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Nº 415 Abril / 2015 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe Antonio Carlos Lima Nogueira traça um panorama da suinocultura bra- sileira e os desaios enfrentados pelo setor. Promover os Terceiros Para Ser os Primeiros H Z Conciliando Sustentabilidade Fiscal e Aumento da Renda dos Idosos: O Caso da Hipoteca Reversa R N C A Revolução Ubíqua: Projeções, Desafios e Expectativas na Economia Política da Internet das Coisas (IoT) J L M Os Cubanos e o Programa Mais Médicos: Um Atentado aos Direitos Humanos I N C O Sobe e Desce do Grau de Investimento R L T O Federalismo Fiscal Durante o Governo Militar: A Construção das Instituições Fiscais Estaduais E R S S análise de conjuntura Agricultura A C L N Nível de Atividade V M S Hélio Zylberstajn defende que a regulamentação da terceirização fa- vorecerá a modernização das empresas a aumentará a competitividade da economia brasileira. Julio Lucchesi Moraes expõe o conceito de Internet das Coisas e algumas das suas possibilidades econômicas e tecnológicas. p. 3 p. 18 Rogério Nagamine Costanzi analisa o instrumento inanceiro da hipoteca reversa e o seu possível beneício na renda dos idosos que possuem imóvel próprio. p. 12 Iraci Del Nero da Costa critica as bases do Programa Mais Médicos devido ao não cumprimento dos direitos legais aos médicos cubanos. p. 29 p. 15 p. 24 p. 22 p. 20 p. 34 p. 6 Vera Martins da Silva apresenta os dados da economia brasileira para o ano de 2014, que conirmam o quadro de retração das principais variáveis econômicas. Crônicas de História Econômica – D. Manuel, o Venturoso: Capitalista ou Cruzado? J F M, L S L Relatos de Pesquisa – Finanças Públicas Municipais: As Fontes de Renda dos Municípios Paulistas, 1835-1850 L S L Roberto Luis Troster discute o papel do grau de investimento alcançado por um país e avalia que a nova política econômica pode evitar a perda de classiicação do Brasil. Elson Rodrigo de Souza Santos investiga a reorganização federativa ocor- rida durante os governos militares no Brasil. José Flávio Motta e Luciana Suarez Lopes fazem uma relexão sobre as motivações presentes na expansão ultramarina portuguesa, que culmi- naram no descobrimento do Brasil. Luciana Suarez Lopes apresenta pesquisa sobre a organização e as fontes de renda dos municípios paulistas entre 1835 e 1850.

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Nº 415 Abril / 2015FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidadeexclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe

AntonioCarlosLimaNogueiratraçaumpanoramadasuinoculturabra-

sileiraeosdesa�iosenfrentadospelosetor.

Promover os Terceiros Para Ser os Primeiros

H���� Z����������

Conciliando Sustentabilidade Fiscal e Aumento da Renda dos Idosos: O Caso da Hipoteca Reversa

R������ N������� C�������

A Revolução Ubíqua: Projeções, Desafios e Expectativas na Economia Política da Internet das Coisas (IoT)

J���� L������� M�����

Os Cubanos e o Programa Mais Médicos: Um Atentado aos Direitos Humanos

I���� ��� N��� �� C����

O Sobe e Desce do Grau de Investimento

R������ L��� T������

O Federalismo Fiscal Durante o Governo Militar: A Construção das Instituições Fiscais Estaduais

E���� R������ �� S���� S�����

análise de conjuntura

Agricultura

A������ C����� L��� N�������

Nível de Atividade

V��� M������ �� S����

HélioZylberstajndefendequearegulamentaçãodaterceirizaçãofa-

voreceráamodernizaçãodasempresasaaumentaráacompetitividade

daeconomiabrasileira.

JulioLucchesiMoraesexpõeoconceitodeInternetdasCoisasealgumas

dassuaspossibilidadeseconômicasetecnológicas.

p.3

p.18

RogérioNagamineCostanzianalisaoinstrumento�inanceirodahipoteca

reversaeoseupossívelbene�ícionarendadosidososquepossuem

imóvelpróprio.

p.12

IraciDelNerodaCostacriticaasbasesdoProgramaMaisMédicosdevido

aonãocumprimentodosdireitoslegaisaosmédicoscubanos.

p.29

p.15

p.24

p.22

p.20

p.34

p.6 VeraMartinsdaSilvaapresentaosdadosdaeconomiabrasileiraparao

anode2014,quecon�irmamoquadroderetraçãodasprincipaisvariáveis

econômicas.

Crônicas de História Econômica – D. Manuel, o Venturoso: Capitalista ou Cruzado?

J��� F����� M����, L������ S����� L����

Relatos de Pesquisa – Finanças Públicas Municipais: As Fontes de Renda dos Municípios Paulistas, 1835-1850

L������ S����� L����

RobertoLuisTrosterdiscuteopapeldograudeinvestimentoalcançado

porumpaíseavaliaqueanovapolíticaeconômicapodeevitaraperda

declassi�icaçãodoBrasil.

ElsonRodrigodeSouzaSantosinvestigaareorganizaçãofederativaocor-

ridaduranteosgovernosmilitaresnoBrasil.

JoséFlávioMottaeLucianaSuarezLopesfazemumare�lexãosobreas

motivaçõespresentesnaexpansãoultramarinaportuguesa,queculmi-

naramnodescobrimentodoBrasil.

LucianaSuarezLopesapresentapesquisasobreaorganizaçãoeasfontes

derendadosmunicípiospaulistasentre1835e1850.

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abril de 2015

Conselho Curador

JuarezA.BaldiniRizzieri(Presidente)AndréFrancoMontoroFilhoCarlosAntonioRocca

DenisardC.deOliveiraAlvesFernandoB.HomemdeMeloFranciscoVidalLunaHeronCarlosEsvaeldoCarmoJoaquimJoséMartinsGuilhotoJoséPauloZeetanoChahad

INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS – ISSN1678�6335

Conselho Editorial

HeronCarlosE.doCarmoLeninaPomeranzLuizMartinsLopesJoséPauloZ.ChahadMariaCristinaCacciamaliMariaHelenaPallaresZockunSimãoDaviSilber

Editora-Chefe

FabianaF.Rocha

Preparação de Originais e Revisão

AlinaGasparellodeAraujo

Produção Editorial

SandraVilasBoas

žhttp://www.�ipe.org.br

SimãoDaviSilberVeraLuciaFava

Diretoria

Diretor Presidente

CarlosAntonioLuque

Diretor de Pesquisa

MariaHelenaPallaresZockun

Diretor de Cursos

JoséCarlosdeSouzaSantos

Pós-Graduação

PedroGarciaDuarte

Secretaria Executiva

DomingosPimentelBortoletto

Editorial

É um enorme prazer comunicar que a partir deste mês o Boletim Econômico da Fipe terá uma nova

seção intitulada “Economia & História”. O Departamento de Economia da FEA-USP sempre teve uma forte tradição na área de História Econômica e um dos objetivos desta nova seção é divulgar os

resultados das pesquisas acadêmicas desenvolvidas por seus economistas-historiadores, o que será exposto na subseção Relatos de Pesquisa. Outro objetivo é apresentar aos nossos leitores o que

podemos chamar de Crônicas de História Econômica, elaboradas mensalmente especialmente para o Boletim pelos professores Luciana Suarez Lopes e José Flávio Motta. As crônicas trarão, a cada mês,

a discussão ou de um acontecimento histórico ocorrido naquele respectivo mês ou de uma fi gura his-tórica ligada àquele acontecimento. Tomando como pretexto os 515 anos do Descobrimento do Brasil,

completados em abril, a primeira crônica discute a fi gura de D. Manuel I, rei de Portugal de 1495 a 1521.

Espero que todos gostem da novidade e que aproveitem para entender melhor os elementos históri-

cos que levaram à constituição do Brasil atual.

Fabiana F. Rocha

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3análise de conjuntura

abril de 2015

Agricultura: O Agronegócio da Suinocultura Brasileira

A������ C����� L��� N������� (*)

Seexisteumsistemaagroindus-

trialbrasileirocompotencialde

expansãoéasuinocultura.Osetor

apresentatecnologiaavançadaem

genéticaecriaçãodosanimais,

coordenaçãoestreitaentreaseta-

pasprodutivas,excelênciaemsa-

nidadeanimalediversi�icaçãode

produtosprocessados.Entretanto,

aparticipaçãodacarnesuínanos

mercadoslocaiseexternosaindaé

baixaemrelaçãoàscarnesbovina

edeaves.Nesteartigoapresenta-

-seumpanoramadasituaçãoatual

edasperspectivasdoagronegócio

dasuinoculturanoBrasil,consi-

derando-seosdesa�iosaserem

enfrentadosnosmercadosinterno

eexternoparaamelhoriadode-

sempenhocompetitivo.

Aindaqueacarnesuínasejaamais

consumidanoMundo,noBrasilela

temenfrentadocertadi�iculdade

deexpansãoaolongodesuahistó-

ria.Algunsfatoresquein�luenciam

nesseprocessosãoadisponibilida-

decrescenteecompreçoscompe-

titivosdascarnesbovinaedeaves

eoreceiodealgunsconsumidores

comosriscosdedoençasdossuí-

nostransmissíveisaoshumanos.

Alémdisso,aindapersisteaima-

gemdacarnesuínacomoproduto

comaltoteordegorduraecoleste-

rol,oqueestariaemcon�litocoma

buscadapopulaçãoporalimentos

saudáveisnasúltimasdécadas.

Ocorrequeessaspremissasnão

seriammaisverdadeirasparaos

produtoreseindústriasformais

domercado, tendoemvistaos

avançosveri�icadosnoaumento

daoferta,noscontrolessanitários

enasraçascombaixoteordegor-

dura.

AofertadecarnesuínanoBrasil

temapresentadoumcrescimento

emtaxasinferioresàsdebovinos

eaves.ConformedadosdaAsso-

ciaçãoBrasileiradeProteínaAni-

mal(ABPA,disponívelemwww.

abipecs.com.br)aquantidadetotal

deanimaisnoPaíspassoude33,3

para40,8milhõesde2004a2013,

oquerepresentouumavariação

novolumede2,6para3,2milhões

detoneladas.Cabedestacarquea

associaçãoidenti�icaedivulgaa

produçãoprovenientedeempresas

comerciaisedesistemasdesub-

sistência,eessaúltimacategoria

apresentadeclínioconsistentena

participaçãototal,passandode

488para220miltoneladasnope-

ríodo.Esseseriaumdosindicado-

resdoaprimoramentoobservado

natecnologiaenagestãodasuni-

dadesdeproduçãodesuínos.

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4 análise de conjuntura

abril de 2015

Aproduçãoapresentaconcentra-

çãonaRegiãoSul,aindaquees-

tejapresenteemoutrosEstados.

AindaconformeaABPA,em2013

osmaioresprodutoreseramSanta

Catarina(790miltoneladas),Rio

GrandedoSul (608mil tonela-

das)eParaná(524miltoneladas).

Dadasascondiçõesdecolonização

porimigranteseevoluçãodaagri-

culturanessaregião,naetapade

produçãopecuáriapredominamas

pequenasemédiaspropriedades,

operandopormeiodecontratos

comempresasdealimentosouco-

operativas.

Aevoluçãodosistemaagroindus-

trialdasuinoculturatemsidocon-

duzidacomomesmomodeloda

avicultura.Trata-sedacoordena-

çãodascadeiasprodutivaspor

partedasindústriasprocessado-

ras,queestabelecemcontratos

paraaengordadossuínoscom

produtores,querecebemagené-

tica,aração,osmedicamentose

aassistênciatécnicadaempresa

compradora.Essesistemapermitiu

aespecializaçãodoprodutornas

tarefasdemanejo,facilitouaado-

çãodelinhagensmaisprodutivas

ecomcaracterísticasdecarnede-

sejadaspelomercadoepromoveu

amelhorianocontroledaoferta

comorespostaàsvariaçõesdade-

manda.

Aadoçãodossistemasdequase-

-integraçãodosprocessadores

tambémcontribuiparaoaumento

doscontrolessanitáriosdasgran-

jas,como�imdeevitarosriscos

dedoençaseparasitasquepossam

comprometeraqualidadedacarne.

Essescontrolessãoessenciaisem

qualquermercado,mastornam-se

maisrígidosnossistemasvoltados

àexportação.Apesardoaumento

doscontrolessanitáriosnasúlti-

masdécadas,semelhantesaospre-

sentesnaavicultura,aimagemda

produçãobrasileiradesuínosno

exteriorfrequentementeéafetada

peloseventosdecrisessanitárias

nosetordecarnebovina,princi-

palmentequandoocorremcasosde

febreaftosa.Comisso,normalmen-

teosmercadosquelevantambar-

reirasàimportaçãodecarnebovi-

nabrasileiratambémbloqueiama

carnesuína,apesardasdiferenças

entreossistemasprodutivos.

SegundoaABPA,nosúltimosanos

asexportaçõesapresentaramrela-

tivaestabilidade,oscilandoentre

540miltoneladas(2010),516mil

toneladas(2011),581miltone-

ladas(2012)e517miltoneladas

(2013).Essesvolumesre�letem

asdi�iculdadesdeexportaçãoea

opçãododirecionamentodamaior

parceladaproduçãoparaomerca-

dointerno,queabsorveuosseguin-

tesvolumes:2.698miltoneladas

(2010),2.882miltoneladas(2011),

2.907miltoneladas(2012)e2.912

miltoneladas(2013).Essadisponi-

bilidadeinternaresultouemuma

baixaoscilaçãonoconsumopor

pessoa:14,14kg(2010),14,94kg

(2011),14,89kg(2012)e14,56kg

(2010).

Osdadosdeconsumoporpessoa

revelamqueapropensãoacom-

prarcarnesuínadoconsumidor

pareceestabilizada,oquesigni�ica

quenãoocorreuatrocaporoutra

fontedeproteína,mas também

revelaaausênciadequalqueres-

tímuloe�icazporpartedosprodu-

toresparaincrementaroconsumo

nesseperíodo.Cabelembrarque,

nosúltimosanos,observa-seum

aumentonadiversi�icaçãodospro-

dutoscomcarnesuína,comfoco

emcortesdiferenciadosevenda

embandejasplasti�icadas,emfor-

matossimilaresaosencontrados

paraascarnesbovinaeavícola.

Essasabordagenstêmopapelde

educaroconsumidorsobreovisu-

aleatributosdecadacortesuíno,

aserpreparadoemcasa.Comisso,

busca-sevalorizaroprodutobási-

coedistanciá-lodasformastradi-

cionaisdevenda,comoaspeçasde

pernilparaassarouospertences

parafeijoada.Aparentemente,esse

esforçodosprocessadoresnãotem

provocadograndesmudançasno

per�ildeconsumodecarnesuína,

revelandoumapossívelcarência

naáreadecomunicaçãoinstitucio-

nalporpartedeentidadesassocia-

tivas.

Comrelaçãoaomercadoexterno,

osetorenfrentaasquestõestra-

dicionaisnocomérciointernacio-

naldeprodutosagrícolas,como

asbarreirastarifárias(tarifasde

importação)enãotarifárias(cotas

porpaísouregião,exigênciasde

sanidadeecontrolederesíduosde

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5análise de conjuntura

abril de 2015

medicamentos).Alémdisso,quan-

dooprodutoconsegueentrarem

determinadopaís,ocorreacom-

petiçãocomosprodutoreslocais

pelapreferênciadosconsumidores,

combaseemqualidade,preçose

relaçõesdetrocaentreasmoedas

(taxadecâmbio).

Aexportaçãodecarnesuínaapre-

sentouoscilaçõesaolongodoano

de2014, comvolumesmensais

entre35e50miltoneladas,oude

90a190US$milhões,comoacu-

muladodoanoatingindo494,2mil

toneladase1,6US$bilhões,con-

formedadosdaABPA.Oprincipal

destinoemvolumeexportadofoi

aRússia,queabsorveu186milto-

neladas,oquerepresentouumau-

mentode38%emrelaçãoa2013.

Osegundodestinoemvolumefoi

HongKong,com110miltonela-

das,resultadodeumaquedade

8,5%emrelaçãoaoanoanterior.

Aterceiraposiçãoéocupadapor

Angola,com52,2miltoneladas,o

queindicaumcrescimentode4,2%

sobreoanode2013.

Aavaliaçãodosprincipaisdestinos

emtermosdereceitadevendas

indicaalgumasdiferençasemter-

mosdeganhospercentuais.Assim,

paraoprincipaldestino,aRússia,

ototaldeexportaçõesem2014

atingiuUS$810,5milhões,com

umganhode96,7%sobreoano

anterior.Paraasegundaposição,

HongKong,areceitafoideUS$279

milhões,oqueindicaumaquedade

3,53%sobreoanode2013.Parao

terceirocolocado,Angola,asven-

dassomaramUS$94milhões,com

acréscimode1,67%sobreoano

anterior(ABPA).

ConformeinformaçõesdaABPA,a

Rússiamantém�irmeopropósito

decomprarcarnesuínabrasileira.

Nomêspassado,osrussos� ica-

ramcom47%dessetipodecarne

exportadapeloPaís.Emrelação

àsreceitas,aRússiaparticipou

com61%dototalrecebidopelos

exportadores.Ohistóricodealtos

ebaixosnorelacionamentocomer-

cialcomaRússia,queoraabria,

orarestringiasuasimportações,

recomendaumaposturadecaute-

la.Entretanto,asdi�iculdadesque

essepaísenfrentacomassanções

econômicasdosEUAedaUnião

Europeiaparecem indicaruma

perspectivapositivaparaasexpor-

taçõesbrasileiras.

Emabril,foramdivulgadosdados

doSistemadeEstatísticasdeCo-

mércioExteriordoAgronegócio

Brasileiro(Agrostat)divulgados

peloMinistériodaAgricultura,Pe-

cuáriaeAbastecimento(disponível

emwww.agricultura.gov.br).As

exportaçõesdoagronegóciobrasi-

leirosomaramUS$7,88bilhõesem

marçode2015,quedade1,1%,em

relaçãoamarçode2014.Asimpor-

taçõestambémobtiveramqueda,

de05%,epassaramdeUS$1,42

bilhãoemmarçode2014paraUS$

1,41bilhãoemmarçode2015.Por-

tanto,osaldodabalançacomercial

foideUS$6,47bilhões.

Conformeamesmafonte,ocomple-

xosojafoioprincipalsetor,comex-

portaçõesqueatingiramacifrade

US$2,81bilhões.Ascarnesestão

emsegundolugar,comUS$1,17

bilhãoemmarço.Nosetor,acarne

defrangofoiresponsávelporUS$

571,92milhõesdasexportações

eacarnebovina,porUS$462,70

milhões.Jáacarnesuínaexportou

US$84,16milhõeseacarnede

peru,US$22,76milhões.

Oaproveitamentodasoportunida-

desdemercadosexternosdepende

cadavezmaisdaagressividadedas

açõespúblicaseprivadasparaa

promoçãodoproduto,vistoqueas

condiçõesdesanidadeequalidade

dossistemasprodutivosbrasilei-

rossãoinquestionáveis.Orecen-

temovimentodedesvalorização

cambialdoreal frenteaodólar

pareceoferecerumreforçofunda-

mentalparaacompetitividadeda

carnesuínabrasileiranosdiversos

mercados.Aguarda-seacon�irma-

çãodessatendêncianospróximos

meses.Seissoocorrer,oesforço

deaprimoramentodae�iciênciae

sanidadeempreendidopelosetor

nasúltimasdécadaspoderáser

�inalmenterecompensadoporuma

expansãodasexportações.

(*)PesquisadordoPENSAUSP-CentrodeConhecimentoemAgronegócioseprofessor

naFaculdadedeTecnologiadeSãoPaulo.(E-mail:[email protected]).

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6 análise de conjuntura

abril de 2015

Nível de Atividade: Estagnação Econômica em 2014

V��� M������ �� S���� (*)

OsdadossobreoProdutoInterno

Bruto(PIB)de2014,divulgados

recentementepeloIBGE,mostra-

ramdeformaefetivaoquetodosjá

sabiamintuitivamente:aeconomia

brasileira�icouparadaem2014,

comestimativadecrescimentode

apenas0,1%emrelaçãoa2013,

ouseja,nadadecrescimento.No

entanto,pelomenosnãohouve

umaquedaabruptadaprodução

interna,istoé,nãohouverecessão.

Equaissãoasrazõesparaessapa-

radaeconômica?Podemosculpara

estagnaçãodaproduçãopeloefeito

CopadaFIFA,porváriosdiasferia-

dos,oupelaseleiçõesdeoutubro,já

que,pormaisqueogovernotivesse

aumentadoseusgastosnomomen-

toeleitoral,nãofoipossívelrever-

teraquedadeinvestimentoseo

ambientenegativoqueseformou.

Ecomonão lembraros fatores

exógenoscomoasecaprolongada

noSudesteeseuimpactosobrea

agriculturaeproduçãodeenergia,

amudançanapolíticamonetária

americanaeseuimpactosobreos

�luxosdecapitaiseascotaçõesdo

dólar,econsequentemente,sobrea

in�lação.Apesardissotudo,omer-

cadodetrabalhocontinuouapre-

sentandobaixosníveisdedeso-

cupaçãoeacontençãodospreços

administradosatéo�inalde2014

forampeças-chaveparaareeleição

dopartidonopodercentral.

Passadasaseleições,arealidadese

impõe.Odé�icitemcontascorren-

teseo�iscalcolocamemalertaas

agênciasdeclassi�icaçãoderisco

eosinvestidoresinstitucionais.Se

nadafossefeito,opaísperderiao

graudeinvestimentoeosgrandes

fundosinternacionaisteriamne-

cessariamentedesairdomercado

brasileiro,colocandomaispressão

sobreocâmbio,in�lação,nívelde

atividadee�inalmentenoempre-

go.Nãohácomoevitar,oajusteé

necessário.Assim,ocenárioeco-

nômicomudajánoiníciode2015,

comaumentosdediversospreços

administrados,correçãodocâmbio

pelaalteraçãodapolíticadeswaps

cambiaiseajustenapolítica�iscal,

comaestipulaçãodeumametade

resultadoprimáriode1,2%doPIB.

Osefeitosdoajustesóserãocaptu-

radospelasinformaçõesdomeio

doano,apesardejáseternotícias

deaumentodein�lação(corretiva

depreçosdefasados)edemissões

(nossetoresquesofreramarever-

sãodossubsídios).

Porenquanto,oquesetemdeo�i-

cialéasituaçãodaeconomiabra-

sileiraem2014.Vamosaosdados.

Em2014,oPIBAcumuladoalcan-

çouR$5.521bilhões,dosquaisR$

4.719bilhõesreferem-seaValor

Adicionado(VA)apreçosbásicose

R$802bilhõessãoImpostossobre

Produtos, líquidosdesubsídios.

OVAapresentouligeiroaumento

de0,2%,enquantoos impostos

sobreprodutostiveramreduçãode

0,3%,especialmenteemfunçãoda

reduçãodoIPI.Oquartotrimestre

de2014apresentouumresultado

positivode0,3%sobreoterceiro

trimestredesseano,quepareceter

sidoofundodopoçodaeconomia

em2014.

Cabenotarqueessesresultados,

apesardeseremumaboaapro-

ximaçãodarealidadeeconômica,

qualseja,deumaeconomiaestag-

nada,sãotambémfrutodeuma

modi�icaçãonaprópriaelabora-

çãoestatística-umaimportante

atualizaçãodametodologiapelo

IBGEnaapuraçãodasContasNa-

cionais:asinformaçõesre�letem

oSistemadeContasNacionais,

Referência2010,que introduz

procedimentosconformeasre-

comendaçõesinternacionaisdo

“SystemofNationalAccounts,SNA

2008”,atualizandoospesosde

algumasvariáveis,introduzindo

novasinformaçõesounovasbases

dedadosereclassi�icandoalgumas

variáveis.Assim,anovametodolo-

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7análise de conjuntura

abril de 2015

giausaoCensoAgropecuáriode

2006,aPesquisadeOrçamentos

Familiares2008/9,oCensoDemo-

grá�icode2010,assimcomopes-

quisasespeciaissobreoconsumo

intermediáriodaindústriaeser-

viços,dasmargensdecomércioe

transporte,easestruturasatuali-

zadasdosimpostos.Alémdisso,as

atividadespassaramaserclassi�i-

cadasconformeaClassi�icaçãoNa-

cionaldeAtividadesEconômicas,

CNAE2.0,enquantoanteriormente

erausadaaversãoanterior,aCNAE

1.0.Amudançametodológicain-

cluiutambémautilizaçãodeum

novosoftwareestatístico,oX-13

Arimaversão1.1Build9,parao

cálculodoajustesazonal.

Apartirdessasmodi�icações,as

taxasdecrescimentodosagrega-

dosforamreestimadase,paraos

anosde2012e2013,asalterações

maissigni�icativassãoapontadas

aseguir.Em2012,ocrescimento

doPIBpassoude1,0%para1,8%,

sendooagregadoquemaissofreu

alteraçãoaFormaçãoBrutade

CapitalFixo,queoriginalmente

tinhaapresentadoquedade-4%,

equepassouparaumaquedabem

menossevera,de-0,6%,ouseja,o

investimentonãoteriadespenca-

do,massimestagnado.Também

nesseano,aIndústriaqueorigi-

nalmenteapresentavaquedade

-0,8%passouparaoladopositivo

decrescimento(0,1%),ouseja,

tambémdeestagnação.

Em2013,oPIBpassoude2,5%

para2,7%,umpequenoaumen-

tode0,2%,resultadoespecial-

mentedoaumentodaFormação

BrutadeCapitalFísicode5,2%

para6,1%,umaumentode0,9%.

Nesseano,aindústriaapresentou

umcrescimentooriginalmentede

1,7%para1,8%,umamodi�icação

praticamentenula,enquantoa

agropecuáriateveumcrescimento

reestimadode7,3%para7,9%,ou

seja,0,6%.

Efetivamenteasmudançasmeto-

dológicasatingiramdemodomais

forteaFormaçãoBrutadeCapital

Físico,aoampliaraabrangência

dosativosnão�inanceirosnacon-

tagemdePropriedadedeAtivos

Intelectuais.Passaramasercon-

siderados,porexemplo,osgastos

compesquisaedesenvolvimento,

gastoscomsoftwaresebancosde

dados,queanteriormenteeram

consideradosconsumointermedi-

ário.Tambémforamincluídosos

gastosmilitaresdosgovernos.No

casobrasileiro,esteúltimotipo

degastonãoésigni�icativo,mas

nocasodosEstadosUnidos,sem

dúvida,éumaimportantefonte

degasto,demodoquesepode

especularseboapartedarecu-

peraçãoobservadarecentemente

nessepaíssedeveàmodi�icação

nacontabilizaçãodessesetor.Por-

tanto,éimportanteterclaroque

as informações,pormelhorque

sejam,sempresãosensíveisàsme-

todologiasutilizadas,demodoque

comparaçõestantonotempocomo

entrepaísesdevemservistascom

cautela.

Istoposto,podemosveratrajetó-

riadecrescimentodeclinantedo

PIBtrimestralentreoprimeiro

trimestrede2011eoúltimotri-

mestrede2014(Grá�ico1),quere-

presentaoperíododegovernoda

presidenteDilma.Conformedito

antes,apesardaexpansãodogasto

públicoedaconcessãodesubsídios

asetoresespecí�icos,esseperíodo

nãologrouexpansãovigorosada

produçãonacional.Empartepor

contadacriseexterna,emparte

pelosvazamentosderecursosao

exterior-aumentodasImporta-

çõesdeBenseServiçosetambém

desaídasindevidasdedivisas,con-

formeonoticiáriotemmostrado.

OGrá�ico2permiteavisualiza-

çãododesempenhodoconsumo

das famílias,daadministração

públicaedaformaçãobrutade

capital�ísicoapartirdoprimeiro

trimestrede2011atéoúltimo

trimestrede2014.OConsumo

dasFamíliasfoifatorimportante

duranteoperíodo,masapresentou

tendênciadeclinante:passoude

umataxadecrescimentoemtorno

de6%nostrimestresde2011para

umcrescimentoemtornode2%

em2014.OConsumodoGoverno

(administraçãopública),embora

maissuave,tambémtevetrajetó-

riadeclinante,deumamédiade

crescimentode3%em2011para

2%em2014.Ataxadecrescimento

daFormaçãoBrutadeCapitalFísi-

co,componentemaisinstáveldos

agregados,passoudeumamédia

decrescimentode9%nostrimes-

tresde2011para0%em2014,

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8 análise de conjuntura

abril de 2015

in�luenciadaespecialmentepelos

últimosdoistrimestresde2014,

quandoodeclíniofoiacentuado

−�icounegativaem6%,ouseja,

no�inaldegovernohouvequeda

acentuadanosinvestimentos,re-

�letindoclaramenteociclopolítico

daeconomia.Alémdeosinvesti-

mentoscontratadosdiretamente

pelogovernoestaremvinculados

aocalendárioeleitoral,houveum

espalhamentodeletériodosefeitos

dessareduçãodegastospelores-

tantedaeconomia.

OGrá�ico3mostraaevoluçãode

transaçõescomoexteriore,tam-

bémnessecaso,vê-seumatrajetó-

riadeclinanteapartirde2011,boa

partedissoexplicadapeloarrefe-

cimentodaexpansãodaeconomia

internaepelaquedadospreços

dascommoditiesnomercadoin-

ternacional.Selembrarmosqueo

dé�icitemTransaçõesCorrentes

superou4%doPIBem2014,po-

demosconcluirque,apesardisso,

oqueseteméumaeconomiamais

abertae,portanto,teoricamente

maise�iciente,equeavoltaaum

regimedecâmbio� lutuantepuro

devecorrigireventuaisdesequi-

líbriosemum curtoespaçode

tempo.

OGrá�ico4ilustraodesempenho

dos grandes setores econômi-

cosduranteoprimeiromandato

deDilma,destacandoocresci-

mentopersistentementepositivo

dosServiços,masquetambém

tiveramumatrajetóriadecres-

cimentodeclinantenoperíodo;o

desempenhoinstáveldaAgrope-

cuária,cujodesempenhooscilou

muitoemfunçãodascondições

climáticas,apesardetertido,de

modogeral,umaprodutividade

crescente;eodesempenhoinstá-

veltambémdaIndústria,queteve

umareduçãode2%naprodução

doúlt imosemestrede2014.O

pesodosetordeserviçosnoValor

Adicionadocresceunoperíodo

Dilma,passandodeumamédia

trimestralde68%em2011para

71%em2014.PelasContasNacio-

nais,osetordeServiçossozinho

representamaisdoqueodobro

dossetoresdeAgropecuáriae

Indústria juntos,1oquemostra

queaeconomiabrasileiraapre-

sentaumacomposiçãoprodutiva

semelhanteàdepaísesdesenvol-

vidos.Areduçãodaparticipação

relativadaindústriaéresultante

daquedadaparticipaçãodaIn-

dústriadeTransformação,que

passoudeumamédiade14%no

ValorAdicionadonostrimestres

de2011para11%nostrimestres

de2014,oquepodeserassociado

aoprocessodedesindustrialização,

especialmentenosentidorelativo

daIndústriadeTransformação

emparticipaçãonoVA.Doponto

devistaabsoluto,oGrá�ico5nos

dáoutravisãodesseproblema

aomostraraevoluçãodoíndice

deVolumecomAjusteSazonal

daIndústriadeTransformação.

Entre2011e2013,houveredu-

çãoerecuperaçãodaprodução.A

partirdo�inalde2013,há,defato,

declíniodovolumeproduzido,o

queevidenciaefetivamenteum

processodedesindustrialização

emcurso,seguindoamesmaten-

dênciadereduçãodocrescimento

doPIB.Apesardesseproblema

jáapontadopormuitoscríticos,

háqueselembrarquenãohouve

maiorimpactosobreomercado

detrabalhoatéo� inalde2014,

poisosetordeServiçosestavaab-

sorvendoparcelasigni�icativados

trabalhadores.Oajusteemcurso

devepermitirumareadequação

daestruturaprodutivaedomer-

cadode trabalhoque re� litam

maisdiretamenteascondições

dosdiversosmercados.

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9análise de conjuntura

abril de 2015

Gráfi co 1 – Crescimento Real do PIB – 1º tri 2011 – 4º tri 2014

Fonte:IBGE.

Gráfi co 2 – Evolução do Consumo e da Formação Bruta de Capital Físico – 1º tri 2011 – 4º tri 2014

Fonte:IBGE.

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10 análise de conjuntura

abril de 2015

Gráfi co 3 – Evolução da Exportação e Importação – 1º tri 2011 – 4º tri 2014

Fonte:IBGE.

Gráfi co 4 – Evolução dos Setores Econômicos – 1º tri 2011 – 4º tri 2014

Fonte:IBGE.

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11análise de conjuntura

abril de 2015

1 A agropecuária representou 6% do Valor Adicionado em 2014,

e a indústria, 23%..(*)EconomistaedoutoraemEconomiapeloIPE-USP.

(E-mail:[email protected]).

Gráfi co 5 – Índice de Volume Trimestral com Ajuste Sazonal da Indústria de Transformação – 1º tri 2011 – 4º tri 2014

Fonte:IBGE,Média1995=100.

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12 temas de economia aplicada

abril de 2015

Promover os Terceiros Para Ser os Primeiros1

H���� Z���������� (*)

Hámaisoumenos150anos,come-

çouatomarformaumanovidade

nocapitalismo:aempresacomo

aconhecemos.Osmercadosse

tornavammaiscomplexosequem

quisessetrabalhardeformamais

e� icientenãopoderiamais im-

provisartodososdias.Comprar

insumos,armazená-los,trabalhar

emequipe,estocaraprodução,

vendereentregardemandavapla-

nejamentoecoordenação.Aem-

presafoiumasoluçãoparareduzir

oscustosdeprestarserviçosou

deproduzirqualquercoisa.Ela

trouxeparabaixodomesmoteto

todasasoperaçõesqueantes,com

custosaltoseine�iciências,eram

contratadasfora.Adotouaestru-

turahierárquica,comcadeiasde

comandoeprocessosburocráticos

decontrole.Quantomaior,mais

níveishierárquicosemaisburo-

cráticososprocessos.Asempresas

–e,principalmente,asgrandes

corporaçõesemquemuitasdelas

setransformaram–reduziramas

incertezaseoscustosparaprodu-

zirevender.Assim,impulsionaram

ocapitalismoepermitiramqueos

empreendedoresatendessemàs

necessidadesedesejosdeconsumo

dasociedade.Alógicadessemo-

deloeratrazertudoparadentro

efazertudoemcasa,paraevitar

aconfusãodecomprartudofora.

Dentrodaempresa, � icavamais

fácilcoordenarecontrolar.Masa

histórianãopara.

Aempresaeraumacadeiaprodu-

tivacompletaecresciaadquirindo

outraseabrindonovasfrentes

deprodução.Severticalizavaese

diversi�icava.Surgiramasinsti-

tuiçõesdomercadodetrabalho.A

empresa,queprecisavadeumqua-

drodeempregadospermanentes

ecomprometidos,crioupolíticas

derecursoshumanoscompatíveis

comessanecessidade.Ossindi-

catos emergiramepassarama

organizar,representarealcançar

conquistasparaostrabalhadores.

OEstadofezsuaparteformulan-

doeimplantandopolíticaspúbli-

casdeproteçãoeregulamentouo

mercadodetrabalho.ODireitodo

Trabalhosedesenvolveutambém

apartirdasrelaçõesdetrabalho

contínuas,típicasdaempresaca-

pitalista.

Asinovaçõestecnológicasdosúlti-

mos50anoscriaramascondições

paraalteraçõesradicaisnasformas

deorganizarecoordenaraprodu-

ção.Ocomputador,ainternetea

logísticaavançadapermitemhoje

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13temas de economia aplicada

abril de 2015

queumaempresaseorganizecom

umnúcleoenxutoqueplanejae

coordenacadeiasprodutivasàdis-

tância,eatéglobalmente.Nosetor

deserviços,queéhojeocarro-che-

fedaseconomiasnomundo,esse

formatoémaisevidenteemais

frequentementeadotado.Nãoé

maisprecisotrazertudoparaden-

tro,porque�icouacessíveleviável

comprarforaefazerfora.Aempre-

saverticalestásendosubstituída

pelaredehorizontaldeprodução.

Asorganizaçõeshierárquicasebu-

rocráticasnãosãomaisfuncionais

edeixaramdesercompetitivas.

Nãoconseguemacompanhar o

ritmodasnovasredesprodutivas.

Evidentemente,atransformação

naorganizaçãodaproduçãotem

repercutidonasrelaçõestraba-

lhistas.Oempregotradicionaltem

sidosubstituídopelaterceirização

eporoutrasformasdecontratação

detrabalho,maisadequadasao

formatoatualdaempresacompe-

titiva.Paraacompanharatrans-

formaçãonasrelaçõesdetrabalho,

asempresasprecisamreformular

suaspolíticasdeRH,ossindicatos

precisamsereinventar,oDireito

doTrabalhoprecisasereciclare

oEstadoprecisaadequaraspolí-

ticasdomercadodetrabalhoeas

políticasdeproteção.Todasessas

instituiçõesforamformadasapar-

tirdovínculodeempregocontínuo

edireto.Agora,comasnovasfor-

masdecontratação,asinstituições

terãoqueseadaptar.

A legislaçãotrabalhistadoBra-

sil,criadaporGetúlioVargas,nos

anos30-40doséculopassado,está

ultrapassada.Foielaboradapara

protegerotrabalhadordaempresa

antiga.Nãofoifeitaparaomundo

dehoje.Nossos legisladoresse

omitiramatéagoraedeixaramum

vácuolegalaonãoregulamentara

terceirização.Oúnicodispositivo

quetratadotemaéaSúmula331

doTribunalSuperiordoTrabalho

(TST),quepermiteaterceirização

nas“atividades-meio”,masaproíbe

nas“atividades-�im”.Doisexemplos

podemajudaraentenderalógica–

ouafaltadela–naSúmula.

Oprimeiroseriaumaescola.De

acordocomoTST,elapodeter-

ceirizara cantina,a limpeza,a

segurançaeotransporte–asati-

vidades-meio,deapoio.Masnão

podeterceirizaraaula,porqueo

ensinoésuaatividade-�im.Neste

caso,épossívelsepararcomclare-

zaasduascategoriasdeatividade.

Masumsegundoexemplomostra

quenemsempreadistinçãoétão

simples.Ocasoagoraseriauma

fábricadecelulosequetemtam-

bémumaplantaçãodeeucaliptos.

Seaempresadecidirterceirizar

aextraçãodamadeira(ocorte

dasárvoreseseutransporteaté

afábrica),serámultadapelains-

peçãode trabalho.Se recorrer,

serácondenadapeloTST,porque,

paraosnossosjuízes,aextração

demadeiraéatividade-�imdafá-

bricadecelulose.Oexemplonãoé

umcenáriohipotético.Hádiversos

casosdefabricantesdecelulose

condenadosnoTSTporterceiriza-

remaextraçãodamatéria-prima

queusam.ASúmula331proíbe

nossasempresasdeevoluíreme

setransformarememredespro-

dutivas.Condena-asapermanecer

noséculoXX,verticalizadasenão

competitivas.

Asempresasquesearriscamna

terceirização�icamnadependência

deuminspetordotrabalhooude

umjuizdecidirseaatividadeter-

ceirizadaéounãoumaatividade-

-�im.Afaltadebaseslegaissegu-

rasparaaterceirizaçãoimpedea

modernizaçãodasempresasbra-

sileirase,portanto,reduzacom-

petitividadedanossaeconomia.

Umacompanhiatemdesetornar

maiscompetitivaparaconseguir

crescer,disputarnovosmercadose

terchancedecriarmaisemelhores

postosdetrabalho.Regulamentar

aterceirizaçãoéumanecessidade

estratégicaparaoBrasil.

Seassimé,porquetantaresistên-

ciaà regulamentação?Quaisos

argumentos?Quemseopõeepor

quê?

Oargumentoprincipaléatesede

queaterceirizaçãotransformariao

mercadodetrabalhoemumaselva.

Asempresasdespediriamosseus

empregadoseterceirizariamtodas

asatividades,oque“precarizaria”

ascondiçõesdetrabalhoeredu-

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14 temas de economia aplicada

abril de 2015

ziriasaláriosebene�ícios.Oargu-

mentoéexagerado.Paramostrar

oexagero,voltemosaoprimeiro

exemploacima:di�icilmenteuma

escolasériaterceirizariasuassalas

deaula.Mas,devemesmoexistir

uma“demandareprimida”dater-

ceirizaçãoque�icariavisívelcoma

regulamentação,poisasempresas

sesentiriammaissegurasaadotar

asnovasestratégiasdenegócios.

Porém, issonãotrariaa leidas

selvasaomercadodetrabalho.O

projetoemvotaçãonaCâmarados

Deputadosébastanteequilibrado

econtémmecanismosesalvaguar-

dasquelimitarãoousodaterceiri-

zaçãoàssituaçõesemqueaumen-

taráae�iciênciasemprejudicaros

trabalhadoresterceirizados.

Ateseda“precarização”parece

serumacortinade fumaçaque

escondeoutrasmotivações.Ater-

ceirizaçãocriaumcon�litodere-

presentação:quemrepresentaria

osterceirizados,osindicatodos

trabalhadoresdaempresaprinci-

palouodasterceirizadas?Ocon�li-

toentreascorrentessindicaistem

sidopoucoexplicitado,masnaver-

dadeéumadasrazõesprincipais

queretardaramaregulamentação

damatéria.Ossindicatosdascate-

goriasprincipaisgostariamdeas-

sumirarepresentaçãodostercei-

rizados.Asentidadesempresariais

gostariamquea representação

�icassecomossindicatosdoster-

ceirizados–normalmentemenos

poderosos.Oprojetoemaprecia-

çãonoCongressopareceterresol-

vidoessaquestão:quandoaativi-

dadeterceirizadaforrelacionada

àatividadeprincipaldaempresa,o

sindicatoprincipalrepresentaráos

terceirizados.Quandonãoforrela-

cionada,osindicatodosterceiriza-

dosseráorepresentante.Omelhor

teriasidodeixaressadecisãopara

osprópriostrabalhadores,mas,

aparentemente,nenhumdosdois

ladosaceitariaessasolução.De

qualquerforma,otextopareceter

encontradoumcaminhoesuperou

oimpassequeretardavaavotação

damatéria.

Outropontoderesistência–este

deúltimahora–foiapreocupação

dogovernofederalcomapossível

perdadereceitaquedecorreriada

terceirização.Otextopareceter

solucionadoaquestão,aodeter-

minarqueaempresacontratante

reteránafonteostributosquese-

riamrecolhidospelaterceirizada.

Trata-sedeumcomplicador,mas

essadecisãoacabousolucionando

outraquestãocríticaqueenvolveu

odebatedaterceirizaçãodesde

ocomeço:aresponsabilidadeda

contratantesobreospagamentos

aofuncionárioeorecolhimento

detributos.Essaresponsabilidade

seriasubsidiária(ouseja,menor

queadaempresaterceirizada)ou

solidária(ouseja,tãograndequan-

toadaempresaterceirizada)?Esse

pontodividiuempresasesindica-

tosatéagora.Foi,emparte,supe-

radacomaretençãodostributos

nafonte.

Entremortoseferidosnabatalha

daterceirização,parecequetodos

vamosnossalvar.Aaprovaçãoda

regulamentaçãotornaráviávela

terceirizaçãonoBrasilecontribui-

ráparaaumentarnossacompetiti-

vidadeemcomparaçãocomoutros

países.Comosterceiros,teremos

melhoreschancesdedisputarum

lugarentreosprimeiros.

1 PublicadonarevistaÉpoca,13/04/2015,p.70-72.

(*)FEA/USP.(E-mail:[email protected]).

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15temas de economia aplicada

abril de 2015

Conciliando Sustentabilidade Fiscal e Aumento da Renda dos Idosos: O Caso da Hipoteca Reversa

R������ N������� C������� (*)

Comoprocessodeenvelhecimen-

topopulacional,queestáocor-

rendoemnívelglobal,commaior

oumenorvelocidadeepartindo

dedistintosníveis,muitospaíses

têmencontradodi�iculdadepara

manterasustentabilidade�iscal

dosseussistemasdeseguridade

oudeproteçãosocial.Contudo,é

importantequeasustentabilidade

�iscalnãosejaconseguidacomo

comprometimentodaadequação,

apontodovalordosreferidosbe-

ne�íciosnãoevitarapobrezados

bene�iciários.Portanto,hánecessi-

dadedeconciliarsustentabilidade

�iscalcomcombateàpobreza,em

especial,dapopulaçãoidosa.

Essaconciliaçãopodeparecerdi�í-

cil,tendoemvistaqueoaumento

novalordosbene�íciosdaseguri-

dadesocialnecessariamentesigni-

�icaaumentodosgastospúblicos,

quejáseencontrampressionados

peloenvelhecimentopopulacional.

Nessecontexto,aumentaointeres-

seemestudarouavaliarachama-

dahipotecareversa.Comocoloca-

doporCaetanoeMata(2009),a

hipotecareversapermiteapessoas

emidadeavançadaconverterseu

ativoimobiliárioemum�luxomen-

salderenda,semanecessidade

devendero imóveloudeperder

atitularidadedoativo.Emoutras

palavras,umahipotecareversa

visagerarrendaparaapopulação

idosasemquehajanecessidadede

sedesfazerdeseuimóvel.Éuma

modalidadedeempréstimoemque

odevedorfornececomogarantia

o imóveldoqualéproprietário,

podendoreceberosrecursosde

talempréstimodediversasfor-

mas:montanteúnico,pagamentos

mensaisregulares,linhadecrédito

paraoproprietáriodoimóvelou

umacombinaçãodasmodalidades

anteriores.

Nahipotecareversa,omontante

devidocrescecomotempoporine-

xistirquitaçãodadívidaantesque

oproprietáriosemude,faleçaou

vendaoimóvel.Acontrapartidada

hipotecareversasedápelaredu-

çãodariquezaimobiliárialíquida

dodevedor.Obviamente,ahipote-

careversadeveriaserfocadaem

proprietáriosdeimóveisemidade

avançadaquepossuemumnível

derendacorrentenãotãoelevado,

masquepossuemativoimobiliário

semliquidez.

Portanto,paraumaposentadoou

idosoquetemapenasumimóvel

queutilizacomomoradiaprópria

e,portanto,nãotemcomoextrair

rendapormeiodealuguel,que

desejaincrementarsuarendacor-

renteemrelaçãoaovalordoseu

bene�ício,ahipotecareversaseria

umaformademelhorarorendi-

mentosemperderatitularidade

doimóvel.Naprática,éumaforma

dedarliquidezaoativoimobiliário,

oquepodeserextremamenteútil

paraumaposentadoe/ouidoso

comapenasumimóvelemqueresi-

de,sem�ilhosoucomdescendentes

quesãoindependentesdoponto

devistaeconômico,quedesejaou

necessitaaumentarasuarenda

correntepormeiodepagamentos

mensaisregularesatéquevenha

afalecer,porexemplo.Aperdado

imóveldeveriaocorrerapenascom

ofalecimentodoidosooumesmo

doseucônjuge,nocasodeumcasal

sem�ilhosoucom�ilhosquenão

sejamdependentesdopontode

vistaeconômico.

Emváriospaísesahipotecarever-

sajáestáfuncionandonaprática,

podendoserc itadosAustrália,

Canadá,EstadosUnidos,Espanha

eReinoUnido.Aregulamentação

easregrasvariammuitonestes

países,quedenotaacomplexida-

dedesteproduto�inanceiro.Uma

regraqueparececomuméexigên-

ciadeumaidadeapartirdaqual

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16 temas de economia aplicada

abril de 2015

épossíveltomarempréstimopormeiodahipoteca

reversa,quepodeser55,60ou62anos.Dequalquer

forma,oprodutoémaisdirecionadoparapessoasde

idademaisavançadaoupessoasidosas,quepodeser

explicadotantopelofatodeapropriedadedeimóvel

crescercomaidade,comotambémpessoasdemais

idadetendematermaiordi�iculdadeparagerarrenda

pormeiodomercadodetrabalho.

Diferentementedosempréstimostradicionais,ahi-

potecareversanãoexigepagamentosmensaisdoem-

préstimoetambémtendeateracessomaisfacilitado

paraosproprietáriosdeimóveis,poisnãohaveriane-

cessidadedecomprovaçãoderendaoucapacidadede

pagamento,poisestagarantiasedápelapropriedade

doimóvel.

DeacordocomCaetanoeMata(2009),cercade85%

dosidososnoBrasiltinhamimóvelprópriocontra

68%daquelescomidadeaté40anos,utilizandodados

daPNAD/IBGE1de2006.DadosparaOCDE2indicavam

que,entreaspessoascom55anosoumais,77%pos-

suíamimóvelpróprio,percentualquesereduziapara

60%parapessoascomaté45anosdeidade.

AnalisandoosmicrodadosdaPNAD/IBGEde2013

tambémsecon�irmaamaiorparticipaçãodepessoas

dereferênciaquesãoproprietáriasdeimóveisàmedi-

daquecresceaidade.ComopodeservistopelaTabela

1,háumincrementodopercentualdepessoasdere-

ferênciaqueresidememimóvelpróprioàmedidaque

aumentaaidadedapessoadeformalinear,crescendo

de62,8%paraaquelasnafaixade20a29anospara

85,9%parapessoasde60anosoumaisouidosas.

Alémdisso,tambémpelosmicrodadosdaPNAD/IBGE

pode-seestimarque86,9%dosaposentadosepensio-

nistas,queerampessoasdereferência,residiamem

imóvelpróprio.

Tabela 1 – Percentual de Pessoas de Referência por Condição do Imóvel Segundo Faixa Etária – Brasil PNAD/IBGE 2013

Faixa de idade Próprio – já pago Próprio – ainda pagando Alugado Outros

de 20 a 29 62,8 5,2 23,4 8,6

de 30 a 39 64,3 7,4 20,1 8,2

de 40 a 49 72,7 5,5 14,5 7,3

de 50 a 59 79,1 4,0 11,0 5,9

60 ou mais 85,9 2,0 7,8 4,3

Total 72,1 5,0 16,0 7,0

Fonte:microdadosdaNAD/IBGE-2013.

Além do envelhecimento populacional, famílias fi cando

menores (com menos fi lhos), aumento da expectativa de vida e sobrevida das pessoas e incremento do número

de casais sem fi lhos com a expressiva queda de fecun-didade são fatores que tendem a aumentar ainda mais o

potencial da hipoteca reversa.

Contudo, embora esse instrumento financeiro tenha

importante potencial para melhorar a renda e a quali-dade de vida dos idosos, aposentados e pensionistas, há

riscos e problemas que demandam cautela em relação

a sua aplicação. Em primeiro lugar, não há dúvida que se trata de um produto provavelmente complexo para

o entendimento de boa parcela do público-alvo. Ade-mais, em alguns países que adotaram a hipoteca reversa

observaram-se problemas como altas taxas de juros e elevados custos de administração. Além disso, o ideal

é que os pagamentos mensais durem enquanto o idoso estiver vivo, mas o risco de uma sobrevida maior que a

esperada deve ser enfrentado de alguma forma, como,

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17temas de economia aplicada

abril de 2015

por exemplo, por meio de seguros. A regulamentação

também deve ser cuidadosa, pois, caso contrário, pode gerar problemas de moradia para cônjuges do proprie-

tário do imóvel.

Portanto, de modo geral, pode-se afi rmar que a hipoteca

reversa é, sem dúvida nenhuma, um instrumento fi nan-ceiro que pode melhorar a renda de idosos, aposentados

ou pensionistas sem gerar custo fi scal para os sistemas de seguridade social que já se encontram com sua

sustentabilidade fi scal ameaçada pelo envelhecimento populacional. Entretanto, sua possível implementação

precisa ser debatida de forma cuidadosa por governo, sociedade, idosos, aposentados, pensionistas e mercado

fi nanceiro de forma que seu potencial positivo não seja reduzido ou mesmo ameaçado por uma regulamentação

inadequada.

Referências

CAETANO,MarceloAbi-Ramia;MATA,Danielda.Hipotecareversa.TextoparaDiscussãoIPEAnº1.380,2009.

OCDE.PensionsatGlance2013.

1 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

2 Dado extraído da publicação Pensions at Glance 2013 da OCDE.

(*)MestreemEconomiapeloIPE/USP,mestreemGestãodeSistemasde

SeguridadeSocialpelaUniversidadedeAlcalá/OISSeespecialistaemPolíticas

PúblicaseGestãoGovernamentaldogovernofederal.Oautortempassagens

peloMinistériodaPrevidênciaSocial(ex-assessorespecialdoministro,diretor

dodepartamentodoregimegeralecoordenador-geraldeestudospreviden-

ciários),MinistériodoTrabalhoeEmprego(ex-assessorespecialdoMinistro

ecoordenador-geraldeempregoerenda),MinistériodoDesenvolvimento

Social,IPEAeOIT.Aposiçãodoautornãore�leteaopiniãodasinstituições

citadas.(E-mail:[email protected]).

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18 temas de economia aplicada

abril de 2015

A Revolução Ubíqua: Projeções, Desafi os e Expectativas na Eco-nomia Política da Internet das Coisas (IoT)

J���� L������� M����� (*)

Nobojodenossasre�lexõessobre

tendênciasedestaquesnaecono-

miapolíticadacriatividadeedas

TICsaolongode2015,avançamos

agorarumoaoestudodeumadas

principaisfronteirasnosetor:a

ampliaçãodachamadaInternetdas

Coisas(usualmenteconhecidapor

suasiglaeminglês,“IoT”).Apossi-

bilidadededotardeconectividade

todoequalquerprodutoalterasig-

ni�icativamenteapaisagemtecno-

lógicacotidianaeaprópriarelação

entreusuáriosearedecomoum

todo.Maisdoqueumasimplesno-

vidadetecnológica,ocrescimento

dessamodalidadegeraimplicações

econômicas,sociaisepolíticasde

primeiragrandeza.

1 Dos Desertos de Las Vegas aos Alpes de Davos: Sem Novidades no Front Tecnológico?

Anoapósano,pro�issionaisdo

mercado tecnológico,analistas

eadeptosdetecnologiaacompa-

nhamdepertooslançamentosde

novosprodutoseserviçosemeven-

tosefeirasdosetor.Umdosprinci-

paismarcosnocalendárioanualdo

segmentoéoConsumerElectronics

Show(CES),umafeiraanualrea-

lizadaemLasVegas,nosEstados

Unidos,naqualseapresentamlan-

çamentoseprotótipos.Oeventoé

tambémumdosmaiorescanaisde

conexãoentreosprincipaisatores

econômicosdouniversotecnológi-

cocomograndepúblico.

Organizadodesde�inaisdosanos

1960,oCESjáfoipalcodediversas

“estreias”,aí incluindoprodutos

célebres,comoogravadordevide-

ocassete,otocaCDs,oDVDe,mais

recentemente,ostelevisoresde

plasma,astelasdealtade�inição

ouasimpressoras3D.Combase

nessehistóricohá,anoapósano,

grandeexpectativadomercadoa

respeitodenovidadese,preferen-

cialmente,deinovaçõesrevolucio-

nárias.Bastamencionarque,ao

longodosúltimosanos,produtos

comotabletsesmartphonesconca-

tenamasatençõesdafeira.

Obalançogeraldaediçãode2015,

contudo,foiligeiramentedistinto.

Em lugardenovosprodutos,o

grandeprotagonistafoium“con-

ceito”,justamenteode“Internet

dasCoisas”(IoT).Assim,emlugar

denovíssimosdispositivosoure-

volucionáriosaparelhos,diver-

sosexpositoresdafeirafocaram

atençõesnaapresentaçãodeobje-

tosaparentementeconvencionais

comoeletrodomésticos,automó-

veis,camisetaseatémesmoto-

madasouchuveiros.Adiferença,

contudo,éainéditapossibilidade

deinteratividadedeeentreesses

aparelhos.

Umadasprincipaisapostasdas

empresasdetecnologiaparaos

próximosanosé,nessesentido,in-

crementaralistadeprodutosinte-

ligentes,aumentandoovolumede

tecnologianocotidianodosconsu-

midores.Aconsultoriatecnológica

Gartnerestimaque,emcincoanos,

oplanetaterácercade26bilhões

deobjetosconectados,gerando

umaeconomiaestimadaemquase

2trilhõesdedólares(MIDDLETON;

KJELDSEN;TULLY,2013).

Diantedessaperspectiva,aexpec-

tativaédequeatitudesdiáriase

corriqueirascomoandardecarro,

ligaroudesligarumeletrodomés-

ticotornem-seaçõesonline,pas-

síveisde interaçãocomoutros

produtosdousuário.Obviamente,

aspotencialidadesestendem-sede

formain�inita.Jásecogitaautili-

zaçãodatecnologiaIoTparaum

vastoespectrodefunções:deequi-

pamentosmédicosaplataformas

depetróleo,deroupasinteligentes

acobrançadepedágios.Éóbvio

queessaampli�icaçãodocampode

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19temas de economia aplicada

abril de 2015

açãodarede–e,consequentemen-

te,dasempresasnelaoperantes

–trazdesa�iosdeprimeiraordem

emtermosdeprivacidadeesegu-

rança.Voltaremosadiscutir,em

artigoposterior,algunsdosriscos

edebatesatualmenteemcurso

dentrodessatemática.

Sejacomofor,ébempossívelque,

comoradicalaumentodaconec-

tividadedeobjetos,oprópriocon-

ceitode“acessoàinternet”trans-

forme-sedemaneiraprementeao

longodospróximosanos.Éjusta-

mentedentrodetalchavequedeve

serlidaarecentedeclaraçãodo

chairmandoGoogle,EricSchmidt.

NamesaOFuturodaEconomiaDi-

gital,realizadanoFórumEconômi-

codeDavos,emjaneirodesteano,

oexecutivofoiperguntadosobre

ofuturodainternet.Suaresposta

foibastantecuriosa:“a internet

desaparecerá”.Oumelhor:elase

tornarácadavezmenosvisívelaos

usuários.

2 A Arena Velada: Disputas pela Primazia de Sistemas e Lingua-gens

Asin�lexõesproporcionadaspela

revoluçãodainternetdascoisas

podemparecersilenciosaspara

osconsumidores,masvêmgeran-

dobastanteruídonosbastidores

econômicos.Comacrescentevalo-

rizaçãodapautadeconectividade

deobjetos,ganhamdestaque,por

exemplo,justamenteasplatafor-

masquepossibilitemacomunica-

çãointeraparelhos.Umdoscasos

mais interessantesediscutidos

atualmenterefere-seaosuposto

interessedaSamsungporadquirir

amultinacionalcanadenseBlack-

berry.

Anegociação,contudo,nãofoicon-

�irmadapornenhumadaspartes.

Diga-sedepassagem,agências

regulatóriasdosEUAedoCanadá

estãoinvestigandoseoboatofoi

lançadocomoobjetivodein�lar

opreçodasações daempresa.

Polêmicas�inanceirasàparte,o

casolevantoualgunsinteressan-

tesdebatesnomeio tecnológi-

cointernacional.Defato,embora

tenhaperdidocompetitividadeno

mercadodeaparelhosportáteis,o

grupogozariadeumcobiçadíssimo

ativo:umadiversi�icadacartelade

patentes.Muitasdessasproprieda-

desintelectuaisvinculam-se,justa-

mente,atecnologiasedispositivos

deconectividadeinteraparelhos.Aí

seinclui,porexemplo,atecnologia

QNX,utilizadaporindústriasdese-

tores“críticos”,comoodeenergias

nuclearesoucontroledetrá�icode

voo.Osistemaoperacionaléutili-

zadotambémporempresascomoa

Porsche,aGEeaCisco.

Paraalémdeumasimplescurio-

sidadetecnológica,começamase

divisarosprimeirosmacroalinha-

mentosdegrupostecnológicos

pelaprimazianomanuseiodatec-

nologiadeIoT.Em2014,empresas

comoa Intel, aDelleSamsung

reuniram-separacriaroOpenIn-

terconnectConsortium(OIC),um

esforçoconjuntoparauni�icara

linguagemeosistemacomconec-

tividadewi-�i. Tambémaícome-

çamasedesenhardisputas:apró-

priaOICfoiprecedidapelaAllSeen

Alliance,umgrupodetrabalhoca-

pitaneadopelaMicrosoft,masque

contacommembroscomoaCisco,

LG,PanasonicouElectrolux,cujo

objetivocapitaléjustamenteode

uni�icaralinguagemeacomunica-

çãointermáquinas.

Atéomomento,asdiferentesem-

presaseconsórciosvêmanuncian-

dointençõesuni�icadasecoope-

radas,masanalistasjáantecipam

quealgumatritodevesurgir, à

medidaqueatecnologiaseconso-

lidarmundoafora.Essadisputade

forçasserásimplesmentedetermi-

nanteaolongodospróximosanos.

TambémoMobileWorldCongress,

ograndeeventodosetordetele-

fonia,trouxenovoscapítulospara

essahistória.Discutiremosesse

eventoeoutrostemascorrelatos

nopróximoartigodestasérie.

Referência

MIDDLETON,Peter;KJELDSEN,Peter;TUL-

LY, Jim.Forecast: TheInternet ofThings

Worldwide.Gartner,18/11/2013.

(*)GraduadoemCiênciasEconômicaseDoutoremHistóriaEconômicapelaUSP.

TrabalhacomtemasligadosàEconomiadaCultura,EconomiaCriativaeEconomiadaTecnologia,daInformaçãoeComunicação

(TICs).(E-mail:[email protected]).

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20 temas de economia aplicada

abril de 2015

Os Cubanos e o Programa Mais Médicos: Um Atentado aos Di-reitos Humanos

I���� ��� N��� �� C���� (*)

QuantoaoProgramaMaisMédi-

coséabsolutamenteignominiosa

aatitudedogovernodeCubacom

respeitoaseusmédicose suas

famílias;aquelesprimeirosveem-

-setratadoscomosemiescravos1

eestasúltimassãotomadascomo

reféns2deumregimeautoritário

quetratamédicoseseusfamiliares

comoseressemdireitosdeauferir

ganhosintegrais,deliberdadeede

autonomia.Acoonestartalatitude

inteiramentecondenávelencontra-

-seogovernocentraldoBrasil,o

qual,alémdeafrontarnossaCons-

tituição,nãodáatençãoanormas

consagradasinternacionalmente.

Assim,oatendimentoaserdispen-

sadoanossaspopulaçõescaren-

tes,reconhecidamenteurgentee

necessário,vê-secorrompidopor

doisgovernoscujosatosmerecem

repulsauniversal.3

Ademais,nocasobrasileiro,nãose

deveesqueceroigualcomprome-

timentodospoderesLegislativo

eJudiciário,osquaisfazemvista

grossaemfacedestedesmando

perpetradopornossoPoderExecu-

tivoCentral.

Naimprensafalada,escritaetele-

visiva–recorrentementeacusada

peloPartidodosTrabalhadoresde

estarafomentarorepúdioàatual

presidentedaRepública–,porseu

turno,poucossãoosagentesque

se levantamperemptoriamente

contratamanhasarbitrariedades

easituaçãovexatóriaimpostaaos

referidospro�issionaiseseuspa-

rentes.

Aoqueparece,houveumaverda-

deiraacomodaçãoaoamploapoio

recebidopor talprogramapor

partedaparcelapopulacionalpor

eleatendida.Apoioesteplena-

mentecompreensívelcasonãonos

escapeoseculardesleixocomque

sãotratadosnossoshabitantes

desprivilegiados.

Oqueestáemcausa,comovisto,

nãoéoprogramaemsi–mesmo

porque,paraogovernobrasileiro,

ocustodesuamanutençãosempre

seriaomesmo–,masaformaque

assumiucomrespeitoaoscuba-

nosqueointegram,osquaisre-

presentamagrandemaioriados

pro�issionaisvinculadosaoMais

Médicos.

Dessarte,tantoogovernodeCuba

comoodoBrasilaviltamosmais

comezinhosdireitosdeseusnacio-

naisedescumpremregrasquejáse

achamimpregnadasnaconsciência

degrandepartedahumanidade

ecompõemoroldeobrigaçõese

deveresdoEstadomoderno.

Consideremos,por�im,queseria

plenamenteaceitávelainiciativa

dosdirigentesdeCubadesolicitar,

semqualquerimposição,umacon-

tribuiçãovoluntáriaaseroferecida

porseusmédicosincorporadosa

programasdesenvolvidosnoex-

terior.Aesterespeitotenhamos

presentequeogovernocubano

proporcionouataispro�issionais

umaformaçãoeducacionalgratui-

taedealtonível.

1 Comosabido,paracustearopagamentoaoscu-

banos,oMinistériodaSaúdedoBrasiltransfereo

valorglobaldevidoàOrganizaçãoPan-Americana

daSaúde(OPAS).Estaorganizaçãoretémparasi

5%detalmontante;omédicocubanosediadono

BrasilrecebedogovernodeCubacercade30%

dopagamentoefetuadoaosdemaismédicosvin-

culadosaoProgramaMaisMédicos.Jáaogoverno

cubanocabemosrestantes65%.

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21temas de economia aplicada

abril de 2015

2 ConformeveiculadoporCláudiaColucci,“ogovernodeCubaestáameaçando

cassarodiplomadepro�issionaisdoMaisMédicosqueinsistirememmanter

seusfamiliaresnoBrasil(...)OutraformadepressãotemsidoreteremCubao

médicoquesaideférias(equeprecisaobrigatoriamentegozá-lasnailha).Ele

sópoderáretornaraoBrasilse,antes,oparentevoltarparaailha(...)Emis-

sáriosdogovernocubanotêmditoaosmédicosqueocontratoprevêvisitas

[deparentes–IDNC],nãomoradia(...)EmreuniõescomosmédicosnoBrasil,

representantesdogovernocubanotêmditoqueamedidaéparaprevenir

eventuaisdeserções...” (Cf.COLUCCI,Cláudia.Cubaameaçacassardiploma

demédicocomparentesnoBrasil.FolhadeS.Paulo,CadernoCotidiano,pg.

C6,21/03/2015).

3 ComoanotadoporElianeCantanhêde:“OMaisMédicosfazsentidoporquehá

municípiossemnenhumatendimento.Etrazergeneralistascubanostambém

fazsentidoporqueelessãoespecialistasemprevençãobásicajustamenteem

áreascarentesenãoatendidas.MasumagravaçãoobtidapelaTVBandeirantes

mostraqueoobjetivorealnãoeranemumacoisanemoutra.Eradespejar

umbomdinheirono regimedos irmãosCastro.Osmédicosdeoutrasna-

cionalidadessóserviramparadourarapílula...Comoresultado,temosque

oMinistériodaSaúde �inanciaCuba...”(Cf.CANTANHÊDE,Eliane.Bondade

comodinheiroalheio.OEstadodeS.Paulo,Política,pg.A8,25/03/2015).

(*)ProfessorLivre-DocenteaposentadodaFEA-USP.(E-mail:[email protected]).

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22 temas de economia aplicada

abril de 2015

O Sobe e Desce do Grau de Investimento

R������ L��� T������ (*)

Maisconhecidopeloseuanglicis-

mo,oinvestmentgradeestásendo

monitoradoansiosamentenoBra-

sil.Enquantoalgunsacreditamque

oBrasilperderásuaclassi�icação,

outrosaguardamasuacon�irma-

çãoeconsolidação.

Ograudeinvestimentoéconce-

didoporagênciasquali�icadoras,

tambémconhecidascomorating

agencies.Trata-sedeumanota

decréditodeumpaís(oudeuma

empresa).Astrêsagênciasmaisco-

nhecidassãoaMoody´s,aStandard

&Poor seaFitch.Elasconceituam

acapacidadedepagardívidas,em

funçãodeindicadoreseconômicos

� inanceiros, comodinâmicada

dívida,reservas,crescimentodo

produtoetaxadecâmbio.Note-se

queéumindicadordesolvênciae

nãodeperspectivaspositivas.

NosEstadosUnidos,quandopelo

menosduasempresasquali�ica-

dorasdãoaoutropaísacategoria

maiselevadadaconceituação,o

graudeinvestimento,osfundosde

pensãonorte-americanospodem

investirnele.Comoelestêmtri-

lhõesdedólaresemsuascarteiras,

umapartedestesrecursosvaipara

ospaísesquepossuemessaclassi-

�icação.

Quandoograudeinvestimento

éretirado,essesrecursossaem

dopaís.Antecipandoorebaixa-

mentodoBrasildaclassi�icação,

algunsinvestidoresjácomeçaram

avenderativosbrasileiros,des-

valorizando-os;outros,con�iando

namanutençãodaclassi� icação

aproveitamparacomprá-loscom

melhorespreços. Issoexplicaa

volatilidadedoIbovespaedodólar

nosúltimostempos.

Ograudeinvestimentofoicon-

cedidoaoBrasilemrazãodaboa

conjuntura internacionaledas

mudançasinstitucionaisnospri-

meirosanosdomilênio.

Comocrescimentodaeconomia

mundialasexportaçõesaumen-

tarame,dessaforma,osaldoco-

mercialsubiueo�luxodedólares

paraoBrasilcresceuconsidera-

velmente.

Aabundânciadedólarespossibili-

touareduçãodadívidaexternaeo

aumentodasreservasinternacio-

nais.Quantomenoradívida,menor

oriscodecréditoemaisfácil�icaa

concessãodograudeinvestimento.

Ouseja,veioumapartepormérito

interno–reformas–eoutraprati-

camentedepresente–pelaconjun-

turainternacional.

Foiumbompresente? Maisou

menos.Os investimentospodem

servantajososounão.Quando

recursosexternosentramecom-

pramativosbrasileiros,uminves-

tidorestrangeiro�icacomotítulo

eoinvestidorbrasileiro�icacom

maisdinheironamão.Só.

Quandorecursossãoinvestidos

naconstruçãodeumafábrica,de

umhoteloudeumausina,criam-

-seempregose,maisimportante,

aumentaacapacidadedeprodução

dopaís.

Investimentosprodutivoscon-

tribuemconsideravelmentepara

melhorarobem-estargraçasao

aumentodepostosdetrabalho,a

saláriosmaiselevadoseàsmaio-

respossibilidadesdeconsumoe

produção.

Jáosinvestimentos�inanceirosaju-

dammuitopouco.Cobramtaxasde

juroselevadase,aoprimeirosinal

deperigo,sãovendidosrapida-

mente,pressionandoobalançode

pagamentos.

Apredominânciadeinvestimentos

emcarteiraparaaproveitarodife-

rencialdejuroscomoexteriorede

operaçõesdearbitragemnasbol-

sasdefuturoscolocaemchequeo

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23

abril de 2015

economia & história: crônicas de história econômica 23temas de economia aplicada

tipodeaberturaquemaisconvém

aoBrasil.

Apolíticaeconômicateveumagui-

nadade180%nosegundomandato

dapresidente.Amudançacomeçou

logoapósaeleição,comoiníciode

umapertomonetárioeacorreção

dealgunspreços,eseconsolidou

comamudançadoministrodaFa-

zendanoiníciodesteano.

Éunânimeque,esteano,oPaís

terárecessão;todavia,oquepreo-

cupaéoqueacontecerádepois.

Asprojeçõesdecrescimentoda

economiabrasileirapara2016e

osanosseguintessãoinferioresà

médiamundialeestãoaindamais

distantesdasdevizinhoscomo

Paraguai,BolíviaePeru.

Essasestimativaslevamemconta

queoajuste�iscalemcursoestá

bemestruturadoetemosrequi-

sitosparaevitarumacrisedesol-

vênciadoBrasil.Casocontrário,

pode-se esperar umresultado

aindapior,ouseja,aperdadograu

deinvestimentoemaisumadéca-

daperdida.

Umadastrêsagênciasclassi�icado-

ras,aFitchRatings,anuncioueste

mêsquepoderiarebaixaranotade

investimentodoBrasilseaecono-

miadeterioraraindamais.Colocou

aperspectivadenotadeestável

paranegativa,acompanhandoa

Moody s.

AStandard&Poors jácolocoua

notabrasileiranolimiardorebai-

xamento.Todavia,astrêsainda

mantêmoPaísnacategoriadein-

vestimento.

Éfatodequeos indicadoresde

crescimento,balançodepagamen-

toein�laçãodeterioraramrapida-

mentenostrêsprimeirosmeses

desteano.Háconsensodeuma

in�laçãodaordemde8%em2015,

umdé�icitnobalançodepagamen-

toseumaretraçãodaordemde1%

naeconomia.

Todavia,háindicadoresdequea

economiajáchegouaofundodo

poçoepodevoltaracrescer.As

expectativasdein�laçãotiveram

umapequenareversãonoúltimo

levantamentodoBoletimFocusde

abrileasprojeçõesdecrescimento

pararamdecair.

Oíndicedein�laçãoIPCdaFIPE

mostraefeitospositivosdapolítica

macroeconômicade livro-texto

adotada.Namargemain� lação

estáseenfraquecendo,eaaltado

iníciodoanoseexplicapelacorre-

çãodetarifasedataxadecâmbio.

AsérieCatho-Fipetambémaponta

paraumareduçãodapressãosala-

rial,mostrandoqueadesvaloriza-

çãocambialnãoestásendoabsor-

vidapelossalários,oqueaumenta

acompetit ividadedaindústria

brasileira.

Essamaiorcompetitividade foi

capturadapeloBoletimFocusao

apontarnoúltimolevantamento

umadiminuiçãodareduçãodo

crescimentodaproduçãoindus-

trialbrasileira.

Opreçodeativosreaistambém

apresenta redução em termos

reais.Aquedaémaisacentuada

paraosimóveisdemenortamanho,

conformeapontadopeloFipeZap

dosúltimosmeses.

Namédia,osnúmerosnãosão

bons,masnamargem,sim.Aques-

tão(seaclassi�icaçãoderiscosobe

oudesce)vaiserdecididanaevolu-

çãodosindicadoresnospróximos

meses.

Ogovernoprecisasuperarvárias

barreirassimultaneamente:a�is-

cal,a in�lação,abaixacredibili-

dade,acausadapelaLavaJato,a

políticaeadecrédito,quesãoas

maisdi�íceis.

Foramdadosalgunspassosna

direçãocorretaeháindicadores

namargemquesãoalentadores−

podemserdeumnovocomeço.

(*)FIPE.(E-mail:[email protected])

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24 temas de economia aplicada

abril de 2015

O Federalismo Fiscal Durante o Governo Militar: A Construção das Instituições Fiscais Estaduais

1

E���� R������ �� S���� S����� (*)

1 Introdução

Aorigemdaorganizaçãoatualda

estrutura federativabrasileira

remeteàquebra inst itucional

promovidapelas reformasdo

governoCastelloBranco(1964-

1967)−acomodadasaolongodos

anos1970−,orientadapelacon-

centraçãodepodernogoverno

federalerestriçãodaautonomia

dosEstados.Aomesmotempo,a

necessidadedemanterelevadas

taxasdeinvestimentoecresci-

mentoincentivouapolítica�iscal

pró-cíclica,alavancadapeloendi-

vidamentointernoeexterno.O

ambientequeemergiueraarre-

dioàconstruçãodeinstituições

eregrascríveisparaapolítica

�iscal;noentanto,esteambiente

deuespaçoparaqueasmesmas

sesubmetessemàsbarganhas

políticascom�lexibilizaçãoeex-

ceçõesderivadasdointeressedo

governofederal.Paraexplorar

essecenário,apropostadoartigo

édebatersobreasfragilidades

dasinstituições�iscaisestaduais,

enfatizandoquearesponsabilida-

de�iscalnãoeraumaprioridade

nocontextodaépoca,massimo

incentivoaocrescimento.

Osresultadospara�inançases-

taduaisforamproblemas�iscais

caracterizadospelodescontrole

das �inançasestaduais,cresci-

mentodoendividamento,uso

dostruquesemaquiagenscon-

tábeis,gestãoirresponsáveldos

bancosedasempresaspúbli-

cas(MORA;GIAMBIAGI,2007;

LOPREATO,2000;DALL’ACQUA,

1997).Aabrangênciadoproble-

ma�icouevidentecomadi�icul-

dadeemimporoajuste�iscalaos

Estadoscomosplanosdeestabi-

lizaçãodosanos1980,também

revertendoemameaçaaosistema

bancáriodevidoaotamanhodos

bancosestaduais,motivandoo

endurecimentoda legislaçãoe

�iscalização.Asoluçãoparcialfoi

reconcentração,comopartedo

planodeajuste�iscalepatrimo-

nialprovenientedoPlanoReal,

veri�icadonoProgramadeApoio

àReestruturaçãoeaoAjusteFis-

caldosEstados(Leinº9.496de

11desetembrode1997),com-

plementadapelaLeideRespon-

sabilidadeFiscal(2000).Acen-

tralizaçãoconstituiuumasolução

viávelpara imporumagestão

maisresponsáveldas �inanças

públicas,admitindoafragilidade

dasinstituições�iscaisestaduais

eanecessidadedecontrole fe-

deral.Paraexplorarasorigens,o

trabalhofoiarticuladoemduas

partes:teórica(comregras,ins-

tituiçõesefederalismo�iscal);e

histórica(comaexperiênciabra-

sileiraduranteogovernomilitar).

2 R egras, Instituições Fiscais e Federalismo

Odebatequeenvolveacondução

dapolítica�iscalsefundamentaem

doiselementosfortementerelacio-

nados:regraseinstituições�iscais;

efederalismo.

Asregras�iscaisconsistemnaim-

posiçãodeobjetivos,metasou

normasparadelimitaracondução

dapolítica�iscalepodemseragru-

padasemquatroblocos:orçamen-

to;endividamento;gastos;eregras

(IMF,2009).Asinstituições�iscais

re�letemamaturidadeinstitucio-

naldopaís,constituindoelementos

complementaresparafortalecer

asregras�iscaisatravésdaefeti-

vidadedopoderde�iscalização,

punição,negociaçãodoscon�litos

etransparência(KOPITS,2011;

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25temas de economia aplicada

abril de 2015

DEBRUM,2011;HALLERBERG;

STRAUCH;HAGEN,2009).Esse

contextoenvolveodebatesobrea

qualidadedasinstituições�iscais

baseadanacapacidadederestrin-

girain�luênciapolíticadegrupos

edistorçõesnopapeldebuscar

omaiorbem-estardasociedade,

cumprirafunçãoredistributiva,

estabilizaçãodas� lutuaçõeseco-

nômicasesustentabilidade�iscal.

Ainteraçãoentreregrase insti-

tuiçõespermitemaiorespaçode

açãodapolítica�iscalnamedida

emquepreservaacredibilidade,

sobretudoparaamenizarosci-

closeconômicos,mantendocomo

focoasustentabilidadedadívida

pública(WYPLOSZ,2012e2005).

Apesardopotencialriscodousoda

política�iscalcomoestabilizadora

devidoàsdefasagens,complexi-

dadenogerenciamentodoorça-

mentoeefetivaçãodosgastos,não

deveserexcluídacomoumaopção

depolíticaeconômicadevidoaos

efeitosprofundosepersistentes

(FATÁS;MIHOV,2006e2003).O

pontocentralconsisteemcons-

truirumespaço�iscalparaaçãode

estabilização,semcomprometera

credibilidadeeocasionareventuais

problemasdeinsolvência,rolagem

dadívida,elevaçãodecustos,aces-

soaocrédito,investimento,atra-

çãodecapitalexterno.

Narelaçãoentregovernocentrale

unidadessubnacionaisaliteratura

indicapotenciaisbene�íciospositi-

vosnamaiordescentralizaçãodas

decisõesaofomentarmaiore�ici-

ênciadagestão�iscal,capacidade

demelhoratenderasdemandas

porbenseserviçosdapopulação

local(TIEBOUT,1956;MCKINNON,

1997;OATES,1999),enquantoo

questionamentosobreosbene�í-

ciosemergiufrenteàsreformas

dosanos1990,oriundasdades-

construçãodosmodelosdeestado

dospaísesemdesenvolvimento

eex-repúblicassocialistas,forte-

menteconcentrados.Arazãopara

acentralizaçãoestavanosganhos

paraorganizaçãoeefetividadedas

políticaspúblicaeeconômica,so-

madosaomaiorcontrolepolíticoe

mitigarmovimentosseparatistase

defragmentaçãopolítica(SMOKE,

2001). Assim,oargumentoera

queessespaísesprecisavamcons-

truirumanovaestruturadeEsta-

dodescentralizada,demandando

amadurecimentoinstitucionale

novasestruturasorganizacionais

paracolheremosbene�ícios(RO-

DRÍGUEZ-POSE;KROIJER,2009).

Casocontrário,adescentralização

tenderiaaterefeitosnegativoscom

aprofundamentodasfragilidades

institucionais,aumentodainsta-

bilidadeemaiordesorganização

(BARDHAN,2002).Portanto,a

centralização�iscalpoderiapro-

porcionarmaioresbene�íciose

impactospositivosnocrescimento

ebem-estarparaospaísesemde-

senvolvimentoouemtransição.

Nadinâmicadasrelaçõesfederais

centralizadascom instituições

frágeisecomelevadopoderdis-

cricionáriodogovernocentral,as

unidadessubnacionaistendema

barganharrecursoseoutrasvan-

tagens(RODDEN,2003).Aomesmo

tempo,osgovernossubnacionais

seafastamdanecessidadederes-

ponsabilidadeeplanejamento�is-

calnamedidaemquebuscamusar

ain�luênciapolíticaparaangariar

vantagemeeventuaissocorros

comnovosaportesderecursos.

Alémdisso,asunidadessubnacio-

naispodemsesentirincentivadas

anãoseremresponsáveisdevido

aopoderdebarganhaepotencial

ajudadogovernocentral,superan-

doospotenciaisbene�íciosdeuma

política�iscalresponsável.Ocená-

rioacimadescritoassemelha-seà

organizaçãofederativabrasileirae

àconduçãodapolítica�iscalesta-

dualduranteadécadade1970.

3 Federalismo Fiscal no Governo Militar

Ogovernomilitareasreformas

estruturaisocorridasnagestão

CastelloBranco(1964-1967),espe-

cialmentenoâmbitodoPrograma

deAçãoEconômicadoGoverno

(PAEG),signi�icaramumaquebra

institucionalnaorganizaçãofede-

rativa.Omotivofoio�imdaredu-

çãodaliberdadedosEstadosna

administração�iscaleorganizacio-

nal,presentedesdeaProclamação

daRepública, institucionalizada

pelaConstituiçãode1891.Além

disso,asesferasdegovernotinham

problemas � iscaispersistentes,

vistoscomofontesparaalimentar

aaceleraçãoin�lacionária,sendo

assimosaneamentodas�inanças

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26 temas de economia aplicada

abril de 2015

públicascomofundamentalparaa

estabilização.Apropostadereor-

ganizaçãodasrelaçõesfederativas

etributáriafoiimplantadaentre

1964e1966,coroadascomoCó-

digoTributárioNacional(Leinº

5.172,de25deoutubrode1966),

complementandoaEmendaCons-

titucionalnº18,de1ºdedezembro

de1965,queinstituiuoSistema

TributárioNacional,con�irmadana

Constituiçãode1967.Abasedare-

formaprovinhadediscussõesque

remetiamaosanos1950,protago-

nizadospelosadvogadostributa-

ristasGersonAugustodaSilva,Gil-

bertoUlhôaCantoeRubensGomes

deSouza(verFGV,1967).

Aopçãopelacentralizaçãotinha

duasmotivações.Aprimeira,de

naturezatécnica,dequeacentrali-

zação�iscaletributáriaconferiria

aumentonae�iciêncianaarrecada-

çãoegastos,permitindomaiorco-

ordenaçãoentreasesferasdego-

verno.Asegunda,queosregimes

autoritáriostendemapromovera

centralização,vistacomoformade

forçaraselitesegruposregionais

políticoseeconômicosanegociar

parabarganharbene�íciosevan-

tagens, taiscomoinvestimentos

eaportesextrasderecursos.No

Brasil,ogovernoVargasindicavao

viésdareduçãodaautonomiados

Estados,correspondendoàneces-

sidadedeneutralizaropotencial

desestabilizadordosEstados,espe-

cialmenteapósaRevoluçãoCons-

titucionalistade1932.Oprocesso

deconcentraçãofoiparcialmente

revertidoduranteaterceirarepú-

blica(1946-1964),emqueosgover-

noseleitossofriampressãopara

proporcionarmaiorliberdadeaos

Estadosecomoformadesustentar

umabasedeapoio.

Osefeitosdareformaforamveri-

�icadoscomelevaçãodacargatri-

butária(17%doPIBem1960para

aproximadamente25%em1970),

massemantendonessenívelaté

o�imdosgovernosmilitaresem

1985.Acentralizaçãoé identi�i-

cadapelocrescimentodaparti-

cipaçãoproporcionaldogoverno

federalnaarrecadação,quepassou

de63%em1960paraemtornode

75%nadécadade1970,enquanto

aparticipaçãodosEstadoscaiude

30%para21%edosmunicípios

de5%para2,5%nomesmoperí-

odo(AFONSO;SERRA,2007).Ao

mesmotempo,ogovernofederal

limitavarepasseseintervinhano

usodos recursos.Porexemplo,

em1968,astransferênciasparao

FundodeParticipaçãodosEstados

eMunicípios,respectivamente,FPE

eFPM,caíramde10%para5%do

totalarrecadadocomimpostode

renda(IR)eimpostosobreprodu-

tosindustrializados(IPI)(atocom-

plementarn.40,de13dedezem-

brode1968).Outroexemplofoi

acriaçãodoFundoEspecial(FE),

quepermitiaaogovernointervir

sobreadestinaçãoeusodosrecur-

sos,capitalizadopormeiode2%

daarrecadaçãodoIReIPI.Oauge

dacentralizaçãoocorreuem1975,

gerandoprotestosdosEstadose

motivandoaEmendaConstitucio-

naln.5,de1975,quepreviamaior

destinaçãodosrecursosparaFPEe

FPM,seguidapelaEmendaConsti-

tucionaln.17de1980.Entretanto,

nãosurtiramefeitoimediatode-

vidoàsmanobras�iscaiseresis-

tênciadogovernofederal,apesar

dospicosdearrecadaçãoecapi-

talizaçãodosfundos,mantendo

astransferênciasnafaixade8,5a

9,5%(VARSANO,1997;1981).

Outropontofoioincentivoparaos

Estadosadotaremumapolítica�is-

calpró-cíclica,tambémrecorrendo

aosbancospúblicoseempresases-

tataisestaduais,emgrandeparte

� inanciadacomendividamento

internoeexterno (LOPREATO,

2000).Omotivoeraaprioridade

emaceleraraacumulaçãodeca-

pital,asmudançasestruturaise

ocrescimentoeconômicoconjun-

tamentecomregras� iscaisnão

críveisderestriçãoaoendivida-

mentoepráticasinadequadas.Por

exemplo,a imposiçãode limites

aoendividamentoem1968(Re-

soluçãodoSenadon.58,de23de

outubro)quevetoupordoisanos

olançamentodeobrigações,salvo

oscréditosdeantecipaçãodere-

ceita(ARO)eresgatedetítulosno

mercado.Posteriormentereforça-

da(resoluçãodosenadon.79,de

21deoutubrode1970;n.52,de3

denovembrode1972;en.35,de

29deoutubrode1974).Em1970,

novasregrasrestringemousodo

AROaolimitara importaçãodo

dispêndioemnomáximo5%da

receitadoexercício(resoluçãodo

senadon.92,de27denovembro

de1970).Enquantoaestrutura

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27temas de economia aplicada

abril de 2015

o�iciallimitavaoendividamento

eantecipaçãodereceita,deoutro

ladoeramaprovadasautorizações

paraempréstimosinternoseex-

ternossobaliderançaeinteresse

dogovernofederal.Porexemplo,

a�lexibilizaçãodoendividamento

para�inanciamentodeequipamen-

tos(resoluçãodosenadon.53,de

27denovembrode1971),obrasde

saneamentoeinfraestruturaur-

banacomrecursosdoPISePASEP

(resoluçãodosenadon.52,de3de

novembrode1972).

Apropostadeenfrentamentoda

crisenaeconomiainternacional,

aprofundamentodaindustriali-

zaçãoetaxasdecrescimentoin-

corporadasnoIIPNDabriunovas

formasdeendividamentodosEs-

tados,especialmenteatravésde

duasresoluções.AResoluçãodo

Senadon.62,de28deoutubrode

1975que�ixaraoslimitesmáximos

paradívidaconsolidadainternae

dodispêndioanualcomadívida,

mastraziacomoclausuradeesca-

peaautorizaçãodoSenado.ARe-

soluçãon.93,de11deoutubrode

1976,determinouqueasoperações

provenientesdoFundoNacionalde

ApoioaoDesenvolvimentoUrba-

no(FNDU),doFundoNacionalde

ApoioaoDesenvolvimentoSocial

(FAS)edoBancoNacionaldaHa-

bitação(BNH)estariamforados

limitesestabelecidosanteriormen-

tecomooperaçõesextraslimites,

dependendodadeliberaçãodo

SenadocomparecerdaComissão

MonetáriaNacional(CMN).Naprá-

tica,asresoluçõespoucotinham

efeitoparaimporrestrições�iscais

namedidaemqueeradeinteresse

dogovernofederaloendividamen-

toemaioresgastos,umavezqueo

Senadoerasubmissoàsvontades

dogoverno.

Umpontoimportantedairrespon-

sabilidade�iscalnosEstadoseraa

ligaçãocomagovernançadasem-

presasestataise,principalmente,

osbancosestaduais.Naorganiza-

çãoformalpresentenaLein.4.595,

de31dedezembrode1964que

modernizouaestruturabancária

e�inanceira,osbancosestaduais

deveriamsertratadosdamesma

formaqueosbancosprivados,

sendosubmetidosàsdetermina-

çõese�iscalizaçãodoConselhoMo-

netárioNacional(CMN)edoBanco

CentraldoBrasil(BC).Porém,na

práticaeramtratadosdeforma

diferenciada,funcionandocomo

extensõesdostesourosestaduais,

desobedecendoàsregrasdegover-

nança,in�luenciadoseprotegidos

pelosgrupospolíticosregionais

(DALL’ACQUA,1997;SAVINOJU-

NIOR,2004).Porexemplo,a�lexi-

bilizaçãodalein.4.595quevetava

empréstimosaoscontroladores

dosbancos,masignoradanareso-

luçãon.346,de13deoutubrode

1975,queautorizaosempréstimos

dosbancosaosEstadoscontrola-

dos,desdequeautorizadospeloBC.

Assim,osbancosestaduaiseram

usadosparaampli�icaroendivida-

mento,alimentarmáspráticasde

gestão,angariarrecursospormeio

deinjeçõesdeliquidezdoBCede

outrosbancosfederais.

4 Considerações Finais

Nadinâmicadareorganização

federativabrasileiraduranteos

governosmilitaresfoipossível

observartrêscaracterísticas.A

primeira,deumregimeautori-

tárioqueusavaacentralização

comomeiodebarganharapoio

frenteàselitesegrupospolíti-

coseeconômicosregionais.A

segunda,baseadanafaltadere-

grascríveiseinstituiçõespara

�iscalizaçãoepunição,estando

submetidasaosinteressespolíti-

cosdogovernofederalegrupos

regionais.Aterceira,oincentivoà

políticapró-cíclicae�inanciamen-

todosgastosporendividamento,

expondoosEstadosaoriscoda

manutençãodegastosalémda

suacapacidade.Oresultadofoi

umambientedeirresponsabili-

dade�iscalequesetornouumen-

traveaosplanosdeestabilização

dasdécadasde1980e1990.

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jan.2015.

1 Otrabalhofazpartedapesquisadedou-toradosobrepolítica�iscal,instituiçõese�lutuaçõeseconômicas.

(*)DoutorandoemEconomiapela

UniversidadedeSãoPaulo–USP.(E-mails:

[email protected];[email protected]).

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29

abril de 2015

economia & história: crônicas de história econômica

D. Manuel, o Venturoso: Capitalista ou Cruzado?

J��� F����� M���� (*)L������ S����� L���� (**)

D.JoãoI,omonarcaqueiniciouaempresasistemáticadasconquistasedes-

cobrimentosalém-mar,intitulou-sesenhordeCeuta.Omesmotítulousouo

reiDuarte.AfonsoValargou-opara“reidePortugaledosAlgarvesdaquéme

dalém-maremÁfrica”.JoãoIIintitulou-sepelaprimeiravezsenhordeGuiné.

PorsuavezD.Manuelaumentouextraordinariamenteasfardagensdos

títulos:“ReidePortugaledosAlgarvesdaquémed’além-maremÁfrica,

senhordaGuiné,daconquista,navegaçãoecomérciodaEtiópia,Arábia,

PérsiaeÍndia”.

AntónioBorgesCoelho(1994,p.12,negritonosso)

Nestemêsdeabril,completam-

-se515anosdoDescobrimento

doBrasil.Momentopropíciopara

retomaralgumasre�lexõessobreo

empreendimentonoqualseinseriu

aviagemdeCabral,qualseja,aex-

pansãoultramarinaportuguesae,

dentrodessetemabastanteamplo,

resgatarcertoselementosdadis-

cussãoacercadascaracterísticas

passíveisdeserematribuídasao

reinadodepoucomaisdeumquar-

todeséculodeD.ManuelI,eleque

foiaclamadoreidePortugalem

1495eveioafalecerem1521.

Comesseintuito,parece-nosopor-

tunocomeçarcomRobertoC.Si-

monsen.Nocapítulodedicadoà

análisedaspolíticascoloniaisde

seuHistóriaEconômicadoBrasil

(1500-1820),editadooriginalmente

em1937,oautorexpôssuaposição

sobreanaturezadoEstadopor-

tuguêsàépocadoVenturoso,bem

comoseucorrespondenteentendi-

mentodoprópriomonarca:

Naverdade,Portugal,em1500,já

nãoviviasoboregimefeudal.D.

Manuel,comsuapolíticadenavega-

ção,comseuregimedemonopólios

internacionais,comsuasmanobras

econômicasdedesbancamentodo

comérciodeespeciariasdeVene-

za,éumautênticocapitalista.

(SIMONSEN,1978,p.82,negrito

nosso)

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30 economia & história: crônicas de história econômica

abril de 2015

Nadamaisnatural,portanto,loca-

lizarmos,namesmaobradeSimon-

sen,suaadesãoàideiadeque,“no

�inaldoséculoXIV,haviajáemPor-

tugalumaclassemercantilcosmo-

polita,ricaein�luente,comgostos

einteressesopostosaosdosbarões

feudais”(op.cit.,p.37),segmento

emespecialligadoàscidadesma-

rítimas,aexemplodeLisboa,eque

assumiumarcadoprotagonismona

RevoluçãodeAvis(1383-1385).

Essaprecocidadedodomíniobur-

guêsemPortugalfoiigualmente

enfatizada,porexemplo,naTese

deDoutoramentodeCelsoFurtado,

defendidaem1948naUniversité

Paris-Sorbonne.Umdomíniobur-

guêscompletoede�initivodoqual,

ao�imeaocabo,aqueleD.Manuel

“autênticocapitalista”deinícios

doséculoXVIseriaumresultado

demodoalgumsurpreendente.É

nítidonessatesedeFurtadooafas-

tamentoentreascaracterísticasdo

Estadoportuguêseaquelasde�ini-

dorasdeumregimefeudal:

OEstadoportuguês(...)foidesdeo

iníciodirigidoporumaclassesocial

semligaçõescomumpassadofeu-

dal.Umaclassesocialmarcadapelo

espíritodeganho,individualista

nosentidoburguês,cujaescalade

valoressepautavanasdisponibili-

dadesmateriaisdecadaum,enão

nosprivilégiosdesangue.(FURTA-

DO,2001,p.28)

A interpretaçãodeumPortugal

desvinculadodofeudalismoserá

esposada,outrossim,porRaymun-

doFaoro.NoseuOsdonosdopoder

(primeiraediçãode1958),encon-

tramosamesmaênfasepostaem

umapredominância comercial

manifesta,noentanto,“desdeo

berço”,naquiloqueoautordeno-

minaum“destinopatrimonial”.E

opatrimonialismo,marcadopela

interpenetraçãodosplanospúblico

eprivado,reforçouocaráterem-

presarialdorei,transformandoo

regimemonárquicoportuguêsem

umefetivocapitalismodeEstado:

Estadopatrimonial,portanto,e

nãofeudal,odePortugalmedievo.

(...)Namonarquiapatrimonial,o

reiseelevasobretodosossúdi-

tos,senhordariquezaterritorial,

donodocomércio—oreinotem

umdominus,umtitulardariqueza

eminenteeperpétua,capazdegerir

asmaiorespropriedadesdopaís,

dirigirocomércio,conduziraeco-

nomiacomosefosseempresasua.

[...]

OEstadotorna-seumaempresado

príncipe,queintervémemtudo,

empresárioaudacioso,expostoa

muitosriscosporamoràriqueza

eàglória:empresadepazeem-

presadeguerra.Estãolançadas

asbasesdocapitalismodeEstado,

politicamentecondicionado,que

�loresceria ideologicamenteno

mercantilismo,doutrina,emPor-

tugal,sóreconhecidaporemprés-

timo,sufocadaaburguesia,nasua

armaduramental,pelasupremacia

daCoroa.(FAORO,2008,p.38e40)

SeoreinadodeD.Manuel,emespe-

cialporseusavançosnoOrientea

partirdaprimeiraviagemdeVasco

daGamaàÍndia(1497),represen-

touoápicedaexpansãoultrama-

rina,aumentandooVenturoso“ex-

traordinariamenteafardagemdos

títulos”,conformea�irmadonaepí-

grafedesteartigo,nãofoimenos

verdade,naperspectivadeFaoro,

aexistênciadelimitesaodesen-

volvimentoportuguês,inerentesà

estruturapatrimonial.Talterreno

mostrou-sefértilparaoavanço

comercial,“(...)farádoEstadouma

gigantescaempresadetrá�ico,mas

impediráocapitalismoindustrial”

(FAORO,2008,p.40).

Dessaforma,ossucessosdosem-

preendimentosdoperíodomanue-

lino,quandoodescobrimentodo

Brasilassumiupapelnitidamente

demenorimportânciacomparado

àconstituiçãodoImpérioPortu-

guêsdoOriente,traduziramopio-

neirismonaexpansãoultramarina.

Foram,taissucessos,capazesde

catapultaropequenopaísibérico

paraumaposiçãodominanteno

concertomundial.Porém,essa

mesmaposição foi importante

elementoacondicionaraposterior

vulnerabilidadelusa,ultrapassado

evencidooreinoporpotências

concorrentesnosistemacolonial.1

Tomemosagoraumcaminhodife-

renteparachegarmosaosmesmos

resultados.PoisháquemvejaD.

Manuelmenoscomoumcapitalista

emais,sobretudo,comoumcru-

zado.Encontramosmençãoaesse

entendimentonarecenteHistória

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31

abril de 2015

economia & história: crônicas de história econômica

dePortugalcoordenadaporRui

Ramos,obranaqualaanáliseda

IdadeModerna(séculosXV-XVIII)

temaautoriadeNunoGonçalo

Monteiro.Teriahavidoum“projeto

imperialmanuelino”caracterizado

emboamedidapeloespíritode

cruzadaecavalaria:

Teriatido,segundoosestudiosos

quesugeriramasuaexistência,

umafortedimensãomessiânica,

traduzidanoimpulsodecombate

aosin�iéismuçulmanosemtodos

osquadrantes,comoobjetivode

reconquistarJerusalém,oslugares

santoseoPróximoOriente,para

oqueseteriaprocuradoalianças

compresumidospotentadoscris-

tãos.(...)EnquantonaEuropase

sentiamosprenúnciosdaReforma

protestante,oreiportuguêsestava

muitomaisinteressadonoideal

decruzada,oquesetraduziu,en-

tremuitasoutrasiniciativas,nos

esforçoslevadosacabojuntodo

papadoparaselançarexpedições

contraosturcos.(RAMOS;SOUSA;

MONTEIRO,2010,p.208)

Umacorroboração, à pr imeira

vista,desseentendimento,éfor-

necidaemartigotambémrecente

deLuísFilipeF.R.Thomaz,da

UniversidadeCatólicaPortuguesa.

Defato,esseautora�irmaqueo

projetodeD.Manuel“(...)era,na

suaessência,umprojetodecruzada,

visandoaoataqueaoImpérioMa-

melucopelomarRoxoearecupera-

çãodeJerusalém.”(THOMAZ,2009,

p.13).Todavia,seessaerauma

grandemotivaçãodorei,nãooera

necessariamentedetodososseus

conselheiros:“amaioriadoseuCon-

selho,ondevisivelmentedominava

acorrente‘liberal’emercantil,era

contraosseusprojetosimperiais.”

(Idem,p.25).2Entreumavertente

eoutra,Thomazprocuramanter

asduas:“háquenotarqueaên-

fasedadaàfacetacruzadísticada

expansãoportuguesanãoimplica

demodoalgumqueosinteressesco-

merciaisestivessemdelaausentes”.

(Idem,p.16).

Aretomadarecentedaênfasenos

motivosreligiososévistacritica-

menteporDiogoRamadaCurtoem

obracoletivaintituladaAexpansão

marítimaportuguesa,1400-1800

(primeiraediçãode2007).Acrí-

ticadirigiu-seaumaênfaseunila-

terale,porconseguinte,nãodeixa

deconvergiremboamedidacom

aúltimaa�irmativaacimarepro-

duzida,deLuísFilipeThomaz.Nas

palavrasdeCurto:

Osmotivosreligiosos,especialmen-

teumaideologiamilenaristaatri-

buídaaumafacçãodacortedeD.

Manuelmasconsideradasimulta-

neamenteaprincipalcaracterística

deumaalegadaperspectivaportu-

guesadomundo,tornaram-se,para

algunshistoriadoresrecentes,os

meiosessenciaisparacompreen-

deroImpérioPortuguês.Contra

essavisãoredutora(...),oImpério

Portuguêsdoiníciodaépocamo-

dernanecessitadesercompreen-

didodopontodevistadascausas

múltiplasecomoresultadodeuma

complexainteraçãoentrecultura,

tradiçãoeaçãopolítica.(CURTO,

2010,p.329)

Podemosconcordar,decerto,com

essamultiplicidadedemotivações

aventadapelosestudiososportu-

guesesacimareferidos.Nãoobs-

tante,lembrarmo-nosdapresença

doidealdecruzadapodenosabri-

garnomínimoanuançaroprecoce

domíniocompletoede�initivoda

burguesia,a�irmadoporFurtado;

tambémpodeperdernitidezavi-

sualizaçãodeD.Manuelcomoum

autênticocapitalista,comoescre-

veuSimonsen.Emoutraspalavras,

aênfasenosaspectoscomerciais

identi�icadaemalgunsdosautores

tratadosatéestepontodenosso

artigomereceriaigualmentealgum

reparo.Comisso,merecesertrazi-

doàbailaotemadapossibilidade

daexistênciadofeudalismoem

Portugal.

Torna-se,pois,oportunaaconsi-

deraçãodotrabalhodeJacobGo-

render,Oescravismocolonial.No

capítulo intitulado“Asociedade

portuguesaeaexpansãoultrama-

rina”,esseautordescreveucom

bastanteminúciaovastoelenco

deencargosoutributossenhoriais

incidentessobreaproduçãorural

equeconformavamarendafeudal

daterra.Pois,seeraverdadeque

asintrincadasredesdesuserania

evassalagemviram-sesubvertidas

emPortugalporcontadopoder

precocementecentralizadonas

mãosdoreie,emcontrapartida,da

relativafraquezadanobreza,3não

eramenosverdadequeaservidão

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32 economia & história: crônicas de história econômica

abril de 2015

eraarelaçãosocialdeprodução

característica.

Dessaforma,nainterpretaçãode

Gorender,foiumPortugalfeudal

oprotagonistadaexpansãoul-

tramarinaapartirdoséculoXV,a

qual,noXVI,sobD.Manuel,desdo-

brou-senoImpérioPortuguêsdo

Oriente.Eserãoossucessosdessa

expansãoedesseImpérioosres-

ponsáveispeloposterioratrasolu-

sitanocomodesenvolvimentodos

concorrentes,emespecialapartir

doséculoXVII:

NoséculoXV,essespaíses[Portugal,

Espanha,Holanda,Inglaterra,Fran-

ça-JFM/LSL]nãosedistinguiam

essencialmenteentresi,noquese

refereaodesenvolvimentoeconô-

micoesocial.(...)Asdiferençasmais

importantesnãoeramaindasenão

degradaçãoe,sobcertosaspectos,

Portugalnãosesituavaatrás,porém

àfrente.Comocorrerdotempo,a

estruturafeudalrevelou-semuito

maistenaznospaísesibéricos,o

quefoiacentuadopelaprópria

participaçãopioneiranaexpansão

ultramarina.Ospaísesmaistarde

iniciadosnocolonialismovieram,

pelocontrário,comsensívelavanço

nodesenvolvimentocapitalista,o

que,precisamente,osfavoreceuna

disputadosmercadosexternos,e

terminouporlhesdarasupremacia.

(GORENDER,1985,p.101-102)4

NãonegaráGorenderaspeculiari-

dadesde�inidorasdaformaportu-

guesadefeudalismo,aexemplodo

destaquepossuídopelosinteresses

comerciais,remontandoàRevo-

luçãodeAvis.5Contudo,em1383-

1385,essarevoluçãonãopoderia

tersidoumarevoluçãoburguesa.A

burguesia,aindaquecommaiorin-

�luênciapeloapoiodadoaoMestre

deAvis,nãosetornoudominante.

EmdesacordocomatesedeFurta-

do,paraGorender

Arevoluçãonacionalde1383-

1385,manifestadaatravésdaguer-

ravitoriosacontraausurpaçãocas-

telhana,nãotrouxeraalteraçõesna

estruturasocioeconômica,porém,

assimmesmo,produziraresultados

deconsiderávelimportância.A

classesenhorialcontinuavaclasse

dominante,masrejuvenescida:

umapartedavelhanobreza,alia-

daaoinimigonacional,tinhasido

alijadaesubstituídaporelementos

enobrecidosprocedentesdabur-

guesia.(GORENDER,1985,p.111)

Emsuma,desdeaRevoluçãode

AvisatéaformaçãodoImpérioCo-

lonialUltramarinonoséculoXVI,

Portugalvivenciaumatrajetória

ascendente,atingindoseuapogeu

noreinadodoVenturoso.6Nossas

re�lexõesnesteartigocontempla-

ramgrossomododuasvertentes

interpretativas.Paraumadelas,

essatrajetóriatraduziuaascensão

daburguesiaportuguesa,coma

ênfasenodesenvolvimentoco-

mercialquesere�letiuemumefe-

tivocapitalismodeEstado,sendopossívelidenti�icaremD.Manuel

um“autênticocapitalista”.Paraa

segundavertente,aaludidatraje-

tória,tendocomopontodepartida

umasociedadefeudal,acarretouo

reforçodessestraçospré-capita-

listasemPortugal;nessepanode

fundo,pareceencontrarmelhoren-

quadramentoafacetamessiânica

deD.Manuel.Ambasasvertentes

convergemnoquerespeitaaore-

sultadodaquelatrajetória:oatraso

portuguêsesuaultrapassagempor

potênciascoloniaisconcorrentes,

comocoroláriodasdi�iculdades

paraodesenvolvimentodocapita-

lismoindustrial.

Evidentemente,talcomoexplicita-

donosposicionamentosdeLuísFi-

lipeThomazedeDiogoCurto,não

éocasodenegaramultiplicidade

demotivaçõespresentesnaexpan-

sãoultramarinaportuguesa.7Mas

nãonosvaleremosdessamultipli-

cidadeparanosabsterdeprivile-

giarumadasvertentesanalisadas:

�icaremoscomGorender!

Referências

COELHO,AntónioBorges.Clérigos,merca-

dores, “judeus” e �idalgos –Questionara

história, II. Lisboa:Editorial Caminho,

1994.

COSTA,IracidelNeroda.Pormaresnunca

dantesnavegados...InformaçõesFipe.São

Paulo:FIPE,n.229,p.29-31,out.1999.

COUTO,Jorge.AconstruçãodoBrasil:ame-

ríndios,portugueseseafricanos,doinício

dopovoamentoa �inais deQuinhentos.

Lisboa:EdiçõesCosmos,1998.

CURTO,DiogoRamada.Aculturaimperiale

colonialportuguesa. In:BETHENCOURT,

Francisco;CURTO,DiogoRamada(Dir.).A

expansãomarítimaportuguesa,1400-1800.

Lisboa:Edições70,2010,p.327-370.

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abril de 2015

economia & história: crônicas de história econômica

FAORO,Raymundo.Osdonosdopoder:for-

maçãodopatronatopolítico brasileiro.

Ediçãocomemorativa50anos.4.ed.São

Paulo:Globo,2008.

FURTADO, Celso.Economia colonial no

BrasilnosséculosXVIeXVII:elementosde

históriaeconômicaaplicadosàanálisedeproblemaseconômicosesociais.SãoPaulo:

Hucitec/ABPHE,2001.

GORENDER, Jacob.O escravismo colonial.

4.ed.SãoPaulo:Ática,1985.

RAMOS, Rui (Coord.); SOUSA, BernardoVasconcelos;MONTEIRO,NunoGonçalo.

HistóriadePortugal.6.ed.Lisboa:AEsfera

dosLivros,2010.

SÁ, IsabeldosGuimarães.D.Manuel I re-

visitado: historiogra�ia recenteenovas

(re)leituras.In:GARRIDO,Álvaro;COSTA,Leonor Freire; DUARTE, LuísMiguel

(Org.).EstudosemhomenagemaJoaquim

RomeroMagalhães.Economia,instituições

e império.Coimbra:EdiçõesAlmedina,

2012,p.525-539.

SIMONSEN, RobertoCochrane.História

econômicadoBrasil (1500-1820).8.ed.SãoPaulo:Ed.Nacional,1978.

THOMAZ,LuísFilipeFerreiraReis.D.Ma-

nuel,aÍndiaeoBrasil.RevistadeHistórian.161,p.13-57,2ºsem.de2009.

WATKINS,Ronald.Unknownseas:theportu-guesecaptainsandthepassagetoIndia.

AmazonDigital Services, 2011. (kindle

edition).

WEHLING,Arno;WEHLING,MariaJosé.For-

maçãodoBrasilcolonial.RiodeJaneiro:

NovaFronteira,1994.

1 Posiçãodominanteeultrapassagem,cabeobservar,quedescrevemtambémcomjuste-zaocasoespanhol.A�inal,foramPortugaleEspanhaosgrandesprotagonistasdaexpansãoquatrocentista,oprimeirodesdeoiníciodoséculo,asegunda,emespecial,jánoseutérmino.

2 “A própriapersonalidadedoVenturosoécomplexa:omessianismoingénuoéapenasumadassuasfacetas.D.Manueléomonarcaquemandou construirpara seu túmulooMosteiro dos Jerônimos em Lisboa, mas

quedeixouescritoemtestamentoquenão

queria funerais de rei, mas só dehomemcomum,edesejava jazeremcamparasa.É

omísticoque,em1517,pensavaseriamente

emabdicar,hesitandoentreabraçaravida

religiosaededicar-seàcruzadamarroquina

comos réditosdaOrdemdeCristodequepermaneceriaadministrador;masétambém

ocriadordosCorreiosdePortugaleoautor

doprimeirocódigosistemáticodelegislação

portuguesa,asOrdenaçõesManuelinas, já

queasOrdenaçõesAfonsinas, compiladasoutrorapelo regented. Pedro,eramainda

umacoletânea,aindaqueordenadaeseletiva,

deleisantigas.”(THOMAZ,2009,p.30).De

fato,nãoapenasessafacetamessiânicatem

sidoobjetodasanálisesqueahistoriogra-�iarecentetemfeitosobreD.Manuel:“Em

suma,nadaparecefácilquandoseconsidera

apersonalidadedorei. Demanhosoadis-

simulado,dejoguetenasmãosdosfavoritos

oudarainha-velha[D.Leonor,rainhaviúvadeD.JoãoIIeirmãdeD.Manuel-JFM/LSL],

temosumpoucode tudo. (...)Umacoisa é

certa: o reinão reveloununcapressa em

resolverasquestões; dedicou-lhes tempoedeixou-asmaturar.Atélá,iaganhandotempo

edissimulando...”(SÁ,2012,p.538).

3 Oquesere�letiana inexistênciadefeudos

emPortugal:“Ocentrosupremodasdecisões(...)impediuque,dispersando-seopoderreal

emdomínios, se constituísseumacamada

autônoma,formadadenobresproprietários.

Entreoreieossúditos,nãoháintermediários:umcomandaetodosobedecem.(...)acimadele,

sóaSantaSé,opapaenãoo clero;abaixo

dele,sóhádelegadossobsuasordens,súditos

esubordinados.”(FAORO,2008,p.19).

4 Vale a pena aqui inserir o comentário

seguinte,extraídodeartigopublicadopor

IraciCosta,há algunsanos,nestemesmo

BoletimdaFIPE, emqueoautorprocedeaum interessanteexercíciocontrafactual:

“En�im,osportuguesescaíramemarmadilha

porelesmesmos armadaaonãodesenvol-

veremocapitalindustrialporqueaRevolução

Industrial‘deucerto’;seelanãoviesseaobterêxito, superandode�initivamenteocapital

mercantileaspráticaseconômicasepolíticas

aeleassociadas,estaríamoshojeadizer:‘A

argutasensibilidadedosmercantilistasibéri-

cosevitou-lhesodesastredaRevoluçãoIndus-trial’.Assimfuncionamosvolúveisdesígnios

daHistória:osportuguesesforamvítimasdo

própriopioneirismo.”(COSTA,1999,p.30).

5 Reconheçoopapelativoquetiveramabur-guesiamercantileruraleasmassaspopu-laresnaquelegrandeepisódio”(GORENDER,1985,p.111,nota27).Emverdade, essamarcanteparticipaçãodaCoroa,danobrezae do clero nasatividades comerciais emPortugal,quedistingueaformaportuguesadefeudalismo,antecedeaRevoluçãodeAvis:“Osreisportuguesesrapidamenteengajaram-seelesprópriosnocomércio,usufruindodeseupotencial. Fernando tinha seus navioscarregadoscomsuasprópriasmercadoriasantesdosnaviosdequaisqueroutrosseremcarregados.Em1371asCortesreclamaramqueele[D. Fernando-JFM/LSL]usaraseupodercomoreiparaadquirirtrigoedepoisrevendê-loporumvalor vinte vezes supe-rior.NoanoseguinteasCortesaumentaramsuasqueixascriticandoarainha,osgrandesmestresdas ordens religiosas, os bispos eoutrosclérigos,cavaleirosefuncionáriosdogovernopor engajarem-seagressivamentenocomércio,competindocomosnegociantestradicionais(...).Aparticipaçãodessasclassesnocomércio teveprofunda in�luêncianos

eventossubsequentes.”(WATKINS,2011).

6Noreinadoseguinte,deD. João III(1521-

1557), aexpansãoimperialénitidamente

substituída pela ênfasena consolidação:

“Onovomonarca português adotouuma

orientaçãopolíticaopostaà seguidapelo

seuantecessor.(...)Optou, semprequepos-

sível,porconcentraresforçosnamanutenção

dahegemonia noAtlânticoSul e conferiu

especial ênfaseàocupaçãodasduasmar-

gensatlânticas: aafricanae, sobretudo, a

americana,opçãoemqueseinseremopro-

jetodecolonizaçãodaCostadaMalagueta,

nafachadaocidentaldaÁfrica,eoiníciodo

processodecolonizaçãodoBrasil.”(COUTO,

1998,p.202-203).

7 “É inútil procurar exclusividades. Combi-

naram-secausaseconômicas,políticasere-

ligiosas.(...)Lucros,impérioefécombinaram-

se.”(WEHLING;WEHLING,1994,p.37-38).

(*)Livre-DocentedaFEA/USP.(E-mail:j�[email protected]).

(**)ProfessoraDoutoradaFEA/USP.(E-mail:[email protected]).

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34 economia & história: relatos de pesquisa

abril de 2015

Finanças Públicas Municipais: As Fontes de Renda dos Municí-pios Paulistas, 1835-18501

L������ S����� L���� (*)

1 Introdução

O conhecimentoquese temda

estrutura�inanceiradosmunicí-

piosduranteoperíodoimperialé

limitado.Desdeosprimórdiosdo

Império,afaltadeumade�inição

clarasobreaautonomiamunicipal

comprometeuseriamenteacapa-

cidadedasmunicipalidadespara

lidarcomosproblemasinerentes

àadministraçãopúblicalocal,em

especialnoestabelecimentoear-

recadaçãodeimpostos,tributos

econtribuições.Ahistoriogra�ia

apontacomoconsequênciaimpor-

tantedessasituaçãoafaltadere-

cursos,poisaatuaçãodogoverno

localeralimitadaporessafaltade

autonomia,jáqueasvilaseramde-

pendentesprimeirodaAssembleia

GeraledepoisdaAssembleiaPro-

vincialparaacriaçãodeimpostos

eaplicaçãodestesnasoluçãode

seusproblemaslocais,taiscomo

aconservaçãodeobraspúblicas

e�iscalizaçãodocumprimentodo

códigodeposturas.

2 O Município e a sua Organização

AConstituiçãode1824estabeleceu

apenasqueemtodasascidadese

vilasdeveriaexistirumaCâmara,

responsávelpelogovernoeconô-

micoemunicipal.Seusmembros

deveriamsereleitos,sendoaquele

comomaiornúmerodevotosno-

meadopresidente.Taisdiretrizes

encontram-senosartigos167e

168,reproduzidosaseguir.

Art.167.EmtodasasCidades,e

Villasoraexistentes,enasmais,

queparaofuturosecrearemha-

veráCamaras,ásquaescompeteo

Governoeconomico,emunicipal

dasmesmasCidades,eVillas.

Art.168.AsCamarasserãoelec-

tivas,ecompostasdonumerode

Vereadores,queaLeidesignar,eo

queobtivermaiornumerodevotos,

seráPresidente.2

Contudo,osdetalhessobreofun-

cionamentodessesentesadminis-

trativosnãoforamestabelecidos

pelamencionadaConstituição,

sendoobjetodeleiposterior.

Debatesdaépocamostramque

exist iamduascorrentessobre

comodeveriamserorganizadas

asmunicipalidades:aquelaquede-

fendiaqueosgovernosmunicipais

deveriamserentesautônomosde

umafederaçãoprovincialeaquela

queacreditavanacentralizaçãoe

defendiaqueasCâmarasdeveriam

terapenascarátermeramentead-

ministrativo.

Emoutubrode1828foipromul-

gadaaLeiRegulamentarquees-

tabeleceuaformadeorganização

municipal.ÀsCâmarasfoidelegado

papelmeramenteadministrativo,

�icandoestassujeitasàtutelado

podercentral.Todososatosmu-

nicipaisdeveriamseraprovados,

dependendodoassunto,peloPre-

sidentedaProvíncia,peloConselho

Geral,peloMinistrodoImpério

oupelaAssembleiaGeral.Dessa

forma,�icouclaraavitóriadase-

gundacorrenteargumentativa.

Sendoassim,dadeclaraçãodain-

dependênciaatéaabdicaçãodeD.

PedroIemfavordeseu�ilho,as

CâmarasMunicipaisnãopuderam

verdesenvolvidossuaautonomia

etampoucoseupapelcomoórgãos

deadministraçãolocal.Presasao

sistemacentralizadordaépoca,�i-

caramsujeitasà�iscalizaçãocons-

tantedosConselhosGeraiseda

AssembleiaGeralLegislativa,dos

PresidentesdeProvínciaedoGo-

vernoCentral.

Em1834,a tendênciacentrali-

zadoraquedominounoperíodo

imediatamenteposteriorà inde-

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35economia & história: relatos de pesquisa

abril de 2015

pendênciafoiatenuadapeloAto

Adicionalcomoestabelecimento

deórgãos legislativosregionais.

AsAssembleiasProvinciaisforam

criadas,repartindocomaAssem-

bleiaGeral,únicoórgãolegislativo

atéentãoexistente,atarefadedis-

cutir,formulareaprovarleis.

AsAssembleiasProvinciaispassa-

ramentãoaserresponsáveispor

cuidar,entreoutrasatribuições,

das�inançaspúblicasmunicipais,

�icandoestabelecidoquedeveriam

legislartambémsobreapolíciae

aeconomiadasmunicipalidades,

�ixardespesas,criaresuprimir

empregos,alémdeautorizaras

Câmarasacontrairempréstimos.

Reforçaram-seassimoslaçosde

dependênciaentreosmunicípios

easinstânciassuperioresdaad-

ministraçãopública,di�icultandoa

estesoexercíciodaadministração

local,emantendoafastadoocentro

dedecisãodosproblemasaserem

solucionados.

ApesardeesclarecerseremasAs-

sembleiasProvinciaisresponsá-

veispelagestãomunicipal,oAto

éfalhoaode�inirascompetências

tributárias.Destarte,seanalisada

alegislaçãosobreotema,desdea

constituiçãode1824nadahavia

sidodiscutidoarespeito.Como

vistoanteriormente,aprimeira

Constituiçãopreviaaexistência

demunicípios,masdeixavaem

abertoospormenoresdeseufun-

cionamento.ALeiComplementar

de1828tambémnãodiscutiua

questãotributária.Amesmaa�ir-

maçãopodeserfeitasobreoAto

Adicionalde1834.Écertoqueo

Atoconstituiuumavançoemdi-

reçãoàdescentralização,aocriar

asAssembleiasProvinciais;mas,

considerandoasmunicipalidades,

arelaçãodedependênciaentre

estaseasinstânciassuperioresda

administraçãopúblicaaumentou,

epoucofoide�inidosobreaparte

�inanceiradaadministraçãolocal.

Sehavialacunasnalegislaçãovi-

gente,certamenteissonãocons-

tituíaempecilhoàtributação,até

mesmoporqueasnecessidades,

tantodemunicípioscomodepro-

víncias,nãocessaramdevidoà

imprecisãolegislativa.Então,sobre

quaisatividadesascidades,vilase

freguesiasarrecadavamimpostos?

3 As Fontes de Renda Municipais

Naprática,aquestãotributária,

secundáriaemmeioaosproblemas

políticosdoperíodo,�icariaacargo

dasleisorçamentárias.Analisando

taisleisépossívelveri�icar,mesmo

diantedalacunalegislativaiden-

ti�icada,quaiseramasfontesde

rendadosmunicípiospaulistasdu-

ranteaprimeirametadedoséculo

XIX.

Comofoivistoanteriormente,com

oAtoAdicionaleacriaçãodasAs-

sembleiasLegislativas,as�inanças

municipais�icaramsubordinadas

aopoderprovincial.Contudo,a

primeiraleiorçamentáriapaulista,

publicadaem1835,deixoudecon-

templarosorçamentosdasmunici-

palidades.Omotivodessaausência

foiesclarecidograçasàlocalização

deumdocumentonosarquivosda

AssembleiaLegislativadoEstado

deSãoPaulo.Neste,datadode9de

marçode1835,pode-seencontrar

asexplicaçõesdadaspelaComissão

de Orçamento e Contas,encarre-

gadadaelaboraçãodoorçamento

municipalparaaqueleexercício

�inanceiro,paraaausênciadetais

informações.3

Oorçamentomunicipalreferente

aoexercício1835-1836deveriaser

elaboradopelaComissãocombase

eminformaçõesenviadaspelas

própriasCâmarasMunicipais.Os

informesseriamentãocompila-

dos,redigindo-seumprojetode

lei.Contudo,apenasnovedasmais

de40vilaspaulistasenviaramos

ditosorçamentos,sendoque

[...]somenteaodaCâmaradesta

cidadesepodedaronomedeorça-

mento,osoutrosmerasrelaçõesou

apontamentosemqueasCâmaras

se limitãoapedirexorbitantes

quantias[...]paraobraspublicas,

semdesignaçõesdecadahumades-

sasobras,semosprecisosesclare-

cimentoseinformações,nemsobre

asuanecessidade[...](Comissão

deOrçamentoeContas,1835,p.1)

AComissãoaindatentouelabo-

rarumaestimativaorçamentária,

tomandocomobaseum“cálculo

médiodereceitasedespesas for-

madosobreexamedascontasdas

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36 economia & história: relatos de pesquisa

abril de 2015

Camaras,approvadasemosanosde

1832e1833esobreasdoannopas-

sado,depoisdeapprovadasporesta

Assembléa”.Contudo,novosproble-

massurgiram.SeteCâmarasnão

haviamenviadoosbalançosrefe-

rentesaoano�iscalde1833-1834

eascontasdeSãoPauloeSantos

aindanãohaviamsidoaprovadas.

Ademais,osbalançoseorçamentos

usualmenteremetidosàAssem-

bleiaeram

[...]tãoinformes,eapresentãotal

confusão,quedenadaservempara

oqueaComissãopretendiatirar

dellas,sendomesmoimpossivel,

semempregarmesasdetrabalho

noexamede120etantascontas,

formar-seocalculomediodaRe-

ceitaeDespezadecadahumanos

3annospassados,basequeassim

mesmomalpoderiasuprirafalta

deoutraououtraspositivamente

necessarias.(ComissãodeOrça-

mentoeContas,1835,p.2)

AComissãoentãopensouemfor-

malizarumprojeto�ixandoapenas

asdespesasordinárias–grati�ica-

çãoaosempregados–dasCâmaras

eumaverbaparaobraspúblicas.

Talideiafoilogoabandonada,pois

resultarianumorçamentofeito“às

cegas, sem pleno conhecimento das

circunstancias peculiares de cada

municipio”,oquetalvezfossemais

prejudicialdoquepermanecer

maisumanosemorçamento.

A�imderesolveraquestão,aCo-

missãopropõe,emprimeirolugar,

queseofereçamàsCâmarasdois

modelos,umparaelaboraçãode

orçamentoseoutroparaelabora-

çãodebalanços,respeitandotodas

asdisposiçõesdodecretode31

deoutubrode1831.AComissão

acreditavaquecomoenviodes-

sesmodelosjuntamentecomuma

cópiadamencionadaleiasmunici-

palidadesseriamcapazesderedi-

girsuascontaseapresentarseus

orçamentos“de maneira que sirvão

tanto para mais facil exame e fi scali-

zação por esta Assemblea como para

a formalização da lei de orçamento

de todas as Municipalidades”.Assim,

coma remessadessespapéisa

cadaumadasvilaspaulistas,�ica-

riamremovidos“todos e quaesquer

pretextos ate agora allegados para

se desculparem ommissões e faltas,

a Assemblea espera que ellas cum-

prirão com tanta exacção os seos

deveres”.Apropostafoiaprovada

enomesmomêsdemarçoforam

encaminhadosàsmunicipalidades

osmodeloseatranscriçãodalei.

Emdocumentodatadode12de

marçode1835,observa-seum

exemplodadocumentaçãoencami-

nhadaàsCâmaras.4Emprimeiro

lugar,tem-seatranscriçãodalei

de31deoutubrode1831.Emse-

guida,osmodelossãoapresenta-

dos,acomeçarpelodoorçamento.

Comespaçosembrancoaserem

preenchidos,exemplosderendase

despesas,assimcomovaloreshipo-

téticos,osmodelosdeveriamservir

deguiaparaaapresentaçãodas

contasmunicipaisdalipordiante.

Oqueseobservaapartirdeentão

éapadronizaçãodadocumentação

apresentadaanualmenteàComis-

sãodeOrçamentoeContas.

Mesmoassim,demorariaumpouco

atéqueumaleiorçamentáriamu-

nicipalespeci� icassedefatoas

fontesderendadosmunicípios.Tal

fatosomenteacontecerianoorça-

mentoparaoanode1841-1842,

sendopossívelobservarpelapri-

meiravezodetalhamentodarenda

dasdiversaslocalidadespaulistas.

Comoexemplo,naTabela1,éapre-

sentadaareceitadacidadedeSão

Paulo.

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Observandoatabela,percebe-se

queomunicípiotributavasobreo

abatimentoderezes,oconsumo

deaguardente,casasdenegócio,

serviçosdeaferiçãodepesose

medidas,ecarrosquetransitavam

pelacidade.Alémdisso,recebia

aluguéisdosprédiosdeproprieda-

dedaCâmara,quandoexistentes,

alugueldascasinhasqueserviam

aosprodutoreslocaisdealimentos

comoespaçoparacomercialização

degêneros,multasdiversaseresti-

tuiçãodecustas.Contavatambém

comvaloresadvindosdacobrança

dadívidaativa,saldosdosanosan-

teriores,alémdepartedadécima

urbana.

Essaestruturaexempli�ica,emboa

medida,oqueocorrianosdemais

municípiospaulistas.Éclaroque

determinadaslocalidadespossu-

íamespeci�icidades,porexemplo,

osvalorescobradospeloabate

deanimaisvariavam;emoutros

casos,nasvilasdoatualParaná,

costumava-se cobrar impostos

sobreofumoeaerva-mate;mas,

demodogeral,graçasaosesforços

daAssembleiaLegislativapormeio

desuacomissãodeOrçamentoe

Contas,grandepartedosmunicí-

piosapresentavaasmesmasfontes

derendadiscriminadasnaTabela

1.

Dessaforma,foipossívelanalisar

dequemodoseorganizoudurante

osprimeirosanosdoperíodoIm-

perialaquestãotributáriadosmu-

nicípiospaulistas.Partindodeuma

lacunanalegislação,oestudodas

fontesprimáriasdisponíveis–leis

orçamentáriasedocumentosma-

nuscritosdoAcervoHistóricoda

AssembleiaLegislativadoEstado

deSãoPaulo–permitiuidenti�icar

comosedeu,naprática,ade�ini-

çãodascompetênciastributárias

municipais.Comoexemplo,apre-

sentou-seoorçamentodaReceita

daCâmaradaCidadedeSãoPaulo.

Tabela 1 – Receita da Câmara da Cidade de São Paulo (de acordo com o §1 do artigo 2º da Lei n. 18 de 04 de março de 1841)

Receita Valor

320 rs por cabeça de rez que se corta no matadouro e 400 rs pelas cortadas fora delle para negocio em todo o município 941$000

400 rs por canada de aguardente consumida em todo o município 1:371$000

Alugueres das casinhas 470$000

Imposto sobre as casas de negocio 1:550$000

Afferições de pesos e medidas 520$000

Taxa sobre os carros que transitam nesta cidade 470$000

Alugueres das moradas de casas da camara 300$000

Licenças para expectaculos publicos 50$000

Multas por infracções de posturas, e impostas pelo jury e differentes juizos 180$000

Restituição de custas 10$000

Renda eventual proveniente de multas ao fi scal e vereadores, e outras origens 20$000

Saldo do anno anterior 903$528

Cobrança da divida activa 4:650$004

Sobras da décima urbana $5

Somma 11:435$532

Fonte:LeisOrçamentáriasPaulistas.

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Referências

LOPES,LucianaSuarez.Asleisorçamentáriaseaestruturatribu-tária dosmunicípiospaulistas, 1834-1850.VIII CONGRESSOBRASILEIRODEHISTÓRIAECONÔMICAE9ª CONFERÊNCIAINTERNACIONALDEHISTÓRIADEEMPRESAS,2009.

______.Saldose sobras: �inançaspúblicasmunicipaisnaprimeirametadedooitocentos.HistóriaeEconomia,v.10,p.29,2012.

______.Finançaspúblicasmunicipaisnaprimeirametadedooitocen-tos. (ProvínciadeSãoPaulo,1834-1850).RelatóriodePesquisaapresentadoàFundaçãodeAmparoàPesquisadoEstadodeSãoPaulo,referenteaoprocesso2010/16866-9.

1 OpresenteartigoapresentaalgunsresultadosdeumprojetodepesquisadesenvolvidonoâmbitodoDepartamentodeEconomiaequerecebeuauxíliodaFAPESP.

2 ConformeaConstituiçãode1824.Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>.Acessoem:08abr.2015.

3 Taldocumentoencontra-sedisponívelem:<http://www.al.sp.gov.br/repositorioAH/Acervo/Alesp/Imperio/Falp_005/CF35_103.pdf>.Acessoem:14abr.2015.

4 Taldocumentoencontra-sedisponívelem:<http://www.al.sp.gov.br/repositorioAH/Acervo/Alesp/Imperio/Falp_004/CF35_076.pdf>.Acessoem:14abr.2015.

5 Valornãoinformadopelalei.

(*)ProfessoradoDepartamentodeEconomiadaFaculdadedeEconomia,AdministraçãoeContabilidadedaUniversidadedeSãoPaulo.MembrodoHERMES&CLIO–GrupodeEstudosePesquisa

emHistóriaEconômicaedoNEHD–NúcleodeEstudosemHistóriaDemográ�ica.(E-mail:[email protected]).