criação de
uma nova, apropriada à acumulação numa no-
va condição histórica.
As infraestruturas físicas e sociais são um
recurso espacial complexo de ativos criados pa-
ra apoiar a produção e o consumo. Elas absor-
vem grandes quantidades de investimento de
capital de longo prazo e requerem mais capital
para sua manutenção ao longo de sua vida útil.
O estoque dos ativos de capital incorporado
nestas infraestruturas fornece uma forma con-
creta de riqueza que pode ser usada para pro-
duzir e consumir mais riqueza (Harvey, 1985).
Dessa forma, as estruturas espaciais conso-
lidadas a partir do processo acima descrito
adquirem o caráter de uma configuração espa-
cial particular de um ambiente construído para
produção, consumo e intercâmbio. E o acesso
privilegiado a qualquer conjunto desses ati-
vos no ambiente construído se constitui numa
fonte potencial de lucros extraordinários. Essas
configurações espaciais particulares ou, nos
termos de Harvey, “coerências estruturadas”
dão suporte e, ao mesmo tempo, restringem o
movimento do capital.
Dentro desses espaços, a produção, a dis-tribuição, a troca e o consumo, a oferta e a demanda (particularmente de força de trabalho), a luta de classes, a cultura e os estilos de vida se juntam num sis-tema aberto que, não obstante, exibem algum tipo de “coerência estruturada”. (...) Consciências e identidades regionais, até mesmo lealdades afetivas, podem ser construídas nesta região e, quando sobre-posta por algum aparato de governança e poder estatal, o espaço regional pode evoluir para uma unidade territorial que opera como um tipo de espaço definido de consumo e produção coletivos assim como de ação política. A coletividade pode se consolidar assumindo responsa-bilidade pelo enraizamento de todo tipo de infraestruturas na terra (sistemas de rodovias, facilidades portuárias, sistemas de água e esgoto) e configurando múlti-plos suportes institucionais (educação e saúde) que definem uma forma particular de relacionamento com a acumulação de capital assim como com o resto do mun- do. (Harvey, 2004, p. 78)
Entendemos, portanto, que a formação
de coerências estruturadas é um processo que
se dá em diferentes escalas simultaneamente
e não dependem necessariamente da insti-
tucionalização estatal para serem represen-
tadas. Assim, se o Estado nacional delimita
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 153
uma coerência estruturada mais geral, outras
coerências estruturadas (regionais, metropoli-
tanas, urbanas) podem emergir, estando con-
tidas numa estrutura escalar e estabelecendo
diversas formas de relações entre si (competi-
tivas, cooperativas, controle, subordinação hie-
rárquica, etc.).
Se as coerências estruturadas têm essa
dimensão sistêmica-estrutural dada pelas con-
dições históricas de acumulação, seu desenvol-
vimento geográfico desigual também depende
da dimensão política específica dada pelas
alianças de classe que se formam articuladas a
elas. As coerências estruturadas são base mate-
rial para a formação de alianças de classe e, ao
mesmo tempo, destas dependem para sua rela-
tiva estabilidade. Há uma lógica política terri-
torial que se apóia em processos vinculados ao
espaço. As coerências estruturadas são a mate-
rialidade que resulta dessa tensão determinada
por forças econômicas e políticas.
O objetivo mais geral das alianças de
classe de base territorial é preservar ou aprimo-
rar a coerência estruturada. Assim, elas podem
assumir uma postura defensiva ou agressiva
diante de outras regiões, o que interfere so-
bremaneira no tipo de política territorial a ser
adotada. Portanto, a aliança de classe é “uma
força poderosa na formação da paisagem do
capitalismo, produto da acumulação do capital
e luta de classes que se desdobra no espaço
geográfico” (Harvey, 1985, p. 148).
As alianças de classe, os processos po-
líticos e as configurações espaciais acabam,
em dado momento, por se tornarem barreiras
inconciliáveis para o desenvolvimento subse-
quente do capitalismo. Nesta hora, o capitalis-
mo tem que destruir as formas sócio-políticas-
-geográficas que ele criou para recriá-las numa
versão mais moderna. A reestruturação da coe-
rência espacial cria novas possibilidades para a
reconstrução de uma aliança de classes, tanto
a partir de ligações externas, quanto por meio
de novas combinações das forças internas.
A ideia de configurações geográficas de
longa duração, presente no conceito de coe-
rência estruturada, nos permite uma base de
análise para as transformações espaciais em
curso nas grandes cidades latino-americanas a
partir da emergência do processo de neolibera-
lização. Nos limites deste artigo, pretendemos
enfocar em linhas gerais o caso brasileiro para,
em seguida, oferecer uma interpretação sobre
as mudanças recentes na política de transpor-
tes por ônibus na cidade do Rio de Janeiro.
O período nacional-desenvolvimentista
A partir de meados do século XX até os anos
1980, se estabelece no Brasil um padrão de re-
gulação da acumulação capitalista que alguns
autores classificam como fordismo periférico.
Este período, que chamamos aqui de nacional-
-desenvolvimentista, se caracterizou por uma
política industrial com forte incentivo à subs-
tituição de importações associada a uma mar-
cante presença de filiais de indústrias de capi-
tal estrangeiro no espaço econômico nacional.
Como vimos anteriormente, tais características
macroestruturais que regularam a acumulação
de capital nessa época, ajudaram a conformar,
em diferentes escalas, as coerências espaciais e
as alianças de classe no Brasil.
Numa abordagem das especificidades
do capitalismo associado na América Latina
(presença de capitais nacionais e estrangeiros
na economia nacional), Lessa e Dain (1982)
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014154
afirmam que uma das condições do desenvol-
vimento do capitalismo no Brasil nesse período
foi o estabelecimento de uma aliança entre os
capitais estrangeiros e nacionais que definia
duas cláusulas básicas: a primeira consistia em
destinar determinadas esferas de acumulação
(industrial, bancária, agrária, etc.) para cada
tipo de capital. Administrado pelo Estado, o
pacto da “Sagrada Aliança” reservou ao capital
nacional a acumulação urbana, notadamente
os setores imobiliário, de obras e de serviços
públicos (ex.: transportes coletivos). A segunda
cláusula do pacto garantia ao capital nacional,
marcadamente de caráter mercantil, níveis de
rentabilidade compatíveis com os auferidos pe-
lo capital industrial estrangeiro. Para isso, eram
necessárias formas de acumulação que Lessa
e Dain chamaram de “pervertidas”, baseadas
no privilégio, e que podemos relacionar com
as práticas de acumulação por espoliação, de
acordo com conceito cunhado por Harvey. Aqui
ressaltamos as relações patrimonialistas entre
esses capitais mercantis e o Estado, que orien-
taram de forma decisiva as políticas e os inves-
timentos públicos.
Portanto, é importante notar que a alian-
ça de classes em escala nacional está associa-
da às condições das alianças e coalizões polí-
ticas no espaço urbano, assim como as formas
de relação entre o Estado e os capitais que aí
realizavam sua acumulação. Essas coalizões ti-
veram notadamente um viés defensivo, de pro-
teção de suas posições alcançadas e de reser-
va de mercados. Com isso, também foram um
fator de bloqueio da modernização capitalista
nos espaços urbanos.
Em relação às características distintivas
das coerências urbanas estruturadas desse
período, podemos destacar a acelerada tendên
cia à metropolização e à industrialização com
baixos salários. O baixo custo de reprodução da
força de trabalho teve seus reflexos na econo-
mia urbana e na própria produção do espaço:
os circuitos inferior e superior da economia
(Milton Santos), a informalidade como parte da
nossa modernização e não como atraso (Fran-
cisco de Oliveira) nos ajudam a compreender
as formas de produção, distribuição e consu-
mo nas cidades. Maricato (2000), por exemplo,
destaca como nossas cidades se dividem em
espaços incorporados ao mercado formal, alta-
mente regulados pelo poder público, enquan-
to a maior parte se encontra à margem deste
mercado e sujeitas à aplicação arbitrária da lei.
Além disso, ressalta o caráter altamente regres-
sivo do investimento público, com forte viés de
classe e em favor da especulação imobiliária, e
o alto grau de segregação socioespacial. Milton
Santos ilustra bem a organização interna das
cidades resultante destes processos:
Nessas cidades espraiadas (...) há inter- dependência do que podemos chamar de categorias espaciais relevantes desta época: tamanho urbano, modelo rodoviá- rio, carência de infraestruturas, especula- ção fundiária e imobiliária, problemas de transporte, extroversão e periferização da população, gerando, graças às dimensões da pobreza e seu componente geográfico, um modelo de centro-periferia. (Santos, 1994, p. 95)
A partir desse contexto analítico, pode-
mos esboçar uma leitura da trajetória de con-
solidação da hegemonia das empresas de ôni-
bus no setor de transportes urbanos coletivos
do Rio de Janeiro.
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 155
Trajetória das empresas de ônibus e a construção de sua hegemonia nos transportes públicos do Rio de Janeiro
As empresas de ônibus dominam atualmente
o setor de transportes coletivos na cidade do
Rio de Janeiro. Sua hegemonia no setor e sua
importância política na coalizão urbana é re-
sultado de uma trajetória construída ao longo
do século XX. As disputas que emergem em
torno desse serviço são fundamentais para
entender sua ascensão e o controle dos trans-
portes coletivos.
Nos registros históricos, a primeira em-
presa de ônibus na cidade do Rio de Janeiro
surgiu no ano de 1911, dando continuidade a
uma linha que, por ocasião das comemorações
do centenário da abertura dos portos em 1908,
havia sido estabelecida entre a Praça Mauá e
o Passeio Público, passando ao longo da Ave-
nida Central (atual Avenida Rio Branco) com
eventuais prolongamentos até a Praia Verme-
lha. Nos anos seguintes, outras empresas sur-
giram de forma ainda muito incipiente, até que
em 1932 é fundada a União das Empresas de
Ônibus, primeira organização que vai associar
os empresários privados independentes do se-
tor. Até esse momento, os ônibus eram um ser-
viço pouco significativo no conjunto da cidade
e, apesar do forte crescimento nesse tipo de
transporte na década de 1930, não concorriam
diretamente com o transporte ferroviário (bon-
des e trens), tendo uma função complementar.2
A Revolução de 1930 marcou um perío-
do de maior atuação do Estado nas políticas
públicas no Brasil. Assim, até 1945, foram re-
correntes as propostas para monopolização
estatal dos transportes coletivos no Rio de
Janeiro. Tais propostas não se concretizaram,
porém, o maior controle do Estado, restrin-
gindo a proliferação de empresas, favoreceu a
consolidação daquelas já existentes, marcando
o primeiro processo de concentração de capital
no setor – o número de empresas se reduz de
24 em 1934 para 16 em 1939. Segundo Frei-
re (2001), na época, o empresariado não tinha
força política para estabelecer as diretrizes da
política de transportes, por isso a categoria
adotava um posicionamento defensivo no sen-
tido de garantir as posições já conquistadas.
Os empresários independentes de ônibus eram
vistos pelo poder público como desarticulado-
res do sistema de transportes.
Durante a Segunda Guerra Mundial, as
empresas de ônibus são fortemente afetadas
pela dificuldade de importação de peças e pelo
aumento do custo dos combustíveis. Tais res-
trições levaram a uma queda generalizada nos
padrões de qualidade do serviço (veículos su-
perlotados, mal conservados, etc.). Entretanto,
apesar da crise, cresce a participação dos ôni-
bus no transporte urbano,3 e o fim do conflito
marca uma fase de crescimento e consolidação
desse modal na cidade. Veremos como se deu
esse processo.
Ao fim da guerra, com a recuperação
econômica, o estreitamento das relações po-
líticas e comerciais com os Estados Unidos, o
reestabelecimento da capacidade de impor-
tação e a normalização do abastecimento de
combustíveis, houve a criação de condições
para que o transporte rodoviário, com motor
a explosão, se apresentasse como alternativa
de resolução da crise dos transportes urbanos.
Novos ônibus estadunidenses de maior capaci-
dade e velocidade passaram a ser importados,
favorecidos por financiamentos públicos e pela
política cambial.
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014156
Com o fim do Estado Novo, o novo go-
verno assume uma perspectiva mais liberal.
As propostas de unificação e coordenação dos
transportes coletivos são descartadas e há o
incentivo à criação de novas empresas rodoviá-
rias para expandir rapidamente a oferta. Novas
linhas são criadas, e o serviço cresce de forma
pulverizada e exponencial, principalmente atra-
vés dos lotações, que passam a competir com
os ônibus e bondes.4
Os lotações eram veículos menores entre
10 e 21 lugares que haviam surgido durante
a guerra e foram tolerados devido à crise nos
transportes públicos. Popularizaram-se em fun-
ção de sua flexibilidade e rapidez e eram ope-
rados por motoristas autônomos e sem itine-
rário fixo até início dos anos 50. Fizeram forte
concorrência tanto com bondes, percorrendo
rotas coincidentes, quanto com os ônibus, que
tinham menor flexibilidade, pois seus itinerá-
rios e frequências eram mais regulados pelo
poder público.
Ônibus e lotações atendiam as crescen-
tes periferias urbanas e viabilizavam a expan-
são da cidade para vastas áreas não servidas
por outros meios de transporte. O modelo ro-
doviário, de certa forma, deu condições para
uma rápida dinâmica de especulação imobi-
liária e de periferização da metrópole do Rio
de Janeiro. Além disso, favorecia a autoridade
municipal ao enfraquecer o poder da Light na
política de transportes (Orrico e Santos, 1999).
Portanto, a partir de 1945, há uma nova
conformação das forças políticas: enfraqueci-
mento da Light, fortalecimento da posição das
empresas de ônibus com legitimação diante
do poder público e ascensão dos lotações co-
mo concorrentes diretos das empresas esta-
belecidas. A partir desse momento, o sindicato
das empresas de ônibus começa a se colocar
também como interlocutor do Estado para a
formulação das políticas de transporte, suge-
rindo medidas e diretrizes. A Light deixa de ser
o principal agente dos transportes na cidade e,
longe de sua ambição de monopolização dos
serviços, começa seu gradual afastamento do
setor (Freire, 2001).
O fim da década de 40 marca o início de
uma transição que vai se consolidar nos anos
1960. O padrão dominante dos transportes ur-
banos no Rio de Janeiro deixa de ser ferroviário
(bondes e trens) para se apoiar fundamental-
mente no modelo rodoviário (ônibus, lotações
e automóveis particulares). É um período de
muitas intervenções destinadas à circulação
rodoviária na cidade (construções de túneis,
viadutos, vias expressas). Os ônibus se tornam
o principal meio organizador dos transportes,
não mais um serviço complementar, enquanto
bondes e trens gradualmente se deterioram e
perdem sua importância.
A transição rodoviária, até o início dos
anos 1960, vai se desenvolver baseada num
modelo bastante pulverizado a partir da atua-
ção dos lotações. A multiplicação desse tipo
de veículos no transporte urbano criou um
ambiente extremamente competitivo e um ex-
cesso de veículos disputando passageiros nas
ruas. Uma mesma linha era disputada por vá-
rios motoristas autônomos. Estima-se que, no
fim dos anos 1950, mais de 5.000 lotações cir-
culassem nas ruas da cidade, principalmente
entre o centro e a Zona Sul. Havia pouca fis-
calização e poucas obrigações por parte dos
operadores desse tipo de transporte. Por conta
disso, Pereira (1987) afirma que os lotações
foram os desestruturadores do antigo mode-
lo. Eles foram responsáveis pelo declínio das
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 157
antigas empresas de ônibus e dos bondes nas
principais áreas da cidade e estão na origem
da ordem emergente dos transportes urbanos
na cidade na década de 60. A competição im-
posta por eles, à margem dos regulamentos,
fez com que várias das antigas empresas for-
mais de ônibus não resistissem à competição
e quebrassem.5
Os lotações criaram as condições para o
surgimento e foram os embriões da segunda
geração de empresas de ônibus que veio do-
minar o transporte público na cidade (Pereira,
1987). De 1958 a 1967, o poder público vol-
tou a atuar de forma mais ativa, e uma série
regulações no transporte coletivo por parte da
prefeitura deu a base para uma nova confor-
mação do setor e para a definitiva hegemonia
das empresas de ônibus no Rio de Janeiro.
Em linhas gerais, a regulação estatal foi
no sentido de estimular e, muitas vezes, deter-
minar a concentração do capital no setor, esta-
belecendo números mínimos para a frota das
empresas. Em 1958, é estabelecido o regime
de permissões para a exploração do serviço
de transporte coletivo. Nesse regime não há
prazos definidos de validade nem de reavalia-
ção, não estão claramente estabelecidos quais
os direitos e obrigações do permissionário. Na
prática, a permissão veio favorecer as decisões
sobre o transporte por parte das empresas de
ônibus. Nesse mesmo ano, novas licenças para
lotações foram abolidas. Em 1963, os lotações
foram definitivamente proibidos, e o ônibus
passou a ser o único veículo rodoviário no
transporte coletivo. Em 1964, ocorre a extinção
dos bondes elétricos e em 67 é estabelecido
que as empresas de ônibus deviam ter uma
frota mínima de 60 carros para operar, redu-
zindo de 121 para 54 o número de empresas
na cidade. Como resultado, houve uma grande
onda de fusões e aquisições, principalmente
entre os donos de pequenas frotas de lotações,
que se associavam em novas empresas de ôni-
bus para se adequarem à legislação. Portanto,
as novas empresas surgiram exatamente dos
antigos proprietários dos lotações ou a partir
de cooperativas de motoristas.6 Além dos em-
presários que já atuavam no ramo, as novas
empresas de ônibus também contaram na ori-
gem com o investimento de capitais oriundos
de atividades comerciais (mercantis), o que
de certa forma ajudou a influenciar o estilo de
condução dos negócios, tanto na administração
interna quanto nas estratégias de expansão.
A partir dessas medidas emerge a nova
lógica dos transportes na cidade: prioridade
para os ônibus; regulação estatal no sentido
de limitar o número de empresas e restringir
a concorrência entre elas; delimitação de área
para cada empresa, criando monopólios espa-
ciais; e sistema de permissões (Pereira, 1987).
Autores como Orrico e Santos (1999)
e Pereira (1987) apontam a influência dos in-
teresses da indústria rodoviária nessa nova
orientação da política de transportes. Fábricas
de carrocerias, revendedores de chassis, com-
panhias de petróleo, etc. tinham interesse no
desenvolvimento do setor, enquanto a indústria
automobilística nascente tinha no mercado das
empresas formais de ônibus uma importante
demanda, reforçada por regulações que estipu-
lavam prazos de renovação de frota.
Portanto, a década de 60 foi fundamental
para a história dos transportes públicos no Rio
de Janeiro, pois finalizou o período de transição
rodoviária iniciado no pós-guerra e lançou as
bases para o domínio e a consolidação do sis-
tema de ônibus no Rio de Janeiro nas décadas
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014158
seguintes. Além disso, Duarte (2003) ressalta
que o poder público municipal trouxe para sua
esfera administrativa a regulação dos trans-
portes na cidade, uma vez que era mais fácil
estabelecer articulações com os novos grupos
formados por capitais mercantis locais do que
com a Light (empresa canadense que controla-
va os bondes) ou com o governo federal (res-
ponsável pelos trens).
Desde então, a regulação pública induziu
cada vez mais a concentração das empresas,
incentivando fusões, aquisições, incorpora-
ções. Com exigências de frotas mínimas ca-
da vez maiores (1967=60 carros; 1981=120;
1982=240) e critérios bastante restritivos para
permissão de linhas, tais políticas funcionaram
como impedimento a entradas de novas empre-
sas no sistema. Em 1994, é abolida a exigência
de frotas mínimas, mas o controle do setor por
parte do sindicato patronal tornou quase im-
possível novas entradas não consentidas.
Entretanto, o processo de concentração
não deve ser analisado apenas pela quanti-
dade de empresas atuantes no setor. A con-
centração do capital se desenvolveu através
de grupos empresariais que controlam mais
de uma empresa. A partir de meados dos 90,
algumas empresas se dividem, mascarando a
concentração empresarial existente. Caiafa
( 2002) argumenta que a cisão de empresas
é uma das formas de expansão de capital e
incorporação de novos sócios. Ocorre de em-
presas grandes se fragmentarem em outras
menores, com novas diretorias e composição
societária diferente. Novos sócios são incorpo-
rados, mas mantendo os principais acionistas
da empresa anterior. As novas empresas co-
meçam a operar sem participar de qualquer
licitação, sem a retomada por parte do Estado
das linhas que a primeira empresa repassou
às outras. A explicação para isso seria que os
processos de cisão funcionam como uma for-
ma de revigorar o modelo estabelecido e ga-
rantir a continuidade do sistema, promovendo
uma repartição do patrimônio e das linhas em
muitos casos para acomodar interesses dentro
da própria família.7
De acordo com estimativas de Orrico e
Santos (1999), no ano de 1995, 20 grupos con-
trolavam as 34 empresas existentes na cidade.
Destes, dois controlavam 31,1% e um controla-
va 24% da frota total. Em toda RMRJ, 4,1% dos
grupos controlavam 25% da frota. A distribui-
ção geográfica das concentrações das empre-
sas revelaria situações próximas a monopólios
por áreas e trechos. Assim, após um período de
incentivo à concentração empresarial por parte
do Estado, a partir dos anos 90 a concentração
do mercado foi impulsionada a partir dos prin-
cipais grupos privados do setor.
O argumento do poder público e dos
defensores dos incentivos à concentração de
capital era que o grande número de empre-
sas competindo entre si seria um obstáculo ao
planejamento e à reorganização do transporte.
Porém, o processo de concentração favoreceu a
consolidação de poucas e grandes empresas de
ônibus privadas que se tornaram cada vez mais
poderosas política e economicamente.
Esse poder está vinculado à posição es-
tratégica que as empresas conquistaram na
prestação de um serviço essencial para a vida
nas cidades, como é o caso dos transportes
coletivos. Elas se impuseram e se legitimaram
como representantes do setor, influenciando no
legislativo e executivo as políticas e os investi-
mentos públicos nas diversas esferas do apare-
lho de estado.
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 159
Assim, entre a década de 1970 e o ano
de 2010, o poder das empresas estabeleceu um
modelo que apresentava entre seus principais
pontos: controle de um mercado praticamente
fechado, com garantia de rentabilidade e blo-
queio à entrada de qualquer novo concorrente;
monopólios espaciais em determinadas áreas,
já que as variações ou mudanças de linhas pas-
saram a ser feitas pelas próprias empresas que
nela já operavam, burlando a exigência legal
de licitações; faturamento à vista sobre milhões
de viagens por dia, grandes ativos imobilizados
(garagens, terminais rodoviários, oficinas, etc.);
garantia do repasse dos custos para as tarifas
por meio de planilhas informadas pelas pró-
prias empresas; consolidação do caráter jurídi-
co de permissionárias.
Na prática, o planejamento do sistema
também era feito pelas empresas, mesmo que
fragmentariamente, através de solicitações de
linhas, acréscimos, desmembramentos. A prefei-
tura apenas autorizava o que era decidido pri-
vadamente. O período também foi caracterizado
pela resistência a qualquer alteração que não
partisse das formulações das próprias empresas.
A organização política da categoria se deu
através dos sindicatos patronais. A Fetranspor
(Federação das Empresas de Transportes de Pas-
sageiros do Estado do Rio de Janeiro) reúne dez
sindicatos de empresas de ônibus no estado do
Rio de Janeiro e tem um papel de formulação de
estratégias e políticas perante as esferas públi-
cas. O principal sindicato que compõe a Fetrans-
por é o Rio Ônibus, que representa as empresas
do município do Rio de Janeiro.
Resumindo, Pereira (1987) identifi-
ca dois momentos fundamentais na história
recente das relações entre o poder público e
as empresas de ônibus no Rio de Janeiro. O
primeiro, ao longo dos anos 1960, de forte in-
tervenção estatal para promover a criação das
novas empresas de ônibus (maiores, mais ca-
pitalizadas e organizadas) em detrimento dos
bondes e lotações. O sistema foi organizado
através da concessão de privilégios: restrição
de permissionárias, reserva de mercado por
zonas de operação, estabelecimento de li-
nhas e seções rentáveis em concorrência com
outros meios de transporte. O poder público
organizou o sistema de transportes e conce-
deu um mercado cativo, de alta liquidez às
empresas de ônibus, que passaram a atuar no
sentido de manter essa situação. No segundo
momento, o sistema se consolida em grupos
crescentemente mais concentrados e pode-
rosos, com um sindicato forte e hegemonia
no transporte municipal e metropolitano. As
políticas do setor passam cada vez mais pelo
aval das empresas (na verdade, muitas vezes
as políticas são formuladas a partir das em-
presas). Mais uma vez a preocupação central
do setor foi preservar a posição estratégica
conquistada, com duas linhas de atuação: 1)
ampliar as articulações/relações dentro do
Estado (legislativo, executivo e judiciário);
2) aumentar a eficiência e produtividade em
nível microeconômico (com a contratação de
consultores, profissionalização).
Entendemos que, a partir de 2010, com a
concessão abrangente do sistema de transpor-
te por ônibus no município do Rio de Janeiro,
se estabelece um terceiro momento nessa rela-
ção entre as empresas e o poder público. É essa
questão que procuraremos analisar a seguir.
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014160
Reestruturação urbana neoliberal e rearticulações das coalizões políticas
Transição neoliberal
A partir dos anos 1990, inicia-se um processo
de transformações no capitalismo brasileiro
fundado na liberalização da economia. Desde
então, esse processo se aprofunda, interpene-
tra as escalas territoriais e alcança com força a
produção do espaço urbano a partir da segun-
da metade da década de 2000. Evidenciam-se
com mais clareza os processos de financeiriza-
ção e globalização da urbanização, com desta-
que para o circuito imobiliário (Harvey, 2012).
Nesse mesmo contexto, a chegada de novos
agentes e novos circuitos na acumulação ur-
bana estaria pressionando a transformação da
cidade (coerências urbanas estruturadas) e a
redefinição da coalizão de interesses em torno
da acumulação urbana em bases distintas do
patrimonialismo historicamente estabelecido.
Cabe pontuar que entendemos neolibe-
ralização como um processo de aprofundamen-
to da mercantilização e da adoção da lógica de
mercado aplicada à regulação estatal dos ser-
viços públicos, nos termos apresentados em di-
versos trabalhos por Jamie Peck, Neil Brenner e
Nik Theodore. A partir dessa abordagem, a neo-
liberalização não é uma coisa ou uma situação
ideal, mas um processo dependente da trajetó-
ria e que se dá de forma variada (variegated)
de acordo com as paisagens regulatórias her-
dadas, gerando formas contextualmente espe-
cíficas. Da incidência da neoliberalização nos
espaços concretos singulares resulta uma re-
definição das arenas e dos interesses políticos
em que se articularão as disputas em torno da
acumulação. Nessa perspectiva,
[...] a neoliberalização deveria ser con- cebida como um ethos hegemônico de reestruturação, um padrão dominante de transformação regulatória (incompleta e contraditória), e não como um sistema plenamente coerente ou uma forma de Estado tipológica. Como tal opera entre seus ‘outros’ em ambientes de governan- ça múltipla, heterogênea e contraditória. (Peck, Theodore e Brenner, 2012, p. 69)
Dessa forma, mesmo que apresen-
te características gerais semelhantes (como
sistemas de governança e de regulação pró-
-mercado), a neoliberalização é sempre con-
textualizada e convive de forma “parasitária”
em combinações híbridas com as formações
sociais locais – diferentes tipos de Estados de
Bem Estar Social, o socialismo chinês, governos
com viés de esquerda na América do Sul e, no
caso brasileiro, com o ‘lulismo’. É no antagonis-
mo às formações sociais locais e na resistência
social que são forjados os desenvolvimentos
geográficos desiguais da neoliberalização de
acordo com os contextos. Isso implica um grau
de variação bastante complexo, que não pode
ser simplesmente resumido entre neoliberalis-
mo e não neoliberalismo.
Portanto, o processo de neoliberalização
e reestruturação urbana em curso no Rio de Ja-
neiro possibilita fraturas nas antigas coalizões
urbanas fundadas na acumulação mercantil e
abre oportunidades para novos agentes en-
trarem no jogo e redefinirem as relações de
poder. Nesse contexto, emergem formas de
gestão urbana ‘empresarialistas’, ligadas aos
circuitos internacionais de acumulação e aos
agentes econômicos e políticos organizados
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 161
em torno da transformação das cidades em
projetos especulativos:
Pode-se observar nas cidades brasileiras, com efeito, a emergência de uma gover- nança empreendedorista empresarial que mantém as antigas práticas patrimonia- listas de acumulação urbana e de repre- sentação baseadas no clientelismo, e às vezes incorpora parte do discurso univer- salista em torno da cidadania, ao mesmo tempo em que promove novas práticas orientadas pela transformação das ci- dades em commodities.(...) Em síntese, estar-se-ia diante da emergência de uma nova coalização de forças sociais nas me- trópoles, expressando um bloco de inte- resses em torno de uma governança em- preendedorista empresarial, em aliança com antigas coalizões dominantes (carac- terizadas pelo localismo, paroquialismo e clientelismo), envolvendo também, de forma minoritária, setores dos segmen- tos populares e progressistas. Essa nova coalizão de forças seria sustentada por frações do capital imobiliário em aliança com frações do capital financeiro, líderes partidários e parte da tecno-burocracia do estado, e estaria fortemente vinculada a algumas formas de intervenção urbana, em especial, vinculadas à reestruturação das áreas centrais, à promoção dos mega--eventos, às grandes obras infraestruturais (como as obras viárias e de saneamento básico), à urbanização e ordenação das favelas, e à infraestrutura vinculada ao tu-rismo imobiliário. (Ribeiro e Santos Junior, 2013, p. 36)
É um processo não linear de moderniza-
ção capitalista das cidades brasileiras que leva
a mudanças nos modos de acumulação urbana
com todo um conjunto de efeitos nas formas de
produção do espaço. Obviamente, o resultado
final desse processo não está dado, depende de
disputas políticas, econômicas, sociais e espa-
ciais. Os agentes tradicionais procuram manter
suas posições de privilégio e precisam adaptar
seus modos de exercer o poder. Portanto, de-
vemos observar empiricamente em que medida
esse processo se desenvolve e como os diversos
agentes produtores do espaço se posicionam.
A reorganização do sistema de ônibus no Rio de Janeiro
Em abril de 2010, a prefeitura do Rio de Janeiro
anunciou a intenção de realizar uma licitação
geral das linhas de ônibus da cidade. De acordo
com a explicação oficial, a medida se justifica-
va porque:
No Rio de Janeiro, o modelo vigente há décadas, de permissões para as empresas operarem linhas de ônibus, tem prejudi- cado a organização e a racionalização do sistema e estimulado a concorrência predatória entre os diversos modos de transporte que operam na cidade, em de- trimento da integração. (Rio de Janeiro, 2010, p. 62)
Assim, em junho, a Secretaria Municipal
de Transportes (SMTR) lançava o edital do pro-
cesso que pretendia reorganizar o transporte
por ônibus na cidade, normatizar o serviço
e racionalizar as linhas. O anúncio prometia
uma transformação radical na circulação das
pessoas na cidade, pois, pela primeira vez, a
Prefeitura do Rio de Janeiro realizava uma lici-
tação pública, aberta à concorrência interna-
cional, para a concessão privada de todo o sis-
tema de transporte por ônibus. Uma mudança
fundamental era a que alterava a relação do
poder concedente (prefeitura) com as empresas
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014162
de ônibus, que deixaram de ser permissionárias
para se tornarem concessionárias. Até então,
com o modelo de permissões, cada empresa
projetava as linhas de acordo com seus inte-
resses particulares e apresentava a proposta à
SMTR, que decidia pela autorização de opera-
ção. No modelo de concessão, o poder público
disporia de mais instrumentos de regulação,
havendo um contrato formal e um planejamen-
to abrangente do sistema de transporte.
O discurso da Prefeitura centrava-se na
argumentação de que o sistema precisava ser
racionalizado para que todos na cidade ga-
nhassem com a melhora de eficiência. Ou seja,
a adequação da oferta de ônibus à demanda
de passageiros, abolindo a concorrência nas
ruas, diminuiria o custo das empresas e con-
sequentemente o valor da tarifa. Em linhas
gerais, pode-se dizer que a racionalização sig-
nificava reduzir o número de ônibus nas zonas
Sul, Norte, Barra da Tijuca e Jacarepaguá, on-
de havia excesso de veículos e grande disputa
de mercado com linhas sobrepostas, e aumen-
tar na Zona Oeste, área de escassez na oferta
de transporte.
A concessão dividiu a cidade em cinco
regiões, chamadas de Redes de Transportes Re-
gionais (RTRs): RTR 1 (Centro e zona portuária),
que por ser destino de várias linhas e de uso
comum, não entrou na licitação; RTR 2 (Zona
Sul e Grande Tijuca); RTR 3 (83 bairros da Zona
Norte); RTR 4 (Baixada de Jacarepaguá, Barra
da Tijuca e Recreio); e RTR 5 (Zona Oeste). As
linhas que integrassem mais de uma região
estariam vinculadas à RTR com maior número
de embarques de passageiros. É importante
destacar que cada consórcio deveria controlar
uma RTR. Reforçando a concepção de pôr fim
à competição territorial entre as empresas de
ônibus, garantindo uma área delimitada – e
exclusiva – para a atuação de cada consórcio
vencedor da licitação.
Ao fim do processo de licitação, os qua-
tro consórcios que representavam 40 das 47
empresas de ônibus que já operavam no Rio
de Janeiro foram anunciados como habilitados
para a concessão do serviço por 20 anos. De
acordo com estimativas do edital, durante es-
se período de concessão, as passagens pagas
pelos usuários somariam R$15,9 bilhões, en-
quanto os concessionários deveriam investir
R$1,8 bilhão no serviço. Além disso, a prefei-
tura conseguiu aprovar na Câmara de Verea-
dores projeto de lei no qual do ISS (Imposto
Sobre Serviços de Qualquer Natureza) do setor
de transportes foi reduzido de 2% para 0,01%
da arrecadação, o que significava, em valores
da época, uma renúncia fiscal de R$33 mi-
lhões por ano.
Ficou estabelecido também que os con-
sórcios vencedores da licitação viriam ope-
rar os futuros corredores expressos de ônibus
(Bus Rapid Transit – BRT) entre Barra da Tijuca
e o Aeroporto Internacional do Galeão (Trans-
carioca); entre Barra da Tijuca e Santa Cruz
(TransOeste); entre Recreio dos Bandeirantes e
Deodoro (TransOlímpica) e entre Deodoro e o
Aeroporto Santos Dumont (TransBrasil).
A concessão abrangente do sistema de
transporte por ônibus, com a relação entre a
Prefeitura e as empresas de ônibus regidas por
um contrato público e com prazo determinado,
poderia, a princípio, ser apontada como uma
ruptura com o modelo de regulação anterior.
Entretanto, o desenvolvimento do processo na
prática envolve uma série de contradições e
complexidades que devem ser observadas para
uma interpretação mais precisa da questão.
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 163
Após três anos de concessão, a estrutura
montada através dos consórcios operadores
e em torno deles indica a manutenção refor-
mulada das tradicionais práticas utilizadas
pelas empresas e de suas relações com o Es-
tado. Além disso, percebe-se uma tendência
de reforço da concentração de capital, poder
e informação. O desenrolar do processo após a
concessão indica a tendência de modernização
do negócio por parte dos grupos empresariais
dominantes como uma estratégia de reposicio-
namento na coalizão política que se atualiza.
Tentaremos a seguir embasar essa afirmação.
Como ressaltado anteriormente, a or-
ganização empresarial no setor apresenta
peculia ridades que complexificam a análise:
se no início da concessão 40 empresas for-
mavam os consórcios, hoje são 42. Dessas,
15 participam de dois consórcios diferentes e
duas delas participam de três consórcios.8 A
maior parte dos empresários tem participação
acionária distribuída em duas ou mais empre-
sas e apenas sete delas apresentam sócios
exclusivos. A concentração por grupos indica
que os três principais detêm metade da parti-
cipação acionária do conjunto dos consórcios,
reafirmando o poder que esses grupos tinham
desde antes da concessão. Os indícios de ir-
regularidades na licitação e suspeita de acor-
do prévio entre as empresas de ônibus que já
atua vam na cidade para definir os vencedo-
res da licitação fizeram com que o Tribunal de
Contas do Município (TCM) iniciasse uma am-
pla apuração do processo.
A família Barata, por exemplo, líder do
principal grupo controlador de empresas de
ônibus no Rio de Janeiro, também atua no fi-
nanciamento da compra de veículos para a
maior parte das empresas e para o sistema
BRT através de seu braço financeiro, o Banco
Guanabara. Os ônibus são comprados na con-
cessionária Guanabara Diesel, também do gru-
po que, dessa forma, tornou-se credor de várias
empresas menores. O controle das frotas de
ônibus dos consórcios por GPS também é rea-
lizado por uma empresa da família.
Entretanto, a compreensão dos meca-
nismos de controle e concentração de poder
privado no setor passa pela Fetranspor. A par-
tir de 2010, a federação dos sindicatos criou
uma série de empresas para atuar em negócios
relacionados ao transporte. Entre elas encon-
tram-se agências de publicidade para ônibus
(MOVTV); uma administradora para os termi-
nais rodoviários urbanos (RioTer); participação
acionária no transporte por barca (SPTA) e
no futuro veículo leve sobre trilhos a ser ins-
talado na área central da cidade (RioPar Par-
ticipações). Mas a empresa-chave criada pela
Fetranspor é a RioCard Cartões. Ela foi criada
para instalar e operar o sistema de cobrança
de passagem por meio de cartão eletrônico
(Bilhete Único). O controle da Fetranspor foi
garantido pelo Estado, ao estabelecer que a
administração desse sistema deveria ser rea-
lizada pelas empresas de ônibus ou entidade
por elas escolhida.
Através da implementação da bilheta-
gem eletrônica (2005), a receita das empresas
de ônibus passou a ser centralizada na RioCard
(não somente a receita das tarifas, mas tam-
bém receitas obtidas de subsídios da prefeitura
para transporte escolar, vale-transporte, etc.).
Assim, o grupo de empresários que comanda
a Fetranspor gerencia as receitas e tem acesso
exclusivo a toda contabilidade do sistema. As
vans legalizadas também pagam uma taxa de
administração para a RioCard.
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014164
Ocorre que, com o controle centralizado
da informação, a divisão das receitas arreca-
dadas no sistema de ônibus e a prestação de
contas são feitas a partir da Fetranspor. Por-
tanto, grupos minoritários de empresários de
ônibus acabam não tendo acesso completo
aos critérios de rateio das verbas oriundas de
tarifas e outras fontes. Tais grupos perdem
poder sobre seus próprios capitais e as in-
formações do sistema. Também para o poder
público, o controle se torna precário. Relató-
rio do TCM avaliou que a prestação de contas
dos consórcios não é confiável, e a Prefeitura
não tem informações exatas sobre a rentabi-
lidade do setor. O próprio estudo de cálculo
para reajuste tarifário não é feito pela Pre-
feitura, mas por consultoria contratada pela
Fetranspor e a partir de dados por ela forneci-
dos. Com imensas dificuldades de controle, o
poder público – TCM, vereadores e a própria
Prefeitura – dificilmente tem acesso às infor-
mações completas do setor.
Na prática, a Fetranspor realiza a gestão
privada de todo o negócio que envolve o trans-
porte público por ônibus no Rio de Janeiro,
um setor fundamental para a vida na cidade e
com uma capacidade enorme de acumulação
de capital (faturamento anual bruto estimado
em 2,6 bilhões de reais). A famosa “caixa-
-preta” das empresas de ônibus consiste na
restrição ao acesso das informações do setor.
A Fetranspor, por sua vez, é controlada por
um pequeno grupo de empresários dominan-
tes que comandam um complexo esquema de
privatização das atividades de controle e ope-
ração do sistema de ônibus.
Outra situação obscura ocorreu em 2012,
quando, sem concorrência pública e a partir
de um acordo entre as empresas, foi criado
um “consórcio operacional” com a finalida-
de de operar os BRTs. Esse seria uma espécie
de “consórcio terceirizado”, contratado pelos
consórcios oficiais exclusivamente para gerir o
transporte nos BRTs. A “terceirização” do ser-
viço funcionou como forma de permitir que a
escolha das empresas que participam do novo
consórcio se desse internamente, sem interfe-
rência do poder público. Não por acaso, as em-
presas operadoras do BRT não pertencem aos
grupos dominantes. De acordo com estimati-
vas da Prefeitura, quando estiverem em pleno
funcionamento, 50% das viagens por ônibus
serão realizadas nos corredores BRT, o que dá
a dimensão de um negócio extremamente pro-
missor para as poucas empresas escolhidas que
irão administrá-lo.
Considerações fi nais
Interpretamos que o processo de neolibera-
lização, ao atingir as cidades brasileiras (e o
exemplo mais explícito é o da cidade do Rio
de Janeiro), desestrutura e reestr tura as
coerências espaciais herdadas do momento
histórico anterior, além de reconstruir em no-
vas bases as alianças de classe e coalizões
de poder.
As antigas alianças de classe fundadas
na acumulação mercantil precisam se moder-
nizar e/ou elaborar novas estratégias políticas
para se articular às formas financeirizadas de
acumulação. Essas novas coalizões tendem a
substituir antigas estratégias defensivas de
reprodução de poder por estratégias compe-
titivas de empreendedorismo urbano, e utili-
zar a cidade como “máquina de crescimento”
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 165
(Molotch, 1976). Esse movimento de inserção
competitiva das cidades está em sintonia com
o processo de globalização e financeirização
da urbanização (Harvey, 2012), impulsionado
pela atual crise no capitalismo central que for-
çou os excedentes de capital a buscarem novos
espaços de reprodução. Fica claro que o enten-
dimento do processo em questão atravessa vá-
rias escalas geográficas.
Em relação ao objeto do presente artigo,
procuramos pensar as mudanças do modelo
historicamente privado de ônibus no contex-
to da neoliberalização. Várias formas de capi-
tal coexistem no mesmo espaço e se apoiam
mutuamente. O velho capital mercantil das
empresas de ônibus se articula com as novas
formas de acumulação urbana dos capitais na-
cionais e transnacionais.
A circulação de pessoas é um aspecto
fundamental na cidade e por isso não pode ser
negligenciada pelos esquemas de dominação
econômica e política. A legitimação da coalizão
urbana e suas condições de acumulação pas-
sam por uma organização dos transportes mais
eficiente. Portanto, interpretamos as mudanças
observadas no setor como necessárias para
sustentar a modernização urbana por meio de
uma reestruturação neoliberal.
Mas se falamos em mudanças, enten-
demos que em linhas gerais elas se configuram
mais como tendências que rupturas. As antigas
coalizões não se desfazem, mas se repactuam.
A concessão de 2010 marca um momen-
to de aprofundamento da lógica de mercado
na regulação e operação dos transportes por
ônibus e todas as atividades que dão suporte
a seu funcionamento modernizado. A concen-
tração empresarial e controle do setor passam
por grupos que, ao controlarem crescentemen-
te o fluxo de capital e informações, tendem a
acumular mais poder. O Estado parece perder
influência e capacidade nas decisões, emer-
gindo uma forma de regulação que deixa gra-
dativamente de se basear no patrimonialismo
historicamente constituído para aproximar-se
de um modelo mais voltado para uma autor-
regulação de mercado. Interpretamos que esse
processo está inserido especificamente no con-
texto da neoliberalização da coerência urbana
estruturada no Rio de Janeiro, mas também
articulado com transformações gerais das rela-
ções capital/Estado em escala nacional. Por ou-
tro lado, e não sendo contraditório, as antigas
práticas de acumulação por espoliação, os pri-
vilégios de uma regulação baseada no patrimo-
nialismo, não desaparecem, mas se adaptam.
Igor Pouchain MatelaGeógrafo. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]
Igor Pouchain Matela
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014166
Notas
(1) Não computados neste gráfi co os dados rela vos à par cipação das vans legais e clandes nas. Porém, infere-se que a curva descendente a par r do fi nal dos anos 1990 esteja relacionada à concorrência desse po de transporte, o que levou as empresas de ônibus a pressionarem a Prefeitura por ações de repressão e controle.
(2) De acordo com Barat (1975), em 1940 o transporte ferroviário (trens e bondes elétricos) nha uma par cipação de 83,47% dos passageiros na cidade.
(3) Freire (2001) aponta que entre 1934 e 1944 o aumento do volume de passageiros transportados ultrapassa os 100% (de 48 para 100 milhões).
(4) Como exemplo, Freire (2001) aponta que entre 1946-1948 surgem seis novas empresas de ônibus e a frota total passa de 812 para 1.024 carros.
(5) Somente quatro empresas de ônibus sobreviveram ao período de concorrência aberta com os lotações.
(6) É importante perceber que a origem da formação dessas empresas tem refl exos na composição que elas assumem até os dias atuais: como observa Caiafa (2002), a história das empresas se desenvolveu muitas vezes de acordo com as histórias pessoais de seus donos. As empresas surgem com alguns sócios, que depois se separam, outras vezes se fundem, cedem ou recebem determinadas linhas a outrem, negociam veículos, repassam cotas a herdeiros, etc.
(7) O monopólio dos ônibus na cidade do Rio de Janeiro é controlado por um pequeno número de empresários familiares. São grupos familiares que têm grande poder de barganha na polí ca local.
(8) h p://www.rioonibus.com/rio-onibus/consorcios-e-empresas/
Referências
BARAT, J. (1975). Estrutura metropolitana e sistema de transportes: estudo do caso do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ins tuto de Planejamento Econômico e Social/INPES.
BRENNER, N.; PECK, J. e THEODORE, N. (2012). Após a neoliberalização. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 14, n. 27, pp. 15-39.
CAIAFA, J. (2002). Jornadas urbanas: exclusão, trabalho e subje vidade nas viagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, FGV.
DUARTE, R. (2003). Centralidade, acessibilidade e o processo de reconfi guração do sistema de transporte na metrópole carioca dos anos de 1960. Revista Território. Rio de Janeiro, ano VII, n. 11-12-13.
Reestruturação urbana neoliberal e as empresas de ônibus...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 149-167, jun 2014 167
FREIRE, A. (2001). Guerra de posições na metrópole: a prefeitura e as empresas de ônibus no Rio de Janeiro (1906-1948). Rio de Janeiro, ALERJ/FGV.
HARVEY, D. (1985). “The place of urban poli cs in the geography of uneven capitalist development”. In: HARVEY, D. The Urbaniza on of Capital. Bal more, The Johns Hopkins University Press.
______ (2004). “Notes towards a theory of uneven geographical development”. In: Spaces of neoliberaliza on. Stu gart, He ner-Lectures v. 8, Steiner Verlag.
______ (2005). “A geografi a da acumulação capitalista: uma reconstrução da teoria marxista”. In: HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo, Annablume.
______ (2012). Rebel Ci es. Londres, Verso.
LESSA, C. e DAIN, S. (1982). “Capitalismo associado: algumas referências para o tema estado e desenvolvimento”. In: COUTINHO, R. e BELLUZZO, L. G. M. (orgs.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo, Brasiliense.
MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”. In: ARANTES, O. et al. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes.
MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a poli cal economy of place. American Journal of Sociology, v. 82, n. 2, pp. 309-332.
ORRICO, R. e SANTOS, E. (1999). “Hegemonia privada: da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro”. In: BRASILEIRO A. e HENRY, E. (orgs.). Viação ilimitada: ônibus das cidades brasileiras. São Paulo, Cultura Ed. Associados.
PECK, J.; THEODORE, N. e BRENNER, N. (2012). Mal-estar no pós-neoliberalismo. Novos Estudos – Cebrap. São Paulo, n. 92, pp. 59-78.
PEREIRA, V. (1987). Avaliação da política de transportes públicos no Rio de Janeiro: causas e consequências do modelo privado no transporte por ônibus. Brasília, EBTU.
RIBEIRO L. C. Q. e SANTOS JUNIOR, O. A. (2013). Governança empreendedorista e megaeventos espor vos: refl exões em torno da experiência brasileira. O Social em Questão. Rio de Janeiro, ano 16, n. 29, pp. 23-42.
RIO DE JANEIRO (2010). Ato de jus fi cação da outorga de concessão da prestação de serviço público de transporte cole vo de passageiros por ônibus. Diário Ofi cial do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano XXIV, n. 29, p. 62, 29 abr.
SANTOS, M. (1994). A Urbanização Brasileira. São Paulo, Hucitec.
THEODORE, N.; PECK, J. e BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los mercados. Temas Sociales. San ago de Chile, v. 66, pp. 1-12.
Texto recebido em 1/set/2013Texto aprovado em 26/out/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo nos imaginários urbanos
da metrópole de Lima, Peru*
Internal migrations and their contemporary protagonismin the urban imaginaries of the metropolis of Lima, Peru
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
AbstractThis paper revisits the narratives about internal migrations in Peru and Lima’s urban explosion during the second half of the 20th century, in order to investigate their permanence and protagonism – mainly in comparison to other Latin American cities and to the diagnoses that are characteristic of regional urban thought at the beginning of this century – as a central element of the discourses and imaginaries about the contemporary metropolis. On the one hand, it explores the specif icities of the Peruvian case in the broader context of Latin American urbanization and of the canonical discourses that have marked its understanding. On the other hand, in dialog with more recent studies, it highlights the persistent centrality of the migration process in the contemporary discourses about the city and its socio-spatial dynamics.
Keywords: urban imaginaries; internal migrations; Latin America; Metropolitan Area of Lima; Peru.
ResumoNeste artigo, revisitamos as narrativas construídas
sobre as migrações internas no Peru e a explosão
urbana de Lima na segunda metade do século XX,
de modo a investigar a sua permanência e desta-
cado protagonismo – sobretudo em comparação
com outras metrópoles latino-americanas e com os
diagnósticos característicos do pensamento urbano
regional neste início de século – como elemento
central nos discursos e imaginários sobre a me-
trópole contemporânea. Por um lado, trata-se de
compreender as especifi cidades daqueles processos
no caso peruano, no marco mais geral da urbani-
zação latino-americana e dos discursos canônicos
que marcaram o seu entendimento. Por outro lado,
em diálogo com estudos mais recentes, destaca-se
a persistente centralidade do fenômeno migratório
nos discursos contemporâneos sobre a cidade e
suas dinâmicas socioespaciais.
Palavras-chave: imaginários urbanos; migrações
internas; América Latina; Lima Metropolitana; Peru.
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014170
Aproximação: migrações internas e urbanização na América Latina
O fenômeno migratório e a urbanização explo-
siva durante a segunda metade do século XX
foi uma realidade em quase, se não em todos
os países latino-americanos. Lefèbvre, em A
Revolução Urbana (escrito na década de 1970),
vai mais longe ao afirmar que o processo de
urbanização, nestas décadas, consistia num fe-
nômeno planetário. O crescimento econômico e
a industrialização – tornados naquele momen-
to as causas e razões supremas do desenvol-
vimento – estenderam suas consequências ao
conjunto dos territórios, regiões, nações e conti-
nentes, evidenciando assim a mundialização do
fenômeno urbano. Sendo as causas demográfi-
cas, as motivações sociológicas e as vantagens
econômicas e políticas da cidade as mesmas,
“na China e noutros lugares” (Lefèbvre, 1999,
p. 107), a urbanização se revelaria, então, um
fato mundial e uma tendência global.
Na América Latina, de um modo geral,
esse processo de urbanização caracterizou-se
pela natureza cumulativa na localização dos
investimentos modernizadores, conduzindo a
região, em poucas décadas, ao fenômeno da
macrocefalia; isto é, à elevada (e crescente)
concentração das atividades econômicas e
políticas mais dinâmicas em alguns poucos
pontos do território (Santos, 2005). México,
Argentina e Chile, para citar apenas alguns
exemplos mais emblemáticos, foram países nos
quais, assim como o Peru, a urbanização esteve
acompanhada por um violento processo de
centralização e o desenvolvimento de uma
única cidade, a capital, em detrimento do res-
tante do território nacional.
Em função dessa concentração, a explo-
são demográfica e territorial das grandes cida-
des latino-americanas deveu-se também a um
intenso fluxo migratório de populações vindas
do campo ou de outros municípios menores,
em busca de melhores condições de vida so-
nhadas mediante sua incorporação à esfera da
economia moderna: “o crescimento desmedido
da população urbana criou um círculo vicioso:
quanto mais a cidade crescia, mais expectati-
vas criava e, em consequência, atraía mais gen-
te, porque parecia poder absorvê-la” (Rome-
ro, 2004, p. 361). Desse modo, a urbanização
explosiva, calcada em uma pauta civilizatória
e um modelo de desenvolvimento transna-
cionais, haveria implicado uma ruptura com
a base cultural camponesa e a destruição dos
vínculos antigos com o espaço, ou seja, o de-
senraizamento e o rompimento dos mapas tra-
dicionais de territorialização (Latouche, 1996;
Ortega, 1986).
Assim, em curto espaço de tempo –
convencionalmente circunscrito entre as déca-
das de 1940 e 1980 –, as migrações internas
inverteriam o padrão de ocupação do terri-
tório na maioria dos países da região, agora
predominantemente urbano; no Brasil, por
exemplo, estima-se que cerca de 40 milhões
de pessoas trasladaram-se do campo para as
cidades neste período (Fontes, 2008 ). Diante
desse crescimento ao mesmo tempo pujante
e desmedido, sem precedentes na história da
civilização ocidental, emergia uma profunda
ambiguidade no entendimento e no trata-
mento da realidade urbana latino-americana.
Expressões como “transbordamento popular”
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 171
(Matos Mar, 2004 ), “enxurrada zoológica”,
“cidade monstruosa”, “cidade de massas”
aparecem como traduções do sentimento de
caos e desordem e convivem com exaltações
ao desenvolvimento urbano da região, ex-
pressão ao mesmo tempo de progresso e mo-
dernidade (Prevôt Schapira, 2001).
No interior do marco teórico e cultural, definido pelas coordenadas nem sempre concordantes do desenvolvimentismo, do funcional-estruturalismo, da planifica- ção regional e da economia espacial, as cidades da região eram percebidas com uma ambiguidade que oscilava entre a es- perança e a desconfiança: como acessos preferenciais de uma corrente de ideias e estilos de vida que libertaria a América Latina das amarras do tradicionalismo e do subdesenvolvimento, incorporando grandes massas de população rural às novas pautas econômicas, sociais e po- líticas da vida moderna, mas, ao mesmo tempo, como parasitas monstruosos, que sugavam toda a seiva vital do interior de nossos países. (Gorelik, 2005, p. 121)
Entendidas a partir dessa configuração
de geografias dualistas – isto é, da divisão es-
trutural dos territórios nacionais entre o “atra-
so” rural e o “progresso” urbano –, as migra-
ções internas eram vistas como a passagem
de sociedades e culturas tradicionais para as
cidades modernas, transpondo assim, em pou-
cos dias, “várias épocas de evolução socioeco-
nômica” (Fontes, 2008, p. 26). No movimento
de expansão da modernização, moldado pelas
relações centro/periferia características da es-
trutura da sociedade e da economia dos paí-
ses latino-americanos, o dualismo tradicional/
moderno deveria resolver-se pela universaliza-
ção do setor modernizador (Gorelik, 2004). A
partir da década de 1920, o impulso industria-
lizador e os investimentos massivos em edu-
cação, em comunicações e na ampliação da
rede viária constituíram os principais esforços
fomentados pelo Estado para promover a mo-
dernização e a integração da economia e do
território nacionais.
A transição da sociedade tradicional para
a sociedade urbano-industrial supunha mudan-
ças significativas em todas as esferas da vida
social. No âmbito político, tal mudança ocorria
no sentido da integração das “massas” e seu
acesso a direitos políticos e sociais, permitin-
do a participação mais ampla das camadas
populares na cultura industrial-urbana. E a
incorporação de grandes setores das classes
populares – até então excluídos do projeto po-
lítico nacional – dependia, sob vários aspectos,
da ruptura do isolamento de grandes porções
do território e da superação dos limites da co-
munidade local (Germani, 1965).
Rompendo com aquelas geografias dua-
listas e seus mapas tradicionais de territoria-
lização (Ortega, 1986) – isto é, com a longa
experiência social da dicotomia entre o campo e
a cidade, entre o rural e o urbano, como matrizes
civilizacionais e modos de vida distintos e
opostos –, a “explosão” e a visibilidade das
massas urbanas provocariam a desestruturação
da sociedade urbana tradicional, aristocrática,
oligárquica e excludente. O fenômeno migrató-
rio e a urbanização explosiva transformariam
radicalmente a fisionomia e a morfologia da
cidade, sua estrutura e suas dinâmicas socio-
espaciais. A reorganização do espaço urbano
acentuaria o caráter dual da organização social e
material das grandes cidades latino-americanas:
de um lado, a concentração de infraestrutura,
serviços, oportunidades e investimentos
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014172
modernizadores no centro; do outro, a contínua
ocupação da periferia urbana, em terrenos de
baixo ou nulo valor de mercado, cada vez mais
distantes e, via de regra, desprovidos de infra-
estrutura e bens de consumo coletivos.
Não obstante a marginalização e a inser-
ção precária e conflituosa dos migrantes na ci-
dade, a migração e a urbanização significavam,
concretamente, a incorporação de grandes
setores da população que até então se encon-
travam excluídos da maior parte dos aspectos
da vida urbano-industrial, do acesso aos direi-
tos sociais e do exercício efetivo dos direitos
políticos (Germani, 1965). No plano político,
como sujeitos de demandas, os novos habi-
tantes pressionariam pela universalização dos
direitos até então restritos às elites urbanas
tradicionais, demandando a massificação da
infraestrutura e dos serviços urbanos, o aces-
so à educação, à moradia digna, à saúde, água,
transporte, etc. (Martín-Barbero, 1991). No pla-
no da cultura, as migrações promoveriam um
processo de integração e fusão cultural, no
qual a expansão dos meios de comunicação
de massa e o desenvolvimento das indústrias
culturais jogariam um papel preponderante,
dando lugar à emergência de uma nova cultura
popular urbana e à reconstrução dos sentidos
do nacional (Martín-Barbero, 2001). Assim, o
efeito combinado dos processos de moderni-
zação, industrialização e urbanização haveria
sido duplo: o surgimento de uma nova cultura
popular urbana, “de massas”, e, paralelamen-
te, a articulação e redefinição dos princípios
políticos de soberania popular, nas quais as
noções de cidadania, progresso, modernidade e
nacionalidade jogaram um papel fundamental
(Nugent, 2007).
Porém, não se trata de afirmar que esse
processo de incorporação foi necessariamen-
te “democrático” ou isento de conflitos, am-
biguidades e limitações. O próprio Germani
(ibid.) destacaria, a partir de sua análise do
caso argentino, as contradições e assincronias
que permearam a integração das massas urba-
nas no contexto do populismo peronista, bem
como sua natureza autoritária e, sob vários
aspectos, conservadora. Contudo, afirma o au-
tor, se por um lado as camadas populares não
puderam avançar no sentido da transformação
estrutural da sociedade argentina, “os resulta-
dos mais importantes se devem buscar no re-
conhecimento dos direitos, e na circunstância
fundamental de que desde esse momento as
massas populares precisam ser levadas em con-
ta” (Domingues e Maneiro, 2004, pp. 652-653).
Assim, podemos afirmar que os setores popu-
lares, e os migrantes em particular, atuaram
diretamente sobre o processo de moderniza-
ção e urbanização, tornando-se atores sociais
e políticos fundamentais da vida na cidade. A
crescente visibilidade das novas massas urba-
nas se relacionava com a força da sua presença
na paisagem, com sua intensa mobilização e
organização social e política e a publicização
de suas insatisfações e demandas com relação
às carências urbanas, numa cidade em rápido
e desordenado crescimento (Fontes, 2008).
Apesar do “otimismo” diante da moder-
nização das sociedades latino-americanas, a
migração massiva rapidamente seria sentida
como um problema, sobretudo pelas elites
dirigentes e pelos setores urbanos tradicio-
nais. A explosiva e desordenada urbanização
se refletia na saturação dos centros urbanos
e no deterioro dos serviços, na emergência e
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 173
na agudização de problemas relacionados à
moradia, à especulação imobiliária e à infraes-
trutura urbana, na visibilidade da pobreza e no
aumento da marginalidade e da criminalidade,
dos quais era responsabilizada a crescente
população migrante (Fontes, ibid.). A cidade
seria então retratada como um espaço hostil
e sufocante, sujo, degradado, caótico, desor-
denado e decadente, estigmatizando a popu-
lação recém-chegada e responsabilizando-a
diretamente pelo deterioro das condições ur-
banas e ambientais. Nesta direção, a migração
massiva provocaria, ademais, o descentramen-
to e a desestruturação da cidade, de tal ma-
neira que sua centralidade se bifurcaria entre
duas periferias: uma desde a qual os setores
populares empreendiam sua “invasão” da ur-
be ; e outra onde crescentemente se refugia-
riam as classes médias e altas, de modo a es-
tabelecer sua distância da cidade massificada
(Martín-Barbero, 1991).
Por fim, a exclusão e a marginalização
de amplos setores da população urbana (nes-
te contexto, predominantemente de origem
migrante) não apenas dos circuitos da econo-
mia formal, mas do próprio acesso à cidade e
seus equipamentos, confeririam à urbanização
empreendida pelos setores populares carac-
terísticas distintivas, realçadas e reafirmadas
constantemente na oposição entre a cidade
“formal” e a “informal” e na configuração
paradigmática de imagens e imaginários di-
cotômicos da sociedade e do espaço urbanos,
que ainda informa a produção de discursos e
diagnósticos em muitas das principais cidades
latino-americanas até os dias atuais.
Apenas na década de 1980 esse proces-
so acelerado de urbanização se modificaria. A
crise econômica e o esgotamento do padrão
de modernização desenvolvimentista, ainda
na década de 1970, levariam à reversão das
taxas de migração e de crescimento urbano
na maioria dos países da região, momento
em que também se assiste ao aumento ex-
ponencial do desemprego e da pobreza, da
informalidade e da violência e à precarização
das condições de vida nas principais cidades
latino-americanas. Em função dessas transfor-
mações, convencionalmente adota-se a “déca-
da perdida” de 1980 como o marco temporal
para o entendimento da contemporaneidade
do subcontinente, momento que marca uma
inflexão no fenômeno urbano na região, pro-
duzida pela acumulação de diferentes proces-
sos – como a democratização e a liberalização
econômica, as mudanças significativas nas re-
lações entre cidade e projeto nacional, Estado
e planejamento urbano, a crise inflacionária e
o esgotamento da temática do desenvolvimen-
to urbano (Prevôt Schapira, 2001) –, abrindo
caminho para que os diagnósticos da “crise
urbana” se generalizem e se imponham, desde
então e com sentidos diversos, como o conteú-
do fundamental dos discursos sobre as metró-
poles da região (Filgueiras, 2008).
Assim, a década de 1980 marcaria tam-
bém o começo de um novo ciclo do pensamen-
to social sobre o urbano na América Latina.
Além dos diagnósticos acerca da pobreza, da
informalidade, da insegurança e da violência –
fenômenos que, desde então, predominam nos
diagnósticos, debates e definições sobre o “ca-
ráter” e a dinâmica social das grandes cidades
do subcontinente –, a globalização econômica,
a reestruturação produtiva e a atualização par-
cial e estratégica da rede urbana, o aprofunda-
mento da segregação, a fragmentação e a po-
larização social, a mercadorização da cultura,
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014174
da cidadania e dos mecanismos de proteção
social, o enclausuramento do espaço domés-
tico e a privatização dos espaços públicos (e/
ou sua renovação cenográfica) se tornaram
algumas das questões e palavras-chave para a
compreensão e a caracterização das metrópo-
les latino-americanas na contemporaneidade.
E, nesse novo contexto, inaugurado com o
marco da década de 1980 e intensificado nas
décadas seguintes, o fenômeno migratório
paulatinamente desapareceria da pauta dos
estudos urbanos regionais.
No Peru, e particularmente em Lima, em-
bora – como veremos – a reversão das taxas
migratórias tenha ocorrido tardiamente em
comparação com os demais países da região,
surpreendem a centralidade e a força expli-
cativa que as migrações internas ainda de-
sem penham nos discursos e nos imaginários
contemporâneos sobre a metrópole limenha,
persistindo como elemento central de compre-
en são da cidade e de suas dinâmicas espaciais
e socioculturais. Mesmo os estudos mais re-
centes, embora insiram a cidade no contexto
contemporâneo e dialoguem com ele, em sua
maioria seguem tendo como ponto de partida
inconteste as transformações decorrentes da
migração massiva na segunda metade do sé-
culo XX. No entanto, antes de discutirmos esse
protagonismo, buscando compreender as ra-
zões dessa permanência, apresentaremos bre-
vemente as características e especificidades do
fenômeno migratório e da explosão urbana no
caso peruano e limenho.
Migrações e urbanização em Lima, Peru: cenas de uma “batalha épica”
Historicamente, o processo de urbanização
peruano tende a ser dividido em duas etapas.
A primeira abrange o longo período desde a
conquista espanhola até a primeira metade do
século XX, de crescimento urbano moderado
aliado à expansão econômica em função dos
mercados externos, beneficiando os centros
administrativos concentrados no litoral, princi-
palmente o eixo Lima-Callao que, desde a colo-
nização, se consolidava como o espaço urbano
mais importante do país. A segunda etapa, por
sua vez, abarca a segunda metade do século
XX, caracterizada pelos esforços de desenvol-
vimento industrial e integração da economia
e do território nacionais, pela urbanização ex-
plosiva do país e pelo crescimento acelerado de
Lima Metropolitana (Inei, 1996).
Os investimentos feitos para romper
com o isolamento dos mercados regionais,
particularmente no setor de transportes e co-
mu nicação, favoreceram a consolidação do
centralismo limenho. Nesse sentido, os proces sos
de expansão econômica e integração territorial
promoveriam a consolidação da capital não
apenas como centro político e administrativo
do país, mas também como ponto nefrálgico da
economia nacional, impondo sua hegemonia
absoluta sobre o mercado e a economia na-
cionais, concentrando o poder e as instituições
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 175
do Estado e subordinando sua lógica de de-
sen vol vimento a todas as demais regiões do
país. Desse modo, a modernização capitalista
da sociedade e da economia peruanas não só
reafirmou como expandiu o papel hegemôni-
co de Lima e do litoral peruano, cristalizando
a tendência histórica, desde a conquista espa-
nhola, da sua imposição como eixo de gravita-
ção político, socioeconômico e cultural do país,
em oposição aos Andes (Franco, 1989). O Peru
pode ser considerado como cenário de um
dos mais intensos processos de centralização
do continente, sendo o contrapeso de cidades
intermediárias quase nulo (Ávila Molero,
2001).1 Devido a este excessivo centralismo,
Lima se tornaria o centro distorsionador por
excelência da estrutura urbana no Peru,2
atingindo um índice de primazia urbana entre
os mais altos do mundo (Inei, ibid.).3 E, assim, o
Peru se converteria em um país primordialmente
urbano sem, contudo, resolver os problemas
seculares de sua estrutura dualista tradicional.
Quase sempre através de imagens de
força bélica – como invasão, choque, batalha
e conquista – o massivo fenômeno migratório
em direção à capital peruana é reiteradamente
entendido como um divisor de águas na histó-
ria da cidade e do país. Nesse período, a popu-
lação de Lima decuplicou em termos absolutos
e, em termos relativos, passou a albergar um
terço da população total do país, convertendo
o Peru em um país predominantemente urbano
(Joseph, 1999).
O processo de urbanização limenho,
resultante do fenômeno migratório ao longo do
século XX, pode ser dividido em dois momentos.
No primeiro, entre a década de 1920 e o final
da década de 1960, a migração campesina e a
expansão da cidade eram impulsionadas por
um “crescimento por desenvolvimento”, em
função do aumento da atividade mineradora
e industrial, fruto da política de substituição
de importações, e da atração que gerava a ci-
dade pela expectativa de melhores condições
de vida e a possibilidade de incorporação às
esferas da economia e do consumo modernos.
O período entre 1970 e 1990, por sua vez, foi
marcado por um “crescimento por crise” (Jo-
seph; Castellanos; Pereyra e Aliaga, 2005), pri-
meiro econômica e depois política, sobretudo
em função do conflito interno deflagrado em
1980 que, devido à intensidade da violência
no interior do país, contribuiu para a continui-
dade da migração massiva da população rural
e serrana até Lima (Matos Mar, 2004; Portes e
Roberts, 2005).4
Entre 1950 e 1970, que constituiu o au-
ge das migrações campesinas, a cidade experi-
mentou um vertiginoso processo de expansão
territorial; nesse período, de cada 100 migran-
tes 56 se dirigiam à capital (Joseph, 1999).
Nesse momento, as invasões de terrenos, o sur-
gimento e a expansão das barriadas – cada vez
mais distantes do centro urbano – se conver-
teriam, então, no fenômeno mais emblemático
do processo de urbanização peruano, transfor-
mando a paisagem e a morfologia urbana de
Lima. Porém, vale ressaltar que não foi somen-
te a população migrante a responsável pela
expansão das invasões e urbanizações popula-
res. Neste sentido, Riofrío (1978) cita um censo
realizado na barriada pioneira de San Cosme,
em 1953, que constatava que 44% de seus mo-
radores eram nascidos na capital. “Com efeito,
na barriada também havia limenhos: limenhos
pobres” (Riofrío, ibid., p. 17 nt. 16 – tradução
nossa). De todo modo, os principais protagonis-
tas dessa expansão foram, portanto, os setores
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014176
populares que, diante da inoperância e incapa-
cidade do Estado de absorvê-los e integrá-los à
infraestrutura urbana e/ou ao mercado formal
de trabalho, buscavam resolver, de modo es-
pontâneo e contestatório, a satisfação de suas
necessidades (Matos Mar, ibid.).
Lima constituiria um dos casos mais ex-
pressivos, em toda a América Latina, da incon-
testável presença, crescimento e visibilidade
das novas modalidades de habitação popular,
fruto das invasões de terrenos e da autocons-
trução da moradia – em oposição, por exemplo,
aos casos de Buenos Aires, São Paulo ou Santia-
go, cidades nas quais suas favelas e villas mise-
ria não são vistas com tanta facilidade, muitas
vezes despercebidas pelo visitante e mesmo
pelo cidadão comum. O caso limenho seria
também emblemático na região no que tange à
expressividade, à capacidade de mobilização e
à força organizativa dos novos moradores para
a satisfação de suas próprias necessidades –
em especial de moradia e trabalho – no novo
contexto urbano (Romero, 2004).
Nesse processo “espontâneo” de urbani-
zação, que ocorria à margem da ordem oficial,
os setores migrantes – e “populares”, de um
modo geral – criavam novos canais de integra-
ção que não guardavam relação com a política
ou o projeto urbano-nacional das classes domi-
nantes. Enfrentados com a rigidez da estrutura
jurídica, social e política do projeto nacional e
com a incapacidade do Estado de atender à ex-
plosiva demanda por infraestrutura e serviços
urbanos, os migrantes campesinos – através
de estratégias coletivas de sobrevivência e de
inserção no contexto urbano – rompiam com
os limites da legalidade e da institucionalidade
vigentes, impondo sua presença e forjando seu
lugar na urbe.
O processo de expansão das barriadas
em Lima pode ser dividido em dois momentos.
No primeiro, entre 1940 e 1954, as barriadas
estavam concentradas no eixo Lima-Callao,
localizadas “estrategicamente” em zonas con-
tíguas à área consolidada da cidade. Relativa-
mente pequenas e fragmentadas, continuavam
dependentes da área central para o acesso a
produtos e serviços e, apesar do contraste que
impunham, não constituíam ainda um fenô-
meno significativo, mas marginal em relação à
dinâmica de crescimento da cidade, como um
“anexo pobre da cidade tradicional” (Barreda
e Ramírez Corzo, 2004, p. 206). Em meados da
década de 1950, com a intensificação do pro-
cesso migratório, as ocupações de terrenos e
o crescimento das barriadas ganhariam força
e ênfase particulares. Esse segundo momento,
entre 1954 e o final dos anos 1980, consistiria
no “período clássico” de expansão das barria-
das em Lima (ibid.), que começam a localizar-
-se às margens do tecido urbano consolidado,
em terrenos cada vez mais distantes, na maio-
ria das vezes em cerros e areais de baixo ou
nulo valor de mercado.
A explosão demográfica e a diversifi-
cação das pautas de territorialização urbana,
decorrentes do processo migratório, implicaram
então uma ruptura histórica na trajetória de
Lima, visível na mudança da paisagem, na re-
estruturação do espaço e da dinâmica urbanas
e no novo perfil residencial da cidade (Matos
Mar, 2004). Se, na década de 1950, as barria-
das representavam ainda 10% do total da área
urbana de Lima, em 1985, 80% de sua exten-
são estava ocupada por assentamentos, corti-
ços e bairros populares (Joseph, 1999). Ao final
do século XX, mais de 62% da população de
Lima Metropolitana habitava a vasta área que
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 177
os setores populares urbanizaram a partir da
década de 1940.
En la práctica, estas invasiones fundaban nuevos polos o núcleos de expansión barrial desde los cuales se ocupan los terrenos adyacentes. Esto hacía que las barriadas continuaran creciendo y, con los años y según se fueron rellenando los espacios entre el casco urbano y las barriadas pioneras, formaron lo que ahora son los conos de la ciudad. Es también a partir de este periodo que podemos hablar de ciudad popular como un fenómeno trascendente y definitorio para la urbe. ( Barreda e Ramírez Corzo, 2004, p. 206 – grifo nosso)5
No entanto, de modo a evitar reduzir o
entendimento do crescimento urbano limenho
apenas ao fenômeno das barriadas, é neces-
sário compreender, como parte de um único
processo de expansão, o crescimento tanto da
cidade “formal” como da cidade “informal”.
“A urbanização de tipo convencional, assim
como a barriada e o cortiço são três modalida-
des de desenvolvimento das áreas residenciais
que se dão simultaneamente” (Riofrío, 1978,
p. 6 – tradução nossa). No que tange à atuação
do Estado, durante o período de maior cresci-
mento – logo, de maior pressão e demanda
habitacional –, se perfilaria claramente uma
política de “duas caras”, tanto na questão da
moradia quanto no provimento de infraestrutu-
ra e serviços urbanos: por um lado, a lógica da
acumulação e do desenvolvimento capitalista
do mercado, dos grandes empreendimentos
privados e da especulação do solo urbano; por
outro, uma política de “deixar fazer” com rela-
ção às barriadas, revestida com a “demagogia
da autoajuda” (Riofrío, ibid., p. 38).
A partir da década de 1960, o Estado
peruano atuaria em distintas frentes em sua
política habitacional. Por um lado, programas
de erradicação de barriadas e reassentamento
de populações, em particular aquelas que esti-
vessem em terrenos de interesse imobiliário e/
ou estatal, nos eixos já consolidados de expan-
são da cidade. Por outro lado, a fomentação
de programas habitacionais que, no entanto,
atendiam primordialmente aos setores mé-
dios, aos quais foram destinados 91% dos in-
vestimentos em moradia nesse período. Assim,
por omissão, repressão ou por políticas habi-
tacionais que não eram destinadas aos setores
mais carentes e vulneráveis, o Estado – em sua
ineficiência – terminou se transformando, ele
mesmo, em um agente fundador de novas bar-
riadas, cada vez mais distantes do tecido urba-
no, como foi o caso emblemático do distrito de
Villa El Salvador (ibid.).6
Perante a impossibilidade e/ou a falta
de vontade política do Estado de fazer frente
às vertiginosas transformações, a modalidade
predominante de acesso ao solo foi a invasão
e a ocupação dos areais e áreas agrícolas na
periferia da cidade. Devido à forte mobilização
e articulação política dos setores populares, o
Estado terminou por legitimar as invasões co-
mo modalidade de acesso ao solo e à moradia,
“sempre e quando [...] não afetassem os inte-
resses do capital imobiliário” (Barreda e Ramí-
rez Corzo, 2004, p. 208 – tradução nossa), atra-
vés da legalização dos terrenos uma vez já con-
solidada a ocupação e iniciada – pelos próprios
moradores – a (lenta) urbanização da área. Da
ocupação e loteamento dos terrenos à constru-
ção de cabanas de esteira, a moradia será, para
esses setores, um projeto familiar em busca de
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014178
sua melhoria e sua progressiva construção em
tijolos e cimento. Por outro lado, os esforços de
legalização e habilitação urbana foram comu-
mente um projeto coletivo, pelo menos até a
década de 1970, assumindo o custo de constru-
ção da cidade através do trabalho comunitário
(Barreda e Ramírez Corzo, 2004).7
As três grandes áreas onde se estabele-
ceram estas “barriadas periféricas” absorveram
a maior parte da população recém-chegada à
cidade durante a segunda metade do século
XX. Num processo acelerado de crescimento e
urbanização, essas áreas se converteram nos
eixos principais de expansão da cidade, porém
em sentido inverso – de fora para dentro –,
ocupando os espaços intersticiais que as se-
paravam da zona consolidada da cidade e le-
vando à conformação dos Cones de Lima (Cone
Norte, Cone Leste e Cone Sul) que constituem,
hoje, as áreas de crescimento mais dinâmico da
metrópole limenha.
Por sua vez, o centro de Lima passava
também por intensas transformações, numa
espécie de gentrificação às avessas: com seus
“cavalos de tróia”, a massa migrante, que ha-
via tomado os cerros da capital peruana, final-
mente “conquistaria” seu centro físico e sim-
bólico (Golte e Adams, 1987). Com a ocupação
do centro pelos setores populares, denunciava-
-se seu acelerado processo de deterioro físico
e de “degradação social”, refletidos na fisio-
nomia e nos hábitos de seus novos usuários,
no congestionamento, no encortiçamento e na
explosão da economia informal e do comércio
ambulante. Finalmente, as classes média e al-
ta consumavam seu abandono (residencial)
da área central e buscavam novas estratégias
de isolamento, gerando maior segmentação e
fragmentação urbanas e produzindo certo des-
membramento da cidade (Sachaedel, 1982).
Em função dessa tendência centrífuga
e da contínua urbanização das zonas perifé-
ricas, Lima se convertia em uma metrópole
policêntrica. Não obstante, apesar do cresci-
mento e consolidação de novas “centralidades
periféricas” nos eixos de expansão da cidade,
o centro limenho conservaria sua força na di-
nâmica urbana, nos discursos e no imaginá-
rio da cidade, disputado ora como o centro
“perdido” pela elite criolla ora como o centro
“conquistado” pela população migrante.
Nesse processo, a própria noção de centro
se transfiguraria, acompanhando a expansão
urbana e as mudanças de escala implicadas
na conformação do território metropolitano,
tornando-se referente do “centro expandido”
da metrópole, também denominado “Lima
Centro” – e as variantes “Lima Moderna”, “Lima
Consolidada”, ou apenas “Lima” em oposição
à “Nova Lima” – que inclui em sua definição,
além do centro histórico, outros 15 distritos
de urbanização tradicional.8 Centro que se
reafirmaria, concreta e simbolicamente, como o
núcleo articulador da cidade em seu conjunto,
definidor e difusor das pautas urbanas, políticas,
econômicas, sociais e culturais hegemônicas –
o principal referente normativo da metrópole
limenha, a partir do qual se estabelecem
as distinções entre a cidade “formal” e a
“informal”, a “moderna” e a “popular”.
Enfrentavam-se simbolicamente, então,
duas “Limas”: a Lima invadida – as áreas de
urbanização “tradicional”, resultantes da mo-
dernização aristocrática e do projeto nacional
criollo na virada e início do século XX – e a
Lima invasora, isto é, a “Nova Lima” forjada
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 179
pelos setores populares e pela população mi-
grante. E, nesta disputa, evidenciava-se a natu-
reza essencialmente conflitiva da acomodação
desses migrantes na cidade e sua crescente
marginalização, tornando visíveis e patentes as
profundas desigualdades econômicas, sociais,
culturais e raciais presentes na sociedade pe-
ruana, impressas no espaço urbano e sensíveis
na precariedade de condições de vida de seus
novos habitantes.
No entanto, se, do ponto de vista oligár-
quico, a migração massiva e a explosão urba-
na da capital peruana eram percebidas como
um processo de decomposição e deterioro, por
outro lado, a migração massiva e a urbaniza-
ção empreendida pelos setores populares não
deixaram de instituir, a seu modo, um proces-
so singular de modernização. Nesse sentido, o
fenômeno migratório tendeu a ser compreen-
dido como processo fundante de uma outra
modernidade peruana (Franco, 1991), como a
democratização social da metrópole limenha e
o surgimento de uma nova – e agora “autên-
tica” – identidade nacional-popular. Impondo
sua presença, a massa migrante nacionalizava
a capital peruana e a reconstruía democratica-
mente: ao “conquistar” a cidade hostil e his-
toricamente alheia ao “Peru real”, os migran-
tes forjaram uma “Nova Lima”, em cujo seio
emergiria “uma nova peruanidade” (Degregori;
Blondet e Lynch, 1986).
Se, até então, as dicotomias étnicas e so-
cioculturais da sociedade peruana e seus ma-
pas tradicionais de territorialização coincidiam
em grande medida com a divisão geográfica
do país entre a costa e os Andes, a migra-
ção massiva trasladaria o locus do andino do
campo para o espaço urbano limenho. Dessa
forma, o processo migratório haveria implicado,
então, a reinterpretação da “geografia da
identidade” peruana (Cánepa, 2007), dando
lugar a uma narrativa – concebida de maneira
épica – que incluía o deslocamento, entendido
como a apropriação concreta e simbólica do
território da nação, como figura retórica para a
construção identitária e a imaginação nacional:
a partir de seu encontro na capital, migrantes
de todas as regiões do país articulariam planos
de convergência, fortalecendo a conformação
de um tecido “verdadeiramente” nacional e
dessa nova e “autêntica” identidade nacional--
popular (Degregori; Blondet e Lynch, ibid.).
Paradoxalmente, essa narrativa do “na-
cional-popular” – enunciada, em Lima, para
referir-se tanto à presença na capital de mi-
grantes andinos e seus descendentes, como
aos processos políticos, econômicos e culturais
decorrentes dela – serviria não apenas à homo-
geneização e à regulação discursiva de um pro-
cesso muito mais complexo, heterogêneo e, por
vezes, contraditório, como também contribuiria
à reafirmação da hegemonia limenha sobre o
resto do país. Isto é, ao mesmo tempo em que
a migração era destacada como o mecanismo
central da transformação cultural e política do
país no sentido da sua democratização, sua
configuração discursiva contribuía para a re-
produção de uma geografia de identidade cen-
tralista (Cánepa, 2007).
Dessa forma, no marco das profundas
transformações ocorridas desde meados do sé-
culo XX, a centralidade e a hegemonia de Lima
no contexto nacional peruano se atualizariam,
então, com um sentido completamente distinto.
O centralismo limenho passaria a se justificar
não mais por ser o centro definidor e irradiador
do projeto criollo de uma nação moderna, mas
por conter em si – e, logo, ser representativa
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014180
de toda a diversidade étnica e cultural do
país. Nesse momento, o centralismo de Lima
se reinventava encontrando, assim, sua legi-
timação “popular” e Lima, mais peruana que
nunca, se atualizaria como metáfora e síntese
simbólica e imagética desse novo Peru e de sua
identidade nacional.
Contudo, a profunda ambiguidade no
tratamento da população migrante – ora como
os sujeitos heróicos da “nacionalização” da
capital peruana, ora como expressão da po-
breza, da desordem e da marginalidade – ex-
punha a polarização da sociedade, revelando
a recriação e atualização, no espaço urbano,
das seculares representações dualistas do uni-
verso cultural peruano. “Da dualidade do país
passou-se a falar da dualidade na cidade [...].
Do étnico ao popular, da diferença à desigual-
dade, da oposição ao conflito, o esquema dual
permaneceu” (Montoya Uriarte, 2002, p. 42 –
tradução nossa). De todo modo, o que consti-
tuía uma realidade heterogênea e contraditória
tendeu a ser definida através de discursos e
narrativas que enfatizavam a homogeneidade
das experiências urbanas através da concep-
ção dicotômica das novas dinâmicas espaciais
e socioculturais da metrópole, sintetizadas no
“choque” e na “batalha” entre mundos incon-
ciliáveis e na oposição entre a “Lima” tradi-
cional, senhorial e criolla e a “Nova Lima”, de
origem migrante, andina e popular.
Nesse sentido, a migração massiva e a
nova realidade urbana decorrente dela não
apenas implicaram a transformação radical do
panorama físico e social da cidade, mas poriam
em cheque a própria definição do “limenho”
(Franco, 1989); referente identitário que, ao
ser fixado como um estereótipo que já não
guardava relação com o perfil e a dinâmica
sociocultural da cidade, pouco significado ou
relevância teria para seus novos habitantes.
Nessa direção, uma das consequências mais
marcantes, derivada da convulsão social e cul-
tural decorrentes da migração massiva, seria
um duplo processo de rejeição da cidade e de
sua identidade cultural. Por um lado, os seto-
res urbanos “tradicionais” mitificavam a iden-
tidade limenha criolla que se extinguia com a
“invasão” campesina, mobilizando nostalgica-
mente uma identidade que não apenas consti-
tuiria expressão da sua rejeição às novas con-
figurações espaciais e socioculturais da cidade,
mas que serviria também como marcador de
distinções e hierarquias sociais no novo contex-
to urbano (Montoya Uriarte, ibid.). Por sua vez,
aqueles recém-chegados à capital não se iden-
tificariam com essa identidade urbana limenha
nem com a cidade que tal identidade evocava
e que, por definição, os excluía. Em oposição a
esta “limenhidade” na qual não tinham aco-
lhida, os novos habitantes da cidade afirma-
riam sua presença e sua singularidade cultural
identificando-se não como limenhos, mas co-
mo provincianos, como habitantes de algum
distrito popular da cidade (nas amplas áreas
invadidas e urbanizadas por eles), cholos9 ou,
simplesmente, peruanos (Degregori; Blondet e
Lynch, 1986).
Certamente, a “cholificação” de Lima
(Quijano, 1980) não deve ser entendida ape-
nas como um processo de enfrentamento e
oposição, mas também como o encontro e a
articulação entre diversas matrizes e orienta-
ções culturais, de populações oriundas de todas
as regiões do país que converteriam a capi-
tal na “cidade de todos os sangues do Peru”.
Não obstante, como discurso identitário, o “li-
menho” como sinônimo do criollo, ainda que
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 181
deslocado no tempo e no espaço pelo impac-
to da migração andina, persistiria como um
importante referente ideológico que recria e
reproduz, no espaço urbano, as fraturas e dua-
lidades constitutivas do imaginário e dos dis-
cursos acerca da identidade nacional.
Finalmente, com a deflagração do con-
flito interno, entre 1980 e início da década de
1990, o crescimento urbano de Lima cobraria
outro sentido. As barriadas, como unidade ur-
bana de expansão, foram seriamente afetadas
pela desarticulação, intimidação ou pelo assas-
sinato das organizações e lideranças comunitá-
rias que, até então, caracterizavam a constitui-
ção e a urbanização desses espaços, alterando
seus ritmos de reprodução e adaptação. Por
outro lado, surgiam novos espaços urbanos
na extrema periferia da cidade, nos quais se
instalaram populações inteiras de refugiados
pela violência interna e que, devido à crise
generalizada vivida pelo país nesse período,
se trasladavam ao contexto urbano em condi-
ções de pobreza, precariedade e vulnerabilida-
de extremas, muito mais agudas que aquelas
enfrentadas pelos migrantes do período “clás-
sico” (Matos Mar, 2004). Ademais, a crescente
estigmatização dos territórios populares, sobre-
tudo os distritos periféricos da cidade – fruto
da identificação desses espaços e de sua popu-
lação com a zona de conflito e com o confli-
to em si, marcados por um forte componente
étnico-cultural – aprofundariam as fraturas da
sociedade peruana e a tendência generalizada
ao isolamento, ao receio e à hostilidade (Rodrí-
guez Robles, 1997).
Nesse período, já se constatava a rever-
são das taxas de migração e de crescimento
urbano explosivo na maioria dos países da
América Latina e, nesse contexto, a paulatina
retração dos discursos sobre o fenômeno mi-
gratório como um processo definidor da cena
e da dinâmica urbanas nas grandes metrópoles
da região. Na contramão dessas tendências re-
gionais, a continuidade do processo migratório
em direção a Lima até o início da década de
1990 talvez tenha contribuído, num primeiro
momento, para que as migrações internas per-
manecessem como elemento explicativo cen-
tral das dinâmicas espaciais e sociais da metró-
pole. No entanto, passadas mais de duas déca-
das, as migrações internas ainda preservam um
destacado protagonismo nos diagnósticos, dis-
cursos e nos imaginários contemporâneos da
metrópole limenha e as razões e sentidos dessa
permanência devem ser, portanto, buscadas em
outra parte.
Lima contemporânea e os sentidos do pertencimento à metrópole: novos processos, mesmos discursos?
Após as décadas intensas e traumáticas da cri-
se generalizada que afligiu o país nas últimas
décadas do século XX, Lima se consolidava
como um território metropolitano que alcança-
ria, no início do ano 2000, os 7,5 milhões de
habitantes e uma vasta área conurbada abran-
gendo, além dos 43 distritos que a compõem
“formalmente”, a Província Constitucional de
Callao.10 A estabilização e a retomada do cres-
cimento econômico – em índices que, na últi-
ma década, seriam os mais elevados de toda
a América Latina (Ludeña Urquizo, 2009) –, a
reversão das taxas migratórias e de crescimen-
to urbano explosivo, a reabertura democrática
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014182
após quase uma década de um regime autori-
tário,11 os desafios da reconciliação nacional e
a reinserção econômica e cultural do país nos
fluxos do capitalismo globalizado informariam
a entrada da capital peruana no novo século.
O processo de transformação contem-
porâneo do espaço urbano limenho teve início
em meados da década de 1990, com o fim do
conflito interno, o início da chamada “pacifi-
cação nacional” e a aplicação de um modelo
radical de reativação econômica (Chion, 2009).
No contexto do choque neoliberal promovido
pelo governo de Fujimori, Lima rompia seu iso-
lamento da economia global mediante incen-
tivos ao investimento estrangeiro, concessões
e privatizações de empresas públicas, libera-
lização do comércio exterior e a manipulação
do câmbio e das taxas de juros para garantir a
atração de capitais (Romero Reyes, 2004). Além
dos setores financeiro, de energia, transporte
e telecomunicações, foram favorecidos o setor
comercial e de serviços e as grandes empresas
nacionais e transnacionais, entre as quais se
destacam as indústrias extrativistas e o setor
da construção civil que, desde então, promove-
rá um boom especulativo e imobiliário de gran-
de impacto na paisagem e na estrutura urbana
limenha (Ludeña Urquizo, 2009).12
Na última década, as orientações im-
postas, fundamentalmente, pela globalização
econômica e pela adequação diferenciada da
atuação e estrutura do Estado, têm um forte
impacto no conjunto da área metropolitana de
Lima e Callao, produzindo novas diferenciações
pela localização desigual dos componentes
da nova economia. Assim, as novas diretrizes
que orientam a produção do espaço urbano
na contemporaneidade – em Lima como nas
principais cidades latino-americanas – estão
transformando de modo acelerado a paisagem
da metrópole limenha, que experimenta um
crescimento sem industrialização baseado na
expansão de grandes centros comerciais, nas
grandes obras de mobilidade, na revitalização
cenográfica do patrimônio histórico e cultural,13
no desenvolvimento de serviços e estrutura vin-
culados à economia de serviços e do turismo e
na expansão da intermediação especulativa e
financeira que alcança também, cada vez mais,
os Cones de Lima (Romero Reyes, ibid.).
Por um lado, vê-se a proliferação de no-
vos projetos de modernização urbana vincula-
dos à nova hegemonia dos fluxos globais que,
incidindo de maneira desigual sobre o territó-
rio metropolitano, redefinem as relações entre
o centro e a periferia limenhos, favorecendo a
emergência de uma nova hierarquia espacial
metropolitana (Chion, 2009). Em Lima, consti-
tui expressão dessa nova orientação no plane-
jamento urbano a consolidação de um “centro
triangular”, que define hoje os espaços e os
fluxos hegemônicos da economia metropolita-
na e nacional. Esse centro triangular está con-
formado por polos de funções especializadas,
conectados por vias de ampla circulação, cujos
vértices são: (1) o Cercado de Lima – o centro
histórico, político e econômico que concentra
as sedes do governo central, do legislativo e do
poder judicial, ministérios e banco central; (2)
o centro comercial e industrial de Callao, onde
estão o porto e o aeroporto mais importantes
do país; (3) o centro financeiro e comercial dos
distritos de San Isidro e Miraflores, que con-
centra os fluxos de turismo e de negócios, as
instituições financeiras e empresas privadas,
companhias de seguros e grandes centros co-
merciais (Romero Reyes, 2004). Completa esse
reordenamento seletivo a criação de um novo
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 183
eixo exclusivo (leste-oeste), com a construção
de vias expressas e centros comerciais de luxo
que conectam esses distritos ao aeroporto de
Callao, ao centro da cidade e às zonas resi-
denciais de alta renda, da qual o distrito de La
Molina constitui o exemplo mais emblemático
(Ludeña Urquizo, 2009).
Por outro lado, em grande medida à mar-
gem dos fluxos hegemônicos desse renovado
dinamismo, Lima ingressa num momento de
consolidação de seu espaço urbano e de novos
processos de diferenciação social que trans-
formam o fenômeno e os rostos da pobreza
urbana nas vastas áreas urbanizadas pelos se-
tores populares ao longo da segunda metade
do século XX (Cabrera, 2009; Riofrío, 2009).
Passado o período de crescimento urbano ex-
plosivo, muitas barriadas, sobretudo as zonas
de ocupação mais antiga, cresceram e se urba-
nizaram, convertendo-se em bairros periféricos
consolidados, ainda que não necessariamente
tenham superado a pobreza que os caracteriza.
A consolidação desse espaço urbano “popu-
lar” se evidencia não apenas na infraestrutu-
ra que agora supre muitas dessas áreas, mas
também na verticalização, densificação e com-
plexificação dos usos do solo, em um dinâmico
mercado imobiliário informal (Riofrío, ibid.), no
surgimento de uma nova classe média emer-
gente, na construção e consolidação de novos
centros comerciais e de serviços que, pelo seu
dinamismo, despontam e se configuram como
as novas centralidades “periféricas” da metró-
pole de Lima.
A consolidação e o crescimento econô-
mico dessas novas centralidades nos Cones
de Lima – que é também desigual e produtora
de novas desigualdades – se apoiam principal-
mente na expansão e diversificação do setor
de comércio e serviços, sobretudo pequenas
e médias empresas de caráter familiar e, em
sua grande maioria, informais.14 Animados e
atraídos pela consolidação e efervescência dos
distritos populares limenhos, na última década
crescem os investimentos em grandes empre-
endimentos comerciais nos Cones de Lima, em
função desse dinamismo urbano e econômico,
mas também pela “constatação” de uma de-
manda de mercado insatisfeita, isto é, de uma
grande parte da população limenha que ainda
anseia por consumo e “modernidade”. Alber-
gando quase dois terços da população metro-
politana, “os ‘cones’ foram se constituindo nas
economias emergentes da metrópole e não é
gratuito que as grandes empresas comerciais
e cadeias de supermercados tenham visto aí
potenciais mercados de consumo” (Arroyo e
Romero, 2008, p. 111 – tradução nossa). Nos
Cones de Lima, cuja história de urbanização
está associada à mobilização e organização
popular para a habilitação comunitária do
espaço urbano e cujo crescimento se deve ao
dinamismo alcançado por uma economia ba-
sicamente informal e familiar, seu impacto não
deve ser menosprezado – sobretudo se con-
sideramos que sua construção se dá vertical-
mente em função de agentes externos e priva-
dos, em detrimento da melhoria em infraestru-
tura e serviços que ainda continua a depender,
em grande medida, dos recursos e da atuação
dos próprios moradores.15
Essas novas tendências na organização
do território metropolitano – sua atualização
parcial e seletiva, o surgimento de novas cen-
tralidades e a proliferação de tipologias/arqui-
teturas fragmentadoras do tecido urbano –
têm por consequência, ademais, o aumento da
polarização social e espacial, estimuladas não
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014184
apenas pelos renovados processos de diferen-
ciação intra-urbana – entre bairros da cidade,
entre o(s) centro(s) e a(s) periferia(s) –, mas
também induzem e promovem novos processos
de diferenciação social no interior da periferia
urbana. Nesse sentido, observa-se o aprofunda-
mento da diferenciação entre a pobreza e a po-
breza extrema (Riofrío, 2004) que se evidencia
nas condições e possibilidades diferenciadas
de ocupação e apropriação do espaço urbano
e de inserção social. Ocupando os “espaços
opacos” da metrópole globalizada (Santos,
2005), emergem os rostos de uma “nova
pobreza urbana”, marcada pela experiência
de uma marginalização radical e pela hiper-
periferização da moradia que impedem a
reprodução de estratégias tradicionais de
sobrevivência e dificultam a organização social
e política, tornando ainda mais precárias das
condições urbanas de vida (Ribeiro, 2009).
Assim, embora o atual dinamismo urba-
no de Lima esteja nas áreas já ocupadas da
metrópole, continuam a surgir novos bairros e
assentamentos na extrema periferia, onde não
apenas a construção da moradia, mas também
a instalação de serviços e equipamentos urba-
nos resulta ainda mais problemática (Riofrío,
2004). Apenas nos distritos do Cone Sul de Li-
ma foi estimada, nas últimas duas décadas, a
demarcação de mais de 40 mil lotes nos novos
bairros da extrema pobreza, albergando cerca
de meio milhão de habitantes (Riofrío, 2010a).
Nessas áreas, onde transparecem o aprofunda-
mento da polarização e da segregação socioes-
pacial, “mecanismos de reprodução ampliada
do isolamento” contribuem de forma combina-
da para sua perpetuação (Kaztman e Ribeiro,
2008), definindo os (novos) ganhadores e per-
dedores da cena urbana contemporânea.
Por sua vez, apesar das transformações
ocorridas na última década no sentido de uma
maior dispersão dos espaços de referência da
metrópole, o centro de Lima não apenas con-
serva grande parte de suas antigas funções –
concentrando quase a totalidade das institui-
ções públicas e dos empregos formais, a infra-
estrutura e os serviços mais modernos –, como
também se redefine, adequando-se às novas
dinâmicas metropolitanas e às novas deman-
das introduzidas pela globalização econômica
e cultural. Nesse sentido, o centro histórico,
particularmente, é objeto de intensas refor-
mas no sentido de sua revitalização urbana e
cultural e do afiançamento de uma renovada
identidade local (Vega Centeno, 2009). Em
suas diferentes manifestações, a parcialidade
evidente na revitalização do centro histórico
introduz novas diferenciações socioespaciais
e aprofunda antigas, transfigurando a vida de
relações que o anima, impondo usos e códi-
gos de comportamento cada vez mais restri-
tivos – seja por mecanismos de vigilância e/
ou regulados pelo consumo individual –, que
implicam seu alisamento e sua banalização
como cenário para o entretenimento fácil, a
contemplação fugaz e o consumo sempre re-
novado (Ribeiro, 2004).
No entanto, o centro de Lima está longe
de constituir meramente expressão dos novos
impulsos e necessidades dominantes. Ape-
sar dos esforços recentes para a atualização
“estratégica” do centro – agora em busca da
atração de investimentos, turistas e visibilidade
global –, o centro mantém ainda fortes elemen-
tos simbólicos e identitários para os habitantes
da metrópole (Vega Centeno, ibid.). Moradia,
educação, trabalho e oportunidades de renda,
mobilizações políticas, intervenções artísticas,
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 185
encontros, lazer, práticas e usos do espaço que,
à margem e a despeito dos projetos e intenções
hegemônicos, estabelecem outra cartografia
social e cultural do centro histórico limenho.
Em todo caso, o centro de Lima conti-
nua, portanto, condicionando os fluxos e as
dinâmicas metropolitanas e, neste processo, se
atualiza e se reafirma como o principal referen-
te normativo da metrópole, a partir do qual se
estabelece a oposição entre a cidade “formal”
e a “informal”, a “invadida” e a “invasora”, a
“moderna” e a “popular”. Porém, ao atualizar-
-se também como o centro “invadido” e “con-
quistado” por seus novos habitantes, constitui
um espaço em aberta disputa: a referência mais
emblemática a partir da qual, ou em oposição a
qual, se elaboram os discursos, os imaginários
e os sentidos da diferença e do pertencimento
na metrópole limenha.
Como vimos, desde meados do século
XX, com as migrações massivas e o crescimen-
to explosivo de Lima, a estruturação urbana
e as representações da cidade se articulariam
fundamentalmente pela coexistência, diferen-
ciação e antagonismo entre dois “mundos”
e modos distintos de produção da cidade: o
espaço “formal” e “moderno”, habitado pe-
los setores urbanos tradicionais e consagrado
pelas instituições oficiais; e o “informal”, de
origem migrante e popular e que carrega o
signo da precariedade e da “espontaneidade”
(Cabrera e Villaseca, 2007). Nas últimas dé-
cadas, o dinamismo econômico e cultural dos
Cones de Lima, a consolidação de novas cen-
tralidades periféricas, a complexificação dos
fluxos intraurbanos e a mudança no compor-
tamento das gerações mais jovens – além da
mobilidade oferecida por um sistema de trans-
porte que, apesar de extremamente precário,
é relativamente acessível (Joseph; Castellanos;
Pereyra e Aliaga, 2005) – favorecem e apon-
tam para novas formas de apropriação do es-
paço urbano metropolitano. Os circuitos não
apenas se tornam mais intensos e complexos,
mas também multidirecionais. No entanto,
persiste a percepção dicotômica entre os es-
paços representativos da metrópole limenha
sintetizados, sobretudo, naquela oposição
entre “Lima” e a “Nova Lima”; distinção que,
como vimos, se associa precisamente com as
migrações massivas em direção à capital e seu
crescimento explosivo.
Nesse sentido, embora o contexto con-
temporâneo da metrópole já não seja aquele
das migrações massivas e da explosão urbana,
permanece o imaginário – inscrito nesta opo-
sição – do “choque cultural” e da cisão entre
os “limenhos” e os “migrantes” que, mesmo
vivendo há décadas na capital, dificilmente se
identificam com ela. Desencontro e dualidade
que se reproduzem nas gerações nascidas em
Lima e que, até os dias de hoje, continuam a
ser nomeadas “filhos/descendentes de mi-
grantes”, “migrantes de segunda, terceira ou
quarta geração”, ou apenas “novos limenhos”.
Adjetivos que servem para a manutenção das
distinções e hierarquias sociais e para a repro-
dução indefinida de estigmas e estereótipos
que perpetuam a oposição entre os setores
criollos tradicionais e os habitantes desta “No-
va Lima”, recriando as rígidas fronteiras entre
o limenho “puro” e o “invasor”. Nesse embate,
não é raro encontrar quem afirme – com cer-
ta ironia – que, atualmente, os “limenhos” são
minoria, quase uma “espécie em extinção” na
capital peruana.
Para as gerações mais jovens, a percep-
ção de Lima como parte de sua origem e de sua
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014186
identidade aparece, muitas vezes, como uma
contingência, uma casualidade quase formal. Por
outro lado, ressignificam e reconstroem seus laços
com outros lugares de origem – seus próprios,
de seus pais ou avós –, nos quais a memória
e a cultura jogam um papel fundamental
(Jacinto Pazos, 2007). Transitando entre âmbitos
geográficos e realidades sociais completamente
distintas – entre memória ancestral, a herança
cultural, a contingência do nascimento e a
vivência da metrópole –, a identidade dos “novos
limenhos” carrega a marca dessa dualidade
conflitiva, como evidencia o depoimento de um
jovem (sem identificação), citado por Ríos Burga
(2006, p. 311 – grifo nosso):
Me considero limeño, pues nací en Lima, pero mis padres nacieron en provincias y por ende sus padres también, lo cual también me hace en parte de la provincia de donde ellos vienen, pero también me hace limeño legalmente hablando porque la partida de nacimiento explica mi lugar de nacimiento, en conclusión soy limeño y a la vez soy provinciano.16
Nesse sentido, argumentamos que, nos
discursos e nos imaginários contemporâneos
sobre a cidade, “Lima” constitui um referente
anacrônico na medida em que seus sentidos
e conteúdos permanecem cristalizados em
sua imagem e tradição criollas, circunscritas a
uma região específica da cidade, ameaçadas e/
ou perdidas pela invasão migrante. Ademais,
“Lima” se revela também um referente ex-
cludente na medida em que serve justamente
para a atualização e/ou a denúncia de sua he-
gemonia e centralismo, reafirmando as fraturas
e polarizações que, historicamente, ela mesma
institui: aquela entre o mundo criollo e o mun-
do andino, entre a capital e o “resto do país”.
Dualidade que não apenas permanece vigente
no plano nacional, mas que se inscreve no es-
paço, no cotidiano e nos imaginários da metró-
pole e cuja expressão mais visível e contunden-
te é precisamente a reafirmação constante da
existência de duas cidades: “Lima” e “Nova Li-
ma”, ou qualquer de suas variantes, a “formal”
e a “informal”, a “moderna” e a “popular”.
Dualidade que se impõe, finalmente, co-
mo o principal eixo articulador das experiên-
cias e dos sentidos da diferença que traçam
e, ao mesmo tempo, tencionam as linhas do
pertencimento e da exclusão nos imaginários
contemporâneos da metrópole de Lima. Essa
polarização, no entanto, não reflete meramen-
te uma divisão convencional entre classes nem
pode ser reduzida à expressão de desigualda-
des socioeconômicas ou espaciais; tratam-se,
sobretudo, de experiências, sensibilidades e
estereotipias que, profundamente enraizadas
no sentido comum e inscritas no espaço urbano
da metrópole, não são de fácil desconstrução e
que tendem a reproduzir-se na medida em que
as condições objetivas e subjetivas que susten-
tam sua vigência permanecerem inalteradas.
Tanto em certo sentido comum como na
maior parte da literatura especializada sobre a
cidade – inclusive estudos mais recentes –, Li-
ma continua sendo definida como uma cidade
senhorial e criolla, invadida por migrantes de
origem rural que ocupam terrenos e impreg-
nam a urbe com presenças e manifestações
culturais de colorido andino. E, nesse quadro,
o fenômeno das migrações internas permane-
ce, em grande medida, como o elemento expli-
cativo inconteste de sua estrutura e dinâmica
urbanas, da sua vida social, da totalidade dos
problemas e desafios que enfrenta a metró-
pole. No entanto, essa descrição claramente
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 187
já não corresponde ao contexto econômico e
político metropolitano, nem à sua realidade
urbana e social, cujas dinâmicas respondem
agora a novos determinantes, sendo 75% de
seus habitantes nascidos na capital, jovens
em sua maioria (Riofrío, 2009 ). Se quisermos
compreender o contexto contemporâneo da
sociedade e da metrópole limenhas, é preciso,
portanto, buscar outros discursos e interpre-
tações que partam do reconhecimento dessa
nova realidade urbana, em toda sua especifi-
cidade, complexidade e dinamismo. Ou, como
adverte Riofrío (2010b), é necessário “reinven-
tar a cidade”.
Beatriz Silveira Castro FilgueirasSocióloga. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano eRegional. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]
Notas
(*) Este ar go se baseia e sinte za parte das discussões desenvolvidas na minha tese de doutorado em Sociologia, intitulada Imaginários do urbano, vínculos de urbanidade: a experiência contemporânea da heterogeneidade social na metrópole de Lima, Peru, e defendida em junho de 2013 no Ins tuto de Estudos Sociais e Polí cos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
(1) A segunda maior cidade do país na atualidade, Arequipa, concentra um con ngente populacional onze vezes menor que aquele reunido em Lima Metropolitana.
(2) Sem considerar Lima Metropolitana, o Peru tem uma estrutura de cidades bastante equilibrada, prevalecendo, em 88% dos casos, os municípios de pequeno porte (entre 2 e 19.999 mil habitantes). Nos estratos superiores, no entanto, nunca existiu e não existe um número suficiente de cidades de grande e médio porte que possam equilibrar o desenvolvimento concentrado e desigual do país (Inei, 1996).
(3) Por primazia urbana entende-se a relação entre a capital e as três cidades seguintes em tamanho e importância. No caso peruano, Arequipa, Trujillo e Chimbote, respec vamente (Inei, ibid.).
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014188
(4) No início dos anos 1980, um contexto de extrema instabilidade polí ca e crise econômica deram lugar a um grave conflito interno no Peru. Os violentos embates entre o Partido Comunista del Peru – Sendero Luminoso (PCP-SL), o Movimiento Revolucionario Túpac Amaru (MRTA) e as Forças Armadas, sobretudo nas áreas rurais mais pobres do país, provocaram a fuga de milhares de pessoas e às vezes comunidades inteiras em direção às cidades da costa e à Lima em par cular. Entre 1980 e 1992, num período em que as principais cidades da América La na inver am suas taxas de crescimento, o processo migratório em direção à capital peruana se transfi gurava, com renovada intensidade e violência sem precedentes.
(5) Em português, tradução nossa: “Na prá ca, estas invasões fundavam novos polos ou núcleos de expansão urbana a par r dos quais são ocupados os terrenos adjacentes. Isto fazia com que as barriadas con nuassem crescendo e, com o decorrer dos anos e à medida que foram sendo preenchidos os espaços entre o tecido urbano e as barriadas pioneiras, formaram o que agora são os cones da cidade. É também a par r deste período que podemos falar da cidade popular como um fenômeno transcendente e defi nidor para a urbe”.
(6) Villa El Salvador foi o primeiro reassentamento urbano promovido pelo Estado peruano. Em abril de 1971, cerca de 200 famílias invadiram um terreno na localidade de Pamplona, ao sul de Lima; em poucos dias, quase 9 mil famílias já ocupavam o local. Dado o interesse do Estado na área – tornada estratégica em função do crescimento urbano, do esgotamento das áreas disponíveis e da especulação do solo – houve tenta vas de repressão violenta e expulsão dos invasores. Sem sucesso, iniciaram-se as negociações para o reassentamento das famílias em novo terreno designado pelo governo; um “grande bolsão” – um areal sem qualquer infraestrutura, plano de urbanização ou oferta de serviços – no qual o Estado pretendia alojar os invasores e todos aqueles que buscavam moradia nas barriadas que surgiam na capital (Riofrío, 1978). Duas semanas depois, em maio do mesmo ano, aproximadamente 7 das 9 mil famílias foram reassentadas. A criação de Villa El Salvador permi ria ao Estado, durante certo tempo, canalizar o crescimento no eixo sul de expansão da cidade.
(7) Não devemos generalizar esta afi rmação para todas as barriadas e assentamentos populares em Lima, mas existem casos emblemá cos, como o de Villa El Salvador, que se tornou exemplo de mobilização comunitária e organização autoges onária com a criação da Comunidad Urbana Autoges onaria de Villa El Salvador (Cuaves) e a concepção de um plano de desenvolvimento e gestão urbana comunitários. A experiência inovadora, embora não isenta de conflitos e contradições, seria inclusive reconhecida internacionalmente.
(8) Ver mapa em anexo, “Distribuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas”.
(9) A expressão cholo(a) faz referência à presença e adaptação, no contexto urbano, da população de origem andina e campesina. Embora o termo carregue forte carga pejora va, serviria também à reafi rmação cultural e iden tária da população migrante na cidade consagrado, por exemplo, em um verso clássico do cancioneiro popular-urbano na segunda metade do século XX, “cholo soy y no me compadezcas”.
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 189
(10) De modo a evitar ambiguidades, é preciso esclarecer o recorte territorial que adotamos aqui ao referirmos à “metrópole de Lima”, sobre a qual nem no contexto local existe consenso. As defi nições de “Lima” são muitas, sobrepostas e contraditórias, evocando escalas e territórios distintos que abarcam de maneira ambígua seu território metropolitano. No que tange à organização polí co-administra va do território, Lima Metropolitana – ou a Província de Lima – abrange 43 distritos, sendo sua capital o Distrito de Lima (ou Cercado de Lima); distrito que, por sua vez, além de referir-se atualmente ao centro histórico da metrópole, é também a capital polí ca e administra va do país. Mas essa defi nição, embora “ofi cial”, não é consensual e o próprio Inei (Ins tuto Nacional de Estadís ca e Informá ca) adota uma formulação dis nta que inclui a Província Cons tucional de Callao. Callao, apesar de totalmente integrada à malha urbana conurbada da metrópole limenha – cons tuindo inclusive um dos seus vetores mais estratégicos, estando aí o porto e o aeroporto mais importantes do país – é uma entidade territorial, polí ca e administra va autônoma que elege seus próprios governantes (provinciais e regionais) e que não par cipa, portanto, das decisões que envolvem o conjunto da metrópole e/ou sua administração – inclusive, muitas vezes, dificultando-as. Embora seja necessário reconhecer que, considerando este território conurbado e suas conexões dinâmicas, Callao é parte fundamental das dinâmicas metropolitanas de Lima, convencionamos aqui o uso da definição político-administrativa de Lima Metropolitana, composta por 43 distritos cuja organização social e territorial dis ngue, na metrópole, quatro regiões – Lima Centro, Lima Norte, Lima Leste e Lima Sul –, e cuja população era es mada, em 2012, em quase 8,5 milhões de habitantes (Fonte: “Lima tendría 8 millones 432 mil habitantes en la actualidad, informa Inei”, La República, 18 de janeiro de 2012, versão eletrônica: h p://www.larepublica.pe/18-01-2012/lima-tendria-8-millones-432-mil-habitantes-en-la-actualidad, acesso em 13/11/2012). Ver mapa em anexo.
(11) No início da década de 1990, Alberto Fujimori seria eleito presidente, num contexto de aguda crise infl acionária, paralisia estatal e da crescente ameaça subversiva. Em 5 de abril de 1992, Fujimori declarava o autogolpe de Estado, ins tuindo uma ditadura que duraria quase uma década. Devida à forte pressão internacional (que incluía o bloqueio de emprés mos fi nanceiros ao país), em 1995 Fujimori reins tuiu o processo democrá co, reabriu o Congresso e convocou novas eleições. Legi mado pela rela va estabilidade econômica e, sobretudo, pela derrota da insurgência subversiva, foi reeleito. Contudo, analistas ressaltam o caráter de “fachada” desse processo e a con nuidade do projeto polí co autoritário, até a queda do regime com a fuga de Fujimori do país e sua renúncia, via fax, nos anos 2000 (Burt, 2009).
(12) Devido ao excessivo centralismo peruano, a maior parte destes novos inves mentos tenderá a se concentrar quase que exclusivamente em Lima. Com exceção dos grandes projetos de mineração, hidrelétricas e petróleo – que afetam de modo especial as comunidades rurais e indígenas tanto na região andina como amazônica e são, hoje, os principais responsáveis pela defl agração de confl itos sociais no Peru –, todos os setores mais dinâmicos e “modernos” da economia atuam apenas e/ou principalmente na capital. O que não equivale dizer, contudo, que aqueles setores não tenham forte impacto na cena metropolitana, uma vez que têm a capital como seu centro fi nanceiro, administra vo e operacional; principal lugar de residência e estadia das altas classes execu vas que demandam serviços e estrutura especializados, além de ser também aí onde são tomadas todas as decisões de governo acerca dos inves mentos e da polí ca de desenvolvimento nacional.
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014190
(13) Projetos de valorização crescentemente incluem também o patrimônio arqueológico que, apesar dos séculos de destruição contínua, continua a imprimir suas marcas na paisagem limenha. Em Lima Metropolitana, existem hoje 217 sítios arqueológicos identificados pelo Ministério da Cultura; incluída a Província de Callao, são mais de 350. No entanto, a grande maioria permanece em estado de abandono e sofre com as pressões do crescimento urbano e da especulação imobiliária. Poucas delas estão habilitadas para visitação – com destaque para o Santuário de Pachacámac (distrito de Lurín), a Huaca Pucllana (distrito de Mirafl ores) e o complexo circunscrito pelo Parque de las Leyendas (distrito de San Miguel). (Fonte: Perú – Ministerio de la Cultura, disponível em http://www.mcultura.gob.pe/principales-sitios- arqueologicos-de-lima, acesso em 4/3/2013).
(14) Nesse cenário, o Cone Norte – em par cular, os distritos de Los Olivos, Comas e Independencia – tem cumprido um papel de destaque e, em função do crescimento pujante do qual foi objeto nas úl mas duas décadas, se transformou no exemplo mais paradigmá co do novo dinamismo econômico das áreas de urbanização popular em Lima.
(15) Para citar um exemplo, a instalação do shopping Mega Plaza Norte, no distrito de Independencia em 2002, implicou a quebra e/ou o desaparecimento de mais de 1.500 estabelecimentos comerciais locais (pequenas lojas e bodegas), gerando apenas 800 postos de trabalho ocupados, via de regra, por moradores de outras regiões da cidade.
(16) Em português, tradução nossa: “Me considero limenho, pois nasci em Lima, mas meus pais nasceram na província e, portanto, seus pais também, o que me torna também parte da província de onde vieram, mas também me torna limenho legalmente falando, porque a cer dão de nascimento explica o meu lugar de nascimento, em conclusão sou limenho e, ao mesmo tempo, sou provinciano”.
Referências
ARROYO, R. e ROMERO, A. (2008). “Lima Metropolitana y la globalización: plataforma de integración subordinada o espacio de autodeterminación en América La na”. In: CÓRCOVA MONTÚFAR, M. (coord.). Lo urbano en su complejidad: una lectura desde América La na. Quito, Flacso/Ministerio de Cultura de Ecuador.
ÁVILA MOLERO, J. (2001). Globalización, iden dad, ciudadanía, migración y rituales andinos des/ localizados: el culto al Señor de Qoyllur Ri en Cusco y Lima. Disponível em: h p://bibliotecavirtual. clacso.org.ar/ar/libros/becas/2000/avila.pdf. Acesso em: 3 set 2013.
BARREDA, J. e RAMÍREZ CORZO, D. (2004). “Lima: consolidación y expansión de una ciudad popular”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco.
BURT, J-M. (2009). Violencia y autoritarismo en el Perú: bajo la sombra de Sendero y la dictadura de Fujimori. Lima, IEP/SER.
CABRERA, T. (2009). “El espacio público en la ciudad popular”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú.
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 191
CABRERA, T. e VILLASECA, M. (2007). Presentes, pero invisibles: mujeres y espacio público en Lima Sur. Lima, Desco – Programa Urbano.
CÁNEPA, G. (2007). Geopoé ca de iden dad y lo cholo en el Perú: migración, geogra a y mes zaje. Revista Crónicas Urbanas. Lima, n. 12, pp. 29-42.
CHION, M. (2009). “Dimensión metropolitana de la globalización: Lima a fi nes del siglo XX”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.
DEGREGORI, C. I.; BLONDET, C. e LYNCH, N. (1986). Conquistadores de un nuevo mundo: de invasores a ciudadanos en San Mar n de Porres. Lima, IEP.
DOMINGUES, J. M. e MANEIRO, M. (2004). Revisitando Germani: a interpretação da modernidade e a teoria da ação. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 47, n. 4, pp. 643-668.
FILGUEIRAS, B. S. C. (2008). Metrópoles em crise: vida urbana na América La na contemporânea e a problemá ca dos vínculos sociais. Cadernos Ippur/UFRJ. Rio de Janeiro, v. XXII, n. 1, pp. 173-192.
FONTES, P. (2008). Um Nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-66). Rio de Janeiro, FGV.
FRANCO, C. (1989). Informales: nuevos rostros en la vieja Lima. Lima, Cedep.
______ (1991). Imágenes de la sociedad peruana: la otra modernidad. Lima, Cedep.
GERMANI, G. (1965). Polí ca y Sociedad en una Época de Transición: de la sociedad tradicional a la sociedad masas. Buenos Aires, Editorial Paidós.
GOLTE, J. e ADAMS, N. (1987). Los caballos de Troya de los invasores: estrategias campesinas en la conquista de la gran Lima. Lima, IEP.
GORELIK, A. (2004). Miradas sobre Buenos Aires: historia cultural y crí ca urbana. Buenos Aires, Siglo XXI.
______ (2005). A produção da “cidade la no-americana”. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP. São Paulo, v. 17, n. 1, pp. 111-133.
INEI – Instituto Nacional de Estadística e Informática (1996). Dimensiones y características del crecimiento urbano en el Perú: 1961-1993. Lima, Inei/UNFPA.
JACINTO PAZOS, P. (2007). Modernidad, iden dad y representaciones limeñas. Los microempresarios frente a los megamercados. SCIENTIA – Revista del Centro de Inves gación de la Universidad Ricardo Palma. Lima, v. IX, n. 9, pp. 59-90.
JOSEPH, A. J. (1999). Lima megaciudad: democracia, desarrollo y descentralización en sectores populares. Lima, Alterna va/Unrisd.
JOSEPH, A. J.; CASTELLANOS, T.; PEREYRA, O. e ALIAGA, L. (2005). “Lima, ‘Jardín de los senderos que se bifurcan’: segregación e integración”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades la noamericanas: un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.
KAZTMAN, R. e RIBEIRO, L. C. de Q. (2008). Metrópoles e sociabilidade: os impactos das transformações socioterritoriais das grandes cidades na coesão social dos países da América La na. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 20, pp. 241-261.
LATOUCHE, S. (1996). A ocidentalização do mundo: ensaio sobre a signifi cação, o alcance e os limites da uniformização planetária. Petrópolis, Vozes.
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014192
LEFÈBVRE, H. (1999). A revolução urbana. Belo Horizonte, Ed. UFMG.
LUDEÑA URQUIZO, W. (2009). “Lima de los noventa: neoliberalismo, arquitectura y urbanismo”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.
MARTÍN-BARBERO, J. (1991). Dinámicas urbanas de la cultura. Disponível em: h p://www.naya.org. ar/ar culos/jmb.htm. Acesso em: 3 set 2013.
______ (2001). Al sur de la modernidad: comunicación, globalización y mul culturalidad. Pi sburgh, Ins tuto Internacional de Literatura Iberoamericana – Universidad de Pi sburgh.
MATOS MAR, J. (2004). Desborde popular y crisis del Estado. Veinte años después. Lima, Fondo Editorial del Congreso del Perú.
MONTOYA URIARTE, U. (2002). Entre fronteras: convivencia multicultural, Lima siglo XX. Lima, Concytec/Sur – Casa de Estudios del Socialismo.
NUGENT, D. (2007). “Estado y nación vistos desde los márgenes: la reconfi guración del campo moral en el Perú del siglo XX”. In: LAGOS, M. L. e CALLA, P. (orgs.). Antropología del Estado: dominación y prác cas contestatarias en América La na. La Paz, INDH; PNUD.
ORTEGA, J. (1986). Cultura y modernización en la Lima del 900. Lima, Cedep.
PORTES, A.; ROBERTS, B. R. (2005). “La ciudad bajo el libre mercado: la urbanización en América La na durante los años del experimento neoliberal”. In: GRIMSON, A.; PORTES, A. e ROBERTS, B. (eds.). Ciudades la noamericanas: un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires, Prometeo Libros.
PREVÔT SCHAPIRA, M.-F. (2001). Fragmentación espacial y social: conceptos y realidades. Perfi les La noamericanos – Revista de la Sede Académica de México de la Facultad La noamericana de Ciencias Sociales. Ciudad de México, año 9, n. 19, pp. 33-56.
QUIJANO, A. (1980). Dominación y cultura. Lo cholo y el confl icto cultural en el Perú. Lima, Mosca Azul.
RIBEIRO, A. C. T. (2004). Oriente negado: cultura, mercado e lugar. Cadernos PPG-AU. Salvador, ano 2, pp. 97-107.
______ (2009). “Presen fi cação, impulsos globais e espaço urbano. O novo economicismo”. In: POGLIESE, H. e EGLER,T. T. C. (comp.). Otro desarrollo urbano: ciudad incluyente, jus cia social y ges ón democrá ca. Buenos Aires, Clacso.
RIOFRÍO, G. (1978). Se busca terreno para próxima barriada: espacios disponibles en Lima 1940-1978-1990. Lima, Desco.
______ (2004). “Pobreza y desarrollo urbano en el Perú”. In: ARAMBURU, C. E. et al. Perú Hoy - Las ciudades en el Perú. Lima, Desco.
______ (2009). “Imágenes y perspec vas del crecimiento urbano de Lima”. In: CALDERÓN COCKBURN, J. (org.). Los nuevos rostros de la ciudad de Lima: Foro Urbano. Lima, Colegio de Sociólogos del Perú.
RIOFRÍO, G. (2010a). Alan García, alcalde de Lima. Perú Hoy – Desarrollo, democracia y otras fantasías.Lima, Desco.
______ (2010b). Reinventar la ciudad. Revista Quehacer. Lima, n. 179, pp. 22-27.
As migrações internas e seu protagonismo contemporâneo...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014 193
RÍOS BURGA, J. R. (2006). Sociología de Lima – Las microculturas en el Centro Histórico: individuación, socialización, iden dad, vida co diana e in midades. Lima, Fondo Editorial de la Facultad de Ciencias Sociales.
RODRÍGUEZ ROBLES, M. E. (1997). “Migración y violencia: jóvenes ayacuchanos y huancavelicanos en la ciudad de Lima”. In: BALBI, C. R. (ed.). Lima: aspiraciones, reconocimiento y ciudadanía en los noventa. Lima, PUCP.
ROMERO, J. L. (2004). América La na: as cidades e as ideias. Rio de Janeiro, Editora UFRJ.
ROMERO REYES, A. (2004). La economía urbana de Lima Metropolitana: los procesos y retos de desarrollo. Cuadernos de Desarrollo Económico Local: lecturas de la economía del norte de la ciudad. Lima, Alterna va, pp. 25-52.
SACHAEDEL, R. (1982). De la homogenización a la heterogenización. Apuntes – Revista de Ciencias Sociales. Lima, n. 12, pp. 3-17.
SANTOS, M. (2005). Da totalidade ao lugar. São Paulo, Edusp.
VEGA CENTENO, P. (2009). “Introducción”. In: VEGA CENTENO, P. (ed.). Lima, diversidad y fragmentación de una metrópoli emergente. Quito, Olacchi.
Texto recebido em 11/set/2013Texto aprovado em 8/out/2013
Beatriz Silveira Castro Filgueiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 169-194, jun 2014194
ANEXO – Mapa de referência:Distribuibuição dos distritos de Lima Metropolitana por zonas
Fonte/elaboração: Desco,Observatório Urbano – Programa Urbano,s/d. Disponível em: http://www.urbano.org.pe/downloads/observatorio_urbano/Zonas%20de%20Lima%20Metropolitana jpg. Acesso em: 12 abr 2013.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014
Polos regionais do Norte Fluminensee a Região Metropolitana: cultura
política em perspectiva comparada*
Regional centers in the North of Rio de Janeiroand the Metropolitan Region: political culture
in a comparative perspective
Sérgio de AzevedoJoseane de Souza Fernandes
ResumoO artigo tem como objetivo analisar em perspec-
tiva comparada as semelhanças e diferenças entre
a cultura política da população residente nos Polos
regionais do Norte Fluminense (Macaé e Cam pos)
e na RMRJ. Este artigo foi também motivado pela
necessidade de se identificar os principais deter-
minantes da cultura política dessas localidades,
a partir dos fatores cognitivos – representados
pelos indicadores de Socialização Secundária e
Exposição à Mídia Informativa – e dos fatores re-
lacionados à participação política – representados
pelos indicadores de Associativismo e Mobilização
Sociopolítica.
Palavras-chave: cultura política; polos regionais;
associativismo; mobilização; região metropolitana.
AbstractThe paper aims to analyze, in a comparative perspective, the similarities and differences between the political culture of the population residing in the regional centers located in the North of the State of Rio de Janeiro (Campos and Macaé) and the political culture of the population living in the Metropolitan Region. This paper was also motivated by the need to identify the main determinants of the political culture of these places based on cognitive factors – represented by the indicators Secondary Socialization and Exposure to Informational Media – and on factors related to political participation – represented by the indicators Associations and Sociopolitical Mobilization.
Keywords: political culture; regional centers; associations; mobilization; metropolitan region.
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014196
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar em
perspectiva comparada as semelhanças e dife-
ren ças entre a cultura política da população re-
sidente em Campos dos Goytacazes e Macaé –
os dois mais importantes municípios da região
Norte Fluminense – e a Região Metropolitana
do Rio de Janeiro (RMRJ). As informações que
subsidiarão as análises são primárias, coleta-
das através de duas pesquisas de campo, finan-
ciadas pela Faperj/CNPq, realizadas pelo Ob-
servatório das Metrópoles/Rio de Janeiro que,
nos polos regionais, contou com a parceria da
Universidade Estadual do Norte Fluminense –
Darcy Ribeiro (UENF) e da Universidade Cân-
dido Mendes (Ucam-Campos). A primeira em
2008, com amostras estatisticamente represen-
tativas para a RMRJ, em seu conjunto; para o
município do Rio de Janeiro e para a Baixada
Fluminense; a segunda, em 2009, em Campos e
Macaé, com amostras representativas para ca-
da um dos municípios isoladamente. Nas duas
pesquisas foi utilizado o mesmo questionário,
garantindo a comparabilidade dos resultados.
Campos dos Goytacazes e Macaé são as
duas cidades mais importantes do Norte Flumi-
nense. Sua economia, tradicionalmente basea-
da na produção de cana de açúcar, passou, a
partir de meados dos anos 70, por uma intensa
reestruturação induzida pela estagnação, se-
guida de forte crise, do setor sucroalcooleiro.
Os rumos dessa reestruturação foram determi-
nados pela descoberta de petróleo na Bacia de
Campos; pela instalação da Petrobrás em Ma-
caé, em 1974; e pelo início das atividades de
exploração mineral, em 1977.
A partir daquela data, as economias de
Campos e Macaé são cada vez mais direta e
indiretamente dinamizadas pela atividade pe-
trolífera. Dentre os impactos diretos, destaca-
-se o recebimento de expressivas receitas de
rendas petrolíferas (royalties e participações
especiais): em 2011, esses dois municípios re-
ceberam 42,87% do total da renda petrolífera
dividida entre os 87 municípios petrorentistas,
do Rio de Janeiro; e 27,84%, entre os 1.031
municípios petrorentistas brasileiros, “fato que
os coloca em situação privilegiada diante da
maioria dos municípios brasileiros” (Fernandes,
Terra e Campos, 2013, p. 2).
Como efeitos indiretos, podem-se men-
cionar a concentração, principalmente em
Macaé, de empresas de Petróleo e de seus de-
rivados, bem como de prestadoras de serviços
especializados nessa área; e os vultosos inves-
timentos na implantação de megaprojetos de
infraestrutura de grande impacto regional, co-
mo é o caso do complexo Industrial e do Porto
do Açu. Mas, apesar dos benefícios trazidos pe-
la atividade petrolífera, esses dois municípios
continuam apresentando graves problemas
sociais, especialmente nas áreas de saúde, edu-
cação básica, saneamento e habitação popular.
Segundo Fernandes, Terra e Campos
(2012, p. 5),
[...] com maior dinamismo econômico, alguns municípios da região, antes ex- pulsores de população, vêm se tornando mais atrativos para a população migrante, principalmente para aquela à procura de novas e melhores oportunidades no mer- cado de trabalho. Outro efeito, não menos importante do maior dinamismo econô- mico é a elevação do poder de retenção populacional por parte desses municípios.
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 197
Indubitavelmente o desenvolvimento da
atividade petrolífera tem afetado significativa-
mente a dinâmica demográfica regional, cha-
mando a atenção o comportamento – com ten-
dência à elevação – das taxas de crescimento
populacional (Gráfico 1).
O município de Macaé, que em 1980 tinha
uma população inferior a 60 mil pessoas, conta-
va, em 2010, com 206.728 habitantes após ex-
perimentar, durante três décadas consecutivas,
taxas de crescimento populacional supe riores
a 4% ao ano. Campos dos Goytacazes – que
apresentou uma população praticamente es-
tagnada, entre 1970 e 1980 (crescimento ab-
soluto de 2.062 habitantes, a um ritmo médio
anual de 0,06%) – voltou a crescer nos anos
80, embora a taxas expressivamente inferiores
àquelas de Macaé. Sua população aumentou de
320.868 para 463.731 habitantes, entre 1980 e
2010. Com tais volumes populacionais, ambas
são consideradas de médio porte, ressaltando-
-se que se trata de populações eminentemente
urbanas. Segundo o Censo de 2010, 98,13% da
população de Macaé residia em áreas urbanas,
sendo de 90,29% o grau de urbanização da po-
pulação campista.
No que diz respeito às questões políti-
cas, pode-se dizer que uma das consequên-
cias dessa rápida reestruturação econômica é
um maior distanciamento entre as lideranças
políticas e as novas (e não organizadas) elites
econômicas de fato. Isso porque, as entidades
tradicionais dos empresários locais continuam
sendo o locus organizado de interação com os
representantes políticos que atuam na cidade
(vereadores, deputados estaduais e federais).
Embora ocorra um lento movimento de ingres-
so de parte dos empresários recém-chegados
nas associações patronais, a elite tradicional
ainda mantém ampla hegemonia política.
Gráfi co 1 – Campos e Macaé: Taxa Média anual de crescimento populacional(1980-1991; 1991-2000; 2000-2010)
Fonte: FIBGE – Censos Demográfi cos (1991, 2000 e 2010).
1980-1991 2000-20101991-2000
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014198
De outro lado temos a Região Metropoli-
tana do Rio de Janeiro (RMRJ), constituída por
17 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias,
Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita,
Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Rio
de Janeiro, São Gonçalo, Seropédica, São João
de Meriti, Tanguá e Queimados.
Em 2010, a RMRJ tinha uma população
de 11.835.708 habitantes, dentre os quais
6.320.446 (53,40%) residiam na grande me-
trópole e 3.732.108 (31,5%) nos demais mu-
nicípios. A RMRJ se destaca como segunda
maior região metropolitana brasileira, não
apenas em termos populacionais, mas também
pelo desempenho de sua economia. Mas, infe-
lizmente, assim como as demais RMs brasilei-
ras, a Grande Rio, como é conhecida, é marca-
da por expressivas desigualdades socioeconô-
micas e demográficas.
De um lado temos a região que com-
preende os municípios do Rio de Janeiro e
Niterói. Segundo Oliveira (2005), esses dois
municípios apresentam indicadores econômi-
cos, sociais e demográficos muito próximos
indicando cenários socioeconômicos bastante
similares e de alto padrão, comparativamen-
te aos demais municípios da RMRJ. É neles
que se concentram os maiores volumes de
investimentos produtivos, atraídos principal-
mente pelas atividades petrolíferas e para-
petrolíferas, assim como os equipamentos e
os serviços urbanos de melhor qualidade. De
outro lado temos os demais municípios da
RMRJ dentre os quais apenas três – Tanguá,
Itaboraí e São Gonçalo – não pertencem à
Baixada Fluminense.
A Baixada é uma região que, historica-
mente vem apresentando problemas sociais
e urbanos de grande envergadura. Segundo
o Observatório das Metrópoles (s/d, p. 1), os
municípios de Belford Roxo, Guapimirim, Quei-
mados, Japeri, Tanguá, Seropédica e Mesquita,
todos pertencentes à Baixada, “têm em comum
um baixíssimo desempenho econômico e um
alto grau de precariedade nas condições de re-
produção dos seus habitantes e na capacidade
de gestão pública local”; no mesmo documen-
to o Observatório das Metrópoles define os
municípios de Japeri, Seropédica, Belford Roxo
e Itaboraí como grandes “bolsões de pobreza”,
na RMRJ.
Ressalta-se que grande parte dos habi-
tantes da Baixada dependem das atividades
econômicas do município do Rio de Janeiro e
de Niterói, tendo em vista sua baixa capacida-
de de absorção da mão de obra. Apenas recen-
temente essa região vem experimentando cer-
to dinamismo derivado de algumas atividades
econômicas importantes, tais como o refino de
petróleo; o fortalecimento do comércio; o cres-
cimento de empresas de prestação de serviços,
entre outras.
Do ponto de vista político, o que se repe-
te na quase totalidade dos municípios da Bai-
xada Fluminense é a predominância ou grande
importância de um ou mais grupo familístico
no poder local.
Nesse campo empírico recortado, quais
seriam as diferenças, em termos de sofisticação
política, entre os polos regionais (Campos dos
Goytacazes e Macaé), que apesar dos vários
constrangimentos sociais, apresentam grandes
potencialidades de desenvolvimento socioeco-
nômico, e a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, um dos núcleos culturais mais sofisti-
cados do país?
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 199
Cultura política e estrutura econômica
A relação entre cultura lato sensu e estrutura
econômica nas ciências sociais permite uma
miríade de abordagens teóricas. Analisada de
forma descontextualizada, os trade offs entre
essas duas dimensões nos levaria ao enigma
popular “do ovo e da galinha”. Mesmo as con-
tribuições dos clássicos ensejam diferentes
interpretações, não totalmente isentas de am-
biguidades. Se para Weber foi a ética protes-
tante que – mesmo de forma não intencional,
ao transferir para a vida mundana um com-
portamento racional – criou as condições pro-
pícias para o desenvolvimento capitalista no
Ocidente, isso não significa que o mesmo não
seja capaz de germinar em condições culturais
mais adversas.
Em relação a Marx, se a análise canônica
da conhecida relação entre “infraestrutura e
superestrutura” pareceria não deixar dúvidas
sobre a primazia do econômico sobre o cultu-
ral, as leituras das mais importantes correntes
de seus seguidores vão em caminho contrário.
Assim os papas da abordagem estruturalistas
(Louis Althusser e Nicos Pollantzas) utilizam o
conceito de “independência relativa” da supe-
res trutura, compreendida como formada por
diferentes esferas (política, religiosa, jurídi ca,
artística, ideológica, entre outras) com tra-
jetórias próprias, para mitigar os efeitos da
determinação econômica. Os marxistas cultu-
ra listas, capitaneados por Antonio Gramsci
– mesmo sem questionar explicitamente o
modelo ortodoxo – praticamente invertem
a determinação original com a criação do
conceito de “hegemonia política”, segundo
o qual somente quando na esfera política e
ideológica ocorressem previamente mudan-
ças capazes de tornar majoritário o apoio a
uma transformação econômica profunda (no
jargão marxista, a substituição de um “modo
de produção” por outro) seria possível realizar
uma verdadeira revolução.
Reconhecendo as complexas interfaces
entre cultura e economia, partimos do pres-
suposto que o surgimento da chamada “Nova
Cultura Política” – como muitos outros issues
contemporâneos – está fortemente interrela-
cionado a diversas mudanças estruturais, com
fortes trade offs entre si, que ocorrem, sobre-
tudo, nos países capitalistas desenvolvidos a
partir da segunda metade do século XX. Nesse
sentido, pode-se citar, entre outras, as seguin-
tes transformações no cenário internacional: o
crescimento, apogeu e crise do Welfare State;
o desenvolvimento e, posterior, perda relativa
de importância do processo fordista/taylorista
de produção com surgimento do processo de
produção flexível; a crise da sociedade assala-
riada e decrescente papel dos sindicatos com
o consequente sentimento de “desfiliação” da
população trabalhadora; o enfraquecimento re-
lativo dos estados nacionais, o fortalecimento
de blocos regionais, a ênfase na política local,
a maior visibilidade e preocupação com discri-
minações adscritivas (etnias, religião, imigran-
tes, etc.); a globalização excludente do merca-
do; a revolução da informática e das informa-
ções, entre outras.
Segundo Clark e Hoffmann-Martinot,
mentores da “Nova Cultura Política”, ela se
caracterizaria por sete elementos-chave: (1)
modificação da dimensão clássica entre direi to
e esquerda; (2) separação explícita das ques-
tões sociais e econômicas-fiscais; (3) maior
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014200
crescimento da importância das questões sociais
decorrentes da exacerbação da diferenciação
sociocultural do que das demandas econômi-
cas; (4) crescimento simultâneo do indivi dua lis-
mo de mercado e social; (5) questionamento ao
Estado de Bem-Estar Social; (6) emergência de
políticas centradas em questões-chave e a am-
pliação da participação cidadã, por um lado, e o
declínio das organizações políticas hierárquicas,
por outro; (7) as concepções da NCP encontram
seus mais fervorosos defensores entre as so-
ciedades menos hierárquicas e os indivíduos
mais jovens, mais instruídos e os que vivem
mais confortavelmente (Clark e Hoffmann-
-Martinot, 1998).1
A partir dos autores que defendem esse
enfoque, entre os quais se enquadram, tam-
bém, Manuel Vilaverde Cabral e Felipe Car-
reira da Silva (Cabral e Silva, 2006), segundo
nossa leitura, a NCP associaria valores pós-
-modernos, com ênfase na defesa dos direitos
individuais, maior tolerância para diferentes
padrões de comportamento, abertura para ex-
perimentação no plano individual, menor grau
de subordinação às normas preconizadas pelo
Estado, muitas vezes, acompanhado de postura
canônica no referente às políticas econômicas.
Nesse sentido, poder-se-ia dizer que, enquan-
to nas áreas mais urbanizadas, especialmente
habitadas por setores homogêneos com maior
capacidade de inserção social e econômica,
tenderiam a prevalecer traços dessa cidadania
pós-moderna, nas demais áreas urbanas, em
contraposição, tenderiam a prevalecer os valo-
res da cidadania clássica hegemônica do século
passado, composta por suas dimensões jurídi-
ca, política e social e sua inerente fricção entre
a dimensão civil (direitos individuais) e cívica
(direitos coletivos).
Genericamente falando, a denominada
“Nova Cultura Política” abarcaria tanto ele-
mentos considerados tradicionalmente como
conservadores – responsabilidade fiscal e polí-
tica monetária dura em época de crises – quan-
to preocupações consideradas como progres-
sistas, sejam relativas aos chamados “direitos
difusos” (meio-ambiente, igualdade de gênero,
liberdade de orientação sexual, etc.), seja no
que diz respeito à maior participação social e
política não convencionais nos intervalos das
eleições (participação em redes, apoio a ONGs,
boicote a produtos nocivos ao meio ambiente,
denúncias de empresas que utilizam mão de
obra infantil, campanhas humanitárias, etc.).
Além disso, a NCP apresentaria uma agenda
nova com maior preocupação com a eficácia
e legitimidade governamental (governance),
sem crescimento do aparato burocrático do
Welfare State, como também com as presta-
ções de contas públicas com responsabilidades
(accontability).
Segundo a abordagem descrita, seria lí-
cito concluir, como afirma Manuel Vilaverde,
que, hoje em dia, o exercício dos direitos de ci-
dadania tende a manifestar-se de forma mais
expressiva através da “geometria variável” da
automobilização do que através do associati-
vismo clássico, vinculado fundamentalmente às
formas convencionais de “capital social”.2
Nesse estudo comparativo entre Campos
dos Goytacazes, Macaé e RMRJ, vamos avaliar
até que ponto haveria um “efeito-metrópole”
sobre o exercício da cidadania política. Em ou-
tras palavras, uma vez controladas variáveis
clássicas como nível de escolaridade, renda,
gênero, faixa etária, etc., poder-se-ia isolar
um fator residual (formado pelas múltiplas
interações de inúmeros issues) disponível em
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 201
maior escala nas grandes metrópoles, capaz
de permitir a gestação e expansão progressi-
va do que se poderia denominar Nova Cultura
Política (NCP).
Denomina-se, do ponto de vista teórico,
como “efeito metrópole”, um complexo resí-
duo de interações entre inúmeras variáveis não
passíveis de serem desagregadas, após serem
expurgadas, no limite do possível, variáveis
clássicas como renda, educação, classe, gênero,
etnia, acesso a infraestrutura física, a serviços
de consumo coletivos, saúde, entre outras (Ri-
beiro, Azevedo e Santos Junior, 2010; Cabral e
Silva, 2006).
Associativismo e mobilização em perspectiva comparada
As análises do associativismo e da mobiliza-
ção política em Campos e Macaé e nas duas
subáreas da RMRJ basearam-se em índices
compostos. Para a estimativa desses índices
consideramos as informações referentes às
várias formas de associativismo – participa-
ção em algum partido político; em sindicato,
grêmio ou associação profissional; em igreja
ou organização religiosa; em algum grupo
despor tivo, cultural ou recreativo; e em ou-
tra associação religiosa – e de mobilização
política – assinar abaixo assinado; boicotar
produtos por questões políticas; participar
de manifestação social; participar de comí-
cio ou reunião política; contatar políticos ou
funcionários do alto escalão do estado; dar
dinheiro ou recolher fundos para financiar
causas públicas; contatar ou aparecer na
mídia; e parti ci par em fóruns pela internet –
ponderadas pela intensidade de participação
dos indivíduos nas mesmas.
Em ambos os fatores de ponderação
variaram de 0 (nunca participou) a 3 (partici-
pa ativamente), sendo esses os valores de re-
ferência que balisaram as análises. Em outras
palavras, esses índices variam de 0, situação
extrema em que nenhum indivíduo participa de
nenhuma forma de associativismo ou de mobi-
lização política, a 3, que define outra situação
extrema na qual todos os indivíduos participam
ativamente de todas as formas de associativis-
mo e mobilização política.
Nas localidades estudadas, a intensida-
de de associativismo, independentemente de
sua forma, é, em geral, muito baixa (Tabela 1).
Em todos os casos verifica-se o predomínio do
associativismo religioso, sendo esse expressi-
vamente maior em Campos e Macaé compa-
rativamente às duas subáreas – Rio-Niterói e
Baixada Fluminense – da RMRJ. Esse fato não
nos surpreende uma vez que o Rio de Janeiro
é a metrópole que possui um maior número de
pessoas não filiadas a nenhuma religião (ainda
que creiam em Deus), e de agnósticos e ateus
(Smiderle, 2011). Esses resultados são corrobo-
rados, ainda, por pesquisas realizadas anterior-
mente (Azevedo, Santos Junior, Ribeiro, 2009),
que mostraram que o associativismo religioso,
diferente dos demais, tende a ser menor nas
grandes metrópoles, quando comparados com
áreas urbanas não metropolitanas.
No extremo oposto, a rubrica de menor
participação é do ‘Partido Político’, e tam-
bém nesse caso a intensidade de associati-
vismo é menor nas duas subáreas da RMRJ,
comparativamente aos polos regionais. Esse
baixo envolvimento com os partidos políti-
cos do Brasil – ainda que decorra de diversos
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014202
Formas de associativismo Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ
Partidos políticos 0,29 0,43 0,12 0,20 0,17
Sindicato, grêmio ou associação profi ssional 0,42 0,57 0,26 0,42 0,36
Igreja ou organização religiosa 1,87 1,88 1,15 1,17 1,16
Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,63 0,74 0,23 0,45 0,37
Outra associação voluntária 0,53 0,83 0,16 0,27 0,23
Média 0,62 0,74 0,38 0,50 0,46
N 398 400 382 621 1003
Tabela 1 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organizaçãoCampos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói e RMRJ
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Gráfi co 2 – Intensidade de associativismo, segundo o tipo de organizaçãoCampos, Macaé, Baixada Fluminense, Rio-Niterói
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Partido político Outra associação voluntária
Grupo desportivo,cultural ou recreativo
Igreja ou organização religiosa
Sindicato, grêmio ou associação profi ssional
Campos Macaé Baixada Rio-Niterói
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 203
fatores – seria afetado pelo nosso sistema de
voto proporcional com “lista aberta”, no qual
o eleitor é induzido a votar em pessoas e não
em Partidos.3
O Gráfico 1, confeccionado a partir dos
dados da Tabela 1, permite avaliarmos os ní-
veis (dados pelo posicionamento das curvas, no
par de eixos) e os padrões (dados pelo forma-
to das curvas) de associativismo. Note-se que
a intensidade de associativismo nos polos re-
gionais superam as duas subáreas da RMRJ em
todas as modalidades, com exceção da rubrica
‘sindicato, grêmio ou associação profissional’.
Apenas nessa modalidade, o índice de Rio-Ni-
terói iguala-se ao de Campos dos Goytacazes.
Observe, ainda, que com exceção do associati-
vismo religioso, praticamente idêntico em Cam-
pos (1,87) e Macaé (1,88), em todas as demais
formas a intensidade de associativismo é maior
em Macaé.
Em Campos, a rubrica ‘grupo desporti-
vo, cultural ou recreativo’ aparece em segun-
do lugar, seguida pela participação em ‘outra
associação voluntária’ e pela participação em
‘sindicato, grêmio ou outra associação profis-
sional’, nessa ordem. Para Macaé, a segunda
maior intensidade associativista se encontra
em “outra associação voluntária”, seguida,
respectivamente, pelas rubricas ‘grupo despor-
tivo, cultural ou recreativo’ e ‘sindicato, grêmio
ou associação profissional’.
Assim como acontece nos polos, os pa-
drões de associativismo das duas subáreas da
RMRJ são bastante semelhantes. Em ambas, a
participação em outras associações voluntá-
rias é bastante pequena, superando apenas a
participação em partidos políticos. Dentre as
localidades estudadas, apenas na Baixada a
participação em ‘sindicatos, grêmios e outras
associações profissionais’ surge como a segun-
da mais importante modalidade de associa-
tivismo, seguida pela participação em outras
associações voluntárias. A diferença de Rio-Ni-
terói em relação a esse padrão está justamente
na inversão entre a segunda e terceira formas
mais importantes de associativismo.
Ressalte-se que não se enquadrariam na
‘NCP’ tipos de associativismo como, por exem-
plo, ‘Partidos Políticos, Sindicatos e organiza-
ções religiosas’. Essas seriam formas clássicas
de participação política e de associativismo,
que tenderiam a predominar em áreas urbanas
não metropolitanas.
Considerando esses pressupostos, verifi-
camos que o associativismo religioso – mes-
mo que seja majoritário em todas as áreas
testadas – se encaixa per feitamente nesses
preceitos, uma vez que ele se apresenta for-
te nos dois núcleos regionais analisados e é
significativamente menor nas duas subáreas
da RMRJ indicando que os níveis de religiosi-
dade são inversamente proporcionais aos de
“metropolização”.
Deve-se chamar atenção, também, para o
fato de que quando cruzamos tipos de associa-
tivismo com diferentes formas de mobilização
sociopolítica, percebe-se outra idiossincrasia
do associativismo religioso, pois apesar de ele
ser o tipo de associativismo majoritário em
todas as áreas estudadas as pessoas que dele
participam são as que apresentam – em rela-
ção aos demais tipos de associativismos – os
menores percentuais de envolvimento com to-
das as formas de mobilização sociopolítica.
Considerando o item “Partidos polí-
ticos”, os dois núcleos regionais aparecem
com índices bastante diferenciados – Campos
(0,29) e Macaé (0,43) –, porém maiores que o
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014204
da Baixada Fluminense (0,12) e de Rio-Niterói
(0,20). Como a intensidade de associativismo
religioso é relativamente mais baixa na RMRJ,
e o associativismo relacionado a “Partidos polí-
ticos” é maior na metrópole comparativamente
à Baixada Fluminense, pressupõe-se que, no
caso brasileiro, os associativismos clássicos –
dentre eles a participação em “Partidos políti-
cos” – ainda predominam entre as populações
de maior nível de escolaridade e de melhores
condições socioeconômicas.
Como ocorre em situações análogas, o
caso em pauta é influenciado por variáveis
independentes e intervenientes. Acreditamos
que a menor escala de grandeza permite a
Campos e Macaé vantagens comparativas –
maiores facilidades nos contatos pessoais e
menor tempo de deslocamento para se chegar
ao local de destino (casa, trabalho, lazer, dentre
outros) – para incrementar diferentes tipos de
associativismos clássicos, em decorrência dos
menores “custos de transações” (Coase, 1992).
Por outro lado, apenas uma parte da diferença
do associativismo político entre esses dois mu-
nicípios e a RMRJ poderia ser assim explicada.
Essas diferenças podem ser mais bem compre-
endidas a partir da trajetória política recente de
cada um desses municípios.
Campos se caracteriza pela importante
hegemonia da “máquina política” capitaneada
pelo casal Rosinha e Garotinho. Ele foi prefeito
de Campos por duas vezes, e também gover-
nador do Estado; ela foi reeleita prefeita nas
eleições municipais de 2012. Nesse caso – co-
mo em inúmeros outros pelo Brasil – a ques-
tão do partido político é vista por esses atores
apenas como um instrumento operacional. Di-
zemos isso porque, na última década, movido
por mudanças de conjuntura política, o casal
Garotinho chegou ao poder através do PSB,
posteriormente se transferiu para o PMDB
e mais recentemente – após ruptura com o
governador Sergio Cabral, que passou a con-
trolar o partido – se transferiu para um novo
partido, o PR.
Em cada uma dessas mudanças apenas
o alto escalão da “máquina” e as lideranças
intermediárias foram instadas a se reinscreve-
rem no novo partido. A força da máquina se
mostra nos resultados das eleições municipais,
nos quais comparados com a eleição anterior
percebe-se o forte crescimento local da nova
agremiação apoiada pelo casal (seja ela peque-
na ou forte em nível nacional) e a imensa perda
de votos do antigo partido (Souza, 2004).
Em Macaé, o índice de associativismo
político é maior e os votos um pouco mais frag-
mentados porque, na última década, o acele-
rado crescimento populacional – resultante da
elevação do poder de atração desse município
sobre os migrantes – e econômico não permi-
tiram ou dificultaram a montagem de estrutu-
ras e de “máquinas partidárias” com o grau de
coesão existente em Campos. Esse parece ser
um dos principais motivos dessa relativa dilui-
ção da competição política de Macaé, em ter-
mos comparativos a Campos dos Goytacazes.
Na atual conjuntura, não consideramos prová-
vel que se possa explicar esse fenômeno em
Macaé como, por exemplo, “decorrente de dis-
tintas correntes políticas consolidadas”, como
ocorre na zonal sul da cidade do Rio de Janeiro
(Carvalho, Corrêa e Ghiggino, 2010).
Entretanto, o que mais nos surpreende,
quando comparamos os dois polos regionais
com a RMRJ são as duas últimas formas de
associativismo da Tabela 2, a saber: “Grupo
Desportivo, Cultural ou Recreativo” (GDCR) e
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 205
“Outra Associação Voluntária” (OAV). Nesses
dois casos, mais especificamente no segundo,
esperar-se-ia – por se tratar de tipos de asso-
ciativismo da “sociedade organizada”, mais
afastados do Estado e das Igrejas – uma maior
intensidade de associação na RMRJ, especial-
mente em Rio-Niterói, onde vive uma popula-
ção mais educada e sofisticada politicamente.
Essa expectativa é reforçada através dos da-
dos da Tabela 2. Note que os associativismos
dos tipos GDCR e OAV são mais intensos no
Brasil Metropolitano comparativamente ao
Não Metropolitano.
Para surpresa nossa, os dois polos re-
gionais surgem com índices bem superiores.
No caso dos associativismos em pauta, além
dos menores custos de transação seria inte-
ressante pensar em um ‘efeito polo regional’
no mesmo sentido do ‘efeito metrópole, não
esquecendo que os efeitos positivos dos “Po-
los Regionais”, são, em parte, decorrentes do
‘efeito metrópole às avessas’ (Azevedo e Sou-
za, 2012, p. 11).
Tal como ocorreu com as formas de as-
sociativismo, as pesquisas sobre mobilização
sociopolítica mostraram algumas semelhanças
que reforçam as nossas hipóteses para expli-
car alguns resultados não esperados, que se
repetem na análise comparativa da mobiliza-
ção sociopolítica.
Como se pode observar na Tabela 3, os
índices de Mobilização sociopolítica de Cam-
pos e Macaé são muito próximos (1,07 e 1,08,
respectivamente) e significativamente superio-
res aos estimados para a Baixada Fluminense
(0,64) e Rio-Niterói (0,70).
Formas de associativismo Brasil metropolitano Brasil não metropolitano
Partidos politicos 0,17 0,25
Sindicato, grêmio ou associação profi ssional 0,5 0,44
Igreja ou organização religiosa 0,99 1,24
Grupo desportivo, cultural ou recreativo 0,58 0,39
Outra associação voluntária 0,34 0,25
Tabela 2 – Intensidade de Associativismo, segundo o tipo de organização –Brasil metropolitano e não metropolitano – 2008/2009
Fonte: (1) Azevedo, Santos Junior e Ribeiro (2009).Fontes primárias: (b) Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008).Escalas: (0) Nunca participou; (1) Já participou; (2) Não participa ativamente; (3) Participa ativamente.
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014206
Tabela 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolíticasegundo a modalidade de ação política
Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Modalidade de ação sociopolítica Campos Macaé Baixada Rio-Niterói RMRJ
Assinar um abaixo-assinado 1,76 1,74 1,01 1,18 1,12
Boicotar produtos 0,84 0,90 0,60 0,66 0,63
Participar de manifestação social 0,93 1,15 0,69 0,82 0,77
Participar de comício ou reunião política 1,85 1,66 0,77 0,82 0,80
Contatar políticos/alto funcionário do Estado 0,94 0,89 0,59 0,56 0,57
Dar dinheiro/recolher fundos para causas políticas 0,89 0,96 0,53 0,51 0,52
Contatar ou aparecer na mídia 0,62 0,63 0,46 0,52 0,50
Participar em fóruns pela internet 0,70 0,70 0,47 0,53 0,51
Média 1,07 1,08 0,64 0,70 0,68
N 398 400 382 621 1003
Gráfi co 3 – Intensidade de Mobilização Sociopolíticasegundo a modalidade de ação política
Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói – 2008/2009
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Campos Macaé Baixada Rio-Niterói
Abaixo
-ass
inado
Boicot
ar pr
odut
os
Man
ifesta
ções
Comíci
os
Conta
tar p
olític
os
Finan
ciar c
ausas
políti
cas
Apare
cer n
a mídi
a
Fóru
ns pe
la int
erne
t
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 207
O que chama atenção nos dados sobre
mobilização sociopolítica – tal como ocorreu
com as modalidades de Associativismo – é a
primazia dos polos regionais em todas as for-
mas de mobilização quando os comparamos
com as subáreas da RMRJ.
“Assinar um abaixo-assinado” aparece
como o principal componente da mobilização
sociopolítica em Macaé, na Baixada Fluminen-
se e em Rio-Niterói, destacando-se, em Campos
dos Goytacazes, como o segundo mais relevan-
te. Sua importância, muito provavelmente se
relaciona ao pouco gasto de energia e envol-
vimento pessoal. Em Campos, a participação
em comícios ou reuniões políticas foi apontada
como a principal forma de mobilização socio-
política. “Contatar ou aparecer na mídia” surge
sempre como o componente menos importan-
te, apresentando-se mais significativo em Cam-
pos (0,62) e em Macaé (0,63) comparativamen-
te à Baixada (0,46) e a Rio-Niterói (0,52).
As hipóteses para esses resultados, no
nosso entender, são as mesmas que utiliza-
mos para o caso similar do associativismo, ou
seja, os maiores “custos de transação” (Coase,
1992) das grandes metrópoles em virtude dos
constrangimentos e dificuldades decorrentes
do tamanho exacerbado das mesmas e, por
outro lado, as virtudes dos Polos Regionais em
função de alguns “ganhos de escalas” (não
existentes ou de menor porte nas médias e pe-
quenas cidades) sem ter que enfrentar os pro-
blemas da Região Metropolitana, responsáveis
por gerarem inúmeros “efeitos perversos”, de-
nominados provisoriamente de “efeito metró-
pole às avessas”.
A “sofi sticação política” nos polos regionais e na grande metrópole
Para efeitos desse trabalho, a “Sofisticação Po-
lítica” será analisada a partir de dois índices, a
saber:
1) Socialização Secundária, aqui enten-
dida como um índice que mede a intensidade
com que os indivíduos conversam sobre políti-
ca no local de trabalho, em encontro com ami-
gos, em casa com os familiares, em reuniões
associativas e em conversas com os vizinhos.
2) Exposição à Mídia, aqui definida como
um índice que mede a intensidade com que os
indivíduos recebem informações sobre política
através de jornais, televisão, rádio e internet.
Para possibilitar as comparações diretas,
assim como a análise dos principais determi-
nantes da cultura política, esses índices foram
estimados obedecendo aos mesmos critérios
de ponderação dos índices de associativismo e
mobilização sociopolítica.4
Campos e Macaé apresentam índices de
socialização secundária – 1,65 e 1,36, respec-
tivamente – significativamente mais elevados,
comparativamente às subáreas da RMRJ (0,97),
como se pode observar no Gráfico 4.
Observe, no Gráfico 5, que o índice médio
de socialização secundária é maior em Campos,
mais baixo em Macaé e ainda menor nas duas
subáreas da RMRJ. Em Campos e Macaé, as
conversas sobre política ‘no local de trabalho’,
‘em casa com os familiares’ e ‘em encontro
com os amigos são, nessa ordem, os principais
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014208
Gráfi co 4 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-Niterói Índice Médio de Socialização Secundária
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles,Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles,UENF, Ucam-Faperj (2009).
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Gráfi co 5 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-NiteróiÍndice de Socialização Secundária
No local de trabalho
Em conversascom vizinhos
Em reuniõesassociativas
Em casacom familiares
Em encontrocom os amigos
Campos Macaé Baixada Rio-Niterói
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 209
componentes desse índice. Nas duas subáreas
da RMRJ, a socialização secundária dá-se,
principalmente, através de ‘encontros com os
amigos’; seguida pelas conversas sobre políti-
cas ‘em casa com os familiares’ e apenas em
terceiro lugar pelas conversas sobre política ‘no
local de trabalho’, ressaltando-se que, nesse
caso, comparativamente aos polos regionais, as
diferenças entre esses componentes são menos
acentuadas (curva mais suavizada entre esses
três pontos). Em todas as áreas estudadas, os
componentes menos importantes na conforma-
ção do índice são as conversas sobre política
‘com os vizinhos’, e as ‘reuniões associativas’,
respectivamente.
Assim como no caso anterior, a exposi-
ção à mídia informativa é maior em Campos
e Macaé, comparativamente às duas subáreas
RMRJ, mas, nesse caso, os diferenciais de níveis
são menores (Gráfico 6).
Gráfi co 6 – Campos, Macaé, Baixada Fluminense e Rio-NiteróiÍndice Médio de Exposição à Mídia
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014210
Outra observação que merece destaque
diz respeito à composição interna do índice
de exposição à mídia informativa. Nas quatro
áreas estudadas, a população obtém infor-
mações sobre política, principalmente através
dos telejornais e de veículos de radiodifusão,
respectivamente (Gráfico 7). No entanto, con-
sidera-se a leitura de assuntos de política nos
jornais o elemento mais importante desse ín-
dice, pressupondo-se que as informações dos
Diários são, em média, mais sofisticadas e de-
talhadas quando comparadas às da televisão
e do rádio, exigindo maior grau de interesse,
atenção e compreensão cognitiva por parte
dos indivíduos.
Apesar de Campos apresentar o maior
índice médio de exposição à mídia (Gráfico
6), é em Rio-Niterói e depois em Macaé que
se verificam as maiores intensidades de obten-
ção de informações sobre política, através de
leitura em jornais impressos (Gráfico 8). Em
Campos, esse é apenas o quarto – e último –
componente do índice de exposição à mídia;
em Macaé, em Rio-Niterói e também na Bai-
xada Fluminense (onde a intensidade média de
leitura de jornais é ainda menor comparativa-
mente a Campos), esse aparece como o tercei-
ro componente.
Os índices de socialização secundária e
de exposição à mídia também são maiores nos
Gráfi co 7 – Campos, Macaé e RMRJÍndice de exposição à mídia informativa
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Lê assuntos de políticanos jornais
Utiliza a internet para obternotícias e informações políticas
Ouve noticiáriosna rádio
Vê os noticiáriosna TV
–– –
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 211
Gráfi co 8 – Campos, Macaé, Rio-Niterói e Baixada Fluminense Índice Médio de Intensidade de Leitura de assuntos sobre política em jornais
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
polos comparativamente às duas subáreas da
RMRJ. Na socialização secundária, os diferen-
ciais de níveis são maiores, mas as diferenças
nos padrões de comportamento são menores;
na exposição à mídia, apesar do menor dife-
rencial de nível, há significativas diferenças nos
padrões comportamentais. Dentre elas, chama
atenção o posicionamento do componente
‘leitura de assuntos sobre política em jornais’ –
considerado o elemento mais sofisticado de ex-
posição à mídia informativa – na conformação
desse indicador, para as localidades estudadas.
Em Campos, localidade onde a exposição
à mídia se apresenta mais intensa, esse seria
o componente de menor importância ao passo
que em Macaé, Rio-Niterói e na Baixada Flu-
minense esse seria o terceiro componente do
referido indicador.
Chama a atenção, ainda, o fato de que
a população de baixa escolaridade residente
na Baixada Fluminense busca mais informa-
ções sobre política em jornais do que aquela
residente em Campos, em Macaé e, inclusive,
na própria região Rio-Niterói. Esses resultados
sugerem que os resultados relativos à Baixada
Fluminense – área predominantemente popu-
lar – possivelmente estejam refletindo os im-
pactos positivos do ‘efeito metrópole’.
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014212
À guisa de um balanço provisório
Este artigo foi também motivado pela necessi-
dade de se identificar quais são os principais
determinantes da cultura política de Macaé e
da Baixada Fluminense: se os fatores cogniti-
vos – aqui representados pelos indicadores de
‘Socialização Secundária’ e ‘Exposição à Mídia
Informativa’ – ou os fatores relacionados à par-
ticipação política – aqui representados pelos
indicadores de ‘Associativismo’ e ‘Mobilização
Sociopolítica’.
Como os índices de associativismo, mo-
bilização sociopolítica, exposição à mídia infor-
mativa e socialização secundária são sempre
maiores em Campos e Macaé (Gráfico 9), con-
clui-se que nesses municípios a cultura política
é maior do que nas duas subáreas da RMRJ,
ressaltando-se que na realidade ela é baixa em
todas as localidades estudadas.
Além disso, o Gráfico 9 nos mostra que os
fatores cognitivos associados à cultura política
são, em geral, mais elevados do que os fatores
relacionados à participação política. Nas duas
subáreas da RMRJ – Baixada Fluminense e Rio-
-Niterói – os determinantes da cultura política
são, em ordem decrescente de importância, o
acesso à mídia informativa, destacando-se a
obtenção de informações sobre política nos te-
lejornais, nos noticiários das rádios e na mídia
Gráfi co 9 – Campos, Macaé e RMRJDeterminantes da Cultura Política
Fonte: Pesquisa Observatório das Metrópoles, Iuperj, ICS-UL, ISRP (2008); Pesquisa Observatório das Metrópoles, UENF, Ucam-Faperj (2009).
Exposição à mídia
Associativismo
Mobilização sociopolítica
Socialização secundária
Campos Rio-NiteróiBaixadaMacaé
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 213
impressa, respectivamente; a socialização se-
cundária, principalmente através de conversas
sobre política em encontros com os amigos e
em casa com a família; a mobilização sociopo-
lítica, principalmente através de participação
em abaixos-assinado; e, por último, o associa-
tivismo, com destaque para aquele de nature-
za religiosa. Essa mesma ordenação é obser-
vada em Macaé. Apenas em Campos há uma
inversão. Nesse município, os determinantes
da cultura política são, em ordem decrescente
de importância, a socialização secundária, des-
tacando-se a importância das conversas sobre
política no local de trabalho, em casa com os
familiares, e nos encontros com os amigos; a
exposição à mídia; mobilização sociopolítica; e
associativismo.
Como se trata de um trabalho explorató-
rio restrito a duas subáreas da RMRJ – Baixada
Fluminense e Rio-Niterói – e a duas cidades
médias – Campos dos Goytacazes e Macaé –
do norte fluminense, torna-se temerário reali-
zar qualquer tipo de generalização do que foi
aqui discutido, sem a replicação desse tipo de
estudo para outras regiões do país.
A primeira novidade que surgiu de for-
ma consistente foi a predominância do asso-
ciativismo – notadamente do religioso – e da
mobilização sociopolítica – nos “Polos Regio-
nais” em relação à RMRJ. Quando iniciamos
a pesquisa, não imaginávamos que os índices
dos Polos Regionais – Campos dos Goytaca-
zes e Macaé – poderiam superar os da RMRJ,
considerada um dos maiores centros culturais
do país.
A nosso ver, esses resultados refletem
duas vantagens relativas dos polos regionais,
a saber:
a) os menores “custos de transações” (Coa-
se, 1992), uma vez que nos Polos os constrangi-
mentos – transporte coletivo saturado, tempo
de deslocamento elevado, alto custo de mora-
dia, enorme contingente de população pobre
nas periferias, entre outros – são menores com-
parativamente à RMRJ, afetando positivamen-
te os índices de associativismo e mobilização
sociopolítica;
b) os ganhos de escala em relação às “áreas
urbanas não metropolitanas”, uma vez que
nesses municípios há indústrias e comércio
mais sofisticados, serviços especializados,
equipamentos de consumo coletivos, escolas,
cultura, entre outras. Em decorrência dessa ca-
racterística, sugerimos como hipótese explora-
tória pensar em um “efeito polo regional” (no
mesmo sentido positivo do denominado “efei-
to metrópole”), quando se compara os Polos
Regionais com os demais conjuntos urbanos
não metropolitanos.
Esses resultados refletem, ainda, os efei-
tos perversos da grande concentração popula-
cional – fruto de um crescimento não planeja-
do e em grande escala – na RMRJ.
Os índices de Socialização Secundária e
Exposição à Mídia apresentaram-se, em todas
as localidades estudadas, superiores aos índi-
ces de Associativismo e de Mobilização Socio-
política ressaltando-se que apenas em Campos
dos Goytacazes, a Socialização Secundária
apresentou-se mais intensa comparativamente
à Exposição à Mídia Informativa.
Considerando a ‘leitura de jornais’ – o
componente mais sofisticado do índice de ex-
posição à mídia, percebe-se a hegemonia de
Rio-Niterói (Zona Sul ampliada) sobre os dois
polos regionais e, obviamente, sobre a Baixada
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014214
Fluminense. Isso nos permite levantar a hipóte-
se de que Niterói e Rio apresentam uma maior
sofisticação política, inclusive nos demais in-
dicadores analisados neste artigo, ainda que,
quantitativamente, esses se apresentem meno-
res do que nos dos polos regionais.
Essa hipótese é reforçada quando, nesse
item de maior sofisticação política, compara-
mos a intensidade de leitura de jornais, segun-
do os menores níveis de escolaridade entre as
localidades analisadas. Nesse caso, verifica-
mos que a Baixada Fluminense supera os dois
polos regionais, o que poderia ser explicado pe-
lo ‘efeito metrópole’.
Em outras palavras, a população de bai-
xa escolaridade residente na Baixada Flumi-
nense busca mais informações sobre política
em jornais do que a população com nível de
escolaridade semelhante, residente em Cam-
pos, em Macaé e, inclusive, em Rio-Niterói.
Além disso, na Baixada, a intensidade dessa
leitura entre os indivíduos de baixa escolarida-
de (0,95) é apenas ligeiramente inferior à in-
tensidade estimada para aqueles com escola-
ridade média (1,01); nas demais localidades as
diferenças são mais significativas entre esses
dois segmentos.
Esses resultados sugerem que, apesar de
a Baixada apresentar uma menor intensidade
de exposição à mídia, para os indivíduos de es-
colaridade mais baixa essa ocorre de maneira
mais sofisticada se comparada a de Campos
dos Goytacazes, localidade onde a exposição à
mídia como um todo se apresenta mais intensa.
Mediante tais considerações é necessário
ressaltar que, muito possivelmente os resulta-
dos relativos à Baixada Fluminense – área pre-
dominantemente popular – estejam refletindo
os impactos positivos do ‘efeito metrópole’. Em
outras palavras, a ligação umbilical com Rio-Ni-
terói – um dos locus culturais mais sofisticados
do país, e onde trabalha grande parte da popu-
lação economicamente ativa residente na Bai-
xada – possibilita uma série de trade-offs entre
essas duas localidades, dentre elas, uma maior
sofisticação de exposição à mídia, à população
residente na Baixada Fluminense.
Finalmente, acreditamos que os dados
apresentados antes de apresentarem resulta-
dos conclusivos suscitam uma série de novas
questões a serem pesquisadas, possibilitando a
elaboração de diferentes tipos de abordagens
e de novas hipóteses. Uma alternativa seria re-
plicar esse tipo de pesquisa em outras regiões
metropolitanas e em outros polos regionais;
outra possibilidade interessante seria utilizar
um maior número de indicadores que permi-
tissem avaliar não somente a quantidade, mas
especialmente a ‘qualidade’ da participação
política. Mesmo na ‘leitura de jornais’, conside-
rado, nesse artigo, o elemento mais sofisticado
de exposição à mídia, há diferenças imensas
entre jornais de alcance nacional em relação a
diários de circulação restrita aos polos.
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 215
Sérgio de AzevedoUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. [email protected]
Joseane de Souza FernandesUniversidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, Laboratório de Gestão e Políticas Públicas. Campos dos Goytacazes/RJ, [email protected]
Notas
(*) Versão preliminar deste ar go foi publicada nos Anais do XII Seminário da Rede Iberoamericana de Pesquisadores sobre Globalização e Território (RII) e V Encontro da Rede Iberoamericana de Editores de Revistas (RIER), realizado em Belo Horizonte/MG, em outubro de 2012.
(1) A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à Nova Cultura Polí ca no Brasil, mesmo que venham se fortalecendo nas úl mas décadas, estão longe de se cons tuírem na principal gramá ca cultural existente. Ver a respeito Azevedo, Santos e Ribeiro (2009).
(2) Robert Putnam, em seu conhecido trabalho sobre a democracia na Itália, u liza o conceito de “capital social”, defi nido como “um bem público, representado por atributos da estrutura social tais como a confi ança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garan a entre os atores, facilitando ações coopera vas”, para explicar as diferenças de par cipação cívica entre as comunidades do norte, consideradas mais democrá cas, em relação às do sul, consideradas mais conservadoras (Putnam, 1996).
(3) Ressalte-se que este tema é bastante polêmico na medida em que autores como Wanderley Guilherme dos Santos consideram que os partidos políticos no Brasil pós regime militar apresentam uma curva de fragmentação muito próxima a existentes entre 1950-1959, rela vamente comparável com o tamanho e diversidade encontrada entre par dos de muitos países ocidentais desenvolvidos (Santos, 2004).
(4) No caso da socialização secundária, o procedimento para a padronização do índice consis u em subs tuir os pesos tradicionais (Nunca = 1, Raramente = 2, Algumas vezes = 3, Frequentemen- te = 4) pelos pesos 0, 1, 2 e 3, respectivamente. No caso da exposição à mídia, como havia no ques onário da pesquisa cinco possibilidades de resposta, houve a necessidade de agregar duas possibilidades sob um único peso. Tradicionalmente, esse indicador é calculado com as seguintes ponderações: Nunca = 1, Esporadicamente = 2; 1 a 2 dias por semana = 3; 3 a 4 dias por semana = 4 e Todos os dias da semana = 5. Seguindo o novo critério temos: Nunca = 0; Esporadicamente = 1; 1 a 2 dias por semana = 1; 3 a 4 dias por semana = 2; e Todos os dias da semana = 3.
Sérgio de Azevedo, Joseane de Souza Fernandes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014216
Referências
AZEVEDO, S.; SANTOS JÚNIOR, O. A. dos e RIBEIRO, L. C. de Q. (2009). Metrópoles, cultura polí ca e cidadania no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 11, n. 22, pp. 347-366.
______ (2009). Mudanças e permanências na cultura polí ca das metrópoles brasileiras. Dados. Rio de Janeiro, v. 52, pp. 691-733.
AZEVEDO, S. de (org.) (2004). Governança democrá ca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase.
AZEVEDO, S. de e FERNANDES, J. de S. (2012). “Cidade média” versus “periferia metropolitana”: análise comparada entre a cultura polí ca de Macaé e da “Baixada Fluminense”. In: 4º CONGRESSO URUGUAYO DE CIÊNCIA POLÍTICA. “A Ciência Polí ca a par r do Sul”, Asociación Uruguaya de Ciência Polí ca, 14-16 de novembro.
AZEVEDO, S. de e GUIA, V. R. dos M. (2004). “Os dilemas ins tucionais da gestão metropolitana no Brasil”. In: RIBEIRO, L. C. de Q. (org.) Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o confl ito. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Fase/Observatório das Metrópoles.
CABRAL, M. V.; CARREIRA, F. e SARAIVA, T. (orgs.). (2008). Cidade & cidadania. Governança urbana e par cipação cidadã. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.
CABRAL, M. V. e SILVA, F. C. da (2006). Cidade e Cidadania: o “efeito-metrópole” sobre o exercício da cidadania polí ca. Lisboa, mimeo.
CARVALHO, N. R.; CORRÊA, F. S. e GHIGGINO, B. (2010). Entre o Localismo e Universalismo: a Geografi a Social dos Votos e a Questão Metropolitana. In: 34º ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.
CLARK, T. N. e HOFFMANN-MARTINOT (1998). The New Poli cal Culture. Boulder, Westview Press.
COASE, R. (1992). The Problem of Social Cost (El Problema del Costo Social). Estudios Públicos, n. 45, Chile.
FERNANDES, J. S.; TERRA, D. C. T. e CAMPOS, M. M. (2012). O migrante na reestruturação do mercado de trabalho na zona da produção principal da bacia de Campos. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS (ABEP). Anais. Águas de Lindóia, São Paulo.
______ (2013). A mobilidade pendular entre os municípios da Ompetro-RJ (2000-2010). In: XV ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL – ENANPUR. Anais. Recife.
OLIVEIRA, D. S. de (2005). Região Metropolitana do Rio de Janeiro: confl uências e disparidades. A evolução da segregação socioespacial no contexto da RMRJ. In: IV ENCONTRO NACIONAL SOBRE MIGRAÇÕES. Anais. Rio de Janeiro.
PUTNAM, R. D. (1996). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas.
______ (2000). Bowling alone: the collapse and revival of american community. Nova York, Simon & Schuster.
Polos Regionais do Norte Fluminense e a Região Metropolitana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 195-217, jun 2014 217
RIBEIRO, L. C. de Q ; AZEVEDO, S. de e SANTOS JÚNIOR, O. A dos (2008). “A nova cultura polí ca na modernidade periférica: o Brasil em foco”. In: CABRAL, M. V.; SILVA, F. C. da S. e SILVEIRA, T. (orgs.). Cidade e cidadania: governança urbana e par cipação em perspec va comparada. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, pp. 271-298.
______ (2010). Cidadania na Metrópole Desigual: a cultura polí ca na metrópole fl uminense. In: 34º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Caxambu, Minas Gerais.
SANTOS JUNIOR, O. A. dos; RIBEIRO, L. C. de Q. e AZEVEDO, S. de (orgs.) (2004). Governança democrá ca e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan/Fase.
SMIDERLE, C. G. S. M. (2011). Entre babel e pentecostes: cosmologia evangélica no Brasil contempo- râneo. Revista Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, pp. 78-104.
SOUZA, J. (2000). A modernização sele va: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasília, Editora da Universidade Nacional de Brasília.
______ (2004). A construção social da sub-cidadania. Belo Horizonte, Editora da UFMG.
Texto recebido em 4/nov/2013Texto aprovado em 15/dez/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014
Análise morfológica de espaçosurbanos em bacias hidrográfi cas:
um olhar sobre o entornodo Arroio Dilúvio em Porto Alegre
Morphological analysis of urban spaces in river basins:analyzing the surroundings of Dilúvio River in Porto Alegre
William MogHeleniza Ávila CamposLívia Salomão Piccinini
ResumoEste artigo busca apresentar refl exões acerca de es-
tratégias de qualifi cação da Bacia Hidrográfi ca do
Arroio Dilúvio, área densamente ocupada na Região
Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Adota-se
inicialmente o método de análise urbana baseado
nas contribuições de percepção da cidade desenvol-
vida por Kevin Lynch, buscando destacar, em três
trechos demarcados ao longo de suas margens, si-
tuações identifi cadas como críticas devido aos con-
fl itos que geram entre a população e o meio em que
se inserem. Aponta-se, ao fi nal, para a necessária
integração entre a recuperação do curso de água e
sua conexão com o entorno construído e vivido.
Palavras-chave: bacia hidrográfi ca do Arroio Dilú-
vio; análise urbana; confl itos; integração; entorno
construído e vivido.
AbstractThis paper presents some reflections on the qualifi cation strategies of the Dilúvio River Basin, a high density area in the Metropolitan Region of Porto Alegre. We used the urban analysis method based on the contributions of city perception developed by Kevin Lynch, seeking to highlight, in three demarcated stretches along the river’s margins, critical situations regarding conflicts between the population and the environment. At the end, we argue that there must be integration between the recovery of the watercourse and its connection with the city’s everyday life.
Keywords: Dilúvio River Basin; urban analysis; confl icts; integration; city’s life.
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014220
Introdução
O rápido crescimento das cidades brasileiras a
partir da segunda metade do século XX foi fun-
dado em uma concepção de desenvolvimento
urbano que, em geral, desconsiderou as condi-
ções ambientais preexistentes. Os rios e afluen-
tes urbanos se tornaram fontes difusas de po-
luição, afetando, inclusive, pontos de captação
de água para consumo nas próprias cidades.
Desde então, cidades já estruturadas tentam
buscar soluções para a revitalização de seus
cursos d’água, visto que muitos foram parcial
ou totalmente canalizados.
A cidade de Porto Alegre, a exemplo
de outras cidades brasileiras, revela esse pro-
cesso desigual de ocupação de seu espaço
urbano, em que se destaca a Bacia do Arroio
Dilúvio como um setor que apresenta diferen-
tes características socioespaciais ao longo de
suas margens.
Através deste artigo, busca-se discutir
os conflitos existentes do direito à água em
relação às variadas possibilidades que implica
também a água como elemento compositivo
da paisagem urbana. Sua estrutura compõe-
-se dos seguintes itens: o primeiro contém uma
breve reflexão teórica sobre a relação da água
com o espaço urbano, destacando suas dimen-
sões globais e locais; o segundo item apresenta
uma descrição e caracterização da Bacia Hidro-
gráfica do Arroio Dilúvio nas cidades de Porto
Alegre e Viamão, apontando também para as-
pectos históricos relevantes para a compreen-
são de sua atual configuração espacial; no
terceiro, destacam-se os principais impactos
socioespaciais da ocupação urbana sobre o es-
paço do entorno do Arroio Dilúvio verificados
através de observação da área de estudo, às
margens da Av. Ipiranga, destacando pontos
focais situados em três trechos com diferentes
aspectos morfológicos.
Confl itos entre água e espaço urbano no contexto das bacias hidrográfi cas
A água é um dos recursos ambientais que mais
deixam visíveis as relações de conflito entre
sociedade, território e desenvolvimento (Alvim,
Bruna e Kato, 2008). Embora esse reconhe-
cimento esteja presente, não apenas no meio
acadêmico científico, mas também em algumas
políticas públicas e ações de planejamento,
nacional e internacionalmente, a condição da
água no espaço urbano ainda se encontra de
forma marginal nos investimentos voltados a
sua valorização ambiental e paisagística, como
decorrência de processos de crescimento ex-
tensivo das cidades e regiões metropolitanas.
No Brasil, a degradação ambiental de-
corrente da intensa e desordenada ocupação
urbana, a partir da metade do século XX em
diante, tem comprometido a qualidade e a am-
biência do entorno de rios, lagos e lagunas em
áreas urbanas, contrastando de forma profun-
da com espaços cujos tratamentos sofisticados
têm sido promovidos, sobretudo, pelo capital
imobiliário ou por ações pontuais do Estado.
Tucci (2008) destaca, entre outros problemas
vinculados às pressões urbanas sobre as águas:
a ocupação irregular de áreas ribeirinhas, qua-
se sempre sujeitas a inundações; a impermea-
bilização e canalização dos rios urbanos com
aumento da vazão de cheia e sua frequência; o
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 221
despejo de resíduos, seja proveniente das cana-
lizações das construções, seja pelo descarte de
consumo. Em sua avaliação, Tucci (2008) lem-
bra que o Brasil encontra-se ainda na fase por
ele denominada higienista, ou seja, momento
em que há redução de doenças, mas com a per-
manência de poluição e contaminação de cur-
sos d´água, com grandes impactos nas fontes
de abastecimento e grandes inundações.
Importa considerar que as margens di-
retamente integradas à água são parte de um
complexo sistema identificado como bacia
hidrográfica que se constitui, segundo Tucci
(1997), em superfícies vertentes e de uma re-
de de drenagem formada por cursos de água
que confluem até resultar em um único leito.
Silva (2002) esclarece que, desde 1997, com a
instituição da Política Nacional de Recursos Hí-
dricos e do Sistema Nacional de Gerenciamen-
to de Recursos Hídricos, há um espectro consi-
derável de medidas de planejamento e gestão
passíveis de implementação no âmbito das ba-
cias, que podem mitigar as pressões sobre os
recursos disponíveis e melhorar o desempenho
dos vários sistemas setoriais relacionados a es-
ses recursos. A partir desse momento, diversos
municípios passaram a estudar as possibilida-
des de nortear a gestão urbana com base nas
bacias hidrográficas presentes em cada região.
Segundo Porto e Porto (2008), no en-
tanto, grandes são as dificuldades em se lidar
com esse tipo de recorte geográfico, sobretu-
do quando se trata de gestão de bacias que
ocupam territórios intensamente urbanizados.
Apesar de reconhecida sua importância para a
cidade, seja como fonte de abastecimento, seja
como espaço de integração e deslocamento, ou
ainda como composição paisagística, observa-
-se que a visão setorial do planejamento e
gestão dos espaços urbanos e metropolitanos
tende a fragmentar suas ações voltadas às
águas urbanas prejudicando o direto à água
nos âmbitos citados. Disso decorrem grandes
conflitos principalmente no que se refere ao
tratamento da morfologia urbana como estu-
do da integração entre os componentes das
formas que estruturam a cidade, sendo um dos
elementos fundamentais os percursos de rios e
as bordas de lagos e lagunas.
Sob a perspectiva dessa complexa rela-
ção entre a água e o espaço urbano, destaca-se
a tese de doutorado de Mello (2008), que traz
à discussão o desempenho de urbanidade dos
espaços das margens de corpos d’água, utili-
zando como categorias de análise as chamadas
dimensões global e local. A dimensão global diz
respeito às relações que consideram o sistema
urbano como um todo e as características da
articulação dos elementos entre si, destacando-
-se aspectos como: o porte do corpo d´água,
a localização da cidade em relação ao corpo
d´água e sua posição em relação ao centro ur-
bano. A dimensão local, mais apropriada para a
análise deste artigo, está relacionada aos atri-
butos dos espaços convexos de beira-d’água.
Os principais aspectos apontados pela autora
referentes a essa dimensão são:
a) Domínio: podem ser público ou privado,
segundo suas possibilidades de uso e ocupa-
ção. Nessa categoria, Mello (2008) destaca ain-
da dois tipos de espaço aberto, segundo a na-
tureza de sua função: os espaços de encontro
social e os espaços de função utilitária;
b) Constitutividade: são consideradas as
transições entre espaços aberto e fechados,
considerando-se constituído o espaço quando
lotes e edifícios lindeiros voltam-se para as
margens, definindo-o;
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014222
c) Acessibilidade física: facilidade ou não de
acesso aos espaços de margens;
d) Acessibilidade visual: as margens podem
apresentar variadas configurações entre es-
paços que permitem a visibilidade do corpo
d’água e espaços que impedem a visibilidade
do corpo d’água;
e) Artificialidade: refere-se ao grau de trans-
formação das margens, podendo identificar
como espaços naturalizados ou artificializados.
Essas categorias propostas são importantes
indicações de análise das relações morfoló-
gicas existentes no recorte espacial sugerido
neste artigo. Aqui se observam, como será vis-
to mais adiante, as relações entrepostas dos
elementos humanos (artificializados) e naturais
na composição do cenário que envolve as mar-
gens estudadas.
Aspectos socioespaciais da Bacia Hidrográfi ca do Arroio Dilúvio
A ideia de uma estratégia de gestão por bacia
hidrográfica parte de um desafio metodológico
que confronta condições físico-naturais com as
tradicionais abordagens político-institucionais
do território. No caso da sub-bacia do Dilúvio,
verificam-se duas realidades distintas: os muni-
cípios de Porto Alegre e de Viamão.
Porto Alegre é a capital do Estado do
Rio Grande do Sul e está localizada, geogra-
ficamente, às margens do Rio Guaíba, fonte
de captação de água. Apesar de apresentar
uma população residente de 1.409.351 ha-
bitantes (Censo Demográfico, 2010), o mo-
vimento pendular da população visitante dos
31 municípios que integram a Região Metro-
politana de Porto Alegre (RMPA), inclusive
Viamão, promove grande concentração popu-
lacional e de fluxos na cidade. Já o município
de Viamão, apresenta cerca de um sexto da
população da capital (239.384 habitantes),
apesar de possuir uma extensão territorial de
1.497.023 km², aproximadamente três vezes
maior do que a de Porto Alegre.
A área de Porto Alegre que compreende
a sub-bacia em questão é uma das mais den-
samente constituídas na cidade, sendo o eixo
que margeia o Arroio Dilúvio em quase toda a
sua extensão, a Av. Ipiranga, uma das princi-
pais vias de fluxo da capital. Logo, ao longo
da história da ocupação urbana, a sub-bacia
foi intensamente modificada nesse município
(Menegat, 2006). As porções da bacia locali-
zadas em Viamão se caracterizam basicamente
pela ocupação de assentamentos de baixa ren-
da, mais rarefeitos e com baixa qualidade de
habitabilidade.
O Arroio Dilúvio, embora tenha seu
curso praticamente inteiro dentro dos limites
da cidade de Porto Alegre, tem suas princi-
pais nascentes em dois pontos da cidade de
Viamão (as represas Lomba do Sabão e Mãe
d’Água), localizadas a leste da capital, con-
forme a Figura 1. Esse compartilhamento dos
recursos hídricos resulta em uma das dificul-
dades da aplicação do conceito de bacia hi-
drográfica como unidade de gestão, tendo em
vista a difícil compatibilidade de planejamento
e gestão entre municípios.
Ao observar os aspectos que caracte-
rizam o que Mello (2008) identifica como di-
mensão global da análise do curso d´ água,
verifica-se que a sub-bacia do Arroio Dilúvio,
em razão da localização estratégica de Porto
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 223
Alegre em relação a ela, é a mais importante
do município. Através dela escoam as águas
de uma área com 83,74 km2 densamente ha-
bitada: 446 mil habitantes, representando
cerca de um terço da população total. O curso
principal, o Arroio Dilúvio, tem uma extensão
de 17.605 m e importantes afluentes, como os
arroios Mato Grosso, Moinho, Cascata e Águas
Mortas em Porto Alegre. No caso de Viamão,
a localização do município em relação à sub-
-bacia do Arroio Dilúvio é periférica, pois as
nascentes que representam a parcela presente
em Viamão estão situadas no limite oeste do
município. Logo, a relação do Arroio Dilúvio
com a área central da cidade de Porto Alegre
é mais direta do que com o centro de Viamão,
sendo no primeiro caso a área central parte in-
tegrante da sub-bacia na sua porção norte. A
Avenida Ipiranga, que margeia o Dilúvio tem
sua foz no Lago Guaíba, importante manancial
vinculado ao centro e às faixas de ocupação
mais antigas da cidade de Porto Alegre.
Figura 1 – A Sub-Bacia do Arroio Dilúvio em Porto Alegre e Viamão (RS)
Fonte: Mapa elaborado por Amanda W. Fadel (2012) e adaptado por William Mog (2013) com base em arquivos shapefi les obtidos em Fepam (2005) e IBGE (2000).
Drenagem da Sub-Bacia do Arroio Dilúvio
Viamão
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014224
A canalização e retificação do Arroio Di-
lúvio entre o final dos anos 1930 e a década
de 1980 acontecem entre grandes mudanças
na paisagem e na estruturação do espaço ur-
bano porto-alegrense. O que hoje é conhecido
como uma “cicatriz” na cidade, à época de
sua concepção, a canalização do Arroio Dilú-
vio proporcionou, além de reduções drásticas
nas constantes enchentes na região, a possibi-
lidade de crescimento urbano a regiões onde
antes o acesso não era possível. Sem dúvida,
pode-se afirmar que a Avenida Ipiranga é hoje
uma das principais vias de acesso, comércio
e moradia de Porto Alegre, sendo tudo isso
possível graças à canalização do antigo Ria-
cho, como era chamado. Apesar dos benefí-
cios trazidos por essa intervenção, o fato de
ter sido realizada a tão longo prazo, conforme
cita Burin (2008), deixou que diversos fatores
sociais, políticos e econômicos interferissem
diretamente nas obras de canalização. Tais
fatores influenciaram na atual estrutura do
Arroio Dilúvio.
De fato, o processo de urbanização da
bacia ao longo do século XX veio atrelado ao
crescente embate da sociedade com as águas
de seu território. Conforme Burin (2008 ), por
volta de 1900, medidas começaram a ser to-
madas para conter o problema das enchentes.
Desde então, diversas pesquisas foram reali-
zadas e, devido ao crescimento populacional
de Porto Alegre entre 1912 e 1914, um grande
estudo foi realizado, baseado no que já estava
sendo feito na época em São Paulo e Rio de
Janeiro. Dentre essas ações, surgiu o projeto
concreto para a retificação do Riacho, com-
preendido no Plano de Urbanização de Porto
Alegre em 1943. Assim, deu-se início às obras
de construção da Avenida Ipiranga e retifi-
cação do Arroio Dilúvio, que, por sua vez, só
foram finalizadas na década de 1980, esque-
matizadas na Figura 2.
Figura 2 – A canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre
Fonte: Burin (2008).
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 225
Por meio de sucessivos Planos Diretores
(a primeira proposta é do Plano de 1914, co-
nhecido como Plano Moreira Maciel), diferentes
propostas de percursos e calhas foram criados
com objetivos saneadores e higienistas e de
mitigação das enchentes que afligiam a cidade.
Mais tarde, com objetivos de resolver o sistema
viário e a circulação na cidade, a obra finalizada
originou a Avenida Ipiranga, modernizando Por-
to Alegre e acabando com os alagamentos que
lhe valeu o apelido de Arroio Dilúvio.
Embora os Planos Diretores propuses-
sem áreas verdes e estudos paisagísticos e ur-
banísticos para o entorno, as obras realizadas
não conseguiram efetivar melhorias com esse
enfoque para as áreas urbanizadas ao longo
da Avenida Ipiranga, pois a preocupação dos
legisladores foi sempre atender às demandas
de fluxos viários e das enchentes, em detri-
men to dos dispositivos de regulamentação
urbanística para espaços públicos. A preocupa-
ção com a qualificação espacial e com a pai-
sagem não se manifestou concretamente nas
ações públicas.
O grande crescimento da Região Metro-
politana de Porto Alegre também trouxe como
consequência uma forte pressão populacional
em seus centros urbanos. Atualmente em Por-
to Alegre e Viamão, parcelas significativas da
população total (aproximadamente 20%) são
moradores de ocupações irregulares, ou seja,
habitam as áreas informais, os espaços urba-
nos chamados de vilas ou favelas. Identifica-
-se desde as nascentes do Arroio, assim como
ao longo de sua extensão, a presença desses
espaços informais nas duas cidades.
Os impactos do processo de ocupação na área de estudo
Neste item, busca-se desenvolver uma análise
morfológica de um recorte da Bacia do Arroio
Dilúvio (Figura 4) que abrange o próprio arroio
e seu entorno imediato, considerando a apro-
priação e acesso à água, seja físico, seja visual,
como um direito fundamental nas relações hu-
manas, como ressalta Gleick (1999). Para tal,
utilizou-se uma metodologia baseada na per-
cepção urbana conforme propõe Lynch (2008),
no desenvolvimento de variáveis de análise a
partir de pesquisa de campo e nos conceitos de
dimensão global e local apontados por Mello
(2008) para realizar uma leitura da área.
Segundo Gorski (2010), no Brasil até a
metade do século XX em geral ainda existia
uma relação harmônica de encontro entre as
margens dos cursos d’água e a população do
entorno, contudo a partir desse momento au-
mentaram os conflitos entre a sociedade, o
desenvolvimento e o meio físico prejudican-
do o direito da população de acesso à água
e à apropriação dos espaços marginais como
áreas de lazer e de prática esportiva. Essa si-
tuação ocorreu com o recorte estudado da Ba-
cia do Arroio Dilúvio.
Devido à inexistência de um tratamen-
to urbanístico para a antiga Avenida do Ca-
nal (Avenida Ipiranga), além de sua função
sanitária, esse trecho da cidade passou por
um processo de ocupação lento e irregular
nas ultimas três décadas, e assim as margens
do arroio, ao longo de quase um século de
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014226
estudos e projetos, não desenvolveram uma
identidade relevante e significativa para o
porto-alegrense.
No início do século XX a morfologia da
Bacia do Arroio Dilúvio apresentava caracte-
rísticas desde a sua nascente, passando pela
planície com os meandros e banhados até o
Rio Guaíba que naturalmente influenciavam
o convívio da população do entorno gerando
uma imagem para os moradores. No livro Sin-
fonia Inacabada, Dreyer (2004) relata a vida
e obra do ecologista José Lutzenberger, des-
tacando uma passagem que descreve a paisa-
gem e o cenário urbano de 1935 onde o arroio
era um das partes integrantes:
Na direção oposta a Redenção, a partir de sua casa, encontravam-se as delícias do arroio Dilúvio. Depois do chalé do vizinho freteiro, a rua fazia uma curva, termina- va o calçamento e tinha início uma trilha em meio a campo aberto, verde, vacas pastando, um taquaral, depois de novo
algumas casas, casas modestas de operá- rio, ornadas com rendilhados de madeira, e então a ponte sobre o arroio. Perto da ponte não era o melhor lugar de se tomar banho, mas num dos meandros do arroio havia um panelão: uma piscina rodeada por rochas de diferentes alturas, própria para saltos e mergulhos. A gurizada che- gava ali nadando por dentro do riacho, chapinhando sobre os cascalhos soltos do leito do Dilúvio, as canelas mergulhadas numa lâmina de água cristalina, sobre a qual se debruçavam languidamente os salsos-chorões. (Dreyer, 2004, p. 51)
Naquele período, o Dilúvio estava pre-
sente no cotidiano das pessoas do entorno ga-
rantindo o direito de acesso à água através de
várias ações em que o arroio era o cenário con-
forme a Figura 3. A primeira imagem mostra o
casario como pano de fundo das atividades rea-
lizadas no curso de água como pesca e banho
e na segunda a importância da Ponte de Pedra
como ícone de conexão urbana da época.
Figura 3 – Imagens do Arroio Dilúvio,referente às primeiras décadas do século XX
Fonte: Pesavento (1992).
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 227
Contudo, com a retificação e o conse-
quente desenvolvimento desordenado da área
em estudo, essa imagem foi perdida e não foi
substituída por outra imagem consistente ao
longo das décadas. Os bairros que estabele-
cem interface com o Arroio Dilúvio nesse pe-
ríodo ocuparam de forma lenta esse entorno,
principalmente na margem que corresponde à
área atingida pelo antigo traçado do riacho e
hoje constituída pelos bairros Cidade Baixa e
Santana. De fato, a intervenção realizada re-
solveu em grande parte o problema sanitário,
mas não foi suficiente para melhorar a cidade
em termos do convívio urbano, se comparado
às condições originais da área.
De fato, a retificação do curso d´água
representou uma barreira urbana, dificultando
acesso de uma margem à outra. A partir de
um levantamento morfológico da ocupação
da área da Bacia do Arroio Dilúvio notam-
-se a desarticulação morfológica e a descon-
tinuidade do tecido urbano, considerando
ambiências (aqui tratadas como variáveis)
que participam da composição da paisagem
consideravelmente ao longo do percurso, tais
como: áreas públicas verdes, vias cruzando o
arroio, pequena escala edificada, equipamen-
tos de grande porte, vazios urbanos e ocupa-
ções irregulares. Cada um desses fatores gera
características específicas em cada uma das
regiões que compõem o trajeto demonstrando
que a demanda urbana se altera e a imagem
resultante de cada localidade também (Lynch,
2008). Tal fator justifica um estudo particular
de cada zona para uma futura revitalização da
Bacia do Arroio Dilúvio e para recuperação do
direito de acesso à água, perdido em função
do crescimento urbano desordenado.
As variáveis citadas caracterizam três
trechos definidos desde a nascente até a foz
do Guaíba. Segundo os aspectos morfológicos
observados, o primeiro trecho inicia na foz e
vai até as imediações da Terceira Perimetral,
o segundo começa nas imediações da Terceira
Perimetral até a Av. Antônio de Carvalho e o
último trecho inicia nessa via e vai até a nas-
cente no município de Viamão como mostra a
Figura 4.
Os três pontos focais representam cada
uma das três realidades morfológicas anali-
sadas. Eles são o resultado da estrutura e da
dinâmica urbana em cada um dos momentos
das margens do Arroio Dilúvio. A seguir apre-
sentam-se as análises do percurso que abran-
ge os três trechos e o aprofundamento delas a
partir da imagem resultante das morfologias
em cada um dos três pontos focais, como es-
tudos de caso:
a) Trecho 1
Esse recorte do arroio localiza-se entre
a foz e as imediações da Terceira Perimetral
e está mais conectado com a cidade do que
os demais em função de uma diversidade de
usos, atividades e espaços existentes e per-
ceptíveis ao longo do percurso.
Esse trecho apresenta 14 cruzamen-
tos distribuídos de forma uniforme no trajeto
do arroio gerando boa acessibilidade e uma
continuidade do tecido, qualificando o espa-
ço urbano. Além disso, as pontes projetadas
pelo arquiteto Christiano De La Paix Gelbert,
responsáveis por essas conexões, apresentam
características estéticas relevantes em função
dos ornamentos presentes demonstrando uma
preocupação arquitetônica com o ambiente
construído (Weimer, 2004).
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014228
Ao comparar as áreas verdes nesse tra-
jeto com as dos demais trechos nota-se que
existe uma maior quantidade de espaços pú-
blicos e uma variação maior das escalas des-
ses espaços abertos, desde o parque urbano
como o Marinha do Brasil até a pequena praça
de bairro como a São João no Bairro Santa-
na. Além disso, as margens do arroio são mais
arborizadas como mostra a Figura 5. No total
são 25 áreas públicas bem articuladas com o
entorno do Dilúvio nesse trecho.
Em relação ao parcelamento e aos
equipamentos existentes também é possível
perceber uma diferença bem clara entre os
trechos, porque o grão de ocupação urbana
é consideravelmente menor nesse primeiro
momento com equipamentos de grande por-
te bem distribuídos: o Anfiteatro Pôr-do-Sol,
o Shopping Praia de Belas, o Ginásio Tesou-
rinha, o Colégio Júlio de Castilhos, o Campus
da Saúde da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, o Palácio da Polícia e o Hospi-
tal Ernesto Dornelles. Todos os equipamentos
estão bem integrados no contexto urbano,
pois se encontram junto a cruzamentos im-
portantes para a conectividade da área e es-
tão relacionados com uma praça ou área ver-
de imediata no caso dos quatro primeiros. Os
vazios urbanos são praticamente inexistentes
com exceção da interface com a orla do Guaí-
ba que é um problema recorrente em várias
partes da cidade.
Figura 4 – Localização da área de estudo do Arroio Dilúvio
Fonte: William Mog (2013).
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 229
O arroio nesse momento atravessa oito
bairros com características que os distinguem
entre si. Dentre esses, destacam-se principal-
mente os bairros Santana e Menino Deus que
se constituem em espaços muito utilizados pela
população moradora e por visitantes. Cada um
deles apresenta características morfológicas,
funcionais e de fluxos diferenciados, gerando
uma ocupação do espaço por públicos distintos
que transitam na região como pode ser visto na
imagem à direita na Figura 5 onde pessoas cir-
culam no espaço público junto com os veículos.
A presença de diversas pontes e traves-
sias sobre o Arroio Dilúvio, aliada ao fato de
sua posição cruzando os bairros desse trecho
faz deste curso d´água um elemento integra-
do à paisagem nesse espaço, embora não
haja uma clara apropriação pela população
usuá ria em função da poluição da água. A
ocupa ção qualificada dos oito bairros bem
delimitados e integrados ao arroio, assim,
contribui para a existência de poucas ocupa-
ções irregulares já que no total são apenas
cinco vilas de dimensões menores espalha-
das na área que apresenta um grão urbano
menor e volumetrias que acompanham um
padrão de alturas como pode ser visto no
skyline da vista panorâmica da Figura 5.
Figura 5 – Ponto focal do trecho 1Cruzamento com a Rua Santana
Fonte: William Mog (2013).
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014230
Essas condições da estrutura urbana in-
fluenciam na dimensão local do espaço (Mello,
2008) que pode ser observada e caracterizada
no ponto focal destacado na Figura 5. Ao ana-
lisar-se o trecho e seu ponto focal, é possível
determinar o domínio das margens do dilúvio
como público, contudo não há elementos e
nem condições sanitárias que possibilitem uma
relação direta com o curso d’água, apesar de
existir junto da Avenida Ipiranga uma diversi-
dade de usos que possibilitam a ocupação do
espaço de diferentes formas como as praças e
os comércios nesse trecho. Logo, em relação à
constitutividade, existe uma transição gradual
entre ambientes abertos e fechados em função
de aspectos como o grão menor de ocupação
(Figura 5), gerando espaços constituídos e es-
truturados, mas desvinculados do arroio.
Do ponto de vista da acessibilidade físi-
ca, as margens do arroio não oferecem grandes
atrativos com exceção da ciclovia recentemen-
te instalada nesse trecho e de algumas esca-
darias junto dos cruzamentos que no passado
eram utilizadas para acessar o Dilúvio e hoje
abrigam moradores de rua. Já a acessibilidade
visual é plena, pois o arroio pode ser contem-
plado ao longo de toda a Avenida Ipiranga que
margeia o curso d’água e de algumas praças
(Figura 5) que estabelecem uma interface com
o arroio gerando uma variabilidade visual. Por
último, a artificialidade é relevante tendo em
vista que o arroio foi retificado nesse trecho,
contudo elementos naturais como as praças e a
arborização das margens contribuem para um
ambiente bem equilibrado entre as formas na-
turais e as formas artificiais.
b) Trecho 2
O segundo trecho do Arroio Dilúvio e da
área do entorno analisado, delimitado pelas
imediações da Terceira Perimetral e pela Ave-
nida Antônio de Carvalho, situa-se no centro
do eixo estudado. O ambiente é fragmentado
e o convívio no espaço público é praticamente
nulo, a partir da Terceira Perimetral. A noção
de quarteirão se perde em razão das propor-
ções dos grandes equipamentos institucio-
nais. Os comentários a respeito dos fatores
e variáveis analisadas no primeiro trecho dão
lugar agora para características contrárias às
qualidades de uma cidade convidativa e in-
tegrada ao seu entorno, pois tais elementos,
além de se tornarem mais raros no contexto,
não estão articulados entre si, apresentando
uma alteração abrupta do padrão de ocupa-
ção urbana do primeiro para o segundo tre-
cho como pode ser visto na Figura 6.
Os cruzamentos existentes são apenas
seis e não apresentam os atributos estéticos
presentes nas pontes do trecho anterior como
os ornamentos, os pavimentos ou as escadarias.
As áreas abertas, como as praças, não
apresentam relação alguma com o arroio já
que estão concentradas num ponto específico
no interior da área leste do Bairro Partenon,
como pode ser visto no mapa síntese (Figura
4). Nessa parte do bairro, diferentemente do
restante do trecho, é possível reconhecer uma
continuidade de padrões de ocupação. Já as
margens apresentam uma arborização rare-
feita e pontual (Figura 6).
O segundo trecho possui um caráter
fragmentado em função dos grandes equipa-
mentos existentes que, presentes de forma con-
centrada, mostram pouca conectividade com a
cidade. Entre eles podem ser citados, o Bourbon
da Ipiranga, o Campus da PUC/RS (Figura 6) e
a Garagem da Empresa de ônibus Carris. Tais
equipamentos estão muito próximos entre si
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 231
prejudicando a continuidade do tecido urbano
de menor escala. Logo, diferentemente do pri-
meiro momento do arroio, esse possui vários
vazios urbanos junto da margem norte. Essa
interrupção da malha urbana de grão pequeno
inviabiliza a movimentação de pedestres nas
rotinas diárias como pode ser observado na
imagem à direita da Figura 6 onde o contexto
não contribui para a circulação de pedestres re-
tirando da área a vivacidade necessária à cone-
xão e ao movimento urbano saudável.
A quantidade de bairros com diferentes
características também é reduzida nessa parte
da cidade já que são quatro bairros, ou parcelas
de bairros, fortemente desarticulados entre si
e que apresentam uma tipologia habitacional
voltada para população de rendas médias e al-
tas, os conjuntos fechados de alta densidade,
que parece negar uma relação com o espaço
público. Essas configurações habitacionais ge-
ram uma ruptura na dinâmica urbana e na pai-
sagem local como pode ser visto no skyline da
vista panorâmica da Figura 6.
A falta de continuidade dos tecidos acar-
reta a existência de grandes ocupações irregu-
lares, as quais, não estando integradas à malha
urbana “formal”, geram interrupções no movi-
mento e na circulação geral da população na
Figura 6 – Ponto focal do trecho 2Cruzamento com a Avenida Cristiano Fischer
Fonte: William Mog (2013).
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014232
cidade, reforçando a descontinuidade da paisa-
gem, que se torna rompida e ilegível, diferen-
temente do trecho anterior. No total, são três
manchas de grande porte e uma menor junto
da Garagem da Empresa de ônibus Carris. Além
disso, ao norte do Jardim Carvalho e ao sul do
Partenon estão localizadas várias vilas, cuja di-
mensão de cada uma corresponderia à área de
um bairro.
Assim como no trecho anterior, a estru-
tura urbana e as variáveis propostas acabam
repercutindo na dimensão local citada por
Mello (2008). Contudo, nesse caso a falta de
articulação entre as partes acaba gerando um
panorama fragmentado que pode ser sintetiza-
do a partir do ponto focal na Figura 6. O do-
mínio das margens em questão continua sendo
público, contudo esse trecho há uma ausência
de diversidade de elementos junto da Avenida
Ipiranga que impossibilita uma dinâmica de
fluxos variados.
O acúmulo de grandes equipamentos
privados resulta em um espaço desconstituído
(Figura 6), pois a transição entre espaços aber-
tos e fechados é abrupta e pouco convidativa
para o encontro, já que as praças e as áreas co-
merciais do trecho anterior não estão presentes
junto à avenida que margeia o Dilúvio e é do-
minada por veículos em alta velocidade nesse
momento. O resultado disso é um ambiente
com acessibilidade física comprometida já que
o arroio não estabelece qualquer relação com
seu entorno imediato, o que pouco contribui
para a sua acessibilidade visual. A variabilida-
de de opções visuais que o observador tinha no
primeiro momento agora apresenta-se restrita
em função da baixa quantidade de cruzamen-
tos e da ausência de espaços abertos, gerando
pouco controle visual, sensação de insegurança
e calçadas desertas. A artificialidade das mar-
gens nesse trecho é a maior, pois o espaço
urbano junto do Dilúvio apresenta pouca arbo-
rização e nenhuma praça ou parque como mos-
tra a vista panorâmica da Figura 6.
c) Trecho 3
O último trecho do arroio é o mais longo
e caracterizado por uma ocupação urbana ra-
refeita com algum comércio e serviços ao longo
da via de maior fluxo (Av. Bento Gonçalves). O
recorte inicia na Av. Antônio de Carvalho e aca-
ba junto às nascentes em Viamão. Nesse mo-
mento o arroio não apresenta mais a relação
imediata com uma via de tráfego de veículos
intenso, já que ele está integrado à mata na
base dos morros que delimitam na outra dire-
ção o trecho analisado. Existem nessa parcela
apenas dois cruzamentos do curso d’água do
Arroio Dilúvio, e um deles não é pavimentado
e está junto a uma ocupação irregular, como
mostra a seguir a Figura 7.
As áreas públicas de convívio são pra-
ticamente inexistentes ao longo desse per-
curso, em que a diversidade do primeiro tre-
cho é substituída por um repetição de áreas
desocupa das, intercaladas com comércio espo-
rádico referente ao perfil viário da Av. Bento
Gonçalves: aí, se poderia dizer que a cidade
“não existe mais”.
Neste último trecho, em que ocorre a co-
nexão entre Porto Alegre e Viamão podem-se
encontrar apenas dois equipamentos relevan-
tes para os fluxos do local: os Campi do Vale
e da Agronomia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). A área é caracteri-
zada por grandes zonas de mata nativa junto
dos morros, como pode ser observado na vis-
ta panorâmica da Figura 7. Logo, não se pode
dizer que são vazios urbanos, mas espaços de
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 233
interesse ambiental não preservados, tendo em
vista a existência recorrente de vilas (favelas)
na base desses morros (Figura 7) estabelecen-
do ora uma relação estreita com a topografia
do morro, ora com as bordas do arroio. Essa
área é ocupada apenas pelo Bairro Agronomia
(em Porto Alegre) e pelo Parque Saint Hilaire
(em Viamão). Nas duas localidades, o cenário
é sempre muito semelhante: ocupações irre-
gulares entre morros e curso d´água. Contudo,
essas vilas apresentam uma morfologia distin-
ta dos trechos anteriores já que elas não são
oprimidas por um contexto urbano consolidado
e apresentam a possibilidade de crescimento
com certa organização entre espaços de conví-
vio público e particular.
A dimensão local (Mello, 2008) nesse
trecho, representada pelo ponto focal junto do
cruzamento com o Beco dos Marianos (Figura
7) apresenta um caráter de grande fragilidade
urbana, pois a estrutura espacial local carece
de uma série de elementos urbanos necessá-
rios na criação das dinâmicas de encontro e
de relação. Nesse ponto do trecho podem ser
observados três tipos distintos de interface do
arroio com seu entorno: o domínio é público
junto da interface do arroio com o trecho final
da Avenida Ipiranga; o domínio semipúblico –
ou público restrito – quando o arroio integra o
Campus da Agronomia da UFRGS, e o domínio
privado, quando o Dilúvio estabelece interface
com os fundos dos pavilhões localizados na
Figura 7 – Ponto focal do trecho 3Cruzamento com o Beco dos Marianos
Fonte: William Mog, 2013.
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014234
Avenida Bento Gonçalves como pode ser visto
na Figura 7.
A transição entre espaços abertos e fe-
chados é desordenada em função da presen-
ça das ocupações informais junto dos morros
onde a natureza ainda se mostra fortemente
presente. Em relação à acessibilidade física,
o acesso às margens do arroio é restrito em
função dos pavilhões e das vilas que também
bloqueiam a acessibilidade visual. O acesso
físico e visual sem obstáculos maiores ocor-
re apenas em uma das margens, entre os
cruzamentos da Antônio de Carvalho e do
Beco dos Marianos (Figura 7). Esse trecho
apresenta a menor artificialidade dos três,
pois a maior parte do curso do Dilúvio nes-
se momento não está retificada e ainda está
integrada na natureza apesar de já estar po-
luída em função das vilas presentes junto das
nascentes em Viamão.
A partir das análises realizadas anterior-
mente é possível concluir que existe uma re-
lação estreita entre a estrutura urbana e suas
variáveis e a repercussão dessas na dimensão
local do espaço urbano. A seguir é apresenta-
do um quadro com a intenção de sintetizar a
relação dos aspectos da dimensão local com os
pontos focais destacados.
Quadro 1 – Síntese de aspectos das dimensões locaispor pontos focais analisados
Dimensões locais Ponto focal 1 Ponto focal 2 Ponto focal 3
Domínio:Espaços abertos ou espaços fechados
Público (espaços abertos), mas com pouca apropriação das margens
Público (espaços abertos), mas sem apropriação das margens
Público, semipúblico (UFRGS) nas bordas e privado (espaços fechados)
Constitutividade: Espaços constituídos ou desconstituídos
Transição gradual entre espaços abertos e espaços fechados
Transição abrupta entre espaços abertos e espaços fechados
Transição possui desordem entre espaços abertos e espaços fechados
Acessibilidade Física:Espaços de acesso físico fácil ou difícil
Pouca acessibilidade: Ciclovia subutilizada e escadarias usadas no passado
Sem acessibilidade: O entorno não facilita o acesso físico (PUC e veículos velozes)
Acesso desordenado e restrito em alguns pontos: contextode ocupações informais
Acessibilidade Visual: Espaços com ou sem visibilidade
Plena acessibilidade: Visuais variadas para o arroio das praças e dos cruzamentos
Baixa Acessibilidade: Poucas visuais, pois o entorno contribui pouco (insegurança)
Acesso restrito e bloqueado em alguns pontos (pavilhões, vilas e UFRGS)
Artifi cialidade:Espaços naturais ou espaços artifi ciais
Equilíbrio: elementos artifi ciais (retifi cação) e naturais (margens arborizadas e praças)
Desequilíbrio: poucos elementos naturais (pontuais) e margens retifi cadas
Maioria de espaços naturais: morros com vegetação e curso original do arroio
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 235
Esse quadro demonstra que os aspec-
tos da dimensão local revelam as fortes dife-
renças presentes nos três trechos analisados,
com destaque para a baixa acessibilidade física
e alta capacidade de domínio público do es-
paço urbano deste entorno, porém com difícil
condições de apropriação, principalmente nos
trechos 2 e 3.
A constitutividade também se apre-
senta muito distinta nos três trechos, sendo
inicialmente gradual, abrupta no segundo tre-
cho e desordenada no terceiro. Isso revela a
descontinuidade do tecido urbano muito em
razão da existência de equipamentos de gran-
de porte (trecho 2) e de ocupações irregula-
res (trecho 3).
As análises apresentadas permitem con-
siderar que, embora haja diferenças nas formas
de ocupação ao longo do arroio, os resultados
no espaço das margens são sempre preocupan-
tes gerando conflitos e impactos na qualidade
da paisagem.
Considerações fi nais
Ao analisar o mapa, as imagens e suas variá-
veis, é possível estabelecer uma relação entre
as diferentes épocas de ocupação territorial e
a crescente fragmentação espacial que se torna
evidente no entorno da Terceira Perimetral a
partir de sua dimensão local (Mello, 2008). As
características que privilegiam a conectivida-
de das áreas públicas urbanas perdem espaço
para as ocupações privadas de grande porte
que não se preocupam com sua inserção no
contexto urbano, como o Campus da PUC/RS.
Logo, as informações tomadas e apresentadas
aqui demonstram que a descontinuidade do
tecido urbano tem se agravado nas últimas
décadas. Em parte devido ao arroio e sua via
de alta capacidade, mas principalmente pelas
diretrizes urbanas e as opções utilizadas, que
determinaram a forma de ocupação e os usos
da terra do entorno ao arroio, que são os res-
ponsáveis pelas condições ambientais péssi-
mas desse importante curso de água.
Nos trechos verificados, é clara a di-
ferença entre as dinâmicas de cada um. Ao
comparar o primeiro com o segundo trecho,
nota-se que os tecidos do entorno no primei-
ro caso estão bem integrados e articulados
entre si em função das variáveis comentadas
anteriormente, já no segundo caso a situação
se altera consideravelmente como pode ser
percebido através da comparação dos pontos
focais. Contudo, em nenhum trecho o arroio
está integrado às atividades cotidianas dos
porto-alegrenses como no passado em função
da ausência de um projeto que considerasse
o arroio como parte do cenário urbano, além
de sua função sanitária. Por isso, o direito de
acesso ao arroio e à água nesse recorte de
Porto Alegre está longe de ser atendido em
função de um problema de conexão urbana:
embora inserido no tecido urbano, o arroio não
está integrado à cidade, a seus moradores e às
funções urbanas de maneira plena devido ao
crescimento desordenado e segregador que se
agrava a partir do segundo trecho.
Assim, o arroio e suas condições ambien-
tais por si só não são responsáveis pela confi-
guração atual da paisagem urbana nos trechos
estudados, pois há uma grande variabilidade
entre ambientes mais qualificados e ambientes
menos qualificados espacialmente, ao longo
de um curso de água que apresenta de forma
constante condições ambientais depreciadas.
William Mog, Heleniza Ávila Campos, Lívia Salomão Piccinini
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014236
Por isso, o arroio deve ser considerado uma das
partes do problema que envolve variáveis de
igual e maior prioridade, tais como as ocupa-
ções irregulares e todos os demais grandes
equipamentos do entorno que geram e des-
pejam resíduos sólidos, líquidos, químicos e
hospitalares no mesmo, e não apontar o arroio
como foco determinante na requalificação do
espaço, pois as condições urbanas e legais exis-
tentes estão dentro de um quadro em que o
desenvolvimento não tem contemplado a com-
posição da paisagem como determinante para
o convívio humano na cidade.
Nesse sentido, é necessária uma gestão
pública que considere a bacia hidrográfica do
Dilúvio de forma global e não apenas o curso
do arroio como o foco de intervenção na revi-
talização urbana. Dessa maneira aumentaria a
possibilidade de análise e integração entre as
variáveis que interferem no entorno e no cur-
so de água principal valorizando um recorte
urbano mais abrangente através de múltiplos
projetos mais sustentáveis e conscientes que
considerariam as relações sociais nesse espaço
físico conectado com seu entorno e contempla-
riam a cidade de maneira ampla.
William MogPorto Alegre/RS, [email protected]
Heleniza Ávila CamposUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, [email protected]
Lívia Salomão PiccininiUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre/RS, [email protected]
Análise morfológica de espaços urbanos em bacias hidrográficas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 219-237, jun 2014 237
Referências
ALVIM, A. T. B.; BRUNA, G. C. e KATO, V. R. C. (2008). Polí cas ambientais e urbanas em áreas de mananciais: interfaces e confl itos. Cadernos Metrópole, n. 19, pp. 143-164.
BURIN, C. W. (2008). O caso da canalização do arroio Dilúvio em Porto Alegre: ambiente projetado x ambiente construído. Disponível em Lume: h p://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/17323. Acesso em: 18 set 2012.
DREYER, L. (2004). Sinfonia Inacabada, a vida de José Lutzenberger. Porto Alegre, Vidicom Audiovisuais.
FARIA, U. e PAIVA, E. P. (1937). Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre, Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
GLEICK, P. (1999). The Human Right to Water. Oakland USA, Pacifi c Ins tute for Studies in Development, Environment, and Security.
GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: rupturas e reconciliação. São Paulo, Editora Senac.
LYNCH, K. (2008). A imagem da cidade. São Paulo, Edições 70.
MELLO, S. S. de (2008). Na beira do rio tem uma cidade: urbanidade e valorização dos corpos d’água.Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília.
MENEGAT, R. (2006). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS.
PESAVENTO, S. J. (1992). O Espetáculo da Rua. Porto Alegre, Ed. UFRGS/Prefeitura Municipal.
PORTO, M. F. e PORTO, R. L. (2008). Gestão de Bacias Hidrográfi cas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 43-60.
PORTO, M. L. e OLIVEIRA, P. L. (coords.) (2008). Atlas Ambiental de Porto Alegre. Porto Alegre, Ed. UFRGS.
SILVA, R. T. (2002). “Gestão Integrada de Bacias Hidrográfi cas densamente urbanizadas”. In: FONSECA, R. B. (org.). Livro Verde: desafi os para a gestão da Região Metropolitana de Campinas. Campinas/ SP, Unicamp/IE.
SOUZA, C. F. (1995). “Trajetórias do Urbanismo em Porto Alegre 1900-1945”. In: LEME, M. C. da S. (coord.). Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, Studio Nobel.
SOUZA, C. F. e MULLER, D. M. (1997). Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto Alegre, Ed. UFRGS.
TUCCI, C. E. M. (1997). Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre, ABRH/Editora UFRGS.
______ (2008). Águas Urbanas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, pp. 97-112.
WEIMER, G. (2004). Arquitetos e Construtores no Rio Grande do Sul 1892-1945. Santa Maria, UFSM.
Texto recebido em 10/abr/2013Texto aprovado em 31/out/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014
Avaliação das metodologias brasileirasde vulnerabilidade socioambiental
como decorrência da problemáticaurbana no Brasil
Analysis of the Brazilian assessment methodologies of socio- -environmental vulnerability as a result of urban problems in Brazil
Mônica Maria Souto MaiorGesinaldo Ataíde Cândido
ResumoO artigo intenta refletir e analisar as principais
metodologias de avaliação da vulnerabilidade
socioambiental propostas e aplicadas em con-
textos específicos no Brasil, através de um en-
saio teórico- comparativo utilizando um conjunto
de critérios de avaliação retiradas das variáveis
existentes nos diversos modelos pesquisados. Os
resultados apontam que os modelos foram contri-
butivos para o avanço dos estudos da vulnerabili-
dade socioambiental no Brasil, possibilitando um
diagnóstico preciso dos fatores que contribuem
para acentuar e mitigar o fenômeno. No entanto,
dadas a dinâmica e complexidade do processo de
urbanização e suas implicações, se fazem necessá-
rias constantes adaptações das metodologias cria-
das, assim como a criação de novas metodologias
que consigam traduzir fi dedignamente a dinâmica
e complexidade da urbanização, sobretudo para as
comunidades mais carentes.
Palavras-chave: processo de urbanização; vulne-
rabilidade socioambiental; metodologias; avaliação
e indicadores.
AbstractThe article intends to reflect on and analyze the main methodologies to assess socio-environmental vulnerabilit y that have been proposed and applied to specific contexts in Brazil, through a comparative theoretical essay using a set of assessment criteria extracted from the variables existing in the diverse surveyed models. The results show that the models have contributed to the advancement of socio-environmental vulnerability studies in Brazil; in addition, they have enabled an accurate diagnosis of the factors that contribute to intensify and mitigate the phenomenon. However, given the dynamics and complex nature of the urbanization process and its implications, it is necessary to constantly adapt the established methodologies, as well as to create new methodologies that are able to translate faithfully the dynamics and complexity of urbanization, particularly for poor communities.
Keywords: urbanizat ion process ; soc io- environmental vulnerability; methodologies; assessment and indicators.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014240
Introdução
No último século, houve uma diminuição dos
índices de pobreza na América Latina, mesmo
assim os modelos que estudam a população
em vulnerabilidade continuam sendo instru-
mentos eficazes de análise da situação dos ex-
cluídos latino-americanos, porque são capazes
de identificar as características de comporta-
mento individuais e as mudanças repentinas de
ascensão e declínio social, as quais vão além
das questões ligadas à renda.
A preocupação dos estudos que envol-
vem a vulnerabilidade socioambiental, em con-
texto urbano latino-americano, é oferecer um
painel sobre os fatores socioambientais que
influenciam e são influenciados pela fixação
da população pobre em áreas de risco, as quais
podem gerar danos. Dessa forma, a vulnerabi-
lidade socioambiental urbana está vinculada,
também, aos fenômenos de adensamento po-
pulacional, à segregação espacial urbana, aos
processos de exclusão social e às injustiças
ambientais, processos ligados diretamente ao
aumento demográfico e à falta de políticas pú-
blicas eficazes.
Especificamente no contexto geográfi-
co brasileiro, desde o século passado, se tem
presenciado um aumento demográfico urbano
substantivo, o que traz consequências diretas
na estruturação e ordem das principais cidades
brasileiras, desregulando o sistema socioam-
biental, expondo a população citadina a uma
situação crescente de vulnerabilidade, princi-
palmente nas áreas centrais de preservação ou
nas periféricas, onde os fatores de riscos am-
bientais se tornam desastrosos diante da insta-
bilidade socioeconômica da população pobre.
Assim, a vulnerabilidade pode ser entendida
como um processo gerado por diversos fatores
socioambientais, os quais, em conjunto, fragili-
zam pessoas, gerando consequências desastro-
sas como perdas materiais e/ou de vida.
Fundamentada em tais teorias, o termo
“vulnerabilidade socioambiental” começou a
ser construído entre as décadas de oitenta e
noventa, quando pesquisadores a exemplo de
D´Ercole (1994), Blaikie et al. (1994), Fournier
(1995), Cardona (1996), Hewitt (1997), Moser
(1998), Kaztman et al. (1999), Gonzáles et al.
(1999), dentre outros, avaliaram a importância
do significado das condições sociais na incidên-
cia, extensão e distribuição das ameaças natu-
rais. Eles mostraram que a perda e a sobrevi-
vência estão relacionadas muito de perto com
os padrões e as variações da qualidade de vida
material da sociedade, tanto no que se refere
à ocorrência de danos e tipos estabelecidos, e
onde, como e especialmente a quem afetam.
Segundo Cardona (1996), os danos ma-
teriais dependem especialmente do uso da ter-
ra, padrões de assentamento e da concepção
e localização de estruturas construídas, e esses
danos são desproporcionalmente concentrados
em determinados grupos etários, de acordo
com sexo ou ocupação, níveis de renda e da
falta de voz política do povo.
Na América Latina e nos países em de-
senvolvimento, devido a uma estrutura políti-
ca e econômica em constante crise, a ideia de
estabilidade não é observada. Essa conjuntura
dificulta a geração de novas frentes de traba-
lho, aumentando a instabilidade socioeconômi-
ca das famílias, associando a vulnerabilidade à
ideia da falta de oportunidades existente dian-
te do desemprego, da precariedade do traba-
lho, da pobreza, da falta de proteção social e
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 241
da fragilidade das relações sociais, problemas
que afetam a todos de um modo geral.
Adicionados aos problemas citados an-
teriormente, as cidades brasileiras apresentam
uma concentração da população de baixa ren-
da de forma desigual, numa mesma extensão
geográfica, onde se observa a ocorrência de
eventos naturais como enchentes, desliza-
mentos, desmoronamentos e/ou vendavais,
que causam perdas e danos de toda ordem
(Deschamps, 2004).
Diante deste quadro, diversos pesquisa-
dores brasileiros vêm desenvolvendo modelos
para estudar a vulnerabilidade socioambiental:
Deschamps (2004; 2006), Hogan (2007), Alves
(2010a), Almeida (2010) e Alves et al. (2010b),
os quais trabalham as famílias expostas aos ris-
cos socioeconômicos e ambientais. Esses cinco
modelos brasileiros trazem diferentes ferramen-
tas de abordagem, e cada uma delas foi aplica-
da considerando fatores ambientais específicos
para cada espaço geográfico estudado.
Nessa perspectiva, busca-se, por meio
deste ensaio teórico, comparar essas cinco me-
todologias, utilizando-se os seguintes critérios
de análise: características do método, campo
geográfico de atuação, dimensões mensuradas,
variáveis trabalhadas, tratamento dos dados
e vínculos com grupos de pesquisa, os quais
foram escolhidos para introduzir uma análise
mais profícua das aplicações e abrangência dos
indicadores utilizados para a realidade socio-
ambiental brasileira.
Em termos metodológicos, o artigo pode
ser classificado como um ensaio teórico for-
mal, para cujo estudo, depois da identificação
dos principais estudos e pesquisas realizados
no Brasil, foi estabelecida a seguinte sequên-
cia metodológica: 1) levantamento de todas
as metodologias brasileiras que estudaram o
fenômeno da vulnerabilidade socioambiental
até o ano de 2010; 2) identificação dos fato-
res estudados em cada metodologia, conside-
rando as dimensões e indicadores; 3) compila-
ção dos indicadores, buscando identificar sua
reincidência nos modelos; 4) comparação das
principais características; e 5) reflexões sobre a
profundidade de abrangência dos modelos pa-
ra o contexto brasileiro. Com isso, foi possível
identificar uma série de variáveis similares e
diferentes utilizadas para situações e contextos
diferenciados e, a partir disso, constatando-se
também que tais variáveis poderiam ser utiliza-
das como marco ordenador para novos estudos
e pesquisas relacionados ao tema vulnerabili-
dade socioambientais de comunidades em es-
paços urbanos.
Além deste conteúdo introdutório, o ar-
tigo apresenta, nos seus demais itens, uma
fundamentação teórica sobre vulnerabilidade;
os resultados, considerando os aspectos rela-
cionados aos conceitos e teorias sobre as me-
todologias da vulnerabilidade socioambiental
estudadas; comparação das metodologias; e as
conclusões geradas por este estudo.
Fundamentação teórica
Vulnerabilidade
O conceito de vulnerabilidade está correlacio-
nado a uma construção teórica, anterior a ela,
definida como exclusão social, que serviu de
referência para a caracterização de situações
sociais-limite, de pobreza ou marginalidade,
e para a consequente formulação de políticas
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014242
públicas voltadas para o enfrentamento destas
questões (Dieese, 2007; Busso, 2005; Lavinas,
2002; Castel, 1997).
Dessa forma, é importante ressaltar a se-
melhança espacial, histórica e conceitual que
envolve a interligação entre esses dois termos.
A exclusão social teve sua origem na França, no
século XX, e se estendeu a outros países euro-
peus para ressaltar situações que iam além do
mercado de trabalho e que representavam rup-
turas de vínculos sociais e perdas da base de
sustentação da reprodução da vida: a casa, a
vizinhança e a família (Castel, 1997).
Diante dessa conjuntura e como parte de
um mesmo campo conceitual, há os que rela-
cionam a perda do vínculo social como resul-
tante da perda de solidariedade e aqueles que
a vinculam à negação dos direitos sociais esta-
belecidos. Segundo Kowarick (2003), o interes-
se pelo campo da exclusão na Europa surge em
virtude de uma situação de mudanças tecnoló-
gicas, reestruturação econômica e desmantela-
mento do estado de bem-estar social, em que o
estado de exclusão caracterizaria um conjunto
de situações marcadas pela falta de acesso aos
meios de vida e que afetaria a plena integração
social até então existente.
Segundo Castel (1997), para se chegar
numa situação de exclusão social, é necessário
passar por três estágios distintos: uma etapa
inicial de integração social, em que se teria
uma situação de estabilidade econômica e
social; um momento crítico de vulnerabilidade
caracterizada pela precariedade do trabalho e
a fragilidade dos apoios proporcionados pelas
relações familiares e sociais; e, finalmente, a
chegada ao estágio final – o de exclusão so-
cial. Nessa visão, a vulnerabilidade identifica-
ria a fragilidade do vínculo social antes de sua
ruptura. Afirma ainda que não somente a falta
de recursos materiais define os grupos como
vulneráveis, mas também a instabilidade de
suas relações sociais, que os fragiliza.
Kaztman (1999; 2000) analisa a vulne-
rabilidade a partir da existência, ou não, por
parte dos indivíduos ou das famílias, de ativos
disponíveis e capazes de enfrentar determina-
das situações de risco. Ele trabalha o conceito
de capital para os grupos vulneráveis, que pode
capacitá-los a aproveitar as oportunidades
disponíveis em distintos âmbitos socioeconô-
micos, e que influencia o estado de respostas
diante das situações de risco.
Observa-se que os estudos de Kaztman
não consideram as estruturas de oportuni-
dades como um fator constante, ao contrá-
rio, essas estruturas variam de acordo com
a área geo gráfica e com os fatores tempo-
rais históricos. Ele incorpora na sua ideia de
ativos /vulnerabilidade /estrutura de opor-
tunidades o conceito de mobilidade social,
como fator determinante das situações de
ascensão e declínio da condição de vulne-
rabilidade. Segundo o Dieese (2007), essa
noção de vulnerabilidade social, que conside-
ra a relação ativos/vulnerabilidade/estrutura
de oportunidades, tem sido adotada para a
construção de indicadores sociais mais am-
plos, não se restringindo à delimitação de
uma determinada linha de pobreza.
Blaikie et al. (1994) afirma que a vulne-
rabilidade está diretamente associada à ca-
pacidade de um grupo ou família para resistir
a efeitos nocivos e perigo e de se recuperar
facilmente. Assim, a vulnerabilidade envolve
uma combinação de fatores que determina o
grau em que a vida de alguém ou de um grupo
é colocada em risco por um evento discreto e
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 243
identificável (ou uma série de tais eventos), na
natureza e na sociedade.
Segundo Hewitt (1997) e Lavell (2000),
as ameaças naturais, a destruição e sua distri-
buição social e territorial podem tornar o even-
to físico como um ponto de referência, mas, no
final, a perda é determinada pelas diferenças
de níveis de exposição e vulnerabilidade da
população, infraestrutura e produção. Devido a
essa enorme variedade entre diferentes espa-
ços e unidades sociais, será consequentemente
diferenciada a capacidade dos indivíduos em se
recuperar, porque, mesmo dentro de um único
nível de unidade espacial ou social, serão en-
contrados diferentes níveis de danos que refle-
tem essa estruturação heterogênea da vulnera-
bilidade social.
D´Ercole (1994) e Blaikie et al. (1994)
estabelecem uma relação de causa e efeito
gerada entre a natureza e a sociedade, reco-
nhecendo que os fatores de risco estão asso-
ciados a um certo grau de exposição a uma
situação crítica, natural ou social, que gera
vulnerabilidade em determinados grupos; es-
sas contextualizações incorporam ao fenômeno
da vulnerabilidade uma perspectiva temporal
de futuro, quando estabelecem que os grupos
mais vulneráveis são também aqueles que pos-
suem mais dificuldades para reconstruir suas
vidas após algum desastre; consequentemente,
esses mesmos grupos se tornarão mais vulne-
ráveis aos efeitos de desastres futuros.
Kaztman (1999) concorda com esses
dois autores quando considera que uma má
resposta a um evento potencialmente danoso
está relacionada ao gradiente de vulnerabili-
dades sociais e econômicas dos indivíduos ou
grupos diante do evento, e que suas condições
precárias de habitação, inadequados ativos de
recursos humanos no seio das famílias, alimen-
tação insuficiente e de má qualidade, alta per-
meabilidade aos serviços sociais, controle de-
ficiente aos cuidados de saúde, falta de redes
de reciprocidades e contatos, são alguns dos
fatores que determinam o grau dessa vulnera-
bilidade. Segundo Cardona (1996), no contexto
urbano, as zonas de riscos coincidem com áreas
que apresentam condições de marginalidade
ou subnormalidade, e seus habitantes têm ní-
veis de renda que impossibilitam seu acesso a
instituições de crédito para habitação, quando
esse benefício de crédito existe.
Essas teorias abordadas mantêm uma
conexão entre o ambiental e o social, as quais
exercem intrínseca influência no meio urbano
sobre uma comunidade, grupo social ou fa-
mílias e, assim, essa conexão socioambiental
influencia o modo de resposta diante de situa-
ções que geram vulnerabilidade.
D’Ercole (1994) afirma que a análise da
vulnerabilidade na cidade não pode deixar de
contar com uma abordagem sistêmica que in-
clua: fatores socioeconômicos (êxodo rural e
especulação imobiliária), fatores psicossocio-
lógicos (memória de risco, percepção e cultura
de risco), fatores ligados à cultura e à história
das sociedades expostas (autoconstrução, lan-
çamento de dejetos), fatores técnicos (preven-
ção), fatores funcionais (gestão de crise) e fato-
res institucionais (gestão de risco).
Na cidade, alguns desses fatores são
elementos inerentes ao crescimento urbano,
e fortemente integrados à dinâmica urbana,
principalmente em países em desenvolvimento,
onde há ausência de controle, má qualidade da
infraestrutura, falta de planejamento e legisla-
ção urbana ineficiente, permitindo a expansão
urbana para áreas de preservação e/ou de risco.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014244
Vulnerabilidade socioambiental
Segundo Deschamps (2004), Alves et al. (2008)
e Almeida (2010), o quadro teórico, no qual se
insere a vulnerabilidade socioambiental urba-
na, contempla a sobreposição (coexistência es-
pacial) dos processos de expansão urbana en-
volvendo tanto a dispersão espacial de grupos
de risco social, degradação ambiental e falta de
serviços de infraestrutura urbana. Dessa forma,
não se pode tratar da vulnerabilidade socioam-
biental sem considerar a expansão urbana pa-
ra áreas periféricas, relacionada à procura por
habitação em áreas com baixo valor da terra e
sem infraestrutura. Essa dinâmica da expansão
urbana, para regiões periféricas e periurbanas,
estabelece uma condição de ocupação dos
pobres e miseráveis de residir em áreas com
más condições urbanísticas e de infraestrutu-
ra – sem abastecimento de água tratada, sem
saneamento, sem coleta de lixo, etc. –, tais co-
mo: terrenos com alta declividade ou próximos
a cursos d’água e de lixões, geralmente áreas
públicas e/ou de preservação. Os índices de
pobreza quantificam o grau da exclusão que
fatores socioeconômicos impõem em um deter-
minado lugar a alguns grupos.
O nível de vulnerabilidade em que as fa-
mílias estão expostas aos riscos está vincula-
do à capacidade de respostas e ajustes dian-
te das condições adversas ao meio, seja pela
capacidade de mobilizar ativos para enfrentar
as adversidades, por pouco capital humano ou
pouco acesso à informação, ou seja, pelas pou-
cas habilidades sociais básicas, com falta de re-
lações pessoais e com pouca capacidade para
manejar recursos (Deschamps, 2006).
A vulnerabilidade deve considerar algu-
mas dimensões que subsidie as análises dos
riscos e ameaças dentro do seu sistema. Segun-
do Fournier (1985), a diferença fundamental
entre o risco e a ameaça é que a ameaça está
relacionada com a probabilidade de que se ma-
nifeste um evento natural ou um evento pro-
vocado, enquanto o risco está relacionado com
a probabilidade de que se manifestem certas
consequências, que estão estreitamente rela-
cionadas, não só com a extensão da vulnera-
bilidade da exposição dos elementos sujeitos,
mas ainda com a certeza que esses sujeitos
têm de ser afetados pelo acontecimento. Nesse
contexto, a vulnerabilidade pode ser entendida
como a predisposição intrínseca de um sujeito
ou elemento a sofrer danos, devido à possibi-
lidade de ações externas e, portanto, sua ava-
liação contribui fundamentalmente para o co-
nhecimento do risco por meio de interações do
elemento suscetível com o ambiente perigoso
(Cardona, 1996).
Cutter (2003) afirma que está embu-
tido em toda a discussão sobre a ciência da
vulnerabilidade socioambiental o requisito
de antecipar surpresa, capturar a incerteza e
adaptar-se às mudanças, salientando que se
precisa investir ainda muito no conhecimento
sobre essa ciência, havendo a necessidade de
conectá-la a um campo teórico mais amplo e
a uma arena de ação política comprometida
com a justiça social e ambiental. Ela ainda
promove a necessidade de uma confluência
dos conhecimentos sobre as dinâmicas so-
ciais e naturais, condição imprescindível para
um diagnóstico e um prognóstico. Assim, a
ciência da vulnerabilidade evoca uma visão
multidimensional associada a seus fenôme-
nos geradores nos processos de distribuição,
gestão e experiências dos riscos, ameaças e
vulnerabilidades.
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 245
Diante do que se expôs sobre as peculia-
ridades geográficas, temporais, socioeconô-
micas e dos fenômenos a serem estudados,
pesquisadores brasileiros como Alves (2008),
Deschamps (2004; 2006), Almeida (2010) e
Silveira (2010) trabalham com as seguintes
dimensões em relação à vulnerabilidade das
famílias expostas aos riscos num contexto de
expansão urbana: econômicos, sociais e am-
bientais. Os autores ainda descrevem caracte-
rísticas demográficas, que devem ser conside-
radas na unidade doméstica e que tendem a
acentuar a vulnerabilidade: estrutura familiar,
ciclo de vida e aspectos demográficos. Nesse
contexto social, as indagações partem da ne-
cessidade de resposta sobre quais os elemen-
tos que mais contribuem para a vulnerabilida-
de social e se esses elementos afetam de for-
ma homogênea os diferentes grupos sociais.
No contexto ambiental, os principais aspectos
considerados por esses autores são os relacio-
nados à infraestrutura urbana, considerando
os danos que sua falta pode trazer em termos
de saúde e de qualidade de vida.
Os estudos que abarcam a vulnerabilida-
de buscam contribuir para avaliação das dife-
renças socioambientais urbanas, porque abran-
gem todo o sistema atingido pelo adensamento
populacional. Dessa forma, conhecer os mode-
los utilizados, suas ferramentas e seu conjunto
de indicadores, pode apontar a estreita relação
entre a segregação social urbana, o sistema de
infraestrutura urbana e o processo de adensa-
mento. Esse conhecimento servirá para vislum-
brar soluções específicas em cada localidade,
porque as cidades apresentam problemas espe-
cíficos diante do fenômeno de transbordamento
urbano. Sendo assim, se faz necessário conhe-
cer os procedimentos adotados em cada um dos
modelos brasileiros, para conhecer o quadro da
sistemática de avaliação da vulnerabilidade so-
cioambiental para a realidade brasileira.
Apresentação e análise dos resultados
Apresentação das metodologias estudadas
Nos meios científicos brasileiros, o estudo da
vulnerabilidade socioambiental é tratado em
âmbito local, identificando grupos populacio-
nais submetidos a um alto grau de risco em
relação a desastres específicos de países em
desenvolvimento. Nos últimos dez anos, as
pesquisas avançaram, e foram criadas e aper-
feiçoadas metodologias com o duplo objetivo
de entender como o processo de adensamento
populacional e expansão urbana influenciava e
influencia a situação de risco de forma desigual
a grupos populacionais específicos. Dentre elas,
cinco se destacam por sua qualidade metodo-
lógica, pelo impacto gerado e pelo campo de
pesquisa aberto nos meios científicos.
Dentre os modelos analisados todos
partem do método dedutivo, que faz uso do
raciocínio, a partir de fatos e indícios, para ob-
ter uma conclusão a respeito de determinadas
premissas. No caso da vulnerabilidade socio-
ambiental, os níveis de risco e vulnerabilida-
de são estudados tomando por base a identi-
ficação de relações estatísticas significativas
dentre um conjunto de potenciais indicadores,
estabelecendo relações com uma proposição
geral para, a partir de raciocínio lógico, chegar
à verdade daquilo que se propõe.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014246
Todos os modelos usam um mesmo pro-
cedimento metodológico, baseado em dados
do IBGE e da sobreposição cartográfica dos ris-
cos ambientais com os riscos sociais distribuí-
dos no espaço urbano estudado, utilizando a
análise multivariada, correlação de indicadores
(matriz de correlação de Pearson) – Método de
agrupamento não hierárquico das k-médias ou
método do núcleo de Kernel.
Modelo de Alves
A pesquisa de Alves et al. (2010a) foi resulta-
do de um projeto desenvolvido em parceria
com o Centro de Estudos da Metrópole (CEM –
Cebrap) e a Coordenadoria de Observação da
Terra do Instituto Nacional de Pesquisa Espa-
ciais (OBT-Inpe). O objetivo do trabalho é fazer
uma análise, em escala intraurbana, das inter-
relações entre processos de expansão urbana
e situações de vulnerabilidade socioambiental
do distrito de Cidade Tiradentes e seu entorno,
no extremo leste do município de São Paulo.
Desenvolvida no período de 2000 a 2006,
considerando as dimensões sociais e ambien-
tais das dinâmicas de urbanização que estão
ocorrendo na região hiperperiférica metropoli-
tana de São Paulo, o foco da pesquisa recai nos
processos de expansão urbana e nas situações
de vulnerabilidade socioambiental, tendo como
pressuposto que a presença de populações de
baixa renda em áreas sem infraestrutura, ser-
viços urbanos e com risco de degradação am-
biental podem gerar novas situações de vulne-
rabilidade socioambiental.
A metodologia utilizada para o desenvol-
vimento da pesquisa partiu do levantamento
cartográfico das áreas de risco socioeconômico
da população, considerando estudos anterio-
res baseados no Censo Demográfico do IBGE
2000, que já haviam determinado as áreas de
alta vulnerabilidade social (para fins deste es-
tudo as áreas de baixa vulnerabilidade social
foram descartadas). Em seguida, foi feito um
cruzamento dessa população com as áreas
de alta e baixa vulnerabilidade ambiental,
considerando nesta dimensão o tipo de uso
do solo urbano como: assentamentos precá-
rios ou não, favelas, conjuntos habitacionais,
residencial consolidado, áreas urbanizadas e
loteamentos irregulares. Em seguida, fez-se
o cruzamento dos dados através de análise
quantitativa – em termos de área e percenta-
gem de área – da inserção da população de
alta vulnerabilidade social nas áreas de baixa
e alta vulnerabilidade ambiental.
Os resultados são apresentados num
quadro que mostra uma classificação tipoló-
gica de uso do solo urbano em três tipos: as-
sentamentos não precários – constituído de
conjunto habitacional e residencial consolida-
do; assentamentos precários – constituído de
favelas e loteamentos irregulares; e áreas ur-
banizadas – constituídas de indústrias, comér-
cios e instituições. Essas áreas são classificadas
percentualmente e em número de quilômetros
quadrados, em dois tipos de vulnerabilidade
socioambiental: baixa e alta.
O diagnóstico é feito pela comparação
evolutiva da mesma área em períodos diferen-
tes, baseado nas percentagens do crescimen-
to de assentamentos não precários, precários
e da área urbanizada, confrontados com as
áreas de baixa e alta vulnerabilidade ambien-
tal, sendo considerada a mais crítica aquela
que apresenta um crescimento de assentamen-
tos precários em áreas de alta vulnerabilidade
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 247
ambiental. Os resultados são visualizados em
mapas cartográficos.
Metodologia de Alves
A pesquisa de Alves et al. (2010b) foi desen-
volvida, no contexto urbano do Litoral Paulis-
ta, formada de 16 municípios, para identificar
áreas com alta vulnerabilidade às mudanças
climáticas, permitindo assim a construção de
indicadores em escala desagregada, que repre-
sentem as dimensões da vulnerabilidade – sus-
ceptibilidade e exposição ao risco ambiental –
com a integração de dados socioeconômicos,
demográficos e ambientais. A pesquisa parte
da hipótese de que os problemas recorrentes ,
associados a eventos extremos causados pe-
la mudança climática, estão relacionados a
ocupa ções irregulares em encostas ou nas
margens dos corpos de água, falta de abasteci-
mento de água potável para toda a população
e falta de saneamento básico.
A pesquisa explora a relação entre popu-
lação e meio ambiente, buscando a identifica-
ção e caracterização das áreas de maior risco e
dos grupos populacionais mais vulneráveis às
mudanças climáticas nas áreas urbanas, utili-
zando conjuntos específicos de variáveis socio-
econômicas e ambientais.
O procedimento estatístico adotado co-
mo técnica de análise foi baseado na estima-
tiva da densidade de Kernel, que é um método
não paramétrico para estimação de curvas de
densidades, em que cada observação é ponde-
rada pela distância em relação a um valor cen-
tral, o núcleo. A ideia é centrar cada observação
“x” onde se queira estimar a densidade, uma
janela “b” que define a vizinhança de “x” e os
pontos que pertencem à estimação, ou seja, é
uma técnica de análise espacial que se baseia
na criação de superfícies de densidade.
Essa estimativa é apropriada para posi-
ções de dados individuais; entretanto, pode-se
adotar esta técnica se o interesse é mostrar re-
giões menos fragmentadas de um determinado
evento ou conjunto de eventos (Alves, 2010b).
O método pode ser descrito da seguinte
forma: se “s” representa uma localização qual-
quer numa região “R” e “s1”, ..., “sn" são as
localizações dos “n” eventos observados, en-
tão a intensidade λ(s), é estimada por:
em que “k” é uma função de densidade biva-
riada escolhida, conhecida como Kernel, e T o
raio de influência. Para isso, foi considerada ca-
da unidade de setor censitário como unidade
de análise, na qual foi estimada a densidade
de eventos segundo o centróide de cada setor
censitário. Assim, a distribuição de eventos foi
transformada em uma superfície contínua de
vulnerabilidade socioambiental no litoral pau-
lista, onde as áreas mais vulneráveis são indi-
cadas pelas zonas de cores mais escuras nos
mapas cartográficos.
Metodologia de Almeida
O estudo desenvolvido por Almeida (2010) tra-
ta de pesquisa que explora as vulnerabilidades
socioambientais de rios urbanos na Região Me-
tropolitana de Fortaleza/CE. Esse estudo parte
da hipótese de que há uma coincidência entre
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014248
espaços susceptíveis a processos naturais pe-
rigosos, neste caso inundações, com espaços
da cidade que apresentam os piores indicado-
res sociais, econômicos e de acesso a serviços
e infraestrutura urbana. Teve como objetivo
analisar os riscos e as vulnerabilidades socio-
ambientais de rios urbanos no Brasil, tendo a
bacia hidrográfica do Rio Maranguapinho, lo-
calizada na Região Metropolitana de Fortale-
za – RMF, Ceará, como área de estudo de caso
para compreensão das interrelações das vulne-
rabilidades sociais e exposição aos riscos natu-
rais, principalmente as inundações.
Essa pesquisa foi desenvolvida em 2010
e chegou-se um índice de vulnerabilidade so-
cioambiental através da sobreposição de dois
índices: de vulnerabilidade social e de vulne-
rabilidade físico-espacial às inundações. Des-
sa forma, foram utilizados dados secundários
do IBGE do Censo Demográfico de 2000, de
acordo com variáveis que caracterizam am-
plas dimensões e desvantagens sociais e que
correspondem a fatores recorrentes utilizados
pelas ciências sociais.
A pesquisa trabalha com dois tratamen-
tos diferenciados de acordo com a dimensão
pesquisada: social e ambiental. No tratamento
fornecido à dimensão social, foi realizada uma
compilação através da junção de duas ou mais
variáveis do Censo 2000, resultando, de 59 in-
dicadores, apenas 21.
Para análise estatística dos dados, ini-
cialmente realizou-se análise fatorial das variá-
veis. O procedimento é uma técnica estatística
multivariada que, de acordo com a estrutura
de dependência existente entre as variáveis de
interesse (matriz de correlações ou covariân-
cias entre as variáveis), permite a redução
da quantidade de variáveis para fatores que
explicam um percentual representativo da va-
riabilidade total das variáveis em estudo. Nes-
ta pesquisa, os resultados da análise fatorial
basearam-se na matriz de correlação entre as
respostas dos itens.
Após a determinação das cargas fato-
riais de cada indicador, foi estimado para ca-
da setor censitário o valor correspondente de
cada fator, sendo possível verificar a situação
desses setores em relação à vulnerabilidade
associada aos quatro fatores descritos a se-
guir: a) fator 1 – está relacionado à vulnera-
bilidade decorrente da educação; b) fator 2 –
está relacionado à vulnerabilidade decorrente
das condições de infraestrutura e habitação;
c) fator 3 – relacionado à vulnerabilidade em
virtude do contingente populacionalde idosos
(maiores de 64 anos); e d) fator 4 – relaciona-
do à vulnerabilidade decorrente do contingen-
te populacional de jovens (faixa etária de 10 a
19 anos).
Foi possível, ao final, dividir esses seto-
res censitários de acordo com a média dos fa-
tores sendo esses assim classificados: 1) vulne-
rabilidade social muito alta; 2) vulnerabilidade
social alta; 3) vulnerabilidade social média a
alta; 4 ) vulnerabilidade social média a baixa;
5) vulnerabilidade social baixa; e 6) vulnerabi-
lidade social muito baixa. O intervalo para esse
estudo, das médias dos fatores, ficou compre-
endido entre – 1,01 a 4,94, sendo os valores
maiores os que representam os setores com
maior vulnerabilidade.
Os dados encontrados para a vulnera-
bilidade social foram sobrepostos com os en-
contrados para a vulnerabilidade ambiental,
resultando através do cruzamento dos grupos,
tendo como resultado final seis níveis de vul-
nerabilidade socioambiental: muito alta; alta;
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 249
média a alta; média a baixa; baixa e muito
baixa; que podem ser representadas através de
uma matriz.
Os resultados são apresentados através
de mapas com a justaposição dos índices de
vulnerabilidade social e o de vulnerabilidade
ambiental, indicando com as cores para cada
nível o grau da vulnerabilidade socioambiental
ao longo do espaço urbano estudado, mostran-
do ser uma metodologia de fácil visualização
dos resultados, apesar dos longos cálculos para
se chegar aos índices.
Metodologia de Hogan
O estudo de Hogan (2007) foi desenvolvido no
contexto urbano de Campinas-SP, sob o título
A vulnerabilidade social no contexto metro-
politano: o caso de Campinas. A intenção era
aprofundar estudos e pesquisas para proble-
mas urbanos que envolvessem as relações da
população com o ambiente, e na busca do en-
tendimento dos condicionantes – além da po-
breza, da diferenciação das pessoas ou famí-
lias –, estudar a inabilidade de resposta diante
dos riscos.
Nesse trabalho, o autor parte da hipótese
de que há uma coincidência entre espaço sus-
cetível a processos naturais perigosos e os es-
paços da cidade que apresentam os piores in-
dicadores sociais, econômicos e de acesso aos
serviços e infraestrutura urbana, trabalhando
numa linha moderada para analisar as relações
da dinâmica demográfica, em toda sua comple-
xidade, com a mudança ambiental, consideran-
do importante romper os limites impostos pela
questão da população e restringir ou não o pro-
gresso, pois outros aspectos mais importantes
devem ser considerados nessa dinâmica, bus-
cando uma multidisciplinaridade que envolve
o tema da população e meio ambiente.
O trabalho parte de uma tentativa de
sistematizar algumas conclusões a respeito do
sentido e da importância do conceito de vulne-
rabilidade para os estudos urbanos, para, em
seguida, buscar sua aplicação empírica a partir
do uso de dados secundários, no caso, o censo
demográfico de 2000, apresentando como re-
sultado uma divisão da cidade em “zonas de
vulnerabilidade”, cuja importância reside na
possibilidade de identificar, no âmbito intraur-
bano, carências ou vantagens diferenciadas
que, mais além das disponibilidades materiais,
possam dar maior poder de resposta ao con-
junto de dificuldades que a cidade desigual im-
põe a seus habitantes.
Para desenvolvimento de seu estudo,
Hogan vai abordar os conceitos desenvolvidos
por Katzman (1999): capital físico – envolven-
do todos os meios essenciais para a busca de
bem-estar; capital social – inclui as redes de
reciprocidade, confiança, contatos e acesso à
informação; e capital humano – que inclui o
trabalho como ativo principal e o valor a ele
agregado pelos investimentos em saúde e
educação, os quais implicam maior ou menor
capacidade física para o trabalho. Dessa forma
ele classifica seus indicadores de acordo com
essa nomenclatura.
Para cada uma dessas três dimensões de
indicadores, foram realizadas análises fatoriais,
a partir das quais foram obtidos cinco fatores:
dois para o capital físico, um para o capital hu-
mano e dois para o capital social. Através da
interpretação dada aos fatores identificados,
resultante de análise fatorial, é que se pode-
rá analisar e interpretar os resultados obtidos,
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014250
particularmente os que se referem aos escores
fatoriais assumidos por cada uma das áreas de
ponderação, chegando ao seguinte resultado:
quanto maior o valor de seu escore, ou seja,
quanto mais próximo de 1, piores serão as con-
dições relativas ao fator do indicador, na “área
de ponderação”.
Essa metodologia apresenta seus resulta-
dos através de mapas cartográficos sobreposi-
cionando as áreas de vulnerabilidade social às
de riscos ambientais, considerando os fatores
quantificados pela metodologia.
Metodologia de Deschamps
Deschamps (2004, 2006) trabalhou inicialmen-
te em sua tese com a vulnerabilidade socio-
ambiental na cidade de Curitiba em 2004. No
entanto, seu trabalho mais significativo nessa
área corresponde a um estudo desenvolvi-
do pelo Grupo de Pesquisa Observatório das
Metrópoles, que comparava a vulnerabilida-
de socioambiental nas metrópoles brasileiras:
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Por-
to Alegre, Brasília, Curitiba, Recife, Fortaleza,
Campinas, Manaus, Vitória, Goiânia, Belém,
Florianópolis, Natal e Maringá. Desenvolvi-
do entre 2004 e 2009, esse estudo integrou o
Projeto Território, Coesão Social e Governança
Democrática, financiado pelo CNPq – Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico, sob a coordenação do professor Dr.
Luiz César de Queiroz Ribeiro.
Essa pesquisa está inserida no campo
teórico do meio ambiente e desenvolvimento,
e apresenta os procedimentos para a constru-
ção de tipologias de áreas intraurbanas nas
Regiões Metropolitanas brasileiras, avançando
na determinação de espaços marcados, por
abrigar grupos populacionais socialmente vul-
neráveis e expostos a situações de risco.
Nesse trabalho, a autora parte da hipó-
tese de que a intensa mobilidade intraurbana
faz com que os deslocamentos populacionais,
principalmente de grupos populacionais de
baixa renda, atinjam áreas sujeitas a riscos
ambientais. Assim, parte de uma abordagem
que enfatiza a dimensão social dos problemas
ambientais e considera as famílias ou pessoas
morando numa mesma área como unidade de
referência para o desenvolvimento do estudo.
Para o desenvolvimento desse trabalho
foram utilizados somente dados secundários
disponibilizados pelo IBGE no Censo Demo-
gráfico de 2000, com informações das unida-
des geográficas formadas por agrupamento
mutuamente exclusivo de setores censitários,
obedecendo aos seguintes critérios: 1) tama-
nho, em termos de domicílios e população; 2)
contiguidade, garantindo o sentido geográfico;
e 3) homogeneidade, em relação a um conjun-
to de características populacionais e de infraes-
trutura conhecida.
A metodologia trabalha com três di-
mensões: econômica, social e ambiental,
abordadas na perspectiva de que o risco é um
aspecto negativo e causador de danos a de-
terminados segmentos sociais. Ela mensura a
dimensão ambiental através da inadequação
dos indicadores urbanos, considerando a au-
sência combinada dos três serviços básicos –
esgotamento sanitário por rede geral ou fossa
séptica, água canalizada em pelo menos um
cômodo e coleta de lixo. Ela justifica a esco-
lha desses indicadores, salientando que eles
são fatores que afetam a qualidade de vida
numa perspectiva saudável, sabendo que a
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 251
ausência de condições adequadas de sanea-
mento tem importante rebatimento na proli-
feração de doenças.
A tipologia e o agrupamento das áreas
das Regiões Metropolitanas foram obtidos
por dois métodos estatísticos multivariados:
análise fatorial por componentes principais e
análise de agrupamento. A análise fatorial por
agrupamentos avalia as intercorrelações entre
variáveis, com o objetivo de identificar um me-
nor número de fatores que apresentem aproxi-
madamente o mesmo total de informações ex-
presso pelas variáveis originais. Na análise por
componentes principais, calculam-se os auto-
valores e a matriz de correlação entre variáveis
originais e os fatores comuns.
Como resultado, a metodologia apre-
senta um quadro da vulnerabilidade socioam-
biental por meio da leitura cruzada da vulnera-
bilidade social e risco ambiental, mostrando o
resultado em quatro quadrantes, classificados
em: 1) combinação de baixa vulnerabilidade
social com baixo risco ambiental; 2) combina-
ção de baixa vulnerabilidade social com alto
risco ambiental; 3) combinação de alta vulnera-
bilidade social com baixo risco ambiental; e 4)
combinação de alta vulnerabilidade social com
alto risco ambiental.
Os modelos apresentados neste estudo
apontam pontos semelhantes e diferentes nas
abordagens que são significativos e determi-
nísticos para a construção de um quadro de
avaliação da vulnerabilidade socioambien-
tal nos espaços urbanos. Dessa forma, cabe
especificar, entender o campo teórico e os
fenômenos estudados, para comparar os fun-
damentos necessários para uma adaptação à
realidade das diversidades urbanas específicas
do caso brasileiro.
Comparativo das metodologias de vulnerabilidade socioambiental
Devido à conjuntura política e socioeconômica
praticante na maioria nos países latino-ame-
ricanos, os estudos que envolvem a vulnera-
bilidade socioambiental têm considerado os
aspectos socioeconômicos como mais impor-
tantes que os ambientais. Dessa forma, Blaikie
et al. (1996) afirmam que as questões de raça,
sexo, idade, educação, renda e situação de tra-
balho são determinísticas para a condição de
vulnerabilidade, porque incidem diretamente
no poder de resiliência da população.
Os aspectos ambientais, nesse contexto
geográfico latino-americano, são refletidos na
perspectiva do adensamento populacional e
da dinâmica urbana das grandes cidades, que,
devido à interferência dos processos de urba-
nização, direcionam essa camada pobre para
as áreas periféricas ou de proteção ambiental,
como rios e encostas. Não se pode, entretanto,
descartar alguns fenômenos naturais específi-
cos de alguns países latino-americanos como
terremotos, nevascas, vulcões, furacões, dentre
outros, que de modo esporádico e cíclico oca-
sionam danos.
Segundo Abramovay (2002), os estudos
ancorados na vulnerabilidade na América La-
tina foram motivados pela preocupação em
abordar de forma mais integral e completa
não só os fenômenos da pobreza, mas ainda,
as diversas modalidades de desvantagem so-
cial. Tais estudos buscaram observar os riscos
de mobilidade social que afetam a todos, in-
dependentemente de sua classe social, abar-
cando a vulnerabilidade na dinâmica do bem-
-estar social atrelada às dimensões associada
a esse processo.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014252
No Brasil a vulnerabilidade é tratada
utilizando uma sobreposição de riscos tanto
ambientais quanto sociais, considerando que
os riscos sociais se relacionam com aspectos
ligados, dentre outros, a dinâmica social, se-
gregação urbana, injustiças ambientais – os
vulneráveis como vítimas de uma proteção
desigual –, enquanto os ambientais são rela-
cionados às ameaças naturais ocorrentes em
áreas específicas.
Nessa perspectiva teórica, os modelos
brasileiros que estudaram a vulnerabilidade so-
cioambiental mostraram uma evolução em sua
sistematização e ferramentas ao longo do tem-
po. Observa-se que os pioneiros como Hogan e
Deschamps abriram caminhos para esse tipo de
estudo, trabalhando suas metodologias com
enfoque teórico próprio, se mostrando precur-
sores da abordagem.
Consciente da importância desses estu-
dos para o desenvolvimento e aprimoramento
das pesquisas que envolvem a vulnerabilidade
socioambiental, serão analisados cinco mode-
los, comparando os aspectos metodológicos
e seus campos teóricos, buscando uma apro-
ximação entre os mesmos. Considerando seis
aspectos para análise: 1) quanto à característi-
ca do método; 2) quanto ao campo geográfico
de atuação; 3) quanto ao foco das dimensões
mensuradas; 4) quanto às variáveis trabalha-
das; 5) quanto ao tratamento dos dados; 6)
quanto ao vínculo com grupos de pesquisas.
Características do método
Os cinco modelos analisados adotam abor-
dagem dedutiva, em que são testadas as
premissas construídas a partir de pressupostos
derivados de um marco teórico consistente,
testando-os, coletando dados apropriados e
explorando as relações entre medidas que ope-
racionalizam tais conceitos.
Dessa forma, os modelos partem em sua
totalidade, do pressuposto de que o processo
de expansão urbana impulsiona a fixação de
famílias ou grupos populacionais em áreas am-
bientalmente inapropriadas, expondo-as a si-
tuações constantes de vulnerabilidade, porque
esses grupos ficam sem condições socioeconô-
micas de resposta diante das vulnerabilidades
e dos desastres ambientais.
Campo geográfi co de atuação
O campo geográfico dos modelos analisados
por Almeida (2010), Hogan (2007) e Deschamps
(2004) diz respeito a áreas metropolitanas, se
caracterizando como um estudo local focaliza-
do em áreas intraurbanas, buscando a articula-
ção espacial com a economia, a política, a cul-
tura e a dominação socioespacial que o centro
urbano exerce sobre o restante da cidade.
No estudo de Alves (2010a), a análise se
foca no Distrito, reduzindo a área geográfica
estudada para uma região dentro do espaço
urbano – podendo ser chamada de microrre-
gião –, trabalhando sobre o aspecto das tipo-
logias de utilização do solo em áreas urbanas,
tais como: favelas; conjuntos habitacionais
(unifamiliares e multifamiliares) e áreas in-
dustriais/comerciais/institucionais. Analisa,
em escala intraurbana, as interrelações entre
processos de expansão urbana e situações de
vulnerabilidade socioambiental.
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 253
Esse modelo pode ser analisado toman-
do-se como referência as teorias de Lefebvre
(1991), que trata da segregação espacial, pro-
curando, em um esforço analítico e empírico,
uma forma de entender esse fenômeno sob
três prismas, ora sucessivos, ora simultâneos:
espontâneos (provenientes das rendas e ideo-
logias) – voluntário (estabelecendo espaços
separados) – programado (sob pretexto de ar-
rumação e plano). No entanto, percebe-se que,
apesar de a pesquisa estudar os espaços urba-
nos produzidos a partir da égide capitalista, em
que existe uma intencionalidade de ocupação
do solo urbano por diferentes camadas sociais,
não enfatiza os processos sociais, nem econô-
micos que vulnerabilizam a população, como
também não relevam na mobilidade social ur-
bana os motivos que trouxeram essa popula-
ção para esse tipo de ocupação.
Dessa maneira, os aspectos relacionados
por Cardona (1997), Abramovay (2002), Lavi-
nas (2002), relativos à exclusão e vulnerabili-
dade social, não são tratados de forma direta,
e, sim, incorporados às tipologias urbanas exis-
tentes na cidade, servindo apenas como meio
de entender a ocupação urbana sob os aspec-
tos únicos da expansão urbana desassociados
dos processos socioeconômicos que vulnerabi-
lizam a população da cidade de Tiradentes.
Alves (2010b) trabalha com 16 cida-
des da faixa litorânea de São Paulo, buscando
analisar a relação entre a vulnerabilidade am-
biental, causada pelas mudanças climáticas, e
o processo de apropriação do espaço urbano,
pelos grupos populacionais mais vulneráveis
socialmente. As variáveis ambientais conside-
radas nesse estudo partem de uma análise ba-
seada nos efeitos ocasionados à natureza pela
ação antrópica. Comparando esse estudo com
o de Micklin (1999), que inclui a degradação
ambiental urbana, entre os grandes desafios
ambientais para a América Latina, observa-se
uma semelhança nas preocupações, mas uma
distinção de enfoque por considerar como res-
ponsabilidade única da degradação a ação do
homem, que invade áreas de preservação, não
considerando, assim, as responsabilidades po-
líticas e institucionais que levam o homem a
essa invasão.
Considerando as teorias de Liverman
(1990), o estudo de Alves (2010b) concentra
esforços na caracterização da população sujei-
ta a risco de desmoronamentos, e considera a
vulnerabilidade como risco do lugar – concei-
to de Cutter (2003) – e como geograficamente
centrada, mas com efeitos diferentes de acordo
com a capacidade de resposta da população.
Observa-se que todos os modelos, ape-
sar do afunilamento do campo geográfico uti-
lizado por Alves (2010a; 2010b), analisam as
áreas urbanas baseados na apropriação do es-
paço por grupos sociais, no processo de trans-
bordamento urbano, considerando as áreas pe-
riféricas e periurbanas.
Dimensões mensuradas
Os estudos latino-americanos que envolvem
a vulnerabilidade socioambiental, tais como
Barrenechea (2000), Moser (1998), Gonzáles
(1998), Blaikie et al. (1996), D´Ercole (1994)
estabelecem que a vulnerabilidade é uma com-
binação de características de um grupo social
derivada de suas condições sociais e econô-
micas relacionadas a uma periculosidade es-
pecífica. Dessa forma, a vulnerabilidade socio-
ambiental precisa interrelacionar a dimensão
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014254
socioeconômica da população à dimensão
ambiental dos fenômenos naturais, os quais
podem ameaçar determinados grupos sociais.
Dos cinco modelos estudados, três tra-
balham com duas dimensões: socioeconômica
e ambiental. Em Alves (2010b), Almeida (2010)
e Deschamps (2004), as dimensões valorizadas
recaem no risco socioeconômico, que afligem
grupos ou famílias, sendo as variáveis sociais
tratadas, através de indicadores como: de-
mografia, anos de escolaridade, reprodução,
questão etária, de gênero e quantidade de de-
pendentes; sendo as variáveis econômicas tra-
tadas através de indicadores relativos à renda
e situação de emprego, os quais estão muitas
vezes correlacionados com a questão educa-
cional, e, por fim, os indicadores referentes a
vulnerabilidade ambiental, que recaem sobre a
inadequação construtiva, aspectos de proprie-
dade do imóvel e aspectos da infraestrutura
urbana referentes ao abastecimento de água,
esgoto e coleta de lixo.
O modelo de Hogan (2007) não trabalha
com dimensões, e, sim, com o conceito de ca-
pital social, humano e físico desenvolvido por
Kaztman (1999 ). Alves (2010a) trabalha com
a vulnerabilidade partindo das tipologias ur-
banas, considerando os assentamentos precá-
rios – favelas e loteamentos irregulares como
aqueles com maior vulnerabilidade socioam-
biental devido às características da população
que se alojam nesses espaços – assim prioriza
os aspectos urbanísticos tratados nos estudos
de D´Ercole (1994).
Os modelos de Alves (2010b) e Almeida
(2010) se diferenciam dos outros, porque, no
aspecto das dimensões ambientais, vão enfati-
zar as questões que são consequentes dos ris-
cos relativos às mudanças climáticas. Assim, Al-
ves (2010b) trabalha com os riscos de desmo-
ronamento e Almeida (2010), com enchentes,
se aproximando dos estudos de Barrenechea
(2000) e Gonzáles (1999), as quais trataram
desses mesmos aspectos na Argentina.
Apesar das especificidades na aborda-
gem dos cinco modelos estudados observa-se
que a importância dos indicadores da dimen-
são socioeconômica recai no pressuposto de
que, na sociedade moderna, determinadas
características das famílias limitam a acumu-
lação de recursos. Nesse viés, os indicadores
sociais muitas vezes determinam o nível de
qualidade econômica da família, porque criam
condições de concorrência para o mercado
de trabalho. Assim, as famílias chefiadas por
analfabetos, mulheres, idosos ou adolescen-
tes, estariam em maior vulnerabilidade do
que famílias chefiadas por pessoas com nível
educacional mais alto, do gênero masculino
ou numa faixa etária adulta, porque pressu-
põem condições de rendimento e trabalho
melho res, ratificando os estudos produzidos
por Lavell (2005), Abramovay (2002) e Blaikie
et al. (1996).
Outro aspecto a considerar são os fato-
res que indicam a vulnerabilidade sociodemo-
gráfica relacionada à quantidade de filhos,
agregados, presença de idosos, de jovens e
adolescentes. Esse fator mostra que existe
uma forte correlação com as desvantagens
socioeconômicas as quais pressupõem po-
breza, baixos rendimentos, informalização do
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 255
trabalho, não sequência escolar e condições
inadequadas de moradia.
Os processos de exclusão social fragi-
lizam a população de pobres e miseráveis e
influem na capacidade de respostas dos in-
divíduos diante de situação de risco. Nessa
perspectiva, os aspectos sociais da vulnera-
bilidade são de grande importância em um
país onde as injustiças sociais prevalecem
(Abramovay, 2002; Lavinas, 2002; Busso,
2001), onde os direitos de muitos são colo-
cados em segundo plano para favorecer uma
minoria, confirmando a necessidade de con-
siderar a dimensão social da vulnerabilidade
em nosso país. Dessa forma, pode-se quanti-
ficar o nível de utilização da dimensão social
da vulnerabilidade socioambiental no Brasil,
dada pelos modelos estudados, através do
Gráfico 1.
A quantidade em maior número de indi-
cadores sociais e sociodemográficos – 77% – re-
fletem diretamente nos indicadores econômi-
cos, estabelecendo uma relação biunívoca de
causa e efeito, pois as famílias economicamen-
te vulneráveis precisam que jovens contribuam
financeiramente e relevem a educação para um
segundo plano, criando assim um círculo vicio-
so de causa-efeito na propagação da vulnerabi-
lidade das famílias.
Dessa forma, os indicadores econômicos
– 13% – utilizados nas metodologias estão, as-
sim, relacionados com outros aspectos da vul-
nerabilidade relativos ao mercado de trabalho,
ou seja, refletindo a conjuntura econômica do
país, como pessoas sem carteira de trabalho
assinada, condição da desigualdade de gêne-
ro, informalidade do trabalho, renda não pro-
veniente do trabalho e baixos salários.
Gráfi co 1 – Percentual de indicadores por dimensõestrabalhadas nos cinco modelos
Fonte: Elaboração própria (2013).
Indicadores sociais
Indicadores sociodemográfi cos
Indicadores econômicos
Indicadores ambientais
Indicadores da vulnerabilidade socioambiental
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014256
Na dimensão ambiental, a importância
dos indicadores recai nos fenômenos ambien-
tais que foram intensificados com as mudanças
climáticas. No caso do Brasil, alguns fenômenos
não fazem parte desse repertório, até o mo-
mento, como furacões, tornados, terremotos,
vulcões, dentre outros. No entanto, o Brasil é
um país rico em bacias hidrográficas e em topo-
grafia, o que gera grandes riscos de enchentes,
deslizamentos, desmoronamentos e vendavais.
Diante dessa realidade, duas metodo-
logias abarcaram esses aspectos, buscando
aprofundar o nível que as vizinhanças próxi-
mas a esses locais sofrem com esses riscos.
Alves (2010b) vai trabalhar com os riscos de
deslizamentos, buscando os indicadores de
altimetria e declividade, e Almeida (2010) vai
trabalhar com os riscos de enchentes, através
do tempo de retorno das cheias dos rios.
A metodologia de Alves (2010a) buscou,
nas tipologias urbanas, o viés da vulnerabili-
dade socioambiental, quando associou essas
tipologias – assentamentos precários, não
precários e áreas urbanizadas – aos aspectos
econômicos e de qualidade de vida das famí-
lias moradoras do lugar, fazendo a análise e
considerando apenas os mapas cartográficos.
Em nenhum dos modelos explorados
são utilizadas variáveis que contemplem, em
um único modelo, indicadores mais comple-
tos relativos à dimensão ambiental, mesmo
sabendo-se das condições geográficas brasilei-
ras ricas em relevo e rios. Esses modelos con-
trariam as teorias de Torres e Marques (2001)
que consideram que a vulnerabilidade só pode
ser vista em sua plenitude quando superpon-
do, em termos espaciais, os indicadores socio-
econômicos, com os riscos ambientais e servi-
ços assistenciais, os quais podem nos fornecer
parâmetros para apontar certa deficiência nas
abordagens feitas nos cinco modelos, por não
considerarem em seu conjunto de indicadores
esses aspectos citados, além de outros, que in-
fluenciam o processo de vulnerabilidade.
Considerando o conjunto de indicadores
que compõem a dimensão ambiental, pode-
-se comprovar que houve uma deficiência nas
abordagens, pois apenas 10% dos indicadores
se encontravam nessa dimensão (ver Tabela
1), destacando que esses indicadores só foram
encontrados em duas metodologias das cinco
estudadas, as quais buscavam objetivos dife-
rentes nas pesquisas. Os vendavais não foram
considerados em nenhuma pesquisa, apesar
da maioria das pesquisas serem desenvolvidas
nas regiões Sul e Sudeste, onde a incidência de
vendavais precisa ser considerada, pois fazem
parte do repertório de risco.
Autores como Vignoli (2000), Camara-
no e Gahouri (1999) e Moser (1998) discutem
a possibilidade de uma ciência multidisciplinar
da vulnerabilidade, que possa abarcar diferen-
tes formas de risco a que a sociedade está ex-
posta, cujas conexões entre elas formam uma
malha de causa e efeito, uma sobre a outra,
defendendo que não se pode mais analisar a
vulnerabilidade sobre uma dimensão somen-
te. Diante dessa afirmação, nota-se a fragili-
dade das cinco metodologias aqui expostas,
que não consideram os aspectos ambientais
como determinísticos no processo de vulnera-
bilidade. Esse estudo reconhece que, no país
com tantas desigualdades sociais, os aspectos
socioeconômicos são preponderantes, mas
que os aspectos ambientais também exercem
grande influência para tal processo, pois ser-
vem como um gatilho agravador da vulnerabi-
lidade socioambiental.
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 257
As características dos indicadores feitas
pelos autores seguiram os seguintes pressu-
postos: a) utilizam variáveis mensuráveis; b)
são significativos para o enfoque do estudo;
c) são relevantes para as decisões que orien-
tam as políticas públicas; d) são de fácil co-
municação e interpretação; e) permitem um
enfoque integrado e sistêmico; f) são de fácil
obtenção. Além desses critérios, observa-se,
ainda, que a diversidade dos aspectos que en-
volvem a vulnerabilidade leva à necessidade
de abordagens das dimensões e indicadores de
forma abrangente e integrada.
Variáveis trabalhadas
Quatro modelos trabalham com dois tipos de
variáveis. Uma independente, que se refere ao
processo de expansão urbana que impulsiona
a população a se fixar em áreas impróprias a
moradia; e outras dependentes relativas às
questões socioeconômicas e ambientais rela-
cionadas com as famílias ou grupos sociais que
estão condicionadas à variável independente.
Observa-se uma correlação dessas variá-
veis trabalhadas nos cinco modelos brasileiros
com os estudos feitos por D´Ercole (1994), o
qual incorporou em seus estudos sobre a vul-
nerabilidade urbana fatores inerentes ao cres-
cimento populacional que interagem com a
dinâmica urbana.
Tratamento de dados
Os dados são tratados através de duas fer-
ramentas, uma de base estatística e a outra
através da construção e análise de mapas
georreferenciados que especificam as situa-
ções ambientais e socioeconômicas da popu-
lação estudada.
Na análise estatística dos indicadores
sociais e econômicos, em todos os modelos fo-
ram executados três procedimentos: o primei-
ro, de análise multivariada para escolher quais
as variáveis socioeconômicas e sociodemográ-
ficas seriam mais relevantes para estabelecer
uma tipologia das áreas estudadas; a segunda,
de análise fatorial, estudando as intercorrela-
ções internas de um conjunto de variáveis; e
a terceira, buscando uma sumarização dos da-
dos – foi aplicado o método do agrupamento
não hierárquico das k-médias para fazer uma
análise comparativa dos resultados.
As análises das variáveis ambientais são
feitas baseadas em mapas georreferenciados,
que estabelecem as áreas urbanas que apre-
sentam riscos ambientais, utilizando programas
computacionais específicos para cada caso. Em
seguida, os resultados dos dois procedimentos
são cruzados, estabelecendo as áreas que apre-
sentam a vulnerabilidade social cruzada com a
ambiental no mesmo contexto.
Vínculo com grupos de pesquisas
Todos os cinco modelos apresentados fazem
parte de grupos de pesquisas consolidados e
atuantes no Brasil. Alves (2010a; 2010b) está
vinculado ao Centro de Estudos da Metrópole
(CEM-Cebrap); Almeida (2010) está vinculado
ao grupo de pesquisa da UFRN, Dinâmicas Am-
bientais, Riscos e Ordenamento do Território;
Hogan (2007) ao Núcleo de Estudos Populacio-
nais (Nepo) e Deschamps (2004; 2006) ao Ob-
servatório das Metrópoles (ver Quadro 1).
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014258
Dessa forma, observa-se que os modelos
apresentados foram contemplados com co-
nhecimentos acadêmicos de seus autores, que
trouxeram suas experiências profissionais pa-
ra o desenvolvimento das teorias e aplicações
feitas em suas pesquisas, contribuindo para a
elaboração do campo teórico e prático da vul-
nerabilidade socioambiental brasileira.
Conclusões
Os cinco modelos foram de grande importância
para servir de base aos estudos da vulnerabili-
dade socioambiental no Brasil, permitindo um
progresso através do uso de novas técnicas e
ferramentas, as quais possibilitaram um diag-
nóstico favorável dos fatores que contribuíam
para vulnerabilidade socioambiental no con-
texto brasileiro, em cada especificidade territo-
rial e temporal considerada.
A dimensão socioeconômica, nos cinco
estudos, foi bem abordada contemplando os
principais aspectos que podem aumentar o
processo de vulnerabilidade das famílias bra-
si leiras, sendo um caminho de diagnóstico e
podendo ser abordada em qualquer localida-
de geográfica brasileira, pois contempla a rea-
lidade socioeconômica comum em todos os
estados e cidades, pois esse tipo de problema
é consequência de uma situação genérica na-
cional, ou seja, de falta de políticas públicas
nacionais voltadas para um planejamento em
longo prazo que busque erradicar a pobreza de
forma nacional e integrada.
Esta pesquisa assinala para a necessi-
dade de uma evolução nos procedimentos e di-
mensões utilizados, se justificando pela neces-
sidade de uma padronização sistemática que
permita uma análise mais profícua sobre os as-
pectos específicos a serem considerados sobre
nossa realidade, não devendo ser descartada a
Quadro 1 – Comparativo dos Modelos
CaracterísticasModelos
Alves (a) Alves (b) Almeida Hogan Deschamps
Característicasdo método
Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo Dedutivo
Campo geográfi code atuação
Micro urbano (distrito)
Micro urbano(litoral)
Cidade Cidade Metrópoles
Dimensões mensuradas
Socioeconômicae ambiental
Socioeconômicae ambiental
Socioeconômicae ambiental
Capital físico, social e humano
Socioeconômica
Variáveis trabalhadasVariáveis embutidas
nas tipologias urbanas
Variável independentee dependente
Variável independentee dependente
Variável independentee dependente
Variável independentee dependente
Tratamento de dados GeorreferenciamentoGeorreferenciamento
e estatísticaGeorreferenciamento
e estatísticaGeorreferenciamento
e estatísticaGeorreferenciamento
e estatística
Vínculo com grupos de pesquisas
CEM/Cebrap CEM/Cebrap
Dinâmicas ambientais, riscos e ordenamento do
território/UFRN
Nepo/NesurObservatório das
Metrópoles
Fonte: Elaboração própria (2012).
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 259
evolução dos estudos anteriores feitos por es-
ses pesquisadores.
Assim, observa-se a necessidade de
aprimoramento da dimensão ambiental, tra-
tada de forma superficial nos estudos ana-
lisados, e a incorporação de outras variáveis
para abarcar outras dimensões não con-
templadas nesses cinco modelos estudados.
Relacionada às variáveis ambientais, existe
a necessidade de considerar os indicadores
relacionados à exposição de risco naturais
existentes nos espaços urbanos do Brasil: en-
chentes, desmoronamentos, deslizamentos,
vendavais, chuva de granizo e ciclones, pois
o estudo direcionado a uma só dimensão do
risco ambiental – como os estudados por Al-
ves (2010b) e Almeida (2010) – desconsidera
a existência de outras ameaças que podem
ocorrer no mesmo contexto geográfico, e, pior
ainda, num período temporal próximo, o que
acarretaria uma maior vulnerabilidade.
Observou-se a necessidade de incor-
poração da dimensão psicológica referente à
percepção ambiental, a qual foi desconsidera-
da em todos os modelos brasileiros. Nas refe-
rências teóricas, a percepção ambiental é de
fundamental importância para os estudos de
vulnerabilidade, porque o nível dessa percep-
ção faz diferença em seu poder de mitigação e
resiliência diante dos riscos socioambientais a
que estão expostos.
A percepção ambiental ajuda na forma-
ção cidadã de um sujeito ecológico, a qual
exerce uma função importante no exercício da
cidadania e aguça a capacidade de enxergar o
mundo, quando o sujeito passa a pautar suas
atitudes e suas ações dentro de uma visão de
mundo baseada em princípios socioambien-
tais, o qual estabelece amplo conjunto de prá-
ticas proativas para a conservação da natureza
e melhoria da qualidade de vida.
A dimensão política institucional tam-
bém se apresenta como de grande importância
para o contexto da vulnerabilidade socioam-
biental no Brasil, porque identifica as ações
políticas e administrativas de contenção aos
fatores de riscos que ameaçam as populações,
servindo como termômetro para mensurar as
políticas públicas necessárias para o supri-
mento das necessidades sociais, econômicas,
ambientais e como resposta às revindicações
feitas pela sociedade civil.
Outro aspecto negligenciado, nos estu-
dos analisados, é a especificidade da situação
de vulnerabilidade, pois grupos populacionais
podem estar sujeitos ao mesmo perigo, mas
não apresentem o mesmo risco, por não esta-
rem igualmente em situação de vulnerabilida-
de, assim os indicadores devem ser levantados
através de dados primários que identificam, no
lugar e tempo, as fragilidades das famílias que
estão expostas aos riscos.
Observa-se que os modelos utilizados
abrem espaço para a elaboração de novas
abordagens, no entanto, deixam a desejar,
porque não conseguem abranger outras va-
riáveis que são importantes para o contexto
geográfico e cultural brasileiro, e, quando
aplicadas de forma limitada, não conseguem
contemplar os reais riscos existentes.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014260
Mônica Maria Souto MaiorInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Unidade Acadêmica de Infraestrutura. João Pessoa/PB, [email protected]
Gesinaldo Ataíde CândidoUniversidade Federal de Campina Grande, Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais. Campina Grande/PB, [email protected]
Referências
ABRAMOVAY, M. et al. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América La na: desafi os para polí cas públicas. Brasília, Unesco-BID.
ALMEIDA, L. Q. de (2010). Vulnerabilidade socioambiental de rios urbanos: bacia hidrográfi ca do Rio Maranguapinho região metropolitana de Fortaleza-Ceará. Tese de doutorado. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
ALVES, C. D. et al. (2008). Análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intra-urbana. In: IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS. Anais. Brasília.
ALVES, H. P. et al. (2010a). Dinâmicas de urbanização na hiperperiferia da metrópole de São Paulo: análise dos processos de expansão urbana e das situações de vulnerabilidade socioambiental em escala intraurbana. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, pp. 141-159.
______ (2010b). Vulnerabilidade socioambiental nos municípios do litoral paulista no contexto das mudanças climá cas. In: XVII ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS. Anais. Caxambu.
BARRENECHEA, J. et al. (2000). Una propuesta metodológica para el studio de la vulnerabilidad social en el marco de la teoria social del riesgo. In: IV JORNADAS DE SOCIOLOGIA FACULDAD DE CIENCIAS SOCIALES-UBA. Anais. Buenos Aires.
BLAIKIE, P. M.; CANNON, T.; DAVIS, I. e WISNER, B. (1994). Atrisk: natural hazards, people´s vulnerability, and disasters. London, Routledge.
______ (1996). Vulnerabilidad el entorno: social, polí co y económico de los desastres. Puerto Limón, Costa Rica. LA RED – Read de Estudios Sociales en Prevencion de Desastres em América La na.
BUSSO, G. (2005). Pobreza, exclusión y vulnerabilidad social: usos, limitaciones y potencialidades para el diseno de polí cas de desarrollo y de población. San ago do Chile, Cepal/Celade.
CAMARANO, A. A. e GAHOURI, S. (1999). “Idosos brasileiros: que dependência é essa?” In: CAMARANO, A. A. (org.). Muito além dos 60: os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro, Ipea.
Avaliação das metodologias brasileiras de vulnerabilidade socioambiental...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014 261
CARDONA, O. D. (1996). “Manejo ambiental y prevención de desastres”. FERNÁNDEZ, M. A. (org.). Ci es at Risk. Puerto Limón, Costa Rica, LA RED/USAID.
CASTEL, R. (1997). A dinâmica dos processos de marginalização: da vulnerabilidade à “desfi liação”. Cadernos Centro de Recursos Humanos–CRH. Salvador, n. 26, pp. 19-40.
CUTTER, S. L. (2003). Vulnerability to environmental hazards. Progress in human geography. Los Angeles, v. 20, n. 4, pp. 529-539.
D´ERCOLE, R. (1994). Les vulnérabilités des sociétés et des espaces urbanisés: concepts, typologie, modes d´analyse. Revue de Géographie Alpine. Paris, v. 82, n. 4, pp. 87-96.
DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS – DIEESE (2007). Aspectos conceituais da vulnerabilidade social. Projeto de qualifi cação social para atuação de sujeitos ou grupos sociais na negociação cole va e na gestão de polí cas públicas. Convênio MTE/SPPE/CODEFAT – n. 075/2005 e Primeiro Termo Adi vo.
DESCHAMPS, M. V. (2004). Vulnerabilidade socioambiental na região metropolitana de Curi ba. Tese de doutorado. Paraná, Universidade Federal do Paraná.
______ (2006). Vulnerabilidade socioambiental nas regiões metropolitanas brasileiras. Brasília, Relatório de a vidades do Observatório das Metrópoles. Convênio Ministério das Cidades/ Observatório das Metrópoles/Fase/Ipardes.
FOURNIER, d'A. E. M. (1995). The quan fi ca on of seismic hazard for the purposes of risk assessment.In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON RECONSTRUCTION, RESTAURATION AND URBAN PLANNING OF TOWNS AND REGIONS IN SEISMIC PRONE AREAS. Anais. Skopje.
GONZÁLES, S. et al. (1999). Riesgos en Buenos Aires. Caracterización preliminar. In: SEMINARIO DE INVESTIGACIÓN EL NUEVO MILENIO Y LO URBANO. Anais. Buenos Aires.
HEWITT, K. (1997). Regions of risk. Harlow, Longman.
HOGAN, D. J. et al. (orgs). (1999). Migração e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas, Nepo/ Unicamp.
KAZTMAN, R. et al. (1999). Vulnerabilidad, ac vos y exclusión social en Argen na y Uruguay. San ago do Chile, OIT. (Documento de trabalho, pp. 107).
KAZTMAN, R. (2000). Notas sobre la medición de la vulnerabilidad social. México: BID-BIRF-Cepal. Borrador para discusión. 5 Taller regional, la medición de la pobreza, métodos e aplicaciones. Disponível em: h p://www.eclac.cl/deype/ no cias/proyectos. Acesso em: 2 jun 2012.
KOWARICK, L. (2003). Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França e Brasil.Revista Brasileira de Ciências Sociais – RBCS. São Paulo, v. 18, n. 51, pp. 61-86.
LAVELL, A. (2000). “Desastres y desarrollo: hacia un entendimiento de las formas de construcción social de un desastre: el caso del Huracán Mitch em Centroamérica”. In: GARITA, N. e NOWALSKI, J. (orgs.). Del desastre al desarrollo sostenible: Huracán Mitch en Centroamérica. BID-CIDHCS.
LAVINAS, L. (2002). Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias da prá ca. Econômica. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, pp. 25-59.
LEFEBVRE, H. (1991). The produc on of space. Oxford, Blackwell.
Mônica Maria Souto Maior, Gesinaldo Ataíde Cândido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 239-262, jun 2014262
LIVERMAN, D. (1990).”The regional impact of global warming in Mexico: incertainty, vulnerability and response”. In: SCHMANDT, J. e CLACKSON, J. (orgs.). The regions of global warming: impacts and response strategies. Nova York, Oxford University Press.
MICKLIN, M. (1999). “The ecological transi on in La n American and the Caribbean: theore cal issues and empirical pa erns”. In: BILSBORROW, R. E. e HOGAN, D. J. (orgs.). Popula on and deforesta on in the humid tropics. Liége, IUSSP.
MOSER, C. (1998). La vulnerability framework: reassessing urban poverty reducion stratregies. World development. Grã Bretanha, v. 26, n. 1, pp. 1-19.
SILVEIRA, H. (2010). Estudo da degradação e do impacto socioambiental na Bacia do Córrego Osório, Maringá – Paraná. Revista Geografar. Curi ba, v. 5, n. 1, pp. 176-205. Disponível em: h p:// www.ser.ufpr.br/geografar. Acesso em: 6 jun 2012.
TORRES, H. G. e MARQUES, E. (2001). Refl exões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno metropolitano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, pp. 97-128.
VIGNOLI, J. R. (2000). Vulnerabilidad demográfi ca: una faceta de las desventajas sociales. San ago do Chile, Cepal.
Texto recebido em 19/maio/2013Texto aprovado em 8/ago/2013
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014
Variações intra e intermetropolitanasda desigualdade de renda racial
Intra- and inter-metropolitan variationsof racial income inequality
Leonardo Souza Silveira Jerônimo Oliveira Muniz
ResumoQual é o diferencial de renda entre brancos e ne-
gros dentro de uma mesma região metropolita-
na? Qual situação coloca o indivíduo em maior
desvantagem: a cor da pele ou o local de resi-
dência? Políticas de mitigação de desigualdades
devem ser universais ou locais? Para responder
esses questionamentos comparamos os salários
de brancos e negros no centro e na periferia de
seis regiões metropolitanas utilizando diferen-
tes recortes geográfi cos. Os resultados obtidos a
partir da PNAD (2008) demonstram que a cor da
pele tem maior impacto no salário predito dos in-
divíduos do que a localização dentro da cidade e
indicam substancial heterogeneidade espacial nos
diferenciais raciais de rendimento.
Palavras-chave: segregação; metrópoles; raça;
desigualdade; renda.
AbstractWhat is the income gap between blacks and whites within the same metropolitan region? What variable puts individuals in greatest disadvantage: skin color or place of residence? Should mitigating policies against inequality be global or local? To answer these questions we compare the wages of blacks and whites living in the center and in the periphery of six Brazilian metropolitan regions. Results from the PNAD (2008) show that the impact of skin color on wages is larger than that of the geographic location within the city. We also show that there is substantial spatial heterogeneity in income differentials by race.
Keywords: segregation; metropolis; race; inequality; income.
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014264
Introdução
Desigualdade e segregação raciais são temas
que dialogam entre si. Os diferenciais raciais de
renda e de acesso a ocupações de maior prestí-
gio segmentam o mercado de trabalho a partir
de características adquiridas ao longo do ciclo
de vida – tais como escolaridade, experiência,
idade (Becker, 1962), valores morais e redes de
influência, vulgarmente denominadas capital
social (Bourdieu, 1986), e também característi-
cas atribuídas por terceiros – tais como a ra-
ça, gênero, beleza, saúde, inteligência, riqueza,
origem e etnia (Piore, 2008). Esses atributos
individuais, por serem socialmente percebidos,
dependem das reações de ambientes especí-
ficas a essas características para exercerem
seus efeitos diretos e indiretos e definir como
ocorrerá o acesso de determinados grupos às
posições no mercado de trabalho e à respecti-
va geração de renda. Características atribuídas
são, portanto, sensíveis à resposta do ambiente
no qual se encontram. A localização residencial
desses grupos e a forma como se agrupam e se
distribuem no espaço servem então como uma
variável indutora e reprodutora de desigualda-
des. A segmentação influencia não só o acesso
a serviços públicos, ao capital social e às opor-
tunidades de escolarização e emprego, mas
também afeta a atribuição de características
sociais (como raça ou cor da pele) vinculadas
ao tamanho e dinâmica das desigualdades.
Neste artigo, exploramos a associação
entre segregação residencial e desigualdade
racial, cientes de que a raça de cada indivíduo
não causa nenhum tipo de diferença, mas es-
tá atrelada a mecanismos causadores dos di-
ferenciais entre brancos e negros. Os negros,
por exemplo, concentram-se em zonas de po-
breza intrinsicamente favoráveis à reprodução
de desigualdades. A detecção da concentra-
ção e variabilidade espaciais da desigualdade
racial, entretanto, não a torna menos penosa
para aqueles que a sofrem, mas contribui pa-
ra a mensuração mais precisa dos mecanismos
envolvidos. Sistematizamos o uso da variável
núcleo/periferia de maneira gradual e fragmen-
tada, trabalhando com subamostras diferentes
para os modelos estatísticos utilizados, por re-
gião metropolitana e por grupos raciais (bran-
cos e negros). A intenção é ilustrar a variabili-
dade das desigualdades raciais entre o núcleo
e a periferia, já que é esta dicotomização que
fragmenta um espaço tão heterogêneo como
as regiões metropolitanas brasileiras.
Investigamos, portanto, a associação
entre a localização intrametropolitana e os
diferenciais de rendimentos entre brancos e
negros, atentando-nos à especificidade con-
textual de cada região metropolitana. As se-
guintes perguntas, em particular, norteiam esta
pesquisa: a segregação residencial aumenta ou
ameniza as desigualdades? Quão díspares são
os diferenciais raciais de rendimento entre as
regiões metropolitanas? Sabemos que, em mé-
dia, brancos ganham mais que negros mesmo
depois de controlarmos por heterogeneidades
observáveis e atributos produtivos, mas quais
o tamanho e a variabilidade desse diferencial
quando comparamos áreas metropolitanas
do Brasil? Os diferenciais raciais são, em ge-
ral, mais homogêneos nas periferias que nos
núcleos metropolitanos?
Os resultados mostram a variabilidade
da desigualdade racial tanto do ponto de vista
intra – núcleo e periferia – quanto intermetro-
politano, além de mostrarem onde e quanto as
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 265
segmentações raciais e espaciais estão atrela-
das à variabilidade do diferencial de rendimen-
tos entre brancos e não brancos.
O artigo está dividido em quatro par-
tes, além dessa introdução e uma conclusão.
Na primeira, são abordados os estudos acerca
das desigualdades raciais no Brasil e estudos
que evidenciam os impactos de se viver em di-
ferentes locais das grandes metrópoles: há di-
ferenças nas oportunidades de vida, emprego,
participação, escolaridade, entre outros, para
quem vive em regiões mais ou menos centrais
das metrópoles brasileiras? Com isso busca-
mos afinidades entre esses dois escopos teó-
ricos, compreendendo-os como diferentes di-
mensões de desigualdades sociais. Na segun-
da parte, apresentamos os três modelos esta-
tísticos utilizados. Por meio desses, fazemos
uma análise didático-comparativa sobre como
a escolha de modelos de regressão podem vir
a afetar a mensuração das desigualdades en-
tre grupos raciais intra e intermetropolitanos.
A terceira parte discute os resultados obtidos
e tece considerações sobre as incertezas geo-
gráficas e metodológicas envolvidas na men-
suração de desigualdades raciais. A quarta
parte, por fim, aponta as contribuições do ar-
tigo para a área de estudo sobre desigualdade
racial, considerando a segmentação e a segre-
gação residenciais.
Desigualdade racial e segregação residencial no Brasil
Autores anteriores à década de 1950 viam no
Brasil uma sociedade racialmente harmônica
e com desigualdades temporais decorrentes
do período escravocrata (Freyre, 1987 [1933];
Pierson, 1945). A clamada democracia racial,
entretanto, não persiste além do direto ao su-
frágio. Estudos posteriores à década de 1950
demonstram a existência de relações raciais
marcadas pela hierarquia entre brancos e ne-
gros na sociedade brasileira (Fernandes, 2008
[1969]; Hasenbalg, 2005 [1979]; Hasenbalg
et al., 1999) e a sua persistência ao longo do
tempo (Soares, 2008a, 2008b; Osório, 2009).
De fato, as disparidades raciais são reconhe-
cidas como componentes da dinâmica social
brasileira, tendo em vista o atual debate acer-
ca de políticas afirmativas raciais que se justi-
ficam pela redução dessas desigualdades. Es-
tudos sobre diferenciais de rendimento, mobili-
dade intergeracional e inserção no mercado de
trabalho abordam constantemente a desvan-
tagem dos negros em comparação aos brancos
(Soares, 2000; Costa Ribeiro, 2006; Henriques,
2001; Hansenbalg, 2005), sobretudo entre
as classes socioeconomicamente superiores
(Bailey et al., 2013; Costa Ribeiro, 2006). Es-
ses estudos apontam como pretos e pardos se
encontram em condições desfavoráveis em re-
lação aos brancos, seja pela desigualdade de
acesso, de recompensas ou de oportunidades,
mensuradas, por exemplo, por níveis de esco-
laridade, salários ou inserção em posições de
classe (Soa res, 2000; Santos, 2009).
Uma das tradições dos estudos de estrati-
ficação social consiste em se “medir a discrimi-
nação” segundo marcadores sociais como raça,
sexo e etnia. Para isso, a praxe dominante tem
sido observar pessoas com as mesmas carac-
terísticas produtivas (escolaridade, posição no
mercado de trabalho, idade, experiência), que
supostamente justificariam seus salários, e em
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014266
seguida assumir que as diferenças remanescen-
tes, não associadas a esses atributos, seriam
oriundas de práticas discriminatórias. Esses es-
tudos compreendem que essas “características
atribuídas” (Piore, 2008) seriam determinantes
na definição salarial dos indivíduos, já que as
mulheres não teriam suas qualificações reco-
nhecidas da mesma forma que o homem, nem
o negro em comparação ao brancos, ou o imi-
grante com relação ao nativo.
Soares (2000), por exemplo, mostra que
homens negros ganhavam, em 1998, R$389,76
a menos que os brancos. Desse diferencial,
8,6% deve-se ao fato de os negros estarem
ocupados em setores ou terem vínculos infe-
riores aos dos brancos, e o restante deve-se a
outras características e processos não obser-
váveis, entre os quais se inclui a habilidade de
mobilização de capital social, a discriminação
e desvantagens acumuladas ao longo do ciclo
de vida (Hasenbalg e Silva, 2003). Coinciden-
temente, ou não, esses pretos e pardos em des-
vantagem estariam concentrados em Estados
mais pobres e fora de regiões metropolitanas.
É preciso estar atento às diferenças re-
gionais quando se deseja mensurar experiên-
cias discriminatórias já que diferenças na com-
posição racial dessas populações
[...] seguramente influenciam as formas de sociabilidade manifestadas em cada uma delas, não apenas do ponto de vista racial, mas também na perspectiva de ou-tras dimensões de desigualdade e trata-mento interpessoal, como classe, gênero e idade, entre outras. (Bastos e Faerstein, 2012, p. 89)
Campante et al. (2004), por exemplo, cons-
tataram que o componente discriminatório
do diferencial de salários no Sudeste é quase
duas vezes e meia maior que no Nordeste, e
tem um caráter “elitista” da discriminação, já
que essa aumenta de acordo com os centis
de renda. Cavalieri e Fernandes (1998) tam-
bém encontraram variações nos diferenciais
de rendimento por raça e gênero em diversas
regiões metropolitanas do Brasil, demonstran-
do a relevância de estudos comparativos que
considerem as especificidades de cada região.
Eles encontraram variações entre os diferen-
ciais de rendimentos entre brancos e não bran-
cos de nove regiões metropolitanas do Brasil,
onde o diferencial na região metropolitana de
São Paulo foi o menor, com brancos receben-
do 9,85% a mais que não brancos, ao passo
que na região metropolitana de Salvador esse
valor é de 53,34%. As desigualdades, por-
tanto, variam de forma regional e situacional,
incorporando características socioeconômi-
cas, culturais e estruturais em cada uma delas
(Wilson, 2009).
A análise intermetropolitana se justifica
pela especificidade das metrópoles, nas quais
encontramos cenários sócio-ocupacionais mar-
cados por dinâmicas distintas. Nos anos 1980,
por exemplo, houve aumento substancial da
pobreza nas regiões metropolitanas do Nordes-
te, aumento médio em Belo Horizonte e no Rio
de Janeiro, e menor em São Paulo e nas me-
trópoles do Sul (Lima, 1999). Ou seja, as estru-
turas econômicas e sociais diferem no espaço,
assim com as desigualdades.
A literatura acerca da segregação nas
metrópoles brasileiras é marcada fundamen-
talmente por trabalhos publicados a partir da
década de 1970 (Maricato, 1977; Bonduki e
Rolnik, 1982), que desencadearam reflexões
sobre a configuração dos espaços metropoli-
tanos no país. Esses seguiam uma abordagem
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 267
marxista que apresentava as cidades como
espaços segregados com forte influência do
mercado imobiliário, separadas pelas catego-
rias analíticas de “centro” e “periferia”, sendo
a primeira marcada pela presença de grupos
sociais mais abastados, melhores serviços pú-
blicos e oportunidades de emprego, ao passo
que as periferias teriam características opostas,
marcadas pela violência, pobreza, precariedade
das oportunidades econômicas e urbanísticas,
e como forma de acesso à moradia pelos mais
pobres, apesar de estudos recentes mostrarem
as periferias como locais de maior geração de
empregos (Lago, 2007), com oferta de mora-
dias luxuosas para grupos com maior renda
(Caldeira, 2003) ou mais presentes nas mani-
festações culturais (Andrade e Jayme, 2011).
Contudo, ainda que as periferias tenham
ganhado mais centralidade (social, econômica,
simbólica ou cultural), as metrópoles brasi-
leiras permanecem como centros referenciais
compostos por grupos socioeconômicos mais
altos e as periferias mais pobres (Marques et
al., 2008). Apesar da crescente prevalência e
migração de grupos abastados para a periferia,
isso não “desconfigura” o padrão centro-peri-
feria predominante nas metrópoles nacionais,
nas quais os espaços intrametropolitanos con-
tinuam sendo ocupados de maneira desigual,
com os municípios centrais ocupados por gru-
pos em posições sociais mais elevadas do que
os que vivem nas periferias1 (Caldeira, 2003;
Ribeiro et al., 2011).
As diferenças intrametropolitanas são
consagradas nos estudos sociológicos, princi-
palmente invocando os estudos sobre as inner
cities nos Estados Unidos (Wilson, 1987; 2009).
Segundo Wilson (2009) existem fatores estrutu-
rais e culturais que recaem sob as situações de
pobreza dos negros residentes em áreas degra-
dadas da cidade, contribuindo para a sua per-
petuação. Os fatores estruturais seriam aqueles
relacionados à macroeconomia e às decisões
políticas, que impactam diferentemente os gru-
pos sociais, como em situações de aumento de
desemprego em que os negros são mais afeta-
dos que os brancos. Essas situações se inten-
sificam quando as vagas de emprego se con-
centram em locais distantes das residências de
famílias negras, ou há dificuldade em acessar
essas vagas devido à sua baixa escolaridade.
Os fatores culturais, como crenças e compor-
tamentos, contrapõem negros e brancos, que
se tornam mais rígidos se eles se encontram
separados nos espaços metropolitanos. Contu-
do, esse contexto se distingue do Brasil dada a
localização espacial das inner cities nos centros
das metrópoles norte-americanas, esvaziados
de atividades comerciais e com moradias de-
gradadas, ao passo que no Brasil as periferias
são caracterizadas pela sua localização sim-
bólica (relacionada à pobreza e marginalida-
de), mas também geográfica, nas bordas das
regiões metropolitanas.
Nos Estados Unidos, aliás, os estudos de
segregação residencial estão em grande maio-
ria relacionados à questão racial. Para Wilson
(1987; 2009), a ascensão social de alguns ne-
gros e a consequente mudança para bairros de
classe média negra, ocasionaram uma situação
degradante para aqueles que continuaram
nos guetos (ou inner cities). Ainda nos Esta-
dos Unidos, é possível encontrar estudos que
apontam a dificuldade de negros acessarem o
mercado de trabalho e as barreiras adicionais
quando estes estão em bairros segregados
(Kain, 1992; Alba e Logan, 1993; Alba et al.,
2000; Patillo, 2005).
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014268
O mercado imobiliário, em ambos os
contextos – brasileiro e norte-americano – tem
extrema importância. Porém, há diferenças
significativas entre eles. Nos Estados Unidos,
ele é retratado como uma barreira entre os
grupos raciais, seja culturalmente, através de
indisposição entre os grupos, seja por barreiras
institucionalizadas, devido à restrição de crédi-
to, por exemplo.
Nas cidades brasileiras, o mercado imo-
biliário, sob a conivência do poder público, se
desenvolveu de maneira que os pobres foram
expulsos dos centros em direção às periferias,
resultando assim no que chamamos hoje de
estrutura centro-periferia (Guimarães, 1991;
Caldeira, 2003). Essa “dinâmica metropolita-
na” não ocorre de maneira igualitária, mas à
custa de periferias com pouca infraestrutura
urbana, e o baixo custo de seus terrenos se
deve às dificuldades encontradas pelos mora-
dores – como a necessidade de utilizar mais
de uma viagem de ônibus para se chegar ao
trabalho ou a falta de serviços na região.
Segundo a hipótese levantada por Kain
(1968), conhecida como spatial mismatch, a
distribuição geográfica dos empregos e a se-
gregação residencial (principalmente para o
caso norte-americano), funcionam como bar-
reiras para o acesso dos negros ao mercado
de trabalho. A localização geográfica seria,
portanto, acumulada a outras dificuldades
já existentes de ascensão, tais como aquelas
em níveis mais altos de escolaridade, posições
ocupacionais superiores e melhores salários.
Desse modo, a segregação residencial repre-
sentaria mais do que diferenças de condições
de habitação, mas também um empecilho ao
acesso e à permanência no mercado de traba-
lho (Ihlanfeldt, 1994).
Como afirma Lago (2007), a dicotomia
centro-periferia representaria a imagem mais
acabada de uma metrópole desigual. Portanto,
observamos evidências de que, assim como nos
Estados Unidos, também existem nas metrópo-
les brasileiras mecanismos de reprodução da
pobreza dada a concentração de famílias em
situações desfavoráveis no mercado de traba-
lho. Essa configuração da distribuição espacial
da população nas regiões metropolitanas bra-
sileiras é válida devido ao capital social poten-
cialmente homogêneo formado nas periferias
e os impactos disso no acesso a informações
sobre vagas de empregos (Marques, 2010; Gui-
marães et al., 2010).
A noção de capital social que utilizamos
aqui carrega uma noção territorial. Quer dizer,
além da noção teoricamente consolidada por
Bourdieu (1986) e Lin (1999), segundo a qual
o capital social é um ativo que já se encontra
na rede dos indivíduos e varia por classe ou
grupo social, outros autores o incorporaram
aos diferentes espaços nas metrópoles, dando
a ele maleabilidade para variar de acordo com
a rede social do local em que o indivíduo está
inserido. A partir do estudo de Wilson (1987) e
outros que o seguiram abordando o “efeito-
-vizinhança” (Small e Newman, 2001; Andrade
e Silveira, 2011), mostrou-se que a localização
geográfica tem relação com a perpetuação das
condições socioeconômicas. Estar em locais
onde há heterogeneidade social tende a trazer
resultados socioeconômicos favoráveis a seus
moradores, uma vez que a rede social desses
também é heterogênea (Kaztman e Filgueira,
2006; Marques, 2010).2
Pressupomos, então, que haja uma situa-
ção desfavorável para os moradores de perife-
rias em comparação aos moradores de bairros
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 269
ou municípios mais centrais. Isso, por sua vez,
atinge brancos e negros diferentemente, de
maneira não aleatória, nem idêntica em todas
as regiões metropolitanas. Em São Paulo, por
exemplo, há uma concentração sistemática de
brancos no centro e negros na periferia (Fran-
ça, 2010). De forma mais ampla, Telles (1992)
conclui que as metrópoles brasileiras, em com-
paração ao padrão norte-americano, têm uma
segregação residencial por raça moderada,
dado que não houve uma segregação extrema
mediada por lei como aconteceu em outros
locais do mundo, principalmente nos Estados
Unidos ou África do Sul. A segregação racial
residencial brasileira não pode ser explicada
somente por fatores socioeconômicos, como
apontam alguns autores, pois ela ocorre entre
grupos raciais do mesmo grupo socioeconômi-
co e aumenta de acordo com as faixas de ren-
da – ou seja, à medida que a renda dos indiví-
duos aumenta eles tendem a se concentrar em
espaços racialmente mais homogêneos (Telles,
1992, 2004).
As desigualdades raciais, portanto, além
de variarem segundo o tempo (cf. Soares, 2008)
e as formas de classificação racial (Bailey et
al., 2013; Muniz, 2010, 2012; Loveman et al.,
2011), também variam conforme o espaço em
que os grupos sociais ocupam, havendo assim
uma permeabilidade entre a estratificação so-
cial, racial e espacial.
A nossa proposta consiste em inserir no
estudo dos diferenciais raciais de rendimento
uma dimensão intrametropolitana e explorar
dados que nos aponte o que ocorre nesse ní-
vel de análise. Seguindo o apontamento suge-
rido por Muniz (2010), o objetivo é explorar a
variação dos diferenciais de rendimento entre
brancos e negros, nas regiões metropolitanas ,
para mostrar que políticas raciais de inclusão
de cunho nacional podem errar o alvo ao des-
considerarem as especificidades das desigual-
dades raciais locais.
O presente trabalho se orienta pela bi-
bliografia abordada ao comparar a desigualda-
de racial em diferentes regiões metropolitanas
(Cavalieri e Fernandes, 1998; Silva, 1999) e traz
novas evidências para esse tipo de estudo ten-
do em vista as seguintes perguntas: o diferen-
cial de rendimentos entre brancos e negros é
semelhante entre as regiões metropolitanas?
Qual fator tem maior influência nos diferen-
ciais de rendimentos, cor da pele ou local de
moradia? O diferencial é o mesmo no núcleo e
na periferia das metrópoles brasileiras? E quão
sensíveis são as nossas conclusões sobre o ta-
manho da desigualdade racial em função do
nível de agregação utilizado na construção dos
nossos modelos estatísticos?
Dados e métodos
Este trabalho utiliza a PNAD – Pesquisa Na-
cional por Amostra de Domicílios de 2008
trabalhada pelo Observatório das Metrópoles,
que tem o acréscimo das variáveis “núcleo” e
“periferia”. São compreendidos como “núcleo”
os chamados municípios-polo de cada região
metropolitana e, como periferia, os demais mu-
nicípios que as compõem.3 A amostra da PNAD
tem representatividade em nível metropolitano
e abrange todo o país.
O recorte por regiões metropolitanas se
deve ao fato de essas serem aglomerados com
grande concentração econômica, social, políti-
ca e cultural que, ao mesmo tempo, resultam
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014270
em profundas desigualdades internas (cf.
Ribeiro et al., 2011). A variável núcleo/peri-
feria permite testar se a condição de inserção
e remuneração dos indivíduos no mercado de
trabalho varia em nível intrametropolitano. Fo-
ram selecionadas seis regiões metropolitanas
representativas no cenário nacional quanto
à composição racial da população: São Pau-
lo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, com maioria
branca; Belo Horizonte, com 61% de não bran-
cos;4 Salvador e Recife, por sua importância
no nordeste brasileiro e pela sua composição
predominantemente não branca. Desse modo,
tem-se uma amostra de regiões diversificadas
conforme a localização no cenário nacional e a
composição racial.
A Tabela 1 mostra a composição das
regiões metropolitanas segundo o número de
municípios que se encontram no núcleo e na
periferia, e a composição racial predominante
nesses dois locais. A composição racial per se
não é um indicativo de dinâmicas intrametro-
politanas, mas está relacionada à organização
política ou de conflitos entre os grupos. Po-
de indicar, por exemplo, onde houve maior
fluxo de escravos ou da imigração europeia
(Hasenbalg, 2005).5 Como nos interessa co-
nhecer o diferencial de rendimentos dos
indivíduos no mercado de trabalho, utilizamos
o “logaritmo natural do salário por hora traba-
lhada” como variável dependente. A variável
que representa o salário mensal foi dividida
pelo número de horas trabalhadas pelos indi-
víduos, orientando-nos pelo salário mínimo de
R$415,00 em 2008.
As variáveis independentes são repre-
sentativas da dinâmica do mercado de traba-
lho, ou seja, variáveis associadas à definição
salarial dos indivíduos como a posse ou não
de carteira de trabalho assinada, sexo, esco-
laridade (entre 0 e 15 anos de estudo), idade
e idade ao quadrado, para captar o declínio
salarial na renda de indivíduos com idades
avançadas. A variável raça, originalmente
composta por cinco categorias, foi categoriza-
da da seguinte maneira: os brancos continua-
ram com seu formato, ao passo que pardos
e pretos foram agrupados por terem rendas
médias estatisticamente iguais, e indígenas
e amarelos foram excluídos devido ao baixo
número de casos. O estudo utiliza simulações
contrafactuais baseadas na comparação de
Tabela 1 – Dados descritivos da subamostra das regiões metropolitanas,suas composições raciais e intrametropolitanas
Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.
Regiões Metropolitanas
Número de municípios
% Centro % Brancos% Brancos no
Centro% Brancos na
periferiaNúmero de
observações
Recife
Salvador
Belo Horizonte
Rio de Janeiro
São Paulo
Porto Alegre
13
13
34
18
39
31
41,4
81,2
46,7
51,9
57,2
32,3
38,6
15,2
38,8
51,4
58,2
80,1
41,9
15,7
42,6
56,2
60,9
79,1
36,3
13,0
35,5
46,2
54,5
80,5
4.051
4.626
4.106
4.877
6.617
5.803
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 271
valores preditos provenientes de três modelos
de regressão de Mínimos Quadrados Ordiná-
rios (MQO) com a mesma especificação, mas
baseados em amostras diferentes. O objetivo
do uso dos três modelos é observar como o
diferencial de rendimentos entre os grupos
analisados se altera quando olhamos para o
diferencial entre e intrarregiões metropolita-
nas brasileiras.
O Modelo 1, que chamaremos de modelo
Global, é composto pelas variáveis independen-
tes descritas acima e por variáveis binárias indi-
cadoras da cor da pele e para cada região me-
tropolitana. Levamos em conta toda a amostra
e permite comparar a renda média de brancos e
negros, entre o núcleo e a periferia, e em cada
metrópole. Essa é a forma de especificação ge-
ralmente utilizada na literatura sociológica para
“levar em conta” os diferenciais regionais de
renda (ex. Silva, 1999). Os resultados eviden-
ciarão que esse modelo mascara desigualdades
regionais por referir-se à média global das dife-
renças de rendimento entre grupos. O modelo
é apresentado, entretanto, para fins didático-
-comparativos.
Para explorar mais a fundo o diferencial
de rendimentos entre brancos e negros no nú-
cleo e na periferia das regiões metropolitanas
utilizamos modelos para amostras mais restri-
tas. No Modelo 2, Metropolitano, são estima-
dos coeficientes para cada região metropolita-
na. Assim, existe uma amostra para os indiví-
duos de cada região, visando captar a associa-
ção entre a renda e as covariáveis de interesse
em cada uma delas. Nesse modelo são levadas
em conta as especificidades e variações entre
as regiões metropolitanas.
Por fim, utilizou-se no Modelo 3, Racial-
-Metropolitano, amostras específicas para ca-
da grupo racial das regiões metropolitanas, re-
sultando então, em doze subamostras. A pro-
posta desse modelo é considerar ao máximo a
especificidade dos grupos raciais, visando tam-
bém comparar o diferencial intermetropolitano
de rendimentos de negros e brancos no núcleo
e na periferia.
Modelo 1
Modelo 3
Modelo 2
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014272
A comparação entre os três Modelos
fornece uma dimensão metodológica atrelada
à incerteza envolvida na escolha e na mensu-
ração do diferencial de rendimentos racial e
metropolitano. Ao compararmos os resultados
dos três modelos evidenciamos a variabilidade
do diferencial de rendimentos entre brancos e
não brancos existente em diferentes níveis de
agregação geográfica.
Para fins analíticos e comparativos,
utilizamos os valores preditos dos salários
de brancos e negros no núcleo e na periferia
das regiões metropolitanas. Apresentamos
os resultados comparando os salários predi-
tos ao invés dos coeficientes, para facilitar a
compreensão do que está sendo estudado. Os
coeficientes de cada modelo se encontram no
apêndice. Os salários preditos são calculados a
partir de “tipos ideais” com as características
mais prevalentes na amostra. Esse indivíduo
típico é do sexo masculino, tem carteira assi-
nada e idade e escolaridade médias, de forma
que possamos isolar nossas variáveis-chave:
núcleo e periferia.
Resultados
As perguntas que buscamos responder nes-
te estudo se baseiam no diferencial de rendi-
mentos entre brancos e negros, mas também
em quanto esse varia entre e internamente
às regiões metropolitanas. Consideramos
importante a comparação entre as regiões
metropolitanas, mas também dentro delas, to-
mando como preceito que as metrópoles são
ocupadas desigualmente pelos grupos sociais.
Tabela 2 – Rendimento mensal médio observadonas regiões metropolitanas, em reais
Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.
Regiões Metropolitanas
Média salarial (R$)(Desvio-padrão)
Brancos (1) Negros (2)Razão dos rendimentos
(1)/(2)
Recife729,12
(1057,42)924,93
(1298,53)605,85
(849,56)1,52
Salvador807,26
(1079,31)1468,24
(1917,37)688,62
(788,93)2,13
Belo Horizonte911,41
(1141,01)1171,92
(1476,15)746,27
(698,81)1,57
Rio de Janeiro1060,97
(1366,80)1316,60
(1706,16)790,79
(790,30)1,66
São Paulo1162,67
(1812,41)1384,30
(1634,06)854,30
(1994,47)1,62
Porto Alegre1012,54
(1278,46)1086,55
(1392,23)715,39
(551,91)1,51
Núcleo1101,00
(1671,27)1462,54
(1871,99)778,92
(1392,74)1,88
Periferia829,78
(919,93)970,20
(1127,73)678,43
(586,16)1,43
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 273
Figura 1 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros, e entre os moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas
(Modelo Global)
Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.
Observando dados descritivos sobre a
renda dos indivíduos presentes na amostra
em estudo, verificamos diferenças nos salários
médios entre brancos e negros em cada região
metropolitana, e entre os municípios centrais
e periféricos. Observamos essas diferenças na
Tabela 2.
A maior desigualdade salarial encontra-
-se em Salvador, onde o salário mensal médio
dos brancos é 113% maior que o dos negros.
Em Porto Alegre, esse diferencial é de 51%.
Como forma de fazer as comparações conside-
rando as devidas heterogeneidades, os mode-
los de mínimos quadrados ordinários auxiliam
na estimação dos salários dos grupos analisa-
dos. Esses são adequados para comparações
mais fidedignas, controlando as rendas predi-
tas pelas características que podem influenciar
nos diferenciais.
Utilizando os valores preditos do Modelo
1, observa-se que a cor da pele e a inserção re-
gional associam-se ao diferencial de rendimen-
to. Na Tabela 2, o valor do rendimento mensal
predito mantém pouca variação de uma região
metropolitana para outra. Apesar da pouca
variabilidade intermetropolitana do diferencial
de rendimentos entre brancos e negros e entre
núcleo e periferia, o modelo atesta a hierar-
quia centro/periferia e branco/negro.
A Figura 1 mostra que a disparidade dos
rendimentos entre brancos e negros é equiva-
lente nos núcleos e periferias metropolitanas,
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014274
ficando em torno de 19% em todas as regiões
metropolitanas. Se comparados à razão do di-
ferencial devido ao “local de moradia”, tanto
brancos quanto negros em quaisquer núcleos
metropolitanos ganham cerca de 10% a mais
do que aqueles que residem nas periferias.
Apesar do diferencial entre brancos e negros
ser superior ao diferencial de rendimentos dos
moradores do centro e da periferia, não há
distinção no diferencial salarial racial entre as
regiões. A inserção metropolitana pouco acres-
centa na diferenciação entre elas. Os modelos
seguintes, entretanto, alteram esses resultados.
O teste de igualdade de coeficientes
demonstrou que esses não eram iguais para
as regiões metropolitanas, exceto para Belo
Horizonte e Rio de Janeiro. O que ocorre, de
fato, é que cada região tem um coeficiente,
estatisticamente distinto, mas as razões são
muito parecidas, diferenciando-se a partir da
terceira casa decimal. Ou seja, o salário pre-
dito de um branco no centro recifense é de
R$820,94 e de um negro, R$688,05. Em São
Paulo, esses mesmos “tipos ideais” têm um sa-
lário predito de R$1.210,07 e R$1.013,37. As-
sim, apesar dos diferentes valores, a razão para
ambas metrópoles é de 19% (1,19).
No modelo Metropolitano, as regiões
metropolitanas já apresentam maiores varia-
ções nas razões dos rendimentos de brancos
e negros, assim como nos locais de moradia.
Apesar de mantido o “formato” da desigual-
dade, ou seja, quem ganha mais e quem
ganha menos, a intensidade do diferencial
se modifica abruptamente em comparação
ao modelo anterior. A Figura 2 apresenta os
Figura 2 – Renda predita por raça e localizaçãodas seis regiões metropolitanas – 2008
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 275
diferenciais de rendimento constatados entre
os negros ou brancos que se encontram no
núcleo ou na periferia quando o segundo mo-
delo é utilizado.
O modelo Racial-Metropolitano, quan-
do comparado ao segundo modelo, também
apresenta diferenciais maiores entre brancos
e negros, quando esses estão em uma mesma
região metropolitana. Essa variação de um
modelo para outro é grande, se considerarmos
que o diferencial dobrou ou mais que dobrou
em muitos casos. Por exemplo, em São Paulo,
o diferencial entre brancos e negros, no nú-
cleo, que era de 21% no modelo Metropolita-
no, passa para 47% no Racial-Metro politano.
Em Porto Alegre, o hiato racial na periferia
pas sou de 15% para 39% dependendo do mo-
delo utilizado.
Os três modelos apresentaram seme-
lhanças, quando observamos que a “ordem”
do diferencial foi mantida, por exemplo, Sal-
vador teve a maior razão branco/negro em
todos eles, ou Belo Horizonte e Rio de Janeiro
tiveram o maior diferencial núcleo/periferia.
No Modelo Global, apesar das regiões metro-
politanas não apresentarem diferenças signifi-
cativas, em todas foram atestados um diferen-
cial entre brancos e negros, e entre núcleo e
periferia, com valores muito próximos à média
dos demais modelos. Contudo, nesse primeiro
Figura 3 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros,e entre moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas
(Modelo Metropolitano)
Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014276
modelo não foi possível observar diferenças
substantivas quando feita a análise interme-
tropolitana. O Modelo Metropolitano demons-
trou variação intermetropolitana nas razões
dos salários. A partir desse, ficaram explícitas
tendências e diferenciações entre as cidades
estudadas, por exemplo, quais tinham estru-
turas urbanas mais rígidas,6 em comparação a
outras que tinham hierarquias por cor de pele
mais fortes. Porém, nesse modelo as razões de
diferencial entre brancos e negros encontradas
no núcleo se repetiam na periferia, assim co-
mo o que acontecia nas razões de brancos no
núcleo e brancos na periferia, ou para os ne-
gros. De fato, há diferenças na intensidade das
razões encontradas entre eles, mas não nos
caminhos e apontamentos de cada um deles.
Eles não são contraditórios entre si, apenas
expõem dados que são geograficamente mais
enfáticos que outros.
Figura 4 – Razão entre os rendimentos preditos de brancos e negros,e moradores do núcleo e da periferia das regiões metropolitanas
(Modelo Racial-Metropolitano)
Fonte: PNAD (2008). Elaboração dos autores.
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 277
Os salários preditos apresentados para
Salvador também tiveram mudanças conside-
ráveis, apesar da variação segundo o local de
residência permanecer muito baixo. Para os
brancos localizados no centro, seus salários
preditos são 8% maiores, enquanto para os ne-
gros não há diferença significativa. A variação
conforme a cor da pele, por sua vez, foi incre-
mentada de maneira substancial. Assim como
no modelo anterior, Salvador permanece com a
maior razão entre salários preditos de brancos
e negros. Porém, o diferencial de 35% favorá-
vel aos brancos no modelo anterior passa para
71% no centro e 56% nas periferias ao consi-
derarmos o Modelo Racial-Metropolitano.
As regiões que apresentaram no Mode-
lo Metropolitano uma estrutura socioespacial
com maiores impactos nos rendimentos predi-
tos, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, mantêm
essa posição no Modelo Racial-Metropolitano.
No modelo anterior, porém, a renda predita cal-
culada para os negros residentes do núcleo me-
tropolitano era equivalente à de um branco na
periferia, o que não ocorre no Modelo Racial-
-Metropolitano. Nesse, a associação estatística
entre renda e cor da pele é superior àquela da
variável núcleo-periferia, e os núcleos se mos-
tram territórios mais diferenciadores do que as
periferias, algo que não havia sido tão explici-
tado no segundo modelo.
Discussão
Atentando-nos às hipóteses elencadas, inferi-
mos que o diferencial de rendimentos é favo-
rável aos brancos e varia consideravelmente
entre as regiões metropolitanas, o que não é
novidade e já foi mostrado em trabalhos an-
teriores (Cavalieri e Fernandes, 1998; Lima,
1999). Os resultados do terceiro modelo, po-
rém, demonstram outra faceta das dimensões
metropolitanas e raciais: há variações intrame-
tropolitanas na “intensidade” do diferencial
entre brancos e negros.
Seguindo as perguntas que nortearam
este estudo exploratório, verificamos que a re-
lação entre os grupos raciais é mais desigual
nos centros metropolitanos. Esses resultados
foram invariáveis nas nossas subamostras. As
periferias são predominantemente mais pobres
e homogêneas que os núcleos, pelo menos ra-
cialmente. Brancos e negros nas periferias são
socioeconomicamente mais parecidos que nos
centros, se assemelhando em condições desfa-
voráveis, mas não na ascensão social.
Em consonância com a hipótese do
spatial mismatch observamos que, de fato, os
que residem em municípios periféricos apre-
sentam considerável desvantagem de renda em
relação aos que vivem no centro, ainda que na
periferia as desigualdades raciais sejam meno-
res. Os centros têm salários e composição ra-
cial branca acima da média. Estar na periferia,
portanto, implica não só rendimentos inferiores
aos dos brancos, mas também rendimentos ab-
solutamente menores, configurando assim uma
situação de dupla desvantagem para os que ali
se encontram.
Comparando regiões metropolitanas, te-
mos Recife e Salvador com situações opostas
e extremas no que concerne à razão dos rendi-
mentos raciais. Essas nos dão espaço para des-
bancar generalizações regionais, que compa-
ram as macrorregiões, e também para refutar a
hipótese de Fernandes (2008), segundo a qual
as desigualdades raciais seriam superadas na
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014278
medida em que o país se modernizasse a partir
da industrialização e da racionalização crescen-
te do mundo. Se a hipótese de Florestan e seus
ex-alunos fosse irrefutável, não observaríamos
o maior e o menor diferencial racial de renda
em áreas do Nordeste, conhecidamente menos
desenvolvidas economicamente.
Comparando entre metrópoles, reafir-
ma-se a ideia de que uma composição racial
majoritariamente negra não ameniza o dife-
rencial, pois Salvador teve diferenciais favo-
ráveis aos brancos maiores que Porto Alegre,
por exemplo, onde a maioria é autodeclarada
branca. No caso específico de Salvador, os re-
sultados são coerentes com o clássico estudo
de Pierson (1945), que mostra como os bran-
cos soteropolitanos ocupam posições mais
prestigiadas que os negros, independente de a
maioria da população ser negra. Mesmo diante
do histórico de militância do movimento negro
em Salvador, não houve melhoria ou redução
das desigualdades raciais. Entre o centro e a
periferia de Salvador, não houve diferenças es-
tatisticamente significativas nas desigualdades
raciais observadas.
Qual seria a importância da cor da pe-
le vis-à-vis à localização intrametropolitana?
Os resultados obtidos demonstram que a cor
da pele tem maior impacto no salário predito
dos indivíduos do que a localização dentro da
cidade. De fato, a razão do diferencial de ren-
da é maior para brancos e negros do que para
residentes no núcleo ou na periferia. Contudo,
a variável núcleo/periferia é estatisticamente
significante na maioria das regiões, de modo a
não ser desprezada. Como chamam a atenção
Campante et al. (2004), as análises nacionais
ocultam uma série de variações regionais, que
podem ter implicações para políticas públicas
locais. Demonstramos que, de fato, há signifi-
cância entre a diferenciação centro/periferia. A
conclusão que se segue é que a intensidade da
desigualdade que se deve a um ou outro fator
(localização geográfica ou cor da pele) varia
consideravelmente por região metropolitana.
Em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro,
o diferencial de rendimentos para brancos e
negros no centro e na periferia são muito pare-
cidos, pois os brancos ganham 15% a mais que
os negros no núcleo e na periferia da capital
mineira, e 17% na capital fluminense. Porém, a
peculiaridade dessas duas regiões se encontra
quando comparamos as razões à de aspecto
territorial. Nesse aspecto, essas duas cidades
apresentam diferenciais médios de rendimen-
tos entre centro e periferia maiores do que nas
demais metrópoles. A literatura, inclusive, cha-
ma a atenção para a segregação nessas duas
metrópoles, com centros elitizados e perife-
rias pobres, o que é condizente com o que foi
encontrado.7 Portanto, o diferencial de renda
entre moradores do centro e da periferia, e pa-
ra negros e brancos é muito parecido, ao con-
trário de outras regiões em que o diferencial
por raça era visivelmente maior. Esse ponto é
importante para mostrar que a desigualdade é
distinta entre as regiões metropolitanas. Isso
pode corroborar as ideias de alguns autores
que mostram Belo Horizonte e Rio de Janeiro
como metrópoles segregadas, com municípios
do entorno mais pobres (Marques et al., 2008;
Andrade e Mendonça, 2010). Em São Paulo,
por exemplo, já se vê um espraiamento dos
grupos, através dos condomínios fechados nas
periferias, mesmo que não haja grande intera-
ção entre esses (Caldeira, 2003).
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 279
Os resultados sugerem que fatores espe-
cíficos (quiçá culturais) a cada região metropo-
litana contribuem para explicar a variabilidade
existente entre elas, tanto no que concerne ao
diferencial geral, quanto internamente entre
centro e periferia. Entretanto, se as especifici-
dades têm papel importante na explicação dos
resultados de cada uma, ambas as divisões têm
hierarquias demarcadas: brancos com melhores
resultados que negros, assim como centro me-
lhor que periferia. Portanto, a separação entre
centro e periferia é uma possibilidade explicati-
va da intensidade dos diferenciais.
Considerações fi nais
Os estudos sobre desigualdade racial, e mais
especificamente sobre os diferenciais de ren-
dimento, buscam trazer variáveis que expli-
cam os ganhos médios dos grupos raciais. Em
geral, o que essas variáveis não conseguem
explicar é atribuído à discriminação na defi-
nição salarial. Contudo, admite-se também
a existência de fatores não observados que
podem influenciar os diferenciais. Nossos re-
sultados elucidam que existem segmentações
que aumentam ou diminuem o diferencial.
Mostramos que a segmentação territorial é
uma forma de interação com a variável racial.
Isso tem implicações relevantes para as políti-
cas públicas mitigadoras de desigualdades já
que a segregação residencial está associada à
qualificação (principalmente escolaridade) e
à angariação de capital social (Flores, 2006;
Andrade e Silveira, 2011).
Este trabalho utilizou-se de três modelos
que possibilitaram fazer inferências teóricas
e metodológicas. No aspecto metodológico,
explicitamos como a escolha de modelos esta-
tísticos pautados por distintos níveis de agre-
gação geográfica amostral é capaz de ressaltar
maiores intensidades das dinâmicas que se
busca mensurar, mesmo quando a direção das
associações constatadas em cada um deles é
a mesma. Eles não apresentaram resultados
contraditórios entre si, mas corroboraram a in-
tensidade das diferenças médias entre os ren-
dimentos dos grupos raciais investigados.
Nos aspectos teóricos, o trabalho apon-
tou como os diferenciais raciais de rendimentos
variam entre as regiões metropolitanas. A com-
posição racial não se mostrou tão influente na
variação dos diferenciais, tendo em vista que a
ordem das regiões que têm mais brancos não é
necessariamente aquela com maiores diferen-
ciais. Outro resultado reafirmado pelos mode-
los é a “influên cia” da loca lização intrametro-
politana na definição dos rendimentos preditos,
tanto no que concerne a comparação entre
indivíduos de mesma cor – brancos no núcleo
ganham mais que brancos na periferia –, como
entre indivíduo de cores diferentes – o núcleo
se mostrou mais desigual em termos salariais
do que a periferia.
Nossa conclusão, por um lado, corrobo-
ra um resultado prévio já bem estabelecido:
características atribuídas, como a cor da pele,
são fatores-chave na diferenciação salarial.
Por outro lado, a estrutura socioespacial das
cidades brasileiras compreende dinâmicas que
lhe são peculiares, nas quais há hierarquias
definidas do centro para periferia, indepen-
dente da composição racial local. Ou seja, em
todas elas existem estruturas sociais e geo-
gráficas definidas, mas que também têm uma
relação com fatores culturais. Como proposta
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014280
exploratória, aprofundamos as possibilidades
de uso da variável centro-periferia. Assim, es-
tudos sobre relações raciais e políticas públi-
cas que visem a mitigação das desigualdades
devem voltar-se às especificidades inter e in-
trametropolitanas para atuarem de forma fo-
cada e eficiente, dando a devida atenção às
desigualdades mais desiguais.
Leonardo Souza SilveiraUniversidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, [email protected]
Jerônimo Oliveira MunizUniversidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Sociologia, Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais. Belo Horizonte/MG, [email protected]
Notas
(1) Marques et al. (2008) utilizam do Índice de Status Socioeconômico Ocupacional (ISEI) para demonstrar como os grupos sócio-ocupacionais estão concentrados nos municípios das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo de maneira “rela vamente radial, concêntrica e segregada, embora com heterogeneidades localizadas signifi ca vas” (2008, p. 228).
(2) A heterogeneidade das redes sociais é reconhecida como um a vo dos indivíduos, já que eles podem ter maior variedade de informações a par r dessas, ao contrário de redes homogêneas, nas quais o fl uxo de informações e infl uências tende a ser muito parecidos. Veja, por exemplo, a discussão sobre laços fracos apresentada por Granove er (1973) .
(3) Os municípios-polo neste caso são: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
(4) Nas pesquisas censitárias e amostrais, o IBGE se u liza das categorias “preta” e “parda” para coletar a informação sobre raça. Porém, estudos revelam que ao analisar os rendimentos de pretos e pardos provenientes do mercado de trabalho, estes eram esta s camente semelhantes, unindo as duas categorias em uma: negros ou não-brancos. Neste trabalho, com dados da PNAD (2008), os testes de médias indicaram que estas categorias possuem rendimentos estatisticamente iguais, e por isso, elas foram agrupadas. Para uma discussão mais profunda sobre o assunto, ver Silva (1999) e Muniz (2010).
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 281
Referências
ALBA, R. e LOGAN, J. (1993). Minority proximity to whites in suburbs: an individual-level analysis of segrega on. American Journal of Sociology, v. 98, n. 6, pp. 1388-1427.
ALBA, R.; LOGAN, J. e STULTS, B. (2000). How segregated are middle-class African Americans? Social Problems, v. 47, n. 4, pp. 543-585.
ANDRADE, L. T. (org.) (2009). Como anda Belo Horizonte. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Metrópoles.
ANDRADE, L. T. e MENDONÇA, J. G. (2010). Explorando as consequências da segregação metropolitana em dois contextos socioespaciais. Cadernos Metrópole, v. 12, n. 23, pp. 169-188.
ANDRADE, L. T. e SILVEIRA, L. S. (2011). Explorando o efeito-território. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Anais. Rio de Janeiro.
ANDRADE, L. T. e JAYME, J. G. (2011). Centro e periferia: refl e ndo sobre seus signifi cados no contexto das grandes cidades. In: IX REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL. Anais. Curi ba.
BAILEY, S. e TELLES, E. (2006). Multiracial versus collective Black categories: examining census classifi ca on debates in Brazil. Ethnici es, v. 6, n. 1, pp. 74-101.
BAILEY, S.; LOVEMAN, M. e MUNIZ, J. (2013). Measures of “race” and the analysis of racial inequality in Brazil. Social Sciences Review, v. 42, pp. 106-119.
BASTOS, J. e FAERSTEIN, E. (2012). Discriminação e saúde: perspec va e métodos. Rio de Janeiro, Fiocruz.
BECKER, G. (1962). Inves ment in human capital: a theore cal analysis. The Journal of Poli cal Economy, v. 70, n. 5, Part 2, pp. 9-49.
BONDUKI, N. e ROLNIK, R. (1982). “Periferia da Grande São Paulo: reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho”. In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) do Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega.
(5) Bailey e Telles (2006) também apontam que pode haver associação entre a composição racial e a propensão dos indivíduos se declararem em termos ambíguos – como moreno –, na sua autoclassificação. Já no estudo da segregação residencial, Telles (1992) não encontrou associação signifi ca va da imigração europeia.
(6) “Estruturas urbanas mais rígidas” implicam maior diferenciação entre núcleo e periferia. Nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, viver no núcleo metropolitano pode representar um rendimento mensal bem superior do que na periferia, ao passo que em outras essa diferenciação não é tão grande.
(7) Para Belo Horizonte, ver Guimarães (1991), Villaça (2001), Andrade (2009). Para o Rio de Janeiro, ver Marques et al. (2008).
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014282
BOURDIEU, P. (1986). “The forms of Capital”. In: RICHARDSON, J. (ed.). Handbook of theory and research for the sociology of educa on. Nova York, Greenwood.
CALDEIRA, T. (2003). Cidade de muros. São Paulo, Edusp/Editora 34.
CAMPANTE, F.; CRESPO, A. e LEITE, P. (2004). Desigualdade salarial entre raças no mercado de trabalho urbano brasileiro: aspectos regionais. RBE, v. 58, n. 2, pp. 185-210. Disponível em: h p://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/rbe/ar cle/viewFile/874/562.
CAVALIERI, C. e FERNANDES, R. (1998). Diferenciais de salários por gênero e cor: uma comparação entre as regiões metropolitanas brasileiras. Revista de Economia Polí ca, v. 18, n. 1 (69).
COSTA RIBEIRO, C. A. da (2006). Classe, raça e mobilidade social no Brasil. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 49, n . 4, pp. 833-873.
FERNANDES, F. (2008). A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Globo.
FLORES, C. (2006). “Consequências da segregação residencial: teoria e métodos”. In: CUNHA, J. M. P. da (org.). Novas metrópoles paulistas: população, vulnerabilidade e segregação. Campinas, Unicamp/Nepo.
FRANÇA, D. S. N. (2010). Raça, classe e segregação residencial no município de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
FREYRE, G. (1987). Casa grande & Senzala. Rio de Janeiro, J. Olympio.
GRANOVETTER, M. (1973). The strength of weak es. The American Journal of Sociology, Chicago, v. 78, n. 6, pp. 1360-1380.
GUIMARÃES, B. M. (1991). Cafuás, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Ins tuto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
GUIMARÃES, N.; BRITO, M. e SILVA, P. (2010). O acesso a oportunidades de trabalho no Brasil: uma comparação intermetropolitana sobre os mecanismos de circulação da informação ocupacional e a reprodução da desigualdade. Texto para discussão 009/2010, São Paulo, Cebrap.
HASENBALG, C. (2005). Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, Ed. UFMG.
HASENBALG, C. e SILVA, N. (2003). Origens e des nos: desigualdades sociais ao longo da vida. Rio de Janeiro, Iuperj/Ucam/Topbooks/Faperj.
HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. (1999). Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.
HENRIQUES, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Texto para discussão – Ipea. Rio de Janeiro, Ipea.
IHLANFELDT, K. (1994). The spa al mismatch between jobs and residen al loca ons within urban areas. Cityscape, Georgia State University.
KAIN, J. (1968). Housing segrega on, negro employment and metropolitan decentraliza on. The Quartely Journal of Economics, n. 82, pp. 175-197.
______ (1992). The spatial mismatch hypothesis: three decades later. Housing Policy Debate. Universidade de Harvard, v. 3, n. 2, pp. 371-460.
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 283
KAZTMAN, R. e FILGUEIRA, F. (2006). Las normas como bien público y como bien privado: refl exiones en las fronteras del enfoque AVEO. Montevideo, Universidad Católica del Uruguay, Serie Documentos de Trabajo del Ipes – Colección Aportes Conceptuales, n. 4.
LAGO, L. C. (2007). A “periferia” metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitório à cidade plena. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, UFRJ, ago/dez.
LIMA, M. (1999). “Aspectos regionais do mercado de trabalho no Brasil”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.
LIN, N. (1999). Social networks and status a ainment. Annual Review Sociology. Palo Alto, v. 25, pp. 467-487.
LOVEMAN, M.; MUNIZ, J. O. e BAILEY, S. (2011). Brazil in Black and White? Race categories, the census, and the study of inequality. Ethnic and racial studies, pp. 1-18.
MARICATO, E. (1977). A proletarização do espaço sob a grande indústria. O caso de São Bernardo do Campo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
MARQUES, E. (2005). “Espaços e grupos sociais na virada do século XXI”. In: MARQUES, E. e TORRES, H. São Paulo: segregação, pobreza urbana e desigualdade social. São Paulo, Senac.
______ (2010). Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo, Editora Unesp/Centro de Estudos da Metrópole.
MARQUES, E.; SCALON, C. e OLIVEIRA, M. (2008). Comparando estruturas sociais no Rio de Janeiro e em São Paulo. Dados. Rio de Janeiro, v. 51, pp. 215-238.
MUNIZ, J. O. (2010). Sobre o uso da variável raça-cor em estudos quan ta vos. Revista Sociologia e Polí ca. Curi ba, v. 18, n. 36, pp. 277-291.
______ (2012). Preto no branco? Mensuração, relevância e concordância classifi catória no país da incerteza racial. Dados. Rio de Janeiro, v. 55, pp. 251-282.
OSÓRIO, R. G. (2009). A desigualdade racial de renda no Brasil: 1976-2006. Tese de doutorado. Brasília, Universidade de Brasília.
PATILLO, M. (2005). Black-middle class neighborhoods. Annual Review of Sociology, n. 31, pp. 305-329.
PIERSON, D. (1945). Brancos e pretos na Bahia: estudo de contacto racial. São Paulo, Companhia Editora Nacional.
PIORE, M. (2008). “The dual labor market: theory and implications”. In: GRUSKY, D. B. Social stra fi ca on: class, race and gender in sociological perspec ve. Colorado, Westview Press.
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2008). Microdados da PNAD 2008. Disponível em: www.ibge.gov.br.
RIBEIRO, L. C. Q., SILVA, E. T. e RODRIGUES, J. M. (2011). Metrópoles brasileiras: diversifi cação, concentração e dispersão. Revista Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, n. 120, pp. 171-201.
SANTOS, J. A. F. (2009). A interação estrutural entre a desigualdade de raça e de gênero no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, n. 70.
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014284
Texto recebido em 11/dez/2013Texto aprovado em 4/fev/2014
SILVA, N. V. (1999). “Diferenciais raciais de rendimento”. In: HASENBALG, C.; SILVA, N. e LIMA, M. Cor e estra fi cação social. Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria.
SMALL, M. e NEWMAN, K. (2001). Urban poverty a er ‘The truly disadvantaged’: the rediscovery of the family, the neighborhood, and culture. Annual Review Sociology, Palo Alto, v. 27, pp. 23-45.
SOARES, S. (2000). O perfi l da discriminação no mercado de trabalho – Homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Texto para discussão n. 769. Brasília, IPEA.
______ (2008a). “A demografi a da cor: a composição da população brasileira de 1890 a 2007”. In: THEODORO, M. (org.). As polí cas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea.
______ (2008b). “A trajetória da desigualdade: a evolução da renda rela va dos negros no Brasil”. In: THEODORO, M. (org.). As polí cas públicas e a desigualdade racial no Brasil – 120 anos após a abolição. Brasília, Ipea.
TELLES, E. (1992). Residen al segrega on by skin color in Brazil. American Sociological Review, v. 57, n. 2, pp. 186-197.
______ (2004). Race in another America. Princeton, Princeton University Press.
VILELA, E.; COLLARES, A. e NORONHA, C. (2012). A situação socioeconômica de minorias étnico/raciais no mercado de trabalho brasileiro. In: XXXVI ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. Anais. Águas de Lindóia/SP.
VILLAÇA, F. (2001). Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp.
WILSON, W. J. (1987). The truly disadvantaged: the inner city, the underclass, and public policy. Chicago: University of Chicago Press, 1990.
______ (2009). More than just race: being Black and poor in the inner city. Nova York, Norton & Company.
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 285
Coefi cientes do Modelo 1, de Mínimos Quadrados Ordinários(Global)
Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Signifi cância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1.
(ª) Coefi cientes padronizados são utilizados para que se possa fazer uma comparação entre quanto as covariá-veis estão associadas com a variável dependente. Por exemplo, entre os coefi cientes acima, a educação tem maior associação com a renda dos indivíduos. Seu coefi ciente é dado por sua subtração da média da variável por seu desvio-padrão. Sua interpretação pode ser feita da seguinte maneira: o aumento de um desvio-padrão da variável X1 aumenta a variável dependente em um desvio-padrão.
Log do salário por hora Modelo restrito Modelo Irrestrito Coefi cientes padronizados ª
(Constante)1,729*
(0,0153)1,802*
(0,0166)
Idade0,0211*
(0,000392)0,0212*
(0,000392)0,3289549
Idade2-0,000417*(3,03e-05)
-0,000452*(3,01e-05)
-0,091937
Carteira assinada0,148*
(0,00950)0,135*
(0,00941)0,0829118
Homem0,237*
(0,00801)0,241*
(0,00791)0,1618063
Anos de estudo0,0958*
(0,00135)0,0943*
(0,00132)0,4801315
Branco0,216*
(0,00778)0,177*
(0,00826)0,1197016
RM Salvador-0,244*(0,0119)
-0,088551
RM Recife-0,389*(0,0120)
-0,1272354
RM Belo Horizonte-0,0919*(0,0111)
-0,0395204
RM Rio de Janeiro-0,0923*(0,0113)
-0,050905
RM Porto Alegre-0,0639*(0,0104)
-0,0247199
Intrametropolitano0,0959*
(0,00801)0,0646598
N 30.080 30.080
R² ajustado 0,368 0,391
BIC -256637,496 -257701,812
ANEXO
Leonardo Souza Silveira, Jerônimo Oliveira Muniz
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014286
Coefi cientes do Modelo 2, de Mínimos Quadrados Ordinários (Metropolitano)
Obs.: Erros-padrão apresentados dentro dos parênteses. Signifi cância representada por: * p<0,01, ** p<0,05, *** p<0,1.
Log do salário por hora
RMRecife
RMSalvador
RMBelo Horizonte
RMRio de Janeiro
RMSão Paulo
RMPorto Alegre
(Constante)1.355*
(0,0356)1.526*
(0.0348)1.746*
(0.0335)1.820*
(0.0325)1.763*
(0.0289)1.774*
(0.0304)
Idade0.0198*
(0.00101)0.0214*
(0.000905)0.0221*
(0.000883)0.0187*
(0.000877)0.0223*
(0.000701)0.0205*
(0.000703)
Idade2 -0.000158***(8.51e-05)
-0.000219*(7.17e-05)
-0.000501*(6.63e-05)
-0.000406*(6.49e-05)
-0.000508*(5.40e-05)
-0.000469*(5.45e-05)
Carteira assinada0.272*
(0.0228)0.176*
(0.0205)0.0497**(0.0213)
0.0970*(0.0208)
0.164*(0.0174)
0.0640*(0.0177)
Sexo (Homem=1)0.157*
(0.0202)0.256*
(0.0180)0.289*
(0.0174)0.175*
(0.0179)0.260*
(0.0140)0.266*
(0.0146)
Anos de estudo0.0936*
(0.00296)0.0973*
(0.00301)0.0941*
(0.00293)0.0879*
(0.00276)0.0961*
(0.00247)0.0975*
(0.00256)
Raça (Branco=1)0.165*
(0.0203)0.303*
(0.0283)0.138*
(0.0182)0.160*
(0.0178)0.190*
(0.0137)0.145*
(0.0166)
Centro-Periferia (Centro=1)
0.0818*(0.0198)
0.00327(0.0214)
0.146*(0.0174)
0.134*(0.0175)
0.0789*(0.0137)
0.0968*(0.0165)
N 4.051 4,626 4,106 4,877 6,617 5,803
R² ajustado 0,373 0.382 0.388 0.323 0.390 0.365
BIC -26066,763 -30639,960 -27393,085 -32271,252 -47043,367 -40634,487
Variações intra e intermetropolitana da desgualdade de renda racial
Cad. Metrop., São Paulo, v. 16, n. 31, pp. 263-287, jun 2014 287
Co
efi c
ien
tes
do
Mo
del
o 3
, de
Mín
imo
s Q
uad
rad
os
Ord
inár
ios
(Rac
ial-
Met
rop
olit
ano
)
Obs
.: Er
ros-
padr
ão a
pres
enta
dos
dent
ro d
os p
arên
tese
s. S
igni
fi cân
cia
repr
esen
tada
por
:
* p<
0,01
, **
p<0,
05, *
** p
<0,
1.
RM R
ecif
eRM
Sal
vado
rRM
Bel
o H
oriz
onte
RM R
io d
e Ja
neir
oRM
São
Pau
loRM
Por
to A
legr
e
Bran
cos
Neg
ros
Bran
cos
Neg
ros
Bran
cos
Neg
ros
Bran
cos
Neg
ros
Bran
cos
Neg
ros
Bran
cos
Neg
ros
(Con
stan
te)
1.26
7*(0
.060
4)1.
523*
(0.0
434)
1.19
8*(0
.114
)1.
641*
(0.0
363)
1.64
8*(0
.063
4)1.
898*
(0.0
374)
1.73
1*(0
.052
5)2.
057*
(0.0
400)
1.70
6*(0
.042
4)2.
093*
(0.0
367)
1.83
5*(0
.034
0)2.
055*
(0.0
531)
Idad
e0.
0240
*(0
.001
69)
0.01
68*
(0.0
0125
)0.
0335
*(0
.002
55)
0.01
88*
(0.0
0097
0)0.
0239
*(0
.001
46)
0.01
99*
(0.0
0108
)0.
0204
*(0
.001
29)
0.01
64*
(0.0
0117
)0.
0253
*(0
.000
925)
0.01
58*
(0.0
0100
)0.
0219
*(0
.000
792)
0.01
42*
(0.0
0146
)
Idad
e2-0
.000
172
(0.0
0013
5)-0
.000
1***
(0.0
0010
8)-0
.000
595*
(0.0
0020
0)-0
.000
219*
(7.5
3e-0
5)-0
.000
476*
(0.0
0011
5)-0
.000
520*
(7.7
2e-0
5)-0
.000
469*
(9.8
4e-0
5)-0
.000
377*
(8.0
1e-0
5)-0
.000
554*
(7.5
3e-0
5)-0
.000
474*
(7.0
0e-0
5)-0
.000
503*
(6.4
1e-0
5)-0
.000
301*
(9.4
9e-0
5)
Cart
eira
as
sina
da0.
216*
(0.0
404)
0.30
8*(0
.027
0)0.
0948
(0.0
651)
0.19
8*(0
.021
2)0.
0429
(0.0
379)
0.07
02*
(0.0
205)
0.11
7*(0
.031
2)0.
0857
*(0
.027
5)0.
156*
(0.0
247)
0.18
8*(0
.023
3)0.
0583
*(0
.020
5)0.
106*
(0.0
337)
Hom
em0.
158*
(0.0
330)
0.14
3*(0
.025
0)0.
308*
(0.0
515)
0.24
4*(0
.018
8)0.
318*
(0.0
304)
0.26
0*(0
.020
5)0.
192*
(0.0
262)
0.16
2*(0
.023
6)0.
261*
(0.0
192)
0.26
2*(0
.018
9)0.
280*
(0.0
168)
0.20
1*(0
.027
8)
Ano
s de
est
udo
0.12
1*(0
.004
92)
0.07
50*
(0.0
0373
)0.
155*
(0.0
0832
)0.
0844
*(0
.003
26)
0.11
4*(0
.005
02)
0.07
82*
(0.0
0357
)0.
107*
(0.0
0400
)0.
0648
*(0
.003
79)
0.12
0*(0
.003
43)
0.05
66*
(0.0
0327
)0.
106*
(0.0
0296
)0.
0620
*(0
.004
84)
Intr
amet
ropo
litan
o0.
145*
(0.0
326)
0.02
42(0
.024
5)0.
0835
(0.0
609)
-0.0
0976
(0.0
224)
0.18
7*(0
.031
3)0.
107*
(0.0
207)
0.19
0*(0
.025
8)0.
0735
*(0
.023
2)0.
0937
*(0
.019
1)0.
0455
**(0
.018
5)0.
0987
*(0
.019
3)0.
0592
**(0
.028
6)
N1,
565
2,48
670
43,
922
1,59
32,
513
2,50
62,
371
3,85
02,
767
4,64
61,
157
R² a
just
ado
0.42
70.
301
0.50
60.
307
0.42
20.
313
0.35
00.
213
0.41
80.
256
0.37
20.
256
BIC
-841
0,54
6-1
5026
,863
-315
4,94
5-2
5644
,539
-878
9,65
8-1
5954
,880
-146
12,4
97-1
4398
,389
-248
80,5
11-1
7982
,232
-312
40,7
78-6
612,
033
Instruções aos autores
ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL
A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografi a, Demografi a e Ciências Sociais.
A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafi os colocados à adoção de modelos de gestão, baseados na governança urbana.
CHAMADA DE TRABALHOS
A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada; os textos livres terão fl uxo contínuo de recebimento.
Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para o português.
AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS
Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos autores quanto dos pareceristas.
Caberá aos Editores Científi cos e à Comissão Editorial a seleção fi nal dos textos recomendados para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científi ca, clareza de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema.
COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES
Os autores serão comunicados por e-mail da decisão fi nal, e a revista não se compromete a devolver os originais não publicados.
OS DIREITOS DO AUTOR
A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor receberá dois exemplares do número em que for publicado seu trabalho.
O conteúdo do texto é de responsabilidade do(s) autor(es).
NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS
Os trabalhos devem conter:
• título, em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês;
• texto, digitado em Word, espaço 1,5, fonte arial tamanho 11, margem 2,5, tendo no máximo 25 (vinte e cinco) páginas, incluindo tabelas, gráfi cos, fi guras, referências bibliográfi cas; as imagens devem ser em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm;
• resumo/abstract de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e outro em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave em português, ou na língua em que o artigo foi escrito, e em inglês;
• referências bibliográfi cas, conforme instruções solicitadas pelo periódico.
Os trabalhos submetidos à Cadernos Metrópole devem ser enviados pelo sistema, da seguinte maneira: (1) se o/s autor/es não possuir/em cadastro ainda, favor clicar aqui; (2) no cadastro, preencher principalmente os seguintes campos: nome, e-mail, instituição (vínculo), e no campo “Resumo da Bio-grafi a” defi nir sua titulação mais alta, lugar de trabalho e função de cada um; (3) depois de cadastra-do, o autor deve acessar o sistema clicando aqui.
Importante:
• A autoria NÃO DEVE constar no documento. As informações a seguir devem ser preenchidas no passo 3 da submissão (Inclusão de Metadados): nome do autor, formação básica, instituição de formação, titulação acadêmica, atividade que exerce, instituição em que trabalha, unidade e departa-mento, cidade, estado, país, e-mail, telefone e endereço para correspondência.
• É imprescindível o envio do Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Au-torais, datado e assinado pelo(s) autor(es). O documento deve ser transferido no passo 4 da submissão (Transferência de Documentos Suplementares). Em caso de dúvida, consulte o Manual de Submissão pelo Autor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As referências bibliográficas, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão ser colocadas no fi nal do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções:
LivrosAUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo:CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Capítulos de livros
AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em
Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
Artigos de periódicos
AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e fi nal do artigo.
Exemplo:TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos
Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Trabalhos apresentados em eventos científicos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e fi nal.
Exemplo:SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e fi nanciamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/ SAS, pp. 193-207.
Teses, dissertações e monografias
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo:FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso. Exemplo:FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Dis-
ponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em: 8 set 2005.
Rede Observatório das Metrópoles
EstadoInstituição Coordenador
Belém Universidade Federal do ParáSimaia Mercês
Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisLuciana Andrade
Brasília Universidade de BrasíliaRômulo Ribeiro
Curitiba IpardesRosa Moura
Fortaleza Universidade Federal do CearáClélia Lustosa
Goiânia Universidade Católica de GoiásAristides Moysés
Maringá Universidade Estadual de MaringáAna Lucia [email protected]
Natal Universidade Federal do Rio Grande do NorteMaria do Livramento M. Clementino
Porto Alegre Fundação de Economia e EstatísticaRosetta [email protected]
Recife Universidade Federal de PernambucoAngela Maria Gordilho Souza
Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de JaneiroLuiz César de Queiroz Ribeiro
Salvador Universidade Federal da BahiaInaiá Maria Moreira Carvalho
Santos Universidade Católica de SantosMarinez Brandão
São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São PauloLucia Maria Machado Bógus
Vitória Instituto Jones dos Santos NevesCaroline Jabour
Cadernos Metrópole
vendas e assinaturas
Exemplar avulso: R$20,00Assinatura anual (dois números): R$36,00
Enviar a fi cha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancá-rio realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3, para o email: [email protected]
Exemplares nºs _________
Assinatura referente aos números _____ e _____
Nome ___________________________________________
Endereço ________________________________________
Cidade ____________________ UF _____ CEP _________
Telefone ( ) _______________ Fax ( ) _____________
E-mail __________________________________________
Data ________ Assinatura __________________________