APÓCRIFOS
VERDADES OCULTAS
APÓCRIFOS
O termo "apócrifo" vem do grego e designa "o que é mantido escondido". De fato muitos livros,
cujos temas são paralelos àqueles presentes nos livros bíblicos, não vieram à tona senão no
século passado. Muitos foram ignorados por questões ideológicos e tantos outros por que
ninguém sabia de sua existência. Todos esses livros foram julgados pela tradição como não
inspirados por Deus e por isso não foram incluídos na lista dos livros bíblicos. Desde o século
passado a importância deles foi reconsiderada, não devido aos aspectos doutrinários ou por que
deveriam fazer parte da Bíblia, mas como meio que nos dão informações importantes para o
estudo da doutrina e da história da nossa religião.
Quando falamos de apócrifos normalmente distinguimos entre Apócrifos do Antigo Testamento
e Apócrifos do Novo Testamento.
Apócrifos do Antigo Testamento
Podemos subdividir em outras categorias:
Apocalipses:
Apocalipse di Abramo
Apocalipse de Adão
Apocalipse de Baruc
Apocalipse greca de Baruc
Apocalipse de Daniele
Apocalipse de Elia (copta)
Apocalipse de Elias (hebraico)
Apocalipse de Esdras ou 4 Esdras
Apocalipse de Sedrach
Apocalipse de Moisés
Apocalipse de Sofonias
Testamentos
Testamento de Abraão
Testamento de Adão
Testamento dos 12 patriarcas
Testamento de Isaac
Testamento de Jacó
Testamento de Jó
Testamento de Moisés ou Assunão de Moisés
Testamento de Salomão
Outros textos apócrifos do Antigo Testamento:
Ascenção de Isaías
4 Baruc o Omissões de Jeremias
Perguntas de Esdras
1 Enoch ou livro de Enoch Etíope
2 Enoch ou Enoch Eslavo
3 Enoch ou Apocalipse hebraica de Enoch
Livro dos Jubileus
Livro de Iannes e Iambres
Livro de José e Asseneth
Livro di Noé
5 Maccabeus
Odes de Salomão
Oráculos sibilinos
Oração de José
História de Achikar
História dos Recabitas
Vida de Adão e Eva
Visão de Esdras
Vidas dos profetas
Apócrifos presentes na LXX
Esdras grego
Odes
Oração de Manassés
Terceiro livro dos Macabeus
Quarto livro dos Macabeus
Salmo 151
Salmos 152-155
Salmos de Salomão
Textos considerados apócrifos pelos protestantes, mas presentes na bíblia católica
Giudite
Tobias
1Macabeus
2Macabeus
Sabedoria
Eclesiástico ou Sirácide
Baruc
Carta de Jeremia
Oração de Azarias (Daniel)
História de Susana (Daniel)
Bel e o Dragão
Versão grega de Ester
Apócrifos do Novo Testamento
Evangelhos apócrifos
Evangelhos da infância de Jesus
Proto-Evangelho de Tiago ou Evangelho da Infância de Tiago ou Evangelho de Tiago
Código Arundel 404
Evangelho da infância de Tomás ou Evangelho do Pseudo-Tomás
Evangelho dello pseudo-Matteo ou Evangelho dell'infanzia de Matteo
Evangelho árabe da infância
Evangelho armênio da infância
Livro sobre o nascimento de Maria
História de José o carpinteiro
Evangelhos Judeu-Cristãos
Evangelho dos Ebionitas
Evangelho dos Nazareus ou Evangelho dos Nazarenos
Evangelho dos hebreus
Evangelhos gnósticos
Apocrifo de João ou Livro de João Evangelista ou Revelação Segreta de João
Diálogo do Salvador
Livro segreto de Tiago ou Apócrifo de Tiago
Livro de Tomás
Pistis Sophia ou Livro do Salvador
Evangelho de Apel
Evangelho de Bardesane
Evangelho de Basilide
Evangelho copto dos Egípcios
Evangelho grego dos Egípcios
Evangelho de Eva
Evangelho segundo Filipe
Evangelho de Judas
Evangelho de Maria ou Evangelho de Maria Madalena
Evangelho de Matias ou Tradição de Matias
Evangelho da Perfeição
Evangelho dos 4 ramos celestes
Evangelho do Salvador ou Evangelho de Berlim
Sabedoria de Jesus Cristo ou Sofia de Jesus Cristo
Evangelho de Tomás ou Evangelho de Dídimo Thomás ou Quinto Evangelho
Evangelho da Verdade
Evangelhos da Paixão
Evangelho de Gamaliel
Evangelho de Nicodemos
Evangelho de Pedro
Declaração de José de Arimatéia
Outros evangelhos
Interrogatio Johannis ou Ceia segreta ou Livro de João Evangelista
Evangelho de Barnabás
Evangelho de Bartolomeu ou Questões de Bartolomeu
Evangelho de Tadeu
Fragmentos de evangelhos
Papiro de Ossirinco 840
Papiro de Ossirinco 1224
Evangelho Egerton
Papiro de Fayyum
Papiro de Berlim
Evangelhos perdidos, mas citados por outras fontes
Pregação de Pedro
Evangelho de André
Evangelho de Cerinto
Evangelho dos Doze
Evangelho de Mani
Evangelho de Marcião
Evangelho segreto de Marcos
Evangelho dos Setenta
Atos apócrifos
Atos de André
Atos de André e Matias
Capitolo 29 dos Atos dos Apóstolos
Atos de Barnabé
Atos de Bartolomeu ou Martírio de Bartolomeu
Atos de Santippe e Polissena
Atos de Felipe
Atos de João
Atos de Marcos
Atos de Mateus
Atos de Paulo
Atos de Paulo e Tecla
Atos de Pedro
Atto de Pedro
Atos de Pedro e André
Atos de Pedro e dos Doze
Atos de Pedro e Paulo
Atos de Pilatos
Atos de Simão e Judas
Atos de Tadeu
Atos de Timóteo
Atos de Tito
Atos de Tomás
Cartas apócrifas
Carta dos Apóstolos
Carta de Barnabé
Lettere de Inácio
Carta dos Coríntios a Paulo
Carta ai Laodicesi
Lettere de Paulo e Sêneca
Terza Carta de Paulo aos Coríntios
Carta de Pedro a Felipe
Carta de Pedro a Tiago Maior
Caras de Jesus Cristo e do rei Abgar de Edessa
Carta de Publio Lentulo
Apocalipses apócrifos
Primeira Apocalipse de Tiago
Segunda Apocalipse de Tiago
Apocalipse da Virgen (etíope)
Apocalipse da Virgen (grego)
Apocalipse de Pedro (grego)
Apocalipse de Pedro (copto)
Apocalipse de Paulo (grego)
Apocalipse de Paulo (copto)
Apocalipse de Estêvão
Apocalipse de Tomás
Ciclo de Pilatos
Sentença de Pilatos
Anáfora de Pilatos
Paradosis de Pilatos
Cartas de Pilatos e Erodee
Cartas de Pilatos e Tiberio
Vingança do Salvador
Morte de Pilatos
Cura de Tibério
Outros apócrifos
Descina ao inferno (de Jesus)
Doutrina de Addai
Duas vias ou Juízo de Pedro
Doutrina de Paulo
Doutrina de Pedro
Martírio de André apóstolo
Martírio de Mateus
Risurreição de Jesus Cristo (de Bartolomeu)
Testamento de Jesus
Tradição de Matias
Dormição da Beata Maria Virgem ou Trânsito de Maria de João o Teólogo
Trânsito da Beata Maria Virgem de José de Arimatéia
Vida de João Batista de Seapião de Alexandria
Literatura sub-apostólica (Documentos Históricos)
Didachè
Primeira Carta de Clemente
Segonda Carta de Clemente
Carta de Inácio aos Efésios
Carta de Inácio aos Magnesios
Carta de Ignazio ai Tralianos
Carta de Inácio aos Romanos
Carta de Inácio aos Filadelfenses
Carta de Inácio aos Esmirnenses
Carta de Inácio a Policarpo
Primeira Carta de Policarpo aos Filipenses
Segunda Primeira Carta de Policarpo aos Filipenses
Martírio de são Policarpo
Papia de Gerapoli (fragmentos)
Carta de Barnabé
Homilia do pseudo-Clemente
Pastor de Hermas
Carta a Diogneto
TEXTOS OCULTOS
Por que existem narrações da vida de Jesus que não são aceitas como verdadeiras? Quem decidiu
que os evangelhos “oficiais” seriam só quatro? Como distinguir os evangelhos verdadeiros dos
falsos?
Os evangelhos apócrifos são textos religiosos sobre a vida de Jesus escritos sobretudo a partir da
segunda metade do século II. Os primeiros cristãos já os haviam considerado não confiáveis do
ponto de vista histórico ou, pelo menos, como não inspirados por Deus. Ainda que muitas vezes
possuíssem conteúdos heréticos, tiveram influência na piedade popular e em muitas obras
artísticas.
Os evangelhos apócrifos são todos aqueles textos religiosos centrados em Jesus que foram
descartados pelos cristãos dos primeiros séculos e que não se encontram no elenco dos livros da
Bíblia considerados pela Igreja como autênticos e inspirados.
A palavra “apócrifo” vem do grego e significa “oculto” ou “escondido”. No começo, o termo foi
utilizado para designar os escritos que revelavam “verdades” de cunho esotérico a “iniciados”.
No entanto, esta palavra é utilizada hoje para qualificar em geral os escritos sobre a vida de Jesus
que não foram aceitos pela Igreja como inspirados por Deus nem como norma de fé – ao
contrário dos evangelhos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João e que foram compostos na
segunda metade do século 1.
Os evangelhos que conhecemos são chamados de “canônicos” (termo inspirado na vara ou
“cana” utilizada para medir os limites) e traçam o perímetro dos textos sagrados que entraram no
“cânon” da Bíblia católica, ou seja, o elenco oficial dos 73 livros (46 do Antigo Testamento e 27
do Novo Testamento), fruto de um processo de discernimento iniciado dento da Igreja no século
II e que prosseguiu até o século IV, ainda que o selo definitivo tenha chegado com o Concílio de
Trento, em 1546.
Os evangelhos apócrifos têm alguma semelhança com os quatro evangelhos canônicos, pois
apresentam palavras e fatos ligados à vida de Jesus, ou narrações mais amplas sobre personagens
já presentes nos canônicos. Começaram a circular no âmbito judaico e cristão a partir da metade
do século II, como reflexo de tradições e temas populares, mas não eram lidos nas celebrações
litúrgicas das primeiras comunidades cristãs nem gozaram de grande prestígio, como testemunha
a escassez de manuscritos existentes que nos dão notícia deles.
Não foram aceitos porque eram considerados pouco confiáveis, já que foram compostos em uma
época em que já haviam desaparecido não somente os Apóstolos e todas as testemunhas oculares
dos acontecimentos ligados à vida e morte de Jesus, mas também os discípulos diretos dos
Apóstolos e os membros das suas primeiras comunidades.
Estes escritos se dividem basicamente em quatro grupos: os mencionados pelos antigos escritores
cristãos (pelos quais conhecemos algo do seu conteúdo), os fragmentos de papiro encontrados
recentemente, os escritos que contêm detalhes sobre a infância de Jesus e os de cunho gnóstico,
um movimento herético do começo do cristianismo.
Alguns evangelhos apócrifos, como o “Evangelho dos Hebreus”, são conhecidos somente pelas
notícias dos escritores eclesiásticos. Outros, como o “Evangelho de Pedro”, chegaram até nós
muito fragmentados – apenas alguns pedaços de papiro – e não acrescentam nada aos evangelhos
canônicos.
O “Protoevangelho de Tiago”, o “Pseudo Mateus” e o “Pseudo Tomé” narram dados da vida de
Jesus, de Maria e de São José que não aparecem nos evangelhos canônicos; por exemplo, pelo
“Protoevangelho de Tiago”, conhecemos a presença do boi e da mula na gruta da Natividade e o
nome dos pais de Maria – Joaquim e Ana.
Muitas vezes, estes textos estão repletos de detalhes fantásticos ou piedosos: neles se conta a
história cajado florido de São José, o nome dos três reis magos (Melchior, Gaspar e Baltazar) e
os milagres que o Menino Jesus fazia, e foram objeto de inspiração de lendas e obras de arte
durante a Idade Média. Um exemplo disso é o “Mistério de Elche”, na Espanha (uma
representação teatral sobre a Dormição, Assunção e Coroação da Virgem Maria, que acontece
todos os anos, no mês de agosto, na Basílica de Santa Maria de Elche, de forma ininterrupta
desde a Idade Média).
Outro grupo de evangelhos apócrifos é composto por aqueles que colocam sob a autoridade de
algum apóstolo doutrinas e conteúdos estranhos à fé. Estão relacionados ao gnosticismo, um
movimento filosófico-religioso que floresceu sobretudo no Norte da África, nos séculos II e III.
A intenção primária dos gnósticos era validar o seu sistema de crenças, isto é, com os seus
escritos, eles pretendiam remontar a origem das suas crenças ao próprio Cristo. Entre eles,
destacam-se o “Evangelho de Maria Madalena”, o “Evangelho de Tomé” e o “Pistis Sophia”.
Destes últimos, falaram muitos Padres da Igreja (grandes homens dos inícios da Igreja,
aproximadamente do século II ao VII), para refutá-los e combater a suas derivações gnósticas.
Na maior parte das vezes, estes escritos narravam supostas revelações de Jesus depois da sua
ressurreição, sobre o princípio da divindade, a criação, o desprezo do corpo etc.
Existem pouco mais de 50 evangelhos apócrifos. Alguns são muito antigos; outros são
descobertas recentes, como os escritos de Nag Hammadi (1945). Esses textos continham
traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e
Felipe, um “Apocalipse de Paulo”, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro
conteúdo gnóstico.
Alguns especialistas, atendendo ao seu conteúdo, costumam classificar os evangelhos apócrifos
em 4 grupos:
– Evangelhos da infância: narram o nascimento de Jesus e os milagres realizados durante a sua
infância.
– Evangelhos de logia: são coleções de ditados e ensinamentos de Jesus, sem um contexto
narrativo. Muitos deles são gnósticos.
– Evangelhos da Paixão e Ressurreição: tentam completar os relatos da Morte e Ressurreição de
Jesus.
– Diálogos do Ressuscitado: recolhem ensinamentos do Ressuscitado a algum dos seus
discípulos. Estes últimos são típicos da literatura gnóstica também.
Os apócrifos mais conhecidos são: “Evangelho de Pedro”, “Evangelho segundo Tomé”, os
“Evangelhos da Infância de Tomé”, “Evangelho de Bartolomeu”, “Evangelho de Maria
Madalena”, “Evangelho segundo os Hebreus”, “Evangelho de Taciano” (ou Diatessaron),
“Evangelho do Pseudo Mateus”, “Evangelho Árabe da Infância”, “Evangelho da Natividade de
Maria”, “Evangelho de Felipe”, “Evangelho de Valentino” (Pistis Sophia), “Evangelho de
Amônio”, “Evangelho da Vingança do Salvador” (Vindicta Salvatoris), “Evangelho da Morte de
Pilatos” (Mors Pilati), “Evangelho segundo Judas Iscariotes” e o “Protoevangelho de Tiago”.
Alguns evangelhos apócrifos são conhecidos há muito tempo. Outros foram descobertos
recentemente, como no caso dos Papiros de Oxirrinco, procedentes da escavação arqueológica
realizada pelos ingleses S. P. Grenfell e S. Hunt em 1897, na atual El-Bahnasa (Egito).
O mais importante acontecimento recente no campo dos escritos apócrifos ocorreu com a
descoberta, por parte de camponeses – em um povoado egípcio chamado Nag Hammadi, em
dezembro de 1945 –, de cerca de mil páginas em papiro: 53 textos divididos em códigos, cuja
antiguidade remonta provavelmente ao século IV d.C.
Os escritos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos
chamados de Tomé e Felipe, um “Apocalipse de Paulo”, tratados teológicos e palavras atribuídas
a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.
Às vezes, os apócrifos proporcionam detalhes que descrevem a sensibilidade dos cristãos dos
primeiros séculos ou que confirmam os dados contidos nos evangelhos canônicos. Ainda que não
contenham fontes escriturísticas de primeira mão, os evangelhos apócrifos podem ser úteis para
confirmar alguns dados relatados pelos quatro evangelistas. Em outros casos, o valor dos
apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram.
Por exemplo, o “Evangelho segundo os Hebreus”, que, para os especialistas, remontaria à
primeira metade do século II. Não temos nenhum testemunho direto dele, mas apenas algumas
frases recolhidas por alguns homens ilustres dos primeiros séculos, entre eles Sofrônio Eusébio
Jerônimo, mais conhecido como São Jerônimo, que, além da célebre tradução latina da Bíblia a
partir do grego e do hebraico, compôs a obra De viris illustribus, isto é, uma espécie de
dicionário biográfico dedicado aos homens que haviam se distinguido de alguma maneira nos
primeiros séculos.
Nesta obra, Jerônimo recolhe, em latim, uma pequena passagem do perdido “Evangelho segundo
os Hebreus”, que ele provavelmente teria consultado várias vezes na biblioteca de Cesareia
Marítima, fundada por Orígenes, uma das mais ricas e renomadas do mundo antigo, destruída
pelos árabes junto com a cidade, em 638: “Após ter dado a Síndone ao servo do sacerdote, o
Senhor foi até Tiago e apareceu a ele”. Nesta passagem, Jerônimo recolhe a palavra sindon para
traduzir a homônima palavra grega que havia empregado ao traduzir o Evangelho de Lucas (23,
53), em que se fala do lenço que envolvia o corpo de Jesus. O “Evangelho segundo os Hebreus”
teria, portanto, o mérito de testemunhar que, na época da sua composição, a Síndone se
encontrava provavelmente na Palestina, talvez na própria Jerusalém.
Às vezes, o valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se
originaram e sobretudo a vontade das pessoas de preencher os vazios deixados pela sóbria
descrição dos evangelhos canônicos. Por exemplo, o “Evangelho de Pedro”, composto em
meados do século II, oferece, ainda que com detalhes estranhos, uma descrição do momento
preciso da Ressurreição de Cristo. O relato reflete a necessidade que as pessoas tinham,
especialmente os cristãos ligados à figura de Pedro, de imaginar o momento que transformaria
para sempre suas vidas e que constituiria o centro da sua fé.
Ninguém discute a enorme importância dos evangelhos apócrifos para entender as origens do
cristianismo. Como vimos na reportagem que abre esta edição, esses textos deixam claro que,
nos primeiros séculos cristãos, a diversidade era a norma, com a coexistência (não exatamente
pacífica) das mais variadas crenças sobre a natureza de Jesus, o papel de Deus e a relação entre
judaísmo e cristianismo, por exemplo.
A coisa fica mais incerta, no entanto, quando mudamos a pergunta: será que, além de retratar a
diversidade de pensamento da(s) Igreja(s) primitiva(s), os apócrifos também trazem informações
confiáveis sobre a vida de Jesus?
É claro que, em linhas gerais, a resposta é “depende”, justamente por causa da variedade de
perspectivas representada pelas dezenas de narrativas não canônicas. Cada um desses textos foi
composto em épocas e lugares diferentes, com públicos distintos em mente e mensagens
teológicas próprias – o que também vale, obviamente, para os evangelhos do Novo Testamento
“oficial”.
Mesmo assim, é possível apontar o que é consenso entre os especialistas no estudo do chamado
“Jesus histórico” – ou seja, nos dados sobre a vida de Jesus que podemos extrair com segurança
dos documentos antigos usando exclusivamente o método da pesquisa histórica, deixando de
lado a fé.
Em primeiro lugar, quase todos os historiadores usam um critério meio óbvio, mas importante:
quanto mais antigo o evangelho, mais confiável ele é, em linhas gerais. As histórias sobre Jesus
tendiam a ficar mais espetaculares e fantasiosas com o passar do tempo. E, como muitos
apócrifos foram escritos entre cem anos e vários séculos depois dos eventos que narram, essa
nota de corte inicial, digamos, já elimina muitos deles.
Por isso, como você talvez já tenha imaginado, ninguém leva muito a sério os textos apócrifos
sobre a infância de Jesus e a vida de Maria e José. E não é apenas pela grande quantidade de
eventos miraculosos e assustadores no Evangelho da Infância de Tomé, por exemplo – embora,
de brincadeira, o historiador John Meier, professor da Universidade Notre Dame (EUA) e autor
da série de livros Um Judeu Marginal, compare o menino Jesus desse apócrifo a um personagem
de filme de terror. Saiba mais: A infância oculta de Jesus
A questão é que o conteúdo dos evangelhos apócrifos da Infância indica que seus autores
conheciam tanto o Evangelho de Mateus quanto o Evangelho de Lucas (os dois falam da infância
de Jesus, cada um usando informações bem diferentes) e misturaram os dados presentes nesses
textos canônicos, às vezes até copiando e colando trechos, para criar sua narrativa. Isso muito
provavelmente quer dizer que eles não possuíam nenhuma informação independente sobre o
menino Jesus.
Dá para repetir mais ou menos o mesmo argumento para os apócrifos que versam sobre a morte e
ressurreição de Cristo. Para o historiador irlandês John Dominic Crossan, professor aposentado
da Universidade DePaul (EUA), uma exceção é o Evangelho de Pedro, que teria preservado boa
parte do relato original sobre a Paixão de Cristo, o qual teria sido usado e modificado, mais tarde,
pelos evangelistas canônicos.
Para Crossan, uma das pistas disso é que o Evangelho de Pedro retrata o povo judaico se
arrependendo de ter instigado a morte de Jesus, o que seria um sinal de que a narrativa da Paixão
contida nele teria sido escrita quando os cristãos, quase todos judeus nessa época, ainda tinham
esperança de converter os outros israelitas. Pouca gente concorda com Crossan, no entanto – e é
bom lembrar que, mesmo para ele, há poucos fatos históricos em qualquer uma das narrativas da
Paixão, pois os apóstolos teriam fugido quando Jesus foi preso, impedindo que eles
presenciassem o julgamento e a própria crucificação.
EVANDELHO DE TOMÉ
Hoje, o Evangelho de Tomé é o principal texto apócrifo que, para uma quantidade considerável
de pesquisadores, tem potencial para trazer informações relevantes sobre o Jesus histórico, em
especial a respeito da forma original de seus ensinamentos, já que Tomé é um texto formado
quase exclusivamente pelos chamados lôgia (singular: lôgion), os “ditos” ou “declarações” de
Jesus. (Você pode conferir o texto integral desse evangelho nesta edição).
Aliás, foi essa estrutura de ditos que chamou, a princípio, a atenção dos especialistas, porque ela
pareceu corroborar uma hipótese importante dos estudos bíblicos, a de que, nos primórdios do
cristianismo, os lôgia de Cristo teriam sido reunidos num texto hoje perdido, o chamado
documento Q (da palavra alemã Quelle, “fonte”). Esse documento teria servido de base para uma
série de ditos de Jesus compartilhados pelo Evangelho de Mateus e pelo Evangelho de Lucas,
explica Luiz Felipe Coimbra Ribeiro, professor de pós-graduação em história do cristianismo
antigo da Universidade de Brasília (UnB) – ambos teriam usado Q como fonte.
Ninguém acha que o Evangelho de Tomé seja o documento perdido. Mas, para uma série de
pesquisadores, a estrutura parecida com a de Q é um primeiro indício de que se trata de um texto
bastante antigo, talvez do período em torno do ano 50, quando os cristãos ainda não tinham tido
a ideia de escrever uma narrativa com começo, meio e fim sobre a morte de Jesus (o Evangelho
de Marcos, considerado o canônico mais velho, teria sido escrito por volta do ano 65, para a
maioria dos especialistas).
Além disso, pesquisadores como John Dominic Crossan afirmam que a comparação entre a
forma dos ditos no Evangelho de Tomé e a que se vê nos textos canônicos sugere que Tomé é o
texto mais “primitivo” – os lôgia são mais simples, mais fáceis de lembrar e menos ligados a
interpretações teológicas complicadas, o que indicaria que estão mais próximos da pregação oral
de Jesus (o Nazareno, é bom lembrar, não deixou nada escrito).
Crossan e outros historiadores, partindo desse pressuposto, afirmam que as características
originais dos ensinamentos originais de Cristo podem ser vistas no Evangelho de Tomé – e elas
seriam bem diferentes do que se lê nos textos canônicos.
Em vez de estar preocupado com a chegada do Reino de Deus, com a ressurreição dos mortos e o
Juízo Final, Jesus teria pregado um reino divino que já estaria presente caso os que o ouviam
colocassem em prática sua defesa da justiça e da misericórdia. “Se vossos chefes vos disserem
`Eis que o Reino está no céu, então as aves do céu hão de vos preceder no Reino. Se vos
disserem `Está no mar, então os peixes do mar hão de vos preceder. Mas o Reino está dentro de
vós e fora de vós. Quando conhecerdes a vós mesmos, então sereis conhecidos, e entendereis que
sois filhos do Pai vivente”, afirma Jesus num dos trechos desse evangelho.
O americano John Meier é um dos grandes opositores dessa interpretação. Segundo ele, na
passagem acima e em outras parecidas, a importância que Jesus dá ao autoconhecimento é sinal
de que o Evangelho de Tomé é uma obra ligada ao gnosticismo, na qual a salvação depende da
busca pelo conhecimento secreto e esotérico. Como as correntes gnósticas do cristianismo, para
ele, só apareceram tardiamente, a partir do século 2, não faz sentido enxergar um texto com essa
orientação como primitivo. É o tipo de discussão que deve continuar por um bom tempo antes
que surja um consenso.
APÓCRIFOS
A palavra Apócrifo vem do grego Apokryphos e significa oculto ou não autêntico. Mas este
termo é usado, principalmente para designar os documentos do início da era Cristã, que abordam
também a vida e os ensinamentos de Jesus, mas não foram inclusos na Bíblia Sagrada por serem
considerados ilegítimos.
A origem dos Livros Apócrifos (também chamados de Livros Gnósticos; do grego Gnosis, que
significa Conhecimento) nos remete ao ano 367 d.C. Por ordem do Bispo Atanásio de
Alexandria, que seguia a resolução do Concílio de Nicéia ocorrido em 325 d.C, foram destruídos
inúmeros manuscritos dos primórdios do Cristianismo. Esses documentos eram supostamente
fantasiosos e deturpavam as bases da doutrina Católica que se estabelecia naquele momento.
Porém, cientes da importância histórica destes papiros originais, os Monges estabelecidos à
margem do rio Nilo, optaram por não destruí-los. Ao contrário, guardaram os códices de papiros
dentro de urnas de argila e as enterraram na base de um penhasco chamado Djebel El-Tarif. Ali
ficaram esquecidos e protegidos por mais de 1500 anos.
Em 1945, Mohammed Ali Es-Samman e seus irmãos, residentes na aldeia de El-Kasr, estavam
brincando próximos ao penhasco, quando encontraram as urnas escondidas durante séculos.
Pensando que se tratava de ouro, acabaram quebrando uma das urnas, mas só encontraram 13
códices com mais de 1000 páginas de papiro. Decepcionados, levaram para casa, e sua mãe
chegou a usar alguns papiros para acender o fogo.
Em 1952, o museu Copta do Cairo recebeu os manuscritos para sua guarda. Faltavam algumas
páginas e um códice fora vendido pela família de Mohammed para o Instituto Jung, de Zurique.
Esses códices passaram a ser chamados Bíblia de Nag Hammadi, localidade onde fora
encontrado os manuscritos. Antes desta descoberta, só se conheciam os textos Gnósticos pelas
citações de outros autores. Dos 53 textos encontrados, 40 eram totalmente desconhecidos da
comunidade científica. Estes Manuscritos foram redigidos em Copta, antiga língua egípcia, que
utilizava caracteres gregos.
Em 1947, dois pastores descobriram em uma gruta próxima ao Mar Morto, fragmentos e rolos
escritos em hebraico. Logo se percebeu a grandiosidade desta descoberta. Havia textos
condizentes com a Bíblia e outros textos apócrifos. A partir de então, outras grutas foram sendo
encontradas, contendo muito material em grande parte identificado como sendo do Antigo
Testamento. Até este momento, todas as grutas encontradas continham material escrito em
hebraico e aramaico. Porém, em 1955 foi descoberta uma gruta que continha papiros e jarros
com escrita em grego. Comprovou-se que se tratavam dos mais antigos manuscritos já
descobertos pelo homem, datados de tempos anteriores aos dias de Cristo.
Um dos rolos, o mais conservado, apresenta uma cópia do Livro de Isaías que, ao ser comparado
com as cópias modernas, trouxe a certeza de que não houve nesses dois milênios, nenhuma
alteração de sua mensagem profética. Encontra-se também O Manuscrito de Lameque,
conhecido como O Apócrifo de Gênesis, que apresenta um relato ampliado do Gênesis. Há ainda
A Regra da Guerra, que narra a grande batalha final entre os filhos da luz e os filhos das trevas;
sendo os descendentes das tribos de Levi, Judá e Benjamim, retratados como os filhos da luz, e
os Edomitas, Moabitas, Amonitas, Filisteus e Gregos, representados como os filhos das trevas.
Dois anos após a primeira descoberta, foram encontradas as ruínas do Mosteiro de Khirbet
Qumran, uma propriedade dos Essênios. Onde provavelmente teriam sido confeccionadas as
cópias das Sagradas Escrituras. Com certeza, pelo mesmo motivo que os monges de Nag
Hammadi enterraram os códices dos Evangelhos Apócrifos, os essênios esconderam nas grutas
de Qumran, no Mar Morto.
Como vimos, foi através dessas descobertas que atualmente temos acesso a esses livros
Apócrifos que deveriam, de acordo com a Igreja Católica, ter sido destruídos há muitos séculos.
Não sabemos exatamente qual o critério usado pela Igreja para designar os livros que eram
apócrifos ou canônicos (do grego Kanón - catálogo de Livros Sagrados admitidos pela Igreja
Católica). Mas provavelmente, era apenas uma conveniência daquela época. O mais interessante,
é que a própria Igreja Católica reconhece que muitos desses textos foram escritos por autores
sagrados. E por que então não reconhecê-los como canônicos? E por que tais textos foram
perseguidos e condenados durante séculos?
Atualmente, a Igreja Católica reconhece como parte da tradição os Evangelhos Apócrifos de
Tiago, Matheus, O Livro sobre a Natividade de Maria, o Evangelho de Pedro e o Armênio e
Árabe da Infância de Jesus. Mas a maioria dos livros não é reconhecida. Ao todo são 112 livros,
52 referentes ao Antigo Testamento e 60 em relação ao Novo Testamento. Dentre eles estão
Evangelhos (como o de Maria Madalena, Tomé e Filipe), Atos (como o de Pedro e Pilatos),
Epístolas (como a de Pedro à Filipe e a Terceira Epístola aos Coríntios) e Apocalipses (como de
Tiago, João e Pedro) Testamentos (como de Abraão, Isaac e Jacó). Além de A Filha de Pedro,
Descida de Cristo aos Infernos, etc.
Diante de tudo isso, é difícil compreender como é possível um livro considerado sagrado, ser
além de escrito, formulado pelos homens conforme suas idéias retrógradas e conveniências
políticas e sociais. É apenas mais um motivo para se contestar a Antiga Igreja Católica, já tão
bem conhecida pela sua "Autoridade Divina".
“Ele disse: ‘Aquele que encontrar o significado destas palavras não provará a morte'”. Estas
palavras, escritas em tom desafiador, foram retiradas do Evangelho segundo Tomé o Dídimo,
escrito gnóstico do séc. II, cujos manuscritos (datados do séc. IV) foram descobertos em 1945
em Khenoboskian (Egito), contendo 114 frases (lógios) atribuídas a Jesus.
Da mesma forma que o Evangelho de Tomé o Dídimo, a arqueologia tem descoberto nas últimas
décadas diversos outros “Evangelhos” (atribuídos a Pedro, Filipe, Bartolomeu, Nicodemos,
etc…) e outros escritos que poderiam ser classificados como do Novo Testamento (Atos de
Pedro, Apocalipse de Paulo, etc…) ou do Antigo Testamento (Ascensão de Isaías, Segredos de
Enoch, etc…). Mesmo tratando sobre intervenções e milagres divinos, feitos de personagens
bíblicos e outras coisas do gênero, todos são considerados apócrifos, isto é, não são reconhecidos
pela Igreja como escritos inspirados. Mas por que a Igreja, os críticos e pesquisadores não os
aceitam. Por acaso a Bíblia estaria completa?
Os apócrifos do Novo Testamento apresentam diversos aspectos da era pós-Cristo. Algumas
idéias são conformes com o reto ensinamento da Igreja como, por exemplo, a virgindade e a
assunção de Maria, a descida de Cristo aos Infernos e a divindade de Jesus. Outros esclarecem
pequenos detalhes que não foram abordados pelos Evangelhos canônicos, como o nome e
número dos reis magos, os nomes dos pais de Maria, o nome do soldado que traspassou a lança
em Jesus, a morte de São José na presença de Jesus, a apresentação de Maria no Templo de
Jerusalém e a sua morte assistida pelos apóstolos, alguns outros milagres de Jesus.
Acredito ser interessante conhecer estes textos, ainda que não sejam considerados sagrados pelas
igrejas.
"Toda história é contada pelos vencedores. Isto é verdade também para a história de Jesus de
Nazaré e seus ensinamentos, relatada nos quatro Evangelhos do Novo Testamento. O cânone
bíblico - o conjunto dos textos considerados "inspirados" - abriga os vencedores de uma batalha
doutrinária travada dentro da Igreja antiga, entre os séculos 2 e 5. De fora ficaram mais de 60
outros escritos, que receberam o nome de apócrifos (ocultos, em grego). Sobre eles pairava a
acusação de deturpar a doutrina original de Jesus, misturando-a com episódios fantasiosos e
ideias tiradas das seitas místicas dos primeiros séculos do Cristianismo. O imaginário cristão,
porém, recebeu-os de braços abertos. Se hoje os católicos sabem os nomes dos reis magos que
adoraram Jesus e crêem que o corpo de Nossa Senhora subiu aos céus após sua morte - fato que a
Igreja considera como Dogma desde 1950 - é porque, por vias indiretas, os apócrifos
contornaram as proibições.
Os apócrifos são cartas, coletâneas de frases, narrativas da criação e profecias apocalípticas.
Além dos que abordam a vida de Jesus ou de seus seguidores, cerca de 50 outros contêm
narrativas ligadas ao Antigo Testamento. Muitos têm nomes sugestivos como "Apocalipse de
Adão" ou "descida de Cristo ao inferno". Poucos são conhecidos integralmente. Da maioria resta
fragmentos ou se conhece por citações de cronistas da Antiguidade. Mas são principalmente
aqueles ligados à vida de Jesus que estão atraindo a atenção de religiosos e pesquisadores, que os
reconhecem como fontes importantes para estudar o Homem de Nazaré."
Livros apócrifos segundo Frei Jacir de Freitas: Nascido em Divinópolis (MG), frei Jacir de
Freitas Faria é padre franciscano. Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de
Roma (PIB), Frei Jacir complementou seus estudos de Bíblia no México e em Jerusalém.
Atualmente reside em Belo Horizonte, onde é professor no Instituto Santo Tomás de Aquino
(ISTA), no Instituto Marista de Ciências Humanas (IMACH) e no Centro de Estudos Superiores
da Companhia de Jesus (CES-ISI). Além das aulas, dedica-se à leitura popular da Bíblia no
Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), na Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), na Diocese de
Divinópolis e em cursos de teologia pastoral para leigos. Pela Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB) é membro da Comissão Teológica do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do
Brasil (CONIC). Participa também da Comissão de Serviço Internacional ao Diálogo Ecumênico
da Ordem dos Frades Menores (OFM). Apaixonado pela Bíblia, ele é um dos poucos estudiosos
no Brasil e no mundo a mergulhar na literatura apócrifa (escritos "bíblicos" não considerados
inspirados e, pó isso, mantidos em segredo pelas Igrejas), com o intuito de voltar às origens do
cristianismo e resgatar informações importantes que complementam os textos bíblicos canônicos
(oficiais), clareando a mente daqueles que acreditam em Jesus e fortalecendo a sua fé."
A afirmação costumeira que os escritos apócrifos são meras fantasias e, o que é pior, mentiras
inventadas por cristãos ou judeus piedosos, nunca me convenceu. A primeira constatação que fiz
foi que muitos desses textos complementam o sentido, sem tirar a veracidade, dos textos
canônicos, os considerados pela tradição como inspirados. O que se pretende com o estudo dessa
literatura não é outra coisa senão resgatar um novo sentido para os textos apócrifos, que
comumente são interpretados como falsos, não inspirados. Não podemos mais entender apócrifo
desta maneira, mas como algo precioso e, por isso, mantido em segredo."
A literatura apócrifa é uma outra Bíblia. Existem 112 livros apócrifos, sendo 52 em relação ao
Primeiro Testamento e 60 em relação ao Segundo. Assim como a Bíblia, a literatura apócrifa está
composta de Evangelhos, Atos, Apocalipses, Cartas, Testamentos. Existem também outras listas
desses livros."conteudonegrito"
Creio que devemos repensar o valor dado aos apócrifos. É claro que não se pode tomar todas as
informações como verdades de fé. O mesmo também não ocorre como os evangelhos canônicos?
ALGUNS APÓCRIFOS
Evangelho de Pedro:
Circulou provavelmente no século II, de autoria atribuída ao apóstolo Pedro; conta uma versão
diferente da ressurreição de Cristo, que teria sido conduzido ao céu por dois anjos.
Foi acusado de ser uma heresia denominada “docetismo”, segundo a qual Jesus era somente
espírito.
Evangelho de Filipe:
Circulou no século III, possui histórias que não estão nos demais evangelhos da Bíblia, como a
de que Jesus mudava de aparência para conhecer aqueles a quem se revelava. Além disso, sugere
seu relacionamento com Madalena.
Possui conteúdo gnóstico e afirma que só mulheres virgens entravariam no Paraíso (o que
inviabilizaria as famílias).
Evangelho de Maria Madalena:
Nos poucos fragmentos que restaram, Cristo ressuscitado instrui seus discípulos a espalhar o
gnosticismo e avisa que não deixou leis. Também afirma que Jesus transmitiu segredos a
Madalena. O texto foi condenado como heresia.
Evangelho de Tomé:
Texto provavelmente do século I, possui 114 frases atribuídas a Jesus; em que Ele afirma que a
salvação vem do autoconhecimento e que a centelha divina está em cada um.
Duas características marcantes do Evangelho de Tomé, que o diferenciam dos canônicos, são a
recomendação de Jesus para que ninguém faça aquilo que não deseja ou não gosta e a ênfase não
na fé, mas a descoberta de si mesmo.
Diante de tudo isso, é difícil compreender como é possível um livro considerado sagrado, ser
além de escrito, formulado pelos homens conforme suas idéias retrógradas e conveniências
políticas e sociais.
Os Ágrafos – As palavras de Jesus fora dos evangelhos
Ágrafos são palavras ou frases avulsas, presumivelmente proferidas por Jesus Cristo e que não
estão incluídas nos evangelhos canônicos. O termo ágrafo é de origem grega (ágrapho)
significando “não escrito”.
A origem dessas orações são as centenas de fragmentos de papiros encontrados, muitas vezes
sem a indicação do documento a que pertenciam. Naquele tempo era costume as pessoas
anotarem os pequenos textos dos discursos orais que ouviram e conseguiram memorizar. Os
primeiros escritores cristãos citaram diversas frases atribuídas a Jesus, não mencionando a fonte
ou mencionando como origem documentos ainda não encontrados.
A maioria dos ágrafos apresentam variações das frases contidas nos evangelhos. Os textos mais
diferenciados estão contidos nos documentos chamados apócrifos (considerados não inspirados
por Deus). A parte desses textos apresentados como palavras ditas por Jesus são denominadas
por alguns autores de “lógios”, do grego (lógion) que significa: palavra, sentença.
O ágrafo mais conhecido é aquele do capítulo 20, versículo 35 do Atos dos Apóstolos: “Maior
felicidade é dar do que receber.” Segue abaixo, uma seleção de ágrafos:
De origem muçulmana
Dídimo (Tomé), aquele que caminha na luz não tropeça.
Feliz aquele que abandona a paixão do momento por um bem futuro que não viu.
Quem procura o mundo é semelhante ao homem que bebe água do mar. Quanto mais bebe, tanto
mais aumenta sua sede, até que a água venha a matá-lo.
Quantas são as árvores! Mas nem todas dão fruto. Quantos são os frutos! mas nem todos são
bons. Quantas são as ciências! Mas nem todas são úteis.
E como poderá ser incluído entre os sábios aquele que procura a palavra de Deus para anunciá-la
aos outros e não para a pôr em prática?
Não vos ensinei a vos envaidecer. Somente vos ensinei a trabalhar. A sabedoria não consiste em
falar da sabedoria, mas em praticar a sabedoria.
Citados pelos primeiros escritores cristãos
Nunca estejais contentes, senão quando olhardes com amor o vosso irmão. [Jerônimo]
A sabedoria enviará seus filhos. [Orígenes]
Saí de vossos grilhões, vós que o quereis. [Clemente de Alexandria]
Viste o teu irmão? Viste o teu Deus. [Clemente de Alexandria]
O amor cobre uma grande quantidade de pecados.
A aparência desse mundo é transitória. [Teodoro Balsam.]
Quem está perto de mim está perto do fogo; mas quem está longe de mim está longe do reino.
[Dídimo]
Aquilo que é fraco salvar-se-á pelo forte. [Ordo eccles.]
Homem que não passou pela tentação não está comprovado. [Didascalia]
Os que querem ver e experimentar o meu reino, precisam alcançar-me através de tribulações e
sofrimentos. {Epist. Barn.]
APÓCRIFOS - A INFÂNCIA DE JESUS
As histórias da infância de Jesus, suas travessuras e milagres, são inúmeras nos Evangelhos
Apócrifos. Escolhemos algumas relacionadas diretamente com Maria, quem mostram o papel
dela como educadora de Jesus.
Maria, falando de Jesus menino para João, diz: “A primeira vista, Jesus era um menino como os
outros. Bem, não exatamente como os outros, porque era lindíssimo. Alguns dirão, João, que eu
exagero e que é paixão de mãe. Porém, tu, que o amavas quase tanto quanto eu, sabes que meu
filho era de verdade muito formoso, embora o tivesses conhecido já como homem, enquanto eu
tive a imensa felicidade de vê-lo crescer dia a dia ao meu lado. Jesus era um menino como os
outros, ao mesmo tempo bem diferente” [1].
“Quando Jesus tinha seis anos, a sua mãe o mandou, com um cântaro, buscar água na fonte, junto
com outros meninos. Aconteceu que, depois de ter enchido o cântaro, um dos meninos lhe deu
um empurrão. Com isso, o cântaro caiu e se quebrou. Jesus estendeu o manto que usava,
recolheu nele a quantidade de água que o cântaro continha e a levou para sua mãe. Vendo isso,
ela se maravilhou, meditava consigo mesma e guardava tudo em seu coração” [2].
Estas histórias e tantas outras sobre a relação maternal de Maria com Jesus, você, caro leitor,
encontrará no nosso livro citado acima. São histórias de fé belíssimas que, infelizmente, os
Evangelhos canônicos não conservaram.
[1] Cf. Evangelho secreto da Virgem, página 103.
[2] Cf. Pseudo Evangelho de Mateus 33,1.
CONCLUSÃO
Podemos dizer que os apócrifos, sobretudo do Novo Testamento, deixaram sua marca na arte e
até na Tradição da Igreja. Exemplo disso é a sexta estação da via-sacra que fala da Verônica que
seca o rosto de Jesus com um pano; os nomes de Joaquim e Ana, pais de Maria; diversas pinturas
e mosaicos em igrejas dos primeiros séculos, e etc. Os apócrifos do Antigo Testamento deixaram
sua marca, mesmo dentro do Novo Testamento onde na Carta de São Judas é citada uma batalha
entre São Miguel e o Diabo pelo corpo de Moisés.
Outro dado interessante é que o autor sagrado não sabia que estava escrevendo um livro sagrado,
ele apenas escreveu pela necessidade de evangelizar alguém ou uma comunidade do seu tempo.
Vemos as cartas de São Paulo, ele as escreveu para orientar àquelas comunidades. Não tinha em
mente escrever um texto sagrado, mas tinha em mente ensinar a verdade sobre Deus, exortar na
caridade para o crescimento da fé daquela comunidade. Nessa disposição de Paulo o Espírito
Santo o inspira a escrever um texto que ultrapassa a realidade de seu tempo, se transforma em
palavra humana de conteúdo divino que ainda hoje é capaz de levar outros homens ao encontro
com Deus.
Ler os apócrifos é também considerar as disputas teológicas que marcam o contexto histórico de
cada um deles. Tais disputas teológicas aconteceram entre o cristianismo que se tornou
hegemônico com grupos e movimentos, como os gnósticos e suas ramificações em gnósticos
docetas, encratistas, fibionitas, cainitas, mas também ebionitas, marcionitas, donatistas, arianos e
tantos outros, cujos nome nem foram registrados no anais da história.
Ler os apócrifos exige um acurado estudo histórico da época de cada um deles. O contexto
histórico é muito importante para compreender o porquê da expressão de fé transformada em
livros apócrifos. Os apócrifos marianos, por exemplo, surgiram em um contexto de retomada da
devoção a Maria, virgem e mãe. .
Outro fator preponderante na leitura dos apócrifos é a questão de gênero. As mulheres tiveram
sua liderança ceifada, no fim do século 2 , em favor da liderança masculina. Esse fator nos impõe
uma leitura de gênero dos apócrifos, de modo que possamos resgatar o papel de Madalena como
apóstola do cristianismo, nunca como prostituta. Também Maria, a mãe de Jesus, é descrita nos
apócrifos como mãe virgem e apóstola de seu Filho. As duas mulheres foram apresentadas,
historicamente, como modelos de cristãos: Madalena, a prostituta toda impura que se converteu,
e Maria, a santa toda pura. Um modelo dependeu do outro para sobreviver. A leitura dos
apócrifos deve também nos remeter aos vários gêneros literários, a partir dos quais eles foram
escritos. Cada gênero possui seu contexto vital. Cada um deles apresenta o próprio modo de
ensinar e transmitir uma visão de fé. Não podemos ignorá-los na leitura dos referidos textos.
Estes são textos de experiência de fé, por mais exageradas que sejam, mas que revelam outro
pensamento, outro cristianismo que se perdeu. É o que nos mostra o estudo dos apócrifos em seu
contexto histórico.