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Atuações Educativas De Êxito: Possibilidades Para Potencializar O Respeito Às Diferenças No Contexto Escolar Constantino de Lima, Francisca; Rodrigues de Mello, Roseli,
Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE/UFSCar), Brasil, [email protected]
Resumen: As atuações educativas de êxito são práticas educativas inclusivas que possibilitam os
melhores resultados educacionais para todo o alunado. Visam superar o fracasso escolar e
melhorar a convivência entre todas(os). Este artigo apresenta algumas reflexões acerca das
contribuições dessas práticas educativas, mais especificamente grupo interativo e tertúlia
literária dialógica para a valorização da diversidade e o respeito às diferenças entre negros e
brancos no contexto brasileiro, bem como para o fortalecimento da identidade negra. Para
tanto, nos pautamos na investigação concluída em 2014, de caráter qualitativo e embasada na
metodologia comunicativa. Como resultado, identificamos que as atuações educativas de êxito
potencializam um diálogo mais respeitoso sobre as diferenças, valoriza a diversidade e com
isso fortalece as diferentes identidades.
Palabras clave: atuações educativas de êxito, respeito às diferenças, negro, educação
1. Objetivos o propósitos:
Este trabalho apresenta alguns resultados de pesquisa concluída em fevereiro de
2014, que buscou contribuir para ações mais efetivas frente ao fortalecimento da
identidade da criança negra na escola
2. Marco teórico:
Segundo Gomes (2009), o Brasil representa uma das maiores sociedades
multirraciais do mundo e que abriga um contingente significativo de africanos dispersos
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na diáspora. Contudo, isso não significa que negros e brancos vivam em igualdade
social, racial e cultural. Longe do discurso da democracia racial configurado como
falácia, a realidade brasileira está distante da igualdade entre negros e brancos.
Como explica Cavalleiro (2012), a ideologia da “democracia racial” aparece
como um elemento complicador, pois mantém os conflitos étnicos fora do palco das
discussões e pouco contribui para melhorar concretamente a situação dos negros.
De acordo com o censo 2010, o país conta com uma população de 191 milhões
de habitantes, dos quais 91 milhões se classificam como brancos (47,7%), 97 milhões
como negros (pretos e pardos) (50,7%), 2 milhões como amarelos (1,1%) e 817 mil
indígenas (0,4%). (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2011)
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2014) indicam que
apesar do avanço nas condições de inserção econômica e social do segmento negro da
população na última década, ainda persistem os diferenciais que colocam os negros em
desvantagem, comparativamente em relação aos brancos.
Em quadro comparativo dos anos de 2001 e 2012, verifica-se respectivamente a
diminuição de 38,1% para 14,7% da população negra que vivia com uma renda per
capita de 0,5 salários mínimos, enquanto a população branca diminuiu de 17,3% para
6,2%. Em relação à população que vive com uma renda per capita de 1,5 salários
mínimos, também entre os anos de 2001 e 2012, verifica-se que aumenta de 27,7% para
44,9% a população negra que vive com esta renda, enquanto o número da população
branca também aumenta de 39,2% para 44,9%. Os dados apresentados indicam uma
redução na pobreza extrema tanto para negros quanto brancos, porém não significa que
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alcançamos equidade entre estes grupos, pois as desigualdades raciais permanecem
devido às enormes desvantagens acumuladas pelo segmento negro ao longo da história
do país. (Ipea, 2014)
Quanto à escolaridade em 2001, o percentual da população a ingressar no ensino
superior era de 14,1 % de brancos e 3,2% de negros. Em 2012, passou-se a 22,2% de
brancos e 9,6% negros. (Ipea, 2014) Os dados indicam que atualmente as condições de
vida para os negros estão melhorando, mas ainda há muito trabalho para de fato
alcançarmos a igualdade de oportunidades.
Para compreendermos melhor esse quadro de desigualdade no país, precisamos
entender que o racismo está presente na sociedade brasileira e revela-se basicamente em
três níveis: individual – quando um membro de um grupo racial (branco, por exemplo)
julga-se superior a outro; institucional – a partir de algumas práticas institucionais que
limitam as escolhas, os direitos, a mobilidade e o acesso de um grupo de pessoas (negro,
por exemplo) a determinadas posições, e cultural – pode ser entendido como a
expressão da superioridade da herança cultural de um grupo étnico e racial em relação a
outro (europeu, por exemplo). (Silva, 2001)
Como explicam Munanga e Gomes (2006),
O racismo no Brasil se dá de um modo muito diferente de outros contextos, alicerçado
em uma constante contradição. As pesquisas, histórias de vida, conversas e vivências
cotidianas revelam que ainda existe racismo em nosso país, mas o povo brasileiro, de
modo geral, não aceita que tal realidade exista (...). (p. 181)
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Nessa perspectiva, Ianni (2004) reforça que na sociedade brasileira tende a
prevalecer o mito da igualdade étnica e racial. Tal ideologia está tão arraigada no povo
brasileiro que os negros são levados a pensarem-se no espelho do branco, ou seja,
pensam-se a partir dos estereótipos inerentes ou explícitos na ideologia do branco. Este
fato ocorre pela total negação do negro, da sua história e da sua cultura. Vale destacar
que o Brasil foi o último país do ocidente a libertar a população negra da escravidão e
esse passado toma forma nas práticas racistas que persistem até hoje e, muitas vezes,
delimita socialmente um “lugar” para negros e brancos.
Assim, a criança, o jovem, o adulto negro precisam, ao longo da vida, aprender a
enfrentar o racismo e fortalecer a sua identidade, pois a negação da negritude brasileira
e da sua ancestralidade é um fato, que vem se modificando ao longo dos últimos anos
graças às reivindicações do movimento negro, que sempre esteve presente na luta por
igualdade de oportunidades e pela valorização da história e cultura negras.
No sentido de superação do racismo, destacamos o papel da escola tanto na
valorização da história e cultura negra quanto no fortalecimento da identidade da
criança negra. Como explica Coelho (2009), a escola é o lugar de encontro das
diferentes culturas, por isso, pode ser um espaço dinâmico, não só de encontro, mas
também de relação entre elas e entre os sujeitos no interior das culturas. Assim, é
possível nela pensar no fortalecimento das diferentes identidades, bem como na
valorização de suas culturas, uma vez que compreendemos a escola como espaço que
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pode valorizar as diferentes identidades a partir de referenciais positivos para as
crianças.
Na perspectiva de superação de racismo, apresentamos as atuações educativas de
êxito (AEEs) como possibilidade para a valorização da diversidade e o fortalecimento
das diferentes identidades no contexto escolar. As AEEs têm por objetivo superar o
fracasso escolar e melhorar a convivência entre todas(os). Estas ações foram
identificadas e analisadas no Projeto INCLUD-ED: Strategies for inclusion and social
cohesion form Investigación de la Unión Europea (2006-2011). (Relatório Includ-ed,
2012)
Conforme o Relatório INCLUD-ED (2012), as AEEs são práticas educativas que
chegam aos melhores resultados de desempenho acadêmico, que promovem a melhora
da convivência nas escolas que as realizam e são transferíveis a diferentes contextos. A
saber: grupos interativos, tertúlias dialógicas, participação educativa da comunidade,
formação de familiares, modelo dialógico de resolução e prevenção de conflitos,
formação dialógica de professorado.
A partir de estudos no contexto brasileiro, constatamos que as AEEs, mais
especificamente os grupos interativos e a tertúlia literária dialógica, possibilitam tanto a
valorização da diversidade no contexto escolar, quanto o fortalecimento da identidade
negra, pois essas práticas educativas fomentam o respeito a partir da convivência entre
diferentes pessoas (entrada do voluntariado nas atuações educativas, como grupos
interativos); a escuta e a fala em diálogo igualitário, sobre temas como desigualdades
raciais, sociais e de gênero (em tertúlias dialógicas).
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3. Metodología:
A investigação, de caráter qualitativo, tomou como base a metodologia
comunicativa elaborada pela Comunidade de Pesquisa de Excelência para Todos
(CREA), da Universidade de Barcelona (UB), na Espanha, ancorada principalmente na
teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas e na dialogicidade de Paulo Freire.
Segundo Elboj (2001), a metodologia comunicativa permite que as pessoas
participantes da investigação interatuem e, coletivamente, criem formas de
comunicação, entendimento e transformação de suas vidas e do seu entorno. Sua
aplicabilidade está nas atuações contextualizadas dos diferentes sujeitos sociais nas
interações que se produzem, entendidas como geradoras de conhecimento. (Flecha,
Gómez & Puigvert, 2010)
O quadro abaixo sintetiza os dados coletados e o perfil das professoras
participantes. Ressaltamos que as pessoas citadas participaram de todos os grupos de
discussão.
Quadro – Organização da investigação
Técnica Dados
Cinco grupos de discussão comunicativos.
Documentação - Revisão bibliográfica base SciELO.
- Revisão bibliográfica GT21 da ANPED.
Técnica
5 Grupos de discussão
comunicativo.
Código Data Pseudônimo Perfil das pessoas participantes dos grupos
de discussão comunicativo
GD1 31/05/12 Maria/negra Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em Pedagogia e Mestre
em Educação.
GD2 07/08/12 Alda/negra Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em Pedagogia.
GD3 21/09/12 Luana/negra Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em Pedagogia e Mestre
em Educação.
GD4p1;
GD4p2
04/10/13 Dorotéia/negra Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em Pedagogia e
Especialização em Estudos Culturais Afro-
brasileiros e Africanidades.
Organizado por:
GD5 31/10/13 Patrícia/branca Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em Pedagogia e
Psicopedagogia.
Catarina/branca Professora das séries iniciais do ensino
fundamental. Formação em História e
Psicopedagogia.
4. Discusión de los datos, evidencias, objetos o materiales
A partir do diálogo reflexivo com as professoras negras e brancas, por meio dos
grupos de discussão comunicativos, foi possível constatar que as práticas de grupo
interativo, assim como de tertúlia literária dialógica potencializam a valorização da
diversidade no contexto escolar, bem como o respeito às diferenças. O estudo teórico
de modo geral evidencia a dificuldade da sociedade brasileira em pensar a identidade
negra, uma vez que vive sob a égide do mito da democracia racial e alguns trabalhos
indicam a escola como espaço de reprodução das desigualdades raciais, mas também
como lugar de possibilidades para a superação do racismo, fortalecimento das
identidades e valorização da diversidade.
Com base nas falas das professoras constatamos que as AEEs são práticas que
favorecem tanto a aprendizagem das(os) estudantes quanto a valorização da diversidade.
Em específico, no contexto brasileiro, estas práticas possibilitam o fortalecimento da
identidade negra e fomentam o respeito às diferenças, uma vez que a entrada de
diferentes pessoas na sala de aula ajuda a cada pessoa a se educar na relação com o
outro diferente e com isso estabelecer o respeito e a valorização da diversidade.
Conhecer algumas pessoas faz a diferença, por exemplo, eu conheço a Professora
Dorotéia/negra que é casada com o Domingos que é africano e tem alguns
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conhecimentos, além de outras pessoas, o Cássio amigo pessoal da Dorotéia, o Nilson
que é de Cabo Verde (...) Se não tivesse essas pessoas talvez o trabalho fosse mais
difícil, o que ajudou muito. O Cássio veio para conversar com as crianças, foi uma
conversa super legal, ele ensinou algumas palavras em Crioulo (...) estudamos como era
o país dele, como era a bandeira e o registro que a Alda fala que faz a diferença, uma
das atividades foi uma listagem dos países africanos, depois lemos os nomes dos países
(...). (§9.GD5-Profa Maria/negra)
O relato da professora Maria indica o quanto a diversidade em sala de aula é rica
para a aprendizagem não somente das crianças, mas da própria educadora que salienta o
a importância de criar redes com diferentes pessoas e ter a presença destas no contexto
escolar.
Nessa perspectiva, podemos perceber na fala da professora Catarina/branca que
a tertúlia literária dialógica, por exemplo, é uma prática que possibilita a abertura do
diálogo igualitário o qual se configura tenso ao falarmos de racismo no Brasil, mas
garante o respeito e a abertura para se falar sobre o tema.
Eu acho que a tertúlia literária dialógica é uma potencialidade, é possibilitar a escuta e a
fala sobre o tema e o assunto, pelo menos toca no assunto, “opa que é isso mesmo” e
porque até então as crianças não tinham ouvido ainda. (Profa Maria/negra: um
disparador do diálogo na conversa). (§16.GD5-Profa Catarina/branca)
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Ao considerarmos as AEEs, bem como os princípios da aprendizagem dialógica
podemos observar que estas se apresentam como possibilidade enriquecedora para a
aprendizagem e para a igualdade de diferenças como afirma a professora Maria ao
pensar práticas que valorizam a diversidade em sala de aula.
Com certeza a partir da tertúlia, a partir de uma música, de uma história nós vamos para
outras aprendizagens, por exemplo, eu lembro que a partir do livro “Menina bonita do
laço de fita”, quando ela fala que o cabelo é parecido com o das princesas da África, a
partir disso, fomos atrás do mapa e as crianças começaram a se aventurar pelo mapa, ver
imagens da África. Quando teve a música do Zumbi, eu trouxe a biografia do Zumbi e
estudamos sobre a sua história. (§21.GD5-Profa Maria/negra)
Com base nas falas das professoras, as tertúlias dialógicas são consideradas um
bom instrumento para o trabalho sobre as relações raciais, pois facilita o diálogo sobre
um tema que poucos querem falar, mas que ao vivenciar os princípios da aprendizagem
dialógica ainda que a tensão se faça presente o diálogo se torna possível, e com respeito,
crianças, jovens e adultos falam sobre as suas diferenças e as desigualdades em nosso
país. Além disso, a presença de diferentes pessoas (familiares e comunidade de
entorno) no contexto escolar, seja em grupos interativos, seja em outras atividades
fortalecem as identidades, uma vez que possibilita diferentes referenciais para as(os)
estudantes.
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5. Resultados y/o conclusiones
Com base nos estudos realizados durante a investigação, podemos afirmar que a
perspectiva dialógica surge como um caminho na busca de transformação das relações
na escola e abre possibilidade para formar e valorizar as diferentes identidades no
contexto escolar.
6. Contribuciones y significación científica de este trabajo:
A partir dos intensos diálogos estabelecidos entre as professoras negras e
brancas participantes da investigação destacamos as atuações educativas de êxito como
ações que promovem o diálogo, o respeito às diferenças e a valorização da diversidade
no contexto escolar, ainda que as professoras citem apenas os grupos interativos, as
tertúlias dialógicas e a participação da comunidade, acreditamos que as demais atuações
promovem a convivência respeitosa entre todas as pessoas, uma vez que tomam como
base a aprendizagem dialógica.
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