ARTE VISUAL COMUNISTA
Alberto Gawryszewski
Coleção História na Comunidade – volume 4
imprensa comunista brasileira, 1945-1958
Coleção História na Comunidade
volume 4
ARTE VISUAL COMUNISTAimprensa comunista brasileira, 1945-1958
ReitoraProfa. Dra. Nádina Aparecida Moreno
Vice-ReitoraProfa. Dra. Berenice Quinzani Jordão
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoProf. Dr. Mário Sérgio Mantovani
Pró-Reitora de ExtensãoProfa. Dra. Cristianne Cordeiro Nascimento
Pró-Reitor de EnsinoProf. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos
Diretor do Centro de Letras e Ciências HumanasProfa. Dra. Mirian Donat
Chefe do Departamento de HistóriaProfa. Dra. Edméia Ribeiro
Coordenador do LEDiOrganizador da Coleção História na ComunidadeProf. Dr. Alberto Gawryszewski
Agradecemos:
• Ao CEDEM/UNESP pela disponibilização do acervo, em especial ao funcionário Luis Alberto Zimbarg;• Aos funcionários da Biblioteca Nacional, em especial do Setor de Periódicos e da Divisão de informação Documental;• Aos funcionários da Divisão de Arquivo e Microfilmagem da UEL: Antonio Edson Menusso, Pedro Raimundo de Souza, Márcio Máximo Santo Agostinho, Roderley Rodolfo Santini• Pela cessão de imagens:
– Juliana Dela Torres (Momento Feminino);– Rodrigo Rodrigues Tavares (A Classe Operária).
Alberto Gawryszewski
Universidade Estadual de Londrina
Londrina • 2010
Coleção História na Comunidade
volume 4
ARTE VISUAL COMUNISTAimprensa comunista brasileira, 1945-1958
Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina
Copyright© do autor
Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral
imagem da capa: Revista Esfera, dezembro de 1948, p.19. Autoria de Quirino Campofiorito
imagem da contracapa: Tribuna Popular, 11/09/1946, p.5. Sem assinatura
Tiragem: 1000 exemplares
Distribuição gratuita. Venda proibida.
Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CiP)Catalogação elaborada pela Bibliotecária Roseli Inacio Alves – CRB 9/1590
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Feito depósito legal na Biblioteca Nacional
I31 Arte visual comunista: imprensa comunista brasileira, 1945-1958 / Alberto Gawrysewski. - Londrina : Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2010. (Coleção História na Comunidade, v.4) 90 p. : il.
Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-065-5
1. História – Brasil. 2. Comunismo – Brasil. 3. Imprensa comu-nista – Brasil. 4. Imagem – História. 5. Arte visual. I. Gawrysewski, Alberto.
CDU 930.1:77
Apresentação
Introdução
Imprensa Comunista
Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
Os Heróis da “Causa Operária”
Cotidiano, Organização e Festas
Referências bibliográficas
Sumário
6
11
25
39
89
63
7
6
ApRESENTAçãO
A publicação deste quarto livro, integrante da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDi). Objetiva também possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade.
Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/extensão), o LEDI. Em quatro anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes, entre elas podemos apontar: a realização do i e ii ENEiMAGEM (Encontro Nacional de Estudos da imagem); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem – http://www2.uel.br/cch/his/dominiosdaimagem/; cursos de extensão e a futura realização, em maio de 2011, do III ENEIMAGEM (www.uel.br/eventos/eneimagem).
Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008- Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF), o que possibilitou o início da coleção História na Comunidade e a realização de exposições e produção de vídeos.
Tivemos, ainda em 2008, a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho Nacional Científico Nacional (CNPq), no Edital MCT/CNPq nº 42/2007 - Difusão e Popularização da C&T, com o qual daremos continuidade à coleção História na Comunidade, das exposições e da produção de vídeos. Para este projeto, partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica, o que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico.
Os documentos possibilitam a reflexão e a construção de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos a imagem como importante instrumento/documento para a formulação do conhecimento histórico. Na realidade, ela pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionar ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como mera ilustração, mas rica de conceitos e interpretações; segunda, ajudar o professor a trabalhar com a imagem como instrumento de ensino e como fruto de uma criação humana repleta de significados.
Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http://www.uel.br/cch/his/ledi/), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição Arte visual comunista.
Prof. Dr. Alberto GawryszewskiCoordenador da coleção
7
INTRODUçãO
Este trabalho é, em parte, fruto de meu pós-doutoramento em História
Social na UFRJ, com orientação do professor Renato Lemos, sob o título A
caricatura e a charge política na imprensa comunista - 1945/57 e da pesquisa
Caricaturando e Ilustrando: O desenho político na imprensa comunista (1945-
57), que contou com o apoio financeiro do CNPq (Edital no. 32/2004).1 Nessas
ocasiões, coletamos juntos aos periódicos do Partido Comunista do Brasil
(PCB) cerca de cinco mil imagens, sobre os mais diversos temas. O relatório
final do pós-doutoramento foi dividido em cinco partes. Na primeira parte,
buscamos desenvolver os conceitos de caricatura, especialmente, e de charge,
de suas origens à atual posição dos estudiosos. Desdobramos estes conceitos
em caricatura política, especialmente, e charge política. Esta versão foi revista e
publicada na revista Domínios da Imagem, na qual propomos uma nova visão
sobre os conceitos de caricatura e charge política: quando se tratar de fontes
retiradas de imprensa engajada, produzidas por artistas engajados, o melhor
conceito seria de charge ideológica e caricatura ideológica.
Na segunda parte, estudamos a imprensa comunista brasileira, em
especial a produzida na cidade do Rio de Janeiro, ou seja, em como ela estava
inserida em um projeto político-pedagógico do Partido Comunista. A sua
concepção de possuir a “verdade”, de querer conduzir as massas populares para
a “revolução”, de guiá-las, de instruí-las, de tirar de suas cabeças as confusões
e fazer as análises necessárias, dar as explicações compatíveis com seu ideário
político, as notícias, os editoriais e as imagens (incluindo aqui as caricaturas
e charges) funcionavam como um importante suporte. Da mesma forma que
fornecia e criava seus mitos, o Partido procurava destruir as mensagens e as
imagens de seus inimigos. Adjetivos pejorativos (“entreguista”, “lacaio”, “vende-
pátria”, “fascistas”, “ianques”, “trostkistas” etc.) foram fartamente usados por
esta imprensa para qualificar aqueles de quem divergia politicamente. Buscamos
compreender seu alcance popular, sua estrutura financeira e suas relações entre
militantes, redatores e o Comitê Central. Esta parte foi revista e compõe o
primeiro capítulo deste livro.
Na terceira parte, partimos para o estudo da construção de um
imaginário comunista em relação ao governo Dutra. Na quarta parte, o político
visado pelo Partido Comunista Brasileiro foi Getúlio Vargas. Foi um dos mais
retratados, nas páginas da imprensa do partido. Em um momento político de
grande radicalização (pós-50), o PCB - regido pelo “Manifesto de 50” e pelo
1 Veja outras produções em http://www2.uel.br/cch/his/ledi/pesquisas.htm.
8
iV Congresso - queria derrubar o governo por meio da criação de um exército
popular. Foi um período fértil de lutas políticas, em que as caricaturas e as
charges passaram a ser mais um importante componente. Trechos desta parte
podem ver vistos no decorrer deste livro.
A quinta parte enfocou a questão da crise interna do PCB devido à
divulgação do relatório secreto de Krustchev. Após este, muitos questionamento
passaram a ocorrer entre os militantes e simpatizantes do Partido. Dogmas
sagrados foram postos à prova: o culto à personalidade (Stálin e Prestes); a
verdade partidária, a política do “prato feito” (cópia às determinações dos
congressos do PCUS) etc. A luta pela democratização do Partido e pela
efetivação de uma direção coletiva foram apresentados de forma contundente
pelos militantes. Tudo isto pode ser acompanhado pelas charges políticas que,
inteligentemente, foram usadas pelo Redator do jornal Voz Operária. O uso das
charges de autores estrangeiros mostrou que o debate era mundial, não apenas
localizado.
Na última parte, buscamos compreender a construção do imaginário
comunista frente às questões externas, ou seja, sobre temas internacionais, que
não passavam por decisões internas. Os temas que optamos em trabalhar foram
o Imperialismo (e suas formas de expansão), a Guerra da Coreia e a “Campanha
Mundial pela Paz”. Trechos desta parte poderão ver visto neste livro.
No decorrer do período do fim do pós-doutoramento até hoje (2010),
continuamos a estudar o discurso da imagem e a orientar trabalhos sobre o
tema. Em fins de 2009, concluímos uma versão deste trabalho. Mas, diante das
possibilidades apontadas e das dúvidas apresentadas, resolvemos rever esta
versão. O grande problema de escrever um trabalho deste tipo é a variedade
de cortes, escolhas de temas e imagens. Se pensarmos no limite imposto pelo
número de páginas dos livros que compõem a coleção História na Comunidade
(80 páginas) a situação se complica. O que colocar e deixar de fora?
Deixamos de fora no que se refere à questão imagética e conceitual: a
História do PCB, em especial com sua fase legal e sua organização eleitoral;
a discussão teórica sobre o conceito de charge política e caricatura política
e nossa proposta do conceito de charge ideológica e caricatura ideológica; a
guerra de Porecatu (PR); a Campanha do Petróleo; as formas de trabalho sob
a ótica dos artistas comunistas; a Guerra Fria; o uso intensivo das Histórias
em Quadrinhos e o discurso ideológico, combatendo-as enquanto produto a
serviço dos interesses estadunidenses; as imagens dos políticos entre outras.
Algumas questões estão presentes por serem obrigatórias, tais como: o
“culto à personalidade” de Prestes e Stálin; a discussão da reforma agrária; a
heroína Olga Prestes; e a luta sindical contra o pelego, incluindo a questão do
Primeiro de Maio.
9
O número de artistas brasileiros e estrangeiros que pudemos encontrar
nas páginas da imprensa comunista foi muito grande. Podemos citar como
principais: Paulo Werneck, Arydio Cunha e Jorge Brandão, Maria Helena e Leda
Sá. Outros que apareceram com certa frequência: Quirino Campofiorito, Hilda
Campofiorito, Carlos Scliar, Edíria, Toledo, Ramiro, Pedrosa, Dan, Augusto
Rodrigues e Percy Dean. Com menos frequência: Portinari, Virgina Artigas,
Renina Katz entre outros. Do estrangeiro podemos citar: Gutuso (Itália),
Miltelberg (França), Gropper (EUA, com muitas charges) entre outros. Sem
falar em militantes que enviavam desenhos isolados. Enfim, uma quantidade
enorme de imagens (variando em sua forma de criação e suporte) e de artistas.
Portanto, a dimensão da pesquisa e o limite imposto por esta publicação nos
obrigaram às opções relatadas.
Vários intelectuais, inclusive o líder comunista Luiz Carlos Prestes,
escreveram artigos, publicados na imprensa comunista, pedindo a união dos
artistas “democratas” em torno da causa de uma arte que ajudasse a fortalecer
cultural e politicamente o povo brasileiro. Os artistas deveriam produzir a
arte do povo, com suas lutas e conquistas. O trabalhador, o comunista, o
sindicalista, o lutador pelas causas populares deveria expressar orgulho em
sua luta, expressar confiança e ser vitorioso. Aqui está se falando, sobretudo,
da produção artística: pintura, gravura, caricatura, teatro, cinema, poesia,
romance etc.
O período aqui estudado (1945-58) foi influenciado pelo chamado
“realismo socialista” vindo da União Soviética. Na verdade foi mais uma
orientação do que uma influência. Os temas das ilustrações, dos poemas, dos
romances entre outras produções artísticas e literárias enfocavam o cotidiano
urbano e rural, com seus problemas, lutas e, principalmente, conquistas. A
leitura da imagem ou do texto tinha que conduzir a um momento de otimismo,
de êxtase. A vitória era a meta final. Entretanto, uma observação atenta às
imagens produzidas pelos artistas comunistas ou engajadas faz-nos perceber
mais uma arte “crítico-social”, sem a ênfase na vitória. Estão mais voltadas à
narração da miséria, das dificuldades da vida do que a uma condução à luta,
isto é, tem um caráter mais de denúncia do que de propor organização (talvez
possamos excetuar muitas imagens ligadas ao movimento operário e às lutas
camponesas). No decorrer deste livro, o leitor poderá verificar as temáticas e as
imagens voltadas ao “realismo socialista” e/ou ao “crítico-social”.
A bibliografia utilizada foi composta pelos periódicos publicados
pelo PCB (diários, quinzenais e mensais), voltados para os mais diversos
segmentos: sindical, feminino, cultural, para o público em geral, entre outros.
Foi possível com tal material obter as imagens, os discursos dos membros do
Comitê Central, das propostas voltadas à área da cultura e da organização
10
popular. Sobre o estudo da imagem comunista como fonte histórica existe,
além de nossa pesquisa, a Tese de doutoramento de Rodrigo Tavares (2010)
e a Dissertação de mestrado de Juliana Dela Torres (2009). Esta desenvolveu
pesquisa voltada sobre a imagem da mulher na imprensa comunista estudando
o período 1945/57. Rodrigo Tavares fez um trabalho mais amplo, seja temporal,
seja temático. Estudando o período de 1945-64, fazendo incursões na produção
imagética dos anos 1920 aos 1960. Entretanto, o período mais estudado foi dos
anos da legalidade (1945) ao golpe militar (1964). Trata-se, portanto, de um
trabalho bem amplo sobre o PCB, utilizando-se das imagens como fonte e como
importante componente de análise.
Este livro está dividido em quatro capítulos que se relacionam. O
primeiro capítulo é sobre a imprensa comunista, já comentado em parte acima.
O segundo capítulo é sobre o uso dos símbolos e das formas na defesa e no
combate ideológico travado entre a esquerda e a direita com uso das imagens
obtidas na imprensa comunista. O terceiro capítulo trata-se dos heróis da
“causa operária”. Logicamente estamos falando de Stálin e “La Passionária”, no
campo internacional, e Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, no campo interno.
Mas, além destes obrigatórios, foram selecionados alguns outros mártires: a
estudante e militante Zélia Magalhães e a tecelã e militante Angelina. As imagens
do “Bem”, representado pelos comunistas, contra o “Mal”, representado pelos
capitalistas, estão presentes, em especial, na causa da paz. Por fim, a militante
Elisa Branco, presa por estender uma bandeira brasileira em desfile de sete de
setembro contra o envio de tropas brasileiras para a Coreia.
O último capítulo, de maior formato, buscou-se, por meio das imagens
contidas na imprensa comunista, mostrar: alguns problemas enfrentados no
cotidiano da população brasileira (alimentação, transporte coletivo, moradia,
saneamento básico, custo da vida e inflação); a atuação das organizações
sindicais, suas lutas e as repressões patronais e governamentais; os movimentos
pela posse da terra e condições de vida do camponês e, por fim, as festividades
envolvendo os militantes em campanhas de integração, arrecadação de dinheiro
etc. Neste item, há destaque para o Primeiro de Maio.
Como já foi escrito em linhas passadas, muito se deixou de discutir e
mostrar. imagens que não compõem este livro poderão ser visualizadas na
exposição Arte visual comunista e no vídeo de mesmo nome. Mesmo este
conjunto deixará de fora um grande número temas e questões. isto mostra
a importância e a dinâmica da produção visual comunista neste período
(1945-58). Esperamos que ajude a instigar novas aventuras neste campo
historiográfico e neste tema.
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IMpRENSA COMUNISTA
Introdução
O objetivo deste capítulo é compreender, em especial nas palavras
dos dirigentes comunistas, as razões do surgimento da imprensa
comunista no pós-guerra. Este texto vai apresentar a trajetória desta
imprensa entre os anos de 1945 e 1958. Assim, dados numéricos sobre
a produção da imprensa comunista, as mobilizações em torno dela
(festas, campanhas etc.), o financiamento, e a repressão sofrida entre
outras questões poderão ser vistas adiante.
A imprensa comunista
Na imagem acima, podemos visualizar vários títulos de jornais.
Neles verificamos diversas coisas: o uso comum da expressão povo; a
busca de uma identidade (A Classe Operária, Tribuna Popular, Jornal
do Povo, O Trabalhador, Voz do Povo); sua expansão geográfica
(Goiás, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, São Paulo – Hoje, Bahia
– O Momento, Rio de Janeiro – Tribuna Popular, entre outros).
Conhecendo um pouco do tema, pode-se acrescentar outro aspecto,
o nacional: A Classe Operária, Voz Operária e o Momento Feminino
tinham distribuição para todas as capitais estaduais, entretanto, não
eram diários.
Tribuna Popular, 01/05/1952
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Arte Visual Comunista
A partir de 1945 o Partido Comunista do Brasil (PCB),
recentemente colocado na legalidade, depois de 10 anos de repressão
política empreendida pelo governo de Getúlio Vargas, deu início à
construção de uma vasta rede de publicações nacionais e regionais,
revistas, romances, discursos, clássicos do marxismo (Lênin, Marx etc.),
jornais e panfletos. Tal rede foi chamada de Imprensa Popular.
O tamanho da produção jornalística e cultural do PCB não é de
fácil quantificação e tem gerado controvérsias entre os pesquisadores.
Moraes (1984, p.65) apresenta, para o ano de 1945, o total de
oito jornais diários nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul,
Pernambuco, Ceará, Espírito Santo e no Distrito Federal. Rubim (1986,
p. 180, 352) afirma que entre 1945 e 1964, o PCB possuía as livrarias
Itatiaia e Das Bandeiras, em São Paulo, a agência Farroupilha, em
Porto Alegre, Popular, em Salvador, e Independência, na cidade do
Rio de Janeiro. Além das editoras Vitória e Presença, contava com a
simpatia da editora Calvino.
Em pesquisa junto ao Arquivo do Estado do Rio de Janeiro
(fundo DOPS – Departamento de Ordem Política e Social), localizamos
um relatório sobre a imprensa comunista em papel timbrado do
Departamento Federal de Segurança Pública, do Ministério da Justiça
e Negócios do interior. No qual dizia: “A imprensa vermelha conta
no país com cerca de 25 jornais, 07 revistas e 100 panfletos – estes
custeados pelas comissões das categorias profissionais que os editam”.1
Embora não datado, o relatório descreve os anos 1950, dando uma
visão da dimensão da imprensa comunista e chamando a atenção para
um dado importante: a publicação profissional controlada por esse
partido político. Afirma também possuir o PCB duas casas editoriais
e uma agência noticiosa, a Interpress. Esta última adquire um papel
fundamental em nossa pesquisa, pois é ela que vai distribuir aos
jornais e revistas comunistas brasileiros as charges e desenhos políticos
produzidos em todo o mundo, em especial, na imprensa comunista
mundial.
Já em 1922, ano de sua fundação, o PCB encarou a imprensa
como um importante instrumento de divulgação de suas propostas e
1 Dossiê PCB, Pasta 3B, folha 613.
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Imprensa Comunista
metas, de sua ideologia e ditames do Comitê Central. Tal modelo estava
baseado em três pressupostos: a) educar as massas para elevar o nível
de consciência política; b) organizar os setores mais combativos da
classe operária em torno do partido; e c) propagar a linha ideológica.
(MORAES, 1994, p. 63).
Ao obter sua legalidade, voltou-se para reorganizar e expandir
sua imprensa. A leitura dos editoriais e manifestações dos dirigentes do
PCB, em especial de Luiz Carlos Prestes, publicados por essa imprensa,
ajuda a compor esse quadro. O jornal diário Tribuna Popular, chegou
às bancas em 22 de maio de 1945, editado na cidade do Rio de Janeiro.
Neste número, na primeira página, é possível encontrar uma carta do
dirigente máximo e herói comunista Luiz Carlos Prestes em que dizia
que este jornal era uma demanda do povo para representá-lo e denunciar
os males pelos quais passava. Nesta missiva, acompanhada pela foto
do líder, incluía outros escritos interessantes: “Saúdo [...] o advento
em nossa terra de uma nova imprensa – a imprensa popular capaz de
esclarecer, orientar e unir o nosso povo no caminho da democracia e do
progresso.”2 A referência aqui não é somente ao jornal mas a Imprensa
Popular, ou seja, a nova rede de jornais que, ao contrário da então
existente (que ironicamente a imprensa comunista chamava de “sadia”),
seria um espaço para o povo propor e resolver os seus problemas. Mas a
orientação “correta” seria dada pelo PCB.
Em seu editorial, intitulado O jornal que o povo espera,
expressava:
Nosso jornal chega na hora certa. Chega quando o povo necessita de uma
tribuna a que possa assomar com a sua voz clara e firme, e através da
qual receba mais diretamente a palavra orientadora de seus guias. Jornal
que quer ser companheiro, amigo de todos, sem outro desejo que o de
falar a verdade, esclarecer dúvidas, pôr fim a confusões, indicar o rumo
seguro das aspirações comuns dos brasileiros [...].3
Claro está que o papel da Tribuna Popular (e das demais
publicações que compunham a Imprensa Popular) era, na perspectiva
do partido, de esclarecer as dúvidas do povo, de pôr a cabo as confusões
2 “A saudação de Prestes”. In: Tribuna Popular, 22/05/45, p.01.3 “O jornal que o povo esperava”. In: Tribuna Popular, 22/05/45, p.03.
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Arte Visual Comunista
existentes nas mentes dos brasileiros,
enfim, de orientar, conforme as palavras
de seus guias (certamente os membros do
Comitê Central do PCB, de Prestes – “guia
de todos os brasileiros” – e de Stálin – “guia
de todos os povos”), de dar rumo a um povo
perdido e desorientado, de defendê-lo de
seus inimigos, que na visão do PCB seriam os integralistas, fascistas,
falsos democratas, trotskistas etc. A imagem ao lado deixa entrever que
o imperialismo alimentava não só a imprensa “sadia” como também o
anticomunismo.
Em 31 de março de 1946, circulou em Salvador o primeiro
número de O Momento. Em sua primeira página foi publicada uma
carta de Prestes saudando o surgimento do jornal. Nesta carta, que
já anunciava o início do radicalismo que se romperia em 1947/8,
novamente se contrapunha a uma imprensa vendida, contra a qual
surgia uma “verdadeira”, “autêntica”, “popular” e “esclarecedora” das
necessidades do povo brasileiro.
Saúdo o aparecimento do diário do proletariado e do povo da Bahia. [...] O
Momento deverá ser a mais autêntica voz do povo no desmascaramento
dos traidores da pátria, agentes do capital colonizador estrangeiro, no
esclarecimento das grandes massas trabalhadoras e populares, pondo
a nu a verdadeira face dessa imprensa vendida, que vive a soldo dos
senhores estrangeiros. O povo e o proletariado da Bahia saberão apoiar
o seu diário, saberão fazer dele sua trincheira e sua tribuna. (apud,
FALCÃO, 1988, p.311).
Em 25 de julho de 1947 foi às bancas pela primeira vez o jornal
Momento Feminino. Este era editado por mulheres comunistas, mas
se apresentava com um caráter pluripartidário e feminista. Diante de
seu público alvo, continha em suas páginas os clássicos artigos sobre
corte/costura, culinária, psicologia infantil e escolar etc. Entretanto,
frente ao seu caráter feminista e político possuía também reportagens
sobre custo da vida, problemas do cotidiano: (filas, aquisição de gêneros
alimentícios, o trabalho fora e no lar etc.), luta feminina, entre outros
assuntos. Na citação a seguir, podemos entender que o Momento
A Classe Operária, 25/01/1947
15
Imprensa Comunista
Feminino tinha como intenção “esclarecer” as dúvidas de todas as
mulheres brasileiras. Vejamos:
Precisamente quando avultam os problemas do povo brasileiro e sua
solução econômica encontra obstáculos cada vez maiores, aparece
Momento Feminino, órgão de luta auxiliar de todas as mulheres para
cumprir uma tarefa no seio da coletividade brasileira para ajudar o
erguimento intelectual, político e econômico em nossa pátria.4
Grabois, outro importante dirigente do PCB, quando do
aniversário do semanário A Classe Operária, em 1951, na fase do
radicalismo do Manifesto de Agosto, em que defendia a luta armada
contra o governo estabelecido pelas urnas, afirmou: “A Classe
Operária é um instrumento dos mais importantes para a educação
revolucionária dos operários e assalariados agrícolas para a liquidação
do espontaneísmo em suas lutas, para a estruturação das células que
reforçarão de maneira decisiva as bases partidárias”. (apud, MORAES,
1994, p. 68). Tal “espontaneísmo” era inconcebível dentro de doutrina
stalinista do PCB, pois aqueles deveriam seguir os ensinamentos e
direcionamentos de seu líder Prestes e, portanto, de seu partido. A
expressão “revolucionária” encaixava-se na proposta de luta armada
que então levava a cabo contra um governo que considerava de “traição
nacional e parceiro do imperialismo estadunidense”.
Quanto às publicações das revistas, Floriano Gonçalves assim
descreveu a função destas:
Hoje dispomos de revistas literárias e de divulgação cultural em
cinco grandes Estados: Para Todos, Fundamentos, Horizonte, Seiva e
brevemente Itinerário [...] Cada uma destas revistas [...] deverá ser o
centro aglutinador dos intelectuais democratas e das forças jovens que
procurem orientação justa e correta em torno do programa de defesa
da independência nacional e da paz. Nossas revistas nos Estados devem
unir-se uma às outras para formar ampla rede e refletir nacionalmente
uma cultura revolucionária em desenvolvimento, com novos valores e
novas perspectivas, uma cultura do ponto de vista da classe operária e
que traduza o interesse das amplas massas que lutam pela paz e pela
4 “Nossos problemas”. In: Momento Feminino, 25/07/47, p. 02.
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Arte Visual Comunista
libertação nacional no jogo dos imperialistas forjadores de guerra e de
seus sócios nacionais. (apud MORAES, 1994, p.143).
O jornal A Classe Operária defendeu a aglutinação dos
intelectuais democratas, aqueles que pensassem a cultura revolucionária
em desenvolvimento, que lutavam pela paz mundial e pela libertação
nacional do imperialismo ianque. Assim, cristalino está o objetivo
principal apontado pela própria imprensa comunista, do papel que
deveria exercer sobre a população leitora e sobre os próprios produtores
culturais, que deveriam produzir a arte do povo, com suas lutas e
conquistas (realismo socialista)
O jornal Tribuna Popular, diário editado na cidade do Rio de
Janeiro (como Hoje, na cidade de São Paulo; O Momento, em Salvador,
entre outros), trazia em seu conteúdo, editoriais e colunas de pensadores
alinhados com o PCB, notícias do cotidiano do cidadão, problemas com
o transporte, alimentação etc.; das lutas dos setores organizados da
população, sindicatos, associação de moradores etc.; seções culturais,
de cinema e teatro, esportiva e de carnaval (no caso do Rio de Janeiro).
Os periódicos não diários, como a Voz Operária e A Classe
Operária, adquiriram um sentido mais programático. Possuíam
muitos artigos da direção do PCB e os mais diversos possíveis, mas com
conteúdo político e cultural. As lutas cotidianas dos trabalhadores, as
greves, postura contra as políticas econômicas e trabalhistas do governo
aí encontravam espaço privilegiado.
As revistas políticas e culturais como Fundamento, Seiva e
Horizonte entre outras, seguiam a linha de propagação do ideário
marxista-leninista-stalinista. Artigos dos dirigentes do partido e de
intelectuais com eles afinados, transcrição de artigos de pensadores
estrangeiros, em especial da URSS, lá eram encontrados. Propostas de
políticas culturais a serem produzidas pelos artistas comunistas estavam
ali posicionadas. Análise da situação econômica e política nacional, das
condições de vida no campo e cidade, informes do partido e orientação
política eram também os temas tratados, bem como elogios ao governo
de Stálin e sua organização.
Os romances e títulos publicados pelas editoras do PCB (Vitória,
Presença etc.) tinham um caráter político-pedagógico de extrema
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Imprensa Comunista
importância na luta empreendida por este partido, pois era mais uma
forma de divulgar seu ideário. Muitos títulos publicados em formato
popular e em papel jornal se destinavam ao grande público. Romances
de autores brasileiros vinculados ao partido eram encomendados. Os
temas escolhidos pelos dirigentes do PCB referiam-se aos problemas da
classe trabalhadora (luta dos pescadores, mineiros etc). Produções que
passavam pelo controle cultural do partido corriam o perigo de serem
engavetadas se não atendessem os seus objetivos. Por fim, encontramos
traduções de romances estrangeiros que também estavam dentro dos
interesses culturais do PCB.
A composição da chamada Imprensa Popular era ampla.
Buscava-se atingir diversos setores da população. Como afirmou
Hélio Benévolo, “no mundo jornalístico e cultural, tínhamos um
jornal para cada setor mais importante de atividades.” (BENÉVOLO,
2003, p. 133). Para os leitores comuns e setor de massas, existia o
jornal Imprensa Popular (antes chamado Tribuna Popular); para o
simpatizante e militante, Voz Operária; e para o militante, A Classe
Operária; o primeiro era diário, com notícias da cidade, do mundo
e do partido, o segundo semanário, com notícias sobre o movimento
agrário, operário e sobre os partidos comunistas do Brasil e do
mundo, o último “[...] era só doutrinário, cada tijolo desse tamanho,
ninguém lia”.5 Também existia Gazeta Sindical, editada pela
Frente Sindical. Enfim, nada ficava de fora desta construção e luta
ideológica.
O relatório do Departamento Federal de Segurança Pública,
anteriormente citado, dizia que os jornais
Voz Operária e Imprensa Popular seriam os
principais órgãos do Partido: “[...] Através
de suas colunas é que são transmitidas às
massas a orientação da direção do partido,
além da matéria doutrinária e propaganda
que enchem suas colunas. Os órgãos
publicitários do PCB não se acham registrado
sob a responsabilidade do Partido e sim em
5 Hélio Benévolo Nogueira – Entrevista ao autor, na cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003.
Imprensa Popular, 21/08/1955
18
Arte Visual Comunista
nome de elemento ao mesmo filiado”. Um exemplo real desta afirmação
foi o caso da compra da nova sede do jornal Imprensa Popular,
localizada na Rua Álvaro Alvim, centro do Rio, que foi registrada em
nome de Eros Martins, um militante.6 Estes artifícios eram necessários
uma vez que o PCB estava na legalidade.
Da mesma forma em que não há consenso quanto à produção
jornalística e cultural do PCB, não há quanto à tiragem de seus jornais.
Os números variam conforme a época e a fonte consultada. Por exemplo,
em sua edição de 12 de janeiro de 1947, ainda na legalidade, uma
propaganda do próprio jornal Tribuna Popular afirmava que a tiragem
daquele número era de 132 mil exemplares, “a maior de todo o país”.7 O
contador do próprio partido, analisando as contas deste diário em abril
de 1947, afirmou que este era deficitário, tendo havido uma grande queda
em sua circulação. (FALCÃO, 1988, p. 336). Na afirmação de Raimundo
Souza, a tiragem média era, em 1945, de 90 mil exemplares nos dias de
semana e 150 mil aos domingos. (SOUZA, 2005, p. 17). Agildo Barata,
o responsável pelas finanças gerais do PCB, por sua vez informou que
a Tribuna Popular fora recebida inicialmente com curiosidade, tendo
grandes tiragens, mas que foram caindo verticalmente posteriormente.
(BARATA, s/d, p. 350). Já o referido relatório de polícia diz que “[...]
a tiragem média das folhas comunistas é de mais ou menos 8 mil
exemplares”. Rubim afirmou que a venda da Imprensa Popular no ano
de 1954 era de 5 a 7 mil exemplares, caindo para cerca de 4 mil em
1957, após a crise política-institucional que viveu o Partido. (RUBIM,
1986, p. 71). Basbaum, por sua vez, disse que após a saída de Agildo
Barata da Comissão Nacional de Finanças, ficou ainda mais difícil a
manutenção do Imprensa Popular, que passou a distribuir cerca de
1.000 exemplares. (BASABAUM, 1976, p. 237). Pode-se concluir, com
certeza, que houve uma queda dos números de exemplares no decorrer
do tempo, em especial com a ilegalidade do partido em 1947 e com a
saída de Agildo Barata, em 1956.
Vimos que a Imprensa Popular comprou um imóvel para sua
redação, o que demonstra que as sedes deste jornal e do jornal Voz
6 Hélio Benévolo Nogueira – Entrevista ao autor, na cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003.7 Tribuna Popular, 12/01/1947, p. 03.
19
Imprensa Comunista
Operária ficavam em locais diferentes. A compra daquele imóvel, de
máquinas (ou aluguel delas), de material de consumo, pagamentos
de funcionários, distribuição etc., exigiam gastos constantes. Os
anunciantes eram escassos e as vendas não eram suficientes para cobrir
os custos. A Tribuna Popular, no ano de 1947, ainda teve propaganda de
agências oficiais (Caixa Econômica Federal, Institutos de aposentadorias
e pensões, por exemplo), mas com o acirramento das críticas ao governo
Dutra e a perseguição ao comunismo empreendida por este governo,
perdeu-se praticamente todos os anunciantes, os que se prontificaram a
usar este veículo de comunicação a partir deste momento eram médicos,
dentistas, advogados e de empresas de militantes e simpatizantes
do PCB. No caso do jornal Imprensa Popular de 1951 a 1953, por
exemplo, um anunciante constante era de uma loja chamada “Tic-Tac”
e praticamente mais ninguém. Outro exemplo pode ser encontrado no
ano de 1955 é da loja “O Camarada”, nada
mais sugestivo. Poder-se-ia pensar no
medo de represália por parte de agentes
policiais aos anunciantes, mas para Falcão
os problemas eram: queda das vendas,
pouco noticioso, sectário e mal-impresso.
Em síntese, para ele o jornal não era um
bom veículo de propaganda. (FALCÃO,
1988, p. 336). Barata compartilha desta
opinião ao afirmar que é um jornal pouco
noticioso, mal elaborado, com péssima
apresentação gráfica. (BARATA, s/d, p. 350).
Não se pode desprezar a ideia dos temores em anunciar ou
comprar exemplar de noticioso comunista nesse período. O próprio
Falcão relata que alguns jornaleiros atuavam como informantes da
polícia, assim não haveria certeza de que sua compra era “segura”.
(FALCÃO, 1988, p. 371). No Fundo DOPS do Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro é possível encontrar um exemplar do jornal
Voz Operária, de 31/05/1951, acompanhado de uma carta na qual um
cidadão afirmava ter recebido em sua residência o referido exemplar e
Imprensa Popular, 21/08/1955
20
Arte Visual Comunista
do qual não era assinante. Vê-se, portanto, o medo do cidadão de ver
sua imagem vinculada a um partido ilegal por meio do recebimento do
jornal Voz Operária, mesmo sendo este de circulação pública normal.8
Para resolver o impasse da falta de verbas pela pouca venda e
escassa publicidade e objetivando poder ampliar as ações da imprensa
comunista foi criado o “Movimento de Apoio
à Imprensa Comunista – MAIP”, que visava,
por meio de contribuintes permanentes por
festas, leilões, “pic-nics” etc., arrecadar as
verbas necessárias para tal.9 Hélio Benévolo,
que entrou para o jornal Imprensa Popular
em 1951, lembra dessas festas: “As festas
do Partido marcaram-me sobremodo. [...]
Dias imorredouros, durante os quais, além
da distração, geralmente se fazia coletas de
ajudas e recrutamento de militantes e amigos.”
(BENÉVOLO, 2003, p. 178-9). Mas não relatou
apenas a parte alegre, descreveu ações das forças repressivas, prendendo
e ameaçando os participantes das festas.
A primeira Campanha Pró-Imprensa Popular, ocorreu em
julho de 1946 por chamamento de Luiz Carlos Prestes, que desejava
a construção de uma grande imprensa “democrática”. Todos os
comunistas e simpatizantes foram mobilizados para a campanha, que
visava arrecadar 10 milhões de cruzeiros.
Seguiu-se ao lançamento da campanha intenso trabalho de organização
e divulgação e emulação. Todas as células, comitês distritais e municipais
tiveram sua cotas pré-fixadas e competiam entre si. Em todos os bairros,
empresas e setores profissionais foram criados comissões Pró-Imprensa
Popular. (FALCÃO, 1988, p.318-9).
Doadores e doações de todos os tipos: fazendeiros doando gado,
arrobas de cacau, populares doando alianças, joias antigas de família,
automóveis entre outros objetos. Foi uma campanha que teve forte
8 Dossiê PCB, Político/ Pasta 3B, folha 589.9 APERJ, Fundo DOPS, Dossiê PCB, Pasta 3B, folha 613.
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Imprensa Comunista
apelo popular. Com o dinheiro arrecadado foram compradas máquinas
de impressão para diversos jornais. Com uma imprensa deficitária e uma máquina partidária na
clandestinidade a sustentar, a Comissão Nacional de Finanças do PCB
se tornou um dos pilares deste, cuja arrecadação, que chegava a milhões
de cruzeiros, era suficiente para cobrir os custos das publicações e gastos
com a manutenção e segurança do Comitê Central do partido (aluguel
de imóveis, roupas, alimento etc.). (BARATA, s/d, p. 351).
A arrecadação se dava por cinco fontes: a) dos próprios
comunistas; b) dos simpatizantes; c) dos amigos; d) dos aliados; e) dos
inimigos. O primeiro grupo era obrigado pelo estatuto a contribuir,
sendo os mais aquinhoados economicamente, sempre participantes
das campanhas promovidas pelo partido. O segundo grupo, sempre
disposto a ajudar regularmente nas campanhas do Partido. O terceiro
grupo era de amigos dos comunistas ou liberais que discordavam da
política governamental de repressão aos comunistas. O quarto grupo era
o principal fornecedor de bens, visto que as campanhas nacionalistas,
por exemplo, defendiam interesses da burguesia nacional, ou seja,
de grandes grupos nacionais que discordavam da entrega do capital
estrangeiro. Por fim, o último grupo, constituiu-se de burgueses
temerosos de uma possível vitória do PCB, ou seja, compravam uma
apólice de seguro de vida. (PERALVA, 1960, p. 292; BENÉVOLO,
2003, p. 143). O artista plástico Arydio Xavier da Cunha, ilustrador da
Voz Operária, escreveu, com rancor, uma das formas percebidas para
arrecadar dinheiro:
[...] Considerando suas relações com os colecionadores de obras de
arte, grande número de artistas plásticos foi integrado em comissões
de finanças, com a tarefa ‘específica’ de conseguir dinheiro através de
visitas e do comércio de quadros, cujo valor era medido exclusivamente
em cruzeiros [...].10
A maioria dos empregados dos jornais comunistas fazia parte
do partido ou eram simpatizantes, assim diversos foram os relatos
dos memorialistas do partido em destacar a doação e coragem destes
10 CUNHA, Arydio. “Como organizar os artistas plásticos?” In: Voz Operária, 17/11/56, p. 06.
22
Arte Visual Comunista
funcionários na existência desta imprensa: salários muito baixos,
horas extras, repressão policial etc. Um aspecto que encontramos foi
a solidariedade de militantes, simpatizantes e democratas no apoio
aos jornais comunistas na falta de material, mão de obra qualificada,
material gráfico e fotográfico e proteção quando da repressão. Uma
editora de importante revista feminina desviava material fotográfico
para atender as demandas do jornal Momento Feminino; quando da
invasão e empastelamento do jornal Imprensa Popular, a Associação
Brasileira de Imprensa (ABi) cedeu espaço em seu prédio para a
instalação provisória da redação, além do envio de matérias por
diversos jornalistas; linotipistas que também trabalhavam para outros
jornais e traziam escondidos matrizes em seus bolsos, devolvendo
no dia seguinte. Raimundo Alves de Sousa lembrou a campanha de
recolher tubos de pasta de dente vazios (que eram feitos de chumbo,
caro e necessário para confecção dos tipos), da qual foi arrecadada uma
tonelada. (SOUSA, 2005, p. 36).
A repressão e ameaça foi uma constante na vida dos funcionários
da imprensa comunista. Quando da declaração da ilegalidade do PCB
pelo Tribunal Superior Eleitoral em 1947, imediatamente houve várias
ações repressivas por parte do governo: invasão da sede do partido;
violência policial contra atos populares e comícios; e o empastelamento11
do jornal Tribuna Popular entre outras atividades. No dia 21 de outubro,
este jornal foi invadido por forças da repressão e teve suas oficinas e
escritórios destruídos. Voltou a sair em 31 de outubro, mas somente em
suas oficinas em 12 de novembro, ou seja, foi feita a recomposição das
máquinas de impressão independente de que forma, somente 22 dias
depois da invasão.
11 O empastelamento é uma ação de invasão e destruição dos escritórios e oficinas de uma empresa jornalística. Tal ato foi comum na História do Brasil. O empastelamento pode ocorrer por ação de civis revoltados pelo posicionamento do jornal, como também por forças repressivas oficiais.
23
Imprensa Comunista
Mas a repressão estava em todos os movimentos do PCB: sindical,
imprensa, festas, comícios, greves, movimentos populares, favelas etc.
Houve prisões, assassinatos, tortura, demolição de barracos, apreensão
de jornais, ameaças morais e físicas entre tantas formas de ações. Onde
lutasse o partido lá estava a força repressiva para atuar.
Em 1955 podemos encontrar nas páginas da imprensa comunista
uma “Associação Carioca dos Amigos da imprensa Democrática”
(ACAiD). Esta promovia e organizava festas para arrecadação de verbas
para os periódicos do partido e as ações de propaganda e venda dos
exemplares. Em 1956 ressurgiu o Movimento de Apoio a Imprensa
Popular (MAiP). Agora era a campanha dos “Vinte Milhões para os
jornais do povo”. Foram chamados os “comandistas” para ajudar na
arrecadação de verbas e venderem assinaturas e exemplares avulsos.
Festas eram promovidas, mas o momento era outro, o entusiasmo
não era mais o mesmo de outros tempos. “[...] Existem muitos amigos
nossos que não têm manifestado a propósito desta nova campanha
de reaparelhamento da imprensa popular.” Estes colaboradores não
queriam apenas dar dinheiro, queriam também ter voz sobre o conteúdo
dos jornais. Este ponto não agradava o Comitê Central, o que dificultava
ainda mais a vitória da campanha.12 Um exemplo foi a crítica, até bem-
humorada para os padrões comunistas, do militante que não tinha
aderido à campanha (imagem abaixo a direita).
O próprio jornal Voz Operária afirmou que: 1º) os problemas da
imprensa popular não poderiam ser resolvidos apenas com campanhas
populares; 2º) os problemas não eram apenas materiais e técnicos.
Afirmou que o marasmo da campanha estaria no atraso das análises,
dos debates sobre a Imprensa Popular (conjunto de publicações do
12 “Abrir amplo debate sobre o conteúdo de nossos jornais”. In: Voz Operária, 22/09/56, p. 05.
Imprensa Popular, 17/08/1956 Imprensa Popular, 15/08/1956
24
Arte Visual Comunista
partido). Por fim, clamou os leitores e o povo a se manifestarem com
suas críticas e opiniões.13
Toda essa mudança de posição, tanto dos colaboradores
como da própria concepção de ver o papel da imprensa comunista,
estava vinculada à crise interna, aos debates contra o centralismo e o
autoritarismo vigente no PCB. Uma pressão das bases, das editorias dos
jornais, dos militantes e simpatizantes que passaram a questionar os
mitos, as determinações do Comitê Central do Partido etc., acarretou a
decadência das publicações do Partido.
A desobediência dos diretores dos jornais Imprensa Popular
e Voz Operária, em promover um debate amplo e democrático sobre
a situação mundial e nacional após a divulgação do relatório segredo
de Krutschev (que denunciou os crimes de Stálin e condenou o culto à
personalidade), chegou a um ponto de crise interna que levou ao Comitê
Central do PCB a intervir duramente nos jornais.
Esta postura autoritária da direção do partido ocasionou a
saída em massa dos jornalistas dos jornais Voz Operária e Imprensa
Popular, significando o afastamento de 27 dos 32 jornalistas então
existentes. Segundo um militante: “Em 1959, o PCB, que possuíra
uma das principais cadeias de jornais e publicações do país, ficava sem
nenhum jornal diário.” (RODRIGUES, 1981, p. 424). Voz Operária e a
Imprensa Popular permaneceram até 1958, mas sem quase nenhuma
representatividade.
Em 1959, o PCB compra a gráfica Itambé e novos maquinários,
lançando neste ano o semanário Novos Rumos. Durante o governo de
João Goulart (1962-64), chegou a ter certo prestigio, mas com o golpe
militar de 1964, volta a se esvair.
Nos próximos capítulos, buscar-se-á mostrar o uso da imagem
na imprensa na construção de um imaginário comunista (heróis, lutas,
unidade entre outros modelos), bem como na descrição do cotidiano do
brasileiro e da postura do partido frente a este.
13 “Levar ao povo o debate dos problemas de nossa imprensa”. In: Voz Operária, 27/10/56, p.11.
25
USO DE SÍMBOLOS E FORMAS NA DEFESA E NO COMBATE
A caricatura e a charge ideológica buscam, em essência,
denunciar, desnudar, desmascarar o seu alvo. O uso de símbolos
conhecidos pelo leitor da imagem é fundamental para o seu
entendimento. Uma charge ou uma caricatura muitas vezes ilustram ou
apoiam sua criação em um fato encontrado no noticiário, daí a dificuldade
de seu entendimento com o passar do tempo. Os personagens deixam de
ser conhecidos. Se havia uma graça, uma razão para o riso, muitas vezes
isto se perde. No caso da caricatura e charge ideológica, tal circunstância
também acontece, mas pode não ocorrer se o motivo extrapolar o tempo
e mantiver a atualidade. Podem-se citar dois importantes símbolos
bem conhecidos por todos e de fácil entendimento: a suástica, que
representava o regime nazista alemão de Hitler e a cruz, símbolo do
cristianismo. Outros que podem ser lembrados são a letra sigma, que
identificava o integralismo brasileiro; o cifrão, referente ao dinheiro,
suborno etc.; a pomba, simbolizando a paz; o punho em riste, dando a
ideia de luta; braço, simbolizando a força, a unidade da classe operária;
e a cartola, representando o burguês, o capitalismo etc.
Na imprensa comunista, a suástica foi diversas vezes utilizada
para reforçar ou desmascarar a essência, o caráter de um regime ou de um
político. Quando houve a ruptura
completa entre o PCB e o governo
Dutra (1946-50), anticomunista
histórico, um dos principais
responsáveis pela cassação do
partido em 1947, sua figura foi
constantemente retratada como
de um traidor da pátria, ditador,
mentiroso etc. A charge ao lado
é muito elucidativa do momento.
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Arte Visual Comunista
Interessante como esta não se encontrava associada, diretamente, a
nenhuma notícia. Se na primeira página desta edição comentou-se que
a legalidade do partido era fundamental para a democracia brasileira,
na página três, na qual estava localizada, as referências são somente
sobre o Projeto número 24, na Câmara Federal, que tratava da cassação
dos mandatos, que se efetuaria em janeiro de 1948.
A charge não possui título, apenas a citação de uma poesia, que
sintetizava a própria charge. Tudo é nominado para não deixar dúvidas
da mensagem pretendida. A pedra, que havia no caminho era o chamado
do PCB pela unidade nacional contra os atos fascistas do presidente
“ditador”, que realizou alguns de seus sonhos e desejava realizar outros,
como a cassação dos mandatos e o fechamento do parlamento. Um
braço (a democracia) segura um cartaz clamando a volta do PCB à
legalidade. Somente sua existência poderia garantir tal fato. A figura de
Dutra é de fácil identificação. Seu corpo foi constituído pela suástica,
símbolo maior do nazismo. A relação nazismo/Dutra tem função
demolidora da imagem que Dutra queria construir de um presidente
democrático. O braço não é símbolo novo, pois foi bastante usado nas
causas proletárias de todo o mundo pelos diversos matizes. Junto com
o pé, que representa o chute que expulsa o inimigo, a mão traz em seu
conteúdo a ideia de união.
Um símbolo vinculado à suástica é a letra sigma, que identificava
o fascismo caboclo, o integralismo, sob as ordens de Plínio Salgado.
Na figura ao lado, pode-se visualizar uma figura
sinistra, violenta, pois além de ter um punhal
na mão direita, sua face, por meio do olhar e
da forma da boca, dão um aspecto ameaçador.
Seu cabelo e seu bigodinho lembram outro
personagem político da história de então: Hitler.
A camisa repleta com o sigma e a braçadeira
com a suástica deixam clara a relação entre os
dois símbolos, entre os projetos políticos. Para
completar o quadro de identificação, na mão
esquerda, o personagem carrega uma bandeira
do partido PRP, denunciando sua relação com
este partido político.
Tribuna Popular, 13/12/1945
27
Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
Na imagem a lado temos a
união dos brasileiros impedindo
que o presidente Getúlio Vargas
(1951-54) assinasse o Pacto
Militar, dito pelos comunistas
como a subordinação total
de soberania brasileira aos
interesses estadunidenses.
ilustrava a página que tinha por
título “Getúlio prepara a morte
e a ruína para o povo”. Em várias sub-reportagens, denunciava os
excessivos gastos com as Forças Armadas, a vinda de oficiais norte-
americanos no Brasil para treinar as tropas brasileiras, que seriam
encaminhadas para a Coreia, criticava a nova Lei do Serviço Militar, que
autorizava a convocação de todos os brasileiros de 16 a 47 anos de idade
a qualquer momento e estavam contra o Acordo Militar.
A charge ganha força e, às vezes, traz o riso quando se utiliza
da forma animal, a zoomorfia. Neste caso, há uma ilustração que
trata do tema acima, ou seja, o
Pacto Militar. Vemos o Tio Sam
com a chave na mão, afastando os
cães com “biscoitos”. A chave que
garantia a entrada no Brasil era o
Acordo Militar, e os animais foram
identificados pelas faces e por uma
marca na parte traseira deles “JN”
e “G”, ou seja, João Neves e Getúlio
Vargas. Estes cães que deveriam cuidar do Brasil, em troca de uns
biscoitos (moedas), deixam seus postos e não cumprem suas funções.
O uso de animais serviu para desqualificar os governantes e mostrar o
caráter frágil e dúbio de ambos. De outro lado, a nação norte-americana
foi representada pelo seu símbolo maior o Tio Sam, que aqui aparece
em papel suspeito, um tanto furtivo. Esta charge resumiu bem a visão
construída pelo discurso da imprensa comunista em relação ao governo
brasileiro e ao Acordo Militar: submissão, intervenção e controle.
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Arte Visual Comunista
O zoomorfismo está presente em outra charge de um grande
inimigo: o presidente dos EUA, Truman. Este está
na forma de um morcego sobrevoando a América
Latina. O morcego com rabo de diabo é identificado
como sendo o imperialismo ianque, que estava em
busca do sangue dos latino-americanos. O uso
de animais, com suas características específicas
somadas aos atributos negativos do caráter
humano poderia trazer consequências terríveis
para o caricaturado, uma vez que ficava marcado
na memória do leitor, de tal modo que seria difícil destruí-la.
A charge ao lado, de autoria do brasileiro Jorge Brandão,
denunciava o uso de armas bacteriológicas
na guerra da Coreia. Truman foi caricaturado
na forma de um mosquito transmissor de
uma doença letal, assim sendo não possuía
nenhum caráter cômico, visto a mensagem
transmitida e o título que carregava, mas
funcionava muito bem como arma de luta
política, de denúncia de uma política guerreira
contrária à Convenção de Genebra. Sua
legenda diz: “Ordenando e desencadeando
a agressão microbiana na Coreia, Truman se apresenta aos olhos da
Humanidade como o transmissor da morte, o portador de bactérias e
germes das mais terríveis doenças epidêmicas [...]”.
Gombrich ensina que a descoberta da diferença entre semelhança
e equivalência possibilitou a transformação da arte de desenhar e
de interpretar. Na caricatura acima, vemos a essência de Truman,
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
ela é pura destruição, seu sorriso é falso. Mensagem direta, que nem
necessitava de legenda, mas esta veio realçar a proposta. É cômica, a
bomba se voltou contra o lançador. Quem viu não pôde esquecer, é o
traço básico da caricatura ideológica.
Truman também foi retratado ao lado do maior símbolo dos EUA,
a estátua da Liberdade. Na realidade encontramos no decorrer desta
pesquisa várias charges em que este símbolo foi usado para combater
os dirigentes do país e desqualificar o discurso sobre a existência de
liberdade nos Estados Unidos. Afinal, estávamos em plena Guerra Fria,
ou seja, o discurso ideológico de destruição do outro era fundamental.
Assim, utilizar um símbolo do tamanho
da Estátua da Liberdade para destruição,
da imagem de país berço da democracia,
tornava-se fundamental. A seguir,
comentamos dois exemplos. Na primeira
imagem, ao lado, há uma longa legenda
explicando a charge. Diz a mesma: “Na
excelente ilustração ao alto, Gropper, o
grande caricaturista norte-americano,
figura o panorama político dos Estados
Unidos sob o regime de Truman: a
liberdade está sendo acusada e contra
ela e os cidadãos inermes investem
os monstros da reação. O membro da
“Klu Klux Klan”, Franco, o Comitê de
Atividades Antiamericanas, o Federal
Bureau of Investigation, os grandes banqueiros e os veteranos fascistas
da primeira guerra ensaiam um festim selvagem, visando destruir
aquilo que o grande povo de Roosevelt tem de mais sagrado.” Lá vemos
Franco, o ditador espanhol, figura sempre presente nas caricaturas e
charges ideológicas da imprensa comunista carioca. O caráter fascista
de seu regime e as ligações com os Estados Unidos o colocou como um
personagem importante a ser caricaturado. Todos os caricaturados com
traços grotescos. A cartola, o boné, o chapéu de investigador, o punhal,
o machado, o fogo, a suástica, o cifrão etc., lá estão. Enfim, as siglas
e os nomes ajudam a compor o quadro. Lembramos que Gropper, o
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Arte Visual Comunista
desenhista, foi acusado de traidor, de atividades antiamericanas, pela
comissão do Senado (MacCarthismo). Nesta charge também não houve
a preocupação por parte do redator de se fazer a tradução.
Na segunda imagem, a estátua da Liberdade está
sendo identificada pelas forças policiais, como se fosse um
perigo para os Estados Unidos. Assim, o autor da imagem
busca reforçar a ideia de que neste país a liberdade estava
vigiada, era vista como algo perigoso, contrário aos interesses
do país. Percebe-se o descontentamento e o desconforto da
senhora Liberdade ao ter que ser identificada.
Nessa linha de descaracterização do ocidente como o
defensor do Bem contra o Mal que vem do Oriente, da União Soviética,
houve toda uma construção imagética por parte da imprensa comunista
procurando mostrar os males que a cultura capitalista no Ocidente traz.
Foi lançada uma série chamada de
“Civilização Ocidental”, na qual são
apresentadas várias denúncias sobre
a sociedade capitalista: corrupta,
violenta, antidemocrática, desigual,
entre outras. Muito dos desenhos que
compunham a série traziam crianças,
como no caso da imagem ao lado.
Denuncia a promoção da violência e o
acesso às armas. A criança se utilizou
de uma arma automática, fabricada
nos EUA, e fez vários disparos. Mas
não foi só isto, com uma faca matou
o cachorro, com uma machadinha
arrebentou a porta do armário e, ainda por cima, enforcou o gato. Toda
a família se protege sob a mesa, exceto a vovó, que foi atingida por
alguma coisa que não é claro para o leitor.
Um símbolo que não poderia faltar e que se soma à Campanha da
Paz é a pomba, mundialmente reconhecida. Essa foi desenhada de várias
formas e sentidos e podem ser visualizadas abaixo de duas maneiras.
Uma simboliza sua força perante a ganância dos ricos e guerreiros
capitalistas. É uma imagem positiva na qual a paz será sempre mais
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Imprensa Popular, 18/07/1952
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
forte que os interesses do capital. Na outra imagem, utilizando-se
da figura do Tio Sam, a paz situa-se em posição menos gloriosa, mas
denuncia o caráter guerreiro dos Estados Unidos. Aqui temos três
símbolos em apenas uma imagem: a paz, na forma da pomba com o
ramo, os Estados Unidos na forma do Tio Sam, e o símbolo do nazismo,
a suástica, representado pelo animal de estimação do Tio Sam. O gato
está aguardando o lanche, no caso, a paz mundial. A legenda reforça
ainda mais o desenho, não deixa dúvidas ao leitor. Em outra imagem,
do genial artista brasileiro Dan, denuncia o desejo do capitalista pela
guerra ao ver a pomba da paz abatida pelo tiro do canhão. Dan conseguiu
trazer o riso para um tema tão importante e sério para o partido.
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Fundamentos, setembro de 1951
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Arte Visual Comunista
Se a pomba da paz surgiu para denunciar a posição guerreira do
capitalismo, também foi usada para a defesa da
paz mundial e para reforçar uma visão pacífica
da política externa da URSS. Inúmeras imagens
foram criadas nesse sentido. A imagem ao
lado, na qual é possível ver um homem e uma
mulher jovens abraçados, sobressai a figura
da pomba entre os braços de ambos, como se
a protegessem. O sentido é a difusão da união
entre todos na defesa da paz mundial. Não se
pode esquecer a Campanha Mundial pela Paz
levada a cabo em todo o mundo pelos partidos
comunistas e por entidades de diversos matizes contra uma nova guerra
mundial. (Ver capítulo 3 deste livro).
Podemos ver mais duas caricaturas que desnudam, na visão
da imprensa comunista, o caráter belicista de dois
importantes membros da comunidade estadunidense
e inglesa. A primeira, de 1954, denuncia a política
guerreira de Dulles de forma inconteste, dura,
mas que causa admiração e riso pela sua beleza
plástica e genialidade. Sob a imagem veio escrito:
“A revista ianque ‘Visão’ diz que Dulles atua hoje
com a bomba-H na mão como supremo argumento,
dando prova de uma ‘inflexibilidade’ só comparável
à de Hitler. Os povos, porém, respondem com a exigência de paz a esse
maníaco da guerra, de cujo cachimbo sobe um cogumelo atômico’, na
concepção do caricaturista norte-americano Max, de “The Worker”.
A segunda, seguindo o padrão da anterior, mas sem sua sutileza,
apresenta o Primeiro Ministro da Grã-Bretanha Churchill com seu
notório charuto na boca. De 1955, traduz muito bem
a visão de uma figura belicosa. A transformação do
clássico charuto em canhão deixa claro seu caráter
guerreiro. Talvez, diferentemente de seu colega
norte-americano, sua ação está mais no discurso
do que na ação. Lembrando que em 5 de março de
1946, Churchill, em visita aos EUA, fez um discurso
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33
Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
na Universidade de Werstminster, Fulton, Missouri, afirmando que
havia descido sobre a Europa uma Cortina de Ferro e muitos países
estavam se subordinando a uma “esfera soviética”. Pediu, diante disto,
uma reação aliada para impedir a sovietização dos países do Leste.
Um símbolo que caracteriza o capitalismo, o poder, é o cifrão.
Ele foi usado, em geral, de três maneiras: para denunciar a compra
de um político/dirigente/ industrial, como lucro do capital, e para
representar o próprio capitalista. Em duas imagens anteriores já
foi mostrado o uso do cifrão: em uma está nas moedas jogadas aos
“cachorros” GV e JN, e na outra está no peito de um dos dançantes em
volta da estátua da Liberdade. Neste caso, veja-se como foi construída
a imagem do capitalista: obeso e de cartola (o padrão), de luvas e com
uma arma medieval em uma das mãos e uma saia de palha, enfim uma
figura grotesca.
O grotesco também foi uma estética a serviço da formação
de opinião. O monstruoso, o bizarro, o assustador, a aberração, o
diferente, o “feio”, enfim, o grotesco causava reações àquele que
visualizava o desenho. Estas reações variam conforme o gosto do
público e do personagem retratado, podendo causar o riso, a repulsa,
o constrangimento entre outras. No caso da charge e da caricatura
ideológica da imprensa comunista, o objetivo era reforçar o caráter de
denuncia contra o retratado. Exemplos já foram vistos.
Outro desenho que se utiliza do grotesco para denunciar
uma “traição” é este ao lado, que retrata o jornalista e político Assis
Chateaubriand, dono dos Diários Associados.
Este grupo editava a revista de maior circulação
do país, O Cruzeiro, que costumeiramente
apresentava em suas páginas reportagens
contrária à URSS e ao socialismo. Assim, a
imagem representa a compra do jornalista
pelo capital para produzir as ditas reportagens.
O corpo do jornalista não é humano, mais
parecendo um rato, suas unhas são afiadas e
enormes, tem os dentes para frente e a língua saindo da boca; babando,
possui uma coleira que, somada ao cifrão, indica que recebe ordens de
alguém. Por fim, a bandeira norte-americana no bolso da vestimenta diz
que é seu dono.
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34
Arte Visual Comunista
Dois símbolos que não poderiam ficar de fora: Tio Sam e a foice
e martelo. Tio Sam certamente foi um dos símbolos usados com grande
frequência pela imprensa comunista. Ele foi produzido de várias formas,
mas com apenas um objetivo: vincular a imagem dos Estados Unidos
ao Mal, sinônimo do imperialismo norte-americano. O caricaturista
Thomas Nast, que contribuiu para a fixação da imagem do Tio Sam, com
suas calças de listas, colete estrelado, casaca azul chapéu de chaminé,
teria se baseado na figura de Lincoln. Tal figura adquiriu com o tempo o
valor de representar uma nação. (HERMAN, 1963, p. 09).
Se na imagem anterior de Tio Sam é apresentado como contrário
à paz e aliado ao nazismo, nas duas seguintes
podemos perceber mais duas facetas, com
aspectos distintos. A charge ao lado seguiu a
linha de denúncias contra o governo Vargas
(1951-54), apresentando-o como “entreguista”
das riquezas nacionais. Tio Sam, com suas
enormes unhas, está satisfeito com que lhe
é ofertado pelo governo Vargas: manganês,
areia monazita, café, petróleo e, por fim, o sangue do povo brasileiro.
Para garantir a alegria do visitante, Vargas pede a Vicente Ráo que lhe
“pergunte o que ele quer mais...”.
O ano de 1954 foi marcado por grave crise social, com a alta dos
gêneros alimentícios e muitas greves exigindo aumento de salários. O
movimento da Panela Vazia, no qual a dona
de casa paulista saiu às ruas para protestar
contra a alta do custo da vida, marcou este
período. Tio Sam foi apresentado como
importante componente nessa crise. A
dona de casa, tradicionalmente vestida,
reage com uma panela às ingerências de
Tio Sam na política econômica e política
do país. O calendário na parede com a data
de 3 outubro, dia das eleições estaduais e
municipais, simbolizava a derrota nas urnas dessa política de aliança
entre o governo de Getúlio Vargas e os Estados Unidos, representado
na figura de Tio Sam. Esta charge possuía uma legenda: “Esta charge,
Voz Operária, 19/09/1953
Voz Operária, 28/08/1954
35
Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
publicada em ‘notícias de Hoje’ está sendo distribuída, com grande
sucesso, entre os trabalhadores de São Paulo.” O seu autor foi Ramiro,
importante chargista da imprensa comunista paulista.
O símbolo maior do comunismo mundial é o conjunto formado
pela foice e o martelo, mostrando a força da união entre o operariado
urbano e o camponês. A estátua, de tamanho monumental, usada na
charge abaixo, estava colocada em Moscou até recentemente, quando
foi desmontada e guardada em depósito para “reforma”. A estátua é
composta por um homem que segura um martelo, e uma mulher que
segura uma foice de cabo curto, instrumento característico do corte do
trigo. Tal relação foi construída em função das referências ao homem
como ferreiro, com o uso do martelo e da bigorna (imagem clássica na
iconografia operária) e da mulher camponesa, a que colhe os frutos da
terra e usa a foice de cabo curto, geralmente na forma agachada. Na
imagem em questão, vemos os capitalistas chutando e não conseguindo
afetar a estátua, dando a entender a força do comunismo mundial.
Como legenda traz a seguinte frase: “Desespero do imperialismo ianque
contra a URSS”.
Não é o propósito fazer aqui um histórico e uma explicação
exaustiva do uso da foice e do martelo no movimento operário mundial.
As publicações iniciais oficiais da Rússia soviética não traziam a foice
e o martelo entrecruzados. Muitas traziam engrenagens de máquinas,
entre outras. A imagem acima, na direita, traz um desenho que foi
muito reproduzido pelas publicações dos diversos partidos comunistas,
A Classe Operária, 18/11/1949 Arquivo CEDEM/UNESP
36
Arte Visual Comunista
inclusive pelo partido comunista do Brasil, no ano de sua fundação, em
1922. O destaque da imagem acima, na direita, é o uso do martelo por
um homem forte. A mensagem é clara, o trabalhador está libertando
o mundo das correntes exploradoras do capitalismo. É a vitória do
comunismo internacional.
A imagem da foice e do martelo passou a ser a marca da luta pelo
comunismo. Em todas as publicações oficiais dos partidos comunistas
era encontrada: na Franca, em Portugal, entre outras tantas nações. Nas
imagens abaixo, podemos visualizar a presença da foice e do martelo.
No Brasil, no período aqui estudado (1945-1964) a imagem da
foice e o martelo entrecruzados não foi usada na imprensa comunista
de forma exaustiva. Embora encontrada, desde suas origens, nos
cabeçalhos dos periódicos, em panfletos, faixas e propagandas, e tenha
marcado o imaginário dos militantes, não foi grande marca do Partido
Comunista do Brasil (PCB). O periódico A Classe Operária, órgão
central do PCB, foi um que utilizou em seu cabeçalho a foice e o martelo,
embora não em todo o período de sua existência.
Arqu
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A Classe Operária, 29/06/1946
37
Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
No período da legalidade (1945-1947) foi o símbolo mais visível
na imprensa comunista, seja em fotos de atos públicos, seja em atos
mais privados. Fora deste período, irá aparecer mais em datas ou
acontecimentos políticos importantes, tal como o IV Congresso do PCB,
realizado em 1954, conforme podemos visualizar na imagem abaixo.
Na realidade a foice de cabo curto era muito pouco utilizada nos
campos brasileiros, sendo mais comum o uso da foice de cabo longo, ou
a enxada. Em geral, a representação visual do camponês na imprensa
comunista era com o uso da enxada. Ora estava em pleno uso, ora no
ombro do camponês, na pausa ou no caminho da casa.
Imprensa Popular, 06/11/1955
38
Arte Visual Comunista
No capítulo a seguir, partiremos para a análise de outras formas
de símbolos: ações humanas. Para o fortalecimento do ideário comunista
no Brasil, o uso da figura do herói foi muito importante, de um lado
estava vinculada à prática do culto à personalidade, mas de outro
serviu para difundir exemplos individuais e coletivos que deveriam ser
seguidos como modelos da causa comunista.
39
OS HERÓIS DA “CAUSA OpERÁRIA”
Heróis internacionais
A construção do herói é fundamental para legitimar qualquer
causa. O herói traz unidade, agrega valor. O herói é um ser superior,
possui ícones importantes no conjunto mental da coletividade. Estes
valores, reais ou não, estão expressos em sua ação (ou conjunto de
ações) que realizou em determinado momento de sua vida (ou em toda
a sua vida, neste caso demonstrando coerência). Se assim não for, não
conquista seguidores.
Apesar de estarmos lidando com um grupo político dito com um
caráter laico, nem todos os militantes e simpatizantes do comunismo o
eram, basta lembrar a importante atuação de judeus, espíritas e católicos,
entre outros, dentro dos partidos comunistas em vários países. Como
disse Mircea Eliade (2010, p.188): “O homem profano, queira-o ou no,
conserva ainda os vestígios comportamentais do homem religioso, mas
esvaziado de significações religiosas”. Podemos pensar na inter-relação
entre os dois campos simbólicos, ou mesmo numa troca entre as esferas
do profano e a política.
O fortalecimento da visão dicotômica do mundo entre a luta do
Bem contra o Mal, que faz parte da tradição cristã brasileira, portanto,
popular e religiosa, encaixava-se bem no discurso comunista em
diversas partes do globo. Assim, compreendemos a sacralização da terra
mãe do socialismo (URSS), dos heróis do comunismo, dos mártires e de
seus líderes, entre outros, como a identificação de suas causas e lutas no
combate do Bem contra o Mal.
Nas páginas dos jornais comunistas, as imagens dos heróis (e
heroínas) foram uma constante. Heróis internacionais, nacionais,
coletivos ou individuais. No primeiro caso, podemos nominar os
idealizadores do ideário marxista, ou seja, o próprio Marx e seu parceiro
Engels. Somando-se a este, no mesmo nível de importância, temos os
fundadores do estado soviético na Rússia: Lênin e Stálin.
40
Arte Visual Comunista
Stálin esteve no comando da URSS do
ano de 1924 a 1953, quando veio a falecer.
A construção de sua imagem como grande
intelectual, militar e guia foi um dos pilares do
comunismo internacional. Vincular sua imagem
aos criadores do marxismo e ao líder e fundador
do estado soviético (Lênin) foi fundamental
para legitimar sua autoridade internacional na
causa comunista. Assim, a imagem ao lado, com ligeiras modificações
foi por diversas vezes republicada nas páginas dos diversos periódicos
comunistas. No caso, estava ilustrando uma propaganda do livro
História do Partido Comunista da URSS. Abaixo uma legenda: “Marx,
Engels, Lênin e Stálin, as maiores figuras de dirigentes da luta mundial
do proletariado, são os gênios criadores que inspiram as páginas deste
livro, através da teoria aplicada à prática política”.
A figura de Stálin foi reforçada com o importante papel da
URSS na derrota do nazismo/fascismo na Segunda Guerra Mundial.
Destacou-se como grande líder, estrategista militar etc. Sua figura foi
retratada de várias formas: altivo, sereno, com uma criança no colo,
com as medalhas etc. Sempre que possível, como visto, sua imagem era
relacionada à de Lênin, Marx e Engels. Na imagem da direita abaixo,
Stálin está sentado ao lado de Lênin, sem as medalhas. Chama a atenção
nesta imagem que ambos estão sorrindo, algo raríssimo em suas
representações imagéticas. Na imagem do centro, portando inúmeras
medalhas, tem como legenda: “O Generalíssimo Stálin, criador do
Exército Vermelho e edificador do Socialismo”. A imagem da esquerda,
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Tribuna Popular, 07/11/1946.Tribuna Popular, 04/05/1946. Tribuna Popular, 07/07/1946.
41
Os Heróis da “Causa Operária”
um perfil sereno e tranquilizador. Todas as imagens feitas por artistas
comunistas brasileiros, Quirino Campofiorito e Paulo Werneck.
Stálin ganhou o epíteto de “Guia dos povos”, aquele a que
todos deviam seguir, pois só ele saberia conduzir as massas para a
sua liberdade, para conquistar seus direitos, ou seja, a construção de
um mundo comunista. Sua fala passou a ser considerada sagrada, sua
imagem idolatrada. Enfim, sua figura adquiriu aspectos místicos.
Na data natalícia de Stálin, os jornais do partido abriam páginas
inteiras para homenagear sua “liderança”, sua “clarividência” e as
“conquistas sociais e econômicas na URSS” sob sua direção. Com sua
morte, mais uma data passou a ser apresentada nas páginas comunistas
para homenageá-lo. isto até a divulgação do relatório secreto de
Krutschev, em 1956.
Heróis nacionais: Prestes e família
No caso brasileiro, não podemos deixar de destacar a figura de
Luiz Carlos Prestes. Se Stálin era o “Guia dos povos”, Prestes era o “Guia
dos brasileiros”. Da mesma forma que se construiu o ideal de herói de
Stálin o foi com Prestes.
Mas, deve-se destacar que a lenda e as passagens heroicas de
Luiz Carlos Prestes não começaram nas páginas dos periódicos da
imprensa comunista, muito pelo contrário. Como um importante
líder dos tenentes revoltosos da década de 1920, Prestes, assim como
a grande maioria dos revoltosos, não era comunista, pelo contrário,
queria distancia do povo. Possuía uma visão positivista, defendia uma
ditadura militar para fazer as reformas sociais, econômicas e políticas
que julgava necessárias para o país. O povo ficaria fora disto.
No ano de 1924, Prestes levou o Batalhão Ferroviário de Santo
Ângelo a aderir ao movimento dos Tenentes que já eclodira em São
Paulo. A fama da coluna é conhecida de todos. Esta atiçava a imaginação
popular e acalorava os debates políticos: teriam o corpo fechado? Afinal,
foram vinte e quatro mil quilômetros sem nenhuma derrota militar,
mesmo considerando o exílio ao final da caminhada.
O Partido Comunista já na década de 1920 procurou chegar a
Luiz Carlos Prestes para tentar cooptá-lo para sua causa revolucionária,
42
Arte Visual Comunista
mas fora em vão. Em 1927, Astrojildo Pereira vai ao seu encontro, mas
foi pouco produtivo, pois a coluna do “Cavaleiro da Esperança” nada
tinha de pretensões de levar a cabo a reforma agrária e agregar os
camponeses. Apenas em 1929 que Prestes começou a se empolgar com a
doutrina comunista. Em 1930 rompeu com os antigos aliados da Coluna
e, em 1931, aderiu à causa da III Internacional e do PCB, partindo para
o “solo sagrado da pátria mãe do socialismo”: a URSS
Retorna somente em 1935 ao Brasil, aderindo à Aliança Nacional
Libertadora e apoiando o movimento comunista revolucionário de 1935.
Como este fracassou, a repressão se abateu sobre os diversos grupos
políticos, não só para os comunistas. Assim, Prestes foi encarcerado e
condenado à prisão, onde permaneceu por dez anos.
Jorge Amado, na biografia de Prestes, de 1941, mas lançada no
Brasil somente em 1945, escreveu:
E o prendem, amiga, e o encarceram e o torturam e o emparedam e o
condenam. E ainda assim o povo tem esperança, ainda confia e ainda crê.
Tem os olhos no grande prisioneiro, sabe que ele é o homem
indicado para mudar a face do destino do Brasil. [...] Se ele
está vivo é que vivo está o Brasil. (AMADO, 1945, p. 43).
Mesmo na prisão, apesar de todo o seu
sofrimento, o Cavaleiro da Esperança estava a dar
conforto ao povo brasileiro. A foto ao lado, que ilustrava
a edição de 45, mostrava um Prestes que, apesar de
todos os sofrimentos, era feliz e esperançoso com o futuro.
Ao findar a Segunda Guerra Mundial, o mundo se colocava
frente ao problema da reconstrução da Europa e de um discurso de
paz. A união URSS/EUA/Inglaterra/França contra o movimento
nazifascista permitiu um momento de calma e liberdade mundial.
No Brasil, como em vários países, os partidos comunistas puderam
se tornar legais e participar das eleições. Getúlio Vargas, em plena
vigência do Estado Novo (1937-45), assinou a anistia para os presos
políticos e autorizou o funcionamento do Partido Comunista do Brasil
(maio de 1945). Prestes pôde sair da prisão. A foto deste acontecimento
torna-se histórica.
43
Os Heróis da “Causa Operária”
Para difundir sua proposta política no meio popular, o PCB
promovia os chamados “comícios monstros”, que eram realizados com
frequência. A manchete acima diz que Prestes era “o grande líder” e
que sua palavra era aguardada com ansiedade pelo povo paulista. De
fato, os comícios eram populares, alcançando um número elevado
de participantes, deixando claro o seu prestigio popular. O culto à
personalidade de Prestes exigia o fortalecimento de sua figura como
“guia”.
Por ser dirigente máximo do PCB, tornar a figura de Prestes
em sagrada e em mito era fundamental para
os objetivos deste partido. Então, a partir
de 1945, temos o engrandecimento de sua
imagem. Lembremos das palavras de Jorge
Amado: era um mártir herói. Livros, cartazes,
fotos, desenhos e gravuras reforçavam os
epítetos de “homem provençal”, “chefe”, “guia”,
“salvador”, “clarividente” entre outros. Sua fala
tornava-se verdade, única. Era um erudito, um
professor que a todos ensinava. A charge ao
lado, intitulada “Golpismo”, procurava mostrar
que até para seus inimigos era difícil derrotá-lo
na oratória. Assim disse o “golpista”: “O diabo é
a clareza do discurso dele.”
Todo tipo de suporte imagético foi usado para valorizar os atos
heroicos de Prestes, sua liderança, seu caráter impoluto, sua altivez: foto,
cinema, desenho, gravura, História em Quadrinhos. Logicamente que a
Tribuna Popular, 11/07/1945
Tribuna Popular, 26/05/1945
Voz Operária, 10/09/1950
44
Arte Visual Comunista
caricatura estava descartada, pois poderia trazer o riso e este tiraria a
seriedade do personagem, poderia destruir o mito. Dezenas de perfis
foram feitos de Prestes, todos o trazem em ar sério e pensativo: perfil à
direita, à esquerda, cabeça levemente curvada, semblante sempre sério,
firme, mas ao mesmo tempo sereno, passando tranquilidade e paz. Uma
exceção: o desenho de Jorge Brandão o traz de barba, entretanto, sem
as vestes do uniforme de militar da coluna. Os dois primeiros desenhos,
com traços mais leves, são de autoria de Portinari.
Quando a imprensa comunista o retratava como Cavaleiro da
Esperança, na forma de desenhos ou gravuras, fazia-o em grupo, em
geral mostrando sua liderança e comando, ou de forma isolada, isto
é, de barba e com uniforme militar e a galope. Os demais membros
poderiam ir a cavalo ou a pé, o fundamental é que sempre estariam
o seguindo, ele era o líder. Três imagens chamam a atenção, uma é a
do cavalo que é maior que Prestes que, apesar de sua beleza plástica,
deve ter causado certo constrangimento, em especial, levando-se em
consideração a estatura real de Prestes. Como a ilustração é de autoria
de Portinari, amigo do figurado, as críticas devem ter sido minimizadas.
As legendas reforçam as imagens. Muitas vezes Prestes está a conversar
45
Os Heróis da “Causa Operária”
com os camponeses, dando a impressão de preocupação e liderança
com e sobre eles.
O culto à personalidade não poderia descartar o uso da arte
sequencial ou história em quadrinhos. Em uma HQ publicada em
maio de 1946 podemos ver um pouco da construção do mito Prestes.
Descreve sua trajetória desde os 26 anos quando adere ao movimento
de 24, passando pelo exílio, pelo movimento de 35, sua prisão, o envio
de Olga para Alemanha e, por fim, a democracia de 1945.
Tribuna Popular, 03/01/1947
A Classe Operária, 01/01/1949 A Classe Operária, 01/01/1949
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Arte Visual Comunista
No requadro 1: Lá está Prestes montado em seu cavalo liderando
os revoltosos: “escreveu a epopeia da Coluna invicta”. Depois desta veio
o exílio e a luta solitária: “[...] a coragem de ficar sozinho quando os
seus companheiros aderiram ao movimento de 30 [...]”; já no requadro
2: há a ausência de Prestes na imagem, mas no texto estava “chefiando
o glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora”; no requadro
3: Prestes, barba por fazer, cercado pelos algozes: “E foi por mais uma
vez levado à barra dos tribunais da reação revelando sempre aquela
fibra de aço que o povo já conhecia”; no requadro 4: novamente a figura
de Prestes não está presente, entretanto, o povo está ao seu lado: “O
povo brasileiro jamais esqueceu o seu líder heróico [...] E o governo,
sob a pressão do povo, assinou o decreto libertando Prestes e os seus
companheiros de ideal, a 18 de abril de 1945”; para fechar, no requadro
5: só os jovens não conheciam a grande história de Prestes: “[...] e a
frente do povo, que nele enxerga o seu guia esclarecido, dirige a grande
luta contra o retrocesso nas medidas democráticas já decretadas pelo
governo [...]”.
Na HQ “Prestes – herói e guia do povo brasileiro” publicado no
semanário “Voz Operária”, de 1949, portanto três anos após, vemos
novamente a trajetória da vida de Prestes, com novos dados.
Voz Operária, 03/01/1952
47
Os Heróis da “Causa Operária”
Vincular seu nome a outro herói reconhecidamente popular foi
uma tática usada para reforçar ainda seus valores heroicos. Assim, no
semanário Voz Operária, de 1952, vemos seu nome ligado a Tiradentes
(“O glorioso exemplo de Tiradentes; Prestes – o glorioso continuador
de Tiradentes”). A figura barbuda de Tiradentes é associada à figura
barbuda de Prestes da Coluna. Tal como o herói mineiro, Prestes lutava
pela emancipação do povo contra a exploração estrangeira, agora
representada pelos trustes e monopólio imperialistas. No final do texto
conclui: “Indicam (Prestes e o PCB) ao povo o caminho da luta pela paz,
pela libertação nacional e a democracia popular. Milhões de brasileiros
seguem este caminho”. Clássica é a imagem de Tiradentes feita pelo
artista Portinari cuja semelhança com Prestes é absoluta.
Tal qual Stálin, o “guia dos povos”, Prestes, o “guia dos
brasileiros” era muito festejado em seu aniversário. Páginas e páginas
na imprensa comunista comemorando o seu grande líder. Lembrados
eram seus feitos, como as histórias em quadrinho vistas acima. No
seu 57º aniversário, por exemplo,
o periódico Imprensa Popular
publicou várias páginas dedicadas
a Luiz Carlos Prestes. Na imagem
ao lado, vemos ao centro sua figura
serena. Ao redor, outras imagens
impactantes sobre sua trajetória.
Ao fundo fábricas, o porto com a
figura do estivador, a favela e um
prédio. Pessoas (homens e mulheres)
trajando roupas simples estão atentas
e caladas, possivelmente ouvintes da
fala do líder. Abaixo da multidão,
pessoas atentas ao cartaz que sugere
a leitura do Programa do PCB. No
lado inferior direito, temos mais uma
vez o Cavaleiro da esperança. Acima
dele outro Prestes, agora de terno, de
gravata, o que indica o seu período
de Senador da república. E, por fim,
48
Arte Visual Comunista
acima desta imagem, vê-se um grupo de pessoas lendo, provavelmente
um periódico do partido, com notícias do “IV Congresso”, no qual
Prestes foi reeleito Secretário Geral do PCB.
Esta liderança foi contestada em 1956/7, quando da divulgação
do relatório Krutschev, que denunciava os erros
e massacres sob as ordens de Stálin, outro mito,
como vimos. A partir deste fato, muitos começaram
a contestar o Comitê Central do PCB e a falta de
diálogo com as massas. Estavam se cansando de
seguir cegamente suas ordens e decisões. Queriam
ter voz ativa, queriam pensar, como mostra a
imagem ao lado (“Finalmente, agora posso usar
minha cabeça para pensar”). A forte centralização
do poder no PCB e o stalinismo reinante não
permitiram mudanças. Prestes não saiu, então o partido perdeu de seus
quadros importantes militantes, inclusive artistas plásticos, escritores e
jornalistas (ver capítulo 1 deste livro).
Por fim, três figuras intrinsecamente ligadas a Prestes: sua mãe,
esposa e filha. As duas primeiras consideradas heroínas: a primeira pela
luta internacional de defesa de Prestes e depois no resgate de sua neta,
Anita; a segunda por toda sua trajetória de vida na defesa do comunismo
internacional. Leocádia Prestes não foi desenhada. Fotos houve, mas
nenhuma ilustração desenhada. Já Olga, por sua trajetória política, seu
fim na câmara de gás em campo de concentração nazista, tornou-se uma
mártir da causa.
Olga Benário Prestes foi aquela que combateu o fascismo,
interno e externo, que defendeu com seu corpo a vida de seu marido,
portanto, uma mulher apaixonada, humana em todos os sentidos. Este
ato de bravura em que se colocou à frente de Prestes quando da prisão
em 1936, evitando que levasse um tiro, sempre foi lembrado nas HQs de
Prestes. A seguir temos duas imagens de Olga: uma, com cabelos longos
e face tranquila; outra, quando defendeu Prestes e teve uma arma
apontada para seu peito, destemida, com o rosto ligeiramente inclinado
para cima, e com olhar confiante.
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ria, 15/12/19
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Os Heróis da “Causa Operária”
Mas não foi só, ainda ganhou nas páginas da imprensa do partido
uma história em quadrinhos que contava sua vida, de sua prisão até
sua morte. Nesta pode-se ver e ler toda a saga de uma mulher corajosa,
forte, solidária, boa mãe, enfim, de uma mulher comunista, um exemplo
a ser rememorado e seguido. Como diz o texto: “combatente heroína”.
Tribuna Popular, 12/02/1947
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A Classe Operária, 08/12/1947
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Arte Visual Comunista
No primeiro requadro está à frente de Prestes a protegê-lo da
morte e de seus algozes, em 1936. No segundo requadro, consolando as
companheiras do cárcere. No terceiro requadro, sua expulsão do país,
para ser entregue ao regime nazista da Alemanha, mesmo grávida de um
brasileiro, que lhe garantia sua permanência no Brasil. Os três últimos
requadros retratam sua vida na Alemanha: no campo de concentração,
sob a guarda nazista, com a filha no colo e, por fim, enfrentando com
coragem e serenidade o fuzilamento (ainda não se tinha o conhecimento
da causa real de sua morte: câmara de gás).
Anita Leocádia, filha de Prestes e Olga, foi sempre lembrada na
imprensa comunista, por ser quem era, por sua triste trajetória, pela
alegria de sua vitória. Muitas fotos com o pai, a tia e sozinha, às vezes
com suas bonecas. Sua imagem reforçava a causa comunista e mantinha
viva a memória de sua avó, que lutou pelo seu resgate após a guerra, e
de sua mãe, vítima dos campos de concentração nazista. Entre tantos
festejos temos mais uma festa na vida dos comunistas: o aniversário
de Anita em 1947. Abaixo se visualiza as imagens de Anita com seu
pai, solitária, a chamada para sua festa e um desenho no colo de Olga,
escrevendo uma carta para o seu marido, em sua cela na Alemanha.
Esta possuía uma legenda na qual está escrito: “A vida e a luta de Olga
Benário Prestes devem guiar-nos para os combates que travamos hoje
pela União Nacional, a democracia e o progresso [...]”. Faz a chamada
para a página 05, que contém duas cartas de Olga para Prestes.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Heróis coletivos (campanhas populares) e outros heróis da
“causa”
As lutas operárias, as campanhas nacionais e internacionais
mostravam outros heróis da “causa operária”. As massas populares
foram exaustivamente retratadas. No Primeiro de Maio, data histórica
para os trabalhadores de todo o mundo, lá estavam elas, segurando
faixas e exigindo direitos. Assim foi com a luta pelo abono de Natal,
aumento de salários, melhores condições de trabalho entre outras
causas trabalhistas.
Outras campanhas políticas e populares foram empreendidas:
melhorias nos transportes e moradia, contra o custo da vida (“panela
vazia”), constituinte, anistia, “Petróleo é nosso”, legalidade do PCB
entre outras. Todas devidamente ilustradas. Algumas destas tinham
uma qualidade artística excepcional, outras com o padrão de ilustração
convencional ou charge de traços simples, embora diretas e algumas
vezes cômicas.
Destacamos para este trabalho as campanhas: pela paz mundial;
contra o envio de tropas brasileiras para a guerra da Coreia; contra a
condenação do casal Rosenberg pela justiça dos Estados Unidos; pela
memória do “movimento revolucionário de 1935”. Por fim, citamos três
heroínas da “causa”: duas brasileiras e uma espanhola.
A Campanha pela Paz foi empreendida pela imprensa comunista
mundial. Sua análise deve ser feita dentro de uma perspectiva de época
para não se cair em armadilhas ideológicas atuais e passadas. Em
primeiro lugar, encontrava-se em plena Guerra Fria, ou seja, os embates
ideológicos estavam à flor da pele de todos. Era a luta do Bem contra o
Mal, mas o problema era saber quem dizia a “verdade”, quem era o Bem
e quem era o Mal. A Segunda Guerra deixou um rastro de destruição
inédito pela grandeza e pela dimensão mundial. Esta destruição foi
marcante e a reconstrução não foi fácil, em especial nos países que não
contaram com o apoio do dinheiro americano (Plano Marshall).
Deve-se destacar que uma campanha ou movimento popular pela
paz surgiu logo após a Segunda Guerra. Por toda a imprensa mundial
foram publicadas reportagens e imagens sobre o medo de outra guerra,
e a busca da paz por meio de encontros internacionais. A imprensa
52
Arte Visual Comunista
comunista não tardou em iniciar a publicação
de imagens pela paz. A imagem ao lado, capa
da revista Para Todos, trouxe uma imagem
fora dos padrões. Uma mulher com a bandeira
da paz enfrenta um homem em uma armadura
segurando uma espada. Ao chão um tipo de
seringa gigante. O homem tem a face enrugada.
Uma jovem mulher, defensora da paz, luta com
uma figura grotesca, de igual para igual. A paz
simbolizada pela beleza feminina e a guerra
por suas formas horrendas.
Outra imagem do mesmo ano, mas de outra publicação do partido,
é a que está ao lado, na qual se vê duas
mulheres chorando e se consolando. Uma
legenda reforçava a mensagem: “Para
que as mães e filhas não sucumbam num
mar de lágrimas, lutemos por um Pacto
de Paz entre as cinco grandes potências”.
A figura da mãe, desacompanhada ou
com a presença do filho, foi frequente na
campanha da paz nas páginas comunistas.
Assim, o medo de uma nova guerra era uma possibilidade na
mente de milhões de pessoas que tinham passado
recentemente pelo drama desta guerra. A campanha
pela paz mundial, de 1955, independente de suas
reais razões políticas, atingia diretamente muitas
pessoas.
Ferreira afirmou que os 500 milhões de
assinaturas conquistadas pelo Movimento Mundial
pela Paz (Apelo de Estocolmo) não significou
um sucesso, pelo contrário, pois 400 milhões de
assinaturas teriam vindo dos países comunistas
onde esta seria uma “obrigação”. (FERREIRA,
2002, p.240). O fato de ser “obrigação” não
significava que os que colocavam sua firma não
concordassem com a campanha. Os 100 milhões
Imprensa Popular, 10/05/1951
53
Os Heróis da “Causa Operária”
de assinaturas restantes, vindas de 69 países, seriam muito pouco para
o autor. Não se pode esquecer que fazer tal campanha ou colocar sua
firma em países não comunistas poderia ser muito perigoso. O título
da imagem é muito significativa sobre a questão. Diz sua legenda: “[...]
Esses abnegados partidários da paz, no seu heroísmo anônimo, são os
propulsores da campanha em que manifesta o mais profundo anseio de
nosso povo”.
Para Falcão, que participou da delegação brasileira ao Congresso
Mundial pela Paz, em Helsinque, Finlândia, em junho de 1955, o
Movimento Mundial dos Partidários da Paz era composto por pessoas
comuns que não queriam uma nova guerra, abrigando não somente
comunistas, mas, também, democratas, socialistas, budistas, cristãos,
israelitas entre outros. (FALCÃO, 1988, p.401). A Campanha da Paz
contou com importantes artistas plásticos brasileiros que produziram
belas obras pela paz mundial. Os periódicos comunistas ainda
publicaram obras de renomados artistas mundiais, trazendo para a
campanha um arsenal de imagens de alto valor artístico.
Do lado brasileiro temos os gravuristas Danúbio Gonçalves
Scliar, Glênio Bianchetti, Virgina
Artigas, Renina Katz, Arydio
Cunha, Jorge Brandão, entre
outros. Do exterior, podemos
citar Gutuso (Itália), Diego
Rivera (México), Gropper
(EUA), Miltelberg (França),
entre outros. Ao lado vemos a
capa do periódico Voz Operária,
de março de 1955, em que se
destaque a “Campanha pela
Paz Mundial”. A imagem, uma
gravura de Danúbio Gonçalves,
está dividida em duas partes: um
homem assina o Apelo pela Paz;
em destaque, a professora ensina
os valores da paz aos alunos em
uma escola rústica popular.
54
Arte Visual Comunista
Benévolo afirmou que o termo Partidário da Paz foi cria
do PCB ficando na memória de todos. Para ele, foi uma campanha
vitoriosa, em especial dentro das duras condições em que foi realizada
no país, pois muitos companheiros teriam sido presos e torturados.
(BENÉVOLO, 2003, p.129). As imagens da campanha foram inúmeras,
representando os operários, camponeses, massas anônimas etc. Estes
que simbolizavam o Bem e o Mal eram aqueles que desejavam a guerra,
que foi representada como fator de riqueza do imperialismo e dos países
capitalistas, principalmente dos Estados Unidos e dos que compunham
a OTAN. Eisenhower, presidente dos EUA após Truman, os secretários
de Estado Acheson e Dulles, bem como o general MacArthur eram
sinônimos de violência igualmente.
Acima vemos duas imagens. Na charge da esquerda, de 1951,
lê-se na legenda: ”A guerra de agressão de Truman e dos monopólios
ianques ao povo coreano, é o motivo da expressiva charge ao alto.” A
caveira, sempre sorrindo, foi tema corrente no imaginário comunista,
pois simbolizava a morte causada pelas guerras e pelos interesses
imperialistas norte-americanos. O homem de cartola, identificado
como o capitalismo, sorri com seu charuto na boca. Estava satisfeito
com os lucros da guerra. Não se preocupava com as mortes causadas
por ela, somente seu lucro era importante. Na outra charge, do ano
de 1952, com o mesmo sentido mas com a suavidade e genialidade do
brasileiro Dan. As notícias vindas sobre a paz na Coreia não eram boas
para os capitalistas, visto a perda de lucros que o fim da guerra causaria.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Curiosa a presença do quadro onde um capitalista comete suicídio com
o uso de arma de fogo e do enforcamento da cadela “fru-fru”. Por fim,
mais um suicídio à vista: um dos capitalistas segura em uma das mãos
uma garrafinha com veneno e na outra um copo cheio.
Em uma charge sobre o lucro com a guerra, vê-se
Truman trasvestido de estátua da Liberdade, sendo a coroa
formada por facas de guerra, a tocha foi substituída por uma
bomba e a tábua com a data da independência dos EUA por
um saco de dinheiro. Aos pés, vê-se homens agachados e
acorrentados, simbolizando a exploração e a opressão sob o
regime capitalista.
Os governos brasileiros também foram retratados
na Campanha de forma negativa, em especial no de Getúlio Vargas. A
charge ao lado seria um exemplo deste embate
na política interna. Nela vemos, provavelmente,
Truman, Acheson e MacArthur, ao lado de um
saco com um cifrão marcado, observando o
“enrosco” de Vargas, Góes Monteiro e João
Neves. Na mão de um desses personagens
(achamos que Góes) encontrava-se um papel
amassado com os dizeres “envio de tropas para
a Coreia”, e pela boca de João Neves escorre
uma longa baba. Um enorme abaixo-assinado
feito por brasileiros procurava impedir que o
governo brasileiro aderisse aos anseios norte-
americanos. A mensagem é compreensível
para o leitor: as figuras do governo foram identificadas e mostrava
que somente com a união (abaixo-assinado) seria possível derrotar a
política guerreira. O saco de dinheiro com seu cifrão, tema constante
das caricaturas e charges, significava o suborno realizado ou os
empréstimos sempre disponíveis ao Brasil, caso apoiasse os interesses
norte-americanos.
O tema do envio de tropas brasileiras para a guerra da Coreia foi
outro grande movimento levado a cabo pelo PCB: “mais uma memorável
batalha de mobilização popular”. (BENÉVOLO, 2003, p.128). Deste
movimento surgiu uma personagem que passou a figurar entre as
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Arte Visual Comunista
heroínas do PCB e que impulsionou o movimento: Elisa Branco. Em
solenidade, na data de 7 de setembro, na cidade de São Paulo, esta
militante do partido abriu uma faixa com os dizeres: “Os soldados
nossos filhos não irão para a Coreia”. Propondo uma insubordinação
militar, no pensamento da elite militar, foi presa e condenada a quatro
anos e três meses de prisão. Este fato foi retratado de várias formas
pela imprensa comunista. Elisa teve sua biografia sempre divulgada,
na qual era apresentada como uma mulher comum, batalhadora
(na vida e no trabalho) e militante do partido. Vamos analisar três
imagens. A primeira, de autoria do ilustrador da “Imprensa Popular”,
Jorge Brandão que se preocupou em fazer uma Elisa sorridente, bem
feminina, com cabelos penteados, brincos e de batom. Na segunda e
terceira imagens visualizamos a militante. Numa mais próxima do
real, está segurando a faixa com a frase referida, noutra, longe do que
poderia ter ocorrido, conduz uma leva de mulheres, muitas carregando
faixas, em defesa da paz.
Outro fato, que estranhamente não constou nas autobiografias
dos militantes, mas que esteve presente na imprensa
do partido, foi o movimento mundial em defesa ao casal
Rosenberg. Acusados pela justiça americana de passar
informações secretas à União Soviética e por tal razão
condenados à morte, pena capital pela cadeira elétrica. O
julgamento, iniciado em 1951, somente teve o seu desfecho
no ano de 1953, quando da execução do casal. Durante
estes dois anos, movimentos em defesa do casal foram
realizados no mundo todo. As ilustrações apresentadas na
imprensa comunista eram de vários artistas brasileiros e internacionais.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Miltelberg, artista francês, fez uma charge
de Truman carregando duas cadeiras elétricas,
as destinadas ao casal Rosenberg. Publicada na
primeira página, não era acompanhada de texto,
pois falava por si só. Na legenda vemos a chamada
para a segunda página, na qual há demonstrações
de solidariedade dos trabalhadores brasileiros e da
existência da Associação Brasileira dos Direitos do
Homem (ABDH).
Em outra imagem temos a estátua da Liberdade
transformada em símbolo do Mal. Em uma das mãos
segura uma bomba “H”, com a outra aciona a energia da
cadeira elétrica, simbolizando a morte do casal. O uso da
caveira e das moedas traz a ideia do capitalismo como
sinônimo de morte. O desenho é do brasileiro Pedrosa e
ilustrava uma reportagem de página inteira com o título
Pequena história do processo Rosenberg.
Para dar mais emoção ao caso e ajudar a mobilizar as famílias,
a imprensa comunista não poupou os filhos do casal. A imagem ao
lado traz os dois filhos dos Rosenberg, Michael
e Robby, com olhar de espanto, demonstrando
medo e insegurança. O irmão mais velho abraçava
o caçula, reforçando o apelo de solidariedade.
Infelizmente, a legenda é de difícil leitura. Pelos
traços, a imagem deve ser uma reprodução de um
periódico internacional.
Retornando no tempo, nas páginas
comunistas, o movimento revolucionário de
1935 foi anualmente festejado pelos seus atos
“heroicos”. Já foi visto nas HQs sobre Prestes a
memória de 1935. Mas, como exemplo de uma
reportagem, pode-se citar a de 27 de novembro
de 1954, do jornal diário Imprensa Popular, em
sua primeira página, no lado direito, ocupando
o espaço de ¼ da página. É costumeiramente a
primeira notícia que o olhar humano busca ler
Imprensa Popular, 17/02/1954
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Arte Visual Comunista
em um jornal. A imagem retrata a figura de Luiz Carlos Prestes e trazia
uma faixa com a sigla ANL (Aliança Nacional Libertadora), fundada
em março de 1935 e que tinha por líder Prestes. Embora não fosse um
movimento de exclusividade comunista, agregava muitos democratas
que combatiam o nazifascismo no Brasil, no caso, o Integralismo. Com o
título Gloriosa data histórica, defendeu a data como importante para o
povo brasileiro, numa disputa de memória com o legalismo do governo
que rememorava os mortos que combateram este movimento, trazendo
um longo texto em homenagem a Prestes e a ANL:
[...] A frente do movimento popular da Aliança Nacional Libertadora e
da insurreição armada deflagrada sob a sua bandeira, estava a figura de
Luiz Carlos Prestes, o patriota incorruptível a que o povo ama e segue
[...]. Hoje, passados 19 anos dessa luta gloriosa contra a qual se abatem
as calúnias dos agentes internos do imperialismo, pode nosso povo olhar
para trás com legítimo orgulho [...] 27 de novembro é uma etapa gloriosa
na luta de todos os brasileiros pela independência nacional, as liberdades
democráticas, o progresso da Pátria, o bem-estar e a felicidade de nosso
povo.
Nas Histórias em Quadrinhos sobre Prestes, se lá não estava
retratado, era citado. No caso do requadro ao lado,
da HQ “Prestes – Herói e guia do povo brasileiro”,
possuía a seguinte legenda: “No Brasil, o povo é
sacudido pela Aliança nacional Libertadora. PÃO,
TERRA e LiBERDADE é a palavra de ordem que
agita as massas, traduzindo os mais sagrados anseios
de conquista de uma vida feliz para a classe operária
e a massa camponesa sem terra”. Lembrando que
em uma HQ, vista anteriormente, no requadro 2,
há a ausência de Prestes na imagem, mas no texto
estava “chefiando o glorioso movimento da Aliança
Nacional Libertadora”.
inúmeros foram os heróis da causa operária. Muitos assassinados
ou presos, de outrora ou contemporâneos, vivos ou mortos, brasileiros ou
estrangeiros: Siqueira Campos, Agliberto, Jaime Calado, “La Passionária”,
Barthé, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Lênin, Mao, entre tantos.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Zélia Magalhães, jovem de 23 anos, gênio alegre e cativante,
uma moça bem brasileira, uma filha adorada, participou de todas
as campanhas democráticas com fervor e entusiasmo. Defendeu a
redação do jornal Imprensa Popular de uma invasão policial, em 1946.
Enfrentou a ira policialesca, sua ofensa e brutalidade. Ajudou seu noivo,
futuro marido, Aristeu Magalhães, jornalista do citado periódico, a
suportar sua prisão abusiva em função de seu idealismo. Condenado a
dois anos, casou-se com Aristeu no presídio. Jamais deixou de sonhar
com a pátria livre e feliz. Em 1949, mesmo grávida, dividiu-se entre o
enxoval do bebê, os estudos e a luta democrática. Neste ano, mais uma
batalha política: impedir a aprovação da Lei de Segurança Nacional que
iria reduzir os direitos políticos dos brasileiros. Em comício organizado
pelo PCB, no dia 16 de novembro deste ano, na Esplanada do Castelo,
cidade do Rio de Janeiro, em meio ao ato, a policia começou a atirar
e a espancar populares. Aristeu retirou
Zélia, grávida de seu primeiro filho,
do local e entraram em um bonde
na tentativa de se protegerem. A
polícia cercou o coletivo arrancando
e surrando Aristeu. Zélia começou a
gritar para defender seu esposo amado,
covardemente atacado: “[...] Nesse
instante ouviu-se um estampido e Zélia
cai mortalmente ferida!. Um tiro na
altura da nuca! Um assassinato frio,
brutal, selvagem!”1 A imagem, de autoria de Virgínia Artigas, retrata
este momento.
Outra heroína da causa operária foi uma tecelã, Angelina
Gonçalves. Nas comemorações de primeiro de maio de 1950, dia do
trabalhador, na cidade de Rio Grande (RS), Angelina foi morta por
um tiro da repressão policial. Embora não tenha sido a única ferida e
morta neste dia, tornou-se mais simbólica para a causa em função de
estar na frente da passeata com a bandeira nacional em sua mão direita.
Momento Feminino, periódico do partido destinado às mulheres, trazia
1 Fundamentos, março de 1950, p. 27. Desenho de Virgínia Artigas, para o texto de autoria de Diocelia Viana. O parágrafo foi baseado neste artigo.
Fundamentos, março de 1950
60
Arte Visual Comunista
uma narrativa bem emotiva para descrever a cena de sua morte: “[...]
Angelina cai. O vermelho de seu sangue mancha o pano da bandeira e o
solo de sua cidade natal”.2
Angelina ganhou também uma poesia em sua homenagem em
que se pode ler: A bandeira que desfraldava cobriu seu caixão; que a
música que cantava [hino operário segundo a reportagem] outros lábios
entoarão, chamando os oprimidos, como era Angelina, para a luta; que
em outros Primeiro de Maio, nunca a esquecerão; que outras jovens
operárias corajosas, como ela era, marcharão. Por fim, que sua morte
não foi em vão, que será vingada por outras mãos.
Canção de Angelina, a tecelã3
A primavera está florindo pelo mundo,
Angelina está morta em seu caixão.
Desfraldara a bandeira sobre o corpo,
a bandeira que cobriu o seu caixão.
O hino que seus lábios repetiam,
cresce em ritmos de rápida explosão.
Do coração ferido o agudo grito
é mais um toque de rebelião,
que chama os oprimidos para a luta
e que levanta as pedras pelo chão.
Porque tecia o linho do futuro,
Angelina está morta em seu caixão.
Mas de suas mãos, os fios que tecia,
em bandeiras de paz tremularão.
Pois nossas mãos já tecem os fios de fogos,
que seu corpo baleado vingarão.
Nos desfiles de maio do futuro,
as novas Angelinas marcharão,
e de mãos dadas entoarão o hino,
que milhões de oprimidos cantarão.
(Nair Batista)
2 Retirado de Momento Feminino, maio de 1954, p. 3.3 Retirado de Para Todos, abril de 1951.
Impressa Popular, 01/05/1952.
61
Os Heróis da “Causa Operária”
Do contexto internacional podemos citar, como exemplo a ser
seguido, a heroína do movimento comunista e espanhola Dolores
Ibarruri. Conhecida mundialmente como “La Passionária”, foi uma das
líderes contra o governo ditatorial fascista de Franco, na Espanha, foi
sempre festejada na imprensa comunista brasileira. Muitas foram as
reportagens publicadas sobre os combates
contra a ditadura franquista, ilustradas com
caricaturas de Franco e com os heróis desta
luta, entretanto, “La Passionária” foi a mais
ilustrada e comentada. Em reportagem do
jornal A Classe Operária foi apresentada
como aquela que inspirava confiança,
segurança, abnegação, sacrifício, heroísmo
aos que lutavam contra Franco: “Com ela,
para a frente, até a nossa vitória!” A imagem
ao lado traz uma mulher bem feminina, com
um colar no qual se destaca uma estrela.
Seu rosto é tranquilo e feliz, apesar de
todo o sofrimento que tinha passado e que
estaria passando no combate a Franco. Seria impensável, como vimos
em outros exemplos, colocar o herói em posição inferior, de abatimento
e tristeza.
Muitos seriam os heróis e heroínas que poderiam ser mostrados
e analisados aqui, mas, por falta de espaço, optou-se por uma pequena
seleção que possibilite mostrar as formas de construção do imaginário
heroico comunista e operário, enfim do militante ideal para o partido.
No capítulo seguinte, buscar-se-á dar uma visão geral do
cotidiano e das lutas pela organização dos trabalhadores e dos operários
pelo PCB.
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COTIDIANO, ORGANIZAçãO E FESTAS
Introdução
Este capítulo visa estudar alguns problemas enfrentados no
cotidiano da população brasileira, em especial a carioca. O cotidiano
do brasileiro nos anos aqui estudados (1945/58), no que refere à
alimentação, transporte coletivo, moradia, saneamento básico, custo
da vida e inflação foi diariamente retratado na imprensa comunista.
A organizações sindicais, suas lutas e as repressões patronais e
governamentais sentidas; os movimentos pela posse da terra e
condições de vida do camponês foram igualmente apresentados nesta
imprensa. Ainda se pode acrescentar o programa do PCB para os
problemas mencionados, seus vínculos com organizações populares, e
as festividades envolvendo os militantes em campanhas de integração,
arrecadação financeira etc. O cotidiano feminino ficou de fora. Para tal
tema, é sugerida a leitura da dissertação de mestrado de Juliana Dela
Torres.1 Este capítulo está composto pelos temas acima apontados e
apresentados nesta ordem.
O difícil dia a dia
A questão de moradia, incluindo o saneamento básico, foi
fartamente apresentada, discutida e ilustrada na imprensa do partido.
Neste aspecto, a favela adquiriu um papel importante, não só pela
dimensão numérica que já tinha na época (169.305 moradores pelo
Censo de 1950) como também pela penetração do ideário comunista
neste meio. Quirino Campofiorito, sua esposa Hilda Campofiorito e
Renina Katz produziram belas imagens deste cotidiano sofredor.
1 Sugiro a leitura da dissertação, sob minha orientação. Disponível em: <http://www2.uel.br/cch /his/mesthis/arqtxt/disonline/DissertacaoJuliana.pdf>.
64
Arte Visual Comunista
O barraco era de paredes de barro, resto de madeiras ou metais;
o telhado de zinco ou de telhas usadas ou outro material qualquer;
o assoalho de chão. Sem água e com o esgoto correndo a céu aberto,
casas amontoadas, ruas sem traçado ou planejamento, assim era a
favela carioca. Nas imagens acima, vemos mulheres carregando latas
de água na cabeça, subindo o morro com a água para cozinhar, tomar
banho ou lavar seus pratos, panelas e roupas, que são lavadas em tinas
e depois dependuradas em varais, para secar ao sol e vento. Crianças
ficam ao lado da mãe, sem escolas para ficar ou estudar. Lembrando um
sucesso carnavalesco: “Lá vai Maria, sobe o morro e não se cansa, pela
mão leva a criança, lá vai Maria” (Lata d’água, Luís Peixoto e J. Junior,
1952). Diferente desta Maria, a retratada tem uma face que demonstra
o cansaço de sua labuta.
Em geral, a moradia popular – os cortiços, casas de cômodos e
os barracos das favelas – ficavam próximas aos locais onde houvesse
disponibilidade de emprego. O custo da alimentação e do transporte
coletivo era proibitivo aos trabalhadores com menor poder aquisitivo.
Como a procura por moradias era maior que a sua disponibilidade, seu
custo era elevado, havendo a necessidade da ocupação dos morros, no
qual a habitação não era gratuita, mas possível de pagar.
A seguir, uma imagem fazia parte de uma propaganda do partido,
publicado no jornal Tribuna Popular, visando às eleições municipais de
1946. Cinco problemas são visíveis: condições de trabalho; alimentação
(uso da marmita); transporte coletivo (excesso de passageiros);
habitação subnormal; alto custo da vida. O título tem a ver com o
período da legalidade do PCB, da conciliação com a burguesia nacional
e da união nacional, daí a vinculação da melhoria das condições de vida
e trabalho com o aumento da produtividade, ou seja, do lucro patronal.
Fundamentos, setembro de 1951 Tribuna Popular, 14/01/1947 Momento Feminino, 12/05/1947
65
Cotidiano, Organização e Festas
No primeiro requadro, há a queixa das condições de trabalho,
do ambiente insalubre e anti-higiênico, que causava o desânimo e
problemas de saúde no empregado, o que dificultava sua saída da
miséria. No segundo requadro, a situação da alimentação, onde o
trabalhador comia sentado na sarjeta ou em cima de latas, uma comida
fria e sem gosto, apenas para enganar o estômago. Muitas vezes a
comida estragava ou azedava pela má conservação e o calor, causando
males a este trabalhador. Tudo isto levando à queda da produtividade.
No terceiro quadro, o caótico transporte coletivo, seja qual tipo fosse:
trem suburbano, bondes, ônibus, lotações ou O Amigo da Onça. O
cansaço das viagens ajudava na queda da produtividade. No penúltimo
requadro, lá está o barraco, acompanhado da subalimentação e do
cansaço físico, disseminando a tuberculose para toda a família. Por fim,
a queixa da alarmante carestia da vida e a sua solução: os trabalhadores
deveriam se organizar em seus sindicatos e comissões de salários na
luta por melhores condições de vida e por uma produtividade maior.
Neste período eleitoral, um importante
membro do partido e intelectual brasileiro
se destacou pela sua marca: o deboche
e a comicidade. Apparício Torelly, mais
conhecido por “Barão de Itararé”, lançou
como seu slogan de campanha para vereador
da cidade do Rio de Janeiro a seguinte frase:
”Mais leite! Mais água! Mas menos água no
leite! Vote no Barão de itararé”. A imagem ao
lado traz a faixa com o perfil do “Barão”. Ela
foi feita por Edíria Carneiro, uma das militantes que ilustrava o jornal
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Arte Visual Comunista
A Classe Operária e, quando era requisitada, fazia cartazes e faixas para
o partido. O que parece cômico na faixa do “Barão”, não o era para a
maioria da população carioca nas décadas de 1940 e 1950, pois a frase
da campanha denunciava três graves problemas no seu cotidiano: falta
de leite no mercado consumidor; falta de água nas torneiras, em especial
no verão; e a adulteração do leite com a adição da água.
Após a cassação do partido,
em 1947, inicia-se uma fase de muita
contestação ao governo e a imagem
passa a ser uma importante arma de
combate e denúncia das condições de
vida e trabalho da população. A charge
ao lado sintetiza este momento: de
um lado a sede do partido é fechada
e cercada pelas forças militares do
governo; de outro denuncia o alto custo
das mercadorias de primeira necessidade, a cobrança de luvas para
se conseguir alugar uma casa e, mais uma vez, o quadro caótico do
transporte coletivo.
Na realidade, não era só o leite que
faltava para os consumidores cariocas.
Era difícil de encontrar na praça a carne,
a farinha de trigo, a banha, a cebola, entre
outras tantas mercadorias alimentícias.
Quando existia era com ágio, no câmbio
negro, como se chamava, uma vez que as
mercadorias tabeladas pelo governo eram
ignoradas pelos comerciantes. Na imagem
ao lado é possível visualizar mulheres e
crianças na porta de um estabelecimento
comercial esperando para entrar. Um
cansou de esperar em pé e sentou na sarjeta. A espera por um conjunto
de produtos poderia levar o dia inteiro, dependendo da quantidade
de gêneros alimentícios a comprar e do número de pessoas na fila.
Como dizia outro sucesso carnavalesco: “[...] Deixo em casa os meus
serviços/ Toda a minha obrigação/ Saio andando pelas ruas procurando
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Cotidiano, Organização e Festas
alimentação/ Vivo penando na fila para comprar/ A carne, a banha, o
leite e o pão/ Esse sacrifício eu não aguento não [...]” (A situação vai
melhorar, Claudionor Santana e Andreza M. Silva, 1946).
Quirino Campofiorito produziu uma série intitulada “Zezé”. Em
cada estória, Zezé ajudava, apoiava, tranquilizava, organizava entre
outras ações. Foi apresentada em uma estória da série: brasileirinha
morena, esportiva, alegre, boa amiga de todos; gostava de tudo que
existe de bom na vida, tal como o sol, conforto, beleza e saúde. Mas
o mais importante é que estava sempre disposta a ajudar, sempre
solidária com quem precisava. Abaixo temos a estória “Zezé e os preços”,
que parte da tristeza de Zezé até uma tomada de decisão: organizar as
mulheres. A vida estava cara demais, tudo subia no cartaz, o dinheiro
não chegava para gastar. O que fazer? A solução foi encontrada na
solidariedade, na organização das mulheres em seus bairros por meio
das Uniões Femininas. Estas foram criadas em vários bairros cariocas
e tratavam de exigir aos poderes públicos ações contra a carestia, tais
como: ida da vaca leiteira às praças do bairro; criação de cooperativas
de consumidores etc. Também fazia trabalhos estatísticos da situação
econômica e habitacional dos seus moradores.
Uma figura no folclore cotidiano das pessoas de então era o
“tubarão”. Este foi retratado de várias maneiras: peixe marinho sem
pernas; com pernas e usando polainas; sem roupas; de paletó (com ou
sem cartola); ao lado de presidentes e governadores; ou até mesmo com
a face de um industrial ou de negociante. Para o cidadão comum, era
aquele que ganhava muito dinheiro sobre a miséria alheia: comerciante
ou atravessador ganancioso.
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Arte Visual Comunista
Na imagem da esquerda, abaixo, o “tubarão”, formalmente
vestido, segura um balão bem grande, que irá subir às alturas quando se
soltar. Neste balão está escrito os nomes dos bens indispensáveis para
o povo (comida, escola, transporte, vestimenta e moradia). Embaixo,
gritando de forma desesperada e de braços erguidos, o salário. Enfim,
quem determina a altura dos custos é o “tubarão”, que tem muita linha
para soltar. Neste sentido vai o desenho da esquerda, no qual o salário
suando, de muletas e perna quebrada, não consegue acompanhar a
escalada da carestia da vida
A alimentação, como pôde ser visto em várias imagens, era
precária e cara. Morar perto do trabalho tornava-se importante por três
razões: a) não se atrasava para chegar ao trabalho; b) não tinha custo com
o transporte; c) economizava-se no gasto com comida, pois se poderia
almoçar em casa. O gráfico abaixo traz informações precisas sobre como
e onde se alimentava o operário carioca nos anos 1940. A indústria
de tecelagem era a que mais empregava no período, e verificando o
gráfico pode-se perceber que quase 90% dos trabalhadores comiam
em casa ou traziam marmitas. Este quadro reflete bem como era cara a
alimentação fora do lar. Poucos eram os operários que se alimentavam
em restaurantes particulares, e poucas eram as empresas que cumpriam
a lei de oferecer restaurantes ou refeitórios aos seus empregados.
Lembremos o requadro já visto, em que muitos trabalhadores comiam
usando a marmita, sentados em caixotes ou na sarjeta. A marmita era
a companheira do dia a dia do trabalhador, lembremos assim mais
um trecho de outro sucesso carnavalesco: “Você conhece o pedreiro
Gazeta Sindical, 15/02/1956 Gazeta Sindical, 1ª quinzena, maio de 1952
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Cotidiano, Organização e Festas
Valdemar?/ Não conhece/ Mas eu vou lhe apresentar […] Leva a
marmita embrulhada no jornal/ se tem almoço nem sempre tem jantar
[...].” (Pedreiro Valdemar, sucesso do carnaval de 1949, de Roberto
Martins e Wilson Batista)
Gráfico I: formas de alimentação dos industriários – 1946
Fonte: Revista Municipal de Engenharia, julho-setembro 1951, p.147. Gráfico elaborado pelo autor.
Outro problema já apresentado nas imagens acima, e que envolvia
o cotidiano do trabalhar, era do transporte coletivo. No caso da cidade
do Rio de Janeiro, o bonde, principal transporte, era de propriedade
de uma companhia anglo/canadense (Light). Os trens suburbanos,
por outro lado, pertenciam ao governo federal (Central do Brasil e
Leopoldina). Ambos os serviços se mostravam deficientes em números
de carros e eram lentos, caros e perigosos. Os trens da Central, movidos
a eletricidade, tinham maior rapidez, entretanto, as outras linhas ainda
se utilizavam da “Maria Fumaça”, lentos e sujando os passageiros de
fuligem. As portas dos trens estavam constantemente quebradas, não
fechavam mais, ocasionando acidentes. Da mesma forma, as janelas
quebradas e sem vidros. Isto tudo sem falar nos pingentes, passageiros
que eram obrigados a viajar dependurados nas janelas e portas pela
falta de espaço interno nos vagões.
Os bondes seguiam as mesmas regras, eram velhos, e com o tempo
não tiveram aumento no número de carros, mesmo diante do aumento
70
Arte Visual Comunista
de demanda de passageiros. A carência dos trens suburbanos e bondes
fez aumentar o uso do ônibus, em especial por este ir aonde os trilhos
não iam. Mas, mesmo com os ônibus, o problema não foi resolvido, pois
seu custo era elevado. Assim, surgiu mais um meio de transporte: O
Amigo da Onça. Estes seriam caminhões de todos os tamanhos e tipos,
coberto com toldo, com escadinhas para o acesso dos passageiros, que
iam aos solavancos enfrentando as ruas de terra dos subúrbios cariocas.
Assim explicou uma reportagem o que seria este e o porquê de seu uso:
[...] O bom humor carioca batizou de “amigo da onça” os caminhões que
fazem lotação para longínquos subúrbios da Leopoldina e da Central
[...]. Contudo, prestam inestimável serviço a milhares de pessoas
residentes em subúrbios completamente desprovidos de condução. Vem
daí o interessante apelido de “Amigo da Onça”, isto é, prestam serviços,
mas são traiçoeiros, inseguros e desconfortáveis, expondo os que neles
viajam, ao sol, à chuva e à possibilidade de graves desastres.2
A imprensa comunista não desenhou nenhum Amigo da
Onça, no entanto, o bonde foi muitas vezes retratado, em especial
por ser de propriedade de uma empresa
“imperialista”, que não visava o bem-
estar da comunidade, apenas o lucro.
Na ilustração ao lado, mais uma vez o
bonde lotado. Em sua legenda se pode ler
a denúncia do aumento dos preços das
passagens dos bondes, favorecendo o lucro
do “polvo canadense”, como chamavam
a Light. Diga-se que o desenho da Light
como polvo a sugar com seus tentáculos
a riqueza nacional e o salário do povo foi uma realidade na imprensa
comunista. Começa a legenda com: “Isto é um escândalo! Um crime
contra o povo!”.
O cronista Porto da Silveira do Jornal do Brasil sintetizou
em poucas palavras sua opinião, escrevendo sobre o problema do
2 Restrições aos lotações particulares – Céticos os moradores do subúrbio quanto à oportunidade da medida, O Jornal, 21/10/48, In: Recortes Lux (Transportes III), v.LXXVI, p.69.
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Cotidiano, Organização e Festas
deslocamento na cidade: “Entre os problemas que angustiam os cariocas,
o do tráfego é, no momento, talvez, o mais grave. Não há exagero em
afirmar que ele constitui para a maioria dos moradores desta cidade,
um verdadeiro flagelo social”. (15/08/1948).
Toda essa problemática referente ao cotidiano exigia do
trabalhador alguma forma de protesto. Este poderia ser organizado ou
espontâneo. Na próxima parte do capítulo veremos, por meio de imagens
da imprensa comunista, algumas formas levadas à cabo pelo PCB.
Organização e Luta
Esta parte divide-se em duas: a luta sindical e a luta no campo.
Evidentemente que dentro dos limites impostos nesta publicação, os
problemas apontados não foram analisados profundamente. Procurou-
se apresentar questões que atingiam diretamente a organização sindical
operária e camponesa por meio das imagens.
• A luta sindical
O jornal do partido voltado para os sindicatos era a Gazeta
Sindical, de tiragem quinzenal. A imagem acima fazia parte da série
“Apuros de um pelego”. Pelo formato do título, é possível visualizar que
o pelego está fugindo, pois as pernas das letras que formam a palavra
estão em movimento. Reforça a fuga a palavra “apuros”. No primeiro
requadro, sob olhar de várias pessoas (homens e mulheres), dois
militantes sindicais picham e colam cartazes no muro de uma grande
fábrica. Neles há a chamada para a luta pelo abono de Natal, o que
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Arte Visual Comunista
representa o atual 13º salário, mas dado em forma de abono, ou seja, não
era obrigatório e não incidia nem descontava previdência social. Assim,
em todo fim de ano era necessária a mobilização dos trabalhadores para
a conquista do abono.
O segundo requadro nos oferece informações valiosas (ou
denúncias para os trabalhadores) tais como: o abono não desejado pelos
patrões; o diretor sindical como “empregado” do Ministro do Trabalho,
ou seja, deveria ser um interventor federal no sindicato; e na visão do
pelego uns saquinhos de castanhas apaziguariam os trabalhadores em
suas lutas.
Em 15 de Março de 1946, com os poderes ditatoriais contidos
na Carta de 37, o presidente Dutra baixou o decreto-lei número 9.070,
regulando o direito de greve, o que significou sua proibição quase
que total. Quanto aos sindicatos, em 8 de maio de 1947 foi assinado
pelo governo o decreto número 23.046, autorizando-o a intervir nos
sindicatos em que as diretorias tivessem dado apoio à Confederação
Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), de orientação comunista.
Só até agosto de 1947, o governo já havia feito intervenções em 170
sindicatos. E assim foi até o fim de seu governo em dezembro de 1950. A
imagem acima é de 1949, ou seja, em plena vigência das leis repressivas
de Dutra.
Por fim, o último requadro: “Fica com teus sacos, puxa-saco!
Castanha não veste nem enche barriga de ninguém! Nossas famílias
estão passando fome e têm direito a um Natal decente! O que queremos
e havemos de conseguir é um mês de abono de Natal!” O público
presente ao sindicato reage e denuncia a política da direção de classe.
Na mesa saquinhos de castanha, na plateia homens e mulheres com
rostos raivosos, mostrando descontentamento. O pelego, por outro
lado, assustado e não entendendo a revolta dos sindicalizados.
A luta sindical na forma de desenhos foi fartamente usada
nas páginas da imprensa comunista brasileira. Acima a existência do
pelego, sua subordinação ao Ministro do Trabalho, a luta e organização
do empregado pela repulsa ao pelego e na luta pelo abono. Na política
de controle do sindicato por parte do governo federal dois importantes
componentes foram usados: o imposto sindical e o atestado ideológico.
Este era fornecido pelo Departamento de Ordem Política e Social
73
Cotidiano, Organização e Festas
(DOPS) que era responsável pela repressão aos
movimentos sociais desde os tempo da ditadura
Vargas (1937-1945). Aos militantes operários
que tinham ficha suspeita não era fornecida o
atestado ideológico, certidão obrigatória para
obter a inscrição do nome na chapa sindical.
Com tal atestado ficava fácil ao governo impedir
que pessoas “não confiáveis” fossem candidatos
e vencessem eleições para cargos em diretorias
sindicais.
A figura ao lado fazia parte de um desenho maior chamado
“História de um roubo”. Nesta parte
vemos trabalhadores (homens e
mulheres) desfilando com uma faixa com
os dizeres “abaixo o imposto sindical”. A
legenda destaca a importância da união,
dizendo ao final que “Não queremos mais
ser roubados”. Assim, o imposto sindical
era considerado um roubo. Este foi criado
pelo decreto-lei n. 2.377, de 08 de julho
de 1940. Descontado anualmente na
folha de pagamento de todos os trabalhadores brasileiros, sindicalizados
ou não, regidos pela CLT, no valor de um dia de trabalho. Pelo decreto-
lei n. 4.298, de 14 de maio de 1942, ficava prevista sua aplicação pelo
sindicato: a) em agências de colocação; b) assistência à maternidade;
c) assistência médica e dentária; d) assistência judiciária; e) escolas
de alfabetização e pré-vocacionais; f) em cooperativas de crédito e
consumo; g) colônias de férias; h) bibliotecas; i) finalidades esportivas;
e j) despesas decorrentes de encargos criados pela lei. Pode-se perceber
o caráter assistencialista do sindicato, ou seja, pouco vinculado às lutas
sindicais propriamente ditas. Do total arrecadado, 54% ficavam para os
sindicatos, 15% para as federações e 5% para as confederações.
Com esse recolhimento gerando verbas para os sindicatos fazerem
políticas assistencialistas, com o atestado ideológico controlando o
acesso às diretorias, com as intervenções sindicais pelo Ministério do
Trabalho, pode-se concluir que o imposto sindical financiava a própria
Gazeta Sindical, 2ª quinzena, maio de 1952
Gazeta Sindical, 1ª quinzena, maio de 1953
74
Arte Visual Comunista
manipulação, opressão e dominação dos sindicatos pelo estado e pelo
patronato.
Em enquete do jornal Imprensa Popular, de 13 de março de 1952,
alguns operários declararam o que achavam do Imposto Sindical. Um
declarou: “O imposto sindical é uma roubalheira. Em que beneficia os
operários? Sai do nosso bolso para custear banquetes de pelegos e farras
na Europa”. Outro concluiu: “Ser descontado em um dia de trabalho é
diminuir o pão de nossos filhos.” Apesar de toda a queixa e reclamação,
o imposto, agora chamado de “Contribuição Sindical”, permanece até
hoje (2010).
O apelo da “União faz a força” e do lema internacional do
proletariado, “operários de todo o mundo, uni-vos”, estiveram
constantemente presentes nos desenhos que expressavam a luta dos
trabalhadores contra os patrões. No caso das duas imagens a seguir, tais
frases estão ausentes. Na esquerda, uma mão gigante esmaga os patrões.
Estes estão vestidos de terno e usando cartola, símbolos tradicionais na
representação patronal. Em cada dedo uma sílaba formando a palavra
“organização”. Portanto, uma mensagem simples em um desenho
de fácil entendimento: a organização dos trabalhadores venceria os
patrões. Na outra imagem, novamente o patrão tradicionalmente
vestido, obeso e de charuto na mão, tranquilo, contando com o apoio do
Ministro do Trabalho e da força policial para reprimir os trabalhadores.
O uso da legenda ajudava a identificar os personagens e os símbolos. Ao
lado da repressão há a construção de um monstro de três cabeças, cada
qual com um significado: imposto sindical; congelamento de salários e
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Cotidiano, Organização e Festas
a Lei de Segurança Nacional. No combate, os trabalhadores (homens
e mulheres), unidos, contavam com outra representação, uma enorme
marreta. Esta simbolizava a unidade dos trabalhadores. Novamente a
mesma mensagem: só a união dos operários venceria o patronato e seus
aliados do governo.
• A luta camponesa
Para o partido comunista, seguindo a tradição marxista, a
revolução socialista seria uma construção da classe operária, portanto,
uma revolução urbana. As massas camponesas significavam atraso,
falta de consciência política, subordinação ao proprietário da terra. Os
intelectuais comunistas brasileiros diziam que as relações estabelecidas
entre o camponês e o patronato rural era medieval, o que demonstrava
uma generalização desta relação em um país continental, portanto,
desconhecimento da realidade campesina e da relação trabalhista por
desconsiderar que o proprietário rural como um capitalista que explora
a mão de obra, paga salários, obtém lucro com mais valia.
As condições de vida no campo, o contrato de trabalho, expulsões,
assassinatos, migração para a cidade, organização e congressos, enfim
uma infinidade de temas voltados ao trabalho no campo foi retratado
nas páginas da imprensa comunista.
Falar em vida camponesa é falar de reforma agrária. No jornal
Tribuna Popular, de 1947, lá estava a figura do camponês, com seu
chapéu típico, roupa rude e olhar simplório, ao fundo a plantação,
razão de seu sustento. Esta imagem acompanha uma coluna chamada
Gazeta Sindical, dezembro de 1951
Gazeta Sindical, 22/03/1949
76
Arte Visual Comunista
“Camponês”. Esta coluna era dirigida ao camponês.
Primeiro, descreve-o desesperançoso (mãos cheias
de calos e mesmo depois de idoso continua a
trabalhar, mais cansado e mais pobre, cultivando
uma terra que e nunca será sua, sem esperança no
futuro etc.). Depois coloca uma luz no fim do túnel
de sua vida: “[...] Tribuna Popular tem como um
dos pontos mais altos do seu programa: a reforma
agrária. É a entrega das terras aos camponeses. É
a melhoria de condições de vida e de trabalho da
grande massa trabalhadora do campo. É dinheiro na mão do camponês,
é saúde, instrução e moradia [...]”. Este jornal seria o porta-voz dos
camponeses, assim pede que o assinem. Mas, percebe-se que a reforma
agrária seria a solução do camponês, pois com a posse da terra ele teria
melhores condições de vida.
Segundo o Censo de 1950, a população rural brasileira era
superior a 33 milhões, sendo o número de assalariados ativos em torno
de quatro milhões. Estes seriam aqueles que recebem a maior parte
do salário em dinheiro, ou seja, nesta conta se está excluindo um bom
número de trabalhadores agrícolas, já que muitas vezes o contrato
que faziam com o proprietário da terra variava o valor recebido em
dinheiro, às vezes nem recebendo em espécie, mas na comercialização
da mercadoria.
Segundo o jornal Voz Operária, de 10 de dezembro de 1955,
os colonos do café constituíam um dos setores mais numerosos do
campesinato brasileiro. Pelo decreto n. 34.450, de 1º de maio de 1951,
os trabalhadores que cuidavam de mil pés de café deviam receber o
salário mínimo, que não era cumprido. No setor da cotonicultura, o
mesmo jornal informou que os plantadores de algodão no estado de
São Paulo pagavam ao dono da terra, pelo arrendamento, 25 a 40%
sobre a colheita. Os empréstimos bancários, as compras de sementes
e insumos, a plantação e colheita ficavam por conta do arrendatário.
Assim se estes ganhavam pouco, quanto ganhariam os trabalhadores
provisórios da colheita?
O tema da reforma agrária não era novo na política nacional,
já existia antes de 1945 e continua até hoje. Na proposta do PCB,
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Cotidiano, Organização e Festas
como vimos acima, a ideia era doar terras para os camponeses, mas
não só. Além da posse legal, medidas de estímulo à produção seriam
prestadas, tais como apoio técnico, fornecimento de ferramentas,
maquinário, inseticidas, adubos e sementes. Uma das grandes críticas
ao governo federal seria a má qualidade das sementes, que causava
baixa produtividade, denunciando o conluio com as multinacionais,
em especial a estadunidense Anderson Clayton. O PCB estruturou a
“União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil” (ULTAB)
que promovia reuniões, conferências, campanhas pela organização dos
camponeses e pela reforma agrária. Esta entidade promoveu em 1955
uma grande campanha por coleta de assinaturas pró-reforma agrária,
sem obter êxito político algum.
Uma imagem fundamental na questão agrária brasileira e
levantada pela imprensa comunista
é a posse da terra, realizada por meio
da reforma agrária, com distribuição
dos títulos da terra para quem nelas
trabalhasse e para aqueles que chegaram
primeiro, tornassem-na cultivável.
A ilustração ao lado é significativa.
Destaca-se o título de propriedade, mas
se pode ver a terra produzindo e a alegria do camponês. Agora estaria
seguro de que o título lhe garantiria a tranquilidade para continuar
produzindo.
Mas, o que se viu em abundância na imprensa comunista foi
a denúncia de violência e mortes nos campos brasileiros. Na imagem
seguinte, de autoria de Arydio, importante ilustrador da imprensa
comunista, retrata a violência policial ao camponês. Esta poderia vir de
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Arte Visual Comunista
agentes do estado como por capangas
de um latifundiário. Para o estado do
Paraná, por exemplo, nos anos de 1949
e 1950 tiveram várias reportagens do
jornal Voz Operária sobre violência
e assassinatos com apoio do governo
estadual. A guerrilha de Porecatu,
no estado do Paraná, mereceria um
destaque, mas foge aos objetivos deste texto e ao espaço disponível.
Duas ilustrações sobre o Paraná se destacam para o ano de 1951
e que retratavam bem os problemas ocorridos naqueles tempos. Ambas
de autoria de Jorge Brandão, ilustrador do jornal Imprensa Popular.
A primeira, da esquerda, ilustrava a reportagem “Foi a polícia que
matou meu pai!” Em sua legenda está escrito: “o heroico camponês
Francisco Bernardo foi trucidado pela polícia a serviço do latifundiário
Lunardelli. Mas seu filho, honrando sai memória prossegue na luta
pela posse da terra”.3 A segunda, da direita, ilustra a reportagem
“Forças policiais semeiam o terror em toda a região norte do Paraná”.
Sem legenda, apresentava a cena de policiais e capangas incendiando
as casas e matando os camponeses. Na parte frontal, à esquerda, um
policial fardado impede uma mulher de socorrer seus companheiros.
Da reportagem se pode ler: “[...] Sob o pretexto de revistar os posseiros,
3 Imprensa Popular, 31/06/1951, p. 3.
Voz O
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3/12/1955
Imprensa Popular, 31/05/1951Imprensa Popular, 29/06/1951
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Cotidiano, Organização e Festas
à procura de material ‘subversivo’, os bandidos incendeiam as casas,
saqueiam os paióis de cereais, destroem as plantações, matam a tiros o
gado. A política de terra arrasada está sendo posta em prática em toda
a região.”4 Tal política estava baseada na destruição das condições de
subsistência do camponês para obrigá-lo a abandonar as terras. Este
tinha chegado à região, desmatado e limpado o terreno, construído casa
e plantado. Após anos, chegaram os supostos proprietários com títulos
conseguidos junto ao governo do estado, exigindo a saída das terras sem
nenhuma indenização.
Para a organização do camponês, ou seu “esclarecimento”
político, a história em quadrinho foi usada pela imprensa comunista.
A HQ “Trabalho e comida para os flagelados” conta a história da seca
que assolava o interior e atingia 12 milhões de brasileiros. A falta d’água
matando a plantação e o gado. A população miserável em busca de
comida nas cidades, sem encontrar apoio de ninguém, muito menos
do governo. Aos latifundiários tudo! Eles não tinham problemas com a
água, pois possuíam açudes e incentivo do governo. Ao final da HQ, os
retirantes descobrem certas verdades: “[...] Verificam que as verbas para
o combate às secas, além de muito pequenas, não são empregadas. Mas
as despesas militares [...] aumentam sem parar. Eles protestam contra
esse regime de guerra que os condena [...] que venha outro regime”.
O requadro final é muito auspicioso. Carregando faixas com dizeres de
luta (“Viva a união dos operários e camponeses”, “Viva Prestes”, “Terra
para os camponeses”, “Por um governo do povo sem ‘coronéis’”, “Paz,
pão e Trabalho”), os camponeses caminhavam para um novo porvir, um
novo horizonte em suas vidas.
4 Imprensa Popular, 29/06/1951, p. 3.
Voz Operária, 06/03/1953
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Arte Visual Comunista
Uma HQ que não poderia ficar de fora deste trabalho é a
intitulada “O camponês Belarmino encontra o caminho”. Composta por
18 requadros, conta a história de vida do camponês Belarmino.
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Cotidiano, Organização e Festas
Belarmino era um pequeno sitiante, levava uma vida dura e
sem apoio do governo. Morava com sua esposa Zefa e seus três filhos.
Precisando de crédito foi ao banco, mas este exigiu garantias que não
poderia dar. Procura, então, um armazém da cidade para conseguir
fornecimentos, mas os preços estavam altos e juros medonhos. Na hora
de comercializar seus produtos tinha que se sujeitar aos caprichos do
“tubarão”. Confiando no governo Vargas plantou hortelã-pimenta para
comercializar e um pouco de feijão, arroz e milho para o seu sustento.
Mas na hora da venda, os preços tinham caído e o governo não garantiu
o valor mínimo. As terras vizinhas eram do latifundiário Coronel Antão,
que comprou as dívidas de Belarmino e o expulsou das terras. Diz um
requadro: “Sem terra própria, Belarmino teve que ir arrendar outras
terras. Tinha que pagar 40 arrobas de algodão por alqueire, fazer o
rancho, o mangueirão e não tinha direito a posto. Água no corgo sujo”.
Trabalhava muito e vivia na miséria. Os coronéis “Tatuíra”, como eram
chamados os latifundiários, não trabalhavam nada e ficavam cada dia
mais ricos. Em outro requadro está escrito: “[...] Desde o governo até o
cupim, todos são seus inimigos. Belarmino há de encontrar seus amigos.
Eles existem. São os operários”. Belarmino vai de sítio em sítio, fazenda
em fazenda ensinando o que aprendeu com os operários e com Prestes.
Participa do Congresso Camponês da Zona, do qual foi eleito presidente.
Em seu discurso inflamado disse: “Chega de sermos explorados como
escravos. [...] Só existe um caminho para nos libertarmos da exploração
do latifúndio e dos tatuíras. É o caminho da luta organizada pela tomada
da terra e pela paz. [...] O único partido capaz de nos dirigir e nos guiar
82
Arte Visual Comunista
é o partido de Prestes. Só podemos seguir o que Prestes nos ensina [...].
Só podemos conseguir terra e as nossas melhorias através da luta e da
organização. Com eleição isso não pode acontecer [...]. Só devemos fazer
o que Prestes mandar. Ele é nosso maior amigo e nosso guia”.
Nesse momento da história, novembro de 1950, o partido havia
proposto a luta armada contra os inimigos (latifundiários, burguesia
nacional e internacional). No Manifesto de Agosto foi declarada a
necessidade da fundação de uma “Frente Nacional de Libertação
Nacional”. Assim, a eleição não era vista como uma solução para os
males sociais do Brasil. Somente Prestes e seu partido seriam capazes
de “guiar o povo para a vitória”.
Por fim, cabe destacar a imagem do Coronel “Tatuíra”: obeso,
bem vestido, com chapéu de aba larga, charuto na boca, com belo cavalo
ou automóvel. A HQ o descreve como uma pessoa má, pois soltava seu
gado na plantação de Belarmino. Aquele que comprou suas dívidas para
aumentar seu latifúndio. Aquele que se apoiava no governo e dispunha
de crédito farto nos bancos e junto ao governo. Enfim, aquele que não
trabalhava, mas era rico. Um inimigo a ser vencido!
Mas não só de luta viviam os comunistas. Haviam as festas. É
claro que voltadas a atender os interesses do partido, mas que possuíam
um lado de lazer, lúdico. No caso das festividades do Primeiro de Maio,
temos dois lados: da homenagem e da organização. Outras festas,
entretanto ocorreram e isto será o tema da próxima parte do capítulo.
O Primeiro de Maio e Outras Festas
• Primeiro de Maio: dia de festa e dia de luta
A festividade do Primeiro de Maio passou por dois momentos na
história do Brasil. No início do século XX, a data era comemorada com
grandes manifestações populares conduzidas pelos anarquistas, em
especial. Mesmo com forte repressão as festividades eram realizadas.
Para o governo e para a classe patronal, estas festividades tinham
caráter subversivo, de grande perigo para a sociedade capitalista. Eram
realizados comícios, apresentações de peças teatrais, bailes e outras
83
Cotidiano, Organização e Festas
ações. Nem sempre os bailes tinham o aval de muitos anarquistas,
mas era um importante chamariz (ver volume 2 desta coleção).
Com a fundação do PCB em 1922, a
festividade do Primeiro de Maio passou
a ser dividida, principalmente, entre
anarquistas e comunistas que tinham
posição política totalmente antagônica.
Ambos procuravam trazer as origens da
festa. No caso do PCB, a imagem ao lado
tentava explicar a data com imagens e
texto: século XIX, nos EUA, no ano de
1886, mais de 5.000 mil greves foram
realizadas pelas 8 horas de trabalho
(8 horas de descanso e 8 de lazer). Em
Chicago, grande manifestação realizada
em apoio à memória de 9 operários mortos
em cidade vizinha. A repressão não se fez esperar e, deste embate, 20
policiais foram mortos por uma bomba. Muitos operários foram presos,
quatro condenados à forca. A partir de então, o Primeiro de Maio passou
a ser uma data a ser lembrada como de luta, de lembrar os mártires de
Chicago. Na imagem estão representadas as manifestações, repressões
e mortes.
No período da ditadura de Getúlio Vargas, o chamado “Estado
Novo” (1937-45), a festividade do Primeiro de Maio ficou restrita ao
âmbito governamental, com a subordinação total dos sindicatos e a
realização das grandes festas no estádio de São Januário. Após a queda
de Vargas, o PCB tentou restaurar a data como de luta e unidade classista.
A partir daí, a disputa pela data não se daria com os anarquistas, mas
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Arte Visual Comunista
com os trabalhistas, ou seja, com o Partido Trabalhista Brasileiro, o
partido de Vargas. O jornal A Classe Operária, lançado em 1º de maio
de 1926, como o jornal oficial do partido, em um artigo na edição de 1º
de maio de 1946, assinado por Grabois, dirigente do Comitê Central,
exprimia a alegria das conquistas do imediato após guerra. Dizia em
relação ao Brasil: “Em nosso país, o atual 1º. de maio transcorre em
circunstâncias inéditas. Pela primeira vez, o dia internacional dos
trabalhadores é comemorado com o Partido Comunista na legalidade,
Partido que conquistou grandes vitórias para o nosso povo [...]”.
Este entusiasmo e alegria logo deram lugar ao desânimo e uma
postura mais crítica, já que o PCB caiu na ilegalidade novamente em
1947. A partir daí, até o governo JK em 1956, o Primeiro de maio passa
a ser uma data de embate entre o PCB e o governo federal, este aliado
com a classe patronal. O cabeçalho da notícia de última página do jornal
Imprensa Popular deixa clara esta disputa.
A primeira página do mesmo jornal, do mês de abril, encontra-se
uma nota do Comitê Nacional do PCB, chamando o 1º de maio de jornada
de luta contra a fome e a reação, pela paz e a união dos trabalhadores. Diz:
“Festejamos com orgulho e alegria as grandes vitórias alcançadas pelos
povos, com a classe operária à frente, na luta pela paz, pela democracia
e pelo socialismo.” Na disputa da memória do movimento operário e do
1º de maio, a imprensa comunista não cita em suas linhas as vitórias das
greves e dos congressos operários sob a direção anarquista ocorridos
nas duas primeiras décadas do século XX. A leitura da frase anterior nos
deixa claro que: a luta é pelo socialismo, portanto, proposta distinta do
anarquismo; foram incluídos temas gerais e genéricos como democracia
e paz; a liderança é da classe operária, visão tradicional marxista em que
esta classe é a possuidora do saber, o irmão mais velho do camponês,
atrasado politicamente.
Imprensa Popular, 01/05/1952
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Cotidiano, Organização e Festas
O presidente JK teve
o apoio do PCB nas eleições
e tomou posse em 1956. Na
primeira data de comemoração
do dia internacional do trabalho,
o PCB estava ao lado de JK nas
festividades. Seguindo a tradição
de Vargas, a festa foi no estádio de São Januário, na capital federal. No
programa desfiles de entidades de trabalhadores com suas bandeiras,
diversões artísticas e exibições atléticas, desfile da banda dos Fuzileiros
Navais, Recepção ao presidente Juscelino Kubitschek, o discurso
presidencial e, ao final, partida de futebol entre o tricampeão carioca,
Flamengo, e o América de Belo Horizonte, vice-campeão mineiro.
Assim, dependendo do posicionamento do partido, ora estava
festejando o 1º de maio com o governo
federal, ora atacando-o e promovendo a
festividade só, propondo a paz mundial, a
luta contra a “reação”, a carestia da vida,
pela liberdade sindical, o fim do imposto
sindical etc.
• Festas e eleições
Em outro momento deste trabalho, vimos as festas da imprensa
comunista. As demais festas do partido e suas chamadas ilustradas
seguiam a mesma trilha: os locais tendiam a ser os mesmos (Praia de
Charitas e Granja das Garças). Os
motivos: campanha eleitoral e/ou
político, congraçamentos.
A Associação Brasileira
de Defesa dos Direitos Humanos
(ABDDH) que promovia
movimentos em defesa das
liberdades democráticas no Brasil,
libertação de presos no Brasil e exterior etc., promoveria uma animada
festa na praia de Charitas em março de 1956. Estava previsto banho de
Imprensa Popular, 01/05/1956
Imprensa Popular, 01/05/1951
Imprensa Popular, 01/03/1956
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Arte Visual Comunista
mar, angu à baiana e um baile dançante na parte da tarde e, ainda, um
torreio de futebol. Na propaganda, uma imagem bem animada e feliz,
vê-se o futebol, a festa, as bandeirolas dependuradas e o mar.
Em 1954, uma grande chamada no jornal Imprensa Popular
para uma festa: “Tudo para todos na festa da Granja”. Estava previsto
futebol, vôlei, tênis de mesa, baile (foi contratada um orquestra),
barracas, shows, palestras,
debate etc. Seriam servidas
comidas de todos os tipos
(vatapá, caruru do Pará, frango
assado, macarronada, peixe
assado, feijoada etc.) e haveria
distribuição de prêmios para as
barracas e os propagandistas.
Esta festa era em apoio aos candidatos populares que o PCB havia
lançado sob outra legenda para as eleições desse ano. Duas imagens
compõem a chamada (uma churrascada e um baile), mas na mesma
página, bem ao lado, há mais duas imagens: fotografia do candidato
à Câmara Federal, Lycio Hauer e um desenho de uma favela com os
dizeres do programa dos Candidatos Populares e que mostravam
aos favelados o caminho da luta. Sob a imagem do baile está escrito
“Festa dos candidatos populares” e sua imagem composta por casais
elegantemente vestidos, dançando felizes.
Na edição de 10 de agosto de 1954, o jornal Imprensa Popular
traz uma reportagem sobre a festa: “Mais de 5 mil pessoas na festa da
Granja das Garças”. Segundo esta, a maioria dos presentes era composta
por trabalhadores de vários setores profissionais, superando todas as
festas anteriores no local. Estas festas ajudavam na campanha para o
fundo financeiro dos candidatos do partido, que também contava com
outras formas de arrecadação levadas a cabo pelos comitês eleitorais.
Pela imagem a seguir, pode-se ler que a reportagem fazia parte do
“Diário da campanha’, que desejava recolher 50 milhões de cruzeiros
para ajudar na campanha dos candidatos “patriotas”. As faixas que os
participantes (homens e mulheres) do movimento ajudam a entendê-
la: “Elejamos 8 patriotas”, “Votem nos candidatos populares”,
“Derrotemos os entreguistas”, “50 milhões”. Assim, ao mesmo tempo
pedia verbas, apoiava os candidatos do partido e conclamava a derrota
aos candidatos entreguistas.
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Cotidiano, Organização e Festas
Valorizar os seus candidatos e denunciar
os demais, em especial os chamados “traidores”,
foi uma constante na imprensa comunista
brasileira. Combater o voto nulo ou em branco,
passava por diferenciar os candidatos indicados
pelo partido dos demais. Em julho de 1954, o
Imprensa Popular publicava a imagem ao lado,
muito curiosa e bem humorada na denuncia
aos candidatos “picaretas” que existiam:
“Bom Zinho”, “La Drone”, “Nêgo Ciata”. Ainda
apresentava a compra de votos: “paga-se bem”
e “quer ficar rico?” O personagem bem trajado,
carregava em uma das mãos uma mala e na outra um martelo. A legenda
explicava quem é este: Zacarias Sentomalho. Acabara de chegar ao Rio
de Janeiro. Um homem de grande capacidade de observação, objetivo
na argumentação, inflexível contra os aproveitadores. O desenho foi
feito por ICE, ilustradora do “Diário da Campanha”, que teve a ideia de
criar o personagem quando olhava as paredes da cidade cobertas por
cartazes eleitorais, aí pensou: “Creio que o malho vai ter que funcionar
pra cima desses chantagistas!...”
O partido contava com um grande
número de simpatizantes ou militantes
artistas. Do meio do teatro e rádio
podemos citar Mário Lago e da área da
música, o comediante e cantor Jararaca.
Mas, para garantir diversão e shows e
comícios do partido, a Célula Mascha
Berger se encarregava da matéria, como
se pode ver na ilustração ao lado.
Imprensa Popular, 10/08/1954
Imprensa Popular, 27/07/1954
A Classe Operária, 07/12/1946
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Arte Visual Comunista
Nas HQs sobre Prestes e o PCB, por exemplo, que se encontravam
nas páginas dos periódicos comunistas, os anos eleitorais de 1945 e 1946,
período da legalidade, são sempre retratados na forma de comícios. Lá,
falando no palanque, sendo aclamado pela multidão, está Luiz Carlos
Prestes, o candidato ao Senado Federal.
Quando da legalidade do partido (1945-47), os candidatos
poderiam ser eleitos pela sua própria legenda. Quando da cassação do
registro, a opção foi lançar seus candidatos sob legenda emprestada,
como vimos. Os comícios eram chamados de “monstros”. As fotos
abaixo mostram um comício composto por uma multidão e uns cartazes
colados em muros e postes com fotos e nomes dos candidatos do Partido
Comunista do Brasil, com sua foice e martelo. A chamada aos comícios,
em todo o período estudado, seja por qual motivo fosse, campanha do
“Petróleo é Nosso”, pela Anistia, campanha eleitoral, contra o alto custo
da vida, contra a Lei de Segurança etc., era promovida com o apoio de
ilustrações.
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Campanha do PCB, 1946 “Comício Monstro” no Rio de Janeiro
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REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Entrevistas:
Hélio Benévolo Nogueira – Cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003.
Édila Pires – Cidade de São Paulo, 16/12/2003. Esposa de Jorge Brandão.
Edíria Carneiro – Cidade de São Paulo, 15/12/2003. Ilustradora da imprensa comunista. Esposa
de João Amazonas.
Leda Sá – Cidade do Rio de Janeiro, 28/08/2003. Ilustradora do Momento Feminino.
Regina Yolanda Werneck – Cidade do Rio de Janeiro, 16/10/2003. Filha de Paulo Werneck e
membro do Clube de Gravura do Rio de Janeiro.
Ítalo Campofiorito – Cidade do Rio de Janeiro, diversos encontros não gravados. Filho de Quirino
e Hilda Campofiorito. Ilustradores da imprensa comunista.
Fontes primárias:
Periódicos não oficiais:
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Jornal Imprensa Popular, 1951-57
Jornal Momento Feminino – 1947-57
Jornal Tribuna Popular – 1945-47
Jornal Voz Operária (Órgão oficial do PCB) – 1949-57
Jornal A Classe Operária – 1945-57.
Revista Fundamentos – 1951-57
Revista Esfera –1945-1949.
Fontes primárias não oficiais:
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Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
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Armênio Guedes, fotografias: Scliar, Ruy Santos, Arquivo da Tribuna Popular. Contribuição à
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