Nº 415 Abril / 2015FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidadeexclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe
AntonioCarlosLimaNogueiratraçaumpanoramadasuinoculturabra-
sileiraeosdesa�iosenfrentadospelosetor.
Promover os Terceiros Para Ser os Primeiros
H���� Z����������
Conciliando Sustentabilidade Fiscal e Aumento da Renda dos Idosos: O Caso da Hipoteca Reversa
R������ N������� C�������
A Revolução Ubíqua: Projeções, Desafios e Expectativas na Economia Política da Internet das Coisas (IoT)
J���� L������� M�����
Os Cubanos e o Programa Mais Médicos: Um Atentado aos Direitos Humanos
I���� ��� N��� �� C����
O Sobe e Desce do Grau de Investimento
R������ L��� T������
O Federalismo Fiscal Durante o Governo Militar: A Construção das Instituições Fiscais Estaduais
E���� R������ �� S���� S�����
análise de conjuntura
Agricultura
A������ C����� L��� N�������
Nível de Atividade
V��� M������ �� S����
HélioZylberstajndefendequearegulamentaçãodaterceirizaçãofa-
voreceráamodernizaçãodasempresasaaumentaráacompetitividade
daeconomiabrasileira.
JulioLucchesiMoraesexpõeoconceitodeInternetdasCoisasealgumas
dassuaspossibilidadeseconômicasetecnológicas.
p.3
p.18
RogérioNagamineCostanzianalisaoinstrumento�inanceirodahipoteca
reversaeoseupossívelbene�ícionarendadosidososquepossuem
imóvelpróprio.
p.12
IraciDelNerodaCostacriticaasbasesdoProgramaMaisMédicosdevido
aonãocumprimentodosdireitoslegaisaosmédicoscubanos.
p.29
p.15
p.24
p.22
p.20
p.34
p.6 VeraMartinsdaSilvaapresentaosdadosdaeconomiabrasileiraparao
anode2014,quecon�irmamoquadroderetraçãodasprincipaisvariáveis
econômicas.
Crônicas de História Econômica – D. Manuel, o Venturoso: Capitalista ou Cruzado?
J��� F����� M����, L������ S����� L����
Relatos de Pesquisa – Finanças Públicas Municipais: As Fontes de Renda dos Municípios Paulistas, 1835-1850
L������ S����� L����
RobertoLuisTrosterdiscuteopapeldograudeinvestimentoalcançado
porumpaíseavaliaqueanovapolíticaeconômicapodeevitaraperda
declassi�icaçãodoBrasil.
ElsonRodrigodeSouzaSantosinvestigaareorganizaçãofederativaocor-
ridaduranteosgovernosmilitaresnoBrasil.
JoséFlávioMottaeLucianaSuarezLopesfazemumare�lexãosobreas
motivaçõespresentesnaexpansãoultramarinaportuguesa,queculmi-
naramnodescobrimentodoBrasil.
LucianaSuarezLopesapresentapesquisasobreaorganizaçãoeasfontes
derendadosmunicípiospaulistasentre1835e1850.
abril de 2015
Conselho Curador
JuarezA.BaldiniRizzieri(Presidente)AndréFrancoMontoroFilhoCarlosAntonioRocca
DenisardC.deOliveiraAlvesFernandoB.HomemdeMeloFranciscoVidalLunaHeronCarlosEsvaeldoCarmoJoaquimJoséMartinsGuilhotoJoséPauloZeetanoChahad
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS – ISSN1678�6335
Conselho Editorial
HeronCarlosE.doCarmoLeninaPomeranzLuizMartinsLopesJoséPauloZ.ChahadMariaCristinaCacciamaliMariaHelenaPallaresZockunSimãoDaviSilber
Editora-Chefe
FabianaF.Rocha
Preparação de Originais e Revisão
AlinaGasparellodeAraujo
Produção Editorial
SandraVilasBoas
žhttp://www.�ipe.org.br
SimãoDaviSilberVeraLuciaFava
Diretoria
Diretor Presidente
CarlosAntonioLuque
Diretor de Pesquisa
MariaHelenaPallaresZockun
Diretor de Cursos
JoséCarlosdeSouzaSantos
Pós-Graduação
PedroGarciaDuarte
Secretaria Executiva
DomingosPimentelBortoletto
Editorial
É um enorme prazer comunicar que a partir deste mês o Boletim Econômico da Fipe terá uma nova
seção intitulada “Economia & História”. O Departamento de Economia da FEA-USP sempre teve uma forte tradição na área de História Econômica e um dos objetivos desta nova seção é divulgar os
resultados das pesquisas acadêmicas desenvolvidas por seus economistas-historiadores, o que será exposto na subseção Relatos de Pesquisa. Outro objetivo é apresentar aos nossos leitores o que
podemos chamar de Crônicas de História Econômica, elaboradas mensalmente especialmente para o Boletim pelos professores Luciana Suarez Lopes e José Flávio Motta. As crônicas trarão, a cada mês,
a discussão ou de um acontecimento histórico ocorrido naquele respectivo mês ou de uma fi gura his-tórica ligada àquele acontecimento. Tomando como pretexto os 515 anos do Descobrimento do Brasil,
completados em abril, a primeira crônica discute a fi gura de D. Manuel I, rei de Portugal de 1495 a 1521.
Espero que todos gostem da novidade e que aproveitem para entender melhor os elementos históri-
cos que levaram à constituição do Brasil atual.
Fabiana F. Rocha
3análise de conjuntura
abril de 2015
Agricultura: O Agronegócio da Suinocultura Brasileira
A������ C����� L��� N������� (*)
Seexisteumsistemaagroindus-
trialbrasileirocompotencialde
expansãoéasuinocultura.Osetor
apresentatecnologiaavançadaem
genéticaecriaçãodosanimais,
coordenaçãoestreitaentreaseta-
pasprodutivas,excelênciaemsa-
nidadeanimalediversi�icaçãode
produtosprocessados.Entretanto,
aparticipaçãodacarnesuínanos
mercadoslocaiseexternosaindaé
baixaemrelaçãoàscarnesbovina
edeaves.Nesteartigoapresenta-
-seumpanoramadasituaçãoatual
edasperspectivasdoagronegócio
dasuinoculturanoBrasil,consi-
derando-seosdesa�iosaserem
enfrentadosnosmercadosinterno
eexternoparaamelhoriadode-
sempenhocompetitivo.
Aindaqueacarnesuínasejaamais
consumidanoMundo,noBrasilela
temenfrentadocertadi�iculdade
deexpansãoaolongodesuahistó-
ria.Algunsfatoresquein�luenciam
nesseprocessosãoadisponibilida-
decrescenteecompreçoscompe-
titivosdascarnesbovinaedeaves
eoreceiodealgunsconsumidores
comosriscosdedoençasdossuí-
nostransmissíveisaoshumanos.
Alémdisso,aindapersisteaima-
gemdacarnesuínacomoproduto
comaltoteordegorduraecoleste-
rol,oqueestariaemcon�litocoma
buscadapopulaçãoporalimentos
saudáveisnasúltimasdécadas.
Ocorrequeessaspremissasnão
seriammaisverdadeirasparaos
produtoreseindústriasformais
domercado, tendoemvistaos
avançosveri�icadosnoaumento
daoferta,noscontrolessanitários
enasraçascombaixoteordegor-
dura.
AofertadecarnesuínanoBrasil
temapresentadoumcrescimento
emtaxasinferioresàsdebovinos
eaves.ConformedadosdaAsso-
ciaçãoBrasileiradeProteínaAni-
mal(ABPA,disponívelemwww.
abipecs.com.br)aquantidadetotal
deanimaisnoPaíspassoude33,3
para40,8milhõesde2004a2013,
oquerepresentouumavariação
novolumede2,6para3,2milhões
detoneladas.Cabedestacarquea
associaçãoidenti�icaedivulgaa
produçãoprovenientedeempresas
comerciaisedesistemasdesub-
sistência,eessaúltimacategoria
apresentadeclínioconsistentena
participaçãototal,passandode
488para220miltoneladasnope-
ríodo.Esseseriaumdosindicado-
resdoaprimoramentoobservado
natecnologiaenagestãodasuni-
dadesdeproduçãodesuínos.
4 análise de conjuntura
abril de 2015
Aproduçãoapresentaconcentra-
çãonaRegiãoSul,aindaquees-
tejapresenteemoutrosEstados.
AindaconformeaABPA,em2013
osmaioresprodutoreseramSanta
Catarina(790miltoneladas),Rio
GrandedoSul (608mil tonela-
das)eParaná(524miltoneladas).
Dadasascondiçõesdecolonização
porimigranteseevoluçãodaagri-
culturanessaregião,naetapade
produçãopecuáriapredominamas
pequenasemédiaspropriedades,
operandopormeiodecontratos
comempresasdealimentosouco-
operativas.
Aevoluçãodosistemaagroindus-
trialdasuinoculturatemsidocon-
duzidacomomesmomodeloda
avicultura.Trata-sedacoordena-
çãodascadeiasprodutivaspor
partedasindústriasprocessado-
ras,queestabelecemcontratos
paraaengordadossuínoscom
produtores,querecebemagené-
tica,aração,osmedicamentose
aassistênciatécnicadaempresa
compradora.Essesistemapermitiu
aespecializaçãodoprodutornas
tarefasdemanejo,facilitouaado-
çãodelinhagensmaisprodutivas
ecomcaracterísticasdecarnede-
sejadaspelomercadoepromoveu
amelhorianocontroledaoferta
comorespostaàsvariaçõesdade-
manda.
Aadoçãodossistemasdequase-
-integraçãodosprocessadores
tambémcontribuiparaoaumento
doscontrolessanitáriosdasgran-
jas,como�imdeevitarosriscos
dedoençaseparasitasquepossam
comprometeraqualidadedacarne.
Essescontrolessãoessenciaisem
qualquermercado,mastornam-se
maisrígidosnossistemasvoltados
àexportação.Apesardoaumento
doscontrolessanitáriosnasúlti-
masdécadas,semelhantesaospre-
sentesnaavicultura,aimagemda
produçãobrasileiradesuínosno
exteriorfrequentementeéafetada
peloseventosdecrisessanitárias
nosetordecarnebovina,princi-
palmentequandoocorremcasosde
febreaftosa.Comisso,normalmen-
teosmercadosquelevantambar-
reirasàimportaçãodecarnebovi-
nabrasileiratambémbloqueiama
carnesuína,apesardasdiferenças
entreossistemasprodutivos.
SegundoaABPA,nosúltimosanos
asexportaçõesapresentaramrela-
tivaestabilidade,oscilandoentre
540miltoneladas(2010),516mil
toneladas(2011),581miltone-
ladas(2012)e517miltoneladas
(2013).Essesvolumesre�letem
asdi�iculdadesdeexportaçãoea
opçãododirecionamentodamaior
parceladaproduçãoparaomerca-
dointerno,queabsorveuosseguin-
tesvolumes:2.698miltoneladas
(2010),2.882miltoneladas(2011),
2.907miltoneladas(2012)e2.912
miltoneladas(2013).Essadisponi-
bilidadeinternaresultouemuma
baixaoscilaçãonoconsumopor
pessoa:14,14kg(2010),14,94kg
(2011),14,89kg(2012)e14,56kg
(2010).
Osdadosdeconsumoporpessoa
revelamqueapropensãoacom-
prarcarnesuínadoconsumidor
pareceestabilizada,oquesigni�ica
quenãoocorreuatrocaporoutra
fontedeproteína,mas também
revelaaausênciadequalqueres-
tímuloe�icazporpartedosprodu-
toresparaincrementaroconsumo
nesseperíodo.Cabelembrarque,
nosúltimosanos,observa-seum
aumentonadiversi�icaçãodospro-
dutoscomcarnesuína,comfoco
emcortesdiferenciadosevenda
embandejasplasti�icadas,emfor-
matossimilaresaosencontrados
paraascarnesbovinaeavícola.
Essasabordagenstêmopapelde
educaroconsumidorsobreovisu-
aleatributosdecadacortesuíno,
aserpreparadoemcasa.Comisso,
busca-sevalorizaroprodutobási-
coedistanciá-lodasformastradi-
cionaisdevenda,comoaspeçasde
pernilparaassarouospertences
parafeijoada.Aparentemente,esse
esforçodosprocessadoresnãotem
provocadograndesmudançasno
per�ildeconsumodecarnesuína,
revelandoumapossívelcarência
naáreadecomunicaçãoinstitucio-
nalporpartedeentidadesassocia-
tivas.
Comrelaçãoaomercadoexterno,
osetorenfrentaasquestõestra-
dicionaisnocomérciointernacio-
naldeprodutosagrícolas,como
asbarreirastarifárias(tarifasde
importação)enãotarifárias(cotas
porpaísouregião,exigênciasde
sanidadeecontrolederesíduosde
5análise de conjuntura
abril de 2015
medicamentos).Alémdisso,quan-
dooprodutoconsegueentrarem
determinadopaís,ocorreacom-
petiçãocomosprodutoreslocais
pelapreferênciadosconsumidores,
combaseemqualidade,preçose
relaçõesdetrocaentreasmoedas
(taxadecâmbio).
Aexportaçãodecarnesuínaapre-
sentouoscilaçõesaolongodoano
de2014, comvolumesmensais
entre35e50miltoneladas,oude
90a190US$milhões,comoacu-
muladodoanoatingindo494,2mil
toneladase1,6US$bilhões,con-
formedadosdaABPA.Oprincipal
destinoemvolumeexportadofoi
aRússia,queabsorveu186milto-
neladas,oquerepresentouumau-
mentode38%emrelaçãoa2013.
Osegundodestinoemvolumefoi
HongKong,com110miltonela-
das,resultadodeumaquedade
8,5%emrelaçãoaoanoanterior.
Aterceiraposiçãoéocupadapor
Angola,com52,2miltoneladas,o
queindicaumcrescimentode4,2%
sobreoanode2013.
Aavaliaçãodosprincipaisdestinos
emtermosdereceitadevendas
indicaalgumasdiferençasemter-
mosdeganhospercentuais.Assim,
paraoprincipaldestino,aRússia,
ototaldeexportaçõesem2014
atingiuUS$810,5milhões,com
umganhode96,7%sobreoano
anterior.Paraasegundaposição,
HongKong,areceitafoideUS$279
milhões,oqueindicaumaquedade
3,53%sobreoanode2013.Parao
terceirocolocado,Angola,asven-
dassomaramUS$94milhões,com
acréscimode1,67%sobreoano
anterior(ABPA).
ConformeinformaçõesdaABPA,a
Rússiamantém�irmeopropósito
decomprarcarnesuínabrasileira.
Nomêspassado,osrussos� ica-
ramcom47%dessetipodecarne
exportadapeloPaís.Emrelação
àsreceitas,aRússiaparticipou
com61%dototalrecebidopelos
exportadores.Ohistóricodealtos
ebaixosnorelacionamentocomer-
cialcomaRússia,queoraabria,
orarestringiasuasimportações,
recomendaumaposturadecaute-
la.Entretanto,asdi�iculdadesque
essepaísenfrentacomassanções
econômicasdosEUAedaUnião
Europeiaparecem indicaruma
perspectivapositivaparaasexpor-
taçõesbrasileiras.
Emabril,foramdivulgadosdados
doSistemadeEstatísticasdeCo-
mércioExteriordoAgronegócio
Brasileiro(Agrostat)divulgados
peloMinistériodaAgricultura,Pe-
cuáriaeAbastecimento(disponível
emwww.agricultura.gov.br).As
exportaçõesdoagronegóciobrasi-
leirosomaramUS$7,88bilhõesem
marçode2015,quedade1,1%,em
relaçãoamarçode2014.Asimpor-
taçõestambémobtiveramqueda,
de05%,epassaramdeUS$1,42
bilhãoemmarçode2014paraUS$
1,41bilhãoemmarçode2015.Por-
tanto,osaldodabalançacomercial
foideUS$6,47bilhões.
Conformeamesmafonte,ocomple-
xosojafoioprincipalsetor,comex-
portaçõesqueatingiramacifrade
US$2,81bilhões.Ascarnesestão
emsegundolugar,comUS$1,17
bilhãoemmarço.Nosetor,acarne
defrangofoiresponsávelporUS$
571,92milhõesdasexportações
eacarnebovina,porUS$462,70
milhões.Jáacarnesuínaexportou
US$84,16milhõeseacarnede
peru,US$22,76milhões.
Oaproveitamentodasoportunida-
desdemercadosexternosdepende
cadavezmaisdaagressividadedas
açõespúblicaseprivadasparaa
promoçãodoproduto,vistoqueas
condiçõesdesanidadeequalidade
dossistemasprodutivosbrasilei-
rossãoinquestionáveis.Orecen-
temovimentodedesvalorização
cambialdoreal frenteaodólar
pareceoferecerumreforçofunda-
mentalparaacompetitividadeda
carnesuínabrasileiranosdiversos
mercados.Aguarda-seacon�irma-
çãodessatendêncianospróximos
meses.Seissoocorrer,oesforço
deaprimoramentodae�iciênciae
sanidadeempreendidopelosetor
nasúltimasdécadaspoderáser
�inalmenterecompensadoporuma
expansãodasexportações.
(*)PesquisadordoPENSAUSP-CentrodeConhecimentoemAgronegócioseprofessor
naFaculdadedeTecnologiadeSãoPaulo.(E-mail:[email protected]).
6 análise de conjuntura
abril de 2015
Nível de Atividade: Estagnação Econômica em 2014
V��� M������ �� S���� (*)
OsdadossobreoProdutoInterno
Bruto(PIB)de2014,divulgados
recentementepeloIBGE,mostra-
ramdeformaefetivaoquetodosjá
sabiamintuitivamente:aeconomia
brasileira�icouparadaem2014,
comestimativadecrescimentode
apenas0,1%emrelaçãoa2013,
ouseja,nadadecrescimento.No
entanto,pelomenosnãohouve
umaquedaabruptadaprodução
interna,istoé,nãohouverecessão.
Equaissãoasrazõesparaessapa-
radaeconômica?Podemosculpara
estagnaçãodaproduçãopeloefeito
CopadaFIFA,porváriosdiasferia-
dos,oupelaseleiçõesdeoutubro,já
que,pormaisqueogovernotivesse
aumentadoseusgastosnomomen-
toeleitoral,nãofoipossívelrever-
teraquedadeinvestimentoseo
ambientenegativoqueseformou.
Ecomonão lembraros fatores
exógenoscomoasecaprolongada
noSudesteeseuimpactosobrea
agriculturaeproduçãodeenergia,
amudançanapolíticamonetária
americanaeseuimpactosobreos
�luxosdecapitaiseascotaçõesdo
dólar,econsequentemente,sobrea
in�lação.Apesardissotudo,omer-
cadodetrabalhocontinuouapre-
sentandobaixosníveisdedeso-
cupaçãoeacontençãodospreços
administradosatéo�inalde2014
forampeças-chaveparaareeleição
dopartidonopodercentral.
Passadasaseleições,arealidadese
impõe.Odé�icitemcontascorren-
teseo�iscalcolocamemalertaas
agênciasdeclassi�icaçãoderisco
eosinvestidoresinstitucionais.Se
nadafossefeito,opaísperderiao
graudeinvestimentoeosgrandes
fundosinternacionaisteriamne-
cessariamentedesairdomercado
brasileiro,colocandomaispressão
sobreocâmbio,in�lação,nívelde
atividadee�inalmentenoempre-
go.Nãohácomoevitar,oajusteé
necessário.Assim,ocenárioeco-
nômicomudajánoiníciode2015,
comaumentosdediversospreços
administrados,correçãodocâmbio
pelaalteraçãodapolíticadeswaps
cambiaiseajustenapolítica�iscal,
comaestipulaçãodeumametade
resultadoprimáriode1,2%doPIB.
Osefeitosdoajustesóserãocaptu-
radospelasinformaçõesdomeio
doano,apesardejáseternotícias
deaumentodein�lação(corretiva
depreçosdefasados)edemissões
(nossetoresquesofreramarever-
sãodossubsídios).
Porenquanto,oquesetemdeo�i-
cialéasituaçãodaeconomiabra-
sileiraem2014.Vamosaosdados.
Em2014,oPIBAcumuladoalcan-
çouR$5.521bilhões,dosquaisR$
4.719bilhõesreferem-seaValor
Adicionado(VA)apreçosbásicose
R$802bilhõessãoImpostossobre
Produtos, líquidosdesubsídios.
OVAapresentouligeiroaumento
de0,2%,enquantoos impostos
sobreprodutostiveramreduçãode
0,3%,especialmenteemfunçãoda
reduçãodoIPI.Oquartotrimestre
de2014apresentouumresultado
positivode0,3%sobreoterceiro
trimestredesseano,quepareceter
sidoofundodopoçodaeconomia
em2014.
Cabenotarqueessesresultados,
apesardeseremumaboaapro-
ximaçãodarealidadeeconômica,
qualseja,deumaeconomiaestag-
nada,sãotambémfrutodeuma
modi�icaçãonaprópriaelabora-
çãoestatística-umaimportante
atualizaçãodametodologiapelo
IBGEnaapuraçãodasContasNa-
cionais:asinformaçõesre�letem
oSistemadeContasNacionais,
Referência2010,que introduz
procedimentosconformeasre-
comendaçõesinternacionaisdo
“SystemofNationalAccounts,SNA
2008”,atualizandoospesosde
algumasvariáveis,introduzindo
novasinformaçõesounovasbases
dedadosereclassi�icandoalgumas
variáveis.Assim,anovametodolo-
7análise de conjuntura
abril de 2015
giausaoCensoAgropecuáriode
2006,aPesquisadeOrçamentos
Familiares2008/9,oCensoDemo-
grá�icode2010,assimcomopes-
quisasespeciaissobreoconsumo
intermediáriodaindústriaeser-
viços,dasmargensdecomércioe
transporte,easestruturasatuali-
zadasdosimpostos.Alémdisso,as
atividadespassaramaserclassi�i-
cadasconformeaClassi�icaçãoNa-
cionaldeAtividadesEconômicas,
CNAE2.0,enquantoanteriormente
erausadaaversãoanterior,aCNAE
1.0.Amudançametodológicain-
cluiutambémautilizaçãodeum
novosoftwareestatístico,oX-13
Arimaversão1.1Build9,parao
cálculodoajustesazonal.
Apartirdessasmodi�icações,as
taxasdecrescimentodosagrega-
dosforamreestimadase,paraos
anosde2012e2013,asalterações
maissigni�icativassãoapontadas
aseguir.Em2012,ocrescimento
doPIBpassoude1,0%para1,8%,
sendooagregadoquemaissofreu
alteraçãoaFormaçãoBrutade
CapitalFixo,queoriginalmente
tinhaapresentadoquedade-4%,
equepassouparaumaquedabem
menossevera,de-0,6%,ouseja,o
investimentonãoteriadespenca-
do,massimestagnado.Também
nesseano,aIndústriaqueorigi-
nalmenteapresentavaquedade
-0,8%passouparaoladopositivo
decrescimento(0,1%),ouseja,
tambémdeestagnação.
Em2013,oPIBpassoude2,5%
para2,7%,umpequenoaumen-
tode0,2%,resultadoespecial-
mentedoaumentodaFormação
BrutadeCapitalFísicode5,2%
para6,1%,umaumentode0,9%.
Nesseano,aindústriaapresentou
umcrescimentooriginalmentede
1,7%para1,8%,umamodi�icação
praticamentenula,enquantoa
agropecuáriateveumcrescimento
reestimadode7,3%para7,9%,ou
seja,0,6%.
Efetivamenteasmudançasmeto-
dológicasatingiramdemodomais
forteaFormaçãoBrutadeCapital
Físico,aoampliaraabrangência
dosativosnão�inanceirosnacon-
tagemdePropriedadedeAtivos
Intelectuais.Passaramasercon-
siderados,porexemplo,osgastos
compesquisaedesenvolvimento,
gastoscomsoftwaresebancosde
dados,queanteriormenteeram
consideradosconsumointermedi-
ário.Tambémforamincluídosos
gastosmilitaresdosgovernos.No
casobrasileiro,esteúltimotipo
degastonãoésigni�icativo,mas
nocasodosEstadosUnidos,sem
dúvida,éumaimportantefonte
degasto,demodoquesepode
especularseboapartedarecu-
peraçãoobservadarecentemente
nessepaíssedeveàmodi�icação
nacontabilizaçãodessesetor.Por-
tanto,éimportanteterclaroque
as informações,pormelhorque
sejam,sempresãosensíveisàsme-
todologiasutilizadas,demodoque
comparaçõestantonotempocomo
entrepaísesdevemservistascom
cautela.
Istoposto,podemosveratrajetó-
riadecrescimentodeclinantedo
PIBtrimestralentreoprimeiro
trimestrede2011eoúltimotri-
mestrede2014(Grá�ico1),quere-
presentaoperíododegovernoda
presidenteDilma.Conformedito
antes,apesardaexpansãodogasto
públicoedaconcessãodesubsídios
asetoresespecí�icos,esseperíodo
nãologrouexpansãovigorosada
produçãonacional.Empartepor
contadacriseexterna,emparte
pelosvazamentosderecursosao
exterior-aumentodasImporta-
çõesdeBenseServiçosetambém
desaídasindevidasdedivisas,con-
formeonoticiáriotemmostrado.
OGrá�ico2permiteavisualiza-
çãododesempenhodoconsumo
das famílias,daadministração
públicaedaformaçãobrutade
capital�ísicoapartirdoprimeiro
trimestrede2011atéoúltimo
trimestrede2014.OConsumo
dasFamíliasfoifatorimportante
duranteoperíodo,masapresentou
tendênciadeclinante:passoude
umataxadecrescimentoemtorno
de6%nostrimestresde2011para
umcrescimentoemtornode2%
em2014.OConsumodoGoverno
(administraçãopública),embora
maissuave,tambémtevetrajetó-
riadeclinante,deumamédiade
crescimentode3%em2011para
2%em2014.Ataxadecrescimento
daFormaçãoBrutadeCapitalFísi-
co,componentemaisinstáveldos
agregados,passoudeumamédia
decrescimentode9%nostrimes-
tresde2011para0%em2014,
8 análise de conjuntura
abril de 2015
in�luenciadaespecialmentepelos
últimosdoistrimestresde2014,
quandoodeclíniofoiacentuado
−�icounegativaem6%,ouseja,
no�inaldegovernohouvequeda
acentuadanosinvestimentos,re-
�letindoclaramenteociclopolítico
daeconomia.Alémdeosinvesti-
mentoscontratadosdiretamente
pelogovernoestaremvinculados
aocalendárioeleitoral,houveum
espalhamentodeletériodosefeitos
dessareduçãodegastospelores-
tantedaeconomia.
OGrá�ico3mostraaevoluçãode
transaçõescomoexteriore,tam-
bémnessecaso,vê-seumatrajetó-
riadeclinanteapartirde2011,boa
partedissoexplicadapeloarrefe-
cimentodaexpansãodaeconomia
internaepelaquedadospreços
dascommoditiesnomercadoin-
ternacional.Selembrarmosqueo
dé�icitemTransaçõesCorrentes
superou4%doPIBem2014,po-
demosconcluirque,apesardisso,
oqueseteméumaeconomiamais
abertae,portanto,teoricamente
maise�iciente,equeavoltaaum
regimedecâmbio� lutuantepuro
devecorrigireventuaisdesequi-
líbriosemum curtoespaçode
tempo.
OGrá�ico4ilustraodesempenho
dos grandes setores econômi-
cosduranteoprimeiromandato
deDilma,destacandoocresci-
mentopersistentementepositivo
dosServiços,masquetambém
tiveramumatrajetóriadecres-
cimentodeclinantenoperíodo;o
desempenhoinstáveldaAgrope-
cuária,cujodesempenhooscilou
muitoemfunçãodascondições
climáticas,apesardetertido,de
modogeral,umaprodutividade
crescente;eodesempenhoinstá-
veltambémdaIndústria,queteve
umareduçãode2%naprodução
doúlt imosemestrede2014.O
pesodosetordeserviçosnoValor
Adicionadocresceunoperíodo
Dilma,passandodeumamédia
trimestralde68%em2011para
71%em2014.PelasContasNacio-
nais,osetordeServiçossozinho
representamaisdoqueodobro
dossetoresdeAgropecuáriae
Indústria juntos,1oquemostra
queaeconomiabrasileiraapre-
sentaumacomposiçãoprodutiva
semelhanteàdepaísesdesenvol-
vidos.Areduçãodaparticipação
relativadaindústriaéresultante
daquedadaparticipaçãodaIn-
dústriadeTransformação,que
passoudeumamédiade14%no
ValorAdicionadonostrimestres
de2011para11%nostrimestres
de2014,oquepodeserassociado
aoprocessodedesindustrialização,
especialmentenosentidorelativo
daIndústriadeTransformação
emparticipaçãonoVA.Doponto
devistaabsoluto,oGrá�ico5nos
dáoutravisãodesseproblema
aomostraraevoluçãodoíndice
deVolumecomAjusteSazonal
daIndústriadeTransformação.
Entre2011e2013,houveredu-
çãoerecuperaçãodaprodução.A
partirdo�inalde2013,há,defato,
declíniodovolumeproduzido,o
queevidenciaefetivamenteum
processodedesindustrialização
emcurso,seguindoamesmaten-
dênciadereduçãodocrescimento
doPIB.Apesardesseproblema
jáapontadopormuitoscríticos,
háqueselembrarquenãohouve
maiorimpactosobreomercado
detrabalhoatéo� inalde2014,
poisosetordeServiçosestavaab-
sorvendoparcelasigni�icativados
trabalhadores.Oajusteemcurso
devepermitirumareadequação
daestruturaprodutivaedomer-
cadode trabalhoque re� litam
maisdiretamenteascondições
dosdiversosmercados.
9análise de conjuntura
abril de 2015
Gráfi co 1 – Crescimento Real do PIB – 1º tri 2011 – 4º tri 2014
Fonte:IBGE.
Gráfi co 2 – Evolução do Consumo e da Formação Bruta de Capital Físico – 1º tri 2011 – 4º tri 2014
Fonte:IBGE.
10 análise de conjuntura
abril de 2015
Gráfi co 3 – Evolução da Exportação e Importação – 1º tri 2011 – 4º tri 2014
Fonte:IBGE.
Gráfi co 4 – Evolução dos Setores Econômicos – 1º tri 2011 – 4º tri 2014
Fonte:IBGE.
11análise de conjuntura
abril de 2015
1 A agropecuária representou 6% do Valor Adicionado em 2014,
e a indústria, 23%..(*)EconomistaedoutoraemEconomiapeloIPE-USP.
(E-mail:[email protected]).
Gráfi co 5 – Índice de Volume Trimestral com Ajuste Sazonal da Indústria de Transformação – 1º tri 2011 – 4º tri 2014
Fonte:IBGE,Média1995=100.
12 temas de economia aplicada
abril de 2015
Promover os Terceiros Para Ser os Primeiros1
H���� Z���������� (*)
Hámaisoumenos150anos,come-
çouatomarformaumanovidade
nocapitalismo:aempresacomo
aconhecemos.Osmercadosse
tornavammaiscomplexosequem
quisessetrabalhardeformamais
e� icientenãopoderiamais im-
provisartodososdias.Comprar
insumos,armazená-los,trabalhar
emequipe,estocaraprodução,
vendereentregardemandavapla-
nejamentoecoordenação.Aem-
presafoiumasoluçãoparareduzir
oscustosdeprestarserviçosou
deproduzirqualquercoisa.Ela
trouxeparabaixodomesmoteto
todasasoperaçõesqueantes,com
custosaltoseine�iciências,eram
contratadasfora.Adotouaestru-
turahierárquica,comcadeiasde
comandoeprocessosburocráticos
decontrole.Quantomaior,mais
níveishierárquicosemaisburo-
cráticososprocessos.Asempresas
–e,principalmente,asgrandes
corporaçõesemquemuitasdelas
setransformaram–reduziramas
incertezaseoscustosparaprodu-
zirevender.Assim,impulsionaram
ocapitalismoepermitiramqueos
empreendedoresatendessemàs
necessidadesedesejosdeconsumo
dasociedade.Alógicadessemo-
deloeratrazertudoparadentro
efazertudoemcasa,paraevitar
aconfusãodecomprartudofora.
Dentrodaempresa, � icavamais
fácilcoordenarecontrolar.Masa
histórianãopara.
Aempresaeraumacadeiaprodu-
tivacompletaecresciaadquirindo
outraseabrindonovasfrentes
deprodução.Severticalizavaese
diversi�icava.Surgiramasinsti-
tuiçõesdomercadodetrabalho.A
empresa,queprecisavadeumqua-
drodeempregadospermanentes
ecomprometidos,crioupolíticas
derecursoshumanoscompatíveis
comessanecessidade.Ossindi-
catos emergiramepassarama
organizar,representarealcançar
conquistasparaostrabalhadores.
OEstadofezsuaparteformulan-
doeimplantandopolíticaspúbli-
casdeproteçãoeregulamentouo
mercadodetrabalho.ODireitodo
Trabalhosedesenvolveutambém
apartirdasrelaçõesdetrabalho
contínuas,típicasdaempresaca-
pitalista.
Asinovaçõestecnológicasdosúlti-
mos50anoscriaramascondições
paraalteraçõesradicaisnasformas
deorganizarecoordenaraprodu-
ção.Ocomputador,ainternetea
logísticaavançadapermitemhoje
13temas de economia aplicada
abril de 2015
queumaempresaseorganizecom
umnúcleoenxutoqueplanejae
coordenacadeiasprodutivasàdis-
tância,eatéglobalmente.Nosetor
deserviços,queéhojeocarro-che-
fedaseconomiasnomundo,esse
formatoémaisevidenteemais
frequentementeadotado.Nãoé
maisprecisotrazertudoparaden-
tro,porque�icouacessíveleviável
comprarforaefazerfora.Aempre-
saverticalestásendosubstituída
pelaredehorizontaldeprodução.
Asorganizaçõeshierárquicasebu-
rocráticasnãosãomaisfuncionais
edeixaramdesercompetitivas.
Nãoconseguemacompanhar o
ritmodasnovasredesprodutivas.
Evidentemente,atransformação
naorganizaçãodaproduçãotem
repercutidonasrelaçõestraba-
lhistas.Oempregotradicionaltem
sidosubstituídopelaterceirização
eporoutrasformasdecontratação
detrabalho,maisadequadasao
formatoatualdaempresacompe-
titiva.Paraacompanharatrans-
formaçãonasrelaçõesdetrabalho,
asempresasprecisamreformular
suaspolíticasdeRH,ossindicatos
precisamsereinventar,oDireito
doTrabalhoprecisasereciclare
oEstadoprecisaadequaraspolí-
ticasdomercadodetrabalhoeas
políticasdeproteção.Todasessas
instituiçõesforamformadasapar-
tirdovínculodeempregocontínuo
edireto.Agora,comasnovasfor-
masdecontratação,asinstituições
terãoqueseadaptar.
A legislaçãotrabalhistadoBra-
sil,criadaporGetúlioVargas,nos
anos30-40doséculopassado,está
ultrapassada.Foielaboradapara
protegerotrabalhadordaempresa
antiga.Nãofoifeitaparaomundo
dehoje.Nossos legisladoresse
omitiramatéagoraedeixaramum
vácuolegalaonãoregulamentara
terceirização.Oúnicodispositivo
quetratadotemaéaSúmula331
doTribunalSuperiordoTrabalho
(TST),quepermiteaterceirização
nas“atividades-meio”,masaproíbe
nas“atividades-�im”.Doisexemplos
podemajudaraentenderalógica–
ouafaltadela–naSúmula.
Oprimeiroseriaumaescola.De
acordocomoTST,elapodeter-
ceirizara cantina,a limpeza,a
segurançaeotransporte–asati-
vidades-meio,deapoio.Masnão
podeterceirizaraaula,porqueo
ensinoésuaatividade-�im.Neste
caso,épossívelsepararcomclare-
zaasduascategoriasdeatividade.
Masumsegundoexemplomostra
quenemsempreadistinçãoétão
simples.Ocasoagoraseriauma
fábricadecelulosequetemtam-
bémumaplantaçãodeeucaliptos.
Seaempresadecidirterceirizar
aextraçãodamadeira(ocorte
dasárvoreseseutransporteaté
afábrica),serámultadapelains-
peçãode trabalho.Se recorrer,
serácondenadapeloTST,porque,
paraosnossosjuízes,aextração
demadeiraéatividade-�imdafá-
bricadecelulose.Oexemplonãoé
umcenáriohipotético.Hádiversos
casosdefabricantesdecelulose
condenadosnoTSTporterceiriza-
remaextraçãodamatéria-prima
queusam.ASúmula331proíbe
nossasempresasdeevoluíreme
setransformarememredespro-
dutivas.Condena-asapermanecer
noséculoXX,verticalizadasenão
competitivas.
Asempresasquesearriscamna
terceirização�icamnadependência
deuminspetordotrabalhooude
umjuizdecidirseaatividadeter-
ceirizadaéounãoumaatividade-
-�im.Afaltadebaseslegaissegu-
rasparaaterceirizaçãoimpedea
modernizaçãodasempresasbra-
sileirase,portanto,reduzacom-
petitividadedanossaeconomia.
Umacompanhiatemdesetornar
maiscompetitivaparaconseguir
crescer,disputarnovosmercadose
terchancedecriarmaisemelhores
postosdetrabalho.Regulamentar
aterceirizaçãoéumanecessidade
estratégicaparaoBrasil.
Seassimé,porquetantaresistên-
ciaà regulamentação?Quaisos
argumentos?Quemseopõeepor
quê?
Oargumentoprincipaléatesede
queaterceirizaçãotransformariao
mercadodetrabalhoemumaselva.
Asempresasdespediriamosseus
empregadoseterceirizariamtodas
asatividades,oque“precarizaria”
ascondiçõesdetrabalhoeredu-
14 temas de economia aplicada
abril de 2015
ziriasaláriosebene�ícios.Oargu-
mentoéexagerado.Paramostrar
oexagero,voltemosaoprimeiro
exemploacima:di�icilmenteuma
escolasériaterceirizariasuassalas
deaula.Mas,devemesmoexistir
uma“demandareprimida”dater-
ceirizaçãoque�icariavisívelcoma
regulamentação,poisasempresas
sesentiriammaissegurasaadotar
asnovasestratégiasdenegócios.
Porém, issonãotrariaa leidas
selvasaomercadodetrabalho.O
projetoemvotaçãonaCâmarados
Deputadosébastanteequilibrado
econtémmecanismosesalvaguar-
dasquelimitarãoousodaterceiri-
zaçãoàssituaçõesemqueaumen-
taráae�iciênciasemprejudicaros
trabalhadoresterceirizados.
Ateseda“precarização”parece
serumacortinade fumaçaque
escondeoutrasmotivações.Ater-
ceirizaçãocriaumcon�litodere-
presentação:quemrepresentaria
osterceirizados,osindicatodos
trabalhadoresdaempresaprinci-
palouodasterceirizadas?Ocon�li-
toentreascorrentessindicaistem
sidopoucoexplicitado,masnaver-
dadeéumadasrazõesprincipais
queretardaramaregulamentação
damatéria.Ossindicatosdascate-
goriasprincipaisgostariamdeas-
sumirarepresentaçãodostercei-
rizados.Asentidadesempresariais
gostariamquea representação
�icassecomossindicatosdoster-
ceirizados–normalmentemenos
poderosos.Oprojetoemaprecia-
çãonoCongressopareceterresol-
vidoessaquestão:quandoaativi-
dadeterceirizadaforrelacionada
àatividadeprincipaldaempresa,o
sindicatoprincipalrepresentaráos
terceirizados.Quandonãoforrela-
cionada,osindicatodosterceiriza-
dosseráorepresentante.Omelhor
teriasidodeixaressadecisãopara
osprópriostrabalhadores,mas,
aparentemente,nenhumdosdois
ladosaceitariaessasolução.De
qualquerforma,otextopareceter
encontradoumcaminhoesuperou
oimpassequeretardavaavotação
damatéria.
Outropontoderesistência–este
deúltimahora–foiapreocupação
dogovernofederalcomapossível
perdadereceitaquedecorreriada
terceirização.Otextopareceter
solucionadoaquestão,aodeter-
minarqueaempresacontratante
reteránafonteostributosquese-
riamrecolhidospelaterceirizada.
Trata-sedeumcomplicador,mas
essadecisãoacabousolucionando
outraquestãocríticaqueenvolveu
odebatedaterceirizaçãodesde
ocomeço:aresponsabilidadeda
contratantesobreospagamentos
aofuncionárioeorecolhimento
detributos.Essaresponsabilidade
seriasubsidiária(ouseja,menor
queadaempresaterceirizada)ou
solidária(ouseja,tãograndequan-
toadaempresaterceirizada)?Esse
pontodividiuempresasesindica-
tosatéagora.Foi,emparte,supe-
radacomaretençãodostributos
nafonte.
Entremortoseferidosnabatalha
daterceirização,parecequetodos
vamosnossalvar.Aaprovaçãoda
regulamentaçãotornaráviávela
terceirizaçãonoBrasilecontribui-
ráparaaumentarnossacompetiti-
vidadeemcomparaçãocomoutros
países.Comosterceiros,teremos
melhoreschancesdedisputarum
lugarentreosprimeiros.
1 PublicadonarevistaÉpoca,13/04/2015,p.70-72.
(*)FEA/USP.(E-mail:[email protected]).
15temas de economia aplicada
abril de 2015
Conciliando Sustentabilidade Fiscal e Aumento da Renda dos Idosos: O Caso da Hipoteca Reversa
R������ N������� C������� (*)
Comoprocessodeenvelhecimen-
topopulacional,queestáocor-
rendoemnívelglobal,commaior
oumenorvelocidadeepartindo
dedistintosníveis,muitospaíses
têmencontradodi�iculdadepara
manterasustentabilidade�iscal
dosseussistemasdeseguridade
oudeproteçãosocial.Contudo,é
importantequeasustentabilidade
�iscalnãosejaconseguidacomo
comprometimentodaadequação,
apontodovalordosreferidosbe-
ne�íciosnãoevitarapobrezados
bene�iciários.Portanto,hánecessi-
dadedeconciliarsustentabilidade
�iscalcomcombateàpobreza,em
especial,dapopulaçãoidosa.
Essaconciliaçãopodeparecerdi�í-
cil,tendoemvistaqueoaumento
novalordosbene�íciosdaseguri-
dadesocialnecessariamentesigni-
�icaaumentodosgastospúblicos,
quejáseencontrampressionados
peloenvelhecimentopopulacional.
Nessecontexto,aumentaointeres-
seemestudarouavaliarachama-
dahipotecareversa.Comocoloca-
doporCaetanoeMata(2009),a
hipotecareversapermiteapessoas
emidadeavançadaconverterseu
ativoimobiliárioemum�luxomen-
salderenda,semanecessidade
devendero imóveloudeperder
atitularidadedoativo.Emoutras
palavras,umahipotecareversa
visagerarrendaparaapopulação
idosasemquehajanecessidadede
sedesfazerdeseuimóvel.Éuma
modalidadedeempréstimoemque
odevedorfornececomogarantia
o imóveldoqualéproprietário,
podendoreceberosrecursosde
talempréstimodediversasfor-
mas:montanteúnico,pagamentos
mensaisregulares,linhadecrédito
paraoproprietáriodoimóvelou
umacombinaçãodasmodalidades
anteriores.
Nahipotecareversa,omontante
devidocrescecomotempoporine-
xistirquitaçãodadívidaantesque
oproprietáriosemude,faleçaou
vendaoimóvel.Acontrapartidada
hipotecareversasedápelaredu-
çãodariquezaimobiliárialíquida
dodevedor.Obviamente,ahipote-
careversadeveriaserfocadaem
proprietáriosdeimóveisemidade
avançadaquepossuemumnível
derendacorrentenãotãoelevado,
masquepossuemativoimobiliário
semliquidez.
Portanto,paraumaposentadoou
idosoquetemapenasumimóvel
queutilizacomomoradiaprópria
e,portanto,nãotemcomoextrair
rendapormeiodealuguel,que
desejaincrementarsuarendacor-
renteemrelaçãoaovalordoseu
bene�ício,ahipotecareversaseria
umaformademelhorarorendi-
mentosemperderatitularidade
doimóvel.Naprática,éumaforma
dedarliquidezaoativoimobiliário,
oquepodeserextremamenteútil
paraumaposentadoe/ouidoso
comapenasumimóvelemqueresi-
de,sem�ilhosoucomdescendentes
quesãoindependentesdoponto
devistaeconômico,quedesejaou
necessitaaumentarasuarenda
correntepormeiodepagamentos
mensaisregularesatéquevenha
afalecer,porexemplo.Aperdado
imóveldeveriaocorrerapenascom
ofalecimentodoidosooumesmo
doseucônjuge,nocasodeumcasal
sem�ilhosoucom�ilhosquenão
sejamdependentesdopontode
vistaeconômico.
Emváriospaísesahipotecarever-
sajáestáfuncionandonaprática,
podendoserc itadosAustrália,
Canadá,EstadosUnidos,Espanha
eReinoUnido.Aregulamentação
easregrasvariammuitonestes
países,quedenotaacomplexida-
dedesteproduto�inanceiro.Uma
regraqueparececomuméexigên-
ciadeumaidadeapartirdaqual
16 temas de economia aplicada
abril de 2015
épossíveltomarempréstimopormeiodahipoteca
reversa,quepodeser55,60ou62anos.Dequalquer
forma,oprodutoémaisdirecionadoparapessoasde
idademaisavançadaoupessoasidosas,quepodeser
explicadotantopelofatodeapropriedadedeimóvel
crescercomaidade,comotambémpessoasdemais
idadetendematermaiordi�iculdadeparagerarrenda
pormeiodomercadodetrabalho.
Diferentementedosempréstimostradicionais,ahi-
potecareversanãoexigepagamentosmensaisdoem-
préstimoetambémtendeateracessomaisfacilitado
paraosproprietáriosdeimóveis,poisnãohaveriane-
cessidadedecomprovaçãoderendaoucapacidadede
pagamento,poisestagarantiasedápelapropriedade
doimóvel.
DeacordocomCaetanoeMata(2009),cercade85%
dosidososnoBrasiltinhamimóvelprópriocontra
68%daquelescomidadeaté40anos,utilizandodados
daPNAD/IBGE1de2006.DadosparaOCDE2indicavam
que,entreaspessoascom55anosoumais,77%pos-
suíamimóvelpróprio,percentualquesereduziapara
60%parapessoascomaté45anosdeidade.
AnalisandoosmicrodadosdaPNAD/IBGEde2013
tambémsecon�irmaamaiorparticipaçãodepessoas
dereferênciaquesãoproprietáriasdeimóveisàmedi-
daquecresceaidade.ComopodeservistopelaTabela
1,háumincrementodopercentualdepessoasdere-
ferênciaqueresidememimóvelpróprioàmedidaque
aumentaaidadedapessoadeformalinear,crescendo
de62,8%paraaquelasnafaixade20a29anospara
85,9%parapessoasde60anosoumaisouidosas.
Alémdisso,tambémpelosmicrodadosdaPNAD/IBGE
pode-seestimarque86,9%dosaposentadosepensio-
nistas,queerampessoasdereferência,residiamem
imóvelpróprio.
Tabela 1 – Percentual de Pessoas de Referência por Condição do Imóvel Segundo Faixa Etária – Brasil PNAD/IBGE 2013
Faixa de idade Próprio – já pago Próprio – ainda pagando Alugado Outros
de 20 a 29 62,8 5,2 23,4 8,6
de 30 a 39 64,3 7,4 20,1 8,2
de 40 a 49 72,7 5,5 14,5 7,3
de 50 a 59 79,1 4,0 11,0 5,9
60 ou mais 85,9 2,0 7,8 4,3
Total 72,1 5,0 16,0 7,0
Fonte:microdadosdaNAD/IBGE-2013.
Além do envelhecimento populacional, famílias fi cando
menores (com menos fi lhos), aumento da expectativa de vida e sobrevida das pessoas e incremento do número
de casais sem fi lhos com a expressiva queda de fecun-didade são fatores que tendem a aumentar ainda mais o
potencial da hipoteca reversa.
Contudo, embora esse instrumento financeiro tenha
importante potencial para melhorar a renda e a quali-dade de vida dos idosos, aposentados e pensionistas, há
riscos e problemas que demandam cautela em relação
a sua aplicação. Em primeiro lugar, não há dúvida que se trata de um produto provavelmente complexo para
o entendimento de boa parcela do público-alvo. Ade-mais, em alguns países que adotaram a hipoteca reversa
observaram-se problemas como altas taxas de juros e elevados custos de administração. Além disso, o ideal
é que os pagamentos mensais durem enquanto o idoso estiver vivo, mas o risco de uma sobrevida maior que a
esperada deve ser enfrentado de alguma forma, como,
17temas de economia aplicada
abril de 2015
por exemplo, por meio de seguros. A regulamentação
também deve ser cuidadosa, pois, caso contrário, pode gerar problemas de moradia para cônjuges do proprie-
tário do imóvel.
Portanto, de modo geral, pode-se afi rmar que a hipoteca
reversa é, sem dúvida nenhuma, um instrumento fi nan-ceiro que pode melhorar a renda de idosos, aposentados
ou pensionistas sem gerar custo fi scal para os sistemas de seguridade social que já se encontram com sua
sustentabilidade fi scal ameaçada pelo envelhecimento populacional. Entretanto, sua possível implementação
precisa ser debatida de forma cuidadosa por governo, sociedade, idosos, aposentados, pensionistas e mercado
fi nanceiro de forma que seu potencial positivo não seja reduzido ou mesmo ameaçado por uma regulamentação
inadequada.
Referências
CAETANO,MarceloAbi-Ramia;MATA,Danielda.Hipotecareversa.TextoparaDiscussãoIPEAnº1.380,2009.
OCDE.PensionsatGlance2013.
1 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
2 Dado extraído da publicação Pensions at Glance 2013 da OCDE.
(*)MestreemEconomiapeloIPE/USP,mestreemGestãodeSistemasde
SeguridadeSocialpelaUniversidadedeAlcalá/OISSeespecialistaemPolíticas
PúblicaseGestãoGovernamentaldogovernofederal.Oautortempassagens
peloMinistériodaPrevidênciaSocial(ex-assessorespecialdoministro,diretor
dodepartamentodoregimegeralecoordenador-geraldeestudospreviden-
ciários),MinistériodoTrabalhoeEmprego(ex-assessorespecialdoMinistro
ecoordenador-geraldeempregoerenda),MinistériodoDesenvolvimento
Social,IPEAeOIT.Aposiçãodoautornãore�leteaopiniãodasinstituições
citadas.(E-mail:[email protected]).
18 temas de economia aplicada
abril de 2015
A Revolução Ubíqua: Projeções, Desafi os e Expectativas na Eco-nomia Política da Internet das Coisas (IoT)
J���� L������� M����� (*)
Nobojodenossasre�lexõessobre
tendênciasedestaquesnaecono-
miapolíticadacriatividadeedas
TICsaolongode2015,avançamos
agorarumoaoestudodeumadas
principaisfronteirasnosetor:a
ampliaçãodachamadaInternetdas
Coisas(usualmenteconhecidapor
suasiglaeminglês,“IoT”).Apossi-
bilidadededotardeconectividade
todoequalquerprodutoalterasig-
ni�icativamenteapaisagemtecno-
lógicacotidianaeaprópriarelação
entreusuáriosearedecomoum
todo.Maisdoqueumasimplesno-
vidadetecnológica,ocrescimento
dessamodalidadegeraimplicações
econômicas,sociaisepolíticasde
primeiragrandeza.
1 Dos Desertos de Las Vegas aos Alpes de Davos: Sem Novidades no Front Tecnológico?
Anoapósano,pro�issionaisdo
mercado tecnológico,analistas
eadeptosdetecnologiaacompa-
nhamdepertooslançamentosde
novosprodutoseserviçosemeven-
tosefeirasdosetor.Umdosprinci-
paismarcosnocalendárioanualdo
segmentoéoConsumerElectronics
Show(CES),umafeiraanualrea-
lizadaemLasVegas,nosEstados
Unidos,naqualseapresentamlan-
çamentoseprotótipos.Oeventoé
tambémumdosmaiorescanaisde
conexãoentreosprincipaisatores
econômicosdouniversotecnológi-
cocomograndepúblico.
Organizadodesde�inaisdosanos
1960,oCESjáfoipalcodediversas
“estreias”,aí incluindoprodutos
célebres,comoogravadordevide-
ocassete,otocaCDs,oDVDe,mais
recentemente,ostelevisoresde
plasma,astelasdealtade�inição
ouasimpressoras3D.Combase
nessehistóricohá,anoapósano,
grandeexpectativadomercadoa
respeitodenovidadese,preferen-
cialmente,deinovaçõesrevolucio-
nárias.Bastamencionarque,ao
longodosúltimosanos,produtos
comotabletsesmartphonesconca-
tenamasatençõesdafeira.
Obalançogeraldaediçãode2015,
contudo,foiligeiramentedistinto.
Em lugardenovosprodutos,o
grandeprotagonistafoium“con-
ceito”,justamenteode“Internet
dasCoisas”(IoT).Assim,emlugar
denovíssimosdispositivosoure-
volucionáriosaparelhos,diver-
sosexpositoresdafeirafocaram
atençõesnaapresentaçãodeobje-
tosaparentementeconvencionais
comoeletrodomésticos,automó-
veis,camisetaseatémesmoto-
madasouchuveiros.Adiferença,
contudo,éainéditapossibilidade
deinteratividadedeeentreesses
aparelhos.
Umadasprincipaisapostasdas
empresasdetecnologiaparaos
próximosanosé,nessesentido,in-
crementaralistadeprodutosinte-
ligentes,aumentandoovolumede
tecnologianocotidianodosconsu-
midores.Aconsultoriatecnológica
Gartnerestimaque,emcincoanos,
oplanetaterácercade26bilhões
deobjetosconectados,gerando
umaeconomiaestimadaemquase
2trilhõesdedólares(MIDDLETON;
KJELDSEN;TULLY,2013).
Diantedessaperspectiva,aexpec-
tativaédequeatitudesdiáriase
corriqueirascomoandardecarro,
ligaroudesligarumeletrodomés-
ticotornem-seaçõesonline,pas-
síveisde interaçãocomoutros
produtosdousuário.Obviamente,
aspotencialidadesestendem-sede
formain�inita.Jásecogitaautili-
zaçãodatecnologiaIoTparaum
vastoespectrodefunções:deequi-
pamentosmédicosaplataformas
depetróleo,deroupasinteligentes
acobrançadepedágios.Éóbvio
queessaampli�icaçãodocampode
19temas de economia aplicada
abril de 2015
açãodarede–e,consequentemen-
te,dasempresasnelaoperantes
–trazdesa�iosdeprimeiraordem
emtermosdeprivacidadeesegu-
rança.Voltaremosadiscutir,em
artigoposterior,algunsdosriscos
edebatesatualmenteemcurso
dentrodessatemática.
Sejacomofor,ébempossívelque,
comoradicalaumentodaconec-
tividadedeobjetos,oprópriocon-
ceitode“acessoàinternet”trans-
forme-sedemaneiraprementeao
longodospróximosanos.Éjusta-
mentedentrodetalchavequedeve
serlidaarecentedeclaraçãodo
chairmandoGoogle,EricSchmidt.
NamesaOFuturodaEconomiaDi-
gital,realizadanoFórumEconômi-
codeDavos,emjaneirodesteano,
oexecutivofoiperguntadosobre
ofuturodainternet.Suaresposta
foibastantecuriosa:“a internet
desaparecerá”.Oumelhor:elase
tornarácadavezmenosvisívelaos
usuários.
2 A Arena Velada: Disputas pela Primazia de Sistemas e Lingua-gens
Asin�lexõesproporcionadaspela
revoluçãodainternetdascoisas
podemparecersilenciosaspara
osconsumidores,masvêmgeran-
dobastanteruídonosbastidores
econômicos.Comacrescentevalo-
rizaçãodapautadeconectividade
deobjetos,ganhamdestaque,por
exemplo,justamenteasplatafor-
masquepossibilitemacomunica-
çãointeraparelhos.Umdoscasos
mais interessantesediscutidos
atualmenterefere-seaosuposto
interessedaSamsungporadquirir
amultinacionalcanadenseBlack-
berry.
Anegociação,contudo,nãofoicon-
�irmadapornenhumadaspartes.
Diga-sedepassagem,agências
regulatóriasdosEUAedoCanadá
estãoinvestigandoseoboatofoi
lançadocomoobjetivodein�lar
opreçodasações daempresa.
Polêmicas�inanceirasàparte,o
casolevantoualgunsinteressan-
tesdebatesnomeio tecnológi-
cointernacional.Defato,embora
tenhaperdidocompetitividadeno
mercadodeaparelhosportáteis,o
grupogozariadeumcobiçadíssimo
ativo:umadiversi�icadacartelade
patentes.Muitasdessasproprieda-
desintelectuaisvinculam-se,justa-
mente,atecnologiasedispositivos
deconectividadeinteraparelhos.Aí
seinclui,porexemplo,atecnologia
QNX,utilizadaporindústriasdese-
tores“críticos”,comoodeenergias
nuclearesoucontroledetrá�icode
voo.Osistemaoperacionaléutili-
zadotambémporempresascomoa
Porsche,aGEeaCisco.
Paraalémdeumasimplescurio-
sidadetecnológica,começamase
divisarosprimeirosmacroalinha-
mentosdegrupostecnológicos
pelaprimazianomanuseiodatec-
nologiadeIoT.Em2014,empresas
comoa Intel, aDelleSamsung
reuniram-separacriaroOpenIn-
terconnectConsortium(OIC),um
esforçoconjuntoparauni�icara
linguagemeosistemacomconec-
tividadewi-�i. Tambémaícome-
çamasedesenhardisputas:apró-
priaOICfoiprecedidapelaAllSeen
Alliance,umgrupodetrabalhoca-
pitaneadopelaMicrosoft,masque
contacommembroscomoaCisco,
LG,PanasonicouElectrolux,cujo
objetivocapitaléjustamenteode
uni�icaralinguagemeacomunica-
çãointermáquinas.
Atéomomento,asdiferentesem-
presaseconsórciosvêmanuncian-
dointençõesuni�icadasecoope-
radas,masanalistasjáantecipam
quealgumatritodevesurgir, à
medidaqueatecnologiaseconso-
lidarmundoafora.Essadisputade
forçasserásimplesmentedetermi-
nanteaolongodospróximosanos.
TambémoMobileWorldCongress,
ograndeeventodosetordetele-
fonia,trouxenovoscapítulospara
essahistória.Discutiremosesse
eventoeoutrostemascorrelatos
nopróximoartigodestasérie.
Referência
MIDDLETON,Peter;KJELDSEN,Peter;TUL-
LY, Jim.Forecast: TheInternet ofThings
Worldwide.Gartner,18/11/2013.
(*)GraduadoemCiênciasEconômicaseDoutoremHistóriaEconômicapelaUSP.
TrabalhacomtemasligadosàEconomiadaCultura,EconomiaCriativaeEconomiadaTecnologia,daInformaçãoeComunicação
(TICs).(E-mail:[email protected]).
20 temas de economia aplicada
abril de 2015
Os Cubanos e o Programa Mais Médicos: Um Atentado aos Di-reitos Humanos
I���� ��� N��� �� C���� (*)
QuantoaoProgramaMaisMédi-
coséabsolutamenteignominiosa
aatitudedogovernodeCubacom
respeitoaseusmédicose suas
famílias;aquelesprimeirosveem-
-setratadoscomosemiescravos1
eestasúltimassãotomadascomo
reféns2deumregimeautoritário
quetratamédicoseseusfamiliares
comoseressemdireitosdeauferir
ganhosintegrais,deliberdadeede
autonomia.Acoonestartalatitude
inteiramentecondenávelencontra-
-seogovernocentraldoBrasil,o
qual,alémdeafrontarnossaCons-
tituição,nãodáatençãoanormas
consagradasinternacionalmente.
Assim,oatendimentoaserdispen-
sadoanossaspopulaçõescaren-
tes,reconhecidamenteurgentee
necessário,vê-secorrompidopor
doisgovernoscujosatosmerecem
repulsauniversal.3
Ademais,nocasobrasileiro,nãose
deveesqueceroigualcomprome-
timentodospoderesLegislativo
eJudiciário,osquaisfazemvista
grossaemfacedestedesmando
perpetradopornossoPoderExecu-
tivoCentral.
Naimprensafalada,escritaetele-
visiva–recorrentementeacusada
peloPartidodosTrabalhadoresde
estarafomentarorepúdioàatual
presidentedaRepública–,porseu
turno,poucossãoosagentesque
se levantamperemptoriamente
contratamanhasarbitrariedades
easituaçãovexatóriaimpostaaos
referidospro�issionaiseseuspa-
rentes.
Aoqueparece,houveumaverda-
deiraacomodaçãoaoamploapoio
recebidopor talprogramapor
partedaparcelapopulacionalpor
eleatendida.Apoioesteplena-
mentecompreensívelcasonãonos
escapeoseculardesleixocomque
sãotratadosnossoshabitantes
desprivilegiados.
Oqueestáemcausa,comovisto,
nãoéoprogramaemsi–mesmo
porque,paraogovernobrasileiro,
ocustodesuamanutençãosempre
seriaomesmo–,masaformaque
assumiucomrespeitoaoscuba-
nosqueointegram,osquaisre-
presentamagrandemaioriados
pro�issionaisvinculadosaoMais
Médicos.
Dessarte,tantoogovernodeCuba
comoodoBrasilaviltamosmais
comezinhosdireitosdeseusnacio-
naisedescumpremregrasquejáse
achamimpregnadasnaconsciência
degrandepartedahumanidade
ecompõemoroldeobrigaçõese
deveresdoEstadomoderno.
Consideremos,por�im,queseria
plenamenteaceitávelainiciativa
dosdirigentesdeCubadesolicitar,
semqualquerimposição,umacon-
tribuiçãovoluntáriaaseroferecida
porseusmédicosincorporadosa
programasdesenvolvidosnoex-
terior.Aesterespeitotenhamos
presentequeogovernocubano
proporcionouataispro�issionais
umaformaçãoeducacionalgratui-
taedealtonível.
1 Comosabido,paracustearopagamentoaoscu-
banos,oMinistériodaSaúdedoBrasiltransfereo
valorglobaldevidoàOrganizaçãoPan-Americana
daSaúde(OPAS).Estaorganizaçãoretémparasi
5%detalmontante;omédicocubanosediadono
BrasilrecebedogovernodeCubacercade30%
dopagamentoefetuadoaosdemaismédicosvin-
culadosaoProgramaMaisMédicos.Jáaogoverno
cubanocabemosrestantes65%.
21temas de economia aplicada
abril de 2015
2 ConformeveiculadoporCláudiaColucci,“ogovernodeCubaestáameaçando
cassarodiplomadepro�issionaisdoMaisMédicosqueinsistirememmanter
seusfamiliaresnoBrasil(...)OutraformadepressãotemsidoreteremCubao
médicoquesaideférias(equeprecisaobrigatoriamentegozá-lasnailha).Ele
sópoderáretornaraoBrasilse,antes,oparentevoltarparaailha(...)Emis-
sáriosdogovernocubanotêmditoaosmédicosqueocontratoprevêvisitas
[deparentes–IDNC],nãomoradia(...)EmreuniõescomosmédicosnoBrasil,
representantesdogovernocubanotêmditoqueamedidaéparaprevenir
eventuaisdeserções...” (Cf.COLUCCI,Cláudia.Cubaameaçacassardiploma
demédicocomparentesnoBrasil.FolhadeS.Paulo,CadernoCotidiano,pg.
C6,21/03/2015).
3 ComoanotadoporElianeCantanhêde:“OMaisMédicosfazsentidoporquehá
municípiossemnenhumatendimento.Etrazergeneralistascubanostambém
fazsentidoporqueelessãoespecialistasemprevençãobásicajustamenteem
áreascarentesenãoatendidas.MasumagravaçãoobtidapelaTVBandeirantes
mostraqueoobjetivorealnãoeranemumacoisanemoutra.Eradespejar
umbomdinheirono regimedos irmãosCastro.Osmédicosdeoutrasna-
cionalidadessóserviramparadourarapílula...Comoresultado,temosque
oMinistériodaSaúde �inanciaCuba...”(Cf.CANTANHÊDE,Eliane.Bondade
comodinheiroalheio.OEstadodeS.Paulo,Política,pg.A8,25/03/2015).
(*)ProfessorLivre-DocenteaposentadodaFEA-USP.(E-mail:[email protected]).
22 temas de economia aplicada
abril de 2015
O Sobe e Desce do Grau de Investimento
R������ L��� T������ (*)
Maisconhecidopeloseuanglicis-
mo,oinvestmentgradeestásendo
monitoradoansiosamentenoBra-
sil.Enquantoalgunsacreditamque
oBrasilperderásuaclassi�icação,
outrosaguardamasuacon�irma-
çãoeconsolidação.
Ograudeinvestimentoéconce-
didoporagênciasquali�icadoras,
tambémconhecidascomorating
agencies.Trata-sedeumanota
decréditodeumpaís(oudeuma
empresa).Astrêsagênciasmaisco-
nhecidassãoaMoody´s,aStandard
&Poor seaFitch.Elasconceituam
acapacidadedepagardívidas,em
funçãodeindicadoreseconômicos
� inanceiros, comodinâmicada
dívida,reservas,crescimentodo
produtoetaxadecâmbio.Note-se
queéumindicadordesolvênciae
nãodeperspectivaspositivas.
NosEstadosUnidos,quandopelo
menosduasempresasquali�ica-
dorasdãoaoutropaísacategoria
maiselevadadaconceituação,o
graudeinvestimento,osfundosde
pensãonorte-americanospodem
investirnele.Comoelestêmtri-
lhõesdedólaresemsuascarteiras,
umapartedestesrecursosvaipara
ospaísesquepossuemessaclassi-
�icação.
Quandoograudeinvestimento
éretirado,essesrecursossaem
dopaís.Antecipandoorebaixa-
mentodoBrasildaclassi�icação,
algunsinvestidoresjácomeçaram
avenderativosbrasileiros,des-
valorizando-os;outros,con�iando
namanutençãodaclassi� icação
aproveitamparacomprá-loscom
melhorespreços. Issoexplicaa
volatilidadedoIbovespaedodólar
nosúltimostempos.
Ograudeinvestimentofoicon-
cedidoaoBrasilemrazãodaboa
conjuntura internacionaledas
mudançasinstitucionaisnospri-
meirosanosdomilênio.
Comocrescimentodaeconomia
mundialasexportaçõesaumen-
tarame,dessaforma,osaldoco-
mercialsubiueo�luxodedólares
paraoBrasilcresceuconsidera-
velmente.
Aabundânciadedólarespossibili-
touareduçãodadívidaexternaeo
aumentodasreservasinternacio-
nais.Quantomenoradívida,menor
oriscodecréditoemaisfácil�icaa
concessãodograudeinvestimento.
Ouseja,veioumapartepormérito
interno–reformas–eoutraprati-
camentedepresente–pelaconjun-
turainternacional.
Foiumbompresente? Maisou
menos.Os investimentospodem
servantajososounão.Quando
recursosexternosentramecom-
pramativosbrasileiros,uminves-
tidorestrangeiro�icacomotítulo
eoinvestidorbrasileiro�icacom
maisdinheironamão.Só.
Quandorecursossãoinvestidos
naconstruçãodeumafábrica,de
umhoteloudeumausina,criam-
-seempregose,maisimportante,
aumentaacapacidadedeprodução
dopaís.
Investimentosprodutivoscon-
tribuemconsideravelmentepara
melhorarobem-estargraçasao
aumentodepostosdetrabalho,a
saláriosmaiselevadoseàsmaio-
respossibilidadesdeconsumoe
produção.
Jáosinvestimentos�inanceirosaju-
dammuitopouco.Cobramtaxasde
juroselevadase,aoprimeirosinal
deperigo,sãovendidosrapida-
mente,pressionandoobalançode
pagamentos.
Apredominânciadeinvestimentos
emcarteiraparaaproveitarodife-
rencialdejuroscomoexteriorede
operaçõesdearbitragemnasbol-
sasdefuturoscolocaemchequeo
23
abril de 2015
economia & história: crônicas de história econômica 23temas de economia aplicada
tipodeaberturaquemaisconvém
aoBrasil.
Apolíticaeconômicateveumagui-
nadade180%nosegundomandato
dapresidente.Amudançacomeçou
logoapósaeleição,comoiníciode
umapertomonetárioeacorreção
dealgunspreços,eseconsolidou
comamudançadoministrodaFa-
zendanoiníciodesteano.
Éunânimeque,esteano,oPaís
terárecessão;todavia,oquepreo-
cupaéoqueacontecerádepois.
Asprojeçõesdecrescimentoda
economiabrasileirapara2016e
osanosseguintessãoinferioresà
médiamundialeestãoaindamais
distantesdasdevizinhoscomo
Paraguai,BolíviaePeru.
Essasestimativaslevamemconta
queoajuste�iscalemcursoestá
bemestruturadoetemosrequi-
sitosparaevitarumacrisedesol-
vênciadoBrasil.Casocontrário,
pode-se esperar umresultado
aindapior,ouseja,aperdadograu
deinvestimentoemaisumadéca-
daperdida.
Umadastrêsagênciasclassi�icado-
ras,aFitchRatings,anuncioueste
mêsquepoderiarebaixaranotade
investimentodoBrasilseaecono-
miadeterioraraindamais.Colocou
aperspectivadenotadeestável
paranegativa,acompanhandoa
Moody s.
AStandard&Poors jácolocoua
notabrasileiranolimiardorebai-
xamento.Todavia,astrêsainda
mantêmoPaísnacategoriadein-
vestimento.
Éfatodequeos indicadoresde
crescimento,balançodepagamen-
toein�laçãodeterioraramrapida-
mentenostrêsprimeirosmeses
desteano.Háconsensodeuma
in�laçãodaordemde8%em2015,
umdé�icitnobalançodepagamen-
toseumaretraçãodaordemde1%
naeconomia.
Todavia,háindicadoresdequea
economiajáchegouaofundodo
poçoepodevoltaracrescer.As
expectativasdein�laçãotiveram
umapequenareversãonoúltimo
levantamentodoBoletimFocusde
abrileasprojeçõesdecrescimento
pararamdecair.
Oíndicedein�laçãoIPCdaFIPE
mostraefeitospositivosdapolítica
macroeconômicade livro-texto
adotada.Namargemain� lação
estáseenfraquecendo,eaaltado
iníciodoanoseexplicapelacorre-
çãodetarifasedataxadecâmbio.
AsérieCatho-Fipetambémaponta
paraumareduçãodapressãosala-
rial,mostrandoqueadesvaloriza-
çãocambialnãoestásendoabsor-
vidapelossalários,oqueaumenta
acompetit ividadedaindústria
brasileira.
Essamaiorcompetitividade foi
capturadapeloBoletimFocusao
apontarnoúltimolevantamento
umadiminuiçãodareduçãodo
crescimentodaproduçãoindus-
trialbrasileira.
Opreçodeativosreaistambém
apresenta redução em termos
reais.Aquedaémaisacentuada
paraosimóveisdemenortamanho,
conformeapontadopeloFipeZap
dosúltimosmeses.
Namédia,osnúmerosnãosão
bons,masnamargem,sim.Aques-
tão(seaclassi�icaçãoderiscosobe
oudesce)vaiserdecididanaevolu-
çãodosindicadoresnospróximos
meses.
Ogovernoprecisasuperarvárias
barreirassimultaneamente:a�is-
cal,a in�lação,abaixacredibili-
dade,acausadapelaLavaJato,a
políticaeadecrédito,quesãoas
maisdi�íceis.
Foramdadosalgunspassosna
direçãocorretaeháindicadores
namargemquesãoalentadores−
podemserdeumnovocomeço.
(*)FIPE.(E-mail:[email protected])
24 temas de economia aplicada
abril de 2015
O Federalismo Fiscal Durante o Governo Militar: A Construção das Instituições Fiscais Estaduais
1
E���� R������ �� S���� S����� (*)
1 Introdução
Aorigemdaorganizaçãoatualda
estrutura federativabrasileira
remeteàquebra inst itucional
promovidapelas reformasdo
governoCastelloBranco(1964-
1967)−acomodadasaolongodos
anos1970−,orientadapelacon-
centraçãodepodernogoverno
federalerestriçãodaautonomia
dosEstados.Aomesmotempo,a
necessidadedemanterelevadas
taxasdeinvestimentoecresci-
mentoincentivouapolítica�iscal
pró-cíclica,alavancadapeloendi-
vidamentointernoeexterno.O
ambientequeemergiueraarre-
dioàconstruçãodeinstituições
eregrascríveisparaapolítica
�iscal;noentanto,esteambiente
deuespaçoparaqueasmesmas
sesubmetessemàsbarganhas
políticascom�lexibilizaçãoeex-
ceçõesderivadasdointeressedo
governofederal.Paraexplorar
essecenário,apropostadoartigo
édebatersobreasfragilidades
dasinstituições�iscaisestaduais,
enfatizandoquearesponsabilida-
de�iscalnãoeraumaprioridade
nocontextodaépoca,massimo
incentivoaocrescimento.
Osresultadospara�inançases-
taduaisforamproblemas�iscais
caracterizadospelodescontrole
das �inançasestaduais,cresci-
mentodoendividamento,uso
dostruquesemaquiagenscon-
tábeis,gestãoirresponsáveldos
bancosedasempresaspúbli-
cas(MORA;GIAMBIAGI,2007;
LOPREATO,2000;DALL’ACQUA,
1997).Aabrangênciadoproble-
ma�icouevidentecomadi�icul-
dadeemimporoajuste�iscalaos
Estadoscomosplanosdeestabi-
lizaçãodosanos1980,também
revertendoemameaçaaosistema
bancáriodevidoaotamanhodos
bancosestaduais,motivandoo
endurecimentoda legislaçãoe
�iscalização.Asoluçãoparcialfoi
reconcentração,comopartedo
planodeajuste�iscalepatrimo-
nialprovenientedoPlanoReal,
veri�icadonoProgramadeApoio
àReestruturaçãoeaoAjusteFis-
caldosEstados(Leinº9.496de
11desetembrode1997),com-
plementadapelaLeideRespon-
sabilidadeFiscal(2000).Acen-
tralizaçãoconstituiuumasolução
viávelpara imporumagestão
maisresponsáveldas �inanças
públicas,admitindoafragilidade
dasinstituições�iscaisestaduais
eanecessidadedecontrole fe-
deral.Paraexplorarasorigens,o
trabalhofoiarticuladoemduas
partes:teórica(comregras,ins-
tituiçõesefederalismo�iscal);e
histórica(comaexperiênciabra-
sileiraduranteogovernomilitar).
2 R egras, Instituições Fiscais e Federalismo
Odebatequeenvolveacondução
dapolítica�iscalsefundamentaem
doiselementosfortementerelacio-
nados:regraseinstituições�iscais;
efederalismo.
Asregras�iscaisconsistemnaim-
posiçãodeobjetivos,metasou
normasparadelimitaracondução
dapolítica�iscalepodemseragru-
padasemquatroblocos:orçamen-
to;endividamento;gastos;eregras
(IMF,2009).Asinstituições�iscais
re�letemamaturidadeinstitucio-
naldopaís,constituindoelementos
complementaresparafortalecer
asregras�iscaisatravésdaefeti-
vidadedopoderde�iscalização,
punição,negociaçãodoscon�litos
etransparência(KOPITS,2011;
25temas de economia aplicada
abril de 2015
DEBRUM,2011;HALLERBERG;
STRAUCH;HAGEN,2009).Esse
contextoenvolveodebatesobrea
qualidadedasinstituições�iscais
baseadanacapacidadederestrin-
girain�luênciapolíticadegrupos
edistorçõesnopapeldebuscar
omaiorbem-estardasociedade,
cumprirafunçãoredistributiva,
estabilizaçãodas� lutuaçõeseco-
nômicasesustentabilidade�iscal.
Ainteraçãoentreregrase insti-
tuiçõespermitemaiorespaçode
açãodapolítica�iscalnamedida
emquepreservaacredibilidade,
sobretudoparaamenizarosci-
closeconômicos,mantendocomo
focoasustentabilidadedadívida
pública(WYPLOSZ,2012e2005).
Apesardopotencialriscodousoda
política�iscalcomoestabilizadora
devidoàsdefasagens,complexi-
dadenogerenciamentodoorça-
mentoeefetivaçãodosgastos,não
deveserexcluídacomoumaopção
depolíticaeconômicadevidoaos
efeitosprofundosepersistentes
(FATÁS;MIHOV,2006e2003).O
pontocentralconsisteemcons-
truirumespaço�iscalparaaçãode
estabilização,semcomprometera
credibilidadeeocasionareventuais
problemasdeinsolvência,rolagem
dadívida,elevaçãodecustos,aces-
soaocrédito,investimento,atra-
çãodecapitalexterno.
Narelaçãoentregovernocentrale
unidadessubnacionaisaliteratura
indicapotenciaisbene�íciospositi-
vosnamaiordescentralizaçãodas
decisõesaofomentarmaiore�ici-
ênciadagestão�iscal,capacidade
demelhoratenderasdemandas
porbenseserviçosdapopulação
local(TIEBOUT,1956;MCKINNON,
1997;OATES,1999),enquantoo
questionamentosobreosbene�í-
ciosemergiufrenteàsreformas
dosanos1990,oriundasdades-
construçãodosmodelosdeestado
dospaísesemdesenvolvimento
eex-repúblicassocialistas,forte-
menteconcentrados.Arazãopara
acentralizaçãoestavanosganhos
paraorganizaçãoeefetividadedas
políticaspúblicaeeconômica,so-
madosaomaiorcontrolepolíticoe
mitigarmovimentosseparatistase
defragmentaçãopolítica(SMOKE,
2001). Assim,oargumentoera
queessespaísesprecisavamcons-
truirumanovaestruturadeEsta-
dodescentralizada,demandando
amadurecimentoinstitucionale
novasestruturasorganizacionais
paracolheremosbene�ícios(RO-
DRÍGUEZ-POSE;KROIJER,2009).
Casocontrário,adescentralização
tenderiaaterefeitosnegativoscom
aprofundamentodasfragilidades
institucionais,aumentodainsta-
bilidadeemaiordesorganização
(BARDHAN,2002).Portanto,a
centralização�iscalpoderiapro-
porcionarmaioresbene�íciose
impactospositivosnocrescimento
ebem-estarparaospaísesemde-
senvolvimentoouemtransição.
Nadinâmicadasrelaçõesfederais
centralizadascom instituições
frágeisecomelevadopoderdis-
cricionáriodogovernocentral,as
unidadessubnacionaistendema
barganharrecursoseoutrasvan-
tagens(RODDEN,2003).Aomesmo
tempo,osgovernossubnacionais
seafastamdanecessidadederes-
ponsabilidadeeplanejamento�is-
calnamedidaemquebuscamusar
ain�luênciapolíticaparaangariar
vantagemeeventuaissocorros
comnovosaportesderecursos.
Alémdisso,asunidadessubnacio-
naispodemsesentirincentivadas
anãoseremresponsáveisdevido
aopoderdebarganhaepotencial
ajudadogovernocentral,superan-
doospotenciaisbene�íciosdeuma
política�iscalresponsável.Ocená-
rioacimadescritoassemelha-seà
organizaçãofederativabrasileirae
àconduçãodapolítica�iscalesta-
dualduranteadécadade1970.
3 Federalismo Fiscal no Governo Militar
Ogovernomilitareasreformas
estruturaisocorridasnagestão
CastelloBranco(1964-1967),espe-
cialmentenoâmbitodoPrograma
deAçãoEconômicadoGoverno
(PAEG),signi�icaramumaquebra
institucionalnaorganizaçãofede-
rativa.Omotivofoio�imdaredu-
çãodaliberdadedosEstadosna
administração�iscaleorganizacio-
nal,presentedesdeaProclamação
daRepública, institucionalizada
pelaConstituiçãode1891.Além
disso,asesferasdegovernotinham
problemas � iscaispersistentes,
vistoscomofontesparaalimentar
aaceleraçãoin�lacionária,sendo
assimosaneamentodas�inanças
26 temas de economia aplicada
abril de 2015
públicascomofundamentalparaa
estabilização.Apropostadereor-
ganizaçãodasrelaçõesfederativas
etributáriafoiimplantadaentre
1964e1966,coroadascomoCó-
digoTributárioNacional(Leinº
5.172,de25deoutubrode1966),
complementandoaEmendaCons-
titucionalnº18,de1ºdedezembro
de1965,queinstituiuoSistema
TributárioNacional,con�irmadana
Constituiçãode1967.Abasedare-
formaprovinhadediscussõesque
remetiamaosanos1950,protago-
nizadospelosadvogadostributa-
ristasGersonAugustodaSilva,Gil-
bertoUlhôaCantoeRubensGomes
deSouza(verFGV,1967).
Aopçãopelacentralizaçãotinha
duasmotivações.Aprimeira,de
naturezatécnica,dequeacentrali-
zação�iscaletributáriaconferiria
aumentonae�iciêncianaarrecada-
çãoegastos,permitindomaiorco-
ordenaçãoentreasesferasdego-
verno.Asegunda,queosregimes
autoritáriostendemapromovera
centralização,vistacomoformade
forçaraselitesegruposregionais
políticoseeconômicosanegociar
parabarganharbene�íciosevan-
tagens, taiscomoinvestimentos
eaportesextrasderecursos.No
Brasil,ogovernoVargasindicavao
viésdareduçãodaautonomiados
Estados,correspondendoàneces-
sidadedeneutralizaropotencial
desestabilizadordosEstados,espe-
cialmenteapósaRevoluçãoCons-
titucionalistade1932.Oprocesso
deconcentraçãofoiparcialmente
revertidoduranteaterceirarepú-
blica(1946-1964),emqueosgover-
noseleitossofriampressãopara
proporcionarmaiorliberdadeaos
Estadosecomoformadesustentar
umabasedeapoio.
Osefeitosdareformaforamveri-
�icadoscomelevaçãodacargatri-
butária(17%doPIBem1960para
aproximadamente25%em1970),
massemantendonessenívelaté
o�imdosgovernosmilitaresem
1985.Acentralizaçãoé identi�i-
cadapelocrescimentodaparti-
cipaçãoproporcionaldogoverno
federalnaarrecadação,quepassou
de63%em1960paraemtornode
75%nadécadade1970,enquanto
aparticipaçãodosEstadoscaiude
30%para21%edosmunicípios
de5%para2,5%nomesmoperí-
odo(AFONSO;SERRA,2007).Ao
mesmotempo,ogovernofederal
limitavarepasseseintervinhano
usodos recursos.Porexemplo,
em1968,astransferênciasparao
FundodeParticipaçãodosEstados
eMunicípios,respectivamente,FPE
eFPM,caíramde10%para5%do
totalarrecadadocomimpostode
renda(IR)eimpostosobreprodu-
tosindustrializados(IPI)(atocom-
plementarn.40,de13dedezem-
brode1968).Outroexemplofoi
acriaçãodoFundoEspecial(FE),
quepermitiaaogovernointervir
sobreadestinaçãoeusodosrecur-
sos,capitalizadopormeiode2%
daarrecadaçãodoIReIPI.Oauge
dacentralizaçãoocorreuem1975,
gerandoprotestosdosEstadose
motivandoaEmendaConstitucio-
naln.5,de1975,quepreviamaior
destinaçãodosrecursosparaFPEe
FPM,seguidapelaEmendaConsti-
tucionaln.17de1980.Entretanto,
nãosurtiramefeitoimediatode-
vidoàsmanobras�iscaiseresis-
tênciadogovernofederal,apesar
dospicosdearrecadaçãoecapi-
talizaçãodosfundos,mantendo
astransferênciasnafaixade8,5a
9,5%(VARSANO,1997;1981).
Outropontofoioincentivoparaos
Estadosadotaremumapolítica�is-
calpró-cíclica,tambémrecorrendo
aosbancospúblicoseempresases-
tataisestaduais,emgrandeparte
� inanciadacomendividamento
internoeexterno (LOPREATO,
2000).Omotivoeraaprioridade
emaceleraraacumulaçãodeca-
pital,asmudançasestruturaise
ocrescimentoeconômicoconjun-
tamentecomregras� iscaisnão
críveisderestriçãoaoendivida-
mentoepráticasinadequadas.Por
exemplo,a imposiçãode limites
aoendividamentoem1968(Re-
soluçãodoSenadon.58,de23de
outubro)quevetoupordoisanos
olançamentodeobrigações,salvo
oscréditosdeantecipaçãodere-
ceita(ARO)eresgatedetítulosno
mercado.Posteriormentereforça-
da(resoluçãodosenadon.79,de
21deoutubrode1970;n.52,de3
denovembrode1972;en.35,de
29deoutubrode1974).Em1970,
novasregrasrestringemousodo
AROaolimitara importaçãodo
dispêndioemnomáximo5%da
receitadoexercício(resoluçãodo
senadon.92,de27denovembro
de1970).Enquantoaestrutura
27temas de economia aplicada
abril de 2015
o�iciallimitavaoendividamento
eantecipaçãodereceita,deoutro
ladoeramaprovadasautorizações
paraempréstimosinternoseex-
ternossobaliderançaeinteresse
dogovernofederal.Porexemplo,
a�lexibilizaçãodoendividamento
para�inanciamentodeequipamen-
tos(resoluçãodosenadon.53,de
27denovembrode1971),obrasde
saneamentoeinfraestruturaur-
banacomrecursosdoPISePASEP
(resoluçãodosenadon.52,de3de
novembrode1972).
Apropostadeenfrentamentoda
crisenaeconomiainternacional,
aprofundamentodaindustriali-
zaçãoetaxasdecrescimentoin-
corporadasnoIIPNDabriunovas
formasdeendividamentodosEs-
tados,especialmenteatravésde
duasresoluções.AResoluçãodo
Senadon.62,de28deoutubrode
1975que�ixaraoslimitesmáximos
paradívidaconsolidadainternae
dodispêndioanualcomadívida,
mastraziacomoclausuradeesca-
peaautorizaçãodoSenado.ARe-
soluçãon.93,de11deoutubrode
1976,determinouqueasoperações
provenientesdoFundoNacionalde
ApoioaoDesenvolvimentoUrba-
no(FNDU),doFundoNacionalde
ApoioaoDesenvolvimentoSocial
(FAS)edoBancoNacionaldaHa-
bitação(BNH)estariamforados
limitesestabelecidosanteriormen-
tecomooperaçõesextraslimites,
dependendodadeliberaçãodo
SenadocomparecerdaComissão
MonetáriaNacional(CMN).Naprá-
tica,asresoluçõespoucotinham
efeitoparaimporrestrições�iscais
namedidaemqueeradeinteresse
dogovernofederaloendividamen-
toemaioresgastos,umavezqueo
Senadoerasubmissoàsvontades
dogoverno.
Umpontoimportantedairrespon-
sabilidade�iscalnosEstadoseraa
ligaçãocomagovernançadasem-
presasestataise,principalmente,
osbancosestaduais.Naorganiza-
çãoformalpresentenaLein.4.595,
de31dedezembrode1964que
modernizouaestruturabancária
e�inanceira,osbancosestaduais
deveriamsertratadosdamesma
formaqueosbancosprivados,
sendosubmetidosàsdetermina-
çõese�iscalizaçãodoConselhoMo-
netárioNacional(CMN)edoBanco
CentraldoBrasil(BC).Porém,na
práticaeramtratadosdeforma
diferenciada,funcionandocomo
extensõesdostesourosestaduais,
desobedecendoàsregrasdegover-
nança,in�luenciadoseprotegidos
pelosgrupospolíticosregionais
(DALL’ACQUA,1997;SAVINOJU-
NIOR,2004).Porexemplo,a�lexi-
bilizaçãodalein.4.595quevetava
empréstimosaoscontroladores
dosbancos,masignoradanareso-
luçãon.346,de13deoutubrode
1975,queautorizaosempréstimos
dosbancosaosEstadoscontrola-
dos,desdequeautorizadospeloBC.
Assim,osbancosestaduaiseram
usadosparaampli�icaroendivida-
mento,alimentarmáspráticasde
gestão,angariarrecursospormeio
deinjeçõesdeliquidezdoBCede
outrosbancosfederais.
4 Considerações Finais
Nadinâmicadareorganização
federativabrasileiraduranteos
governosmilitaresfoipossível
observartrêscaracterísticas.A
primeira,deumregimeautori-
tárioqueusavaacentralização
comomeiodebarganharapoio
frenteàselitesegrupospolíti-
coseeconômicosregionais.A
segunda,baseadanafaltadere-
grascríveiseinstituiçõespara
�iscalizaçãoepunição,estando
submetidasaosinteressespolíti-
cosdogovernofederalegrupos
regionais.Aterceira,oincentivoà
políticapró-cíclicae�inanciamen-
todosgastosporendividamento,
expondoosEstadosaoriscoda
manutençãodegastosalémda
suacapacidade.Oresultadofoi
umambientedeirresponsabili-
dade�iscalequesetornouumen-
traveaosplanosdeestabilização
dasdécadasde1980e1990.
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jan.2015.
1 Otrabalhofazpartedapesquisadedou-toradosobrepolítica�iscal,instituiçõese�lutuaçõeseconômicas.
(*)DoutorandoemEconomiapela
UniversidadedeSãoPaulo–USP.(E-mails:
29
abril de 2015
economia & história: crônicas de história econômica
D. Manuel, o Venturoso: Capitalista ou Cruzado?
J��� F����� M���� (*)L������ S����� L���� (**)
D.JoãoI,omonarcaqueiniciouaempresasistemáticadasconquistasedes-
cobrimentosalém-mar,intitulou-sesenhordeCeuta.Omesmotítulousouo
reiDuarte.AfonsoValargou-opara“reidePortugaledosAlgarvesdaquéme
dalém-maremÁfrica”.JoãoIIintitulou-sepelaprimeiravezsenhordeGuiné.
PorsuavezD.Manuelaumentouextraordinariamenteasfardagensdos
títulos:“ReidePortugaledosAlgarvesdaquémed’além-maremÁfrica,
senhordaGuiné,daconquista,navegaçãoecomérciodaEtiópia,Arábia,
PérsiaeÍndia”.
AntónioBorgesCoelho(1994,p.12,negritonosso)
Nestemêsdeabril,completam-
-se515anosdoDescobrimento
doBrasil.Momentopropíciopara
retomaralgumasre�lexõessobreo
empreendimentonoqualseinseriu
aviagemdeCabral,qualseja,aex-
pansãoultramarinaportuguesae,
dentrodessetemabastanteamplo,
resgatarcertoselementosdadis-
cussãoacercadascaracterísticas
passíveisdeserematribuídasao
reinadodepoucomaisdeumquar-
todeséculodeD.ManuelI,eleque
foiaclamadoreidePortugalem
1495eveioafalecerem1521.
Comesseintuito,parece-nosopor-
tunocomeçarcomRobertoC.Si-
monsen.Nocapítulodedicadoà
análisedaspolíticascoloniaisde
seuHistóriaEconômicadoBrasil
(1500-1820),editadooriginalmente
em1937,oautorexpôssuaposição
sobreanaturezadoEstadopor-
tuguêsàépocadoVenturoso,bem
comoseucorrespondenteentendi-
mentodoprópriomonarca:
Naverdade,Portugal,em1500,já
nãoviviasoboregimefeudal.D.
Manuel,comsuapolíticadenavega-
ção,comseuregimedemonopólios
internacionais,comsuasmanobras
econômicasdedesbancamentodo
comérciodeespeciariasdeVene-
za,éumautênticocapitalista.
(SIMONSEN,1978,p.82,negrito
nosso)
30 economia & história: crônicas de história econômica
abril de 2015
Nadamaisnatural,portanto,loca-
lizarmos,namesmaobradeSimon-
sen,suaadesãoàideiadeque,“no
�inaldoséculoXIV,haviajáemPor-
tugalumaclassemercantilcosmo-
polita,ricaein�luente,comgostos
einteressesopostosaosdosbarões
feudais”(op.cit.,p.37),segmento
emespecialligadoàscidadesma-
rítimas,aexemplodeLisboa,eque
assumiumarcadoprotagonismona
RevoluçãodeAvis(1383-1385).
Essaprecocidadedodomíniobur-
guêsemPortugalfoiigualmente
enfatizada,porexemplo,naTese
deDoutoramentodeCelsoFurtado,
defendidaem1948naUniversité
Paris-Sorbonne.Umdomíniobur-
guêscompletoede�initivodoqual,
ao�imeaocabo,aqueleD.Manuel
“autênticocapitalista”deinícios
doséculoXVIseriaumresultado
demodoalgumsurpreendente.É
nítidonessatesedeFurtadooafas-
tamentoentreascaracterísticasdo
Estadoportuguêseaquelasde�ini-
dorasdeumregimefeudal:
OEstadoportuguês(...)foidesdeo
iníciodirigidoporumaclassesocial
semligaçõescomumpassadofeu-
dal.Umaclassesocialmarcadapelo
espíritodeganho,individualista
nosentidoburguês,cujaescalade
valoressepautavanasdisponibili-
dadesmateriaisdecadaum,enão
nosprivilégiosdesangue.(FURTA-
DO,2001,p.28)
A interpretaçãodeumPortugal
desvinculadodofeudalismoserá
esposada,outrossim,porRaymun-
doFaoro.NoseuOsdonosdopoder
(primeiraediçãode1958),encon-
tramosamesmaênfasepostaem
umapredominância comercial
manifesta,noentanto,“desdeo
berço”,naquiloqueoautordeno-
minaum“destinopatrimonial”.E
opatrimonialismo,marcadopela
interpenetraçãodosplanospúblico
eprivado,reforçouocaráterem-
presarialdorei,transformandoo
regimemonárquicoportuguêsem
umefetivocapitalismodeEstado:
Estadopatrimonial,portanto,e
nãofeudal,odePortugalmedievo.
(...)Namonarquiapatrimonial,o
reiseelevasobretodosossúdi-
tos,senhordariquezaterritorial,
donodocomércio—oreinotem
umdominus,umtitulardariqueza
eminenteeperpétua,capazdegerir
asmaiorespropriedadesdopaís,
dirigirocomércio,conduziraeco-
nomiacomosefosseempresasua.
[...]
OEstadotorna-seumaempresado
príncipe,queintervémemtudo,
empresárioaudacioso,expostoa
muitosriscosporamoràriqueza
eàglória:empresadepazeem-
presadeguerra.Estãolançadas
asbasesdocapitalismodeEstado,
politicamentecondicionado,que
�loresceria ideologicamenteno
mercantilismo,doutrina,emPor-
tugal,sóreconhecidaporemprés-
timo,sufocadaaburguesia,nasua
armaduramental,pelasupremacia
daCoroa.(FAORO,2008,p.38e40)
SeoreinadodeD.Manuel,emespe-
cialporseusavançosnoOrientea
partirdaprimeiraviagemdeVasco
daGamaàÍndia(1497),represen-
touoápicedaexpansãoultrama-
rina,aumentandooVenturoso“ex-
traordinariamenteafardagemdos
títulos”,conformea�irmadonaepí-
grafedesteartigo,nãofoimenos
verdade,naperspectivadeFaoro,
aexistênciadelimitesaodesen-
volvimentoportuguês,inerentesà
estruturapatrimonial.Talterreno
mostrou-sefértilparaoavanço
comercial,“(...)farádoEstadouma
gigantescaempresadetrá�ico,mas
impediráocapitalismoindustrial”
(FAORO,2008,p.40).
Dessaforma,ossucessosdosem-
preendimentosdoperíodomanue-
lino,quandoodescobrimentodo
Brasilassumiupapelnitidamente
demenorimportânciacomparado
àconstituiçãodoImpérioPortu-
guêsdoOriente,traduziramopio-
neirismonaexpansãoultramarina.
Foram,taissucessos,capazesde
catapultaropequenopaísibérico
paraumaposiçãodominanteno
concertomundial.Porém,essa
mesmaposição foi importante
elementoacondicionaraposterior
vulnerabilidadelusa,ultrapassado
evencidooreinoporpotências
concorrentesnosistemacolonial.1
Tomemosagoraumcaminhodife-
renteparachegarmosaosmesmos
resultados.PoisháquemvejaD.
Manuelmenoscomoumcapitalista
emais,sobretudo,comoumcru-
zado.Encontramosmençãoaesse
entendimentonarecenteHistória
31
abril de 2015
economia & história: crônicas de história econômica
dePortugalcoordenadaporRui
Ramos,obranaqualaanáliseda
IdadeModerna(séculosXV-XVIII)
temaautoriadeNunoGonçalo
Monteiro.Teriahavidoum“projeto
imperialmanuelino”caracterizado
emboamedidapeloespíritode
cruzadaecavalaria:
Teriatido,segundoosestudiosos
quesugeriramasuaexistência,
umafortedimensãomessiânica,
traduzidanoimpulsodecombate
aosin�iéismuçulmanosemtodos
osquadrantes,comoobjetivode
reconquistarJerusalém,oslugares
santoseoPróximoOriente,para
oqueseteriaprocuradoalianças
compresumidospotentadoscris-
tãos.(...)EnquantonaEuropase
sentiamosprenúnciosdaReforma
protestante,oreiportuguêsestava
muitomaisinteressadonoideal
decruzada,oquesetraduziu,en-
tremuitasoutrasiniciativas,nos
esforçoslevadosacabojuntodo
papadoparaselançarexpedições
contraosturcos.(RAMOS;SOUSA;
MONTEIRO,2010,p.208)
Umacorroboração, à pr imeira
vista,desseentendimento,éfor-
necidaemartigotambémrecente
deLuísFilipeF.R.Thomaz,da
UniversidadeCatólicaPortuguesa.
Defato,esseautora�irmaqueo
projetodeD.Manuel“(...)era,na
suaessência,umprojetodecruzada,
visandoaoataqueaoImpérioMa-
melucopelomarRoxoearecupera-
çãodeJerusalém.”(THOMAZ,2009,
p.13).Todavia,seessaerauma
grandemotivaçãodorei,nãooera
necessariamentedetodososseus
conselheiros:“amaioriadoseuCon-
selho,ondevisivelmentedominava
acorrente‘liberal’emercantil,era
contraosseusprojetosimperiais.”
(Idem,p.25).2Entreumavertente
eoutra,Thomazprocuramanter
asduas:“háquenotarqueaên-
fasedadaàfacetacruzadísticada
expansãoportuguesanãoimplica
demodoalgumqueosinteressesco-
merciaisestivessemdelaausentes”.
(Idem,p.16).
Aretomadarecentedaênfasenos
motivosreligiososévistacritica-
menteporDiogoRamadaCurtoem
obracoletivaintituladaAexpansão
marítimaportuguesa,1400-1800
(primeiraediçãode2007).Acrí-
ticadirigiu-seaumaênfaseunila-
terale,porconseguinte,nãodeixa
deconvergiremboamedidacom
aúltimaa�irmativaacimarepro-
duzida,deLuísFilipeThomaz.Nas
palavrasdeCurto:
Osmotivosreligiosos,especialmen-
teumaideologiamilenaristaatri-
buídaaumafacçãodacortedeD.
Manuelmasconsideradasimulta-
neamenteaprincipalcaracterística
deumaalegadaperspectivaportu-
guesadomundo,tornaram-se,para
algunshistoriadoresrecentes,os
meiosessenciaisparacompreen-
deroImpérioPortuguês.Contra
essavisãoredutora(...),oImpério
Portuguêsdoiníciodaépocamo-
dernanecessitadesercompreen-
didodopontodevistadascausas
múltiplasecomoresultadodeuma
complexainteraçãoentrecultura,
tradiçãoeaçãopolítica.(CURTO,
2010,p.329)
Podemosconcordar,decerto,com
essamultiplicidadedemotivações
aventadapelosestudiososportu-
guesesacimareferidos.Nãoobs-
tante,lembrarmo-nosdapresença
doidealdecruzadapodenosabri-
garnomínimoanuançaroprecoce
domíniocompletoede�initivoda
burguesia,a�irmadoporFurtado;
tambémpodeperdernitidezavi-
sualizaçãodeD.Manuelcomoum
autênticocapitalista,comoescre-
veuSimonsen.Emoutraspalavras,
aênfasenosaspectoscomerciais
identi�icadaemalgunsdosautores
tratadosatéestepontodenosso
artigomereceriaigualmentealgum
reparo.Comisso,merecesertrazi-
doàbailaotemadapossibilidade
daexistênciadofeudalismoem
Portugal.
Torna-se,pois,oportunaaconsi-
deraçãodotrabalhodeJacobGo-
render,Oescravismocolonial.No
capítulo intitulado“Asociedade
portuguesaeaexpansãoultrama-
rina”,esseautordescreveucom
bastanteminúciaovastoelenco
deencargosoutributossenhoriais
incidentessobreaproduçãorural
equeconformavamarendafeudal
daterra.Pois,seeraverdadeque
asintrincadasredesdesuserania
evassalagemviram-sesubvertidas
emPortugalporcontadopoder
precocementecentralizadonas
mãosdoreie,emcontrapartida,da
relativafraquezadanobreza,3não
eramenosverdadequeaservidão
32 economia & história: crônicas de história econômica
abril de 2015
eraarelaçãosocialdeprodução
característica.
Dessaforma,nainterpretaçãode
Gorender,foiumPortugalfeudal
oprotagonistadaexpansãoul-
tramarinaapartirdoséculoXV,a
qual,noXVI,sobD.Manuel,desdo-
brou-senoImpérioPortuguêsdo
Oriente.Eserãoossucessosdessa
expansãoedesseImpérioosres-
ponsáveispeloposterioratrasolu-
sitanocomodesenvolvimentodos
concorrentes,emespecialapartir
doséculoXVII:
NoséculoXV,essespaíses[Portugal,
Espanha,Holanda,Inglaterra,Fran-
ça-JFM/LSL]nãosedistinguiam
essencialmenteentresi,noquese
refereaodesenvolvimentoeconô-
micoesocial.(...)Asdiferençasmais
importantesnãoeramaindasenão
degradaçãoe,sobcertosaspectos,
Portugalnãosesituavaatrás,porém
àfrente.Comocorrerdotempo,a
estruturafeudalrevelou-semuito
maistenaznospaísesibéricos,o
quefoiacentuadopelaprópria
participaçãopioneiranaexpansão
ultramarina.Ospaísesmaistarde
iniciadosnocolonialismovieram,
pelocontrário,comsensívelavanço
nodesenvolvimentocapitalista,o
que,precisamente,osfavoreceuna
disputadosmercadosexternos,e
terminouporlhesdarasupremacia.
(GORENDER,1985,p.101-102)4
NãonegaráGorenderaspeculiari-
dadesde�inidorasdaformaportu-
guesadefeudalismo,aexemplodo
destaquepossuídopelosinteresses
comerciais,remontandoàRevo-
luçãodeAvis.5Contudo,em1383-
1385,essarevoluçãonãopoderia
tersidoumarevoluçãoburguesa.A
burguesia,aindaquecommaiorin-
�luênciapeloapoiodadoaoMestre
deAvis,nãosetornoudominante.
EmdesacordocomatesedeFurta-
do,paraGorender
Arevoluçãonacionalde1383-
1385,manifestadaatravésdaguer-
ravitoriosacontraausurpaçãocas-
telhana,nãotrouxeraalteraçõesna
estruturasocioeconômica,porém,
assimmesmo,produziraresultados
deconsiderávelimportância.A
classesenhorialcontinuavaclasse
dominante,masrejuvenescida:
umapartedavelhanobreza,alia-
daaoinimigonacional,tinhasido
alijadaesubstituídaporelementos
enobrecidosprocedentesdabur-
guesia.(GORENDER,1985,p.111)
Emsuma,desdeaRevoluçãode
AvisatéaformaçãodoImpérioCo-
lonialUltramarinonoséculoXVI,
Portugalvivenciaumatrajetória
ascendente,atingindoseuapogeu
noreinadodoVenturoso.6Nossas
re�lexõesnesteartigocontempla-
ramgrossomododuasvertentes
interpretativas.Paraumadelas,
essatrajetóriatraduziuaascensão
daburguesiaportuguesa,coma
ênfasenodesenvolvimentoco-
mercialquesere�letiuemumefe-
tivocapitalismodeEstado,sendopossívelidenti�icaremD.Manuel
um“autênticocapitalista”.Paraa
segundavertente,aaludidatraje-
tória,tendocomopontodepartida
umasociedadefeudal,acarretouo
reforçodessestraçospré-capita-
listasemPortugal;nessepanode
fundo,pareceencontrarmelhoren-
quadramentoafacetamessiânica
deD.Manuel.Ambasasvertentes
convergemnoquerespeitaaore-
sultadodaquelatrajetória:oatraso
portuguêsesuaultrapassagempor
potênciascoloniaisconcorrentes,
comocoroláriodasdi�iculdades
paraodesenvolvimentodocapita-
lismoindustrial.
Evidentemente,talcomoexplicita-
donosposicionamentosdeLuísFi-
lipeThomazedeDiogoCurto,não
éocasodenegaramultiplicidade
demotivaçõespresentesnaexpan-
sãoultramarinaportuguesa.7Mas
nãonosvaleremosdessamultipli-
cidadeparanosabsterdeprivile-
giarumadasvertentesanalisadas:
�icaremoscomGorender!
Referências
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dores, “judeus” e �idalgos –Questionara
história, II. Lisboa:Editorial Caminho,
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33
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WEHLING,Arno;WEHLING,MariaJosé.For-
maçãodoBrasilcolonial.RiodeJaneiro:
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1 Posiçãodominanteeultrapassagem,cabeobservar,quedescrevemtambémcomjuste-zaocasoespanhol.A�inal,foramPortugaleEspanhaosgrandesprotagonistasdaexpansãoquatrocentista,oprimeirodesdeoiníciodoséculo,asegunda,emespecial,jánoseutérmino.
2 “A própriapersonalidadedoVenturosoécomplexa:omessianismoingénuoéapenasumadassuasfacetas.D.Manueléomonarcaquemandou construirpara seu túmulooMosteiro dos Jerônimos em Lisboa, mas
quedeixouescritoemtestamentoquenão
queria funerais de rei, mas só dehomemcomum,edesejava jazeremcamparasa.É
omísticoque,em1517,pensavaseriamente
emabdicar,hesitandoentreabraçaravida
religiosaededicar-seàcruzadamarroquina
comos réditosdaOrdemdeCristodequepermaneceriaadministrador;masétambém
ocriadordosCorreiosdePortugaleoautor
doprimeirocódigosistemáticodelegislação
portuguesa,asOrdenaçõesManuelinas, já
queasOrdenaçõesAfonsinas, compiladasoutrorapelo regented. Pedro,eramainda
umacoletânea,aindaqueordenadaeseletiva,
deleisantigas.”(THOMAZ,2009,p.30).De
fato,nãoapenasessafacetamessiânicatem
sidoobjetodasanálisesqueahistoriogra-�iarecentetemfeitosobreD.Manuel:“Em
suma,nadaparecefácilquandoseconsidera
apersonalidadedorei. Demanhosoadis-
simulado,dejoguetenasmãosdosfavoritos
oudarainha-velha[D.Leonor,rainhaviúvadeD.JoãoIIeirmãdeD.Manuel-JFM/LSL],
temosumpoucode tudo. (...)Umacoisa é
certa: o reinão reveloununcapressa em
resolverasquestões; dedicou-lhes tempoedeixou-asmaturar.Atélá,iaganhandotempo
edissimulando...”(SÁ,2012,p.538).
3 Oquesere�letiana inexistênciadefeudos
emPortugal:“Ocentrosupremodasdecisões(...)impediuque,dispersando-seopoderreal
emdomínios, se constituísseumacamada
autônoma,formadadenobresproprietários.
Entreoreieossúditos,nãoháintermediários:umcomandaetodosobedecem.(...)acimadele,
sóaSantaSé,opapaenãoo clero;abaixo
dele,sóhádelegadossobsuasordens,súditos
esubordinados.”(FAORO,2008,p.19).
4 Vale a pena aqui inserir o comentário
seguinte,extraídodeartigopublicadopor
IraciCosta,há algunsanos,nestemesmo
BoletimdaFIPE, emqueoautorprocedeaum interessanteexercíciocontrafactual:
“En�im,osportuguesescaíramemarmadilha
porelesmesmos armadaaonãodesenvol-
veremocapitalindustrialporqueaRevolução
Industrial‘deucerto’;seelanãoviesseaobterêxito, superandode�initivamenteocapital
mercantileaspráticaseconômicasepolíticas
aeleassociadas,estaríamoshojeadizer:‘A
argutasensibilidadedosmercantilistasibéri-
cosevitou-lhesodesastredaRevoluçãoIndus-trial’.Assimfuncionamosvolúveisdesígnios
daHistória:osportuguesesforamvítimasdo
própriopioneirismo.”(COSTA,1999,p.30).
5 Reconheçoopapelativoquetiveramabur-guesiamercantileruraleasmassaspopu-laresnaquelegrandeepisódio”(GORENDER,1985,p.111,nota27).Emverdade, essamarcanteparticipaçãodaCoroa,danobrezae do clero nasatividades comerciais emPortugal,quedistingueaformaportuguesadefeudalismo,antecedeaRevoluçãodeAvis:“Osreisportuguesesrapidamenteengajaram-seelesprópriosnocomércio,usufruindodeseupotencial. Fernando tinha seus navioscarregadoscomsuasprópriasmercadoriasantesdosnaviosdequaisqueroutrosseremcarregados.Em1371asCortesreclamaramqueele[D. Fernando-JFM/LSL]usaraseupodercomoreiparaadquirirtrigoedepoisrevendê-loporumvalor vinte vezes supe-rior.NoanoseguinteasCortesaumentaramsuasqueixascriticandoarainha,osgrandesmestresdas ordens religiosas, os bispos eoutrosclérigos,cavaleirosefuncionáriosdogovernopor engajarem-seagressivamentenocomércio,competindocomosnegociantestradicionais(...).Aparticipaçãodessasclassesnocomércio teveprofunda in�luêncianos
eventossubsequentes.”(WATKINS,2011).
6Noreinadoseguinte,deD. João III(1521-
1557), aexpansãoimperialénitidamente
substituída pela ênfasena consolidação:
“Onovomonarca português adotouuma
orientaçãopolíticaopostaà seguidapelo
seuantecessor.(...)Optou, semprequepos-
sível,porconcentraresforçosnamanutenção
dahegemonia noAtlânticoSul e conferiu
especial ênfaseàocupaçãodasduasmar-
gensatlânticas: aafricanae, sobretudo, a
americana,opçãoemqueseinseremopro-
jetodecolonizaçãodaCostadaMalagueta,
nafachadaocidentaldaÁfrica,eoiníciodo
processodecolonizaçãodoBrasil.”(COUTO,
1998,p.202-203).
7 “É inútil procurar exclusividades. Combi-
naram-secausaseconômicas,políticasere-
ligiosas.(...)Lucros,impérioefécombinaram-
se.”(WEHLING;WEHLING,1994,p.37-38).
(*)Livre-DocentedaFEA/USP.(E-mail:j�[email protected]).
(**)ProfessoraDoutoradaFEA/USP.(E-mail:[email protected]).
34 economia & história: relatos de pesquisa
abril de 2015
Finanças Públicas Municipais: As Fontes de Renda dos Municí-pios Paulistas, 1835-18501
L������ S����� L���� (*)
1 Introdução
O conhecimentoquese temda
estrutura�inanceiradosmunicí-
piosduranteoperíodoimperialé
limitado.Desdeosprimórdiosdo
Império,afaltadeumade�inição
clarasobreaautonomiamunicipal
comprometeuseriamenteacapa-
cidadedasmunicipalidadespara
lidarcomosproblemasinerentes
àadministraçãopúblicalocal,em
especialnoestabelecimentoear-
recadaçãodeimpostos,tributos
econtribuições.Ahistoriogra�ia
apontacomoconsequênciaimpor-
tantedessasituaçãoafaltadere-
cursos,poisaatuaçãodogoverno
localeralimitadaporessafaltade
autonomia,jáqueasvilaseramde-
pendentesprimeirodaAssembleia
GeraledepoisdaAssembleiaPro-
vincialparaacriaçãodeimpostos
eaplicaçãodestesnasoluçãode
seusproblemaslocais,taiscomo
aconservaçãodeobraspúblicas
e�iscalizaçãodocumprimentodo
códigodeposturas.
2 O Município e a sua Organização
AConstituiçãode1824estabeleceu
apenasqueemtodasascidadese
vilasdeveriaexistirumaCâmara,
responsávelpelogovernoeconô-
micoemunicipal.Seusmembros
deveriamsereleitos,sendoaquele
comomaiornúmerodevotosno-
meadopresidente.Taisdiretrizes
encontram-senosartigos167e
168,reproduzidosaseguir.
Art.167.EmtodasasCidades,e
Villasoraexistentes,enasmais,
queparaofuturosecrearemha-
veráCamaras,ásquaescompeteo
Governoeconomico,emunicipal
dasmesmasCidades,eVillas.
Art.168.AsCamarasserãoelec-
tivas,ecompostasdonumerode
Vereadores,queaLeidesignar,eo
queobtivermaiornumerodevotos,
seráPresidente.2
Contudo,osdetalhessobreofun-
cionamentodessesentesadminis-
trativosnãoforamestabelecidos
pelamencionadaConstituição,
sendoobjetodeleiposterior.
Debatesdaépocamostramque
exist iamduascorrentessobre
comodeveriamserorganizadas
asmunicipalidades:aquelaquede-
fendiaqueosgovernosmunicipais
deveriamserentesautônomosde
umafederaçãoprovincialeaquela
queacreditavanacentralizaçãoe
defendiaqueasCâmarasdeveriam
terapenascarátermeramentead-
ministrativo.
Emoutubrode1828foipromul-
gadaaLeiRegulamentarquees-
tabeleceuaformadeorganização
municipal.ÀsCâmarasfoidelegado
papelmeramenteadministrativo,
�icandoestassujeitasàtutelado
podercentral.Todososatosmu-
nicipaisdeveriamseraprovados,
dependendodoassunto,peloPre-
sidentedaProvíncia,peloConselho
Geral,peloMinistrodoImpério
oupelaAssembleiaGeral.Dessa
forma,�icouclaraavitóriadase-
gundacorrenteargumentativa.
Sendoassim,dadeclaraçãodain-
dependênciaatéaabdicaçãodeD.
PedroIemfavordeseu�ilho,as
CâmarasMunicipaisnãopuderam
verdesenvolvidossuaautonomia
etampoucoseupapelcomoórgãos
deadministraçãolocal.Presasao
sistemacentralizadordaépoca,�i-
caramsujeitasà�iscalizaçãocons-
tantedosConselhosGeraiseda
AssembleiaGeralLegislativa,dos
PresidentesdeProvínciaedoGo-
vernoCentral.
Em1834,a tendênciacentrali-
zadoraquedominounoperíodo
imediatamenteposteriorà inde-
35economia & história: relatos de pesquisa
abril de 2015
pendênciafoiatenuadapeloAto
Adicionalcomoestabelecimento
deórgãos legislativosregionais.
AsAssembleiasProvinciaisforam
criadas,repartindocomaAssem-
bleiaGeral,únicoórgãolegislativo
atéentãoexistente,atarefadedis-
cutir,formulareaprovarleis.
AsAssembleiasProvinciaispassa-
ramentãoaserresponsáveispor
cuidar,entreoutrasatribuições,
das�inançaspúblicasmunicipais,
�icandoestabelecidoquedeveriam
legislartambémsobreapolíciae
aeconomiadasmunicipalidades,
�ixardespesas,criaresuprimir
empregos,alémdeautorizaras
Câmarasacontrairempréstimos.
Reforçaram-seassimoslaçosde
dependênciaentreosmunicípios
easinstânciassuperioresdaad-
ministraçãopública,di�icultandoa
estesoexercíciodaadministração
local,emantendoafastadoocentro
dedecisãodosproblemasaserem
solucionados.
ApesardeesclarecerseremasAs-
sembleiasProvinciaisresponsá-
veispelagestãomunicipal,oAto
éfalhoaode�inirascompetências
tributárias.Destarte,seanalisada
alegislaçãosobreotema,desdea
constituiçãode1824nadahavia
sidodiscutidoarespeito.Como
vistoanteriormente,aprimeira
Constituiçãopreviaaexistência
demunicípios,masdeixavaem
abertoospormenoresdeseufun-
cionamento.ALeiComplementar
de1828tambémnãodiscutiua
questãotributária.Amesmaa�ir-
maçãopodeserfeitasobreoAto
Adicionalde1834.Écertoqueo
Atoconstituiuumavançoemdi-
reçãoàdescentralização,aocriar
asAssembleiasProvinciais;mas,
considerandoasmunicipalidades,
arelaçãodedependênciaentre
estaseasinstânciassuperioresda
administraçãopúblicaaumentou,
epoucofoide�inidosobreaparte
�inanceiradaadministraçãolocal.
Sehavialacunasnalegislaçãovi-
gente,certamenteissonãocons-
tituíaempecilhoàtributação,até
mesmoporqueasnecessidades,
tantodemunicípioscomodepro-
víncias,nãocessaramdevidoà
imprecisãolegislativa.Então,sobre
quaisatividadesascidades,vilase
freguesiasarrecadavamimpostos?
3 As Fontes de Renda Municipais
Naprática,aquestãotributária,
secundáriaemmeioaosproblemas
políticosdoperíodo,�icariaacargo
dasleisorçamentárias.Analisando
taisleisépossívelveri�icar,mesmo
diantedalacunalegislativaiden-
ti�icada,quaiseramasfontesde
rendadosmunicípiospaulistasdu-
ranteaprimeirametadedoséculo
XIX.
Comofoivistoanteriormente,com
oAtoAdicionaleacriaçãodasAs-
sembleiasLegislativas,as�inanças
municipais�icaramsubordinadas
aopoderprovincial.Contudo,a
primeiraleiorçamentáriapaulista,
publicadaem1835,deixoudecon-
templarosorçamentosdasmunici-
palidades.Omotivodessaausência
foiesclarecidograçasàlocalização
deumdocumentonosarquivosda
AssembleiaLegislativadoEstado
deSãoPaulo.Neste,datadode9de
marçode1835,pode-seencontrar
asexplicaçõesdadaspelaComissão
de Orçamento e Contas,encarre-
gadadaelaboraçãodoorçamento
municipalparaaqueleexercício
�inanceiro,paraaausênciadetais
informações.3
Oorçamentomunicipalreferente
aoexercício1835-1836deveriaser
elaboradopelaComissãocombase
eminformaçõesenviadaspelas
própriasCâmarasMunicipais.Os
informesseriamentãocompila-
dos,redigindo-seumprojetode
lei.Contudo,apenasnovedasmais
de40vilaspaulistasenviaramos
ditosorçamentos,sendoque
[...]somenteaodaCâmaradesta
cidadesepodedaronomedeorça-
mento,osoutrosmerasrelaçõesou
apontamentosemqueasCâmaras
se limitãoapedirexorbitantes
quantias[...]paraobraspublicas,
semdesignaçõesdecadahumades-
sasobras,semosprecisosesclare-
cimentoseinformações,nemsobre
asuanecessidade[...](Comissão
deOrçamentoeContas,1835,p.1)
AComissãoaindatentouelabo-
rarumaestimativaorçamentária,
tomandocomobaseum“cálculo
médiodereceitasedespesas for-
madosobreexamedascontasdas
36 economia & história: relatos de pesquisa
abril de 2015
Camaras,approvadasemosanosde
1832e1833esobreasdoannopas-
sado,depoisdeapprovadasporesta
Assembléa”.Contudo,novosproble-
massurgiram.SeteCâmarasnão
haviamenviadoosbalançosrefe-
rentesaoano�iscalde1833-1834
eascontasdeSãoPauloeSantos
aindanãohaviamsidoaprovadas.
Ademais,osbalançoseorçamentos
usualmenteremetidosàAssem-
bleiaeram
[...]tãoinformes,eapresentãotal
confusão,quedenadaservempara
oqueaComissãopretendiatirar
dellas,sendomesmoimpossivel,
semempregarmesasdetrabalho
noexamede120etantascontas,
formar-seocalculomediodaRe-
ceitaeDespezadecadahumanos
3annospassados,basequeassim
mesmomalpoderiasuprirafalta
deoutraououtraspositivamente
necessarias.(ComissãodeOrça-
mentoeContas,1835,p.2)
AComissãoentãopensouemfor-
malizarumprojeto�ixandoapenas
asdespesasordinárias–grati�ica-
çãoaosempregados–dasCâmaras
eumaverbaparaobraspúblicas.
Talideiafoilogoabandonada,pois
resultarianumorçamentofeito“às
cegas, sem pleno conhecimento das
circunstancias peculiares de cada
municipio”,oquetalvezfossemais
prejudicialdoquepermanecer
maisumanosemorçamento.
A�imderesolveraquestão,aCo-
missãopropõe,emprimeirolugar,
queseofereçamàsCâmarasdois
modelos,umparaelaboraçãode
orçamentoseoutroparaelabora-
çãodebalanços,respeitandotodas
asdisposiçõesdodecretode31
deoutubrode1831.AComissão
acreditavaquecomoenviodes-
sesmodelosjuntamentecomuma
cópiadamencionadaleiasmunici-
palidadesseriamcapazesderedi-
girsuascontaseapresentarseus
orçamentos“de maneira que sirvão
tanto para mais facil exame e fi scali-
zação por esta Assemblea como para
a formalização da lei de orçamento
de todas as Municipalidades”.Assim,
coma remessadessespapéisa
cadaumadasvilaspaulistas,�ica-
riamremovidos“todos e quaesquer
pretextos ate agora allegados para
se desculparem ommissões e faltas,
a Assemblea espera que ellas cum-
prirão com tanta exacção os seos
deveres”.Apropostafoiaprovada
enomesmomêsdemarçoforam
encaminhadosàsmunicipalidades
osmodeloseatranscriçãodalei.
Emdocumentodatadode12de
marçode1835,observa-seum
exemplodadocumentaçãoencami-
nhadaàsCâmaras.4Emprimeiro
lugar,tem-seatranscriçãodalei
de31deoutubrode1831.Emse-
guida,osmodelossãoapresenta-
dos,acomeçarpelodoorçamento.
Comespaçosembrancoaserem
preenchidos,exemplosderendase
despesas,assimcomovaloreshipo-
téticos,osmodelosdeveriamservir
deguiaparaaapresentaçãodas
contasmunicipaisdalipordiante.
Oqueseobservaapartirdeentão
éapadronizaçãodadocumentação
apresentadaanualmenteàComis-
sãodeOrçamentoeContas.
Mesmoassim,demorariaumpouco
atéqueumaleiorçamentáriamu-
nicipalespeci� icassedefatoas
fontesderendadosmunicípios.Tal
fatosomenteacontecerianoorça-
mentoparaoanode1841-1842,
sendopossívelobservarpelapri-
meiravezodetalhamentodarenda
dasdiversaslocalidadespaulistas.
Comoexemplo,naTabela1,éapre-
sentadaareceitadacidadedeSão
Paulo.
37economia & história: relatos de pesquisa
abril de 2015
Observandoatabela,percebe-se
queomunicípiotributavasobreo
abatimentoderezes,oconsumo
deaguardente,casasdenegócio,
serviçosdeaferiçãodepesose
medidas,ecarrosquetransitavam
pelacidade.Alémdisso,recebia
aluguéisdosprédiosdeproprieda-
dedaCâmara,quandoexistentes,
alugueldascasinhasqueserviam
aosprodutoreslocaisdealimentos
comoespaçoparacomercialização
degêneros,multasdiversaseresti-
tuiçãodecustas.Contavatambém
comvaloresadvindosdacobrança
dadívidaativa,saldosdosanosan-
teriores,alémdepartedadécima
urbana.
Essaestruturaexempli�ica,emboa
medida,oqueocorrianosdemais
municípiospaulistas.Éclaroque
determinadaslocalidadespossu-
íamespeci�icidades,porexemplo,
osvalorescobradospeloabate
deanimaisvariavam;emoutros
casos,nasvilasdoatualParaná,
costumava-se cobrar impostos
sobreofumoeaerva-mate;mas,
demodogeral,graçasaosesforços
daAssembleiaLegislativapormeio
desuacomissãodeOrçamentoe
Contas,grandepartedosmunicí-
piosapresentavaasmesmasfontes
derendadiscriminadasnaTabela
1.
Dessaforma,foipossívelanalisar
dequemodoseorganizoudurante
osprimeirosanosdoperíodoIm-
perialaquestãotributáriadosmu-
nicípiospaulistas.Partindodeuma
lacunanalegislação,oestudodas
fontesprimáriasdisponíveis–leis
orçamentáriasedocumentosma-
nuscritosdoAcervoHistóricoda
AssembleiaLegislativadoEstado
deSãoPaulo–permitiuidenti�icar
comosedeu,naprática,ade�ini-
çãodascompetênciastributárias
municipais.Comoexemplo,apre-
sentou-seoorçamentodaReceita
daCâmaradaCidadedeSãoPaulo.
Tabela 1 – Receita da Câmara da Cidade de São Paulo (de acordo com o §1 do artigo 2º da Lei n. 18 de 04 de março de 1841)
Receita Valor
320 rs por cabeça de rez que se corta no matadouro e 400 rs pelas cortadas fora delle para negocio em todo o município 941$000
400 rs por canada de aguardente consumida em todo o município 1:371$000
Alugueres das casinhas 470$000
Imposto sobre as casas de negocio 1:550$000
Afferições de pesos e medidas 520$000
Taxa sobre os carros que transitam nesta cidade 470$000
Alugueres das moradas de casas da camara 300$000
Licenças para expectaculos publicos 50$000
Multas por infracções de posturas, e impostas pelo jury e differentes juizos 180$000
Restituição de custas 10$000
Renda eventual proveniente de multas ao fi scal e vereadores, e outras origens 20$000
Saldo do anno anterior 903$528
Cobrança da divida activa 4:650$004
Sobras da décima urbana $5
Somma 11:435$532
Fonte:LeisOrçamentáriasPaulistas.
38 economia & história: relatos de pesquisa
abril de 2015
Referências
LOPES,LucianaSuarez.Asleisorçamentáriaseaestruturatribu-tária dosmunicípiospaulistas, 1834-1850.VIII CONGRESSOBRASILEIRODEHISTÓRIAECONÔMICAE9ª CONFERÊNCIAINTERNACIONALDEHISTÓRIADEEMPRESAS,2009.
______.Saldose sobras: �inançaspúblicasmunicipaisnaprimeirametadedooitocentos.HistóriaeEconomia,v.10,p.29,2012.
______.Finançaspúblicasmunicipaisnaprimeirametadedooitocen-tos. (ProvínciadeSãoPaulo,1834-1850).RelatóriodePesquisaapresentadoàFundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodeSãoPaulo,referenteaoprocesso2010/16866-9.
1 OpresenteartigoapresentaalgunsresultadosdeumprojetodepesquisadesenvolvidonoâmbitodoDepartamentodeEconomiaequerecebeuauxíliodaFAPESP.
2 ConformeaConstituiçãode1824.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>.Acessoem:08abr.2015.
3 Taldocumentoencontra-sedisponívelem:<http://www.al.sp.gov.br/repositorioAH/Acervo/Alesp/Imperio/Falp_005/CF35_103.pdf>.Acessoem:14abr.2015.
4 Taldocumentoencontra-sedisponívelem:<http://www.al.sp.gov.br/repositorioAH/Acervo/Alesp/Imperio/Falp_004/CF35_076.pdf>.Acessoem:14abr.2015.
5 Valornãoinformadopelalei.
(*)ProfessoradoDepartamentodeEconomiadaFaculdadedeEconomia,AdministraçãoeContabilidadedaUniversidadedeSãoPaulo.MembrodoHERMES&CLIO–GrupodeEstudosePesquisa
emHistóriaEconômicaedoNEHD–NúcleodeEstudosemHistóriaDemográ�ica.(E-mail:[email protected]).