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Quem defende a criança queer? - Beatriz Preciado
Traduzido por Fer Nanda, Quinta, 17 de janeiro de 2013 às 00:23 ·
Os católicos, os judeus e muçulmanos integralistas, os copeístas* desinibidos, os psicanalistas edipianos, os
socialistas naturalistas à la Jospin, os esquerdistas heteronormativos e o rebanho crescente dos modernos
reacionários se juntaram neste domingo para fazer do direito das crianças a ter pai e mãe o argumento central
que justifica a limitação dos direitos dos homossexuais. Foi o dia deles de sair, um gigantesco “sair do armário”
dos heterócratas. Eles defendem uma ideologia naturalista e religiosa que conhecemos muito bem. A sua
hegemonia heterosexual sempre esteve baseada no direito de oprimir as minorias sexuais e de gênero. Eles têm
o hábito de levantar o facão. Mas o que é problemático é que forçam as crianças a carregar esse facão
patriarcal.
A criança que Frigide Barjot diz que protege não existe. Os defensores da infância e da família apelam à família
política que eles mesmos constroem, e a uma criança que se considera de antemão heterossexual e submetida à
norma de gênero. Uma criança que privam de qualquer forma de resistência, de qualquer possibilidade de usar
seu corpo livre e coletivamente, usar seus órgãos e seus fluidos sexuais. Essa infância que eles afirmam proteger
exige o terror, a opressão e a morte.
Frigide Barjot, a musa deles, aproveita que é impossível para uma criança se rebelar politicamente contra o
discurso dos adultos: a criança é sempre um corpo ao qual não se reconhece o direito de governar. Permitam-
me inventar, retrospectivamente, uma cena de enunciação, de dar um direito de réplica em nome da criança
governada que eu fui, de defender outra “forma de governo” das crianças que não são como as outras.
Em algum momento fui a criança que Frigide Barjot se orgulha de proteger. E me revolto hoje em nome das
crianças que esses discursos falaciosos esperam preservar. Quem defende o direito das crianças diferentes? Os
direitos do menino que adora se vestir de rosa? Da menina que sonha em se casar com a sua melhor amiga? Os
direitos da criança queer, bicha, sapatão, transexual ou transgênero? Quem defende o direito da criança a
mudar de gênero, se for da vontade dela? Os direitos das crianças à livre autodeterminação de gênero e de
sexualidade? Quem defende os direitos da criança a crescer num mundo sem violência sexual ou de gênero?
O discurso onipresente de Frigide Barjot e dos protetores dos “direitos da criança a ter um pai e uma mãe” me
faz lembrar a linguagem do catolicismo nacional da minha infância. Nasci na Espanha franquista, onde cresci
com uma família heterossexual católica de direita. Uma família exemplar, para quem os copeístas poderiam erigir
uma estátua como emblema da virtude moral. Tive um pai, e uma mãe, que cumpriram escrupulosamente a sua
função de garantir domesticamente a ordem heterossexual.
No discurso francês atual contra o matrimônio e a Procriação com Acompanhamento Médico (PMA) /
Inseminação Artificial para todos, reconheço as idéias e os argumentos do meu pai. Na intimidade do lar, ele
usava um silogismo que evocava a natureza e a lei moral com a intenção de justificar a exclusão, a violência e
inclusive o assassinato dos homossexuais, travestis e transexuais. Começava com “um homem deve ser um
homem e uma mulher, uma mulher, como Deus quis”, continuava com “o que é natural é a união entre um
homem e uma mulher, é por isso que os homossexuais são estéreis”, até a conclusão, implacável, “se o meu
filho é homossexual prefiro matar ele”. E esse filho, era eu.
A criança a ser protegida da Frigide Barjot é o resultado de um dispositivo pedagógico terrível, o lugar onde se
projetam todos os fantasmas, a justificativa que permite que o adulto naturalize a norma. A biopolítica** é
vivípara e pedófila. A reprodução nacional depende disso. A criança é um artefato biopolítico que garante a
normalização do adulto. A polícia de gênero vigia o berço dos seres que estão por nascer, para transformá-los
em crianças heterosexuais. A norma ronda os corpos meigos. Se você não é heterossexual, é a morte o que te
espera. A polícia de gênero exige qualidades diferentes do menino e da menina. Dá forma aos corpos com o
objetivo de desenhar órgãos sexuais complementares. Prepara a reprodução da norma, da escola até o
Congresso, transformando isso numa questão comercial. A criança que a Frigide Barjot deseja proteger é a
criatura de uma máquina despótica: um copeísta diminuído que faz campanha para a morte em nome da
proteção da vida.
Lembro do dia em que, na minha escola de freiras, Irmãs Reconstituidoras do Sagrado Coração de Jesus, a
madre Pilar nos pediu para desenhar a nossa futura família. Eu tinha sete anos. Desenhei eu casada com a
minha melhor amiga, Marta, três crianças e vários cachorros e gatas. Eu tinha imaginado uma utopia sexual, na
qual existia casamento para todos, adoção, PMA… Alguns dias depois a escola enviou uma carta à minha casa,
aconselhando os meus pais a me levarem a um psiquiatra, para consertar o mais rápido possível o problema de
identificação sexual. Depois dessa visita, vieram várias represálias. O desprezo e a rejeição do meu pai, a
vergonha e a culpa da minha mãe. Na escola foi espalhado o rumor de que eu era lésbica. Uma manifestação de
copeístas e frigide-barjotianos era organizada todos os dias na frente da minha sala de aula. “Sai daí sapatão,
diziam, você vai ser violada para aprender a beijar como Deus ensinou.” Eu tinha um pai e uma mãe, mas eles
foram incapazes de me proteger da depressão, da exclusão, da violência.
O que o meu pai e minha mãe protegiam não eram os meus direitos de criança, mas as normas sexuais e de
gênero que dolorosamente eles mesmos tinham internalizado, através de um sistema educativo e social que
castigava todas as formas de dissidência com a ameaça, a intimidação, o castigo, e a morte. Eu tinha um pai e
uma mãe, mas nenhum dos dois pôde proteger o meu direito à livre autodeterminação de gênero e de
sexualidade.
Eu fugi desse pai e dessa mãe que Frigide Barjot exige para mim, a minha sobrevivência dependia disso. Assim,
ainda que tivesse um pai e uma mãe, a ideologia da diferença sexual e a heterossexualidade normativa
roubaram eles de mim. O meu pai foi reduzido ao papel de representante repressivo da lei de gênero. A minha
mãe foi privada de tudo o que podia ir além da sua função de útero, de reprodutora da norma sexual. A
ideologia de Frigide Barjot (que está ligada com o franquismo católico nacional daquela época) impediu àquela
criança que eu era ter um pai e uma mãe que poderiam me amar e cuidar de mim.
Levou muito tempo, conflitos e cicatrizes superar essa violência. Quando o governo socialista do Zapatero
propôs, em 2005, a lei do casamento homossexual na Espanha, meus pais, sempre católicos praticantes de
direita, se manifestaram a favor dessa lei. Eles votaram a favor do partido socialista pela primeira vez na vida
deles. Eles não se manifestaram só a favor da defesa dos meus direitos, mas também para reivindicar o próprio
direito deles de serem pai e mãe de uma criança não-heterossexual. Votaram pelo direito à paternidade de todas
as crianças, independentemente do seu gênero, sexo ou orientação sexual. A minha mãe me contou que teve
que convencer o meu pai, mais reacionário. Ela me disse “nós também, nós também temos o direito de ser os
seus pais”.
Os manifestantes do dia 13 de janeiro em Paris não defenderam o direito das crianças. Eles defendem o poder
de educar os filhos dentro da norma sexual e de gênero, como se fossem supostamente heterossexuais. Eles
desfilam para conservar o direito de discriminar, castigar e corrigir qualquer forma de dissidência ou desvio, mas
também para lembrar aos pais dos filhos não-heterossexuais que o seu dever é ter vergonha deles, rejeitá-los e
corregi-los. Nós defendemos o direito das crianças a não serem educadas exclusivamente como força de
trabalho e de reprodução. Defendemos o direito das crianças e adolescentes a não serem considerados futuros
produtores de esperma e futuros úteros. Defendemos o direito das crianças e dos adolescentes a serem
subjetividades políticas que não se reduzem à identidade de gênero, sexo ou raça.
* Seguidor de Jean-François Copé, político francês.
** Conceito de Michel Foucault que designa um poder exercido sobre o corpo e as populações.
Beatriz Preciado é filósofa, diretora do Programa de Estudos Independentes do Museu d’Art Contemporani de
Barcelona (MACBA). Autora dos livros El manifiesto contra-sexual (2002), Testo Yonqui (2008) e Pornotopía.
Arquitectura y sexualidad en “Playboy” durante la Guerra Fría (2010).
“Qui défend l’enfant queer?” foi originalmente publicado em francês
em:http://www.liberation.fr/societe/2013/01/14/qui-defend-l-enfant-queer_873947
Em espanhol: http://artilleriainmanente.blogspot.mx/2013/01/beatriz-preciado-quien-defiende-al-nino.html
Tradução: Fernanda Nogueira
Acessado em: http://www.facebook.com/notes/fer-nanda/quem-defende-a-
crian%C3%A7a-queer-beatriz-preciado/10151417997751125 Em: 26/01/2013.
Beatriz Preciado
Beatriz Preciado
Filósofa Transgénero Pansexual
Nacimiento 1970
Burgos, España
Residencia París
Nacionalidad Española
Ocupación Profesora, teoría del género
Beatriz Preciado (Burgos, 1970) es una filósofa feminista. Se destaca por ser una de las principales
referentes mundiales de la Teoría Queery la filosofía del género. Ha sido discípula de Ágnes
Heller y Jacques Derrida
Índice
[ocultar]
1 Trayectoria
2 Referencias
3 Véase también
4 Enlaces externos
[editar]Trayectoria
Se doctoró en Teoría de la Arquitectura en la Universidad de Princeton, donde obtuvo premio
extraordinario fin de carrera y donde fue investigadora bajo la dirección de Betriz Colomina. Obtuvo
un máster de Filosofía Contemporánea y Teoría de Género en la New School for Social Research
de Nueva York. Fue alumna de Ágnes Heller y Jacques Derrida.Marcha en 1999 a París gracias a
una invitación de Derrida para participar en los seminarios de L'École des Hautes Etudes en
Sciences Sociales. En esos años destacó por su colaboración en los inicios de la Teoría Queer en
Francia, concretamente con un grupo de escritores liderado por Guillaume Dustan y conocido como
Rayon Gay.
Ha colaborado con el MACBA en la organización de los seminarios Pornografía, pospornografía:
estéticas y políticas de representación sexual(junio de 2003) e Identidades minoritarias y sus
representaciones críticas (febrero-noviembre de 2004) Actualmente es directora del Programa
"Somateca: feminismos, producción biopolítica, prácticas queer y trans" en el Centro de Estudios
Avanzados del Museo Nacional Reina SofíaEs profesora de la cátedra Técnicas del cuerpo en
la Universidad París VIII y es autora de numerosos artículos publicados en las revistas Multitudes,
Eseté o Artecontexto, entre otras.
En su primer libro, Manifiesto Contra-sexual (2002), inspirada por las tesis de Michel Foucault,
reflexiona sobre los modos de subjetivación e identidad, así como sobre la construcción social y
política del sexo, tomando parte a raíz de ello en distintos foros internacionales. Será traducido a
varios idiomas, siendo hoy una referencia indispensable en la teoría queer.
A Manifiesto Contra-sexual le seguirá en 2008 (y publicado por Espasa en la edición en
castellano) Testo Yonqui, donde hace un recorrido y análisis de lo que denomina régimen
farmacopornográfico, es decir, el capitalismo en el que las industrias farmacéutica y de la
pornografía juegan un papel crucial. Denomina, por tanto, al actual sistema capitalista,
capitalismofarmacopornográfico. Los capítulos dedicados a este análisis se complementan con
aquellos en los que, de forma autobiográfica, Beatriz Preciado describe el proceso de
autoadministración de testosterona al que se somete. En palabras de la propia autora:
Este libro no es una autoficción. Se trata de un protocolo de intoxicación voluntaria a base de
testosterona sintética que concierte el cuerpo y los afectos de B.P. Es un ensayo corporal.1
En abril de 2010 queda finalista del Premio Anagrama de Ensayo en su XXXVIII edición2 con el
libro Pornotopía. Arquitectura y sexualidad en «Playboy» durante la guerra fría. El jurado del premio
estaba compuesto por Salvador Clotas, Román Gubern, Xavier Rubert de Ventós, Fernando
Savater, Vicente Verdú y el editor Jorge Herralde.