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ANAIS - I Congresso Norte Mineiro de Direito Constitucional - Outubro de 2015 – ISSN 2447-3251- Montes Claros, MG-p. 1

A TEORIA DISCURSIVA DE JÜRGEN HABERMAS E SUA INFLUÊ NCIA NA

CIÊNCIA JURÍDICA

NOGUEIRA, Pedro Ribeiro Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-Moc

Mestrando em História - UNIMONTES

PEREIRA, Ana Flávia Loyola Antunes Advogada. Mestre em Direito Público pela PUC-MINAS.

Docente das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – FIP-Moc.

INTRODUÇÃO

Modernamente o Direito é o meio pelo qual o Estado alcança a coerção e aplicação de regras

que servem para guiar a ação dos indivíduos e determinar como haverá a solução de conflitos dentro da

vida societária.

Esta coordenação pela instrução, coerção e solução de conflitos é o fim último da ciência

jurídica, que aparece inserido em uma crise conceitual, ponto central das discussões empreendidas na

Filosofia do Direito, qual seja a legitimidade das leis.

A justificação tradicional vinculada vezes à positivação normativa, vezes à subjetividade, é

responsável por uma insuficiência conceitual e, em dados momentos históricos à perpetração de regimes

totalitários. É neste cenário de crise que Habermas apresenta sua teoria calcada no discurso, buscando

investigar em que as justificações tradicionais não prosperavam e como seria uma nova teoria que

reunisse a controvérsia da moral do sujeito cognoscente a ética normativa em uma atmosfera conceitual

homogênea.

Habermas, ao criticar as formas de exercício da jurisdição constitucional quase sempre dirigida

em relação à distribuição de competências entre legislador democrático e justiça apresenta uma inovadora

concepção, no horizonte de entendimentos filosóficos acerca do conceito de justiça e sua validade como

instância reguladora da vida social, sendo importante tal análise no campo de discussão proposta pelo I

Congresso Norte Mineiro de Direito Constitucional – Separação dos Poderes, vez que a seara da Filosofia

do Direito possui a tarefa de elucidar em que noções o Direito se sustenta e, desta forma, apontar a sua

legitimidade.

Objetiva-se, neste artigo, discursar a teoria discursiva de Habermas como uma inovadora

concepção, no horizonte de entendimentos filosóficos acerca do conceito de justiça e sua validade como

instância reguladora da vida social.

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DESENVOLVIMENTO

O questionamento sobre a validade do Direito tem sido desde a Antiguidade o ponto central da

discussão atinente à Filosofia do Direito. Desde a Antiguidade Clássica a fundamentação teórica do

Direito tem sido buscada, vez que se apresenta como uma questão fundamental para a Filosofia do

Direito. Platão, Kant, Hegel e vários outros pensadores apontaram direções para o pensamento de como o

Direito seria meio da realização do justo, lançando mão de teorias que são, generalizadamente, orientadas

por três grandes vertentes: “O bem se exprime no cosmo, corporifica-se no ethos de uma comunidade

humana ou consiste na disposição moral de um eu inteligível?” (HABERMAS, 2004, p. 267).

Da análise da interrogação habermasiana há a possibilidade de compreender a moralidade, como

sendo intrínseca ao ethos de uma comunidade, expressa como uma lei natural ou referente à consciência

humana e sua faculdade moral.

Muito embora a disputa entre o jusnaturalismo e o juspositivismo seja por vezes declarada

superada, o embate permanece e é frequentemente revivido. É neste aspecto que a presente pesquisa

emprega o método dedutivo, mediante procedimento exploratório bibliográfico, para discursar sobre a

forma com que esta disputa renasce, representada por teorias que visam abarcar interpretações atualizadas

desta dualidade.

O positivismo jurídico descarta a noção de que a ordem jurídica seria emanada da natureza ou

de alguma ordem metafísica. Kelsen (1998) demonstra como o Direito Natural seria superior e da mesma

forma incoerente, vez que as leis da natureza se apresentam causais, enquanto que as normas jurídicas são

vinculadas a uma imposição que não tem este caráter causal. Isto é, enquanto as leis naturais são

determinadas pela causa e efeito intransgressíveis e inatas, as leis jurídicas, o Direito positivo, dependem

da determinação de tais normas, além de serem passíveis de transgressão.

Em razão das veementes críticas, o embate entre positivismo e naturalismo jurídico, até então

considerado superado pela filosofia de Kelsen, ressurge, apresentando posturas de ambos os lados: os

positivistas tiveram que formular posicionamentos teóricos que defendessem suas filosofias, mas que não

fundamentassem os crimes bárbaros e a ditadura; e os naturalistas renovaram suas teorias, há muito

consideradas declinadas, a fim de oporem-se efetivamente ao positivismo.

Neste cenário, a ‘virada linguística’ dá espaço ao desenvolvimento de teorias completamente

renovadas acerca da moralidade e da fundamentação do direito. A linguagem como foco no debate

filosófico, situada na posição que Descartes atribuía à teoria do conhecimento e que os gregos atribuíam

ao cosmos, é o cenário em que Habermas desenvolveu teorias atinentes à sociedade, moralidade e direito.

A teoria habermasiana da ação comunicativa apresenta uma mudança paradigmática na compreensão da

legitimação do Direito, mas tal mudança não configura um completo desenlace com teorias do passado,

sendo Habermas um herdeiro da filosofia de kantiana.

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Kant (2002) se situa no âmbito de filósofos que desenvolveram a filosofia da moralidade e

justiça como um dos pensadores responsáveis por atribuir à moralidade um caráter subjetivo, calcado na

autonomia do sujeito de legislar sua própria conduta a partir de uma disposição moral apriorística. A

crítica da razão prática é construída em torno da ideia de que haja uma razão prática a que a razão pura

seja capaz de fornecer um princípio que determine a vontade. A razão pura seria a faculdade da

consciência capaz de fornecer à razão prática uma fundamentação para a ação moral a partir de

proposições fundamentais que determinem o agir. Imediata a esta noção está a de liberdade, posto que o

sujeito seria capaz de alcançá-la a partir da auto-legislação de suas condutas, compreendendo autonomia

enquanto capacidade de que a razão tem de gerar ações partindo de uma lei inata, ou apriorística, a qual se

denomina ‘imperativo categórico’. Tal denominação não é aleatória, uma vez que é demonstrado que

imperativo se distingue de lei, já que os humanos não seriam completamente determinados pela razão,

mas também por suas inclinações emocionais; e categórico por possuir um caráter de ordem incondicional

da vontade.

Seguindo seus passos, Habermas (1992) identifica as três formas de articulação da razão prática:

pragmático, ético e moral. A razão pragmática distingue-se das demais por ser movimentada de acordo

com o que o objetivo pretendido pelo sujeito, determinado, desta forma, pela finalidade.

Há, ainda, os casos em que a razão depara-se com decisões mais complexas, atingindo a esfera

da ética, referindo-se então a decisões que sejam relevantes ao modo de vida e objetivo de vida de um

sujeito (HABERMAS, 1992, p. 292). Por fim, a esfera moral aparece quando as ações do sujeito são

determinadas por afetar interesses de outrem. Nesta esfera, é possível e plausível o surgimento de

conflitos. Quando se busca dirimi-los, a razão prática será do uso moral, conquanto seja regulado de

forma imparcial. É desta forma que surge dentro do escopo do uso moral da razão prática o conceito de

justiça, posto que a partir desta possa surgir soluções de conflitos de forma imparcial pelo intermédio da

linguagem racionalmente orientada.

Ao fazer esta ruptura com a razão prática, Habermas (2003) aponta como que a razão

comunicativa não é inserida ou dependente de nenhum ente sociopolítico, mas possível pela existência de

uma mediação comunicativa, que é o ‘médium linguístico’. A razão comunicativa distingue-se da razão

prática por não estar adscrita a nenhum ator singular “[...] nem a um macrossujeito sociopolítico. O que

torna a razão comunicativa possível é o medium lingüístico, através do qual as interações se interligam e

as formas de vida se estruturam” (HABERMAS, 2003, p. 20).

Kant (2002) pretendia em sua filosofia desenvolver um caráter universalista da moral, situando

no sujeito uma aplicação oponível a todos os humanos. O projeto habermasiano, sendo também de

pretensão universalista, tem como ponto central a verificação racional de validade das normas para que

estas se mostrem legítimas. Deste modo, a validade de uma norma consiste no fato de merecer

reconhecimento, demonstrado pelo discurso. “Uma norma em vigor merece reconhecimento porque e na

medida em que seria aceita, ou seja, reconhecida como válida nas condições (aproximadamente) ideais de

justificação” (HABERMAS, 2004, p. 52-53).

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Portanto, para Habermas o projeto kantiano de universalização moral deve ser alcançado através

da linguagem e este, em alguma medida, está inserido nas comunidades, uma vez que as normas de tais

comunidades dependem da capacidade das normas validarem-se e mostrarem-se relevantes de forma

racional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se, portanto, que Habermas quebra com a moral tradicional - que era compreendida

como um conjunto normativo referente a um grupo social - bem como com a moral metafísica, emanada

de uma ordem superior à da humana, para entender a moral como uma dialética racional e

democraticamente construída. Com efeito, a ética do discurso se difere das demais éticas universais de

princípios, pelo fato de não reivindicar a “[...] capacidade de poder deduzir de seu princípio, suposto

como válido universalmente, normas ou valores da moral ou do direito, também válidas universalmente

para as situações históricas” (HERRERO, 2002, p. 77).

Entretanto, ressalta-se, que a ética habermasiana, pautada no discurso, não pressupõe a garantia

de solução de todos os conflitos que possam ocorrer. A apresentação de argumentação racional para cada

litígio é uma importante característica da ética discursiva, mas Habermas não afirma que esta simples

característica seria, por si só, capaz de dirimir os conflitos advindos da vida em sociedade, uma vez que a

coerção não está pressuposta na simples argumentação, considerando ser necessário que sejam

institucionalizados os discursos reais: “é preciso que o processo de formação discursiva da vontade

comum seja institucionalizado num procedimento legítimo de instauração do Direito” (HERRERO, 2002,

p. 81), sendo, portanto, o Direito compreendido como “[...] uma ferramenta capaz de assegurar a

convivência mediante acordos e sanções racionalmente estruturados. Novamente, é a institucionalização

do discurso que se tornará a primeira fonte de aplicação do Direito” (HERRERO, 2002, p. 81). Assim,

resta evidente da análise do arcabouço teórico habermasiano que a busca por um liame entre a ciência

jurídica e o poder político não deve ser entendida como guiada em direção à contradição entre a realidade

e as leis. Investigar a tensão que se insere no direito entre a realidade factual e a pretensão de validade das

normas, bem como a tensão entre os tipos de autonomia anteriormente tratados, se faz primordial, uma

vez que o Estado de direito se organiza juridicamente pelo exercício que a própria organização jurídica.

REFERÊNCIAS

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. In: Dialética e Liberdade. E. Stein, (org). Porto Alegre, Petrópolis, 1992.

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HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2004. HERRERO, Francisco Javier. Ética na construção da política. In: Ética, Política e Cultura. Ivan Domingues, Paulo Roberto Margutti pinto, Rodrigo Duarte (org). Belo Horizonte: editora UFMG, 2002. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática; tradução com introdução e notas de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002. KELSEN, Hans. A ilusão da justiça. 2. ed. Tradução de Sérgio Tellaroli, São Paulo: Martins fontes, 1998. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. Tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 1998.


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