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ESCOLA DE MÚSICA E BELAS ARTES DO PARANÁ
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DA ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA
ARTE INTERATIVA – COMUNICAÇÃO CRIADORA
CURITIBA
2012
iii
ELIANE CRISTINA DE CASTRO
ARTE INTERATIVA – COMUNICAÇÃO CRIADORA
Monografia apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista no Curso de
Pós-graduação em História da Arte Moderna e
Contemporânea da Escola de Música e Belas
Artes do Paraná.
Orientadora: Dra. Denise Bandeira
CURITIBA
2012
iii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1
2 ARTE INTERATIVA DIGITAL............................................................................... 4
2.1 ARTE DIGITAL: CONCEITO E CONTEXTO ........................................................ 4
2.2 VERTENTES DA CRIAÇÃO DIGITAL .................................................................. 8
2.3 TRAMAS INTERATIVAS ....................................................................................... 10
2.4 RELAÇÕES DO EVENTO INTERATIVO............................................................... 13
3 METODOLOGIA ...................................................................................................... 18
4 ESTUDO DE CASO: RECORTE ARTISTA E OBRA ............................................ 20
4.1 DESCENDO A ESCADA: OUTROS LIMITES PARA OBSERVADORES ............ 20
4.2 NOVAS ESTRUTURAS Á CRIAÇÃO..................................................................... 28
4.2.1 Espaço.................................................................................................................... 28
4.2.2 Evento .................................................................................................................... 29
4.2.3 Público ................................................................................................................... 30
4.2.4 Interatividade ......................................................................................................... 30
4.2.5 Interfaces ............................................................................................................... 31
4.2.6 Gerenciamento Digital............................................................................................ 32
4.2.7 Dispositivos ........................................................................................................... 32
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 33
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 35
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iv
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Gaussian Quadratic, 1963................................................................................. 5
Figura 2: Vertical-Horizontal Nº2, 1964 .......................................................................... 6
Figura 3: Construção em esmalte II ou EM2, 1922 .......................................................... 11
Figura 4: A interface homem/máquina no processo da interatividade .............................. 12
Figura 5: Esboços da obra Escada Inexplicável II, 1999 .................................................. 21
Figura 6: Escada Inexplicável II, 1999 ............................................................................ 21
Figura 7: Descendo a escada, 2002 .................................................................................. 22
Figura 8: Nude descending a staircase, 1912 ................................................................... 23
Figura 9: Ascending and descending stairs, 1884-85 ....................................................... 25
Figura 10: Descendo a escada, 2002 ................................................................................ 29
Figura 11: Descendo a escada, 2010 ................................................................................ 31
iv
v
RESUMO
A presente pesquisa está dedicada à reflexão e hipóteses na aplicação das novas tecnologias
na produção artística e aos novos limites do público com a obra de arte. Em função da
amplitude do tema, optou-se em investigar um recorte de pesquisa a partir de uma análise da
obra interativa digital “Descendo a escada”, da artista brasileira Regina Silveira, elaborada em
parceria com o laboratório de mídias interativas do Itaú Cultural e exposta na primeira Bienal
de arte e tecnologia [emoção art.ficial] de São Paulo (2002). A metodologia se apresenta
neste estudo como uma rede interligada de informações que convergem, questionam e
refletem sobre as condições de apreciação do público e os processos de criação digital.
Composta por uma seleção de documentos, a investigação utilizou proposições teóricas sobre
a arte digital, apresentadas por Rush (2006) e Paul (2002); as relações de interatividade, foram
investigadas de acordo com Plaza (2003), Manovich (2007) e Domingues (1997, 2003); o
conceito de arte contemporânea foi refletido conforme Cauquelin (2005) e os processos de
criação segundo o aporte de Salles (2004, 2006). Essas teorias ou conceitos, somados as
informações encontradas na rede Internet, serviram para subsidiar uma análise da obra e das
relações comunicacionais envolvidas no evento interativo. Mediante os avanços tecnológicos,
a pesquisa evidenciou a proeminência de um sistema de arte digital. Com uma nova estrutura
criativa, o artista age em parceria com outros profissionais. As trocas de conhecimento
permeiam o fluxo do processo criativo e estabelecem a tendência híbrida da criação. Assim,
nesta estrutura de pesquisa, observou-se que o corpo do espectador pode ser instigado pela
comunicação multissensorial em condições de interagir com o produto artístico. Entre as
conclusões desta pesquisa, observou-se que o público, o processo criativo digital e a interação
inserem novos paradigmas na produção e apreciação da arte e na sociedade. A instalação
interativa digital, como tendência expositiva, amplia as possibilidades de comunicação e vai
auxiliar na simplificação dos canais de acesso e de compreensão da arte pelo público.
PALAVRAS CHAVES: interatividade; arte digital; tecnologia; arte contemporânea;
v
vi
ABSTRACT
The present paper is dedicated to reflection and hypotheses in the application of new
technologies in artistic production and to the new limits of the public regarding artworks.
Since the theme is broad, it was opted to investigate a piece of research based on an analysis
of the interactive artwork “Going down the stairs”, by artist Regina Silveira, developed in
partnership with the interactive media laboratory of Itaú Cultural and exhibited at the first Art
and Technology Biennial [emoção art.ficial] of São Paulo (2002). In this study, the
methodology is presented as an integrated network of information which converges, questions
and reflects upon the conditions of public appreciation and the processes of digital creation.
Composed by a selection of documents, the investigation used theoretical propositions on
digital art presented by Rush (2006) and Paul (2002); the interactivity relations were
investigated according to Plaza (2003), Manovich (2007) and Domingues (1997, 2003); the
contemporary art concept was thought according to Cauquelin (2005) and the creation
processes were based on the contributions of Salles (2004, 2006). These theories or concepts,
added to information found on the Internet, were used to subsidize an analysis of the artwork
and the communicational relations involved in the interactive event. Considering
technological advances, the research has brought to light the prominence of a digital art
system. With a new creative structure, artists act in partnership with other professionals.
Knowledge exchanges permeate the creative process flow and set the hybrid tendency of
creation. Thus, in this research structure, it has been observed that the spectator‟s body can be
instigated by multi-sensorial communication in conditions to interact with the artistic product.
Among the conclusions of this research, it has been observed that the public, the digital
creative process and the interaction insert new paradigms in the production and appreciation
of art in society. Digital interactive installations, as an exhibition tendency, broaden the
possibilities of communication and will assist in the simplification of access channels and the
comprehension of art by the public. KEY WORDS: interactivity; digital art; technology; contemporary art;
vi
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa apresenta como objeto exploratório a obra de arte
contemporânea “Descendo a Escada” (2002) da artista brasileira Regina Silveira. A obra
citada foi desenvolvida em colaboração com o Itaulab, laboratório de mídias interativas do
Itaú Cultural, para a exposição [emoção art.ficial] realizada de agosto a setembro de 2002 no
Instituto Cultural Itaú em São Paulo (SP).
Este processo investigativo vai ser construído restrito à abordagem da arte digital e
do campo das instalações interativas. Em relação ao processo de criação optou-se por analisar
essa obra de acordo com a proposição defendida por Salles (2004, 2006). No entanto, em
quanto uma produção de arte e tecnologia, este estudo vai ser fundamentado nos conceitos
sobre a produção da arte digital e suas relações de acordo com Paul (2002), Plaza (2002) e
Manovich (2007). Esta pesquisa procurou desenvolver uma reflexão sobre os direcionamentos
da arte contemporânea, o uso das novas tecnologias e os limites da interação do público com a
obra de arte.
A partir das considerações teóricas e históricas de arte digital, interatividade, criação
artística e as relações de comunicação que serão investigadas na obra “Descendo a Escada”,
esta pesquisa procurou identificar as aplicações das novas tecnologias1 na produção artística, a
partir da investigação das instalações digitais como uma tendência expositiva contemporânea
e refletir sobre os novos limites sugeridos ao espectador. Além de registrar num contexto
histórico o uso das novas tecnologias na produção da artista brasileira Regina Silveira.
Plaza (2003), em seus escritos apresentados durante a década de 1990, defendeu a
interação como um fenômeno internacional, capaz de viabilizar redes de relacionamento
humano desprovidas de discriminação, dotada de comunicação criadora fundada em atos
construtivos suficiente para gerar receptores críticos e criativos. Além da característica de
conectividade que o autor viabiliza, convém reconhecer a interação como nova facilitadora da
fruição da arte ao espectador.
Para se compreender as fases da arte que permitiram a interação, o autor relaciona a
parcela de comunicação que é destinada ao público quando confrontado com as várias formas
artísticas no decorrer da história (PLAZA, 2003).
1 Quando a pesquisa se refere a novas tecnologias busca a relação contemporânea do uso da tecnologia
eletrônica na criação artística.
2
Nesta pesquisa, optou-se por considerar os três níveis de interação entre obra e
público sugeridos por Plaza (2003). Conforme este autor, esses níveis evoluíram no decorrer
da história e viabilizaram o que hoje pode ser conceituado como arte interativa. As
características desse processo evolutivo foram abordadas na análise da obra e vão auxiliar
uma melhor compreensão dos processos comunicacionais que permeiam o processo criativo
da obra digital interativa.
Outra discussão apropriada neste estudo foi apresentada por Paul (2002). A autora
defende que a interação viabiliza um público que passa a navegar, montar e a contribuir para a
arte através do uso, além do acontecimento mental da experiência. Ou seja, a ação corporal do
público faz-se necessária para realizar o evento total da obra. Ao interagir com o espaço da
obra, a presença física previamente planejada pelo processo criativo do artista insere na
história da arte uma nova posição ao espectador. O público passa de observador passivo para
o que – no decorrer desta pesquisa – vai ser denominado de interator na estrutura da obra.
Essa caracterização tem como base o conceito que Gianetti utiliza para relacionar público e a
instalação digital interativa: “Em sistemas interativos, pessoas não só „atuam‟ mentalmente no
espaço da obra, mas também desempenham um papel ativo interagindo com o sistema” (2006,
p. 207, grifo do autor).
Como uma tendência da arte contemporânea, esse novo posicionamento ofertado ao
público pelo artista vem a permitir uma ideia de imersão na gênese criativa da obra.
Ainda na década de 1990, a crítica Krauss (1998) refletiu sobre essa tendência na
produção pós-moderna da arte ao discorrer sobre a relação dos novos limites da obra. A
autora identificou no sistema artístico o nascer de um emblema: a obra interpela o receptor
por meio de conceitos, do tempo, do espaço e seu conhecimento subjetivo – aproximações
encontradas na arte digital – vindo a denotar nesse novo âmbito uma troca, em hipótese, de
poderes e de criatividade, pois a comunicabilidade da obra de arte é ampliada, gerando a
sensação de igualdade entre artista e o interator.
Diante das significações geradas entre a lógica criativa do artista e as subjetividades
do interator, pode-se denotar que a arte contemporânea não direciona o ato criativo apenas ao
criador, mas sugere que o interator cumpre no tempo da obra a totalidade da criação.
Assim, pode-se considerar a interatividade como continuidade do ato comunicativo
do artista. Numa relação de trocas, onde o fluxo de informação percorre por fases e gera
continuidade ao processo.
3
Em hipótese, essa liberdade de atuação do público diante da obra torna-se mais
evidente com a viabilidade que a arte digital apresenta em se adaptar ao usuário.
Tal adaptação foi investigada e a aproximação da obra aos diferentes níveis de
público pode ser por vezes gerada mediante a alteração do campo perceptivo. Sobre essa
questão a pesquisa buscou entrelaçar autores que convergem características tecnológicas e
refletem sobre a ampliação da comunicação entre obra e público.
A investigação observou, que o conhecimento subjetivo que cada indivíduo adquire
se desdobra quando instigado por uma instalação interativa digital. Fator que denota a
ampliação dos limites do público com o evento artístico.
Esta pesquisa vai refletir sobre a comunicação multisensorial presente em obras
artísticas que podem ampliar o acesso púlbico. Os estímulos possibilitados pela comunicação,
nesse tipo de sistema, tendem a ser efetivados por meio da ação física, em hipótese sem a
necessidade de um conhecimento prévio, artístico ou teórico, mas pelo incentivo a um limiar
estético e experiencial.
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2 ARTE INTERATIVA DIGITAL
2.1 ARTE DIGITAL: CONTEXTO E CONCEITOS
Esta breve contextualização visa identificar princípios de arte digital no âmbito
histórico e em paralelo levantar questões sociais que possam auxiliar na compreensão da
criação contemporânea, assim como reconhecer tendências no limiar do público com a obra
artística.
Segundo Rush (2006), o final do século XIX foi contemplado pelo desenvolvimento
tecnológico - sobretudo o campo da informática e o uso de algoritmos2. Esse fator social
denotou novos olhares sobre a história da arte. A ideia de movimentos artísticos encadeados e
reativos ao anterior, em particular as vanguardas, parece chegar ao fim. Para o autor, novas
descrições sobre produção de arte deveriam abranger o tecnológico para não ficarem
deslocadas do novo âmbito social.
Não há “ismos” associados à arte digital, um termo que se refere à imagem computadorizada. A aliança ocasionalmente conturbada entre arte e
tecnologia amadureceu: a marcha inexorável do mundo para uma cultura
digital (ou computadorizada) inclui a arte em seus passos. A arte digital é um
meio mecanizado cujo potencial parece ilimitado. (RUSH, 2006, p. 162, grifo do autor)
Segundo o autor, pode-se observar historicamente que os períodos pós II Guerra
Mundial, principalmente durante os anos de 1950 a 1960, ajudaram a fomentar rapidamente
os avanços tecnológicos. Centros de pesquisa americanos iniciaram suas investigações na
tecnologia tendo com pano de fundo experimentos envolvendo música e arte.
Em consonância com as pesquisas, o americano A. Michael Noll, em 1963 no
laboratório de Bell em New Jersey/EUA, produz imagens abstratas (ver fig. 2) geradas pelo
computador e inspiradas pelas obras do cubista Pablo Picasso. Fator da história que configura
para Rush a identificação de um dos primeiros artistas digitais.
As possibilidades levantadas pelos centros de pesquisa em parceria com as criações
artísticas viabilizaram que a galeria Howard Wise de New York realizasse em 1965 o que se
considerou a primeira exposição dedicada á arte de computador.
2 O significado da palavra é muito similar ao de uma receita, procedimento, técnica, rotina. Um algoritmo é um
conjunto finito de regras que fornece uma seqüência de operações para resolver um problema específico.
(ALGORITMO. Disponível em: http://equipe.nce.ufrj.br/adriano/c/apostila/algoritmos.htm.)
5
Como o termo ainda não tinha sido definido em períodos anteriores da história da
arte, a exposição teve o nome de Computer-Generated Pictures3, com trabalhos inspirados em
pinturas de artistas da vanguarda minimalista. Conforme Rush, Essa exposição visava
apresentar os computadores como ferramentas para novas possibilidades ao pensamento
artístico.
Como características da arte digital nesse período, pode-se observar que diante dos
efeitos e das reproduções instantâneas da arte computadorizada foi possível gerar produções
gráficas e planas de formas repetidas e sobrepostas (ver fig. 1 e 2).
Figura 1. Gaussian Quadratic. 1963. Michael A. Noll
Fonte: http://dada.compart-bremen.de/node/3643
3 Imagens geradas por computador. (tradução)
6
Figura 2. Vertical-Horizontal Nº 2 , 1964. Michael A. Noll
Fonte: http://dada.compart-bremen.de/node/3643
A pesquisa nota que a arte digital surge da parceria entre setores distintos da
sociedade. Centros de pesquisa científica disponibilizam seus avanços tecnológicos para que
artistas trabalhem em parceria com as novas ferramentas. Em hipótese, essa troca de
conhecimentos entre profissionais, assim como a necessidade de um laboratório para o
desenvolvimento da arte digital são relevantes à contemporaneidade. Esse fator será
complementado no decorrer da pesquisa.
Segundo Rush (2006), alguns teóricos não aceitam mencionar os resultados digitais
antes da década de 1980 como obras de arte. O grande apelo tecnológico sugere que não eram
pensadas para o sistema de arte e nem usavam a tecnologia como linguagem criativa.
Contudo, para melhor compreender aspectos da arte digital, convém nesta pesquisa relatar os
indícios desses processos, que mesmo sendo produzidos fora dos parâmetros artísticos, se
tornaram processos criativos e se configuraram em obras de arte.
Ainda em hipótese, observar que obras estáticas como a pintura ou escultura de
mestres da história da arte foram a gênese para o desenvolvimento de uma criação digital
poderá auxiliar no desvelamento da rede criativa da obra contemporânea e na compreensão
dos novos limites destinados ao público.
Em contrapartida, segundo Rush (2006) o contexto social que permeou a produção
artística das décadas de 1960 e 1970 tinha um caráter antitecnológico às experiências
nucleares ocorridas na esfera global. Tal caráter viabilizou um pensamento coletivo que
minimizou o processo do uso das tecnologias.
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A retomada desse processo é desencadeada nas décadas seguintes com a evolução de
equipamentos como: projetores, filmadoras, máquinas fotográficas e os computadores.
Produtos esses que se tornaram mais acessíveis com interfaces4 simplificadas para o usuário
comum. Na década de 1990, artistas como Andy Warhol e Rauschenberg, por exemplo,
passaram a associar esses equipamentos eletrônicos às suas ferramentas de produção artística.
Conforme Salles (2004, p.108): “Os procedimentos criativos estão igualmente,
ligados ao momento histórico, em seus aspectos social, artístico e cientifico em que o artista
vive.”
Dessa maneira, os breves apontamentos históricos se tornaram aportes para melhor
se compreender nesta pesquisa os processos de criação em arte digital e suas relações.
Rush (2006) destaca que os procedimentos criativos ligados às novas tecnologias
nesse primeiro período histórico, traduzem a ideia de arte de computador, procedimento que
usa o computador como ferramenta de criação. Porém, no final do século XX, as ações e
formas artísticas que despontaram, tenderam a outros tipos de classificação de arte digital.
Por outro lado, Paul (2002) teoriza a respeito do termo e observa as transformações
que a terminologia sofreu para tentar abranger um estilo artístico e suas definições. O termo
arte de computador foi definido pelo uso do computador na criação multimídia5 e hipermídia
6.
Contudo, a mesma autora considera a designação mais apropriada para o uso do
termo arte digital, sendo o trabalho artístico que emprega tecnologias digitais seja para sua
produção, armazenagem ou apresentação. Este conceito, ainda segundo Paul (2002), não
descreve uma forma estética específica, mas considera para a produção artística a participação
de processos de comunicação na criação.
Essas contextualizações e relações pesquisadas inserem questões importantes para
uma discussão do sistema tradicional de arte, como a temporalidade, os desdobramentos da
linguagem, a ampliação de limites internos e externos à obra, entre outros fatores que foram
observados na continuidade do presente estudo.
4 Integração de sistemas independentes ou de grupos diversos, abrangendo dispositivos, regras e/ou convenções
pelos quais um componente de um sistema ou grupo se comunica com outro. É o meio que promove a conversação entre a máquina e o operador. (KURY, Adriano Gama. Minidicionário Gama Kury da língua
portuguesa. São Paulo: FTD, 2002) 5 Multimídia: que utiliza mais de um meio de comunicação.
6 Hipermídia: é a reunião de várias mídias num suporte computacional, suportado por sistemas eletrônicos de
comunicação.
8
2.2 VERTENTES DA CRIAÇÃO DIGITAL
Segundo Paul (2002), a base para as criações em arte digital teve influência de
movimentos de vanguarda do século XIX, como a Arte Conceitual e de ações artísticas como
Fluxus e Arte Postal.
A presente pesquisa trabalhou um recorte na amplitude de cada movimento, para
buscar características que possam vir a fazer um vínculo histórico-artístico com as
propriedades de obras de arte digital e viabilizem compreender as relações que envolvem
público e obra, sobretudo nas instalações interativas.
A Arte Postal, segundo Arantes (2005) tem sido considerada uma precursora dos
trabalhos em rede, antes do advento da internet7. A preocupação dos artistas era democratizar
e tornar a arte acessível para o público; para isso foi usado o sistema de correio como meio de
romper com o circuito tradicional de arte. Pode-se observar nesse processo, que o uso da rede
de comunicação postal, o envio e recebimento, a troca de informações, sugerem que a ideia
central da obra estaria em primeiro plano no processo artístico e em segundo plano o elemento
físico da obra.
Em continuidade, o Fluxus foi um movimento internacional de vanguarda com
artistas, escritores, cineastas e músicos, que eram contra a ideia de arte como propriedade de
museus e colecionadores.
Esses artistas, que integravam o grupo Fluxus, buscavam conectar cotidianos,
eventos e arte; assim como na arte postal, cuja ideia central era tornar a arte mais acessível a
outras camadas da sociedade.
A ação participativa de pessoas nos eventos também era uma característica do
movimento. Segundo Rush (2006, p.19): “Os eventos do Fluxus tornaram-se as incorporações
perfeitas da máxima de Duchamp de que o espectador completa a obra de arte.”
A busca por novos paradigmas e o rompimento da ideia de um público observador
vem a propiciar – com a evolução acelerada das novas tecnologias – uma mudança
significativa no sistema artístico. A relação que ocorre entre público e obra torna-se mais
importante que o valor do objeto em si.
7 Internet: sistema de conexão de computadores, em rede mundial, que permite a transmissão de mensagens e ao
acesso de grande quantidade de informações.
9
Mais evidente se torna essa perspectiva ao se destacar alguns conceitos associados
por Wood (2002) à arte conceitual. Segundo esse autor, após a década de 1970, o termo era
correntemente usado para designar a multiplicidade de atividades que utilizavam a linguagem
conceitual seja por meio da fotografia, de performances, videotecnologia, instalações e de
processos como meios para a criação artística – atividades que parecem advir do movimento
Fluxus, assim como o termo.
Porém o primeiro a empregar, de fato, a expressão “arte conceito” foi o escritor e músico Henry Flynt, já em 1961, em meio às atividades associadas
ao grupo Fluxus de Novar York. Em um ensaio posterior, publicado na
Anthology do Fluxus (1963), Flynt escreveu que “arte conceito” é acima de tudo uma arte na qual o material são os conceitos, argumentando em seguida
que, “uma vez que os conceitos são estritamente vinculados à linguagem, a
arte conceitual é um tipo de arte na qual o material é a linguagem. (WOOD, 2002, p. 8, grifo do autor)
Salles (2006), ao comentar sobre a manipulação da matéria-prima no processo de
criação pessoal, insere o artista digital como um agente da rede criativa que necessita de
domínio técnico ou de parceiros para construir sua obra. Essa autora afirma que cada
manuseio da matéria estabelece relações com a história da arte, a ciência e a cultura de
maneira generalizada e remete aos jogos interativos, onde o artista e a obra absorvem o que os
envolve e direcionam opções de escolha.
Em hipótese, a informação que transita na comunicação da obra com o espectador
tende a ser o foco principal das criações artísticas, assim como a efetivação da produção tende
a ser formada por uma rede de profissionais em diferentes áreas.
Plaza (1998) sugere uma ampliação das capacidades cognitivas do criador, pois os
processos criativos diante das novas tecnologias impõem regras tecnocientíficas ao artista.
Assim, a prática artística passa a necessitar do trabalho em equipe. O autor reconhece que esse
ato criador evidencia uma amplitude nos limites da criação. Sendo que os possíveis resultados
tendem a se tornar produtos artísticos derivados de uma infraestrutura tecnológica, com
característica comunicacional de fácil adaptação a outros meios. Em hipótese, a obra poderá
ser não apenas uma rede, mas circular por outras fontes de comunicação com o público.
Cauquelin (2005, p. 59) refere-se à rede de comunicação como um sistema
multipolar: “Os diversos canais tecnológicos encontram-se ligados entre si: telefonia,
audiovisual ou informática e inteligência artificial. Entrar em uma rede significa ter acesso a
todos os pontos do conjunto, a conexão operando à maneira das sinapses no sistema neural.”
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Como consequência dessa conexão em rede, essa autora sugere uma comunicação
produzida a partir do global, onde não há um ponto de origem da informação e sim um
ambiente de interatividade.
É o que se designa também como interatividade (noção que sugere uma ação
cuja finalidade é conectar dois “sujeitos” em um dialógo supostamente
enriquecedor, geralmente bem vista como um aspecto favorável da comunicação, numa interpretação psicológica e socializante da rede). Um
exemplo: as informações das quais as diferentes mídias (imprensa e
televisão) nos fazem beneficiários não têm “autor”. Elas provém de redes
interconectadas que se auto-organizam, repercutindo umas nas outras. (CAUQUELIN, 2006, p. 60, grifo do autor)
A partir desta definição, o estudo observará o espectador como um agente que
interage no ambiente da obra e repercute na comunicação desse sistema artístico. Seu limiar
de ação, definido pelos aspectos da criação digital, transfere a ideia de espectador
participativo para interator.
Sob essas perspectivas optou-se por ajustar nesta pesquisa o uso do termo interator
para definir o público instigado pelo ambiente da obra e que reage a comunicação
multissensorial instalada no ambiente da criação.
2.3 TRAMA INTERATIVA
Para que as questões de interatividade não se situem em informações empíricas de
arte contemporânea convém contextualizar o termo e conceituar seu uso no decorrer da
história. De acordo com um entendimento literal, o termo interação se refere a uma ação
recíproca que se estabelece entre duas ou mais coisas.
Ao aproximar tal definição com uma ação homem-máquina, no uso de novas
tecnologias, em hipótese, pode-se dizer que interatividade é uma faculdade de troca
comunicacional entre um usuário e um sistema informático.
Conforme Plaza (2003), o conceito de interatividade foi viabilizado
tecnologicamente por Ivan Sutherland8 e viria a tomar forma cultural mais definitiva com a
criação das artes da telepresença e das redes telemáticas, na década de 1980.
8 Foi o criador de um programa de computador chamado Sketchpad. Foi o primeiro programa que permitiu a
criação de imagens gráficas diretamente em uma tela ao invés de digitar códigos e fórmulas para o computador
através de um teclado. Sketchpad forneceu a base para o que viria a ser a interface gráfica do usuário. (MIT –
Massachusetts Institute of Technology. Ivan Sutherland. Disponível em http://web.mit.edu/invent/iow/
sutherland.html. Acesso em: 30 nov. 2011)
11
A série Quadros Telefônicos datada de 1924 do artista László Moholy-Nagy inaugura
de forma pioneira o universo da interatividade, conforme justificativa defendida por Plaza
(2003).
Essa série artística foi confeccionada a partir de solicitações do artista via telefone
para uma empresa que pintou três quadros, conforme suas especificações (ver fig. 3).
Figura 3. Construção em esmalte II ou EM2. Série Quadros Telefônicos. László Moholy-Nagy. 1922. MOMA, New York.
Fonte: http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=78747
Ao refletir a realidade contemporânea, Cauquelin (2005) reintera a necessidade do
artista em produzir na mesma velocidade da estrutura do sistema de comunicação. Segundo a
autora, tal fator insere na criação artística a proximidade de outros setores sociais e desaloja a
preocupação da qualidade estética ou formal no produto final da criação artística.
Em suas devidas proporções comunicacionais, o processo idealizado por Moholy-
Nagy apresenta uma característica que se tornará comum na arte contemporânea: a produção
final é delegada a outros agentes da rede criativa e as características formais tendem a ficar
em segundo plano na criação da obra, conforme análise de Plaza:
Os artistas tecnológicos estão mais interessados nos processos de criação
artística e exploração estética do que na produção de obras acabadas. Eles se interessam pela realização de obras inovadoras e abertas, onde a percepção,
as dimensões temporais e espaciais representam um papel decisivo na
maioria das produções da arte com tecnologia. (PLAZA, 2003, p. 17)
12
Salles (2006) sugere observar a tendência nas criações artísticas a partir da análise
entre as relações de transformação envolvidas no processo criativo e no ambiente social. Cita
no decorrer da arte os elementos que são criados, alterados, convertidos e transpostos em
outra forma pela ação do artista e as condições sociais que permitem a autonomia e as
inovações do pensamento.
Diante dessa tendência artística no uso das novas tecnologias, pode-se observar no
processo de criação, conforme Salles (2006) que a interatividade mantém as redes em
contínua expansão e o fluxo de informação que percorre na trama criativa se concretiza por
meio de novas ideias e possibilidades.
Para uma melhor analogia à interação que ocorre no processo criativo e na obra
instalada, a pesquisa observará o esquema apresentado por Plaza (1998). Para o autor, o
sistema interativo age em forma de carrossel. (ver fig. 4).
Figura 4. A interface homem/máquina no processo da interatividade. Fonte: PLAZA, 1998, p. 106.
Os atos enviados pelo interator são codificados pelo programa estabelecido na obra,
que age como um alimentar da percepção criativa, e retorna com novos estímulos ao interator.
Esse retorno ao interator possibilita novos acessos à obra sob diferentes pontos de vista. Em
hipótese a obra se comunica como uma rede que pode ser interpelada em novos pontos: “O
produto gerado, estando armazenado na memória do computador, pode ser rápido e
facilmente manipulado, transformado e renovado mediante um diálogo sensível e lúdico entre
a máquina e aquele que a inventa.” (PLAZA, 1998, p. 104)
13
Diante desse um diálogo entre os agentes da trama, as trocas relacionais se tornam
imediatas e o processo apresenta um caráter de construção simultânea. Fator que visa ampliar
os caminhos da criação artística, pois denota um novo sistema de comunicação no ambiente
artístico.
Este conjunto se apresenta como o centro gerenciador e coordenador das informações (imagens, sons, textos, etc.), que são percebidas de modo
multisensorial pelo receptor. Ao se incorporar no contexto do sistema, o
usuário interage com este intuitivamente e, assim, novas associações, novas descobertas decorrem deste processo. (PLAZA, 1998, p. 105)
Supostamente nessa rede artística as novas tecnologias surgem como uma abertura
no âmbito da criação, que empodera o artista para gerir novos limites na relação do público
com a obra.
As várias formas de interação se consolidam em um ambiente de rede com níveis de
fluxo de informação, em hipótese, quanto maior o número de canais de contato com a obra,
mais envolvido estará o interator ao tema, e a sua experiência completa-se mediante o evento
que se situa num ambiente imersivo.
2.4 RELAÇÕES DO EVENTO INTERATIVO
As novas posturas permitidas ao público no decorrer da evolução sócio-tecnológica
inserem à criação artística preocupações com a posição desse interator. Seus outros sentidos
além da visão tendem a ser incorporados à experiência da obra. Na história da arte pode-se
observar melhor essa questão, por exemplo, nas produções artísticas experimentais do grupo
Fluxus. O grupo buscava inserir o deslocamento corporal do espectador em relação ao espaço
físico em que a obra se apresenta.
A obra desmaterializa-se e a atividade criativa, de forma geral, torna-se pluridis-ciplinar. Nos ambientes, é o corpo do espectador e não somente seu
olhar que se inscreve na obra. Na instalação, não é importante o objeto
artístico clássico, fechado em si mesmo, mas a confrontação dramática do
ambiente com o espectador. (PLAZA, 2003, p.14)
14
Essa absorção do interator sugere a ideia de instalação no ambiente da produção
artística e se integra ao processo do artista como mais um agente de sua poética. Conforme
argumentação de Arantes, observa-se que:
O conceito de instalação, gerado principalmente no contexto experimental da
década de 1960, coloca de forma evidente essa questão. Nada aqui existe
para ser contemplado no sentido tradicional da manifestação artística, já que o corpo do público é chamado a instalar-se na obra. Segundo esse conceito,
só podemos chamar de “obra” a totalidade resultante da relação entre a coisa
instalada, o espaço constituído por sua instalação e o próprio espectador, que
não se encontra fisicamente fora da obra, a contemplá-la como realidade exterior, mas ao contrário, a “habita”. ARANTES (2005, p.118, grifo do
autor)
Em transposição desse fator ao ambiente digital e segundo Arantes (2005), os sinais
enviados pelo corpo do interator podem ser direcionados ao sistema eletrônico, interface da
obra que retorna mediante a opção enviada. Como um motor, o corpo torna a obra presente.
Ao constatar que os artistas nesse ambiente tendem a solicitar a participação do
corpo inteiro do espectador, Couchot, classifica essa forma de interação como exógena9, pois
necessita da ação guiada pela percepção, pela corporeidade e pelos processos sensório-
motores do interator, elementos que desencadeiam ao evento da obra a partir das relações
exteriores da criação. Ainda o autor reconhece que nessa trama a arte abandona a ideia de
negação do corpo, sugerindo uma hibridização no processo artístico (DOMINGUES, 2003).
Ao reafirmar essa hibridização, Domingues (2003) relaciona as conexões
tecnológicas que provocam os comportamentos corporais e os níveis de comunicação que
surgem dessas zonas artificiais, naturais e virtuais. Para a autora a base conceitual e as
investigações nesse tipo de produção artística terão como resultantes os eventos
comunicacionais, onde o humano interage com uma máquina e recebe respostas em tempo
real a sua ação, num fluxo que poderá processar novas sínteses sensoriais.
Contudo, Domingues (2003, p. 98) reconhece que: “Na arte interativa, o
desenvolvimento tecnológico interessa aos artistas na medida em que suas descobertas
alteram o campo de percepção”.
Para Rush (2006), o artista digital vai além de alterar o campo da percepção, pois a
tecnologia digital permite aos artistas criar narrativas fictícias que imergem o interator em
percepções propositais.
9 Exógeno: Que se forma no exterior, na superfície.
15
Em metáfora, como um jogo de videogame, essas narrativas sugerem uma história,
que pode se estender ou abrir novas possibilidades conforme a interação que ocorre nas fases
da própria história. Diante da programação e do desenho dessa narrativa, em nível avançado, a
interface da obra pode absorver o interator e conduzi-lo para navegar nas diversas portas
disponíveis na rede da obra.
Em hipótese, há alterações propositais no campo perceptivo, o interator tende a ser
direcionado e instigado pela comunicação do sistema, sua imersão amplia-se a cada
movimento e a percepção da obra tende a uma proposição estética de caráter eventual.
Para uma melhor compreensão da interação como evento estético, a pesquisa
exemplifica a ideia segundo Manovich (2007, p. 5):
Como uma peça tradicional de teatro, essas sequências se desdobram no tempo. Vários efeitos sensoriais jogam um com outro, e é seu contraste e as
diferenças entre os sentidos a que são dirigidos – toque, visão audição – que
juntos se somam a uma dramática experiência complexa.
O autor argumenta sobre a sedução estética que esse evento desperta no interator.
Exemplifica, ao citar a interação entre usuário e os aparelhos de celular. O produto, conforme
Manovich, apresenta uma interface amigável, de aparência agradável, divertida e voltada para
a satisfação pessoal do interator. Uma absorção instigada por uma narrativa multisensorial que
domina os sentidos humanos: visão, audição e tato.
Mais além, Manovich (2007), relaciona a interatividade com o consumo e afirma que
as interfaces se apresentam como um jogo de sedução, que solicita os recursos emocionais,
perceptuais e cognitivos do interator para resultar num evento estético operacional.
Diante das abordagens sobre interatividade, pode-se reconhecer que uma obra de arte
interativa se torna um espaço latente e suscetível dos prolongamentos sonoros, visuais e
textuais. Seu espaço físico poderá se modificar em tempo real com a resposta dos interatores.
A variedade de acontecimentos que podem ocorrer nesses sistemas tende a ser esperado, pois
o fluxo de informações do processo é previamente desenhado. Contudo, a experiência do
interator com uma obra interativa necessita do tempo, em parte, uma condição subjetiva ao
próprio desdobrar das sequências permitidas pelo agente totalizador da criação artística.
A partir das relações sobre interatividade e de arte digital foi necessário inserir na
presente pesquisa, reflexões a respeito do fator temporal. Elemento que permite a realização
da rede comunicacional entre a produção artística e o público.
16
Kraus (1998) reflete sobre os argumentos estéticos de Gotthold Lessing –
Laocoonte10
- e sua crítica normativa que questiona a diferença entre um acontecimento
temporal e um objeto estático, assim como o resultante que terá um significado para as formas
de arte relacionadas com as criações. A autora, ao evidenciar que cada artista cria sua obra,
com condições temporais diferentes e ao buscar significações em cada sujeito que se relaciona
com a criação, recorre às advertências de Lessing:
Todos os corpos, entretanto, existem não apenas no espaço, mas também no
tempo. Eles continuam e podem assumir, a qualquer momento de sua continuidade, um aspecto diferente e colocar-se em relações diferentes. Cada
um desses aspectos e agrupamentos momentâneos terá sido o resultado de
um anterior e poderá vir a ser a causa de um seguinte, constituindo, portanto,
o centro de uma ação presente. (KRAUS, 1998, p. 5)
Assim, a autora, insere na criação artística a ideia de tempo indissociado do espaço.
Evento que caracteriza uma implícita experiência temporal, onde a obra se situa entre o
movimento e o repouso, a passagem de tempo e o tempo capturado.
Para Manovich (2007), a interatividade apresenta um tempo sequencial que se
desdobra como uma peça de teatro. Em um constante jogo sensorial, os efeitos se contrapõem
e dirigem os sentidos para uma experiência temporal. Em analogia ao ator de teatro, o
interator se situa no palco, seus movimentos e sua experiência estética são esperados/
preparados pela interface para completar a sequência narrativa.
A respeito das considerações sobre o fator tempo, pode-se reconhecer de maneira
simplificada que a experimentação junto à obra depende exclusivamente do envolvimento
com o interator. Em paralelo com as argumentações de Manovich, esse fluxo de informação
parte da obra em direção ao público, com a intenção de absorver sua percepção e instigá-lo a
entrar no ambiente do evento.
Em reflexão a percepção do indivíduo, seja ele o artista ou o público, Salles (2004)
sugere que as pessoas são receptivas a partir de algo que já exista nelas. Lembranças e
memórias tendem a se manifestar diante da obra de arte e suas ações podem realizar o
processo interativo.
Em hipótese a obra pode se tornar transitória e o tempo destinado a experiência
artística poderá ser passageiro.
10 Nova York: Noonday, 1957
17
Ao se referir às artes do final do século XX, Rush (2006, p.6) afirma que:
“Atualmente, a arte interativa proporciona e requer uma suspensão do tempo, enquanto o
observador celebra um contato com a máquina que inicia e sustenta a criação artística”.
Como um paradoxo, a tecnologia implícita na obra descontinua o tempo ao instigar o
interator para sua compreensão e a interatividade preserva-se com o tempo oferecido pelo
interator. Um paradoxo que permite ao próprio autor reconhecer que a arte tecnológica tende a
ser a mais efêmera de todas as artes.
18
3 METODOLOGIA
A metodologia da presente pesquisa, leva em consideração conceitos defendidos por
Rey (2002) que considera a produção artística como elemento propositor de questionamentos
subjetivos e reflexões sobre aspectos da própria arte e cultura.
Este estudo considera a obra artística como uma rede. Seus vários pontos interligados
não estão limitados a repetições de regras ou técnicas, mas a possibilidades de acesso por
meio da subjetividade, da percepção e do conhecimento. Mediante a amplitude das redes, a
pesquisa buscou traçar um paralelo entre contexto histórico e produção artística.
A investigação sobre conceitos e contextos visa, segundo Rey, esclarecer questões
que não ficaram visíveis na própria obra: “Se quiséssemos dizer de uma maneira muito
simples, a dimensão teórica implica que a obra possui um sentido além do que vemos” (2002,
p. 129, grifo do autor).
Em se tratando de arte contemporânea, observa a mesma autora que a pesquisa
poderá encontrar no decorrer de sua investigação proposições particulares do artista,
questionamentos inseridos pela linguagem utilizada e conceitos. Elementos que podem
esclarecer ou discutir questões de ordem cultural, artística e técnica (REY 2002).
Assim, a presente pesquisa foi proposta como uma rede interligada de informações,
que reflete uma condição limiar do público e os processos para a criação digital.
Como ponto de partida para a investigação acadêmica, os autores Bogdan e Biklen
(1994) sugerem para fonte direta o próprio ambiente em que está inserido o objeto de estudo.
Apesar da impossibilidade temporal da exposição, a obra em questão e o tema se enquadram
nas particularidades da arte digital, passíveis de armazenagem em banco de dados virtual.
Assim, optou-se em recorrer aos registros virtuais do instituto laboratorial que possibilitou a
produção da obra – ITAULAB, no projeto Arte na Escola que documentou a primeira edição
da Bienal de Arte e Tecnologia [emoção art.ficial] e em vídeos gravados, disponíveis na rede
internacional de computadores.
Cabe ressaltar que no decorrer da pesquisa, novos projetos do ITAULAB permitiram
a disponibilização das informações sobre artista, obra e processo no endereço virtual11
criado
pelo instituto. Essa captação de dados vem ampliar o conhecimento sobre o processo de
criação da artista e as relações interativas do evento artístico.
11 www.itaucultural.org.br/ocupacao
19
De acordo com Silva (2001), a pesquisa pode ser identificada também como um
sistema de comunicação formal, visível e representado por meio de dados obtidos durante o
processo de investigação.
Em paralelo às relações de rede e fluxo de comunicação da obra interativa, a
pesquisa busca agir como um canal que apresentará informações, questionamentos e
priorizará hipóteses a esse novo sistema criador.
O suporte técnico da pesquisa teve como aporte teórico livros e artigos, que
entrelaçaram conceitos, indagações e pensamentos. Foram abordados os seguintes autores
para o embasamento teórico dos conteúdos: arte digital (RUSH, 2006; PAUL, 2002),
interatividade (PLAZA, 2003; MANOVICH, 2007; DOMINGUES 1997, 2003), arte
contemporânea (CAUQUELIN, 2005) e processo de criação (SALLES 2004, 2006).
Diante do tema abordado e de sua contemporaneidade, documentos, artigos e vídeos
acessados na rede internacional de computadores permitiram maior abrangência para o
desenvolvimento da pesquisa.
Com a intenção de relacionar teorias e dar continuidade à investigação acadêmica, a
pesquisa tem em sua sequência o estudo de caso, enfocando obra, artista e processos.
20
4 ESTUDO DE CASO: RECORTE ARTISTA E OBRA
4.1 DESCENDO A ESCADA: OUTROS LIMITES PARA OBSERVADORES
Neste estudo de caso optou-se por analisar uma das obras produzidas por Regina
Silveira, tendo em vista os usos das técnicas e das novas tecnologias presentes no
desenvolvimento da extensa obra da artista. Esta pesquisa procurou identificar elementos,
imagens e artistas que influenciaram a criação interativa digital da artista brasileira.
Num dos recortes para selecionar exemplos da produção compatíveis com os objetos
desta pesquisa, optou-se por investigar alguns aspectos técnicos e tecnológicos, tendo como
base uma criação da artista já consagrada pelo sistema de arte. Assim, um convite
institucional a artista Regina Silveira e a viabilização da produção de sua obra em ambiente
interativo digital possibilitaram que a obra, “Descendo a Escada”, estivesse presente na
primeira edição da Bienal de Arte e Tecnologia [emoção art.ficial], que ocorreu no Instituto
Itaú Cultural, na cidade de São Paulo em 2002.
Por outro lado, SALLES (2004, p. 38) afirma a pertinência da produção artística em
seu contexto social: “O artista não é, sob esse ponto de vista um ser isolado, mas alguém
inserido e afetado pelo seu tempo e seus contemporâneos.” Esta perspectiva vem de encontro
com o convite feito à artista pelo laboratório de mídias interativas do Itaú Cultural - Itaulab,
que viabilizou a produção de sua obra em ambiente capacitado tecnologicamente.
Como gênese do processo de criação, a artista parte da obra “Escada Inexplicável II”,
1997, (ver fig. 5 e 6) um desenho-instalação criado para a exposição Por que Duchamp?
realizada no Paço das Artes em São Paulo, 1999.
Esta obra da artista brasileira é produzida a partir de pintura sobre recorte de
poliestireno. Utilizando um triedro, formado por duas paredes e um piso a obra representa
uma escadaria. Questões de perspectiva e profundidade são apresentadas ao público mediante
seu posicionamento diante da obra. A interpretação do espectador está relacionada ao ângulo
de observação. Como elementos primordiais do trabalho da artista, as relações entre
arquitetura, perspectiva e geometria são exploradas nessa criação artística. E mesmo estática a
obra poderá transmitir a idéia de movimento, pois a imagem geometrizada da escada tende a
sugerir uma história com um fim.
21
Figura 5 – esboços da obra Escada Inexplicável II (1999).
Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/
Figura 6 – Escada Inexplicável II, 1997. Pintura sobre recorte de poliestireno. Acervo da artista.
Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/
22
Talvez a variação de leitura que a obra estática proporciona, tenha sido um ponto de
partida para que a artista Regina Silveira viesse a traçar um novo planejamento criativo. E
mediante o convite, viabiliza-se a construção da obra digital interativa “Descendo a Escada”
(ver fig. 7).
Figura 7 – Descendo a escada, 2002. Acervo: Instituto Itaú Cultural
Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/
Esta nova versão é uma projeção em linhas brancas sobre um ambiente escuro,
formado pelo triedro da parede e do piso. Uma instalação que instiga o espectador a entrar no
espaço e interagir com a obra. Diante do conjunto: obra-espectador, a imagem projetada inicia
uma animação acompanhada do som de outros possíveis interatores, vindo a sugerir uma
descida vertiginosa em direção ao canto do ambiente.
Em entrevista ao Instituto Arte na Escola (2005), a artista revela ter realizado uma
transcrição, uma transposição de sua obra “Escada Inexplicável” para uma vertiginosa versão
em realidade virtual. Regina afirmar que seu trabalho resultante tem o título: “Descendo a
escada”, em referência ao quadro de Duchamp Nude descending a staircase, 1912 (ver fig. 8).
23
Figura 8 – Óleo sob tela. Nude descending a staircase. Marcel Duchamp. 1912
Fonte: http://www.philamuseum.org/collections/permanent/51449.html?mulR=25927|3
Para uma melhor compreender a influência de Duchamp na obra da artista Regina
Silveira, convém observar o ponto de vista de Caquelin (2005) sobre o sistema de arte
contemporâneo. A autora reconhece que a arte contemporânea pertence ao regime da
comunicação e assim, sugere que Duchamp foi um embreante12
nesse novo regime.
12 Caquelin designa o termo embreante como unidades de dupla função e duplo regime, que remete ao enunciado
(a mensagem, recebida no presente) e ao enunciador que a anunciou (anteriormente). CAUQUELIN, Anne. Arte
Contemporânea: uma introdução [tradutora Rejane Janowitzer]. São Paulo: Martins, 2005
24
Para a mesma autora Duchamp influenciou a arte contemporânea, não pelo conteúdo
estético de sua obra, mas pela postura com que relacionava seu trabalho artístico com o
regime da arte. Suas proposições de ruptura com o moderno e as vanguardas; as distinções
entre estética e arte; a inserção de um novo percurso da obra até o consumidor e a integração
da arte com outras atividades. (CAUQUELIN, 2005)
Ainda, Cauquelin (2005) reconhece que esse modelo transformador de Duchamp,
colocou sua obra como análise desse sistema de arte. Fator que permitiu observar a
convergência processo criativo e da comunicação para a obra de arte. Uma articulação que se
surgiu das proposições de Duchamp e hoje permeia a produção de arte contemporânea.
Em contra partida e diante das questões conceituais de movimento na obra em
análise: Descendo a escada (2002). Rush afirma a importância da obra de Duchamp ao
relacionar seu trabalho com um propósito investigativo sobre o movimento e seus
desdobramentos temporais, também considera o quadro Nude descending a staircase, como
um dos princípios das pesquisas sobre o cinema:
Marcel Duchamp, abstraiu vários estudos de Muybridge para em suas
próprias investigações de tempo e da quarta dimensão. Na obra Nude descending a staircase, Nº 2, 1912 (Nu descendo uma escadaria), por
exemplo, o autor sugere que o estudo Ascending and Descending Stairs
(Subindo e descendo uma escada) da série Animal Locomotion (locomoção
animal), 1884-85 de Muybridge inspirou a obra de Duchamp. (2006, p. 9)
Com essas imagens, pode-se reconhecer uma rede que interliga artistas e criações.
Em uma analogia ao conceito de SALLES (2004) sobre criação artística, nota-se que o
percurso criativo quando observado sob o ponto de vista de sua continuidade coloca os gestos
criadores em uma cadeia de relações com operações ligadas.
25
Figura 9 - Ascending and Descending Stairs. Muybridge. 1884-85
Fonte: RUSH, Michael. Novas Mídias na Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 10
Em hipótese, pode-se reconhecer que Duchamp ao desenvolver sua obra, sofreu
influência ao observar o trabalho de Muybridge, comparativamente ao processo de criação de
Regina Silveira, diante da obra do próprio Duchamp.
Para melhor compreender a intensidade que uma imagem pode afetar um processo
criativo, SALLES (2004) afirma que o artista tem sido profundamente afetado por imagens,
que agem como sensações, por vezes acessadas quando solicitadas durante o ato criador. Esse
contato visual, conforme a mesma autora insere essas imagens à rede criativa do artista,
podendo propiciar: futuras criações artísticas, pontos determinantes para outros rumos ou
auxiliar nas soluções de obras em processo criativo.
Na pesquisa pelo processo criativo da artista Regina Silveira, pode-se refletir sobre o
grau de influência que as imagens das obras de Duchamp e Muybridge, tiveram á criação das
obras “Escada Inexplicável II” e “Descendo a escada”.
As imagens geradoras que fazem parte do percurso criador funcionam, na verdade, como sensações alimentadoras da trajetória, pois são responsáveis
pela manutenção do andamento do processo e, consequentemente, pelo
crescimento da obra. O artista mantém-se, ao longo do percurso, ligado de
forma sensível ao mundo ao seu redor. (SALLES, 2004, p. 57)
26
Em meio a esse desvendar da gênese criativa, com imagens e relatos da artista
brasileira Regina Silveira, esta pesquisa busca abranger detalhes conceituais da obra e
identificar mais elementos dessa trama criativa. Contudo, convém rememorar que esse fator
de criação em desdobramento tendo como base obras de outros artistas consagrados, surtir
grande efeito principalmente em ambientes laboratoriais de integração entre o artista e outros
técnicos.
Em processo, ao investigar o processo de criação e mediante o vasto currículo da
artista, nota-se que em seu planejamento artístico, existe um grande interesse pelo espaço
arquitetônico. Em “Descendo a Escada”, Regina Silveira projeta uma adaptação que busca
situar a obra num espaço de caráter imersivo.
A artista busca explorar espaços vertiginosos construídos por procedimentos de
distorção da perspectiva. Na configuração desses ambientes distorcidos e virtualmente
profundos, o conceito da obra tende a provocar uma suposição da existência de possíveis
abismos, abaixo do chão. A escada pode ser experimentada como uma vertigem do olhar, tal
efeito é sugerido pela descida virtual a patamares inferiores, representados pela perspectiva.
Como elemento primordial na obra da artista, a perspectiva foi analisada na obra
“Escada Inexplicável II” e recriada especificamente para a obra “Descendo a escada”,
conforme relata Marcos Cuzziol – gerente de software da obra - ao ter acesso aos estudos que
deram origem às obras:
A foto da escadaria no centro do papel, os traços que se encontravam em
diversos pontos de fuga, a dinâmica de suas posições relativas, a projeção da
imagem nos três planos a partir de um ponto de vista preestabelecido, enfim, todas as etapas constituíam um processo único de recriação matemática de
perspectiva. Obviamente, aquela não era a perspectiva que eu já conhecia de
ambientes virtuais em 3D, ela mesma uma simplificação matemática das propriedades de projeção da luz. Tratava-se de uma perspectiva nova, com
regras igualmente precisas, suficientemente familiar para que a imagem final
fosse compreendida, mas diferente a ponto de estimular novos olhares para
objetos conhecidos. Em Descendo a Escada, foi preciso recriar virtualmente a perspectiva única de Regina – e fazê-lo vinte vezes por segundo – para
todo o percurso de descida. (ITAU CULTURAL. Regina Silveira.
Disponível em http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/. Acesso em: 14 set. 2012.)
Ao observar as questões de planejamento e programação para a construção da obra, a
pesquisa reafirma as relações híbridas que são necessárias para originar obras de arte
interativa digital.
27
Dentre as relações do processo criativo, a pretensão em absorver o interator por meio
de jogos sensoriais ou narrativas se apresenta como outro fator característico na obra em
análise. Pode-se identificar essa questão como um axioma da interatividade. No caso, a artista
relata o uso de uma trilha sonora, para completar a imersão.
A escada desce quatro andares em direção a uma sala escura e ao alcançar essa sala escura, a escada volta em movimento rápido ao primeiro patamar,
essa descida é acompanhada de uma trilha sonora de passos de supostos
outros participantes que descem a escada, invisíveis, mas em outros patamares. (BIAZUS, 2005)
Como já observado na conceituação de Manovich (2007), a realização da obra por
meio do jogo sensorial – onde os efeitos se contrapõem e dirigem os sentidos – situa o
acontecimento no campo do evento estético. Nesse caso, o conjunto da obra instiga o interator
a explorar e desvendar a criação. Em entrevista, a artista Regina Silveira comenta:
Ela é realmente uma escada que só desce, então ao chegar nesse lugar fundo,
ela volta subitamente. Ela é um pouco como a vida e aquele lugar lá embaixo
é o final, então esse descer e subir, constantemente faz dela esse objeto de perplexidade. (BIAZUS,2005)
Tavares (2007) – a respeito dos agentes que compõem o sistema de arte digital
(artista, público e obra) – afirma que a fluidez desses sistemas permite fácil acesso e alcance a
qualquer público. O caráter recreativo ou de jogo surge por meio das decisões do interator,
que por gestos ou movimentos validam a intenção da poética do artista.
De maneira metafórica as afirmações dessa autora, na obra de Regina Silveira, o
movimento do interator inicia o evento da obra proporcionado pelo processo de descida dos
degraus. Esta forma de interação simplificada, baseada na dimensão sensório-motora, não
requer conhecimento prévio dos conceitos e teorias que envolvem o universo artístico.
Em hipótese, os pontos de acesso à obra da artista não dependem do nível de
conhecimento do interator e sim de sua disponibilidade temporal para realizar o processo
criativo.
28
4.2 NOVAS ESTRUTURAS Á CRIAÇÃO
Nesta fase, a pesquisa considera que produtos da arte interativa digital se
desenvolvem em ambiente interdisciplinar de pesquisa e vêm a apresentar uma estrutura
criativa baseada no formato de rede. Assim, para melhor compreender a estrutura da obra da
artista brasileira Regina Silveira, o estudo tomará como base o “modus-operandi”13
que
Milton Sogabe (2011) utiliza para investigar os elementos físicos no ambiente da obra:
espaço, público, interfaces, gerenciador digital e dispositivos. O autor também relaciona
elementos que compõem o processo no tempo de realização da instalação: evento e interação.
Em hipótese, ao reconhecer cada elemento, a obra se torna uma rede onde cada ponto
pesquisado permeia um ambiente plural, vindo a ampliar os canais de comunicação e o acesso
aos vários níveis sociais.
4.2.1 Espaço
Segundo SOGABE (2011, p. 4150), “(...) a questão do espaço é importante na
instalação, a forma como ele é pensado, está condicionada mais ao conceito do que
propriamente às necessidades técnicas”.
Com base na caracterização do autor, em “Descendo a escada”, observa-se que o
espaço físico encontra-se aberto, escuro, onde a projeção interativa incide sobre um triedro
espacial formado pelo chão e o ângulo de duas paredes verticais. Segundo SOGABE (2011),
considera-se espaço aberto, quando não há um corredor que prepara o interator para o contato
com a obra. No caso, a obra se apresenta aberta, porém a real imersão do interator somente
ocorre se ele estiver no espaço delimitado pelo triedro.
Contudo, em se tratando de uma transposição estática, da obra “Escada Inexplicável
II” para a obra interativa “Descendo a escada”, pode-se observar nas relações conceituais da
instalação a proposição da artista em causar perplexidade e correlacionar questões de destino
e vida. Em analogia às soluções de organização espacial de Sogabe (2011), a junção das
paredes com o chão propicia um vértice que vem a auxiliar na realização dos conceitos
propostos pela artista ao interator (ver fig. 10).
13 Modus operandi é uma expressão em latim que significa "modo de operação". Utilizada para designar uma
maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. (KURY, Adriano
Gama. Minidicionário Gama Kury da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2002)
29
Figura 10 – Descendo a escada, 2002. Acervo: Instituto Itaú Cultural
Fonte: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/
4.2.2 Evento
Como segundo elemento de análise, SOGABE (2011) reconhece o evento como
sendo o que ocorre no espaço da instalação. O autor considera alguma imagem, som, objeto e
inclusive o próprio espaço vazio, como fatores que podem incitar a interação.
Em “Descendo a escada”, Regina Silveira realiza uma projeção em linhas brancas, da
imagem de uma escada. A presença do interator no espaço aciona a animação que inicia o
passar dos degraus.
Conforme SOGABE (2011) a obra ideal interativa é aquela que abrange a ação
coletiva ou individual. Os meios utilizados, para se chegar a tal amplitude, partem dos
recursos tecnológicos avançados ou então do uso criativo desses recursos. Assim, pode-se
notar que a obra de Regina Silveira alcança tal amplitude por meio de sua criatividade, pois a
ação em sua obra pode ser coletiva ou individual.
Ainda relembramos Manovich (2007) que sugere o nascer de uma nova estética com
o uso dessas ferramentas de informação. Uma estética proveniente dos efeitos visuais que
seduzem, absorvem e jogam com as sensações do interator. Em analogia, a obra pesquisada
imerge o interator numa ação correspondente ao som, à animação e à imagem.
30
4.2.3 Público
Processualmente ao estudo da estrutura na obra, observaremos o público conforme
SOGABE (2011, p. 4151): “A instalação interativa entende o público como um ser integral,
de corpo inteiro. Este aspecto é totalmente novo no contexto da arte, onde o público sempre
teve um status de receptor, dificilmente se confundindo com o autor.”
Esse fato pode ser claramente observado nas questões que envolvem a transposição
das obras. Em um primeiro momento a artista trata tecnicamente em sua criação das questões
de geometria e perspectiva. Na obra “Escada Inexplicável II” (ver fig. 6), a posição do
espectador diante da obra estática era fundamental para se entender as questões conceituais
que a artista trazia. O ângulo de visualização da obra trazia ao espectador a visível
constituição total da criação.
Em “Descendo a escada” (ver fig. 7), a artista insere o que Sogabe (2011) chama de
aspecto totalmente novo no contexto da arte e que vem sendo observado durante a pesquisa.
Os limites do espectador com a obra de arte avançam juntamente com as novas tecnologias.
Há um novo limiar que vem de encontro com a pesquisa na obra de Regina Silveira.
O espectador é parte integrante da obra, sua participação inicia o evento artístico e
pode-se considerar que a observação antes usada para entender a perspectiva aplicada pelo
adesivo na parede e no chão, agora foi incorporada ao evento, figurando uma ação que
completa a obra interativa digital.
4.2.4 Interatividade
Diante das informações pesquisadas sobre interatividade nos subcapítulos 2.3 e 2.4,
esse elemento da análise estrutural buscará compreender os níveis de comunicação entre obra
e público, assim como reconhecer o nível comunicacional na obra em estudo.
Plaza (2003) indica três graus de relacionamento entre público e obra. Esse autor
chama de “abertura de primeiro grau” a obra que permite a participação do público por meio
de sua interpretação. A “abertura de segundo grau” sugere uma arte participativa, onde o
espectador se vê induzido a manipular e explorar o objeto artístico. Como último grau de
relacionamento, o autor, reconhece a “abertura de terceiro grau” como sendo as obras criadas
em parceria com as novas tecnologias. Nesse grau, o público age em reciprocidade a um
sistema da obra, vindo a efetivar o evento artístico.
31
Sogabe (2011), vê na interação como elemento estrutural, um fator que deve
provocar e solicitar a ação do interator sem aviso prévio.
Assim, pode-se reconhecer que na obra “Descendo a escada” há diante da imagem
projetada uma perplexidade que instiga a necessidade de aproximação do interator. Essa
proximidade aciona a animação da obra que cumpre o papel de “abertura de terceiro grau”.
4.2.5 Interfaces
Essa análise, segundo Sogabe (2011, p. 4.153) irá compreender interface como: “(...)
um aparato físico que capta as ações do público na instalação, a parte sensível do sistema
tecnológico.” O autor observa que atualmente há um gama enorme de sensores disponíveis no
mercado. Produtos que podem captar variáveis do interator como o peso, a altura, a
temperatura, o batimento cardíaco, a pressão e convertê-las em informações para o ambiente
da obra. Diante da amplitude de possibilidades, em hipótese, observa-se que os artistas
poderão adaptar as interfaces para seus propósitos poéticos e criativos.
Na obra pesquisada, a interface de entrada é um sensor que acusa a presença de uma
pessoa dentro do espaço da instalação (ver fig. 11). Essa informação é repassada a um
software que retorna com uma interface de saída, no caso as imagens projetadas no triedro e o
sistema som.
Figura 11 – Descendo a escada, 2010. Instalação no metrô do Braz – São Paulo
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=sB7Q1IfugBU.
32
4.2.6 Gerenciamento Digital
Como integrante do processo criativo, a produção da obra abrange outros
profissionais de áreas distintas. Para que os aparatos cooperem entre si, há necessidade de um
gerenciamento digital. Sogabe (2011) reconhece essa necessidade estrutural e sintetiza este
elemento a um software armazenado em micro-controladores, que captam as informações da
interface de entrada e realizam a saída para os dispositivos.
Em analogia simplificada a definição de Sogabe (2011), o sensor de presença da obra
“Descendo a escada” capta a informação de presença, remete ao software que retorna na
forma das projeções que iniciam ou param a descida da escada e dos sons que acompanham o
evento artístico.
4.2.7 Dispositivos
Para identificar os dispositivos de uma instalação interativa digital, Milton Sogabe
(2011) reconhece como aparato tecnológico: projetor multimídia, sistema de áudio, motores,
etc. Equipamentos que materializam as fases propostas pela criação no processo da obra.
Na obra da artista brasileira, pode-se identificar um projetor multimídia, que viabiliza
as imagens interativas e um dispositivo sonoro que permitem ao interator ouvir passos
enquanto transita pela instalação artística. Dispositivos simplificados que diante do processo
criativo da artista proporcionaram uma experiência estética inovadora e tecnológica.
33
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da pesquisa efetuada, observou-se que a produção da obra artística com o uso
das novas tecnologias apresenta um processo de criação híbrido. A unicidade do autor é
abalada pela necessidade de parceria com profissionais de áreas distintas. Em contra partida,
esse desenvolvimento possibilita a convergência dos conhecimentos para a produção
idealizada. Uma troca que enriquece a rede criativa e viabiliza a construção interativa digital.
Esta abordagem permitiu reconhecer que a vertente da criação digital com maior
significação para processo criativo é o trabalho com conceitos. A arte conceitual pode ser
considerada uma vertente que desenvolveu proposições a partir de conceitos, também por
desvelar da gênese criativa, remetendo o passo inicial da criação aos ideais do artista.
Wood (2002), afirma que ao se usar uma forma conceitual em arte, o artista
previamente planeja e decide o processo da obra sem enfatizar a execução final. Em síntese, a
ideia/conceito seria o principal motor da obra e a execução se concentra apenas na finalização
do processo principal.
Essa possibilidade de compartilhamento do processo de criação, destinando a outros
integrantes a confecção de elementos da obra, enfatiza uma tendência artística com estrutura
de rede. Ainda, a pesquisa observou que os pontos dessa rede criativa são ocupados pelo
artista, programadores, engenheiros, técnicos, designers, etc. Suas relações comunicativas
permeiam o fluxo do processo criativo e estabelecem a tendência híbrida da criação.
Esta pesquisa buscou contextualizar e conceituar termos como interatividade,
instalação, arte digital, interator e rede. Contudo, os termos ou questões a respeito da trama da
pesquisa não buscaram conotação, com a o sistema de arte, e por isso cabe reinterar essa
questão com base na teoria de Cauquelin (2005) sobre arte atual.
A autora teoriza a respeito do que é atual, definindo como um conjunto de práticas
executadas e preocupadas em manter a tradição histórica da arte, a retomada de formas
artísticas já experimentadas e ao mesmo tempo estar presente nas redes, desprezando o
conteúdo formal. Cauquelin (2005) questiona nessa fórmula mista, o fato dos artistas desse
âmbito serem os novos portadores da mensagem da obra, fator que inquieta tanto críticos
quanto historiadores de arte. Em consonância com a mesma autora, esta pesquisa observou
que a arte digital se desenvolve em ambientes não formais de arte. Por exemplo, a obra da
artista Regina Silveira, foi viabilizada por um instituto fomentador da pesquisa em arte digital
e a exposição da obra esteve á margem do sistema artístico tradicional.
34
Esses novos meios de arte interativa digital tendem a ser um novo desafiador das
noções tradicionais da arte. Com características de multiplicação e modificação indefinidas, a
obra digital tende a ter possibilidades infinitas. Fatores que em hipótese, mantém a arte digital
inserida num sistema paralelo de arte. Fomentado segundo Cauquelin (2005), por meio de
indústrias, empresas de microeletrônica, produtores de filmes ou simplesmente pesquisadores
de tecnologia. Setores que tem interesse em descobrir novas possibilidades de mercado.
Observado durante a pesquisa os novos limites tornaram-se evidentes: o público, a
criação, o artista e a interação humana vêm a denotar novos paradigmas na arte e na
sociedade.
A interatividade explorada na arte aproxima conhecimentos e sugere novos ritmos.
Por outro lado, a interatividade também pode ser usada para simplificar o contato do público
com a arte. Assim, como pode ser direcionada para instigar a ação do corpo do interator e
cumprir o evento artístico. Ou ainda, sugerir um empoderamento ao interator no desvendar
das etapas do processo poético.
Assim como o processo da arte interativa digital insere novos limites e diante das
dificuldades em se encontrar referências relacionadas á arte e as novas tecnologias, a
metodologia utilizou o canal de comunicação da rede internacional de computadores, para
localizar pesquisas, artigos e detalhes da obra. Ainda, a pesquisa reconhece a necessidade de
outras contribuições nesse âmbito acadêmico, para quem sabe identificar novos pontos de
vista para a arte e a sociedade contemporânea.
Por fim, pode-se concluir que a pesquisa alcançou seus objetivos, buscando refletir e
criar hipóteses nessa vasta relação entre arte e tecnologia. Além de viabilizar uma melhor
compreensão ao processo de criação digital, a estrutura dessas obras latentes e as redes
internas e externas da obra.
Convém levar em consideração que essas relações implícitas no processo criativo
digital descortinam possibilidades e um amplo campo de pesquisas envolvendo arte e
tecnologia. Assim, reconhece-se que há necessidade de continuação deste tema em pesquisas
futuras, para um maior aprofundamento nas questões de criação interativa e nas suas relações
comunicacionais.
Ainda, a pesquisa reconhece que os artistas que utilizam instalações digitais
interativas, se tornaram facilitadores da experiência da arte, como uma extensão da educação
a obra pode se tornar uma aprendizagem criativa com ação efetiva.
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