As barreiras à integração ferroviária sul-americana e europeia
Ivanil Nunes1
Introdução
Trata-se neste trabalho das principais dificuldades relativas às iniciativas
de integração ferroviária na América do Sul e na União Europeia, no final do
século XX. O objetivo é analisar e explicar algumas das principais dificuldades
relativas à integração dos sistemas ferroviários: no continente Sul-Americano, no
âmbito da Iniciativa de Integração Regional Sul Americana (IIRSA, 2000); e na
União Europeia, a partir dos diagnósticos e das recomendações dos respectivos
Livros Brancos (1996 e 2001).
Indaga-se porque a participação do modal ferroviário na América do Sul
e na Europa é tão limitada no processo de integração dos fluxos de comércio e
de pessoas que circulam regionalmente: afinal, porque não avança a circulação
por trem? Se existem linhas férreas ligando, os principais países das respectivas
Regiões e se existem mercadorias a serem transportadas regionalmente,
considerando-se ainda o recente aumento das exportações e importações
nestas duas regiões, por que, então, não acontece, nessas regiões, aumento
proporcional dos transportes pelo modal ferroviário?
1 Prof. Dr. Ivanil Nunes - http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4773537U4 • Pós-Doutorando pela Universidade de São Paulo [Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais - Departamento de Geografia] – Bolsista FAPESP (2012-2014); Doutor (em Ciências Sociais) – Programa de Integração da América Latina – PROLAM. Universidade de São Paulo. São Paulo. Mestre (em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia - Área de concentração em História Econômica. Universidade Estadual Paulista. Graduado em Ciências Sociais (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. • Bolsista FAPESP (2012-2014). • Desde 2010 é sócio da MAIS Educação Consultores Associados. • Desde março de 2004 desempenha a função de Professor na Universidade Nove de Julho: São Paulo. • Entre 2002/2003 trabalhou na função de Professor e Assistente de Coordenação dos Cursos de Administração e Ciências Contábeis – Faculdades Integradas do Vale do Ribeira (Registro SP); • Entre 2001/2002 foi Pesquisador (bolsista FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Livros publicados: • Integração Ferroviária Sul-Americana: Porque não anda este trem? São Paulo: ANNABLUME/FAPESP, 2011. • Acumulação de capitais e sistemas de transportes terrestres no Brasil. In: GOULARTI FILHO, Alcides; QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. TRANSPORTES E FORMAÇÃO REGIONAL: Contribuições à história dos transportes no Brasil. [Org.]. Dourados. UFMS, 2011 • Ibero-América: Os desafios da integração da América Latina e sua inserção no sistema internacional. In: RAMOS, Heidy Rodrigues; WINTER, Luiz Alexandre Carta. Curitiba: Editora Juruá, 2006. • Douradense: a agonia de uma ferrovia. São Paulo: ANNABLUME/FAPESP, 2005. (www.annablume.com.br/comercio/default.php?manufacturers_id=587).
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Parte desta resposta parece estar diretamente relacionada ao tipo de
desenvolvimento econômico e social realizados historicamente pelos países
destas respectivas Regiões. Os caminhos de ferro desenvolveram-se em linhas
nacionais, o que se traduziu em dificuldades de funcionamento para além das
próprias fronteiras, no planejamento inadequado de infraestruturas e na
fragmentação dos fornecedores. Embora tenham sido realizados alguns
progressos, ainda falta muito para se concluir a integração das ferrovias aos
demais modais de transportes. As principais dificuldades para a realização da
integração internacional deste modal ainda se originam de questões
elementares: falta de interoperabilidade dos sistemas ferroviários nacionais e de
harmonização técnica; fatores que poderiam contribuir para a criação de um
mercado único de equipamento ferroviário, para intensificar as atividade de
investigação no domínio ferroviário e assegurar a participação plena dos
caminhos de ferro no sistema de transporte intermodal (Livro Branco, 1996:04).
A pertinência do tema está no fato que no modal ferroviário se
evidenciam, mais do que dificuldades em se integrar infraestruturas de
transportes; neste modal revelam-se mais explicitamente os principais entraves
para se realizar uma efetiva integração econômica das economias
contemporâneas. Acrescenta-se ainda o fato de a Iniciativa de Integração
Regional Sul-Americana (IIRSA) pareceu-nos inspirar-se no conceito das redes
transeuropeias (RTE).
Foram utilizadas, basicamente, duas principais fontes: os “Diagnóstico del
Transporte Internacional y su Infraestructura en América del Sur (DITIAS)”,
produzido pela ALADI; e dois Livros Brancos: uma estratégia para a revitalização
dos caminhos de ferro europeus" (1996) e “A Política Européia de Transportes no
Horizonte 2010: a Hora das Opções”, de 2001, ambos realizados pela União
Europeia.
A América do Sul é formada por 12 países e nela existem linhas férreas
ligando, pelo menos, sete deles. Observa-se estar ocorrendo nesta Região, desde
a década de 1990, um enorme aumento dos fluxos de comércio entre estes
países. No entanto, este aumento de fluxos de comércios não ocorre
proporcionalmente através do transporte ferroviário. Este descompasso entre o
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aumento da circulação de mercadorias, no âmbito regional, e o baixo uso do
modal ferroviário não é uma característica exclusiva do sistema de transportes sul-
americano – tal fenômeno também se observa no continente europeu.
Duas iniciativas distintas, nestas duas Regiões, demonstram preocupações
estatais com a reorganização do sistema de transportes em geral, e do ferroviário,
em particular; visto que este modal passa a ser compreendido como estratégico
para bom funcionamento do conjunto dos transportes, que passam a ser
pensados, desde a década de 1990, do ponto de vista da multimodalidade.
Na América do Sul foi criada a Iniciativa de Integração Regional Sul-
Americana (IIRSA)2, lançada durante a Cúpula de Presidentes da América do Sul,
realizada em Brasília, entre os dias 30 de agosto e 1º de setembro de 2000. Trata-
se de ambicioso plano de investimentos em infraestrutura que pretende
desenvolver e integrar as áreas de transporte, energia e telecomunicações da
América do Sul em 10 anos. A IIRSA é formada por 10 eixos de integração e
desenvolvimento definidos conforme os fluxos atuais e potenciais de
concentração econômica. Está sendo coordenada pelos doze governos sul-
americanos com o apoio técnico de três bancos multilaterais: Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF)
e Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). Também
estão envolvidos no financiamento de projetos de integração o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o setor privado. Ressalte-se
que o Brasil, pela sua condição de país continental e pelo seu potencial
econômico, está contemplado em seis eixos, dos quais quatro relacionam-se
diretamente à reconstrução logística dos países que possuem ligação ferroviária
entre si, a saber: Eixo do Mercosul (São Paulo-Montevideo-Buenos Aires-Santiago);
eixo Bolívia-Paraguai-Brasil; eixo Interoceânico Brasil-Bolívia-Peru-Chile (São Paulo-
Campo Grande-Santa Cruz de La Sierra-La Paz-Matarani-Arica-Iquique) e Eixo
Porto Alegre-Jujuy-Antofagasta.
2Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana, IIRSA, Disponível em: <http://www.iirsa.org/BancoConocimiento/O/origenes/origenes.asp?CodIdioma=ESP&CodSeccion=117> Acessado em 21/02/2013.
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Na Europa, a preocupação com a criação e o desenvolvimento de redes
transeuropeias (RTE) nos setores das infraestruturas dos transportes, das
telecomunicações e de energia já estava contemplada desde o Tratado de
Maastricht (1992), buscando articular, por meio da interconexão e a
interoperabilidade das redes nacionais, o desenvolvimento do mercado interno e
o reforço da coesão econômica e social, bem como ligar as regiões insulares,
sem litoral e periféricas, às regiões centrais da União - buscando-se assim
aproximar o território da UE dos Estados terceiros vizinhos.
Na América do Sul contemporaneamente ao lançamento da IIRSA foi
produzido pela Asociación Latinoamericana de Integración (ALADI) e Asociación
Latinoamericana de Ferrocarriles (ALAF) um diagnóstico do transporte ferroviário
no âmbito de um trabalho mais amplo de infraestrutura denominado "Diagnóstico
del Transporte Internacional y su Infraestructura en América del Sur – um estudo
cujo propósito era estabelecer um Plano Mestre para o desenvolvimento do
transporte e infraestrutura na América do Sul. La encomienda se inscribe en la necesidad de aumentar la eficiencia de los servicios de transporte, reducir sus costos y, en definitiva, hacer de éstos un instrumento efectivo para impulsar el crecimiento económico y el desarrollo de todos y cada uno de los países de la región sudamericana. Al mismo tiempo, esos servicios coadyuvarán al crecimiento del comercio y el turismo y, por ende, al fortalecimiento de la integración regional. El trabajo que hoy se presenta muestra el panorama actual de los servicios de transporte, según sus diferentes modos, incluyendo la infraestructura física, los aspectos operativos y el marco normativo institucional, que inciden directamente en su desarrollo (ALADI, 2000:5).
Por que não anda esse trem sul-americano?
Conforme é sabido, o histórico de integração sul-americano, quando
comparado ao Europeu é bastante recente. A integração na América Latina
embora defendida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
(CEPAL) desde o final da década de 1940 teve efetivo início com a criação da
Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em 1960. Por volta de
meados do século XX, outras classes sociais, de perfil urbano e industrial, passaram
a interferir nas ações estatais, em detrimento da hegemonia dos setores agrários e
exportadores. Esses novos grupos econômicos necessitavam contemplar, a partir
de então, suas demandas de circulação que iam [e vão] muito além do mercado
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interno; no presente há uma crescente demanda por circulação de pessoas e
mercadorias também no âmbito regional sul-americano. Com a ampliação d
produção industrial, após a década de 1960, modificou-se a forma de circulação
destas mercadorias, antes voltada basicamente em direção (ou proveniente do)
porto.
O comércio intrarregional latino-americano expandiu-se
consideravelmente a partir da entrada em vigor da ALALC, em 1960, ampliando-
se, inclusive, a participação dos países de economias menores no conjunto do
bloco formado pela ALALC/ALADI [Associação Latino-Americana de Livre
Comércio], conforme se pode verificar na tabela, abaixo.
Tabela 1. I) AMÉRICA LATINA: exportações para o restante do mundo; II) ALALC/ALADI: exportações intra-regional; (em milhões US$ - FOB) I) América Latina (inclusive ALALC/ALALDI): exportações para o restante do mundo Ano base 1960 = 100
1960 1970 1980 1990 1970 1980 1990 Am. Latina 6.530,2 11.695,0 85.749,0 94.074,0 179 1.313 1.441
II) Exportações intra-ALALC/ALADI (por país) Ano base 1960 = 100 País 1960 1970 1980 1990 1970 1980 1990
Uruguai 3,3 29,2 393,4 670,2 885 11.921 20.309 Colômbia 6,2 54,5 551,3 1.019,30 879 8.892 16.440 México 8,1 92,7 608 866,8 1.144 7.506 10.701 Bolívia 8,3 20,3 380,4 413,3 245 4.583 4.980 Paraguai 8,9 24,5 140,6 426,1 275 1.580 4.788 Equador 8,1 20,2 439,7 293,5 249 5.428 3.623 Brasil 88,5 304 3.459,00 3.193,50 344 3.908 3.608 Chile 33 152 1.117,00 651,8 461 3.385 1.975 Argentina 170,3 365,8 1.850,50 3.128,10 215 1.087 1.837 Peru 36,8 63,6 590,9 431,3 173 1.606 1.172 Venezuela 195,7 137,3 1.396,00 1.075,30 70 713 549 ALALC 567,2 1.264,10 10.926,8 12.169,2 223 1.926 2.145
Fonte: CEPAL. Anuario estadistico de América Latina y el Caribe.
Observa-se que o aumento das exportações intra ALALC/ALADI, foi
superior a 2.000% entre 1960-1990, maior que o acréscimo de exportações da
América Latina para o restante do mundo, que cresceu em torno de 1300%, no
mesmo período. Quando considerados os onze países que formam o bloco,
observa-se que o Uruguai, um dos menores países sul-americanos, foi o que,
proporcionalmente, mais ampliou a sua participação, seguido de Colômbia e
México dentre os mais beneficiados com a expansão ocorrida após a Associação
ter entrado em vigor.
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Por volta da década de 1960, a produção industrial necessitava atingir
diversos pontos de distribuição e consumo (pontos esses espalhados em um vasto
espaço econômico). Depreende-se daí, que as ações estatais em defesa da
integração, ocorridas pós-meados da década de 1950, atendiam aos propósitos
da ampliação dos mercados tanto para indústrias nacionais instaladas no período
1914-45 quanto para o atendimento da demanda logística das multinacionais
instaladas na América do Sul após a Segunda Guerra Mundial.
O que se observa, no entanto, é que a maior parte deste acréscimo de
comércio ampliado regionalmente continuou a ser transportada fora da zona de
fronteira terrestre. Assim, o aumento dos fluxos comerciais regionais, ampliados
após a vigência da ALALC, e principalmente, a partir da década de 1990, não
provocou acréscimo proporcional de circulação de pessoas e mercadorias entre
as regiões dos países em que havia efetiva comunicação física por modais
terrestres, tais como o ferroviário e rodoviário; conforme se pode observar, o velho
sistema colonial de transportes, baseados no sistema marítimo, continuou a liderar
o conjunto de circulação de mercadorias na América do Sul, conforme se
observa ao se comparar as exportações e importações brasileiras com seus
vizinhos sul-americanos. Proporcionalmente, a utilização das ferrovias para o
transporte intrarregional parece ter ficado no passado, conforme se pode
verificar na tabela abaixo.
Tabela 2. AMÉRICA DO SUL. Principais fluxos de comércio via modal ferroviário (1965); em toneladas.
Países Export.
total por
ferrovia % (do total)
Import. total
por ferrovia
% (do total)
Argentina - Bolívia 47.768 15.450 32,3 71.196 3.444 4,8 Argentina - Chile 199.156 45.000 22,6 432.901 45.581 10,5 Argentina - Paraguai 166.594 13.820 8,3 298.633 14.930 5,0 Bolívia - Peru 1.448 276 19,1 2.703 276 10,2 Brasil - Argentina 1.989.345 8.700 0,4 1.482.138 9.500 0,6 Brasil-Bolívia 8.510 5.446 64,0 20.508 15.920 77,6 Brasil - Uruguai 101.198 44.020 43,5 103.267 26.200 25,4 Chile - Bolívia 5.020 5.020 100,0 13.083 10.200 78,0 Total 2.519.039 137.732 5,5 2.424.429 126.051 5,2
Fonte: CEPAL, 1972:13.
Pôde-se observar acima, que, em 1965, os principais fluxos comerciais
(exportações e importações) pela via ferroviária representaram pouco mais de
5% do total realizado na intrarregião e se localizavam principalmente entre Chile-
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Bolívia, Brasil-Bolívia, Brasil-Uruguai, Argentina-Bolívia, Argentina-Chile e Bolívia-
Peru. Porém, entre as duas principais economias da América do Sul (Brasil-
Argentina), a participação da ferrovia no intercâmbio comercial era uma das
menores, representando apenas 0,4% das exportações brasileiras para a
Argentina e 0,6% das argentinas para o Brasil.
Se tomada como base a quantidade transportada pelo modal ferroviário
anteriormente (1965) e compará-la com o presente, verificar-se-á uma brutal
redução da participação do modal ferroviário comparativamente aos demais
modais. O total transacionado em 2012 entre o Brasil e os demais países sul-
americanos, demonstra que a participação do modal ferroviário, apesar de ter
sido ampliada em termos absolutos, manteve-se bastante reduzida em termos
relativos.
Tabela 3 . BRASIL. Exportações e importações (2012) Exportação (por modais, em mil toneladas)
Brasil-Argentina Brasil-Bolívia Brasil-Chile Brasil-Paraguai Brasil-Uruguai
Modais Expor. % total Expor. % total Expor. % total Expor. % total Expor. % total
Marítimo 6.152,2 50,2 31,7 3,7 2.160,5 83,2 114,2 6,1 801,9 54,7
Rodoviário 1.915,2 15,6 512,9 60,0 427,5 16,5 1.565,9 83,8 637,9 43,5
Fluvial 4.044,5 33,0 0,0 0,0 0,0 0,0 61,0 3,3 22,9 1,6
Ferroviário 127,2 1,0 246,6 28,8 0,0 0,0 9,4 0,5 0,0 0,0
Dutos (tubo) 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Outros 18,7 0,2 64,3 7,5 8,4 0,3 118,6 6,3 3,1 0,2
Total 12.257,7 100,0 855,5 100,0 2.596,4 100,0 1.869,1 100,0 1.465,7 100,0 Importação (por modais, em mil toneladas)
Brasil-Argentina Brasil-Bolívia Brasil-Chile Brasil-Paraguai Brasil-Uruguai
Impor. % total Impor. % total Impor. % total Impor. % total Impor. % total
Marítimo 8.674,7 74,2 51,6 0,7 2.586,5 88,3 50,4 2,0 986,5 56,5
Rodoviário 2.678,8 22,9 108,7 1,4 316,2 10,8 2.437,6 97,5 597,3 34,2
Fluvial 136,3 1,2 4,0 0,1 19,6 0,7 0,8 0,0 125,4 7,2
Ferroviário 183,1 1,6 14,0 0,2 0,0 0,0 11,0 0,4 35,7 2,0
Dutos (tubo) 0,0 0,0 7.497,6 97,7 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Outros 24,9 0,2 0,1 0,0 6,0 0,2 0,3 0,0 0,3 0,0
Total 11.697,8 100,0 7.676,0 100,0 2.928,3 100,0 2.500,1 100,0 1.745,3 100,0 Fonte: BRASIL. MDIC.
Tomando-se os fluxos comerciais do Brasil com seus demais vizinhos e
parceiros comerciais, percebe-se que no ano de 2012 a participação do modal
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ferroviário equivaleu 1,0% do total das exportações brasileiras para a Argentina.
No sentido de importação (Argentina-Brasil), a participação do modal ferroviário
representou 1,6% das mercadorias transportadas; enquanto pelo modal marítimo
foram transportadas 74,2% do total exportado da Argentina ao Brasil. Em relação
ao comércio com a Bolívia e Uruguai, a queda foi enorme: os fluxos de comércio,
pela via férrea Brasil-Bolívia que equivaliam a 64% do total exportado, e 77,6% das
importações, em 1965, caíram para 28,8% e 0,2% (das exportações e importações
brasileiras com aquele país, respectivamente); em 2012, quase 97,7% das
importações brasileiras provenientes da Bolívia foram realizadas através do modal
tubo-conduto. Com o Uruguai esses números (de exportações e importações
brasileiras, respectivamente) se reduziram de 43,5% e 25,4%, em 1965, para
apenas 0% e 2% em 2012.
Considerando-se que as exportações brasileiras para o conjunto desses
países sul-americanos acima totalizaram 19.044,4 mil toneladas em 2012, as 383,2
mil toneladas que foram transportadas por ferrovia equivalem a apenas 2,0% do
total. De um total de importações equivalentes a 26.547,5 mil toneladas
provenientes daqueles países, 243,8 mil toneladas entraram no Brasil pela via
férrea no mesmo período, o que equivale a apenas 0,9% do total importado
deste conjunto de países.
Segundo David (1991:25), dentre os principais problemas enfrentados
pelas ferrovias estaria a dificuldade de adaptação à mudança do mercado após
a Segunda Guerra Mundial, uma vez que as ferrovias, pelo pioneirismo, eram
excessivamente regulamentadas, enquanto os caminhões, ônibus e automóveis
gozavam de ampla liberdade. Este problema estrutural teria sido umas das
principais dificuldades à reinvenção do modelo de negócios das empresas
férreas. Santos (1961), já antecipava à David, ao afirmar que os empresários do
setor administravam as ferrovias ainda “com a mentalidade moldada no
monopólio de transportes exercido antigamente”. Por esse motivo, tinham
enorme dificuldade de adaptação de diversos trechos à concorrência com os
outros modais que, a partir da década de 1950, ganharam em competitividade
em relação às ferrovias. Os administradores das estradas de ferro com a mentalidade moldada no monopólio [sic] de transportes, exercidas antigamente pelas empresas
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que dirigiam recusaram-se a olhar ao seu redor, a evoluir. Fiados na imprescindibilidade das ferrovias no início do século preferiram, durante muito tempo, ignorar a ameaça das estradas de rodagem, que se abria para dar passagem a um número cada vez maior de caminhões. E hoje, assombrados ante o vulto de cargas e dos passageiros que lhes fogem, só a muito custo reconhecem a necessidade de abandonar o exclusivismo ferroviário em que permaneceram mergulhados durante muitas décadas [para] adotar uma política de agressividade, de maneira a ser possível, às estradas de ferro, enfrentar à dura concorrência feita pelas companhias rodoviárias e aéreas (SANTOS, 1961:3).
Segundo a CEPAL (1965:4), pelo menos 60% da extensão das linhas já
funcionavam desde 1913 e grande parte dos prolongamentos efetuados entre
1930-60 foram continuações de linhas já em operação ou tentativa de se
corrigirem imperfeições e isolamentos de trechos anteriormente construídos.
Com base nos indicadores de desempenho das ferrovias que eram
operadas nos diversos países da Região, na década de 1960, pode-se afirmar
que as dificuldades enfrentadas pelo sistema ferroviário regional não se limitavam
apenas a desequilíbrios conjunturais que afetavam de modo localizado apenas
uma ou outra empresa ou pequenos ramais. A crise ferroviária que se agravou na
década de 1960 atingiu quase a totalidade de empresas férreas que passaram a
sofrer concorrência implacável do modal rodoviário na maior parte dos países da
Região.
Conforme se pode verificar na tabela 4, abaixo, a partir de 1950, após um
último período de ainda expansão das linhas férreas (entre 1950-1960), passou a
ocorrer na maioria dos países sul-americanos, uma sistemática retirada das vias
férreas ao mesmo tempo em que, ocorria enorme expansão das rodovias
(pavimentadas).
Tabela 4. AMÉRICA DO SUL. Comparativo das extensões das malhas férreas e rodoviárias, 1950-1975
Ferrovias – erradicação das linhas, 1960 -1975 Países escolhidos 1950 1960 1970 1975 ∆ % 1960/1975 Argentina 42.578 43.923 39.905 39.787 -9,4 Brasil 35.280 38.339 32.102 29.788 -22,3 Chile 8.188 8.685 6.475 6.006 -30,8 Colômbia 3.064 3.562 3.436 3.431 -3,7 Uruguai 3.005 2.982 2.975 2.975 -0,2 Peru 2.875 2.934 2.242 1.875 -36,1 Bolívia 2.343 3.470 3.284 3.269 -5,8 Venezuela 997 474 226 226 -52,3 Total 98.330 104.369 90.645 87.357 -16,3
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Rodovias pavimentadas, 1960 -1975 Países escolhidos 1950 1960 1970 1975 ∆ % 1960/1975 Brasil 13.500 16.441 42.378 77.665 372,4 Argentina 3.980 6.200 32.475 40.818 558,4 Peru 2.925 4.293 4.858 5.385 25,4 Venezuela 2.011 8.312 18.006 19.599 135,8 Chile 1.583 3.159 8.364 8.880 181,1 Colômbia 748 3.000 6.418 7.374 145,8 Bolívia 536 571 950 1.163 103,7 Uruguai 271 277 6.000 9.945 3.490,3 Total 25.554 42.253 119.449 170.829 304,3 Fonte: CEPAL.
A maneira como se deu a adaptação a essa nova conjuntura nos
transportes sul-americanos não ocorreu de modo uniforme. Com base no quadro
abaixo, observa-se, entre 1945-75, uma redução no montante transportado pelo
modal ferroviário em pelo menos quatro dos oito países analisados abaixo.
Ao se comparar os dois anos, 1945 e 1975, verifica-se redução na quantia
transportada pelas ferrovias argentinas (-30,3%), Chile (-38,5%), Uruguai (-21,6%) e
Equador (-54,9%).
Quadro 1. AMÉRICA DO SUL. Evolução dos transportes ferroviários (cargas), 1945-1975
Cargas (TKU, em milhões). País 1945 1950 1955 1960 1970 1975 Argentina 15.387 16.120 15.392 15.158 13.274 10.729 Brasil 7.285 8.267 10.230 12.820 15.495 23.669 Chile 2.405 2.161 2.612 2.025 2.022 1.478 Colômbia 526 558 581 768 1.173 1.139 Uruguai 352 470 426 399 301 276 Peru 363 395 487 529 592 621 Bolívia 238 254 334 201 456 470 Equador 102 101 118 103 42 46 Total 26.657 28.327 30.180 32.003 33.353 38.428
Fonte: CEPAL, 1965:40-51; 1976.
Já em outro grupo de países ocorreu considerável aumento da Tonelada
por Quilômetro Útil (TKU), no período analisado. Tomando-se por base os dois anos
1945 e 1975, nota-se que ocorreram aumentos das quantidades de cargas
transportadas pelas ferrovias no Brasil (224,9%), Bolívia (29,5%), Colômbia (116,5%)
e Peru (160,9%).
Quando se analisa a quantidade de Passageiros por Quilômetro (P/KM),
entre 1945 e 1975, observa-se que os auges dos transportes de passageiros por
ferrovia na Argentina, Brasil e Uruguai ocorreram em 1960. Comparando-se os
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anos de 1945 e 1960 verifica-se que na Argentina ocorreu aumento de 121,5% na
quantidade de p/km - no Brasil esse montante cresceu 70,6% e no Uruguai 76,6%.
Quadro 2. AMÉRICA DO SUL. Evolução dos transportes ferroviários (passageiros), 1945-1975
Passageiros (passageiros por km, em milhões). País 1945 1950 1955 1960 1970 1975 Argentina 7.080 13.104 14.762 15.685 12.684 14.367 Brasil 9.023 10.093 12.463 15.395 12.350 10.322 Chile 1.663 1.956 2.434 1.900 2.256 2.096 Colômbia 782 743 586 598 235 523 Uruguai 303 470 514 535 473 337 Peru 251 241 335 282 248 354 Bolívia 147 159 337 207 266 310 Equador 177 121 118 85 17 65 Total 19.426 26.887 31.549 34.687 28.529 28.372
Fonte: CEPAL, 1965:40-51; 1976.
No período seguinte, 1960-1975, verifica-se aumento na quantidade de
P/KM apenas na Bolívia (49,8%), no Chile (10,3%), e Peru (25,5%). Nos demais
países, quando comparados os dois anos (1960 e 1975) verificam-se redução na
quantidade de p/km: na Argentina a redução atingiu a marca de -8,4%; no Brasil,
-33,0%; na Colômbia, -12,5%; no Uruguai, -37,0%; no Equador, onde a p/km já
havia se reduzida em 52%, quando comparados 1960 a 1945, observa-se, no
período seguinte uma redução equivalente a 23,5%. Há em comum ao conjunto
destes países o fato de que a partir da década de 1950 passa a ocorrer, de
longe, maior crescimento de transportes tanto de cargas quanto de passageiros
pelo modal rodoviário. A frota de veículos automotores cresceu na quase
totalidade dos países sul-americanos. No início da década de 1960, havia, nos
países abaixo relacionados, o dobro de veículos automotores, comparando-se
com o momento imediatamente após a Segunda Guerra Mundial: no Equador, o
crescimento foi de 736%; na Venezuela, 316%; na Colômbia, 293%; no Brasil, 276%;
no Peru, 261%; no Uruguai, 212%; no Paraguai, 169%; no Chile, 123%, e na
Argentina 122% (CEPAL, 1965:36; 39; 70. Ano base 1950=100).
Neste cenário de oferta abundante de transportes pelo modal rodoviário,
se constatam as crescentes dificuldades de empresas férreas de se reinventarem
e adequarem-se ao novo mercado de transportes que se reconstitui após a
Segunda Guerra Mundial. O grande “desmonte” de diversos ramais, ou até
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mesmo ferrovias inteiras, que ocorreu em diversas localidades da América do Sul,
na década de 1960, acarretou em maiores dificuldades para o uso extensivo
deste modal, tanto em âmbito interno de cada um desses países quanto no
âmbito da integração da infraestrutura ferroviária sul-americana.
Europa: porque não anda esse trem?
Na Europa, onde o processo de integração encontra-se bastante
adiantado o balanço feito pelas autoridades da União Europeia aponta para
uma enorme dificuldade em se construir um sistema ferroviário integrado aos
demais modais devido, basicamente, à ambivalência, entre modernidade e
arcaísmo, existente no sistema ferroviário europeu. (...) De um lado, o desempenho da rede de comboios de alta velocidade e o acolhimento de passageiros em estações modernas; de outro, o arcaísmo dos serviços de mercadorias e a vestustez de algumas linhas saturadas, os passageiros suburbanos amontoados em suburbanos superlotados e cronicamente atrasados, que despejam multidões de passageiros em estações por vezes degradadas e inseguras. (...) a quota do mercado do caminho de ferro na Europa passou de 21,1% para 8,4% [entre 1970 e 1998], numa altura em que o volume total de mercadorias transportadas aumentava de forma espetacular (...) Assim, é necessária uma verdadeira revolução cultural do transporte ferroviário para que este modo recupere o nível de competitividade satisfatório, que lhe permita continuar a ser um dos atores principais do sistema de transportes numa Europa alargada. (Livro Branco, 2001: 32).
Assim, o descompasso entre aumento de fluxos de comércio total e redução
dos transportes férreos segue existindo mesmo em tempos, como os atuais, em
que há consenso em relação ao fato que a atividade realizada por qualquer um
destes modais, individualmente, afeta, positiva ou negativamente, os demais,
visto que nenhum deles se realiza autonomamente como se realizava no passado
(UNIÃO EUROPEIA. Livro Branco, 2001: 32).
Na Europa, o setor ferroviário tem sido analisado dentro do contexto de
integração regional pela Comissão das Comunidades Europeias em trabalho
denominado "Livro Branco: uma estratégia para a revitalização dos caminhos de
ferro europeus", realizado em Bruxelas, em 30/07/1996. Cinco anos depois, tornou-
se publico um novo “Livro Branco. A Política Europeia de Transportes no Horizonte
2010: a Hora das Opções”, onde se analisam os caminhos de ferro europeu no
contexto da multimodalidade dos transportes regional. Documento no qual se
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diagnostica a situação estrutural do setor e apresenta-se um programa de ação
ambicioso com cerca de sessenta medidas escalonadas que deveriam ter sido
implantadas até 2010.
Há em comum entre estas duas iniciativas, sul-americana e europeia, a
preocupação em executar ações, que envolvem diversos países, em um período
relativamente curto: 10 anos para o caso sul-americano e 9 anos, para o caso
europeu. O que se observa, porém, é que não são poucos os entraves no setor.
Ao se analisar os diagnósticos realizados em 1996 e os principais prognósticos
realizados em 2001 (A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010: a Hora
das Opções) verificar-se-ão que diversos são os pontos críticos em comum
existentes entre o sistema ferroviário europeu e o sul-americano.
Ao se analisar os diagnósticos realizados em 1996 e os principais prognósticos
realizados em 2001 (A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010: a Hora
das Opções) verificar-se-ão que diversos são os pontos críticos em comum
existentes entre o sistema ferroviário europeu e o sul-americano. Os diagnósticos
apontavam, desde 1996, para a necessidade de se recriar o modelo de negócios
ferroviários europeus, reconhecidamente em declínio quando se comparam os
desempenhos entre a década de 1970 e 1990. Sabidamente, aquele modelo de
negócios ferroviários construídos na primeira do século XIX havia se constituído e
dominado o sistema de transportes como principal modal até o princípio do
século XX – quando outros sistemas concorrentes, além do marítimo e fluvial,
passaram a ganhar importância destacada, tais como o aéreo e rodoviário.
Assim, ao final da segunda guerra mundial, o papel exercido pelos caminhos de
ferro no mercado de transportes entrou em decadência constante. Ao final do
século vinte, a participação dos caminhos de ferro na Europa não ultrapassava os
6% do mercado do transporte de passageiros e os 16% do mercado do transporte
de mercadorias. Nas últimas décadas do século XX (1970 e 1994), o transporte
ferroviário de passageiros aumentou em 25%, passando de 216 mil milhões de
passageiros/quilômetro/ano para cerca de 270 mil milhões de
passageiros/quilômetro/ano. Não obstante, no mesmo período, o mercado
mundial duplicou e o uso de veículos particulares aumentou em 120%. Uma das
consequências diretas deste fenômeno é que o transporte ferroviário de
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mercadorias passou a perder parte do mercado, diminuindo sua participação de
283 mil milhões de toneladas/quilômetro para 220 mil milhões de
toneladas/quilômetro. No mesmo período o transporte rodoviário de mercadorias
aumentou cerca de 150%.
A fiabilidade, a flexibilidade e a velocidade estão na origem do descontentamento dos clientes (dos caminhos de ferro) - em serviços de vaivém principais, entre portos e o interior, frequentemente, a velocidade média não excede os 20 km/hora. A comparação com o transporte rodoviário internacional de mercadorias é elucidativa: as cargas são transportadas em veículos que atravessam facilmente as fronteiras e são frequentemente entregues ao cuidado de uma única pessoa desde o carregamento até à entrega, o que permite identificar claramente as responsabilidades e obter um serviço de boa qualidade. A gestão dos caminhos de ferro é largamente responsável pelo declínio verificado. Os problemas encontrados pelos transportes ferroviários são, contudo, principalmente devidos às relações entre o Estado e as empresas ferroviárias (Livro Branco, 1996:11).
Há que se ressaltar que estes dados agregados não representam a situação
real e generalizada de todas as redes férreas europeias. O caminho de ferro
ainda desempenha papel importante em algumas áreas assim como não é
competitivo em outras. Tais dados não deixam, no entanto, de ser preocupantes.
O fato de as estradas serem cada vez mais utilizadas sugere grandes aumentos
do congestionamento, da poluição e, possivelmente, dos acidentes; numa
demonstração clara de que as empresas ferroviárias não podem competir, e isso
vem ocorrendo há anos, em alguns mercados do transporte, em função do fato
de que a infraestrutura ferroviária tem apresentado capacidade limitada para
atuar na economia estruturada após a segunda guerra mundial (Livro Branco,
1996:9).
Tais caminhos de ferro deveriam assim, segundo o próprio diagnóstico,
acima citado, passar por uma transição entre uma situação em que
historicamente a gestão dos caminhos esteve excessivamente atrelada aos
governos para uma nova etapa em que este modal deve ser exposto às forças
de mercado e aberto à participação do setor privado. A criação deste novo
caminho de ferro europeu é vista assim, como parte de uma iniciativa de longo
prazo que necessita envolver a Comunidade, os Estados-Membros, as empresas
de caminhos de ferro e os trabalhadores - trata-se, portanto, de uma ampla
tarefa técnica, mas que está amplamente inserida no debate socioeconômico,
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que busca definir (ou redefinir) o papel dos caminhos de ferro na sociedade e
mercado do século XXI. Há que se considerar que os caminhos de ferro foram
originalmente construídos no âmbito de economias nacionais, o que se traduziu
em dificuldades de funcionamento para além das próprias fronteiras.
Durante um longo período, o objectivo dos caminhos de ferro foi a satisfação das necessidades nacionais. Eram, e continuam ainda a ser em geral, explorados por empresas nacionais cuja principal preocupação é o mercado interno. As regras de exploração e as normas técnicas são, em grande parte, definidas a nível nacional, com as consequentes divergências de procedimentos e grande variedade de infraestruturas e de material rolante. Isto levou a uma fragmentação do sistema ferroviário e da indústria fornecedora, fragmentação que se mantém. Esta é uma das razões que explicam o facto de os caminhos de ferro serem incapazes de melhorar o seu desempenho, ao contrário do que aconteceu com outros modos de transporte nas últimas décadas. (...) À imagem dos caminhos de ferro, também as indústrias fornecedoras se desenvolveram numa base nacional. Historicamente, muitas empresas ferroviárias construíram o seu próprio material rolante, embora houvesse também construtores privados. A mudança para as locomotivas diesel e eléctricas levou a uma maior utilização das mesmas; por razões de conveniência e de política nacional, o equipamento era normalmente adquirido a fabricantes do mesmo país. No entanto, os caminhos de ferro continuaram frequentemente a conceber o seu próprio equipamento, por disporem de uma considerável experiência, grandes gabinetes de projecto e uma forte cultura de engenharia; definiram também em pormenor as especificações a seguir pelos fabricantes. Só nos últimos anos se passaram a utilizar especificações de desempenho, com a transferência de confiança e de competências que isso implica (Livro Branco, 1996:30).
Acrescente-se a ausência de planejamento adequado de infraestruturas
para atender as demandas de fluxos de pessoas e mercadorias entre as nações
vizinhas. Os resultados não se mostraram animadores:
Os caminhos de ferro perderam terreno, inclusive num mercado em que deveriam ocupar uma posição importante: o transporte de mercadorias de longa distância. Entre outros factores, o facto de estarem organizados em linhas nacionais pode ajudar a explicar esta situação. Na realidade, não existe um mercado interno de serviços ferroviários ao nível comunitário. Actualmente, o artigo 10° da Directiva 91/440/CEE2, que garante os direitos de acesso à infraestrutura em todo o território da União Europeia, só se aplica aos agrupamentos internacionais e às empresas que efectuam transportes combinados. Além disso, existe toda uma série de obstáculos legislativos e administrativos. Esta situação impede a concorrência por parte de novas entidades exploradoras e dificulta a organização de serviços internacionais sem descontinuidades (Livro Branco, 1996:11).
Tal funcionamento destas empresas nacionais não priorizava uma operação
de seus trens baseados em preocupação de interoperabilidade, o que torna, no
presente dificuldades enormes para se avançar com o processo de
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harmonização técnica, que contribua para a criação de um mercado único. A
estes problemas básicos iniciais se somam as mais variadas participações dos
governos nacionais que, por motivos diversos relacionados às estratégias
econômicas, políticas e sociais internas, frequentemente, dificultaram uma gestão
independente ao imporem obrigações ao setor ferroviário sem a devida
compensação integral dos custos implicados.
Dentre os impactos sociais que estão relacionados às consequências das
reformas ao modelo de negócios ferroviários europeus destacam-se a questão do
emprego no setor. Tais reformas poderão traduzir-se em cortes substanciais nos
serviços e no encerramento de uma grande parte da rede, com consequências
desastrosas tanto para o setor ferroviário como para as indústrias fornecedoras. As
empresas de caminho de ferro empregam diretamente cerca de 1,05 milhões de
pessoas (1994) em todo o território comunitário3. O que implica em dizer que
deverão ser adotadas políticas que incluam vastos programas de reciclagem dos
trabalhadores excedentes. O que demandará políticas compensatórias por parte
dos Estados-Membros, embora, em regra geral, os governos não tenham
demonstrado historicamente no setor capacidade de estabelecer objetivos
financeiros bem definidos quando subvencionaram perdas, no passado; na
prática, foram também os governos que permitiram que as dívidas das ferrovias
se acumulassem ao longo do tempo (Livro Branco, 1996:04).
Desenha-se assim, um cenário de difícil solução considerando-se que os
prognósticos propostos em 1996 e 2001 eram fundamentados na fórmula liberal
de mais mercado em vez de mais Estado – um encaminhamento já realizado
pelas principais economias sul-americanas. Nesta Região, o modelo
predominante foi aquele em que o Estado encampou o sistema, racionalizou-o
desativando serviços e ramais considerados antieconômicos, e ao assim fazer
reduziu o quadro de funcionários para patamares mínimos; e, após décadas de
controle estatal, o devolveu à iniciativa privada. Segundo se observa a partir do
citado Livro Branco, a questão na Europa não deixa de ser similar ao ciclo
3 Embora a redução da força de trabalho já venha ocorrendo desde a década de 1980. Entre 1985 e 1994 já se constatava um redução de cerca de meio milhão de trabalhadores (Livro Branco, 1996:39).
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ferroviário já vivido (e cujo debate segue vigente) na América do Sul, qual seja,
um histórico no qual o setor transita entre privado/estatal/privado.
As finanças dos caminhos de ferro devem ser organizadas de acordo com três princípios básicos: os Estados-Membros devem resolver os problemas financeiros do passado; a exploração dos caminhos de ferro deve ser feita numa base comercial; os Estados-Membros devem pagar aos caminhos de ferro uma plena compensação pelos serviços públicos prestados e os custos sociais excepcionais. Com a exceção deste tipo de compensação e do apoio ao investimento em infraestruturas específicas, os caminhos de ferro devem financiar o seu funcionamento sem intervenção do Estado (idem, p. 14).
As perguntas seguintes, que se impõem, a partir deste ponto embora nada
original são as mesmas que (socialmente) se faziam no momento em que se
instalavam as ferrovias no século XIX: afinal para que ferrovia? e, mais
precisamente, para quem? Qual é o público alvo que deve atender esta
ferrovia? (Qual) ou quais setores socioeconômicos serão beneficiados por este ou
aquele modelo definido pelo Estado? Qual deve ser o papel do Estado neste
setor? Qual deverá ser a relação entre a ferrovia nacional com a dos países
vezinhos? Lembremos que estas questões acompanham o setor deste o
lançamento dos primeiros trilhos.
Importante destacar que desde 1993 a Comunidade vem adotando
medidas relativas a coordenação de processos de celebração de contratos,
dentre outros na área de transportes e comunicações. Busca-se, assim, corrigir as
falhas de interoperabilidades e históricas discriminações entre fornecedores dos
vários Estados-Membros. Dentro destes princípios foi adotada (desde julho de
1996) propostas facilitadoras à interoperabilidade de comboio de alta
velocidade. O passo seguinte e mais complexo, porém, encontra-se naqueles
setores ferroviários convencionais. Onde existem disparidades técnicas e de
funcionamento que impedem ou dificultam os comboios de funcionarem
livremente sem parar nas fronteiras. Dentre as diferenças a serem superadas
destacam-se aquelas relacionadas aos sistemas elétricos (de distintos padrões),
sistemas de sinalização, diferenças linguísticas das tripulações, diferenças de
bitolas (particularmente observáveis entre França Espanha; Finlândia e Suécia e
entre a Europa Central, as Repúblicas Bálticas e os países da CEI) e do peso
máximo permitido por eixo em cada um dos países - fatores que juntos afetam o
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transporte internacional. O horizonte temporal de interoperabilidade e
compatibilidade operacional, portanto, fica relegado ao funcionamento de um
Sistema Europeu de Gestão do Tráfego Ferroviário, responsável pela rede
transeuropeia.
Meia década depois, no entanto, ao se redefinir uma estratégia comum
para uma investigação ferroviária europeia, com vista à criação de um sistema
ferroviário único até ao horizonte 2020 as organizações União Internacional dos
Caminhos de Ferro (UIC), a Comunidade dos Caminhos de Ferro Europeus (CCFE),
a União Internacional dos Transportes Públicos (UITP) e a União das Indústrias
Ferroviárias Europeias (UNIFE), continuam a propor a conquistas de metas, em
2020, que não se aproximam da realização do setor em décadas passadas:
- um aumento da quota de mercado de 6% para 10% do tráfego de passageiros e de 8% para 15% do tráfego de mercadorias; -- a triplicação da produtividade do pessoal dos caminhos de ferro; -- uma melhoria de 50% da eficiência energética; -- uma redução de 50% da emissão de poluentes; -- um aumento da capacidade da infraestrutura correspondente aos objetivos de tráfego fixados (Livro Branco, 2001:32).
Para atingir tais objetivos reconhecem, porém, que o setor ferroviário
europeu necessitaria passar por uma verdadeira revolução cultural para que este
modo recupere um nível de competitividade satisfatório, que lhe permita
continuar a ser um dos atores principais do sistema de transportes numa Europa
pós Tratado de Maastricht, a saber: provimento de infraestruturas adequadas ao
transporte moderno; implantação de interoperabilidade entre as redes e os
sistemas; uso de tecnologias de produção inovadoras; transparência dos custos,
igualdade da produtividade e certezas quanto a fiabilidade de um serviço que
corresponda de forma suficiente às legítimas expectativas dos clientes (idem).
Considerações finais
Após a Segunda Guerra Mundial ampliou-se a competição entre os
modais rodoviário e ferroviário. Tal opção implicou em expansão de estradas nas
quais se ampliava progressivamente a movimentação de cargas e passageiros
ao mesmo tempo em que se iniciava a desmontagem de parcela das linhas e
dos serviços oferecidos pelas ferrovias nacionais, que passaram a ocupar um
segundo plano na circulação de pessoas e mercadorias.
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Dentre os principais fatores que dificultam usar e integrar o sistema
ferroviário na América do Sul e na Europa está o próprio modelo de negócios das
empresas férreas. As ferrovias desenvolveram-se em linhas nacionais, pensadas
desde o início para o atendimento de estratégias socioeconômicas e políticas
internas. Acrescente ainda as diferenças relacionadas aos sistemas técnicos
destas ferrovias, que possuem distintos padrões de sistemas de sinalização,
capacidade de locomotivas, perfil das linhas férreas, diferenças de bitolas,
diferenças linguísticas das tripulações, dentre outros fatores que dificultam o
funcionamento para além das próprias fronteiras, que implica em planejamento
inadequado de infraestruturas comuns. As regras de exploração e as normas
técnicas são, em grande parte, definidas a nível nacional, com as consequentes
divergências de procedimentos e grande variedade de infraestruturas e de
material rolante. Outro agravante, ainda relacionado ao modelo de negócios
ferroviários, está relacionado a perda de concorrência para o modal rodoviário
que das ferrovias vem retirando e substituindo-as, desde a década de 1950, tanto
no setor de transporte de passageiros quanto de cargas específicas, como as de
pequenas expedições; e isso ocorre tanto na América do Sul quanto na Europa.
Além destes fatores relacionados existe excessiva regulamentação do setor,
geradora de entraves de ordem estrutural e burocrática, superiores aos
observáveis no setor rodoviário. Assim, um dos principais motivos desta
decrescente participação ferroviária na integração da infraestrutura regional está
relacionado ao deslocamento das ferrovias para o atendimento a funções
marginais no processo de circulação dos fluxos.
As reformas que estão em andamento e as que estão por vir implicam em
impactos sociais de monta: desde meados da década de 1980 já ocorreu uma
redução de meio milhão de trabalhadores ferroviários europeus. A criação deste
novo modelo ferroviário europeu é vista assim, como parte de uma iniciativa de
longo prazo que envolve a Comunidade, os Estados-Membros, as empresas e os
trabalhadores do setor - trata-se, portanto, de uma ampla tarefa técnica, mas
que está amplamente inserida no debate socioeconômico, que busca definir (ou
redefinir) o papel dos caminhos de ferro na sociedade e no mercado do século
XXI.
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E neste aspecto relativo às reformas que se desenha para a Europa a
América do Sul pode servir de parâmetro, considerando-se que os prognósticos
propostos em 1996 e 2001 estão fundamentados na fórmula liberal de mais
mercado em vez de mais Estado. Este encaminhamento já foi realizado pelas
principais economias sul-americanas, entre as décadas de 1950-1990. Nesta
Região, o modelo predominante foi aquele em que o Estado encampou o
sistema, racionalizou-o desativando serviços e ramais considerados
antieconômicos, e ao assim fazer reduziu o quadro de funcionários para
patamares mínimos; e, após décadas de controle estatal, o devolveu à iniciativa
privada, na década de 1990.
Segundo se observa a partir do citado Livro Branco, a questão ferroviária
na Europa não deixa de ser similar ao ciclo ferroviário já vivido (e cujo debate
segue vigente) na América do Sul, qual seja de um histórico no qual o setor
ferroviário de ambas as regiões transitam entre modelos majoritariamente
privado, na sua implantação, estatal (ou com forte subsídio estatal após a
década de 1950) quando completam um determinado ciclo após Segunda
Guerra Mundial; e privado, após as reformas liberais que ganharam o mundo a
partir da década de 1980.
Seguem vigentes, no entanto, algumas perguntas, nada originais, que
(socialmente) se faz desde o lançamento dos primeiros trilhos no século XIX: afinal
para que ferrovia? e, mais precisamente, para quem? Qual é o público alvo que
deve atender esta ferrovia? (Qual) ou quais setores socioeconômicos serão
beneficiados por este ou aquele modelo definido pelo Estado? Qual deve ser o
papel do Estado neste setor?
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Referências ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE INTEGRACIÓN (ALADI). Diagnóstico del Transporte Internacional y su Infraestructura en América del Sur (DITIAS): Informe Ejecutivo. Montevideo: ALAF, septiembre de 2000.
ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE INTEGRACIÓN (ALADI). Diagnóstico del Transporte Internacional y su Infraestructura en América del Sur (DITIAS): Transporte ferroviario. Montevideo: ALAF, setiembre de 2000.
COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y CARIBE (CEPAL). Santiago de Chile. Disponível em: <www.eclac.cl>. Acessado em 25/02/2013.
___. El transporte en America Latina. Nueva York: CEPAL, 1965.
___. Los ferrocarrilles internacionales de Sudamerica y la integración económica regional. Nueva York: CEPAL, 1972.
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INICIATIVA PARA LA INTEGRACIÓN DE LA INFRAESTRUCTURA REGIONAL SURAMERICANA (IIRSA). Disponível em: <www.iirsa.org>. Acessado em 21/02/2013.
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UNIÃO EUROPEIA. "Livro Branco: uma estratégia para a revitalização dos caminhos de ferro europeus". Bruxelas, 30/07/1996. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:1996:0421:FIN:PT:PDF>. Acessado em 21/02/2013.
UNIÃO EUROPÉIA. Livro Branco. A Política Europeia de Transportes no Horizonte 2010: a Hora das Opções. Itália, Comunidades Europeias, 2001. Disponível em: <http://ec.europa.eu/transport/themes/strategies/doc/2001_white_paper/lb_texte_complet_pt.pdf>. Acessado em 21/02/2013.