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A TEORIA DISCURSIVA DE JÜRGEN HABERMAS E SUA INFLUÊ NCIA NA
CIÊNCIA JURÍDICA
NOGUEIRA, Pedro Ribeiro Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-Moc
Mestrando em História - UNIMONTES
PEREIRA, Ana Flávia Loyola Antunes Advogada. Mestre em Direito Público pela PUC-MINAS.
Docente das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-Moc.
INTRODUÇÃO
Modernamente o Direito é o meio pelo qual o Estado alcança a coerção e aplicação de regras
que servem para guiar a ação dos indivíduos e determinar como haverá a solução de conflitos dentro da
vida societária.
Esta coordenação pela instrução, coerção e solução de conflitos é o fim último da ciência
jurídica, que aparece inserido em uma crise conceitual, ponto central das discussões empreendidas na
Filosofia do Direito, qual seja a legitimidade das leis.
A justificação tradicional vinculada vezes à positivação normativa, vezes à subjetividade, é
responsável por uma insuficiência conceitual e, em dados momentos históricos à perpetração de regimes
totalitários. É neste cenário de crise que Habermas apresenta sua teoria calcada no discurso, buscando
investigar em que as justificações tradicionais não prosperavam e como seria uma nova teoria que
reunisse a controvérsia da moral do sujeito cognoscente a ética normativa em uma atmosfera conceitual
homogênea.
Habermas, ao criticar as formas de exercício da jurisdição constitucional quase sempre dirigida
em relação à distribuição de competências entre legislador democrático e justiça apresenta uma inovadora
concepção, no horizonte de entendimentos filosóficos acerca do conceito de justiça e sua validade como
instância reguladora da vida social, sendo importante tal análise no campo de discussão proposta pelo I
Congresso Norte Mineiro de Direito Constitucional – Separação dos Poderes, vez que a seara da Filosofia
do Direito possui a tarefa de elucidar em que noções o Direito se sustenta e, desta forma, apontar a sua
legitimidade.
Objetiva-se, neste artigo, discursar a teoria discursiva de Habermas como uma inovadora
concepção, no horizonte de entendimentos filosóficos acerca do conceito de justiça e sua validade como
instância reguladora da vida social.
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DESENVOLVIMENTO
O questionamento sobre a validade do Direito tem sido desde a Antiguidade o ponto central da
discussão atinente à Filosofia do Direito. Desde a Antiguidade Clássica a fundamentação teórica do
Direito tem sido buscada, vez que se apresenta como uma questão fundamental para a Filosofia do
Direito. Platão, Kant, Hegel e vários outros pensadores apontaram direções para o pensamento de como o
Direito seria meio da realização do justo, lançando mão de teorias que são, generalizadamente, orientadas
por três grandes vertentes: “O bem se exprime no cosmo, corporifica-se no ethos de uma comunidade
humana ou consiste na disposição moral de um eu inteligível?” (HABERMAS, 2004, p. 267).
Da análise da interrogação habermasiana há a possibilidade de compreender a moralidade, como
sendo intrínseca ao ethos de uma comunidade, expressa como uma lei natural ou referente à consciência
humana e sua faculdade moral.
Muito embora a disputa entre o jusnaturalismo e o juspositivismo seja por vezes declarada
superada, o embate permanece e é frequentemente revivido. É neste aspecto que a presente pesquisa
emprega o método dedutivo, mediante procedimento exploratório bibliográfico, para discursar sobre a
forma com que esta disputa renasce, representada por teorias que visam abarcar interpretações atualizadas
desta dualidade.
O positivismo jurídico descarta a noção de que a ordem jurídica seria emanada da natureza ou
de alguma ordem metafísica. Kelsen (1998) demonstra como o Direito Natural seria superior e da mesma
forma incoerente, vez que as leis da natureza se apresentam causais, enquanto que as normas jurídicas são
vinculadas a uma imposição que não tem este caráter causal. Isto é, enquanto as leis naturais são
determinadas pela causa e efeito intransgressíveis e inatas, as leis jurídicas, o Direito positivo, dependem
da determinação de tais normas, além de serem passíveis de transgressão.
Em razão das veementes críticas, o embate entre positivismo e naturalismo jurídico, até então
considerado superado pela filosofia de Kelsen, ressurge, apresentando posturas de ambos os lados: os
positivistas tiveram que formular posicionamentos teóricos que defendessem suas filosofias, mas que não
fundamentassem os crimes bárbaros e a ditadura; e os naturalistas renovaram suas teorias, há muito
consideradas declinadas, a fim de oporem-se efetivamente ao positivismo.
Neste cenário, a ‘virada linguística’ dá espaço ao desenvolvimento de teorias completamente
renovadas acerca da moralidade e da fundamentação do direito. A linguagem como foco no debate
filosófico, situada na posição que Descartes atribuía à teoria do conhecimento e que os gregos atribuíam
ao cosmos, é o cenário em que Habermas desenvolveu teorias atinentes à sociedade, moralidade e direito.
A teoria habermasiana da ação comunicativa apresenta uma mudança paradigmática na compreensão da
legitimação do Direito, mas tal mudança não configura um completo desenlace com teorias do passado,
sendo Habermas um herdeiro da filosofia de kantiana.
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Kant (2002) se situa no âmbito de filósofos que desenvolveram a filosofia da moralidade e
justiça como um dos pensadores responsáveis por atribuir à moralidade um caráter subjetivo, calcado na
autonomia do sujeito de legislar sua própria conduta a partir de uma disposição moral apriorística. A
crítica da razão prática é construída em torno da ideia de que haja uma razão prática a que a razão pura
seja capaz de fornecer um princípio que determine a vontade. A razão pura seria a faculdade da
consciência capaz de fornecer à razão prática uma fundamentação para a ação moral a partir de
proposições fundamentais que determinem o agir. Imediata a esta noção está a de liberdade, posto que o
sujeito seria capaz de alcançá-la a partir da auto-legislação de suas condutas, compreendendo autonomia
enquanto capacidade de que a razão tem de gerar ações partindo de uma lei inata, ou apriorística, a qual se
denomina ‘imperativo categórico’. Tal denominação não é aleatória, uma vez que é demonstrado que
imperativo se distingue de lei, já que os humanos não seriam completamente determinados pela razão,
mas também por suas inclinações emocionais; e categórico por possuir um caráter de ordem incondicional
da vontade.
Seguindo seus passos, Habermas (1992) identifica as três formas de articulação da razão prática:
pragmático, ético e moral. A razão pragmática distingue-se das demais por ser movimentada de acordo
com o que o objetivo pretendido pelo sujeito, determinado, desta forma, pela finalidade.
Há, ainda, os casos em que a razão depara-se com decisões mais complexas, atingindo a esfera
da ética, referindo-se então a decisões que sejam relevantes ao modo de vida e objetivo de vida de um
sujeito (HABERMAS, 1992, p. 292). Por fim, a esfera moral aparece quando as ações do sujeito são
determinadas por afetar interesses de outrem. Nesta esfera, é possível e plausível o surgimento de
conflitos. Quando se busca dirimi-los, a razão prática será do uso moral, conquanto seja regulado de
forma imparcial. É desta forma que surge dentro do escopo do uso moral da razão prática o conceito de
justiça, posto que a partir desta possa surgir soluções de conflitos de forma imparcial pelo intermédio da
linguagem racionalmente orientada.
Ao fazer esta ruptura com a razão prática, Habermas (2003) aponta como que a razão
comunicativa não é inserida ou dependente de nenhum ente sociopolítico, mas possível pela existência de
uma mediação comunicativa, que é o ‘médium linguístico’. A razão comunicativa distingue-se da razão
prática por não estar adscrita a nenhum ator singular “[...] nem a um macrossujeito sociopolítico. O que
torna a razão comunicativa possível é o medium lingüístico, através do qual as interações se interligam e
as formas de vida se estruturam” (HABERMAS, 2003, p. 20).
Kant (2002) pretendia em sua filosofia desenvolver um caráter universalista da moral, situando
no sujeito uma aplicação oponível a todos os humanos. O projeto habermasiano, sendo também de
pretensão universalista, tem como ponto central a verificação racional de validade das normas para que
estas se mostrem legítimas. Deste modo, a validade de uma norma consiste no fato de merecer
reconhecimento, demonstrado pelo discurso. “Uma norma em vigor merece reconhecimento porque e na
medida em que seria aceita, ou seja, reconhecida como válida nas condições (aproximadamente) ideais de
justificação” (HABERMAS, 2004, p. 52-53).
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Portanto, para Habermas o projeto kantiano de universalização moral deve ser alcançado através
da linguagem e este, em alguma medida, está inserido nas comunidades, uma vez que as normas de tais
comunidades dependem da capacidade das normas validarem-se e mostrarem-se relevantes de forma
racional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se, portanto, que Habermas quebra com a moral tradicional - que era compreendida
como um conjunto normativo referente a um grupo social - bem como com a moral metafísica, emanada
de uma ordem superior à da humana, para entender a moral como uma dialética racional e
democraticamente construída. Com efeito, a ética do discurso se difere das demais éticas universais de
princípios, pelo fato de não reivindicar a “[...] capacidade de poder deduzir de seu princípio, suposto
como válido universalmente, normas ou valores da moral ou do direito, também válidas universalmente
para as situações históricas” (HERRERO, 2002, p. 77).
Entretanto, ressalta-se, que a ética habermasiana, pautada no discurso, não pressupõe a garantia
de solução de todos os conflitos que possam ocorrer. A apresentação de argumentação racional para cada
litígio é uma importante característica da ética discursiva, mas Habermas não afirma que esta simples
característica seria, por si só, capaz de dirimir os conflitos advindos da vida em sociedade, uma vez que a
coerção não está pressuposta na simples argumentação, considerando ser necessário que sejam
institucionalizados os discursos reais: “é preciso que o processo de formação discursiva da vontade
comum seja institucionalizado num procedimento legítimo de instauração do Direito” (HERRERO, 2002,
p. 81), sendo, portanto, o Direito compreendido como “[...] uma ferramenta capaz de assegurar a
convivência mediante acordos e sanções racionalmente estruturados. Novamente, é a institucionalização
do discurso que se tornará a primeira fonte de aplicação do Direito” (HERRERO, 2002, p. 81). Assim,
resta evidente da análise do arcabouço teórico habermasiano que a busca por um liame entre a ciência
jurídica e o poder político não deve ser entendida como guiada em direção à contradição entre a realidade
e as leis. Investigar a tensão que se insere no direito entre a realidade factual e a pretensão de validade das
normas, bem como a tensão entre os tipos de autonomia anteriormente tratados, se faz primordial, uma
vez que o Estado de direito se organiza juridicamente pelo exercício que a própria organização jurídica.
REFERÊNCIAS
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. In: Dialética e Liberdade. E. Stein, (org). Porto Alegre, Petrópolis, 1992.
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