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AGOSTINHO E A IGREJA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO NO
FIM DA ANTIGUIDADE doi: 10.4025/XIIjeam2013.pirateli.pereiramelo42
PIRATELI, Marcos Roberto1
PEREIRA MELO, José Joaquim2
Introdução
Nos últimos anos centralizamos nossa pesquisa no pensamento de Santo Agostinho
(354-430)1 e sobre a Antiguidade cristã2, o que possibilitou estudar como o Bispo de Hipona
construiu o seu conceito de Igreja, tão caro ao cristianismo no mundo antigo, sobretudo no
momento em que este assumiu o controle e formação dos homens no ocaso do Império
Romano.
Portanto, o presente texto tem como objetivo analisar como Agostinho definiu a
Igreja como “Cidade de Deus”, ligando-a a uma proposta educativa, isto é, como local
privilegiado de tal processo.
* * *
O estudo sobre o conceito de Igreja em Santo Agostinho justifica-se no interesse de
investigar o papel desse pensador, que foi um dos primeiros grandes filósofos do cristianismo,
e um dos mais importantes Padres da Igreja3 na conjuntura da decadência do Império romano,
o que possibilitou, de sua parte, uma ação idealizadora para a formação dos homens de sua
época. A importância e vigor do seu legado teológico-filosófico e educacional cruzaram o
limiar de seu tempo, invadindo o medievo para fluir como seu mentor espiritual e fundamento
de sua cultura, concluindo assim um período, a Antiguidade, e iniciando outro, a Idade Média
(HAMMAN, 1990). É adequado considerar que a influência de Santo Agostinho continua
presente na história do cristianismo (ARENDT, 1997), principalmente por ainda marcar
presença no magistério da Igreja4, por extensão, na sociedade, a exemplo de princípios morais
e de virtude.
1 UNESPAR/Fundação Araucária/SETI. 2 DFE/PPE/UEM.
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Não só isso: as teses agostinianas, para além da Teologia e da Filosofia, deixaram
marcas em várias áreas do conhecimento, tais como a Psicologia, a Literatura e a Ciência, e,
particularmente, na Educação.
Segundo Adalbert Hamman (2002), o campo da pesquisa sobre Patrística – estudo dos
Padres da Igreja – cresceu imensamente, seja em publicações de livros e artigos seja em
monografias (teses e dissertações). Esses estudos cresceram sobretudo após a sua laicização,
isto é, quando os textos deixaram de ser investigados somente à luz da história antiga dos
dogmas (pelo clero), e passaram a ser analisados também por outras áreas do conhecimento,
por exemplo, a Educação. Isto posto, ao apresentar aquilo que Agostinho entendeu como local
de educação pode vir a colaborar para a História e a Historiografia da Educação, assim como
propor novas perspectivas para o estudo e a pesquisa do pensamento cristão na Antiguidade ao
dar enfoque na analise do direcionamento educacional que ele construiu, qual seja, de um
espaço específico e universal de formação dos homens, a Igreja.
Fontes
Apesar de apreciar pelo menos seis tratados agostinianos5, a investigação privilegiou
dois em especial, a saber, A Instrução aos Catecúmenos e A Cidade de Deus.
A Instrução aos Catecúmenos [De catechizandis rudibus] foi escrita aproximadamente
em 405 a pedido do diácono Deogratias de Cartago, e versa sobre o que e de que modo se
deveriam ensinar os conversos. Com o objetivo de atender as necessidades pastorais da Igreja
quanto à formação daqueles que se convertiam ao cristianismo, esta obra, catequética e
kerygmática, tornou-se o modelo completo para quem queria fazer-se cristão (DOMÍNGUEZ,
2005); para Henri-Irénée Marrou (1990, p. 481): “... uma teoria da catequese cujo valor
propriamente pedagógico iria, por muitos séculos, assegurar-lhe sucesso”. Daí ser considerada
obra-prima da pedagogia catequética. É válido explicitar que o catecumenato era o estágio de
preparação para se conhecer a doutrina cristã e se tornar um membro da Igreja. Para tal,
implicava tanto a instrução da fé (aulas teóricas) como a reforma dos costumes (práticas
ascéticas), portanto, é um ponto importante para a história da educação, visto ser a principal
criação educativa dos primeiros séculos do cristianismo. Ao educar os homens pelo
catecumenato, Santo Agostinho salientou sua proposta de formação ideal para a humanidade, e
num espaço específico: a Igreja; o que inspirou sua obra magna, A Cidade de Deus.
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A Cidade de Deus [De Civitate Dei] foi escrita entre os anos 413 e 427, sendo
composta por 22 livros. Iniciada após o saque de Roma, em 410 – pelos visigodos liderados
por Alarico –, vinha de encontro à reação pagã, ainda viva nos meios intelectuais, que
creditavam aquele flagelo ao desejo dos deuses, ofendidos pela nova religião: o cristianismo.
Ao revisar este seu tratado em suas Retratctationes, Santo Agostinho destacou como essencial
sau análise sobre a “nascita delle due città, quella di Dio e quella di questo mondo, i quattro
successivi della loro evoluzione e del loro sviluppo, gli altri quattro, che sono anche gli
ultimi, dei dovuti fini di ciascuna di esse. Tutti i ventidue libri, pertanto, pur trattando di
entrambe le città, hanno mutuato il titolo dalla migliore, la Città di Dio” (Le Ritrattazioni,
II, 43, 2). Com base nisso, promoveu uma crítica histórica da humanidade, objetivando
compreender sua dinâmica; assim, sua filosofia da história não poderia resultar em outra coisa
senão numa teologia da história, haja vista sua preocupação em aceitar o encontro entre a fé e a
história não somente como espaço vital, mas também como questão de sentido. Para a proposta
agostiniana, a maior característica da história era o seu caráter dualista, ao apresentar o
confronto de duas formações humanas, duas sociedades, o povo de Deus (cidade celeste) e os
ímpios (cidade terrestre), resumindo a história em duas cidades que no fim dos tempos (Juízo
Final) serão devidamente separadas, e, cujo final feliz somente seria alcançado para aqueles
que estivessem ligados à primeira delas: “a Cidade de Deus, quer dizer, a Igreja” (A Cidade de
Deus, XIII, 16, 1), como sentenciou. Em suma, Santo Agostinho legou ao cristianismo a idéia
de uma sociedade religiosa de essência sobrenatural, que peregrinava na busca de Deus, mas,
em um espaço específico.
Metodologia
A investigação das transformações sociais ocorridas no fim da Antiguidade tendo
como objetivo Santo Agostinho a Igreja como lócus educativo em seu pensamento, implica
uma metodologia que contemple a necessidade de desvendar a organização da sociedade
romana em meio à decadência do Império Romano (séculos IV e V) e sua integração com o
cristianismo; e a partir daí especificar e compreender como esta religião ao elaborar uma visão
de mundo, discursos, mitos, entre outros, construiu meios para organizar a sociedade: que se
configurou em um processo modelador de comportamentos, hábitos e atitudes, por extensão,
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na ordenação de uma relação de dominação sobre a qual foi possível à Igreja ser a única
instituição formadora da sociedade.
A investigação, mesmo que seu foco seja um tema educacional, privilegiou como
pressupostos os fundamentos historiográficos, isto é: uma pesquisa respaldada por uma lógica
histórica.
Os historiadores serão tentados, a meu ver acertadamente, a escolher uma determinada relação ou complexo de relações como central e específico da sociedade (ou tipo de sociedade) em questão, e a agrupar o resto da abordagem ao seu redor [...]. Uma vez estabelecida a estrutura, ela deve ser vista em seu movimento histórico. Na dicção francesa, a “estrutura” deve ser vista na “conjuntura”, embora este termo não deva ser considerado como excluindo outras formas e padrões de mudança histórica, talvez mais relevantes. [...] As tensões às quais a sociedade está exposta no processo de mudança histórica e transformação permitem então que o historiador exponha, em primeiro lugar, o mecanismo geral pelo qual as estruturas da sociedade tendem simultaneamente a perder e restabelecer seus equilíbrios e, em segundo lugar, os fenômenos que tradicionalmente são o tema de interesse dos historiadores sociais, como, por exemplo, consciência coletiva, movimentos sociais e a dimensão social das mudanças intelectuais e culturais (HOBSBAWM, 2005, p. 94).
O conceito de Igreja agostiniano foi tomado como histórico, elaborado para responder
aos problemas de seu tempo; seu vigor depende da subsistência das relações sociais que o
moldaram. Compreende-se a base da história intelectual ou pedagógica como decorrente da
estrutura social, e não como simples sistema de idéias.
Segundo Ciro Flamarion Cardoso (2005) não se pode aplicar uma separação entre o
material e o ideal, ou seja, o discurso ideológico enquanto comunicação e/ou produção de
idéias não é somente ideal, assim como a produção econômica não é puramente material: tudo
isto simplesmente é social; por isso o pensamento de Santo Agostinho é fruto de relações
historicamente específicas, debatidas entre indivíduos reais, que no fim da Antiguidade
estavam lutando para definirem sua própria orientação religiosa-educativa, fosse
institucionalizada ou não, em forma de Igreja universal (ou outra forma qualquer).
O pensamento pedagógico, e eclesiástico, é entendido enquanto produto humano que,
em uma investigação histórica a partir do movimento social em sua totalidade, desencadeado
por uma transformação, traz consigo um novo tipo de sociedade e de homem, identificados
como “mais adequados”, e que devem ser formados em um espaço “mais adequado”.
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Nessa conjuntura o emergir do pensamento agostiniano configurou-se em uma nova
proposta ao elaborar o seu conceito de universalidade da Igreja, fundamental para o
cristianismo em seu processo de consolidação no fim do mundo antigo e início da Idade
Média, sobretudo, no momento em que essa religião assumiu o controle dos homens no ocaso
do Império Romano.
Para tanto, o diálogo com os tratados (fontes) de Santo Agostinho, lidos em sua
historicidade, revelam as ideologias e as práticas que viabilizaram a apresentação da sua tese
eclesiástica em sua forma mais bem-acabada que, em linhas gerais, mostrou aos homens uma
instituição formativa ideal (e/ou idealizada): a Igreja, definida em sua universalidade: ou
“Cidade de Deus” como argumentou (cf. A Cidade de Deus, VIII, 24, 2).
É válido destacar que “ideologia” aqui, enquanto enfoque metodológico de análise
historiográfica da educação, não é aquele tal como apareceu no século XIX (como “falsa
consciência”), mas o desenvolvido segundo a concepção gramsciana identificada como
“ideologia historicamente orgânica”, a rigor, uma ideologia vista como necessária a uma dada
estrutura – isto é, não como algo desejado –, portanto respaldada por uma validade psicológica
enquanto organizadoras das massas humanas (GRAMSCI, 1966). Neste sentido, a
argumentação cristã pôde alentar os homens em suas incertezas, tal como aconteceu na
transição da Antiguidade à Idade Média.
Mesmo que a maioria dos interpretes optam por uma distinção entre Igreja e Cidade de
Deus em Agostinho, Étienne Gilson (1982) por exemplo, Emilien Lamirande (1994) ao
abordar esta questão no Augustinus-Lexikon, assinalou como difícil uma resposta para essa
problemática, deixando o debate em aberto. Ao centrar-se nessa discussão, e com uma leitura
histórica das fontes, portanto, pode-se defender a hipótese de que a Igreja é definida como
“Cidade de Deus” no pensamento agostiniano; conforme seu próprio testemunho: “... está claro
ser Sião a cidade de Deus, qual é a cidade de Deus, senão a santa Igreja? Os homens que se
amam mutuamente e que amam Deus, que neles habita, constituem a cidade de Deus”
(Comentário aos Salmos, 98, 4).
Daí sua proposta de que a educação cristã, tendo em vista o Homem santificado, o
santo, somente poderia ser ministrada na e pela Igreja:
No meio de muitos e variados sinais das coisas futuras – que seria longo enumerar e que vemos agora cumprir-se na Igreja, o povo eleito foi conduzido à Terra da Promissão [...]. Seus cidadãos são todos os homens
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santificados no passado, no presente e no futuro e todos os espíritos santificados (A Instrução aos Catecúmenos, 20, 36).
Considerações Finais
Concomitante ao desmantelamento de seu Estado (séculos IV e V), o Império Romano
presenciou o emergir de uma religião que havia nascido logo após a sua instauração em 27
a.C.: o cristianismo, que em pouco tempo ganhou aceitação significativa no Ocidente Europeu.
Na medida em que o cristianismo foi se organizando e consolidando, sua Igreja – o
“corpo” reunido dos cristãos, corpus fidelium – conquistou espaço legal com a conversão do
imperador Constantino, no início do século IV, e, posteriormente, alcançou seu triunfo com o
imperador Teodósio, ao tornar-se religião oficial do Império em 380.
Em virtude dessa condição, a Igreja, como instituição triunfante, assumiu o poder civil
no fim da Antiguidade, de fato e de direito, e o poder passou a ser interesse dos seus dirigentes.
Importa lembrar que mesmo antes do fim do Império, os bispos – ocupantes de posição de
liderança na hierarquia do clero – assumiram a magistratura das cidades. Dessa forma, o poder
do Estado, outrora a serviço do “paganismo”, passava ao serviço da Igreja, que assumiu o
status de instituição que orientou os homens na transição da Antiguidade para a Idade Média.
Nesse ambiente propício, os líderes do cristianismo assumiram a condução da nova ordem
social, assim como a direção educacional dos homens: cite-se como exemplo o catecumenato,
processo formativo (teórico e prático) peculiar para a admissão na Igreja (NUNES, 1978) e que
teve em Santo Agostinho um de seus principais teóricos em seu tratado A Instrução aos
Catecúmenos.
Com a dissolução do mundo antigo e a ascensão da Igreja, esta não limitou seu papel
ao campo espiritual, mas, como nova condutora do orbis – pelo menos na parte ocidental – não
pôde se ausentar das questões civis, de tal modo que sua política de moralização da vida
pública contribuiu para a consolidação da vida servil.
A justificativa para essa nova orientação foi encontrada na sua essência tida como
sobrenatural, para além da história, para cristãos vista como superior ao Estado romano. Para
além, a sua condição de sociedade autônoma, organizada sob suas diretrizes específicas que
respondiam às necessidades daquele momento histórico, garantiram a sua expansão pelo orbis
romano, acrescido da cristianização do Império, que, em certa medida acabou confundindo-a
com a própria sociedade romana.
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Vale destacar que a fragmentação do mundo romano favoreceu a Igreja, que era
constituída por uma estrutura fragmentada, um somatório (como que uma “federação”) de
igrejas particulares dispersas pelo orbis. A igreja particular, ou diocese, era a comunidade
cristã liderada pelo seu bispo, segundo a tradição, herdeiros da sucessão apostólica.
Na medida em que a Igreja se expandia ao se organizar, a sucessão apostólica adquiriu
um significado mais técnico ao tomar uniformidade pela sucessão dos bispos católicos, o que
levou ao convencimento de que os bispos eram os guardiões “infalíveis” da pregação
apostólica. Em face disso, somente a hierarquia da Igreja, ao se autoproclamar como sendo
auxiliada pelo Espírito Santo, era a depositária dos ensinamentos da verdadeira fé. Daí, a
indispensabilidade posta aos cristãos de se unirem àqueles que não se separaram da sucessão
original. Assim sendo, o bispo garantia à igreja particular o seu caráter de apostolicidade e a
sua relação com a totalidade da Igreja. O que explica no Ocidente a consolidação do respeito
comum pela sede de Roma como a primaz, e da sucessão petrina nessa cidade (TREVIJANO,
2002; DENZINGER, 2007).
Na necessidade de legitimar essa organização hierárquica, geopolítica e teológica da
universalidade da Igreja, destaque teve a eclesiologia de Santo Agostinho que definiu a Igreja
como sendo a “Cidade de Deus”, e deveria ser constituída por homens santificados (A
Instrução aos Catecúmenos, 16, 25; 20,36). Essa conquista, para Santo Agostinho, passava por
uma proposta educacional universal, em que a Igreja era o espaço privilegiado para esse fim,
ou seja, à reforma dos costumes, a partir de uma formação moral:
Esta Igreja católica – vigorosa e extensivamente espalhada por todo o orbe da terra – serve-se de todos os que erram, para o seu próprio proveito e também para a correção deles – uma vez que se resolvam a despertar de seus erros. Aproveita-se dos pagãos, para campo de sua transformação; dos hereges, para prova de sua doutrina; dos cismáticos, para documento de sua estabilidade; dos judeus para realce de sua formosura. [...] Contudo, a todos dá a possibilidade de receber a sua graça, quer tenham de ser formados, reformados, reunidos ou admitidos” (A Verdadeira Religião, prol., 6, 10).
Essa universalidade da Igreja foi traduzida por ele como “Cidade de Deus”:
A casa do Senhor, a Cidade de Deus, a saber, a Igreja... (A Cidade de Deus, VIII, 24, 2). A Cidade de Deus, quer dizer, a Igreja... (A Cidade de Deus, XIII, 16, 1).
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Viemos também a conhecer outra mãe, a Jerusalém celeste, a santa Igreja. Uma porção dela peregrina na terra (Comentário aos Salmos, 26, II, 18). Uma vez, porém, que está claro ser Sião a cidade de Deus, qual é a cidade de Deus, senão a santa Igreja? Os homens que se amam mutuamente e que amam Deus, que neles habita, constituem a cidade de Deus (Comentário aos Salmos, 98, 4).
Assim definida, a Igreja era o espaço qualificado onde os homens poderiam encontrar
com segurança o conhecimento da verdade, necessária para a obtenção da “cidadania celeste”,
posto que, se a purificação constituía-se em uma dificuldade, cabia à ela ser o ambiente
propício para facilitar esse processo. Desse modo, a perfeição não estaria circunscrita a círculos
intelectuais, mas se situava em um espaço místico, tal qual o dos “heróis” do cristianismo, os
Apóstolos (A Instrução aos Catecúmenos, 23, 42).
Com essa argumentação Santo Agostinho atribuiu à Igreja o status de ser o único locus
educativo:
… dos nos engendraron para la muerte, dos nos engendraron para la vida. Los padres que nos engendraran para la muerte son Adán y Eva; los padres que nos engendraron para la vida son Cristo y la Iglesia… (Sermones, 22,10).
... no sólido alicerce da fé simbolizado pela pedra, isto é, a Igreja católica, da qual está escrito: e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mt 16, 18) [...] Os que crêem na ressurreição, mas não estão na Igreja católica, e sim em alguma heresia ou cisma, vêem as costas de Cristo, porém, não de um lugar junto dele (A Trindade, II, 17, 28.30).
Em suma, conclui-se que, ao tempo em que Santo Agostinho relata as transformações
por que passava a sociedade “pagã”, aponta o encaminhamento para organização de uma
sociedade cristã. Mas isto somente era possível por meio de um novo espaço educativo, a
saber, a “Cidade de Deus”, ou seja, a “Igreja”. Motivo de ter exortado que o afastamento desse
magistério, teria como resultado o homem negado, inapto à “cidadania celeste”, isto é, não
seria “perfeitamente” formado, portanto, não qualificado à santificação.
Nesse momento de profundas transformações sociais, Santo Agostinho concebeu
novos valores formativos o que lhe conferiu o papel de pedagogo da cristandade.
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Notas
(1) Antes de sua conversão, Santo Agostinho foi professor de retórica em sua cidade natal,
Tagaste (na província romana da Numídia, África) e com sua ascensão profissional lecionou
em cidades mais significativas do Império: Cartago, Roma e, por fim, Milão, em 384, onde
assumiu a Cátedra Municipal de Retor. Em sua formação sentiu-se atraído pela filosofia após a
leitura de Cícero. Posteriormente, deixou-se envolver pelo maniqueísmo, e mais tarde, pelo
neoplatonismo. Sua conversão ocorreu em Milão, após seus contatos e amizade – motivados
por disputas retóricas – com o bispo da cidade, Ambrósio (333?-397), cuja eloqüência
evangelizadora o conquistara. Com isso, sua ação no cristianismo, sustentada em sua
notoriedade intelectual, o levou à sua sagração como bispo de Hipona, em 395. Além de sua
autobiografia, as Confissões, vale a pena conferir a Vida de Santo Agostinho (Vita Augustini)
que traz o relato de sua vida na versão de Possídio – que foi seu aluno. Para uma biografia mais
detalha ver: Peter Brown, Santo Agostinho: uma biografia, Rio de Janeiro: Record, 2005.
(2) Cf. PIRATELI, Marcos Roberto. A Humanitas em Santo Agostinho, ou como santificar o
Homem nas ruínas do Império Romano. 226 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Estadual de Maringá. Orientador: José Joaquim Pereira Melo. Maringá, 2006;
PEREIRA MELO, José Joaquim; PIRATELI, Marcos Roberto (orgs.). Ensaios sobre o
Cristianismo na Antigüidade: História, Filosofia e Educação. Maringá,PR: Eduem, 2006.
(3) O termo “Padre” era um título atribuído aos mestres que iniciavam e educavam um
discípulo em filosofia ou religião, até mesmo antes da era cristã, e que, com o
desenvolvimento da hierarquia eclesiástica acabou por ser aplicado aos bispos ou
sacerdotes, superiores monásticos e leigos intelectuais; a partir daí, por Padres da Igreja
entendem-se escritores eclesiásticos da Antiguidade cristã que foram tidos pelo
cristianismo como as testemunhas “autorizadas” da fé, cuja particularidade se dava em sua
ortodoxia, santidade de vida e aprovação da Igreja e antigüidade (QUASTEN, 2004).
(4) Cite-se, por exemplo, questões eclesiológicas defendidas pelo Papa Bento XVI quando
esteve no Brasil (2007, p. 48): “Mas tende confiança: a Igreja é santa e incorruptível. Dizia
santo Agostinho: ‘Vacilará a Igreja se vacila o seu fundamento, mas poderá talvez Cristo
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vacilar? Visto que Cristo não vacila, a Igreja permanecerá intacta até o fim dos tempos’ (En. in
Psal., 103,2,5)”; ou ainda: “Uma Igreja inteiramente animada e mobilizada pela caridade de
Cristo, Cordeiro imolado por amor, é a imagem histórica da Jerusalém celeste, antecipação da
Cidade Santa, resplandecente da glória de Deus” (Ibid., p. 93-94). Cf. também o texto
Istruzione sullo studio dei Padri della Chiesa nella formazione sacerdotale da Congregazione
per l'Educazione Cattolica.
(5) A característica fundamental de sua escrita estava em seu método ser produto da retórica,
arte da qual foi mestre por mais de dez anos como professor em ambientes “pagãos” e que,
sem dúvida, também esteve presente quando se lançou na construção de uma cultura cristã.
“No sólo poseía Agustín plenamente la cultura literaria propria de los hombres cultos de su
tiempo, sino que además dominaba magistralmente la palabra y la pluma, y de un modo
absoluto los resortes de la retórica, como la antítesis, la metáfora, los juegos de palabras y de
ideas” (ALTANER, 1962, p. 403). Vale destacar que sua obra assumiu proporção quantitativa
e qualitativa, composta de diálogos, comentários, epístolas, sermões e tratados (TRAPÈ,
2007).
Referências
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