Tiragem: 40323
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
Pág: 47
Cores: Cor
Área: 13,25 x 30,32 cm²
Corte: 1 de 1ID: 46921332 01-04-2013
A carne de cavalo e o fim do marketing
A fraude com carne de cavalo
acabou com o marketing
tal como o conhecemos. As
empresas do sector alimentar
enfrentam, agora ainda mais
claramente, um problema
de confi ança que só elas vão
poder resolver. De que serve
ter marcas fortes se elas se
movem num sistema falível,
que nem as próprias empresas parecem
conseguir controlar?
Todos discutiram a fraude e todos fi zeram
o seu trabalho – Governo, Parlamento,
ASAE, empresas e marcas, jornalistas,
associações de consumidores, médicos e
veterinários, consumidores. E tudo parece
agora tranquilo. Mas estará?
O marketing “tal como o conhecemos”
depende de uma relação indiscutível de
confi ança entre empresas e consumidores.
Alimenta-se dessa credibilidade e não
sobrevive sem ela. Só que essa relação é
cada vez mais discutível e é aqui mesmo,
nesta debilidade, que as administrações
das empresas do sector alimentar devem
centrar os seus esforços de comunicação,
se querem construir uma reputação
positiva e restaurar relações de confi ança.
Só o conseguirão gerando compromissos
com todos aqueles que de uma maneira
ou outra infl uenciam de facto os seus
negócios — colaboradores, fornecedores,
retalhistas, reguladores, legisladores, ONG
e consumidores, todos eles cada vez mais
informados, infl uentes e activos no que toca
a gerar, a exigir e a reproduzir informação.
A indústria alimentar é demasiadamente
importante para não levar a sério o tema
da sua própria credibilidade. Todos lhe
exigem essa credibilidade, a começar nos
ministérios e a acabar nos consumidores.
É demasiadamente importante pelo
seu peso nas economias, desde logo na
portuguesa, e porque não existe alternativa
à indústria alimentar como forma de
produzir sustento para a população
mundial. Face à evolução dos dados
demográfi cos, ninguém tem capacidade
para produzir alimentos em quantidade
sufi ciente a não ser as empresas industriais,
que foram criadas exactamente para isso.
Em 1950, viviam nas cidades 750 milhões
de pessoas. Hoje, apenas 60 anos depois,
os habitantes de cidades são mais de 3,6
mil milhões em todo o mundo, ou seja,
metade da população global. No topo dos
países com maior taxa de crescimento da
população urbana até 2050 estão a Índia e a
China, aqueles que maior número de bocas
têm e terão para alimentar.
Todas as fantásticas experiências de
pequena produção de proximidade são
isso mesmo — fantásticas e pequenas. Por
outro lado, um prédio forrado a hortas no
meio da cidade não é solução alimentar — é
má arquitectura. Um confl ito de confi ança
latente a envolver a indústria alimentar é
mau para todos, a começar nela própria e
a acabar nos consumidores. E esta é, por
isso, uma excelente oportunidade para as
empresas pensarem o que têm de fazer para
construir relações sustentáveis de confi ança
com todos os grupos de pessoas que fazem
parte da esfera dos seus negócios.
As empresas vivem da confi ança,
sobretudo as do sector alimentar. Os lucros
são uma consequência dessa confi ança.
Sempre foi assim. O que é novo é que essa
confi ança está em causa como nunca esteve.
Conservá-la dá muito trabalho mas faz toda
a diferença. Exige construir relações sólidas
e sérias não apenas com quem nos admira
mas mesmo — e sobretudo — com quem nos
julga, vigia, regula ou acusa.
Confi ança, sustentabilidade, reputação
e compromisso parecem palavras do
léxico sofi sticado
dos ciclos estáveis
nas economias
desenvolvidas.
Porém, é
precisamente
num momento
económico adverso
que as empresas
com melhor
reputação têm mais
oportunidade de
criar valor, negociar
melhor com
fornecedores, atrair
talento e gerar maior
lealdade por parte
dos seus clientes
e consumidores. E é isso que fará delas, a
prazo, empresas mais rentáveis.
Estamos perante um novo roteiro
macroeconómico e social que deve ser
entendido pelas empresas, estabelecendo
os seus espaços de actuação e protagonismo
e criando relações de proximidade com
todos aqueles — e são muitos — dos quais
depende realmente a sua reputação e,
como tal, o sucesso dos seus negócios. O
marketing não pode continuar a alhear-se
dessa necessidade de transparência e de
credibilidade, valores que só conseguirá
atingir através de uma cultura corporativa
que ponha os diversos grupos de interesses
no centro das suas preocupações, criando
acções, momentos e conteúdos de
comunicação e construindo relações de
confi ança com todos eles.
Parece mau de mais conviver
simultaneamente com uma crise fi nanceira
e com uma crise de confi ança, mas
combater esta crise de confi ança será, para
a indústria alimentar, a melhor forma de
sobreviver à outra.
Director da Imago – Llorente & Cuenca
Estamos perante um novo roteiro macroeconó-mico e social que deve ser entendido pelas empresas
Debate Insegurança alimentarFilipe Nogueira