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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
EMMANUEL PINTO MONTEIRO
A PARTICIPAÇÃO ELEITORAL COMO FORMA DE
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA NA GUINÉ-BISSAU
ARARAQUARA – S.P.
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
EMMANUEL PINTO MONTEIRO
A PARTICIPAÇÃO ELEITORAL COMO FORMA DE
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA NA GUINÉ-BISSAU
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da Faculdade de Ciências e Letras –
UNESP/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais.
Linha de pesquisa: Estado, Sociedade e
Políticas Públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa
Miceli Kerbauy
Bolsa: CAPES
ARARAQUARA – S.P.
2020
Monteiro, Emmanuel Pinto.
A Participação Eleitoral Como Forma de Consolidação da
Democracia Na Guiné-Bissau/ Emmanuel Pinto Monteiro.
–2020.138 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de
Ciências e Letras (Campus Araraquara)
Orientador: Prof.ª Dr.ª. Maria Teresa Miceli Kerbauy.
1. Monteiro, Emmanuel Pinto. I. Titulo
EMMANUEL PINTO MONTEIRO
A PARTICIPAÇÃO ELEITORAL COMO FORMA DE
CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA NA GUINÉ-BISSAU
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós–Graduação em Ciências
Sociais da Faculdade de Ciências e Letras –
UNESP/Campus de Araraquara, como
requisito para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
Linha de pesquisa: Estado, Sociedade e
Políticas Públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa
Miceli Kerbauy.
Bolsa: CAPES.
ARARAQUARA, 29 DE MAIO DE 2020.
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de
Ciências e Letras (Campus de Araraquara).
Membro Titular: Prof.º Dr. Milton Lahuerta.
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências
e Letras (Campus de Araraquara).
Membro Titular: Prof.ª Dra. Lucileia Colombo Universidade Federal de Alagoas
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Raimundo Xavier Monteiro e Leopoldina Pinto
Cassama. Aos meus irmãos, Adelaide E. F. Monteiro, Laerth Laserino Pinto Monteiro e
sua esposa Naila Provenzano e Greezela Pinto Monteiro.
À minha esposa Erica Moreira Costa Borges.
Ao Chefe do Departamento de Estatística e Informática da Comissão Nacional
de Eleição da Guiné-Bissau, Braima Turé.
À Secretária Executiva do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau, Sra.
Suzi Paula Semedo da Luz Matos.
Ao Diretor do Instituto Nacional da Meteorologia da Guiné-Bissau, Dr. João
Lona Tchedna, e a sua equipe: Alfredo Spencer, Abu Sambu, Domingos Baptista,
Mamadu Djau, Mario Baptista Biague.
À minha tia, Nicandria Elizabeth Da Costa.
Aos amigos Luis Mendes, Sumbunhe Nfanda e sua esposa Aline Cristina
Adriano Nfanda, Gabriela Reis e sua mãe Rita Reis.
Aos cunhados: Osvaldo Vamain e Necely Costa Moreira Borges Carvalho e seu
esposo Celedonio Sanha Carvalho.
À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy, pela atenção,
compreensão e, sobretudo, pela orientação.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
Durante toda a minha vida dediquei-me a esta luta do povo africano.
Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra.
Acarinhei sempre o ideal de uma sociedade livre e democrática em
que todas as pessoas possam viver juntas em harmonia e com iguais
oportunidades. É um ideal pelo qual tenho esperança de viver e
realizar. Mas, se tal for necessário, é um ideal pelo qual estou disposto
a morrer.
(Mandela, 1964)
Entendo que para se desenvolver e crescer como um país há que se
submeter a certos desalentos, desde que sirvam para conquista de algo
maior ou para atingir um propósito maior. (Frase do Autor).
Resumo
Situada na costa ocidental da África, a Guiné-Bissau entra na onda
democrática a partir de 1994, com a realização da primeira eleição livre e transparente
após mais de 20 anos sob a governança de um partido único. Com a democracia em
curso, a Guiné-Bissau conheceu vários períodos de instabilidade política governativa
que impossibilitou o término dos mandatos ou legislaturas. De outro lado, a
instabilidade inviabilizou a realização de objetivos de desenvolvimento e redução de
pobreza.
Nesse contexto político e social marcado por disputas políticas, a participação,
seja em canais de decisão ou do ponto de vista de comparecimento às votações tendem a
ser prejudicadas.
É, nesse sentido, que o objetivo deste estudo é analisar o comportamento da
participação eleitoral no período de 1994, com a realização da primeira eleição geral, a
de 2014. De modo que o foco principal da análise está centrado nas eleições para o
cargo de Presidente da República e para o Legislativo. Esse objetivo justifica-se pela
importância do fenômeno da participação eleitoral, dentro da jovem democracia
guineense, para a consolidação de um sistema representativo multipartidário. Para
consecução do objetivo foram adotadas referências teóricas sobre democracia
representativa e neoinstitucionalismo, sistemas partidários e eleitorais. Por ser
importante o período da transição política guineense, o estudo enfatiza o contexto
político e econômico que marcou essa transição e apresenta as tipologias do sistema
eleitoral, com ênfase no sistema eleitoral e partidário da Guiné-Bissau, em que destaca a
lei eleitoral nº 10/2013 e a Constituição da República de 1996.
Palavras-chave: Democracia; Participação; Transição; Sistema Eleitoral; Sistema
Partidário.
Abstract
Located on the West African coast, Guinea-Bissau has entered the democratic
wave since 1994 (20th century) with the first free and transparent election after more
than 20 years under single-party governance. With underway democracy, Guinea-
Bissau experienced several periods of governmental political instability that made
impossible the end of several mandates or legislatures. On the other hand, instability
made it impossible the achievement of the development goals and poverty reduction.
In this political and social context marked by political dispute, the
participation, whether in decision-making channels or in terms of attendance tends to be
harmed.
It is in this sense that the main goal of this study is to analyze the electoral participation
behavior in the 1994 period with the first election in 2014. The main focus of the
analysis centers in the elections for the office for the Presidency of the Republic and for
the Legislative positions. This goal is due to: the importance of the electoral partition
phenomenon within the young Guinean democracy in the consolidation of the
multiparty representative system. In order to achieve the objective of the study,
theoretical references on representative democracy and neo-institutionalism, party and
electoral systems were adopted. Due to the importance of the period of the Guinean
political transition, the study emphasizes the political and economic contexts that
marked the transition and presents the typologies of the electoral system with an
emphasis on Guinea Bissau's electoral and party system in which highlights the
electoral law No. 10/2013 and the 1996 constitution of the Republic.
Keywords: Democracy; Participation; Transition; Electoral System; Party System.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Liberalização, Inclusividade e Democratização.............................................. 22
Figura 2: Mapa da Guiné- Bissau ................................................................................... 28
Figura 3: Mapa Geopolítico do Reino de Kaabu ............................................................ 38
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Dados Gerais Populacionais. ......................................................................... 82
Tabela 2 - Votos Eleições Legislativas - 1994-2014 ...................................................... 82
Tabela 3 - Partidos Políticos e Eleição Legislativa ........................................................ 83
Tabela 4 - Eleição Legislativa de 1994 .......................................................................... 88
Tabela 5 – Eleição Legislativa de 1999 .......................................................................... 91
Tabela 6 - Eleição Legislativa de 2004 .......................................................................... 93
Tabela 7 - Eleição legislativa de 2008. ........................................................................... 95
Tabela 8 – Eleição Legislativa de 2014 .......................................................................... 96
Tabela 9 - Eleições Presidenciais de 1994 a 2005 ........................................................ 106
Tabela 10 - Eleições Presidenciais de 2009 a 2014 ...................................................... 107
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Sistema Eleitoral Majoritário ....................................................................... 62
Quadro 2 - Sistema Eleitoral Misto ................................................................................ 62
Quadro 3 - Sistema Eleitoral Proporcional ..................................................................... 62
Quadro 4 - Participação e Comparecimento. Eleição de 1994 a 2014 ........................... 81
Quadro 5 - Partidos com a maior participação nas Legislativas..................................... 84
Quadro 6 - Círculos Eleitorais ...................................................................................... 122
Quadro 7 - Setor Autônomo de Bissau (SAB) ............................................................. 123
LISTA DE SIGLAS
BM Banco Mundial
CEDAO Comunidade dos Estados da África Ocidental
CEI Casa do Estudante do Império
CNE Comissão Nacional de Eleição
CODESRIA Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais na
África
FMI Fundo Monetário Internacional
GTAPE Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral
INE Instituto Nacional de Estatística
MUDJ Movimento de Unidade Democrática Juvenil
MING Movimento para Independência Nacional da Guiné
ONU Organização das Nações Unidas
OUA Organização da União Africana
PAIGC Partido Africano para independência da Guiné e Cabo Verde
PAICV Partido Africano para Independência de Cabo Verde
PAI Partido Africano da Independência
PALOP Países de Língua Oficial Portuguesa
PIDE Polícia Internacional de Defesa de Estado
RGP Recenseamento Geral da População
SAB Setor Autônomo de Bissau
STJ Supremo Tribunal de Justiça
SVT Sistema de Voto Transferível
UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Sumário
1. Introdução ................................................................................................................... 13
1.1 Objetivo .................................................................................................................... 17
1.2 Metodologia .............................................................................................................. 17
1.3 Coletas de Informação .............................................................................................. 18
1.4 Fundamentação Teórica ............................................................................................ 20
1.5 Estrutura da Dissertação ........................................................................................... 25
2. GUINÉ-BISSAU: DO IMPÉRIO À COLONIZAÇÃO ............................................. 27
2.1 Localização Geográfica da Guiné-Bissau................................................................. 27
2.2 Dos Grupos Étnicos .............................................................................................. 28
2.2.1 Fula ou Pulo ou Fulbe (Fulanis em Inglês, Peul em Francês) ............................... 30
2.2.2 Balantas ................................................................................................................. 31
2.2.3 Mandingas ............................................................................................................. 32
2.2.4 Manjaco, Mancanha e Pepel. ................................................................................. 32
2.2.4 Beafada .................................................................................................................. 33
2.2.5 Bijagós ................................................................................................................... 33
2.2.6 Felupe .................................................................................................................... 35
2.3 Do Império ao primeiro contato com os europeus ................................................... 35
2.4. Descobrimento e Colonização da Guiné-Bissau ..................................................... 38
3. A ABERTURA POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU: A TRANSIÇÃO ...................... 48
3.1. Da Teoria Sobre a Transição ................................................................................... 51
3.2. Do Conceito da Democracia .................................................................................... 54
3.3. Da Participação Política........................................................................................... 55
4. SISTEMA ELEITORAL: A LEI ELEITORAL Nº 10/2013 DE 25 DE SETEMBRO
........................................................................................................................................ 58
4.1. Tipologias do Sistema Eleitoral ............................................................................... 61
4.1.1 Sistema Eleitoral Majoritário............................................................................. 63
4.1.5 Sistema Eleitoral Misto ..................................................................................... 65
4.1.6 Sistema Eleitoral Proporcional .......................................................................... 67
4.2 Do Sistema Político .................................................................................................. 69
4.3 Sistema Político da Guiné-Bissau: Constituição da República da Guiné-Bissau ..... 73
4.3.1 Lei Eleitoral nº 10/2013 de 25 de Setembro ...................................................... 75
4.3.2 Da Estrutura e Processo Eleitoral às Discrepâncias dos Votos e Colégios
Eleitorais ..................................................................................................................... 76
5. AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS E PRESIDENCIAIS DE 1994 A 2014 ............... 79
5.1 Dos Dados Populacionais e Votos ............................................................................ 81
5.2 Os dois maiores Partidos Políticos: PAIGS e PRS ................................................... 83
5.3. Das Eleições Legislativas - 1994 a 2014 ................................................................. 85
5.4. Das Eleições Presidenciais - 1994 a 2014 ............................................................... 97
5.4.1 Do Comportamento Eleitoral................................................................................. 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 112
Anexo 1- Fotos dos Principais Grupos Étnicos da Guiné-Bissau. ............................... 116
Anexo 2 - Colégios Eleitorais ....................................................................................... 122
Anexo 3 - Lista dos Partidos Políticos da Guiné-Bissau (2019) .................................. 124
13
1. Introdução
É possível distinguir, na Guiné-Bissau, duas posições sobre a independência: os
que são contra ela e os que acham que com ela se revelou a própria face e essência da
cultura guineense. A segunda posição revela-se mais realista porque a identidade
guineense, por ser forte, tem como sua característica principal resistência e
insubordinação.
A população guineense, no passado, foi autônoma e independente por vários
motivos, dentre os quais se destaca a presença do reino de Kaabu e de impérios1, como
o do Mali, que nunca intimidaram a formação de grupos étnicos, com as suas culturas e
organização social, os quais persistem até hoje na Guiné-Bissau.
A presença de comércio e mercados locais é outro motivo que aponta para a
existência de uma complexa rede, na qual se articulavam várias produções locais. O
próprio Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), criado
em 19 de setembro de 1956 (Mendy, 1994; Cabral, 1979), beneficiou-se dessas
caraterísticas de cunho social ao estabelecer, por exemplo, a autonomia e independência
de ação e pensamento para conquistar o território de volta aos verdadeiros donos como
um de seus princípios norteadores. Existem outros fatores que reforçam e vitalizam
essas duas características, como a resistência social por exemplo. É importante ressaltar
essas características da sociedade tradicional guineense, já que elas contribuíram muito
para a resistência à colonização e na conquista da independência nacional. É essa
sociedade insubordinada e resistente que em 1994 realiza sua primeira eleição
democrática, com memória recente de golpes militares (14 de novembro de 1980) e
outras tentativas fracassadas de golpes, sem estrutura social preparada, liderado pelo
PAIGC incapaz de distinguir seu limite com o do Estado, monopolizando, assim, todos
os resultados eleitorais a seu favor, de 1994 a 2014, ficando fora do poder somente em
1999, quando o Partido da Renovação Social (PRS) vence a eleição geral (legislativa e
presidencial).
1 Na Antiguidade, o território do atual Mali foi sede de três grandes impérios da África Ocidental, que
controlavam o comércio de sal, ouro, matérias-primas e outros bens preciosos. Estes reinos careciam tanto
de fronteiras geopolíticas quanto de identidade étnica. O primeiro destes impérios foi o império de Gana,
fundada pelo povo soninquê, que falava a língua mandê. O reino expandiu-se por toda a África ocidental
desde o século VIII [...]. O império do Mali formou-se na parte superior do Rio Níger e chegou a sua
força máxima em meados do século XIV[...] O império entrou em declínio e, posteriormente, como
resultado de conflitos internos, acabou sendo substituído pelo Império Songai. O povo songai é originário
do noroeste da atual Nigéria, cujo império tinha sido, muito tempo, uma potência na África Ocidental sob
o controle do império do Mali. (Diabate, 2017, p.28).
14
A proposta deste trabalho é discutir a contribuição da participação eleitoral na
consolidação da recente democracia da Guiné-Bissau marcada por disputa de votos nas
eleições presidenciais e legislativas.
Sendo assim, o objetivo da pesquisa é analisar a contribuição da participação
eleitoral na perspectiva do comparecimento do cidadão guineense para escolha dos
representantes para o Legislativo e para o cargo da Presidência da República. Entende-
se que a análise da contribuição da participação no processo eleitoral, na escolha dos
representantes da nação pode contribuir de várias formas para um melhor entendimento
do avanço da democracia na Guiné-Bissau.
Na perspectiva social é importante analisar a contribuição da participação
eleitoral, porque fornece uma visão em relação a consciência eleitoral em assumir uma
responsabilidade ao encarar a participação como uma tomada de decisão na escolha de
seus candidatos. Do ponto de vista operativo, a participação configura uma tomada de
decisão como aponta Pateman (1992) ao abordar o sistema participativo de Rousseau:
A análise da operação do sistema participativo de Rousseau esclarece
dois pontos: em primeiro lugar, que, para Rousseau, a participação
acontece na tomada de decisão; em segundo lugar, que ela constitui,
como nas teorias do governo representativo, um modo de proteger os
interesses privados e de assegurar um bom governo (Pateman, 1992,
p.38).
Do ponto de vista político a análise da participação eleitoral, demarca o quanto a
democracia guineense é inclusiva e participativa ou não, pois será dada nesta pesquisa
uma atenção especial às taxas de participação nas eleições multipartidárias para o
legislativo e para as eleições presidenciais (Quadro 4).
Por ser uma jovem democracia, as instituições e a própria sociedade carecem de
tempo para amadurecer as mudanças e assim, as transições possam efetivamente se
consolidar. Vários fatores contribuem para essa necessidade. De um lado, é o da própria
Constituição da República, que necessita de uma reforma profunda. Uma reforma que
realmente reflita a realidade social, política e econômica do país, ou seja, de leis que
atendam às demandas atuais da população nas áreas da educação, cultura, emprego,
lazer e infraestrutura. Do outro lado, a própria Constituição precisa delimitar de uma
forma clara os poderes da República, pelo fato de que ainda carrega as evidências do
15
acúmulo de poder por parte do Presidente da República, fato que tem desencadeado
fortes interferências no poder executivo e nos processos decisórios.
Essa falta de clareza esteve na origem de muitas crises e na permanente
instabilidade política (sofreu sucessivos golpes de Estado), com efeitos graves na
economia, inviabilizando execuções de programas de governos e de parceiros (Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional, Programa das Nações Unidas para
Desenvolvimento e União Europeia). Em suma, há uma ausência de legislação mais
adequada e específica, sobretudo de um pacto político, já que os acordos políticos têm
resultado em golpes militares.
A segunda justificativa da necessidade temporal para consolidação da
democracia são as instituições da República afetadas pelas relações patrimonialistas,
caracterizadas pela apropriação indevida, pelos líderes políticos (ministros, secretários
do Estado, diretores) das instituições sem grandes restrições legais no uso da coisa
pública. Desse modo, a gestão pública se caracteriza por pouca organização burocrática,
pouca eficiência e pouca transparência.
A terceira justificativa considerada indispensável para que a democracia se
consolide diz respeito à infraestrutura, da qual dependem muito a resolução dos
problemas sociais e a satisfação das necessidades básicas da população. Apesar da
transformação que chegou ao país provocado pelos efeitos da globalização, o fim do
partido único e a aprovação do multipartidarismo ainda é possível identificar a
infraestrutura da época da colonização sem manutenção, colocando em risco o serviço a
ser prestado e a vida do próprio cidadão. É notável, também, uma grande ausência de
infraestrutura para prestação de serviços de educação, saúde, alimentação e lazer
(preservação e criação de novos espaços públicos).
Para um estado-nação que se formou sob a presença da colonização e da
escravidão e que, para se libertar desses momentos obscuros da sua história, precisou
desencadear uma luta armada, não é surpreendente que haja resistência à abertura
democrática, à liberalização socioeconômica e às mudanças provocadas pela
globalização. Por isso, após a aprovação do multipartidarismo em 1991, por meio de
uma leve alteração na Constituição pela Assembleia Nacional Popular (ANP), todas as
eleições multipartidárias foram antecedidas por incidentes político-militares (golpes).
A transição de um regime para outro foi marcado por disputas internas do
Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), feita em um
16
contexto interno e externo desfavorável a nível social e econômico. Como aponta
Cardoso (1995, p.1) ao analisar a transição democrática da Guiné que no contexto do
continente Africano este estava mergulhado em uma profunda crise devido aos
acontecimentos do Leste Europeu.
Da transição mal acabada resultaram não somente golpes militares, mas também
leis e sistema eleitoral injusto para partidos pequenos e colégios eleitorais com
potencialidade de eleger representantes desproporcionalmente. Nas eleições legislativas,
a maioria vencida pelo PAIGC, os partidos pequenos foram muito prejudicados pelo
fato de receberem votos em colégios dispersos, enquanto que os partidos grandes
(PAIGC e PRS), além de se candidatarem em todos os colégios, elegeram-se em todos
eles.
É, portanto, sob este emaranhado institucional, jurisdicional e social que esta
pesquisa se debruça, tendo como eixo condutor a questão da participação e como meta a
intenção de revelar uma imagem macro dessa participação na democracia da Guiné-
Bissau, desde a primeira eleição multipartidária, realizada em 1994 até a eleição de
2014.
A hipótese da pesquisa é de que, apesar dos conflitos que antecederam as
eleições multipartidárias legislativas e presidenciais, não se alterou o comportamento
eleitoral guineense e o comparecimento à urna. Assim a taxa de participação nas
eleições de 1994 a 2014 continuará alta nas próximas eleições, enquanto não mudar a
precária realidade social e econômica da Guiné-Bissau, o que significa que o PAIGC,
apesar de ser um partido independentista devido a seu protagonismo na luta pela
independência, pode perder para um partido ou candidato que venha a oferecer
mudanças no cotidiano guineense.
Apesar de a Guiné-Bissau fazer parte de organizações regionais e de nível
mundial, não constitui pretensão de trabalho abordar as consequências da participação
no contexto regional, seja no que diz respeito a Comunidade dos Estados da África
Ocidental (CEDAO), ou das Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), ou
da Organização da União Africana (OUA), ou ainda da Organização das Nações Unidas
(ONU).
Pretende-se dar ampla atenção ao contexto e à realidade guineenses por serem
diferentes dos demais países da África Ocidental e do continente africano, reforçando-
17
se, assim, a ideia de apresentar a Guiné-Bissau e sua história política, social e cultural
ao mundo.
1.1 Objetivo
O presente estudo tem por objetivo analisar a contribuição da participação
eleitoral na consolidação da democracia na Guiné-Bissau nas eleições para os cargos do
Executivo, Legislativo Federal e Presidente da República. E especificamente o objetivo
da dissertação é averiguar a evolução da participação, o contexto da transição de partido
único para multipartidarismo e o contexto político-militar que antecederam as eleições
legislativas e presidenciais.
A Guiné-Bissau, como já ressaltado, é uma democracia recente, com pouco mais
de 20 anos se considerado a partir da data da primeira eleição multipartidária, realizada
em 1994. O fenômeno da participação eleitoral, portanto, é muito novo e pouco
debatido tanto entre a população como entre os principais atores políticos – governo,
Assembleia Nacional Popular e partidos políticos.
A participação eleitoral é um importante instrumento de consolidação da
democracia e de combate à desigualdade social e econômica, principalmente no
contexto da Guiné-Bissau, onde problemas de má distribuição de renda, pobreza,
desemprego e ausência de infraestrutura estão presentes desde a proclamação da
independência em 1973, resultantes dos anos de dominação, exploração colonial e das
sucessivas crises que têm fomentado permanente crise política, social e econômica.
Por outro lado, este estudo tem como objetivo oferecer uma contribuição para a
comunidade acadêmica da UNESP, enriquecendo e diversificando o campo das
referências em estudos africanos.
1.2 Metodologia
Foi realizada inicialmente uma pesquisa bibliográfica, por meio do levantamento
de artigos científicos, livros, publicações, dissertações e teses. Também foi realizada
uma pesquisa documental a respeito do sistema eleitoral e partidário, bem como da
Constituição do país. Para a análise dos dados eleitorais, foi feita uma pesquisa de
campo na Guiné-Bissau, nas seguintes instituições: Supremo Tribunal da Justiça da
Guiné-Bissau, Comissão Nacional da Eleição e Instituto Nacional de Estatística.
Existem outras fontes institucionais, como a Conservatória, a Delegação do Registro
Civil, que possui uma estrutura de apoio ao processo eleitoral, e o Gabinete Técnico de
18
Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE). As três instituições acima indicadas: Supremo
Tribunal da Justiça, Comissão Nacional de Eleição e Instituto Nacional de Estatística,
foram selecionadas por desempenharem funções primordiais durante e depois do
processo eleitoral. Os tribunais também dão esse apoio enviando até 31 de dezembro de
cada ano a relação dos cidadãos maiores de 18 anos que estiverem cumprindo pena por
crime doloso e que tiverem suspensos os direitos políticos por sentença com trânsito em
julgado, como a própria lei do recenseamento nº 10/2013, de 25 de setembro estabelece
no seu artigo 28º.
1.3 Coletas de Informação
Para coletar dados que embasassem a análise da participação eleitoral de 1994
até 2014 nas três instituições identificadas, foi elaborada uma planilha com as seguintes
informações: população, total de população acima de 18 anos, número de eleitores, total
de partidos políticos, total de partidos políticos concorrentes, total dos votos, total dos
votos nulos, total dos votos brancos, total de abstenção e total dos votos válidos.
As mesmas informações foram aplicadas e coletadas paras as eleições
legislativas e presidenciais (1991 a 2014), com uma pequena alteração: nas eleições
presidenciais não se candidatam partidos e sim candidatos, com ou sem vinculação
partidária; por isso, alterou-se, nas eleições presidenciais, o total de partidos políticos
concorrentes para candidatos foram coletados também os votos obtidos por cada um
deles em todas as eleições legislativas.
A coleta do número total da população foi feita sobre o recenseamento geral da
população e habitação realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a cada dez
anos (10 anos). Portanto, foram tomados como referência os dois últimos
recenseamentos gerais da população e habitação, realizados em 1991 e em 2009. A
inclusão do recenseamento geral de população e habitação de 1991 se deve ao fato de
que a primeira eleição foi realizada em 1994, enquanto que as eleições que se seguiram
após a de 1994 (1999/2000, 2004/2005 e 2008), foram baseadas no censo de 1991, com
uma leve atualização dos números. Já as eleições de 2009, 2012 (anulada) e 2014 foram
coletadas a partir do recenseamento geral realizado em 2009.
Os dados da população capacitada para votar foram coletados a partir do
recenseamento geral realizado em 1991 e do censo de 2009. Para obtenção do valor da
19
população acima de 18 anos, foi excluído o grupo etário de 0 a 17 anos e contabilizados
os grupos etários de 18 a 65 anos ou mais.
Para obtenção do número de eleitores, foi utilizado o estabelecido na lei
eleitoral, no seu artigo 8º (capacidade ativa), que define o eleitor como o cidadão
guineense em pleno gozo do seu direito civil e político maior de 18 anos completados
até 23 de outubro do ano em que se realiza a eleição e não abrangido por qualquer
incapacidade prevista na lei eleitoral nº 10/2013. Importante ressaltar que no ato do
recenseamento, especificamente na atualização da lista, já são excluídos os que com 18
ou acima de 18 não possam exercer os seus direitos de votar por alguma irregularidade
ou pendência com a justiça.
O total de partidos políticos e o total de partidos políticos concorrentes foram
coletados a partir do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por ser o órgão responsável
pela legalização de um partido no ato da criação deste e por ser responsável pela
recepção das candidaturas das eleições legislativas e presidenciais.
O total de votos corresponde à somatória dos votos nulos, brancos e válidos. E
assim como faz a própria Comissão Nacional de Eleição, órgão responsável pela
organização das eleições, também adotamos como voto nulo e branco o estabelecido na
lei eleitoral nº 10/2013 no seu artigo 77º. Segundo a legislação eleitoral, os votos
brancos são votos que não possuem nenhuma marca.
O voto nulo corresponde ao voto em que foi assinalado mais de um quadrado ou
quando não se sabe qual quadrado foi marcado. São contabilizados também como voto
nulo aqueles em que se assinalem candidatos que desistiram da eleição e votos fora da
urna.
A abstenção foi obtida pela subtração do número de eleitores do total dos votos,
ou seja, o total dos que não compareceram ou deixaram de exercer o direito de votar. E
o voto válido é a somatória de todos os votos obtidos pelos partidos na eleição
legislativa, sendo que nas eleições presidenciais corresponde à somatória de todos os
votos obtidos pelos candidatos.
O voto por partido foi obtido somando-se todos os votos de cada partido nas
eleições legislativas e votos por candidato, também somando-se os votos de cada
20
candidato nas eleições presidenciais obtidos nos 28 círculos que compõem o território
nacional mais o círculo emigração2 (composto por países da África e Europa).
1.4 Fundamentação Teórica
A presente dissertação adota como referencial teórico as contribuições de
autores que discorreram sobre o neoinstitucionalismo (Hall e Taylor) devido à
abordagem do papel das instituições na determinação de resultado social e político.
Também adota referências bibliográficas sobre democracia representativa e democracia
participativa para refletir sobre a participação na recente democracia guineense que, na
perspectiva deste trabalho, ainda tem um longo caminho a percorrer.
O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em torno
da questão democrática. Essa disputa, travada ao final de cada uma
das guerras mundiais e ao longo do período da guerra fria, envolve
dois debates principais: na primeira metade do século o debate
centrou-se em torno da desejabilidade da democracia (Weber, 19191;
Schimitt, 1926; Kelsen, 1929; Michels, 1949; Schumpeter, 1942). Se,
de um lado, tal debate foi resolvido em favor da desejabilidade da
democracia como forma de governar, por outro lado, a proposta que se
tornou hegemônica ao final das duas guerras mundiais implicou em
uma restrição das formas de participação e soberania ampliada em
favor de um consenso em torno de um procedimento eleitoral para
formação de governo (Schumpeter, 1942). (SANTOS E AVRITZER,
2002, p.38).
A discussão em volta da democracia pós Segunda Guerra Mundial, em que os
autores destacam a reflexão sobre as condições estruturais da democracia e que foi
também um debate sobre a compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o
capitalismo, teria criado um espaço favorável para que revisasse as possíveis
alternativas ao liberalismo, assim como a democracia participativa ou popular na
Europa, na África e no mundo em geral (SANTOS E AVRITZER, 2002, p.40). O
terceiro debate se dá justamente acerca da questão da forma da democracia e da sua
variação. A globalização da democracia, ou seja, sua expansão para outros países e
continentes, coincide com a crise marcada por dupla patologia:
[...] a expansão global da democracia liberal coincidiu com uma grave
crise desta nos países centrais onde mais se tinha consolidado, uma
crise que ficou conhecida como a dupla patologia: a patologia da
participação, sobretudo em vista do aumento dramático do
2 Artigo 114º da lei eleitoral 10/2013 de 25 de setembro de 2013.
21
abstencionismo; e a patologia da representação, o fato de os cidadãos
se considerarem cada vez menos representados por aqueles que
elegeram. Ao mesmo tempo, o fim da Guerra Fria e a intensificação
dos processos de globalização implicaram uma reavaliação do
problema da homogeneidade da prática democrática (SANTOS E
AVRITZER, 2002, p.42).
Estados nacionais como Brasil, Índia, Moçambique e África do Sul foram países
em que cresceu uma nova forma da democracia local com o fenômeno da globalização
como resposta aos questionamentos apresentados. Para Santos e Avritzer (2002, p.42),
podia-se falar de duas vertentes hegemônicas, por assim dizer, no debate sobre a
democracia no século XX, sendo a primeira baseada na defesa da construção da
democracia, destacando a importância da mobilização social e da ação coletiva, e a
segunda baseada na defesa da representatividade, deixando de lado o fenômeno da
participação.
Dahl (1997) discute o problema da participação na transformação de um regime
fechado ou em que a oposição encontra dificuldades em se organizar e fazer frente a um
governo, algo que ocorre em jovens democracias, como em alguns países africanos.
Para o autor, “uma característica-chave da democracia é a contínua responsividade do
governo às preferências de seus cidadãos, considerados como politicamente iguais”
(DAHL, 1997, p.25). Ele também destaca que algumas oportunidades são
indispensáveis para que o governo continue sendo responsivo durante certo tempo às
preferências dos cidadãos, considerados politicamente iguais, como a
[…] de o cidadão formular suas preferências, de expressar suas
preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação
individual ou de coletividade e de ter suas preferências igualmente
consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem
discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte de preferência
(DAHL, 1997, p.1).
Dahl (1997) enumera, ainda, as características indispensáveis para a presença da
democracia, sendo que oito garantias devem ser respeitadas pelo estado–nação:
liberdade de formar e aderir a organizações; liberdade de expressão; direito de voto;
elegibilidade para cargos públicos; direito de líderes políticos disputarem apoio; direito
de líderes políticos disputarem votos; fontes alternativas de informação; eleições livres e
idôneas; instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de
eleições e de outras manifestações de preferência (DAHL, 1997, p.2). Ao concluir a
22
análise da democratização a partir da contestação pública e do direito de participação,
seja em cargos públicos ou em eleições, Dahl (1997) destaca o seguinte:
“A democracia poderia ser concebida como um regime localizado no
canto superior direito. Mas como ela pode envolver mais dimensões
do que as duas da figura 1.2, e como (no meu entender) nenhum
grande sistema no mundo real é plenamente democratizado, prefiro
chamar os sistemas mundiais reais que estão mais perto do canto
superior direito de poliarquia. Qualquer mudança num regime que o
desloque para cima e para a direita, ao longo do caminho III, por
exemplo, pode-se dizer que representa algum grau de democratização.
As poliarquias podem ser pensadas então como regimes relativamente
(mas incompletamente) democratizados, ou, em outros termos, as
poliarquias são regimes que foram substancialmente popularizados e
liberalizados, isto é, fortemente inclusivos e amplamente abertos à
contestação pública”. (DAHL, 1997, p.5).
Mais adiante, ele ressalta a importância de pensar a democratização como
diversas transformações em que:
Uma delas é a transformação de hegemonias e oligarquias
competitivas em quase-poliarquias. Este foi, essencialmente, o
processo que se operou no mundo ocidental ao longo do século XIX.
Uma segunda é a transformação de quase-poliarquias em poliarquias
plenas. Foi o que ocorreu na Europa nas quase três décadas que se
estenderam do final do século passado até a Primeira Guerra Mundial.
Uma terceira é a democratização ainda maior de poliarquias plenas.
Este processo histórico coincide, talvez, com o rápido
desenvolvimento do Estado de bem-estar democrático que se seguiu à
instauração da Grande Depressão; interrompido pela Segunda Guerra
Fonte: Dahl, 1997, p.5
Figura 1: Liberalização, Inclusividade e
Democratização.
23
Mundial, o processo parece ter-se renovado no final dos anos 60 na
forma de rápido crescimento das reivindicações pela democratização
de uma grande diversidade de instituições sociais, especialmente entre
os jovens. (DAHL, 1997, p. 6).
Portanto, essa onda de transformações e reivindicações, marcante, nos finais da
década de 60, foi ao mesmo tempo crucial para a ampliação do fenômeno da
participação, como destacou Pateman (1992):
Nos últimos anos da década de 60, a palavra “participação” tornou-se
parte do vocabulário político popular. Isso aconteceu na onda de
reivindicações, em especial por parte dos estudantes, pela abertura de
novas áreas de participação – nesse caso na esfera da educação de
nível superior – e também por parte de vários grupos que queriam, na
prática, a implementação dos direitos que eram seus na teoria.
(PETEMAN, 1992, p.9).
A autora discorre sobre a compreensão da participação e o papel que isso ocupa
na moderna democracia, dado o perigo que se coloca à ampla participação nas
democracias contemporâneas. Segundo Pateman (1992, p.25), a “democracia” vincula-
se a um método político ou uma série de arranjos institucionais a nível nacional. O
elemento democrático característico do método é a competição entre os líderes (elite)
eleitos pelos votos do povo, em eleições periódicas e livres. As eleições são cruciais
para o método democrático, pois é principalmente através delas que a maioria pode
exercer controle sobre os líderes (PATEMAN, 1992, p.25).
Nesse contexto, a participação para além do momento do voto é crucial neste
método, para que se efetive a escolha dos tomadores (representantes) da decisão, tendo
como função a proteção contra a arbitrariedade dos líderes e a proteção dos interesses
privados.
Cientes de que a relação entre participação e democracia nutrem muito das
instituições, seria indispensável abordar o ponto de vista institucional. Dentro do
quadro das instituições, a pesquisa adota a perspectiva neoinstitucionalista. Segundo
Hall & Taylor (2003, p.194), a importância das teorias neoinstitucionalistas se deve ao
fato de tentarem esclarecer o papel exercido pela instituição na obtenção de resultados
sociais e políticos. Ao explicar as versões dessa teoria, Hall e Taylor (2003) distinguem
três escolas que vão conceituar não só, a instituição, mas como ela também afeta o
comportamento dos indivíduos.
24
O foco vai centrar nas definições de instituição fornecidas por cada uma das
escolas. Na concepção do neoinstitucionalismo histórico, a instituição se define como
procedimento.
De modo global, como os procedimentos, protocolos, normas e
convenções oficiais e oficiosas inerentes à estrutura organizacional da
comunidade política ou da economia política. Isso se estende das
regras de uma ordem constitucional ou dos procedimentos habituais
de funcionamento de uma organização até às convenções que
governam o comportamento dos sindicatos ou as relações entre bancos
e empresas. Em geral, esses teóricos têm a tendência a associar as
instituições às organizações e às regras ou convenções editadas pelas
organizações formais. (HALL E TAYLOR, 2003, p.196).
Já o neoinstitucionalismo da escolha racional, que teve sua origem no Congresso
dos Estados Unidos, a instituição surge somente em caso de ganhos reais.
Essa formulação pressupõe que os atores criam a instituição de modo
a realizar esse valor, o que os teóricos conceituam no mais das vezes
como um ganho obtido pela cooperação. Assim, o processo de criação
de instituições é geralmente centrado na noção de acordo voluntário
entre os atores interessados. Se a instituição está submetida a algum
processo de seleção competitiva, ela desde logo deve sua
sobrevivência ao fato de oferecer mais benefícios aos atores
interessados do que as formas institucionais concorrentes. (HALL e
TAYLOR, 2003, p.206).
Por último, o neoinstitucionalismo sociológico vai ampliar sua visão e incluir os
símbolos ao definir a instituição de uma forma global.
Os teóricos dessa escola tendem a definir as instituições de maneira
muito mais global do que os pesquisadores em Ciência Política,
incluindo não só as regras, procedimentos ou normas formais, mas
também os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os
modelos morais que fornecem “padrões de significação” que guiam a
ação humana. (HALL E TAYLOR, 2003, p.209).
Nota-se uma diversidade de significância oferecida por cada uma das escolas,
permitindo conclusões diferentes na análise do mundo político e suas instituições e do
comportamento relativo aos atores desse mundo político. Segundo Hall & Taylor (2003.
p.194), o histórico oferece uma compreensão mais ampla da relação entre instituições e
comportamentos baseando-se no enfoque calculista e culturalista, enquanto a escolha
25
racional se apega à concepção mais precisa baseada na motivação humana. Na
realidade, existe a todo o momento uma influência mútua entre a instituição e o
comportamento, pois as instituições, além de serem palcos, também se constituem como
atores.
Sem negar a importância tanto do contexto social da política quanto
das motivações dos atores individuais, o neo-institucionalismo insiste
em um papel mais autônomo para as instituições políticas. O Estado
não é somente afetado pela sociedade, mas também a afeta
(KATZENSTEIN, 1978; KRASNER, 1978; STEPHAN, 1978;
SKOCPOL, 1979; NORDLINGER, 1981). A democracia política
depende não somente da economia e das condições sociais, mas
também do desenho das instituições políticas. A agência burocrática, a
comissão legislativa e as cortes de apelação são arenas para as forças
sociais contraditórias, mas também são uma coleção de procedimentos
e estruturas de operação-padrão que definem e defendem interesses;
elas são atores políticos em si. (MARCH & OLSEN, 2008, p.127).
1.5 Estrutura da Dissertação
A dissertação está dividida em cinco seções. A primeira é a introdução; a
segunda seção dedica-se a apresentar a localização geográfica da Guiné-Bissau e suas
alterações. Apresenta-se também nessa mesma seção, a divisão administrativa do país e
seus dados populacionais. Em seguida, são abordados os principais grupos étnicos que
compõem o mosaico étnico guineense e apresenta-se um breve conceito do que se
entende por etnia. A participação eleitoral, objeto deste estudo, depende muito da
participação dos grupos étnicos, incentivados pelos chefes das aldeias ou das etnias,
também conhecidos por “régulos”. Por terem papel fundamental na ocupação e na
colonização, trata-se ainda nessa seção, do império e do descobrimento. Esse recuo na
história da sociedade guineense é importante para a compreensão dos sobressaltos
ocorridos antes da aprovação do multipartidarismo. A importância do reino de Kaabu na
história democrática é muito presente, mesmo não existindo mais. A unidade na luta
pela independência é um critério de voto para os eleitores. Essa seção se dedica a um
resgate histórico para fornecer um olhar mais cuidadoso sobre os contextos em que se
deram as eleições legislativas e presidenciais e uma análise dos contextos que
antecederam as eleições.
Como o fenômeno da participação eleitoral se efetivou na prática em 1994, ano
da primeira eleição multipartidária do atual Estado democrático de direito da Guiné-
26
Bissau, a terceira seção analisa a abertura política do país. Portanto, a abordagem parte
do contexto interno social e econômico da Guiné e do conflito interno do Partido
Africano Para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) que marcou a transição
para o multipartidarismo. Em seguida, a discussão é direcionada para algumas posições
teóricas sobre a transição, as quais fornecem uma explicação da trajetória, dos
acontecimentos e comportamentos durante o período da transição para a democracia que
podem clarificar o caso guineense. Em paralelo à discussão teórica da transição,
abordam-se também a democracia e a participação política, por se entender que a
participação eleitoral também é uma forma de participação política. O objetivo da
terceira seção será olhar em que contexto se deu a abertura política na Guiné-Bissau,
com a aprovação da Lei Quadro dos Partidos Políticos em 1991, bem como o contexto
em que se deu essa aprovação pela Assembleia Nacional Popular.
A quarta seção aborda o sistema eleitoral. Abre-se a seção apresentando uma
discussão sobre os sistemas eleitorais e as tipologias em vigor nas diferentes
democracias. Depois, a seção prossegue tratando do sistema partidário, do sistema de
governo e do sistema eleitoral da Guiné. Para tanto, destaca-se a Lei n.º 10/2013, que
versa sobre a eleição do Presidente da República e da Assembleia Nacional Popular, e é
enfatizado em detalhes e separadamente a Constituição da República, por serem os
principais dispositivos em que órgãos e atores políticos e sociais se baseiam seus atos.
A quinta seção é a materialização do objetivo da dissertação por meio do
mapeamento eleitoral de 1994 a 2014. Serão apresentados os resultados eleitorais para a
Assembleia Nacional Popular e para o cargo de Presidente da República, sempre atentos
à evolução da taxa de participação, aos dados gerais da população, aos votos nulos,
brancos, abstenções e aos votos válidos nas eleições legislativas e aos partidos que mais
participaram nas eleições e efetivamente elegeram deputados. Dentro do período
estudado, aponta-se dois grandes partidos desde a aprovação do multipartidarismo. As
taxas de participação foram enfatizadas em todas as eleições. Ao abordar os resultados
presidenciais, serão enfatizados os contextos que antecederam as eleições e o
comportamento eleitoral guineense para compreensão da participação eleitoral.
27
2. GUINÉ-BISSAU: DO IMPÉRIO À COLONIZAÇÃO
2.1 Localização Geográfica da Guiné-Bissau
Um fato muito importante a respeito da localização geográfica da Guiné-Bissau
e pouco citado em vários estudos é que, lentamente, uma parte do território é engolida
pela água devido ao avanço do mar. Esse fenômeno gera, em certo sentido, diferença
nos dados estatísticos que normalmente são coletados, dependendo da época de coleta.
Como explica o historiador Peter Karibe Mendy ao abordar “Povos e Sociedade”
no seu estudo intitulado “Colonialismo português em África: a tradição de resistência na
Guiné-Bissau (1879-1959)”,
Periodicamente, uma parte significativa do país é submersa pela maré,
ao ponto de a superfície total do território variar de fonte estatística
para fonte estatística, dependendo da inclusão ou exclusão das áreas
inundadas: 33.637 Km2
(Cabral, 1953), 28.000 Km2 (Teixeira da
Mota, 1954), e 36.125Km2 (Anuário Estatístico do Ultramar, 1956).
(MENDY, 1994, p.75).
Na atualidade, dados oficiais e sites do governo indicam 36.125 Km2, o que
significa que foram incluídas as áreas inundadas no cálculo estatístico. Dito isso, fica
claro o motivo pelo qual, em alguns casos, trabalhos de pesquisa e documentos variam
os valores da superfície territorial da Guiné-Bissau.
A Guiné-Bissau é um país localizado na costa ocidental da África, entre as
latitudes 10º19’ norte e 12º20 norte e as longitudes 13º40’ oeste e 16º43’ oeste.
Estabelece fronteira com a República do Senegal ao Norte, República da Guiné-
Conakry ao Leste e Sul e o Oceano Atlântico ao Oeste. A população é estimada em
menos de dois milhões e meio (2.500.000) de habitantes.
Obras como a de Antonio E. Duarte Silva (1997) sobre “A Independência da
Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa” apontam que a Guiné-Bissau é uma
pequena parcela da Costa da Guiné explorada pelos portugueses a partir do século XV,
mais precisamente, da região natural entre Senegal e Serra Leoa conhecida por Rios da
Guiné do Cabo Verde. A região passou a ser conhecida por Guiné Portuguesa a partir da
Conferência de Berlim, quando foram delimitadas as fronteiras e abandonadas
28
reivindicações territoriais sobre a Gambia e a zona de Casamansa3, também conhecida
como colônia rebelde e terrível que resistiu fortemente à ocupação (SILVA, 1997, p.21).
A superfície habitável, segundo Augel (2007, p.49) é de 24.800 Km2, devido às terras
inutilizadas pelas inundações das marés fluviais e pelos alagamentos causados pelas
chuvas regulares e periódicas.
Administrativamente, a Guiné-Bissau está dividida em nove regiões, incluído o
Setor Autônomo que é a capital Bissau. As regiões que compõem o território nacional:
Setor Autônomo de Bissau, Oio, Gabú, Bafatá, Cacheu, Biombo, Tombali, Quinara e
Bolama/Bijagós.
Segundo os dados do último censo realizado em 2009, já que o recenseamento é
realizado de dez em dez anos, a população de sexo feminino é maior, com 51,6%, e a
população de sexo masculino representa 48,4% do total. A região mais populosa é o
Setor Autônomo de Bissau (SAB), com 25,10%, seguida da região de Oio com 15%,
regiões de Gabú e Bafata com 14% e a região de Cacheu com 13%. A menor população
residente se encontra na região de Bolama/Bijagós, com (2%) (32.140 pessoas).
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, 2020.
2.2 Dos Grupos Étnicos
Antes de apresentar os principais grupos étnicos que compõem o mosaico social
guineense, importa esclarecer que a questão da etnia ou etnicidade sempre constituiu
3 Além de ser uma região muito bonita, com lindas e aprazíveis praias, portanto, própria à exploração
turística, o qual é o principal interesse senegalês, além de ser uma potência agrícola, que possui jazidas de
petróleo off-shore ali descobertas, fato obviamente ainda desconhecido quando, em 1886, em
consequência do tratado de Berlim, a Casamansa foi destinada à França, dentro da área do Senegal, com
base na troca da região de Cacine (Augel, 2007, p.66).
Figura 2: Mapa da Guiné- Bissau
29
tema de muitas discussões entre os estudiosos do país. Como não se pretende
aprofundar nas divergências que permeiam o tema, porque não constitui o objetivo deste
estudo, parte-se da definição de etnia dada pelo Mamadú Jao, ao abordar a “questão da
etnicidade e a origem dos Mancanhas”:
Para nós, um grupo étnico representa, sobretudo, “um grupo humano
consolidado, que se criou ao longo do tempo num território
determinado e que possui características linguísticas, culturais [...]
comuns e relativamente estáveis, assim como a consciência da sua
identidade e da diferença em relação a todas as demais formações
similares fixadas num nome de designação coletiva (etnónimo)”
(JAO, 1995, p.21).
Concordando com Jao (1995), entende-se que o conceito acima apresentado
afasta as tentativas acadêmicas, políticas e de qualquer outra ordem que procurem ou já
tenham tentado aproximar o fenômeno étnico a uma criação colonial ou dos
colonizadores como um instrumento político na estratégia de dividir para reinar.
Segundo Jao (1995, p.21), a questão da identidade étnica e a própria etnia não é e nunca
foi uma criação espontânea (não se cria de um dia para outro) e isto constitui elemento
chave que desqualifica tais “teses”.
Entre os 54 países que compõem o continente africano, a Guiné-Bissau, assim
com os demais, distinguem-se pela sua diversidade cultural, devida à presença de vários
grupos étnicos desde a Antiguidade, os quais povoaram o território por vários motivos,
como por exemplo, melhor condição natural para a agricultura, pescas, migrações
internas e externas. Como o território é forte na agricultura e pesca, a diferença é clara
entre a população do litoral e do interior.
A população do litoral, muito influenciada pelo contato com o islamismo, é mais
forte na produção agrícola propiciada pela vasta terra de lavouras. Dessas terras,
destacam-se Balantas e Brâmes (subdivididos em Mandjacos, Mancanhes e Pepel). Já a
população do interior é dominada pelos Mandigas e Fulas, e fortes no comércio desde o
século passado.
Há muito tempo, várias tentativas têm sido desencadeadas no sentido de
quantificar os grupos étnicos da Guiné-Bissau, mas a maior dificuldade encontrada
sempre foi a presença de subgrupos dentro dose grandes ou principais grupos étnicos.
30
Referências da administração colonial como o “Anuário da Guiné Portuguesa4” - e
outras publicações da época foram importantes documentos utilizados para tal
finalidade. Conforme o “Recenseamento Geral da População e Habitação”, de 2009,
realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) da Guiné-Bissau, as principais
etnias da população de nacionalidade guineense são: Fula (28,5%), Balanta (22,5%),
Mandiga (14,7%), Pepel (9,10%), Mandjaco (8,3%), Beafada (3,50%), Mancanha
(3,1%), Bijagós (2,10%), Felupe (1,70%), Mansonca (1,40%), Balata Mane (1,0%),
Nalu (0,90%), Saracule (0,50%) e Sosso (0,40%).
Uma nova categoria que aparece no último recenseamento é “Sem Etnia”, com
2,20%. Nesse recenseamento, uma nova realidade se apresenta, pois nos anteriores a
etnia Balanta era maioria. Agora a etnia Fula passa a ser a etnia de maior expressão da
população guineense. Essa realidade pode alterar-se de acordo com a política de
natalidade adotada e a política migratória estabelecida pelos futuros governos.
Seria um árduo trabalho aprofundar uma análise de cada grupo étnico que
compõe a população guineense, mas é importante destacar as principais caraterísticas de
alguns dos grupos considerados principais nesse mosaico social. Desse modo, o Anexo
1 apresenta as fotos da cada grupo étnico.
2.2.1 Fula ou Pulo ou Fulbe (Fulanis em Inglês, Peul em Francês)
Os famosos pastores e agricultores situados na zona leste da Guiné-Bissau se
distinguem pelos seguintes subgrupos: Fulas-Forro, ou Fulbe-Ribe (nascido livre),
Fulas-Pretos ou Fulbe-djabe (fula cativo), e Futa-Fula ou Futa-Fulbe (fulas de Futa
Djalon, Futa Toro, Quebo e Boé). Segundo o Recenseamento Geral da População
(RGP) de 2009 representa a maioria da população das regiões de Gabu e Bafata com
79,6% e 60,0%.
Na Futa Djalon, que é a cidade de proveniência da hierarquia dessa etnia, inicia-
se no “Almami” como o dirigente político e religioso supremo, seguindo-se o alfa como
4 O Anuário da Guiné Portuguesa de 1946, publicação do governo da colônia, organizado por Fausto
Duarte, afirma que “a população nativa é composta pelas seguintes tribos, umas mais diferente do que as
outras: Baiotes, Balantas, Banhuntos, Beafada, Bijagós, Brâmes ou Mancanhas, Cassanga, Felupes, Fulas,
Mandigas, Manjacos, Nalus, Papeis e Sôssos” (p.17). De acordo com Censo da População de 1950, v.2,
“a população não civilizada” arrola um total de trinta “tribos”, ente as quais cinco subgrupos de Fula,
além de categorias de “outros tribos” com total entre 146.398 pessoas (Balanta, cerca de 29% da
população total) e 8 pessoas dos Teménés (p.174-175). Ainda hoje, não há um consenso. O número de
etnias varia de autor para autor. Alguns computam mais de três dezenas, outros cerca de vinte etnias.
Autores nacionais consideram que uma análise mais criteriosa não levaria para além de uma dezena e
meia de grupos étnicos em todo o território nacional. (Augel, 2007, p.77).
31
governador, depois os “Landos” como chefes das diferentes “Missidis” ou grupos de
aldeias que compartilhavam uma mesquita. Por último na hierarquia encontram-se os
“Djargas” como governadores de aldeias de escravos. É relevante retroceder no tempo
para lembrar que este grupo deu sinal de aparecimento na Guiné-Bissau desde século
XV (MENDY, 1994, p.88).
Com residência praticamente fixada na Guiné-Bissau, apesar de se espalhar pela
África Ocidental, os Fulas tiveram que se submeter às regras dos Mandigas, que
dominavam o Kaabu (atual região do Gabu na organização administrativa).
Uma vez em Kaabu, as fulas submeteram-se às leis e exigências dos
mandingas, pagando-lhes tributo em gêneros, gado e escravos. Porém,
o tratamento que recebiam foi geralmente severo e cruel, sendo
sujeitos a pagamentos exorbitantes de todos os tipos e muitas vezes
torturados fisicamente. A prolongada indignação e cólera das fulas
explodiram em revoltas e rebeliões no século XIX, contribuindo
consideravelmente para a destruição do domínio mandinga e a queda
do império de Kaabu. (Mendy, 1994, p.88)
Mendy (1994) vai afirmar que por serem famosos pastores e agricultores, foi à
procura de melhores pastagens que motivou seus deslocamentos para diferentes regiões,
tornando-os, assim, nômades na Guiné-Bissau.
2.2.2 Balantas
Os Balantas representam a maioria da população nas regiões Tombali de Oio
com 46,9% e 43,60%. Segunda maioria nas regiões de Quinara com 35,20%, Biombo
com 19,4%, Cacheu com 28,8% e Setor Autônomo de Bissau (Capital) com 20,5%.
É um grupo não estratificado e igualitário, mas com um Conselho de Homens
Grandes, ou anciãos, que regulam os assuntos das tabancas ou aldeias. Tais Homens
Grandes não possuem privilégios econômicos pelo fato de pertencerem ao conselho.
Tradicionalmente, para os Balantas a terra pertence à comunidade da tabanca (aldeia) e
é distribuída conforme a necessidade das famílias. A terra é dividida em pública (que se
encontra à disposição da comunidade) e terras sagradas reservadas para “Aule” ou “Irã”
(poderosas forças sobrenaturais). A distinção política entre os Balantas se faz em
virtude da idade.
Quanto a organização social estão organizados em “tabancas” ou aldeias compostas por
“moranças” ou cercas, ligadas entre si por uma cultura comum em que cada uma das
tabancas guarda a sua soberania (MENDY, 1994, p.80).
32
2.2.3 Mandingas
Dentro desse grupo étnico destacam-se: Bambaras do Mali, Sussus e Djalonkes
da Guiné-Conakry, Mendes e Vais da Serra Leoa e Mandinkas do Senegal e Gâmbia.
No entanto, a grande maioria é originária da região de Mande, perto de Bamako (capital
do atual Estado do Mali). Segundo o Recenseamento Geral da População de 2009 os
Mandigas representam a segunda maioria nas regiões de Bafata e Gabu com 22,90% e
14,20%.
Eles são habilidosos agricultores e produtores de cultura de subsistência como
arroz, milho, milho moído, mandioca e batata-doce, e de colheitas de exportação como
amendoim e algodão. Apresentam-se como um grupo altamente estratificado e rígido de
casta, com classes sociais e distinções sociais bem definidos. As famílias mais
tradicionais da nobreza são os Sané e Mané, que disputavam o império de Kaabu e
pertenciam a uma das três castas da sociedade mandinga, composta pelos Foros
(nascidos livres) Nyancbo (nascidos livres), nyamalos (ferreiros, músicos profissionais
ou contadores de histórias (jalis)) e os escravos chamados de Dyos.
2.2.4 Manjaco, Mancanha e Pepel.
Atualmente eles estão separados e constituem um dos principais grupos étnicos
da Guiné-Bissau, mas antigamente era um único grupo com usos e costumes muito
próximos. Historicamente este grupo é referenciado desde finais do século XVIII:
As primeiras referências aos Manjaco, enquanto um grupo distinto dos
Brames, datam do final do século XVIII. Esta designação foi utilizada
originalmente para os grupos de migrantes originários da ilha de
Pecixe, sendo depois aplicada a diversas populações da região
compreendida entre os rios Cacheu e Mansoa. Os habitantes da ilha de
Bissau, por seu turno, passaram a ser referidos como Pepel,
reservando-se o termo de Brame ou ainda Mancanha para um grupo
que é maioritário na zona de Bula e na ilha de Bolama. (CARVALHO,
1998, p.44).
A sociedade era composta da seguinte subdivisão: Nacine Bacine (reis dos reis),
Baxasan e Babucin, conhecidos como Bacine (chefes territoriais) e os de níveis baixos,
os Baluk (escravos). Entre as duas últimas castas estão os Bapens (sacerdotes e
sacerdotisas), os Bamanas (zeladores dos templos outchai), os metak, nagak, kandjan e
namuan (as várias classes de conselheiros dos chefes), badjar (cavadores e agrários),
batak (ferreiros), baniu (construtores), banbiguet (tecelões), balaz (tocadores de tambor)
33
e os bandjafo (guerreiros). Em termos políticos, a sociedade estava estruturada em três
níveis: central, regional e local. A terra era possuída coletivamente e privadamente,
muito embora uma parte fosse propriedade exclusiva do rei. A riqueza se baseava na
quantidade de terra, cabeças de gado e no número de esposas. Representam 64,7% da
população da região de Biombo.
2.2.4 Beafada
É um grupo altamente estratificado e muito apegado a bens materiais e
privilégios. Antes da chegada dos europeus, possuíam boa parte das terras - terras essas
concentradas nas mãos dos fidalgos, que cobravam do povo pelo seu uso.
2.2.5 Bijagós
É um grupo étnico muito heterogêneo e pouco conhecido, por ser fechado e
habitar as ilhas. Destaca-se por sua característica matriarcal, dado o fato de as mulheres
serem mais empoderadas do que os homens, com funções sociais, políticas e religiosas
relevantes. Também é um grupo social estratificado e complexo que, com o passar do
tempo, passou a contar com um conselho de homens grandes ou chefes eleitos e posse
coletiva da terra.
Em um estudo muito recente, realizado em 2009, por um grupo de trabalho
constituído por três pesquisadores nativos e com forte apoio do Conselho para o
Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (CODESRIA), foi
possível enxergar detalhes mais profundos da sociedade Bijagó. O grupo de trabalho
não somente revelou os fundamentos das suas origens como vivenciaram desde a
infância cada rito da cultura local. Ao se referir à origem e povoamento, os
pesquisadores apontam que é um tema ainda por definir, pois a sua história oral
encontra-se mal explorada e apresenta-se muito pouco precisa e pouco esclarecedora.
No entanto, as diferentes hipóteses avançadas quanto à sua origem
permitem concluir que eles viviam algures no continente e a partir de
um dado momento, provavelmente antes do séc. XV altura em que se
produziram os primeiros contatos dos europeus com a costa ocidental
africana, passou a povoar as ilhas do Arquipélago. O povoamento teria
ocorrido em períodos diferentes, sendo que umas ilhas serviram de
ponto de partida para a ocupação de outras, à procura de melhores
meios de subsistência. (CARDOSO, PEREIRA, CARDOSO, 2009,
p.12).
34
Assim como outros grupos étnicos, os Bijagós possuem uma organização
política e geográfica que permite o estabelecimento de relações com outros grupos e
entre eles próprios. Essa organização é tida como tradicional, mas respeitada e
preservada pelo Estado como forma de garantir a estabilidade e a paz no território
nacional.
No sistema político bijagó, a tabanca (crioulo) ou emgba (bijagó) –
aldeia ou comunidade rural – constitui a unidade de base. Ela é
autónoma e geralmente autossuficiente nas suas atividades sócio-
religiosas e económicas, sendo a forma de poder considerada mais fiel
à tradição, a que permite a existência de um oronhó (régulo) para cada
tabanca (Scantamburlo 1991: 43), com todas as suas prerrogativas.
Cada tabanca é propriedade de uma linhagem – djorçon (em crioulo),
kuduba (em bijagó) – cujos poderes se podem estender e exercer em
outras tabancas. Isto significa que a mesma djorçon pode ser
proprietária – dunu di tchon (crioulo) e uam-moto (bijagó) – de várias
tabancas nos limites não apenas de uma, mas de várias ilhas.
(CARDOSO et all., 2009, p.14).
A propriedade é vista pelos bijagós como algo pertencente a todos, portanto
exclui o conceito privado da terra e de outros recursos, distinguindo somente os que
pertencem à linhagem daqueles que pertencem à comunidade (CARDOSO, PEREIRA,
CARDOSO, 2009, p.15).
Por ser um grupo que preza muito pela coletividade, buscando sempre minimizar
as diferenças, constitui um grupo muito original na forma como protege a convivência
coletiva:
Na sociedade bijagó rapazes e raparigas, homens, mulheres e velhos
gozam de liberdades pessoais e individuais, mas devem sempre
respeito aos direitos e deveres coletivos, quer seja ao nível da família
iébótake, da classe de idade - kom’mé ou manrass (em bijagó) - a que
pertencem, quer ainda ao nível da comunidade (emgba) no geral. A
vida dos indivíduos encontra-se regida por regras sociais determinadas
pelas condições do grupo, estando, por isso, a coletividade acima de
tudo e de todos. (CARDOSO, PEREIRA, CARDOSO, 2009, p.17).
Contudo, a coletividade e os princípios que regem esse tipo de relacionamento e
convivência vêm sofrendo mudança devido à modernidade e contatos culturais
endógenas e exógenas, como tem acontecido com todos os grupos étnicos africanos. A
etnia Bijagós corresponde, dessa forma, a quase 2/3 da população (64,3%).
35
2.2.6 Felupe
Dentre os grupos étnicos não estratificados, o Felupe também aparece, assim
como os Balantas. De característica igualitária, sem hierarquia social possui um
conselho de anciões que dirigiam as aldeias ou tabancas antes da chegada dos europeus.
Fortes no cultivo de arroz, criação de gado, pesca, caça e extração de vinho de palma.
Eles representam a terceira maioria na região de Cacheu com 9,1%.
Cada um dos principais grupos étnicos representa uma língua que é falada dentro
do seu meio social ou de convívio. Logo, há Fula falando Fula, Balanta falando Balanta,
Mandiga falando Mandinga, Pepel falando Pepel, Mandjaco falando Manjaco, Beafada
falando Beafada, Mancanha falando Mancanha, Bijagós falando Bijagós, Felupe falando
Felupe, Mansonca falando Mansonca, Nalu falando Nalu. Ocorre que muitos, devido à
convivência, acabam assimilando várias línguas de outras etnias.
Entre as principais línguas, a mais falada é o “criolo” e a menos falada é o
português. Apesar da língua portuguesa ser a língua oficial da Guiné-Bissau, ela é usada
somente dentro do ensino e nos documentos oficiais.
2.3 Do Império ao primeiro contato com os europeus
Quando se faz referência à formação da sociedade guineense no decorrer da
história, deve-se atentar ao fato de que ela é anterior à chegada dos colonialistas na
África. E isso nos remete ao grande, poderoso e rico império de Mali (atual República
do Mali, com capital em Bamako), que remonta do século XIII até o século XVII.
A história da região que hoje corresponde geopoliticamente à Guiné-
Bissau quase se confunde com a dos reinos mandigas. Os mandigas,
etnia muçulmana, vindos do alto Níger, constituíram o império de
Mali e estendiam-se por uma imensa área na parte ocidental interior
africana. Um dos últimos imperadores, Kankou Moussa, famoso por
seu poder e riqueza, empreendeu uma peregrinação a Meca no início
do século XIV, um sinal de sua autoridade e de sua inserção no mundo
muçulmano, feito digno de nota dadas as dificuldade de locomoção
naquela época longínqua. O império de Mali estava estreitamente
ligado ao de kaabú (cuja capital era Kansala), formado justamente a
partir da expansão do primeiro. (AUGEL, 2007, p. 51).
A história desse império é poucas vezes citada quando se refere não somente à
Guiné-Bissau, mas a outros países pertencentes à África ocidental como Gana, Senegal,
Gâmbia, Burkina Faso, Níger e Nigéria.
36
Os povos que viviam no controle desse poderoso império compartilhavam não
somente território, mas também cultura e língua. Entre os povos havia muita troca
comercial devido à grandeza do império e dos reinos que o sucederam. A África
Ocidental foi um grande centro de comércio no século passado, um desses reinos é o
Reino de Kaabú, atual Região de Gabu na organização administrativa recente da Guiné-
Bissau.
O conhecimento sobre o Mali é vasto, e na sua vertente política, muito
útil para compreender o Kaabu, já que toda a estrutura da “mansaya”
(poder político), bem como a hierarquização social malinquê, foi
transmitida ao Kaabu que começou por ser um Estado vassalo deste,
governado por um “farim”, o Farim Cabo, o qual por sua vez acabou
por se autonomizar. A gênese do Kaabu está igualmente associada à
epopéia de Tiramakhan Traoré, que teria sido enviado pelo “mansa”
(rei, governante) do Mali para conquistar as terras do oeste. (LOPES,
2005, p.12).
Portanto, se temos que tomar um ponto de partida da formação da sociedade
guineense, seria injusto começar a partir da chegada do colonizador. Seria uma injustiça
ignorar o Reino de Kaabu, que exerceu poderio social, político e cultural mesmo após a
chegada dos portugueses, holandeses e ingleses à costa da Guiné, de forma que isso
somente ocorreu no século XV. No reino de Kaabu, os nobres, na época conhecidos
como “nyantio”, cuja maioria era mandinga5, já exerciam influência religiosa sobre as
outras classes. O desenvolvimento do reino teve seu ponto mais alto com o aumento do
comércio na costa da África, fenômeno bem aproveitado pelo rei para submeter e
conquistar outros territórios vizinhos.
O comércio mais forte que sustentou o reino era o de escravos. E mesmo após a
chegada dos europeus, o próprio reino serviu de intermediário nas negociações de
vendas dos escravos. A história do reino, até seu declínio, comporta quatro etapas
diferentes:
5 O Mande é uma região do Sudão Ocidental, em torno do alto curso do rio Níger, onde floresceu o
Estado do Mali. Nas línguas dessa região o sufixo “nké” (“nquê” na transcrição para o português) ou
“nka” representa a ideia de integração e território, “o país de” ou “o povo de”, por exemplo, “mandenka”
que, obviamente, está na origem da terminologia “mandinga”, “mandinka”, “mandingue”. Outros
exemplos podem ser assinalados para todos os povos mandingas ou influenciados por estes, como,
kaabunquê, soninquê, jakaquê, futanquê. Os termos “mandinga” e “malinquê” são usados muitas vezes
como sinônimos. (Lopes, 2005, p.11)
37
Um período pré-mandinga que se estende até ao século XIII, em que
prevalecem tradições fundamentalmente bainuk, mas também de
outros agrupamentos, tais como os balanta, byafada e brame.
Desenvolvem-se técnicas agrícolas, nomeadamente a rizicultura de
água salgada, e pratica-se um animismo sem influências islâmicas; -
um período de dominação malinquê, cujo início se situa à volta de
1240 com a expedição de Tiramakhan, e que termina com o declínio
do Mali nos finais do século XVI, e seu desaparecimento no século
XVII, provavelmente por volta de 1650. Este período de crescimento
da influência do Farim Kaabu permitiu a constituição dos “nyantio”, o
estabelecimento de Kansala como capital, e o desenvolvimento do
comércio costeiro e do tráfico de escravos; o Kaabu independente teria
o seu apogeu no século XVIII, mais propriamente depois do
desaparecimento do Mali, até 1790, coincidindo com o abolicionismo.
Torna-se óbvio que a grande importância do Kaabu corresponde ao
período em que mais domina o tráfico de escravos; - finalmente, a
partir dos fins do século XVIII, princípios do século XIX, esboça-se
um declínio muito rápido, com os poderes tributários a ganharem uma
autonomia crescente, sobretudo os situados junto à costa. É também o
período do levantamento fula, cujas alianças com os colonizadores
europeus contribuirão sobremaneira para um recrudescer das lutas
intestinas, que vão minar completamente a autoridade do Kaabu-
Mansa-Ba, representante de um poder que já tinha sido importante e
que passará de marginal a inexistente por volta de 1867, altura em que
o assalto final a Kansala permite pôr fim à epopéia kaabunquê.
(LOPES, 2005, p.15).
Essas quatro etapas apresentam aquilo que foi o surgimento do reino de Kaabu.
Os mesmos grupos se mantiveram ao longo do tempo: Balantas, Biafadas e Brames,
Fulas, Mandingas e outros. Quando se olha para a população, nota-se que continuaram,
nos dias atuais, com as suas tradições, costumes e hábitos, mas com certa influência
religiosa do cristianismo, que penetrou com a colonização. O mapa a seguir reflete a
geopolítica do reino de Kaabu.
38
Fonte: Carlos Lopes (2005)
2.4. Descobrimento e Colonização da Guiné-Bissau
Estudos já realizados, como o projeto História Geral da África, apontam que
somente dois países no continente africano não foram colonizados: a Libéria, que foi
repovoada com os africanos levados de volta dos Estados Unidos da América após a
abolição, e a Etiópia, que, estruturada e organizada, impôs uma derrota sangrenta aos
italianos ao tentarem a ocupação por via armada. O desafio da colonização se acentuou
a partir de 1880 que foi o período marcado pelas grandes mudanças e avanços (invenção
de navios, industrialização, telégrafo, estradas de ferro, primeira metralhadora) que
teriam interferências e influências acentuadas na África.
Na história da África jamais se sucederam tantas e tão rápidas
mudanças como durante o período entre 1880 e 1935. Até 1880,
apenas parte limitada da África era governada diretamente por
europeus. Seus próprios soberanos e chefes de linhagens estavam no
controle de sua independência e soberania. Mas em 1914, com a única
exceção da Etiópia e da Libéria, a África inteira viu-se dividida em
colônias e submetida à dominação de potências europeias. Em outras
palavras, no período de 1880 a 1935, a África teve de enfrentar um
desafio particularmente ameaçador: o desafio do colonialismo.
(SILVÉRIO, 2013, p.339).
Dentre os países colonizados encontra-se a Guiné-Bissau, descoberta em 1446
pelos portugueses, especificamente por Nuno Tristão. Vários estudos e teses questionam
esta perspectiva que acabou se tornando versão oficial ao ser propagada pelos
historiadores portugueses.
Figura 3: Mapa Geopolítico do Reino de Kaabu
39
Em resumo, acredita-se que, em 1446, Nuno Tristão navegou 60
léguas para o sul de Cabo Verde e chegou ao estuário de um rio
chamado “rio Grande” onde hoje é a Guiné-Bissau, o que lhe deu a
honra de ser o primeiro europeu a visitar esta parte do mundo. Depois
de ancorar, partiu com 21 dos seus homens, em dois pequenos barcos,
para explorar a área. Quando remavam rio acima, foram saudados por
uma saraivada de setas envenenadas vinda das almadias (canoa de
guerra) de alguns “nativos hostis” que causaram a morte de 19
membros da expedição, incluindo Nuno Tristão. Os dois
sobreviventes, com o resto da tripulação que ficara a guardar a
caravela, todos eles jovens, conseguiram escapar e navegar para
Portugal. (MENDY, 1994, p.108-109).
Somente em 1588 foi construído um forte em Cacheu como forma de proteger os
estrangeiros dos sucessivos ataques da população local, que não enxergava a presença
dos portugueses com bons olhos (MENDY, 1994, p.113). Com a presença do forte, o
plano de apropriação das terras e controle dos bens e serviços e de pessoas tornou-se
mais acessível. Em 29 de dezembro de 1614, o governador português em Cabo Verde,
Nicolau de Castilho, nomeou um “feitor e recebedor de fazenda real no rio de São
Domingos e portos da Guiné” (MENDY, 1994, p.114).
Com a incapacidade de controlar o comércio devido à presença de outras
potências na região, como França, Inglaterra e Holanda, os portugueses fundaram a
Companhia de Cacheu e Cabo Verde em 3 de janeiro de 1690, com a finalidade de
fornecer escravos para as Índias Espanholas (MENDY, 1994, p.120).
Dado o fracasso da companhia, os portugueses decidiram se estabelecer em
Bissau, ação possibilitada pelos missionários franciscanos, que trabalharam fortemente
no convencimento do Rei de Bissau, Bacomplo Có. O fracasso da Companhia de
Cacheu e Cabo Verde influenciou diretamente a criação da Companhia Geral do Grão-
Pará e Maranhão, em 7 de junho de 1755, com a finalidade de reverter a situação
portuguesa em Bissau, fornecendo escravos para o Brasil (MENDY, 1994, p.130).
Convencido em 1694, após ser batizado pelo bispo de Cabo Verde Frei
Vitoriano Portuense, o Rei Bacomplo Có autorizou a construção do forte em Bissau
(MENDY, 1994, p122). O forte de Bissau representa o primeiro vestígio da autoridade
portuguesa na Ilha de Bissau. Os grumetes6 e lançados
7 (importantes na penetração dos
6 Os grumetes eram africanos semidestribalizados, cristãos, civilizados, que falava português ou criolo.
(MENDY, 1994, p.111) 7 Os lançados eram portugueses brancos vindos de Cabo Verde, Portugal e Espanha para serviram de
intermediários entre os comerciantes portugueses e os clientes africanos. A primeira referência a estes
deu-se numa carta da Coroa Portuguesa em 1500. Dentre ele, havia os que tinham penas a cumprir.
(MENDY, 1994, p.109).
40
europeus na África) exerciam fortes influências na cidade, permitindo aos traficantes de
escravos explorarem o comércio sem respeitar os decretos portugueses (MENDY, 1994,
p121).
O forte passou a capitania dois anos depois em 1696 e, em março do mesmo ano,
foi nomeado o capitão-mor de Bissau, que comandava tanto a capitania de Bissau como
a de Cacheu. Com isso, aumentaram consideravelmente os choques entre as autoridades.
O rei de Bissau continuou estabelecendo o comércio com os estrangeiros, o que não foi
bem visto pelo novo capitão-mor de Bissau, que considerava sua autoridade questionada
pelas interferências do Rei de Bissau. Entre os vários choques que aconteceram, Mendy
(1994, p.126) lembra o de 1700, quando o Rei de Bissau desautorizou, em março
daquele ano, os barcos holandeses a pagarem o imposto de 10% estabelecido pela Coroa
Portuguesa.
A oposição e as resistências eram frequentes em todas as localidades do
território, materializadas por meio de ataques que resultavam na prisão e morte dos
oficiais portugueses, como o assassinato do governador Álvaro Tele de Caldeira.
O assassínio, em 1871, da mais alta autoridade da Coroa Portuguesa
na Guiné exemplificava, aos olhos dos portugueses, a sua natureza
supostamente traiçoeira. O governador Álvaro Tele de Caldeira foi
vítima de um tiro a 24 de janeiro de 1871, ato aparentemente
provocado pela morte de um grumete por um soldado da guarnição de
Cacheu, durante a celebração de um “batuque”. Para escapar à prisão,
o grumete assassino fugiu para a vizinha povoação de Cacanda.
Quando os portugueses pediram que o chefe local entregasse o
fugitivo, ele imediatamente recusou. Este ato de desafio foi fortemente
apoiado pelos potentados vizinhos de Churo, Bianga e Bassarel.
(MENDY, 1994, p. 143).
Ao longo da ocupação, vários conflitos marcaram o contato entre estrangeiros e
as sociedades locais, resultando mais tarde na separação da Guiné de Cabo Verde pelos
portugueses, fixando, em 18 de março de 1879, os limites da Província da Guiné, cuja
capital passou a ser Bolama (MENDY, 1994, p. 145).
Devido aos sucessivos ataques e perdas sofridas em ambos os lados, vários
acordos de paz foram providenciados para diminuir as mortes e construir uma relação
de amizade que fosse menos conflituosa entre os estrangeiros e a população local.
O poder local tornou-se fundamental para a conquista do território e para a
imposição dos interesses dos portugueses. Em vários acordos assinados estavam
incluídos a preservação dos direitos dos chefes locais e pagamentos de um valor mensal
41
em troca de suspensão da cobrança de imposto sobre os navios europeus. No entanto, a
partir desse período começa, na prática, a caminhada rumo à colonização.
Depois de 1879, com o território agora “separado” das Ilhas de Cabo
Verde, os desesperados portugueses embarcaram numa estratégia
ousada de intervenção nas lutas internas que lavraram para melhorar a
sua precária posição. Com acesso fácil a armamento superior e a um
número substancial de mercenários africanos ao seu dispor,
começaram a mudar a balança do poder militar. Sem espingarda de
carregar pela culatra, metralhadora ou artilharia, e em desvantagem
não só em termos de poder de fogo, mas também em números de
homens, os rebeldes “gentios” foram finalmente conquistados.
(MENDY, 1994, 30).
Com a colonização a pleno vapor, a resistência adquire uma nova face. Ela passa
a ser passiva na medida em que a compreensão, naquele momento, era de que a derrota
não representa submissão e que a resistência à exploração e repressões brutais devia
continuar até a expulsão dos invasores do território ocupado.
Do lado português, foi estabelecida a política de colonização (Acto Colonial de
1930) com a Segunda Guerra Mundial em curso, baseada no nacionalismo, promoção
da mística imperial, centralização de poderes e inteira subordinação dos interesses das
colônias aos da metrópole (SILVA, 1997, p.22).
Esta realidade vai tomar outro rumo com a chegada do Estado Novo e a vitória
da democracia ao final da Segunda Guerra Mundial. Cabe lembrar que o Estado
Português, devido à política de neutralidade que havia adotado em sua admissão na
ONU, foi vetado pelos soviéticos em 1946, decretando seu isolamento no cenário
internacional.
Esses eventos internacionais, dentre outros - o aumento dos preços de matéria-
prima, a criação do Partido Comunista Português e a descentralização - vão delinear o
caminho para que as colônias portuguesas, em especial a Guiné, pudessem reivindicar
suas independências - reivindicação que foi possível graças às organizações
nacionalistas das colônias, fortemente constituídas pelos estudantes africanos
integrantes da oposição à ditadura, reunidos na forma de movimentos estudantis, por
exemplo, o Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUDJ) e o Movimento para
Paz (SILVA, 1997, p.29).
42
O escasso número de “assimilados” das várias colônias que, após a II
Guerra Mundial, vai estudar para Lisboa e Coimbra, sofre um choque
brutal, perante a pobreza do seu colonizador e a brutalidade da
ditadura, passando a desenvolver uma atividade febril em dois planos
complementares: por um lado a formação ideológica e política e, por
outro lado, a afirmação da sua africanidade ou, como dizia Cabral, a
luta pela africanização do espírito. (SILVA, 1997, p.30).
Os estudantes africanos que saíram do continente para expandirem sua formação
em diversas áreas do conhecimento encontraram um ambiente favorável para sua
depuração ideológica e política, pois, além do ambiente internacional ser muito
favorável, os estudantes portugueses também estavam envolvidos na luta política e na
reivindicação de uma mudança do sistema ditatorial exercido pelo estadista Antonio de
Oliveira Salazar. Um dos espaços anticolonialistas ou, pelo menos, onde reinava um
sentimento contra a política colonialista na metrópole era a Casa do Estudante do
Império, que recebeu grande parte dos intelectuais africanos e ícones da luta pela
independência.
A Casa do Estudante do Império (CEI) foi criada em Novembro de
1944 com intuito de enquadrar ideologicamente os jovens oriundos
das colônias de acordo com os preceitos do Estado Novo. Possuiu uma
delegação em Coimbra, inaugurada em 1945, e uma outra no Porto,
surgida em Março de 1959. Na prática, a CEI desenvolveu um intenso
trabalho cultural em torno da noção de “identidade africana”
funcionando, desta maneira, como um foco de fermentação das futuras
elites independentistas. Por ela passaram, entre outros, Mario Pinto de
Andrade, Eduardo Mondlane, Pedro Pires, Luís Cília, Rogerio Paulo,
Corsino Fortes, Amilcar Cabral ou Pepetela. A delegação da Coimbra
foi encerrada em finas de década de cinquenta e nela terão habitado,
entre outros, Agostinho Neto e Lucio Lara. A delegação de Lisboa
seria encerrada em 1965. (CARDINA, 2008, p. 63).
É nesse quadro de grande movimentação estudantil que o político Amilcar Lopes
Cabral8 parte para Portugal para estudar e se forma no curso de engenheiro agrônomo,
concluído em 22 de fevereiro de 1952. No seu primeiro retorno à Guiné, é nomeado
Diretor do Posto Agrícola Experimental. Logo estudou, planejou e executou o
recenseamento agrícola e publicou vários artigos no Boletim Cultural Português
(SILVA, 1997, p.30).
Teve que deixar a Guiné Portuguesa pelo fato de ter criado uma Associação
Desportiva e Recreativa dos Africanos que previa, no seu estatuto, a inscrição de
8 Engenheiro agrônomo fundador do Partido Africano Para Independência da Guiné e Cabo Verde.
43
indígenas, já que na época somente os civilizados podiam participar das associações
esportivas.
Esse fato suscitou um sentimento de revolta que deu origem à primeira
organização independentista no território nacional, chamada Movimento Para
Independência Nacional da Guiné (MING), em 1955, muito influenciado pela evolução
política de países vizinhos como o Senegal e a Guiné-Conakry.
Cabral volta em 1956 de Angola e cria o Partido Africano da Independência
(PAI), com a finalidade de acabar com o colonialismo português e unir a Guiné e Cabo
Verde. No início da sua volta, Cabral viveu na clandestinidade9 para evitar repressões
por parte do governo português colonial.
Com Gana independente em 1957, representando a primeira colônia da África
Negra independente do lado da anglofonia, Marrocos em 1956 e a Guiné-Conakry em
1958 do lado da francofonia, Guiné e Angola do lado da lusofonia, estavam cavalgando
à ferro e fogo para firmar as suas independências.
Surge o Movimento de Libertação da Guiné para se juntar ao PAI e desviar a
atenção da Polícia Internacional de Defesa de Estado (PIDE/DRS)10
. Estas duas
organizações vão trabalhar em parceria até 3 de agosto de 1959, pois dessa data em
diante, apesar de pautarem uma luta pacífica para a independência da Guiné e Cabo
Verde, também deixariam claro que responderiam a qualquer ato violento do governo
colonial.
A data de 3 de agosto se constituiu em uma data importante para o povo
guineense por determinar o novo curso da história nas várias lutas e resistências que
vinha empreendendo para conquista da liberdade e independência. O diário de um
sacerdote franciscano dá um testemunho importante sobre o acontecimento de 20 e 21
de agosto, dentre várias versões que explica o ocorrido.
9 Considerava definitivamente comprovado que a natureza fascista do governo português e a condição
jurídica da quase totalidade dos africanos da Guiné não podiam deixar-lhes senão uma via para o
exercício das atividades políticas: a clandestinidade. Entretanto o PAI, procurando recrutar militantes no
incipiente movimento operário, conseguiu, em Abril de 1957, o domínio da lista eleita para direção do
único sindicato (corporativo) existente, o Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria
da Guiné, tática semelhante à de outros movimentos independentistas, em um contexto sindical e social
“propício às influências políticas e ideológicas” (Silva, 1997, p.34) 10
PIDE passou para Direção Geral de Segurança em 1969 com a chamada “primavera marcelista” do
projeto político de Marcelo Caetano, que substituiu Antonio de Oliveira Salazar em agosto de 1968 e
descentralizou o Estado Novo Português. Salazar foi o estadista nacionalista que liderou o governo
Ditatorial de Estado Novo em Portugal até 1969. (Cardina, 2008, p.70)
44
“Os trabalhadores do porto de Bissau respondem melhor do que
quaisquer outros às solicitações dos dirigentes do Partido, que o
organizam nos centros urbanos, a começar por Bissau. São os mesmos
grevistas de março de 1956 que irão desencadear nova ação de força
em 3 de agosto de 1959, agora porém já mais unidos e em muito
maior número. Mas os comandos portugueses de 1959 não são os
mesmos de 1956. Quando a insurreição desponta nas Oficinas Gerais
e se espalha a toda a zona marítima do Cais do Pindjiguiti, a polícia
acode ao local de armas carregadas. Os insubordinados dispõem de
remos, paus, barras de ferro, pedras e arpões. As duas partes em
confronto não cedem, não dialogam. No primeiro reencontro, os dois
chefes da polícia Assunção e Dimas são selváticamente agredidos,
depois de terem disparado para o ar; da refrega saem 17 guardas
feridos. A polícia perde o autodomínio e começa a atirar a matar em
força, sem quaisquer considerações. No fim, há uns 13 a 15 mortos
espalhados no Cais de Pindjiguiti; mais cadáveres de marítimos e
estivadores são arrastados pelas águas do Geba, não se sabe quantos;
alguns moribundos ou gravemente feridos vão falecer no hospital. As
vozes de propaganda do PAIGC calculam 50 mortos no “massacre do
Pindjiguiti”. Muitos amotinados conseguiram escapar para o Senegal e
República da Guiné-Conakry nos próprios barcos em que
trabalhavam. (SILVA, 1997, p.36).
A partir de 3 de agosto de 1959, Amilcar Cabral decide sair da clandestinidade e,
em uma reunião realizada no dia 19 de setembro de 1959, assume que a luta pela
independência dos povos da Guiné e Cabo Verde deveria ganhar outra estratégia. Na
reunião realizada nessa data decidiu-se o seguinte: deslocar a ação para o campo,
mobilizando os camponeses; preparar-se para a luta armada e transferir parte da direção
para o exterior.
Logo se intensificaram as campanhas no interior da Guiné junto aos
camponeses, estivadores e marinheiros com finalidade de conseguir mais apoio dos
grupos étnicos nas diversas localidades. Com a abertura de uma direção no exterior,
Amílcar Cabral conseguiu apoios importantes do Partido Comunista Português e do
Partido Comunista da União Soviética, que decidiram vincular-se aos movimentos
nacionalistas dos países colonizados (SILVA, 1997, p.39).
Ainda no contexto internacional, visando sempre denunciar as violências e
violações dos direitos do colonialismo português, Cabral participa da I Conferência do
Povo Africano, como observador, e, na II Conferência, apresenta um relatório sobre o
colonialismo português. Também participa da I Conferência dos Estados Africanos
Independente promovida pelo então presidente de Gana, Kwame Nkrumah. Em 1960,
após várias tentativas de negociação para uma saída pacífica, como a aplicação do
45
“Plano Khatib”, que propunha conceder tempo a Portugal para que se posicionasse
sobre sua saída, não se obteve os resultados esperados.
Em outubro do mesmo ano, o Partido Africano da Independência (PAI), numa
reunião no Senegal (país vizinho da Guiné-Bissau), toma algumas decisões e as distribui
para as autoridades portuguesas, a ONU e as autoridades africanas. No documento,
quatro decisões principais podem ser destacadas: a mudança de sigla de Partido
Africano Para Independência (PAI) para Partido Africano Para Independência da Guiné
e Cabo Verde (PAIGC); a aprovação do Programa Maior e Programa Menor do PAIGC
(autoria de Cabral); a escolha da bandeira do partido sugerido por Luís Cabral (irmão de
Amílcar Cabral) e, por último, a abertura para negociação com vistas a uma
desocupação pacífica que, em hipótese negativa, daria início à luta armada (SILVA,
1997, p.43).
Em 1961, coloca-se em prática o plano de “ação direta”, ou seja, dar-se-ia início
a sabotagens e boicotes. Somente em 1963, a sangrenta luta armada para independência
da Guiné e Cabo Verde, suportada mais pelo lado guineense do que pelo cabo-verdiano
teria seu início por meio do ataque ao quartel de Tite, localizado no sul do rio Geba.
Foram onze anos de luta fortemente apoiada pelos comunistas e socialistas do lado
internacional e total entrega dos guineenses, até que, em 24 de setembro de 1973, o
PAIGC proclama unilateralmente a independência, constituindo-se assim a primeira
colônia lusófona independente.
Proclamada unilateralmente a 24 de setembro de 1973 por uma
assembleia representativa reunida no interior do território, a
independência da GB foi logo reconhecida por elevado número de
Estados (afro-asiáticos e socialistas), enquanto o governo português,
em grande dificuldade perante os seus aliados, a considerava um mero
ato de propaganda. Saudada no mês seguinte pela maioria da
Assembleia Geral da ONU, através de uma resolução única na história
de direito da descolonização, GB foi admitida, por unanimidade, na
OUA em 20 de novembro desse ano. O processo de independência
completar-se-ia em 17 de setembro de 1974, uma semana depois do
reconhecimento de jure por Portugal, com a admissão, por aclamação,
na ONU (SILVA, 1997, p.67).
Com o território independente e o país soberano, a primeira Assembleia
Constituinte, formada em 1971, aprovou a primeira Constituição e designou os titulares
dos principais órgãos do Estado, entre os quais o Conselho do Estado e Conselho dos
46
Comissários do Estado, cujo Presidente era Luís Cabral, tendo João Bernardo Vieira
como primeiro ministro, ambos combatentes pela liberdade da pátria.
Além de aprovar a primeira constituição do novo Estado Africano que acabara
de nascer, ao proclamar a independência, a assembleia estabeleceu medidas que
reforçaram a ação do PAIGC no combate aos portugueses. Nessa perspectiva, estavam
assim fixadas as bases para o funcionamento do sistema democrático, em um
documento com força de lei que o partido nomeou de “Bases para criação da 1ª
Assembleia Nacional Popular na Guiné”, no Estado da Guiné-Bissau, em meio a um
ambiente hostil, já que os estrangeiros não haviam desistido ainda da luta.
O objetivo do partido, com a instituição da assembleia, era uma forma de
resposta e demonstração para a comunidade internacional da capacidade de gestão
interna por meio da separação do Partido com o Estado, visando obter o reconhecimento
do partido pela comunidade internacional.
O voto, nessa primeira eleição, teve peso menor na representatividade. A lista
era única e não era nominal: o eleitor só tinha que depositar um papel assinalando “sim”
ou “não” e os candidatos pertencia ao PAIGC. O resultado da eleição foi publicado fora
da Guiné-Bissau, na Argélia, em 6 de novembro de 1972, em uma conferência da
Organização das Nações Unidas (ONU), e definitivamente na Argélia em 8 de janeiro
de 1973 (Silva, 1997, p.118). Doze dias depois, Amílcar Cabral é assassinado a tiros na
vizinha República da Guiné-Conakry, sob conspiração da Polícia Internacional da
Defesa do Estado (PIDE)11
.
Naquele momento, o então general português António Sebastião Ribeiro de
Spínola, presidente de Portugal, alegou que a ordem não era para matar e sim capturar o
Secretário Geral vivo. Até os dias atuais, trata-se um crime a ser resolvido, já que a
cumplicidade pesa sobre várias pessoas e instituições.
Diferentemente de outras colônias, a Guiné-Bissau contribuiu muito para a
questão dos direitos dos povos colonizados em escala global. Primeiramente porque o
partido encarou a luta pela independência não somente por via armada, mas com
resistência política e cultural, efetivamente diferenciada de Cabo Verde e Angola,
influenciando, assim, os outros países da lusofonia e da África. Em segundo lugar,
porque a primeira constituição aprovada pela primeira assembleia mostra que a Guiné-
11
Polícia Internacional para Defesa do Estado, também conhecida sob a sigla PIDE, tinha como
finalidade reprimir os opositores do Estado em Portugal e nas colônias portuguesas entre 1945 a 1969
(Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de outubro de 1945).
47
Bissau foi criada como um Estado Constitucional. Ao se constituir como um Estado
independente, a Guiné vai passar por vários crivos políticos marcados pelas
divergências internas do PAIGC, nas quais o Estado sacrificou vários quadros do
partido.
A insatisfação de partidários com a política do partido, que privilegiava mais
cabo-verdianos do que guineenses, levou ao primeiro golpe militar, derrubando o então
presidente Luís Cabral. O golpe foi realizado em 14 de outubro de 1980 por um grupo
militar chamado “Movimento Reajustador”, que o justificou como forma de preservar a
unidade nacional, provocando, ao mesmo tempo, a separação da Guiné de Cabo Verde.
Esse resgate histórico feito anteriormente foi necessário para compreensão do
comportamento eleitoral guineense. É a partir desse movimento histórico e desses
acontecimentos que marcaram a população guineense antes da aprovação do
multipartidarismo em 1991 que os partidos e candidatos se lançam à procura de votos
em 1994. Como a maioria da população é jovem, pouca memória se tem da época
colonial e do partido único, formulando-se assim, os votos a partir da necessidade de
desenvolvimento do país. Na seção seguinte, a ênfase é na abertura política, ou seja,
discute sobre a aprovação do multipartidarismo e o contexto que marcou essa transição,
resultando na realização da primeira eleição geral multipartidária em 1994. Nesse ano
acontece a primeira eleição livre e transparente, marcando desse modo o fim do Estado
único e da democracia revolucionária e dando início à democracia representativa, com a
presença de vários outros novos partidos. É fundamental, ainda, entender o contexto
político conturbado do PAIGC ao aceitar a aprovação do multipartidarismo, pois a
formatação dos colégios eleitorais ficou muito favorável aos partidos fortes e grandes,
porém desproporcional aos partidos novos e pequenos. Nesse caso, a participação
eleitoral fica comprometida, tanto do ponto vista do comparecimento como do ponto de
vista da representatividade.
48
3. A ABERTURA POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU: A TRANSIÇÃO
Abordar a transição na Guiné-Bissau é mergulhar nos “fracassos” da sociedade
guineense desde 1994 até os dias atuais. Fracasso que se procura minimizar com a
realização de eleição, um processo passível de questionamento devido a várias
irregularidades, a começar por descumprimento de calendário eleitoral, que, segundo a
lei eleitoral, estabelece a realização das eleições entre outubro a dezembro. Porém,
devido aos golpes militares, à falta de recursos e materiais por parte do governo e ao
desentendimento entre a elite política, o calendário foi várias vezes descumpridos.
Antes de aprofundar a análise da abertura política da Guiné-Bissau, datada de
1991, com a aprovação pela Assembleia da Lei de Quadro dos Partidos, a Lei nº 2/91,
importa ressaltar que a Assembleia de 1973 foi unicamente constituída para cumprir a
finalidade de proclamar a Independência, proclamar o Novo Estado e a Constituição do
país, que viria a ser alterada pelas assembleias seguintes.
Outra particularidade da assembleia de 1973 é a de que era unipartidária, com a
presença exclusiva do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC), atual Partido Africano para Independência de Cabo Verde (PAICV), em Cabo
Verde. Esta única presença partidária se deve ao contexto da luta pela libertação,
anteriormente referido.
Esse contexto passa a ter outro rumo a partir da década de noventa, com a
intervenção de vários fenômenos nacionais e internacionais. Como a Guiné-Bissau não
é um país isolado no contexto interno e externo, era de se esperar que os eventos
internacionais tivessem repercussões sobre os contextos sociais, políticos e econômicos
locais. Aliás, o país sempre contou com apoios estrangeiros indispensáveis para a
materialização dos objetivos do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC), que visava libertar o país dos invasores e finalmente desenvolvê-lo.
Um desses eventos foi a queda do sistema socialista europeu e a profunda crise
econômica mundial. Como o PAIGC havia se beneficiado de vários apoios dos países
socialistas, apesar de não se declarar oficialmente socialista, já que não se encontra nada
escrito em seu Programa, o país não podia se excluir das consequências turbulentas e
amargas que o aguardavam após a independência em 1973.
Para fazer face às necessidades básicas, estabeleceu-se o chamado “Programa de
Ajuste Estrutural”, que havia começado em 1983 como forma de reforçar o
desenvolvimento liberal e equilibrar a finança pública.
49
Numa primeira fase, os objetivos principais deste Programa
consistiam em corrigir os desequilíbrios financeiros e em superar os
obstáculos estruturais ao crescimento. Esta nova orientação traduziu-
se concretamente numa liberalização dos preços, numa desvalorização
massiva do peso e na adopção de um sistema de câmbio flutuante.
(CARDOSO, 1995, p.262)
A partir de 1987, o programa mergulha em um descontrole total entre a
produtividade e a política financeira e monetária. Automaticamente, agudizou a inflação
e causou atrasos na quitação das dívidas com a comunidade internacional. Esse fato
gerou impacto negativo na sociedade, com aumento incontrolável do nível de pobreza e
desemprego na Guiné (CARDOSO, 1995. p. 262). Esse era o cenário econômico que
antecedeu e acompanhou a transição política.
No contexto político, a transição pode ser vista a partir do direito a voto na
Guiné-Bissau. A oposição teve papel importante nesse processo. Composta por várias
formações políticas que contribuíram para as opções de exercício do direito de votar e
ser votado enquanto cidadão guineense. Esse direito começou a ser pautado na Guiné-
Bissau pelo PAIGC a partir de 1988, com a criação de uma comissão alargada.
A primeira medida formal tomada pelo poder no sentido de fazer face
ao "vento da mudança" que se anunciava foi a criação, em Junho de
1988, na sequência de uma reunião alargada do Comité central (CC)
do PAIGC, de uma Comissão alargada de reflexão. Esta comissão era
composta não só por dirigentes do PAIGC, mas igualmente por alguns
quadros e técnicos que, embora outrora membros de estruturas
políticas ligadas de alguma forma ao PAIGC e continuando a merecer
alguma confiança do mesmo, mantinham, porém, por razões várias,
alguma distância em relação à nomenclatura. (CARDOSO, 1995,
p.266).
Essa iniciativa vai desembocar em um conflito interno do partido, provocando
uma forte divisão que foi ultrapassada no Congresso do Partido de 20 de janeiro de
1991.
O Congresso promoveu a unidade entre os divergentes e aprovou-se o
multipartidarismo, além de vários outros pacotes de reformas políticas. Entre elas, a
reforma da Constituição e eliminação de seu artigo IV, que propunha a
50
despartidarização das forças armadas e desvinculação da central sindical “União
Nacional dos Trabalhadores da Guiné” (UNTG)12
(CARDOSO, 1995, p. 267).
Em maio de 1991, a assembleia aprovou a Lei Quadro13
dos Partidos e retirou o
artigo IV da Constituição, que definia o PAIGC como a única força dirigente. Esse ato
do Poder Legislativo foi muito importante para os adeptos da liberalização, pois a partir
daí a oposição guineense passou a ganhar legalmente força para seu posicionamento,
sem receio de perseguição política.
Também foi fundamental para a ala liberal do partido, que vislumbrava uma
democracia com vários intervenientes no destino do povo guineense, e não o PAIGC
como a força motora do povo como pretendia a ala conservadora.
A Guiné-Bissau ainda está presa a problemas como o de escolher o substituto de
Amílcar Lopes Cabral. Em vários escritos (CABRAL, 1979), Amílcar Cabral alertou os
camaradas da luta sobre a dificuldade de governar. Silva (2003) afirma que tais
camaradas podem ser chamados da “geração dos vitoriosos Combatentes da Liberdade
da Pátria (até 1974), e geração trágica dos antigos combatentes desde 1980”. Para o
filósofo guineense, estes são os verdadeiros protagonistas dos problemas que o país
enfrentou no período da transição política.
Para outros, como Carlos Cardoso, três variáveis explicam o insucesso da
transição: o definhamento do Estado, a personalização do poder político e a
concentração de poder nas mãos de uma etnia (CARDOSO, 2009, p. 2). Ainda na visão
de Cardoso (2009), entre as quatro fases da “abordagem transicional do Dankwart
Rustow14
” - quais seja unidade nacional, luta política, primeira transição (ou fase da
decisão) e segunda transição (ou habituação) -, a Guiné não chega a conclui-las
(CARDOSO, 2009, p.1).
12
União Nacional dos Trabalhadores da Guiné é importante instituição na consolidação e conquista dos
direitos trabalhistas dos guineenses após abertura política, fundada em 18 de maio de 1961 pelo PAIGC
liderado por Luís Cabral. 13
Recentemente, em 2018, o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na
Guiné-Bissau, conhecido pela sigla UNIOGBIS, propôs um reexame da lei que recomenda a revisão da
lei para reforçar a regulamentação das atividades políticas, garantir o acesso das mulheres aos órgãos da
direção do partido e às candidaturas às eleições, constitucionalizar as disposições que regem o
funcionamento dos partidos e a criação do tribunal constitucional eleitoral. (UNIOGBIS, 2018) 14
Dankwart Alexander Rustow é conhecido pelo estudo que realizou sobre as diferentes etapas pelas
quais um país passa durante a democratização, dentre elas a unidade nacional, a luta política prolongada,
a fase da decisão e a fase da habituação. Ele descarta as pré-condições sociais e econômicas necessárias
para a democracia.
51
3.1. Da Teoria Sobre a Transição
Importa antes de dar continuidade a discussão, olhar um pouco para os
argumentos da teoria sobre a transição e para alguns aspectos que envolvem a
democracia.
Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a democracia e o liberalismo
aumentaram sua importância a nível global, como aponta Held:
A democracia liberal foi proclamada o agente do “fim da história”:
conflitos ideológicos, como já se disse, estariam sendo substituídos
pela razão democrática. Um número cada vez maior de lutas políticas
é travado em nome da democracia, e um número cada vez maior de
países é reformulado segundo moldes democráticos. (HELD, 1991,
p.145).
Mas quando se olha para o terceiro continente mais extenso e o segundo mais
populoso e diversificado do planeta, a África, a democracia encontra um vasto território
a seu dispor, ao mesmo tempo em que enfrenta uma série de dificuldades, disputando
território com o autoritarismo.
É esse o caso da Guiné: após um logo período governado sob a égide do
autoritarismo, embarca no processo de transição para a democracia na terceira onda
democrática (O´Donnell, Schimitter e Whuitehead: 1986; Schimitter: 1985; Weffort:
1988), que começou em 1970. Mas é preciso muita prudência e atenção ao abordar a
transição no contexto africano, já que vários exemplos de transição na África não
resultaram em sistemas democráticos.
O cepticismo em relação ao carácter irreversível dos processos
democráticos em África domina um bom número dos espíritos
daqueles que se dedicam aos estudos africanos. Chazan chama-nos a
atenção para o facto de que "a recente vaga política não deve ser
confundida com a democratização" (Chazan 1992), enquanto Toulabor
propõe que as transformações políticas devem ser interpretadas
simplesmente como "uma transição no sentido de sistemas políticos
mais pluralistas" (Toulabor, 1991: 58). Lemarchand vai mais longe
concluindo que a liberalização, que é o desmantelamento do regime
autoritário, pode acontecer sem democratização (Lemarchand
1992:178). (CARDOSO, 2009. p.3).
Várias causas explicam o insucesso na afirmação da democracia, entre elas: (a)
partidos políticos despreparados para organizar as instituições e se adequar ao novo
sistema; (b) rivalidade entre as ideologias que desvia o foco na construção de
52
instituições fortes e capazes de minimizar os efeitos dos males da corrupção e do
nepotismo; (c) resistência à alternância no poder que, em muitos casos, resulta no uso
da violência, como é o caso da Guiné-Bissau, que conheceu várias interrupções
provocadas pelos golpes militares ao longo da sua história de transição. Ao mesmo
tempo, essas causas interferem diretamente no comportamento eleitoral e, por sua vez,
na participação eleitoral.
Entre estas causas também pode ser citada a transformação abrupta ou a
mudança de um sistema para outro sem cumprir o tempo necessário para que ela seja
incorporada nas estruturas sociais, transformando-se, assim, numa tarefa muito árdua.
Segundo Moises (1989, p. 48-49), ao abordar a transição no contexto sul-
americano, as experiências autoritárias e as dificuldades que as forças políticas
enfrentam para dar conta num terreno movediço acabam minando o sucesso da
transição.
Ainda na perspectiva da análise sobre o tema, as teorias de transição também
podem ajudar na compreensão desses fracassos, particularmente no caso guineense.
Uma das teorias, a funcionalista, estabelece que o desenvolvimento econômico e a
modernização são fundamentais para que exista um sistema democrático, ou seja, é
preciso um elevado nível de rendimento per capita, bem-estar e industrialização para
que sistema democrático funcione (LIMA E MOREIRA DE SÁ, 2005, p. 128).
Até onde a história permite afirmar, na Guiné havia indústrias sob a tutela do
Estado no período da transição. Mas não existia um alto nível de rendimento per capita,
muito menos de bem-estar. Sob esta ótica teórica, os países mais ricos são vistos como
mais democratizados, e como a Guiné encontra-se na lista dos países mais pobres,
situado no continente considerado o mais pobre do planeta, dificilmente seria um país
democrático.
Entretanto, há contradições: depois de 1960, apareceram alguns poucos
exemplos que contrariaram os pré-requisitos dessa teoria, por exemplo, Portugal, Grécia
e Espanha, países em que vingou a democracia (LIMA E MOREIRA DE SÁ, 2005,
p.128). Após esses exemplos, a base fundamental passou a ser a cultura política de um
país. Segundo Almond e Verba (1965) (apud LIMA E MOREIRA DE SÁ, 2005, p.
129), o sistema político instituído em um país é uma variável dependente de suas
estruturas culturais, isto é, de valores, orientações afetivas, atitudes e crença. Estas
Características passam a ser vistas como pré-requisito para se falar em um sistema
53
democrático. A partir de 1970, os estudos que seguiram analisando os casos de transição
a nível global se aproximaram mais dos casos reais sobre a transição e a própria
democracia.
No caso guineense, a primeira fase não foi concluída. A luta pelo poder sem
acordos políticos que viabilizassem a estabilidade do país no processo de transição
nesse país da África Ocidental constitui um dos entraves para a consolidação da
democracia.
Sem contar que não se sabe se tal processo nos levará a uma democracia e, caso não
aconteça, o que se pode esperar do sistema ou da própria transição? Motivos não faltam
para fundamentar tal incerteza, apontada recentemente por Cardoso (2002).
No caso da Guiné-Bissau, e tal como foi analisada por Amílcar
Cabral, a camada que assumiu esta missão histórica foi uma facção da
pequena burguesia, que não só era consciente dos seus interesses e da
sua situação, como também foi capaz de organizar a luta. Esta mesma
camada que emergiu ainda na época colonial revelou-se à altura de
dirigir o processo político de descolonização, mas foi incapaz de
conduzir o país ao desenvolvimento social e económico, ao mesmo
tempo em que continua a não dar provas de capacidade para se
democratizar e democratizar o país. (CARDOSO, 2002, p. 7).
Portanto, essa disputa de quem deve governar ou quem detém o poder, além de
comprometer a conclusão da primeira fase, segundo a teoria de Rustow (1970), também
compromete a segunda. Ou seja, as instituições acabam presas aos interesses de uma
minoria (no caso guineense e em outros exemplos africanos) que visa unicamente à
satisfação dos interesses desse grupo.
Na Guiné-Bissau, o diferencial é que, além da atitude que promovia a
democracia ser diferente para o político e para o cidadão, o processo de transição passou
a significar ser governado por um governo de transição ou governo militar
(autoritarismo disfarçado). O processo não era visto como o estabelecimento de um
sistema que ampliasse a participação da maioria no processo decisório ou nos principais
canais de decisão.
Já em 1980, vários estudos comparativos em diferentes países ofereciam uma
conclusão na mesma linha da argumentação de Rustow ou agregando fatores novos.
A contribuição de Samuel Huntington teve grande importância para as análises sobre a
transição com a publicação da obra intitulado “The Third Wave: Democratization in the
Late Twentieth Century (1991)”. A partir de Huntington, pode-se concluir que a
54
transição guineense se encaixa no primeiro modelo - transformation -, dado que a
transição partiu do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC) que, após a independência, representava o Estado e o povo (partido único).
Sendo que a opção pela democracia veio do próprio regime autoritário do partido. Do
ponto de vista de Rustow (1970), a transição guineense ainda se encontra na primeira
fase - luta pelo poder -, como comprovam os sucessivos golpes de Estado, governos
militares e governos de transição.
3.2. Do Conceito da Democracia
A Guiné-Bissau não deixa de ser, entretanto, um país democrático, se se
considerar que acontecem eleições e o povo escolhe sempre seus representantes. É o que
explica Rouquié (1985, p. 20) ao dizer que “atualmente sacraliza-se a democracia,
tirante algumas exceções arcaicas, todos os regimes são democráticos, pois falam em
nome da soberania do povo e assim se inscrevem na definição jeffersoniana do governo,
do povo para o povo”. Ao citar Crick (1968), o autor define a democracia como governo
fundado no consentimento da maioria, à condição de que este não seja extorquido ou
forçado em consequência da ausência de escolha (ROUQUIÉ, 1985, p. 20). Assim,
pode-se instaurar o sistema representativo baseado no acesso à cidadania, competição
eleitoral aberta, apuração honesta de escrutínio, mudança de partido no poder de uma
forma pacífica. A democracia corresponde a um método com regras definidas e
pacíficas que permite aceitar ou recusar os homens chamados a governar. Para tal
sistema funcionar é necessário respeito aos direitos civis e às liberdades para que as
mudanças dos governantes sejam possíveis e a alternância no poder seja pacífica. Esta
concepção constitucional-pluralista da democracia foi muito criticada, pois a sua
dimensão liberal se opõe ao conteúdo social de um regime fundado na soberania do
povo (ROUQUIÉ, 1985, p. 21).
Partindo destas acepções de democracia, é possível esclarecer o que foi
chamado, logo no início desta seção, de “fracassos”, acompanhando Cardoso (2009) e
Silva (1994), de “avanços e retrocessos” da transição para a democracia.
Desde 1994, com a realização da primeira eleição, a democracia guineense sofre
de uma instabilidade governativa e político-militar, o que é normal do ponto de vista de
um sistema pluralista devido à presença de manifestações de liberdade e exercícios de
55
direito de várias ordens e grupos. Nesse contexto de instabilidade, o respeito à norma e
à educação se torna uma ferramenta importante.
A democracia não se acha, pois, inscrita na natureza, nem
antropológica nem sociológica; trata-se bem de uma criação cultural.
E a tentação da qual fala Aron constitui seu horizonte maldito, a
“queda” e “pecado” no sentido bíblico. Por que nas democracias
estáveis esta tentação, apesar das crises, consegue ser com tanta
frequência evitada? É Montesquieu que nos dá a resposta: “A virtude
é o princípio da democracia”. Qual é conteúdo desta força propulsora
essencial do governo republicano? “O amor pelas leis e pela pátria”,
nos diz ele, lembrando o papel da educação, no seu entender capital, e
precisando que a “virtude política consiste numa renúncia a si mesmo
que é sempre coisa penosa”. (ROUQUIÉ, 1985, p. 32).
O respeito às normas proporciona o exercício da razão e da reflexão, resultando
assim, em uma ampla visão de diferentes ângulos na disputa pelo poder, na ampliação e
preservação da liberdade e no respeito aos direitos civis.
Posto isso, define-se a democracia como método pelo qual a maioria exerce o
poder de escolha de um grupo de representantes com a finalidade única de proteger os
direitos considerados básicos para o exercício da liberdade.
3.3. Da Participação Política
A participação eleitoral é uma das atividades da participação política dentro de
uma sociedade organizada por leis e princípios. A participação política está ligada à
ideia de soberania popular. É instrumento de legitimação e fortalecimento das
instituições democráticas e de ampliação dos diretos de cidadania (AVELAR, 2007, p.
261). Nesse sentido, a sua variação depende muito do contexto histórico, da tradição da
cultura política de um país e região e, por último, da situação social dos que participam.
Surgiu a partir da organização do estado-nação, atrelada ao conceito de soberania
popular.
A participação política emergiu junto com o Estado de soberania
popular, à época dos movimentos revolucionários europeus dos
séculos XVIII e XIX, no contexto das revoluções industrial e
burguesa, um fenômeno que rompeu com a regra secular da
correspondência entre posição social e política dos indivíduos. Essa
ruptura foi lenta, iniciada com a queda paulatina da aristocracia e a
ascensão da burguesia e, mais tarde, incorporou cidadãos da classe
trabalhadora. Em alguns casos – mas, raramente -, dava-se a entrada
de indivíduos de classe inferiores na política, por iniciativa dos
próprios governos conservadores, com objetivo de ampliar a sua base
56
de apoio e de legitimidade. A consolidação da ideia de que o Estado
soberano possibilita ao cidadão, indiferentemente da sua posição
social, reivindicar seus direitos de modo a superar sua desigualdade
diante de outros que usufruem de privilégios sociais e políticos.
(AVELAR, 2007, p.224).
Em uma definição abrangente, Pizzorno (1975) (apud Avelar, 2007, p. 264)
aponta que a participação é a ação que se desenvolve em solidariedade com outros no
âmbito do Estado ou de uma classe, com objetivo de modificar ou conservar a estrutura
(e, portanto, os valores) de um sistema de interesses dominantes; de forma sucinta, é a
ação de indivíduos e grupos com objetivo de influenciar o processo político.
Segundo Avelar (2007, p.225), sempre haverá dificuldades na sistematização do
repertório da participação nas democracias contemporâneas, destacando-se três canais
de participação: o canal eleitoral (participação eleitoral e partidária), o canal corporativo
(instâncias de categorias e associações de classes para defesa de interesses comuns) e o
canal organizacional (organização coletiva no âmbito da sociedade civil: movimentos
sociais, subculturas políticas).
A participação pelo canal eleitoral compreende as atividades eleitorais
e a dos partidos, que são as instituições especializadas de ligação entre
a sociedade e o Estado. São eles que organizam todos os rituais da
democracia representativa, como as candidaturas às eleições, de modo
que a população ratifique a confiança em seus representantes ou deles
se livre. (AVELAR e CINTRA, 2007, p. 226).
Na Guiné-Bissau, a referência que se tem de participação política remonta do
final da década de cinquenta, com o surgimento dos movimentos da luta pela
independência. É o caso do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo
Verde, que começou como movimento e depois se consolidou como partido político. No
início da década de sessenta surgiu o maior sindicato do país, a União Nacional dos
Trabalhadores da Guiné (UNTG), uma importante instituição na consolidação e
conquista dos direitos trabalhistas dos guineenses. A partir de 1994, com a liberalização
econômica e política, o espaço da participação ampliou-se em quase todas as esferas
com o surgimento de vários partidos políticos e sindicatos de classes diferentes.
É a partir desse contexto de transição que vão surgir partidos novos para disputar
as eleições legislativas e presidenciais. É também a partir do contexto de instabilidade e
de desconfiança que surge o novo sistema eleitoral guineense, que será abordado na
57
seção seguinte. Em especial, dar-se-á ênfase à lei eleitoral nº 10/2013, que trata da
eleição do Presidente da República e da Assembleia Nacional Popular; será destacada
também a Constituição da República.
58
4. SISTEMA ELEITORAL: A LEI ELEITORAL Nº 10/2013 DE 25 DE
SETEMBRO
Os sistemas eleitorais são mecanismos importantes na transformação ou
conversão dos votos em mandatos dentro de uma democracia. Portanto, tem uma
relação intrínseca com a participação eleitoral tanto do ponto de vista de tomada de
decisão como do ponto de vista do comparecimento. Dependendo do modelo adotado,
o sistema eleitoral pode tornar a participação mais eficiente no sentido de tomada de
decisão, assim como pode interferir na formação das maiorias. Cientes dessa
importância para o objeto do nosso estudo busca-se discutir, nesta seção, algumas
abordagens conceituais e as diferentes tipologias em vigor.
Abordar os sistemas eleitorais faz-se cada vez mais necessário, principalmente
quando os olhares estão voltados aos países em via de desenvolvimento e aos que
recentemente decidiram enveredar pelo caminho da democracia. Segundo Jairo Marconi
Nicolau, ao analisar os sistemas eleitorais, “raramente um eleitor comum conhece as
minúcias técnicas do sistema eleitoral em seu país e dificilmente passaria pela cabeça do
mesmo de que os procedimentos para escolha de um representante possam ser diferentes
do utilizado em seu país” (NICOLAU, 2001, p. 9).
Para a análise dos sistemas eleitorais, tem-se como referência Nicolau (2001) e
Tavares (1994); em seguida, será abordado o caso guineense, destacando a Lei nº 10/
2013 e a Constituição da República da Guiné-Bissau.
Posta a importância da discussão sobre sistemas eleitorais, importa esclarecer
uma dúvida: Qual a distinção entre representação política e sistemas eleitorais?
A representação política é uma relação entre o conjunto dos cidadãos
que integram uma comunidade política nacional e os seus
representantes, na qual os primeiros, enquanto comitentes e
constituintes, autorizam os últimos a tomarem as decisões que
obrigam em comum e universalmente a todos, nelas consentindo por
antecipação e assumindo, cada uma, todas as consequências
normativas derivadas das decisões do corpo de representantes como se
as tivesse efetiva e pessoalmente adotado, e na qual, por outro lado,
cada um dos representantes se obriga a tornar efetivo, no corpo
legislativo, ao mesmo tempo os valores fundamentais e comuns da
ordem política daquele conjunto especial de constituintes que, com
sua confiança, concorreram para consecução de seu mandato.
(TAVARES, 1994, p.33).
59
Essa relação é importante em uma democracia, já que a partir dela é possível
verificar os valores que prezam os constituintes/cidadãos. É dela que depende uma série
de decisões, inclusive políticas públicas consideradas essenciais para o cidadão.
Do outro lado, o sistema eleitoral aparece como o mecanismo de efetivação e
construção de representação política em relação ao sistema partidário, como explica
Tavares (1994):
Sistemas eleitorais são construtos técnico-institucionais legais
instrumentalmente subordinados, de um lado, à realização de uma
concepção particular de representação política e, de outro, à
consecução de propósitos estratégicos específicos, concernentes ao
sistema partidário, à competição partidária pela representação
parlamentar e pelo governo, à constituição, ao funcionamento, à
coerência, à coesão, à estabilidade, à continuidade e à alternância dos
governos, ao consenso público e à integração do sistema político.
(TAVARES, 1994, p. 17).
Diante dessas distinções, fica evidente o quanto é complexa a compreensão do
sistema eleitoral por envolver diferentes atores com interesses divergentes desde a sua
origem, seja do representado ou do representante. Também fica clara a presença de uma
teoria formal e universal sobre a natureza, funções e propósitos da representação
política e uma clara intenção estratégica que dela pretende extrair determinados efeitos
sob condições sócio-políticas específicas, hic et nunc (TAVARES, 1994, p.17).
Nicolau (2001, p.10) define sistemas eleitorais como o mecanismo responsável
pela transformação dos votos dados pelos eleitores no dia da eleição em mandatos
(cadeiras no Legislativo ou chefia de Executivo), assinalando que as regras que
transformam as preferências eleitorais em mandatos não esgotam as leis eleitorais de
uma democracia. Isso reforça a ideia do quanto é profundo o alcance de um sistema
eleitoral, que, mal compreendido, além de abalar a democracia, contribui muito para a
instabilidade do processo de transição à democracia e para a própria instabilidade do
processo eleitoral, social e político.
A partir de concepções acima, pode-se concluir que o motivo para sucessivas
instabilidades políticas está na aprovação de um sistema eleitoral injusto em relação à
competição partidária pela representação política, injusta para com a coesão e a
alternância dos governos, no caso guineense. Isso porque, em 1990, o contexto social e
econômico internacional e nacional não sustentaria por muito tempo o regime de partido
único, ou seja, a liberação econômica e a aprovação do multipartidarismo foram quase
60
que impostas em um momento em que o PAIGC enfrentava conflitos internos de
liderança.
O sistema eleitoral distingue-se em sentido amplo e em sentido restrito ou
específico. No primeiro caso, refere-se “ao conjunto orgânico dos diferentes institutos
jurídicos, recursos técnicos e procedimentos que regulam o processo que inicia com a
convocação das eleições e termina com a proclamação dos resultados” (TAVARES,
1994, p.34). Em sentido específico ou restrito, o sistema eleitoral compreende apenas “o
procedimento técnico com base no qual se realiza a distribuição das cadeiras
legislativas”, entre os partidos e entre os candidatos.
Rae (1967) faz uma distinção mais centrada na lei eleitoral e não no sistema
eleitoral, o que na realidade é também a pretensão desta seção ao abordar a legislação
eleitoral guineense. O autor não deixa de enfatizar a interdependência entre processo
eleitoral (election laws) e as leis eleitorais no sentido estrito (electoral laws) e define a
lei eleitoral da seguinte maneira:
Leis eleitorais são aquelas que regulam os processos através dos quais
preferências eleitorais são articuladas em votos e estes votos são
convertidos em parcelas de autoridade governamental (tipicamente
cadeiras parlamentares) distribuídas entre os partidos em competição.
(RAE, 1967, p. 14).
Por isso, todo cuidado na escolha política do sistema eleitoral se torna
indispensável para garantir maior participação e estabilidade, consideradas
fundamentais em uma democracia. Entre os fatores que pesam sobre essa escolha,
Tavares (1994) aponta quatro:
Quatro fatores essenciais operam sobre a concepção ou sobre as
escolhas políticas concretas de um sistema eleitoral: (1) as
peculiaridades da estrutura sócio-política e das instituições da
sociedade nacional particular em que o sistema eleitoral será adotado
constituem o elemento fundamental de constrangimento na decisão
política que o define; (2) a avaliação estratégica da realidade e do
desígnio estratégico por parte do instituidor constitui o elemento de
mediação subjetiva do qual ocorre aquela decisão; (3) a teoria positiva
e normativa da representação política, conscientemente ou não
assumida pelo instituidor, constitui o marco que orienta a concepção
ou a escolha do sistema eleitoral; e, finalmente, (4) a engenharia
institucional e legal constitui o meio técnico capaz de implementá-los.
(TAVARES, 1994, p. 34).
61
Dito de outra forma é preciso ter em conta a cultura social e política para evitar
choque e disputas dentro da própria estrutura nacional, e isso é muito importante para o
fator estabilidade. O proponente do sistema precisa ter boas intenções e ter ciência de
que o interesse nacional deve se sobrepor ao interesse de pequenos grupos, para que a
representação política corresponda aos anseios nacionais. As leis são atos políticos e
não são indiferentes quanto aos seus efeitos e aos diversos interesses em que se divide a
sociedade (TAVARES, 1994, p.34).
4.1. Tipologias do Sistema Eleitoral
É comum estabelecer comparações entre sistemas eleitorais baseados em
funções ou cargos do tipo eletivo. O fato de ter-se a figura de um primeiro ministro em
vários sistemas não é suficiente para considerar os sistemas como semelhantes. Na
realidade, a diferença entre um sistema eleitoral e outro se baseia fundamentalmente na
forma como os representantes são eleitos para o exercício de mandatos por um
determinado tempo. Apesar de existirem diversas tipologias usadas para classificar os
sistemas eleitorais, o consenso entre os especialistas é de uma agregação em duas
grandes “macro famílias”: a representação majoritária e a representação proporcional
(NICOLAU, 2001, p. 10).
Tavares (1994), no seu estudo sobre sistemas eleitorais, refere-se aos dois
grandes sistemas como princípios ou teorias normativas formais:
Das observações precedentes decorre uma importante implicação.
Consideradas enquanto princípios ou teorias normativas formais,
representação majoritária e representação proporcional são duas
alternativas polares, ou extremas, que se excluem antiteticamente.
Entretanto, examinados enquanto sistemas eleitorais específicos e
concretos, e em particular do ponto de vista das fórmulas eleitorais
segundo as quais esses últimos funcionam, representação majoritária e
representação proporcional desdobram-se em um universo tendencial
e ilimitado, quanto ao número e à variedade, tendem a desvanecer-se,
na realidade empírica e na percepção, como resultado da multiplicação
de pequenas diferenças, de grau. (TAVARES, 1994, p. 49).
Além dessas duas “macro famílias”, Nicolau (2001, p.58) e Tavares (1994, p.99)
distinguem outro tipo de sistema, chamado de mistos. O sistema eleitoral misto
corresponde fundamentalmente à combinação das características dos sistemas
majoritário e proporcional.
62
Os quadros abaixo apresentam um panorama das tipologias15
e de como se
subdivide cada sistema eleitoral.
Quadro 1 - Sistema Eleitoral Majoritário
Majoritário
Maioria Simples
Bangladesh - Canadá
Estados Unidos - Índia
Malavi – Nepal
Paquistão - Reino Unido
Zâmbia
Dois Turnos França – Mali
Voto Alternativo Austrália
Voto em Bloco Tailândia
Fonte: Nicolau (2001, p.12)
Quadro 2 - Sistema Eleitoral Misto
Mistos
Combinação
Coréia Do Sul - Equador
Japão – Rússia
Taiwan - Ucrânia
Correção
Alemanha - Bolívia
Hungria - Itália
México - Nova Zelândia
Venezuela
Fonte: Nicolau (2001, p.12)
Quadro 3 - Sistema Eleitoral Proporcional
Proporcionais Proporcional de Lista
África do Sul – Argentina
Áustria – Bélgica
Brasil – Bulgária
Chile – Colômbia
Costa Rica – Dinamarca
Espanha – Finlândia
Grécia – Holanda
Israel – Madagáscar
Moçambique - Noruega
Paraguai – Peru
Polônia – Portugal
15
Nicolau (2001, p.11): Cada autor que se dedica ao estudo dos sistemas eleitorais cria uma tipologia
singular. Alguns procuram dispor todos os sistemas possíveis em termos lógicos, ainda que não tenham
sido experimentados em qualquer eleição (Newland, 1982; e Dummett, 1984). Outros procuram incluir
todos os sistemas eleitorais já testados em alguma eleição (Tavares, 1994). A classificação dos sistemas
eleitorais que aparece neste trabalho segue, com pequenas variações, a proposta por Blais e Massicotte
(1996a) e se guia por dois princípios básicos: a) inclusão apenas dos sistemas eleitorais em operação
atualmente em alguns países democráticos; b) análise dos sistemas eleitorais por sua mecânica e lógica
interna, e não por seus efeitos menos ou mais proporcionais – por isso não classifiquei os sistemas mistos
de correção como proporcionais, e o sistema de voto único não transferível e misto de combinação como
semiproporcionais.
63
República Tcheca - Suécia
Suíça – Turquia
Uruguai
Voto Único Transferível Irlanda
Fonte: Nicolau (2001, p.12)
4.1.1 Sistema Eleitoral Majoritário
O sistema eleitoral majoritário é um sistema usado em vários países em
diferentes continentes, entre eles a Guiné-Bissau, para eleger os representantes do Poder
Executivo. Este sistema procura garantir a eleição daqueles que receberem o maior
contingente de votos dos eleitores dentro de uma circunscrição, colégio ou distrito
eleitoral – definido como o território sob cuja jurisdição os votos dos eleitores são
convertidos em assentos parlamentares, com inteira independência e abstração dos votos
emitidos em outros territórios; elegem-se o partido ou os candidatos que obtiverem os
maiores volumes de votos, até que seja efetivamente assumida toda a representação
parlamentar que cabe à circunscrição, perdendo toda a sua eficácia e sendo desprezados
ou expropriados os votos nos demais partidos e candidatos (Nicolau, 2001; Tavares,
1994). Em seguida, serão apresentadas as particularidades de cada fórmula política do
sistema majoritário.
4.1.2 Sistema Majoritário: Maioria Simples
Esse sistema de maioria simples16
é um dos mais consagrados no conjunto do
sistema majoritário pela simplicidade da sua fórmula, em que é eleito o candidato que
obtiver mais votos entre todos os concorrentes.
Entre os sistemas eleitorais majoritários, a fórmula política
consagrada nas democracias representativas e constitucionais que se
instituíram segundo a tradição ocidental é a eleição por pluralidade, ou
a maioria simples, distritos uninominais e em um único turno, na qual
o eleitor detém igualmente um voto uninominal, adotada em
particular, mas não exclusivamente, pela grande maioria dos países de
origem anglo-saxônica. (TAVARES, 1994, p. 69).
16
Segundo Nicolau (2001, p.15), existe uma variedade de expressões em inglês para designar este
sistema: first past the post (FPTP), plurality, relative majority, single member single plurality. Apesar de
o termo “pluralidade” aparecer nos dicionários da língua portuguesa e de ter sido utilizado no tratado de
Tavares (1994), optou-se por nomeá-lo de “maioria simples” por considerá-lo mais intuitivo e mais
abrangente.
64
Uma das características desse sistema é a distorção produzida entre a votação e a
representação parlamentar. É um sistema que revelou capacidade de criação de
governos com base parlamentar unipartidária, facilitando o controle dos eleitores sobre
o governo.
4.1.3 Sistema Majoritário: de Dois Turnos
Nesse sistema é obrigatório o candidato atingir a maioria absoluta para se eleger,
do contrário realiza-se o segundo turno. É o caso da Guiné-Bissau para eleições
presidenciais, que elege no segundo turno o candidato que obtiver 50% mais um voto
válido se, no primeiro turno, nenhum dos candidatos conseguirem a maioria absoluta.
No caso francês e maliano, o sistema de dois turnos também é usado nas eleições
parlamenteares, com algumas diferenças básicas. No primeiro, podem concorrer no
segundo pleito os candidatos que tiveram mais de 12,5% do total dos eleitores inscritos,
pois há possibilidade de mais de dois candidatos concorrerem no segundo turno,
enquanto que no Mali, o modelo é do voto em bloco partidário; não obtendo 50% dos
votos, realiza-se o segundo turno com os dois candidatos ou lista dos mais votados
(NICOLAU, 2001, p.21).
Duas vantagens destacam-se no sistema de dois turnos. A primeira refere-se à
maior representatividade dos eleitos, já que são necessários pelo menos 50% dos votos,
nos casos em que forem dois candidatos para o segundo turno; a segunda vantagem
refere-se à sub-representação dos partidos extremistas, já que estes são poucos adeptos a
realização de alianças.
Segundo Tavares (1994), há cinco tipos de escrutínio de dois turnos:
Competem no segundo turno todos os partidos e candidatos, quer
tenham ou não concorrido ao primeiro turno, elegendo-se aquele
que obtiver a maioria simples ou relativa. 2. Alternativamente,
essa fórmula pode ser adotada acrescentando uma única restrição:
concorrem ao segundo turno todos os candidatos que competiram
no primeiro. 3. Contudo, a fórmula realmente consagrada é aquela
adotada para a eleição de Assembleia Nacional na Quinta
República francesa que, combinando maioria no primeiro turno e
pluralidade no segundo, permite a competição, neste último, de
todos os partidos que concorreram no primeiro turno, excluídos,
entretanto, conforme a legislação eleitoral de 1958, os candidatos
que não obtiveram 5% dos votos no primeiro turno e, de acordo
com a lei eleitoral de 1966, aqueles que não lograram votos em
65
número igual ou superior a 10% dos eleitores inscritos na
circunscrição e, finalmente, desde 1976, aqueles que não
alcançaram 12,5% dos votos no primeiro turno. 4. Concorrem no
segundo turno apenas os dois candidatos mais votados no
primeiro, elegendo-se aquele que tiver logrado a maioria absoluta
dos votos. 5. É necessário, finalmente, fazer referência à eleição
presidencial em segundo turno pelo congresso, nos casos em que
nenhum candidato tenha logrado maioria absoluta nas eleições
populares diretas. (TAVARES, 1994, p. 77).
Tavares (1994, p.77) destaca ainda que a quarta fórmula propicia a coesão e a
coerência ideológica dos partidos, a fidelidade ideológica partidária do eleitor e, além
disso, concilia autoidentidade.
Com relação à capacidade de decisão sobre a eleição do presidente, esta fica para
o segundo turno, com as minorias que, apesar de não possuírem condições de governar,
podem asseguram a eleição de um dos dois grandes partidos. Esta capacidade lhes
permite negociar a participação no governo e no programa de governo.
4.1.4 Sistema Majoritário: Voto Alternativo ou Preferencial
Esse sistema, usado na Austrália, permite que os representantes sejam eleitos
com a maioria absoluta (Tavares, 1994; Nicolau, 2001). O sistema de voto alternativo
realiza em um único turno os efeitos da eleição de dois turnos, resultando em uma
variedade de escolhas dos eleitores. Tavares (1994) explica como este sistema funciona:
O eleitor vota num candidato, mas indica na mesma cédula uma
segunda, terceira ou quarta preferência, como alternativa, até esgotar o
número de candidatos, para a eventualidade de que o candidato que
prefere com preferência não logre a maioria absoluta. Se, na primeira
preferência, nenhum candidato obtém a maioria absoluta, elimina-se o
candidato menos votado, alocando aos respectivos candidatos as
segundas preferências registradas nos votos dados àquele. Vencerá as
eleições aquele que tiver obtido, por este meio, a maioria absoluta. Se,
ainda assim, nenhum a tiver obtido, repete-se a operação, excluindo o
segundo candidato menos votado e transferindo seus votos aos
candidatos que neles tiverem obtido a preferência subsequente, e
assim sucessivamente, até que a maioria absoluta tenha sido
conquistada por um candidato. (TAVARES, 1994, p. 84)
4.1.5 Sistema Eleitoral Misto
O sistema eleitoral misto vem ganhando espaço, mas até o final dos anos 1980
não era muito utilizado. Esta crescente adesão deve-se ao fato de alguns países adotarem
66
ao mesmo tempo o modelo majoritário e proporcional. O sistema misto utiliza ao
mesmo tempo o modelo majoritário e proporcional em eleições para o mesmo cargo
(NICOLAU, 2001, p. 59).
O conceito de sistema eleitoral misto depende de vários elementos que compõem
o sistema eleitoral de um país. O caráter compósito e único é resultado da combinação
de diversos elementos, variando de acordo com a estrutura e efeito dos mesmos
(TAVARES, 1994, 99). Entre estes elementos, quatro são essenciais e universais por
marcarem presença em todo sistema eleitoral: a magnitude da circunscrição ou distrito
eleitoral, a estrutura do boletim de voto, o procedimento de votação e a fórmula de
conversão de voto em cadeira legislativa ou qualquer outro posto público eletivo
(TAVARES, 1994, p.99).
Na mesma direção, Tavares (1994, p.100) também nos fornece uma definição do
sistema misto eleitoral. E aponta que, quando se tem um sistema eleitoral com
circunscrição eleitoral de magnitudes diferentes, existem tipos diferentes de boletim de
votos, possibilitando diversas combinações que podem ser identificadas como sistema
misto no seu sentido amplo. No sentido estrito, o autor se aproxima da definição do
Nicolau, destacando o sistema alemão e o francês.
Entretanto, num sentido estrito, aqui adotado, são identificados como
mistos aqueles sistemas que combinam ou empregam alternativamente
métodos majoritários e métodos proporcionais: o sistema de eleição
proporcional personalizado, atualmente adotado pela República
Federal da Alemanha, e o sistema de listas associadas, empregado
para regular as eleições parlamentares francesas de 1951, realizam
respectivamente a primeira e a segunda modalidade. (TAVARES,
1994, p. 100).
Este sistema se subdivide em sistema de combinação e em sistema de correção.
No primeiro, cada sistema possui um percentual de cadeiras alocadas segundo o modelo
proporcional ou majoritário e o número de votos de cada eleitor, podendo ser um ou
dois. Por exemplo, no Equador, 16% de representantes são eleitos pelo sistema
proporcional, enquanto na Rússia esse percentual é de 50% (Nicolau, 2001, p.60).
Já o sistema misto de correção, como o próprio nome diz, serve ao propósito de
corrigir distorções possíveis na relação voto/cadeiras do sistema majoritário. Esse
modelo é usado na Alemanha, Bolívia, México, Nova Zelândia e Venezuela, em que a
correção assim funciona:
67
a) Calculam-se as cadeiras recebidas pelos partidos no âmbito
nacional (Bolívia) pelo sistema proporcional; b) diminuem-se
desse total as cadeiras conquistadas pelos partidos nas eleições
majoritário-distritais; c) a diferença entre (a) e (b) é compensada
pelos candidatos apresentados nas listas partidárias. (NICOLAU,
2001, p. 62).
Para determinar o grau de correção e de proporcionalidade, instituiu-se a
cláusula de exclusão, identificada como elemento não universal e não essencial. Por
exemplo: no México, é de 2%; Alemanha e Nova Zelândia, 5%; na Hungria, se o
partido coligar é de 10% e se for sozinho é de 5%.
4.1.6 Sistema Eleitoral Proporcional
No sistema eleitoral proporcional, entre as preocupações fundamentais está a de
assegurar que a diversidade de opinião esteja refletida no parlamento. A garantia de
equidade matemática entre os votos dos eleitores e a representação parlamentar é o que
mais se destaca (NICOLAU, 2001, p. 31).
Nesse sistema, é notável e característica a garantia da correspondência entre
votos e cadeiras recebidas pelos partidos em uma eleição. Tavares (1994) fornece uma
definição mais detalhada desse sistema:
No limite, a representação proporcional é aquela em que o sistema
eleitoral assegura, para cada um dos diferentes partidos, uma
participação percentual na totalidade da representação parlamentar e,
por via de consequência, na constituição do governo (se o sistema de
governo for parlamentar) ou pelo menos no controle sobre ele (se o
sistema de governo for presidencial), igual à sua participação
percentual na distribuição da preferência, materializada em voto, do
corpo eleitoral. (TAVARES, 1994, p. 123).
Estabelecidas as definições se entender como varia o sistema eleitoral
proporcional, mas antes de prosseguir importa lembrar que o grau de proporcionalidade
com que este sistema distribui a representação entre os partidos depende da fórmula
eleitoral (que converte votos em assentos legislativos) e da magnitude dos distritos
(número de representantes que cada distrito pode eleger) (TAVARES, 1994, p. 123).
4.1.7 Sistema Proporcional: Voto Único Transferível
O sistema de voto único transferível teve como embrião o sistema proposto por
Thomas Hare, jurista que defendia a representação de opiniões individuais, excluindo,
68
nesse caso, a representação partidária ou comunitária. Tal modelo teve apoios
importantes, como o de John Stuart Mill na obra “O Governo Representativo”, de 1861,
como forma de viabilizar o governo representativo moderno (NICOLAU, 2001, p. 32).
Entre as vantagens do Sistema de Voto Transferível STV17
, há que se destacar
que os eleitores têm a possibilidade de votar em candidatos de diferentes partidos e
ordenar os candidatos de acordo com a sua preferência, além controlar a natureza da
transferência, ou seja, o eleitor especifica para quem o voto deve ser transferido.
Como explica Tavares (1994, p.148), “o voto único transferível é um voto
pessoal e único: pessoal porque é decidido pelo eleitor, e não pelo partido, e único
porque é atribuído a um único candidato que constitui a primeira preferência do eleitor”.
Nesse sentido, torna-se claro o objetivo do STV:
Como fica claro pelo processo utilizado para distribuir as cadeiras, a
preocupação maior dos defensores do STV não é garantir uma
proximidade aritmética entre os votos recebidos pelos partidos nas
eleições e a representação parlamentar destes. Para eles, o principal
objetivo é assegurar que as opiniões relevantes da sociedade estejam
proporcionalmente retratadas no Congresso, já que em muitos casos
elas perpassam os diversos partidos existentes. Justamente por isso, o
STV é mais um sistema de representação de opinião do que de
partidos. (NICOLAU, 2001, p. 34).
A apuração dos votos é realizada da seguinte forma: calcula-se uma quota em
cada distrito ou circunscrição e o candidato que atingir a quota automaticamente está
eleito; do contrário, processa-se a transferência de voto, obedecendo a dois
procedimentos: 1) os votos excedentes do candidato eleito são transferidos para outros
nomes de uma forma proporcional à segunda preferência; 2) se não for eleito nenhum
dos candidatos de acordo com as preferências, o candidato com menor preferência é
eliminado e seus votos transferidos para outros candidatos (NICOLAU, 2001, 34).
4.1.8 Sistema Proporcional: de Lista
O sistema proporcional de lista tem como princípio básico permitir que o
sistema eleitoral propicie a representação das opiniões da sociedade expressa através
dos partidos políticos.
Uma referência desse sistema é do proposto pelo advogado belga Victor
D’hondt. A Bélgica foi o primeiro país a adotar a representação proporcional de lista
17
Sistema de Voto Transferível
69
para eleição de deputados em 1899. O ato teve outra influência, que foi a realização da
Conferência Internacional sobre Representação Proporcional em 1885 em Antuérpia.
Depois disso, outros países da Europa seguiram a Bélgica e adotaram o sistema
proporcional de lista (NICOLAU, 2001, p. 35).
No sistema proporcional, o número de cadeiras ou a magnitude de um distrito ou
circunscrição faz toda a diferença, pois quanto maior o número de cadeiras, mais
proporcional será o resultado. Seu funcionamento é baseado na apresentação de lista
fechada de candidatos pelos partidos e os votos são contados e distribuídos entre os
partidos de acordo com o percentual de votos recebido (NICOLAU, 2001, p.37).
Os seguintes elementos tornam complexo o funcionamento desse modelo de
representação proporcional: a fórmula eleitoral para distribuição de cadeiras (maiores
médias e maiores sobras18
), a existência de mais de um nível para alocação das cadeiras
(nacional ou local), cláusula de exclusão (número mínimo de votos para obter
representação), as regras para seleção dos candidatos de cada lista (lista aberta, fechada,
livre e sistema de lista flexível) e a possibilidade de partidos realizarem coligação (que
favorece muito os partidos pequenos em sua maioria) (NICOLAU, 2001, p. 37).
Além de criticado por dar mais importância à questão da representatividade do
que à composição de governo, o sistema proporcional é muito criticado pelo tipo de
distrito ou circunscrição eleitoral, pois exige mais de um representante por distrito,
interferindo na proximidade dos eleitores com os candidatos. Assim, o eleitor se perde
no controle dos candidatos e fica sem saber quem deve ser absolvido, concedendo-lhe a
reeleição, e quem deve ser punido pela má atuação (NICOLAU, 2001, p. 57).
4.2 Do Sistema Político
As democracias contemporâneas têm-se apresentado criativas nas formas de
governos; entre elas, temos o parlamentarismo, o presidencialismo e o modelo híbrido
denominado de semipresidencialismo, este último em vigor na Guiné-Bissau. Não
constituem mais surpresas as variações desses sistemas nas democracias novas, mas as
características que os distinguem continuam inalteráveis ao longo do tempo e se
definem por mútua exclusão.
Assim como os sistemas eleitorais são divididos em majoritários e
proporcionais, os sistemas políticos democráticos são classificados
18
Cf. Tavares, 1994, p.123.
70
como presidencialistas ou parlamentaristas. No entanto, esta última
distinção é mais difícil de derivar da primeira. Não há dúvida de que
os sistemas presidencialistas e parlamentaristas podem ser definidos
por mútua exclusão; um sistema presidencialista é não parlamentarista
e o inverso é também verdade. Mas a distribuição dos casos concretos
nessas duas categorias leva a contrastes marcantes. A razão é que, de
um lado, os sistemas presidencialistas, em sua maioria, são definidos
de forma inadequada; de outro lado, os sistemas parlamentaristas
diferem de tal modo entre si que a denominação comum passa a ser
enganosa. (SARTORI, 1996, p. 97).
Portanto, o sistema presidencialista é um sistema de governo em que: a) há um
presidente, ao mesmo tempo chefe do governo e chefe de Estado; b) o presidente é
escolhido em eleição popular; c) seu mandato, bem como os dos parlamentares, é
prefixado, não podendo o presidente, exceto na hipótese do impeachment, ser demitido
pelo voto parlamentar, nem o legislativo ser dissolvido pelo presidente; d) a equipe de
governo (o ministério) é designada pelo presidente e é responsável perante ele, não
perante o legislativo (CINTRA, 2007, p. 37; SARTORI, 1996, p. 99).
O sistema parlamentarista, cujas características são bem diferentes do
presidencialismo, apresenta-se como um sistema em que: a) o governo tem legitimação
indireta. Ele surge não da votação popular, mas da assembleia, em geral da sua maioria,
formada por partido singular ou por uma coalizão de partidos; b) o governo sobrevive
enquanto conta com a confiança da maioria da assembleia, perante a qual é responsável;
faltando a confiança, o governo cai; c) a assembleia pode ser dissolvida antes do
término da legislatura, convocando-se novas eleições; d) além da chefia do governo,
existe a chefia do Estado – pelo presidente ou pelo monarca – que exerce as funções
simbólicas e cerimoniais (CINTRA, 2007, p. 41; SARTORI, 1996, p. 114-117).
Por último temos o semipresidencialismo, o terceiro modelo, denominado de
híbrido ou misto por reunir um pouco de cada um dos sistemas.
Vimos que tanto o presidencialismo como o parlamentarismo pode
falhar, especialmente nas suas formas puras. A partir desses dois
extremos somos levados a buscar uma solução “mista”: uma
modalidade de organização política que se situe entre os dois e se
inspire em ambos. Esta forma mista passou a ser conhecida -–
significativamente, creio -– como semipresidencialismo. Embora não
devamos interpretar essa denominação de modo muito literal, ela
sugere que nosso sistema misto será mais bem concebido e
compreendido do ponto de vista do presidencialismo, não do
parlamentarismo – porque o argumento flui com maior consistência de
71
cima para baixo do que da base parlamentar para cima. (SARTORI,
1996, p. 135).
Segundo Sartori (1996, p.136), a característica que precisa ter qualquer sistema
semipresidencialista é uma configuração dupla de autoridade, duas cabeças, ou seja,
uma diarquia: o presidente, chefe do Estado, e o primeiro-ministro, chefe do governo. É
um sistema que apareceu na França em 1958, em plena crise da guerra da Argélia. Mas
segundo Cintra (2007, p.47) e Sartori (1996, p.140), o semipresidencialismo foi
inventado, de fato, na Alemanha, durante o período conhecido como a República do
Weimar (1919-1933).
Ao abordar a questão da maioria dividida no semipresidencialismo, ou seja, a
maioria que elege o presidente é diferente da maioria que controla o parlamento, Sartori
(1996, p.137) questiona se há diferença entre o presidencialismo e
semipresidencialismo, apontando três possíveis respostas:
A primeira é que não há nenhuma diferença: nos dois sistemas uma
maioria dividida conduz inevitavelmente ao conflito e ao impasse. No
sistema presidencialista, o conflito dá-se entre o presidente e o
congresso; no semipresidencialista, entre o presidente e o premier
apoiado pelo parlamento. A segunda resposta, sugerida por Vedel e
Duverger, é que o semipresidencialismo não é uma síntese dos
sistemas parlamentarista e presidencialista, mas uma alternância entre
fases parlamentar e presidencial (Duverger, 1980, p. 186). Nesta
interpretação, o sistema francês é presidencialista quando há uma
consonância entre a maioria do presidente e a do parlamento;
parlamentarista, quando há uma dissonância. (SARTORI, 1996, p.
138).
O fato é que o autor discorda das duas primeiras interpretações, apontando o
semipresidencialismo como sistema misto ao lado dos dois sistemas de governo,
contrapondo-se à ideia de Duverger:
Minha interpretação, portanto, é que o semipresidencialismo francês
se desenvolveu em um autêntico sistema misto, baseado numa
estrutura de dupla autoridade flexível – isto é, um poder executivo
bicéfalo, cuja cabeça principal muda (oscila) à medida que mudam as
combinações das maiorias. Com uma maioria unificada, o presidente
predomina de forma decisiva sobre o primeiro-ministro e a norma
aplicada é a da prática constitucional. Inversa e alternativamente, com
uma maioria dividida, quem predomina é o primeiro-ministro, apoiado
pela sua própria maioria parlamentar, devido ao fato de que a
constituição formal (o que ela expressa em sua forma escrita) sustenta
72
sua intenção de governar com base nos direitos que tem. (SARTORI,
1996, p.139).
Posta sua discordância, Sartori (1996, p.147) apresenta sua definição do que seja
o sistema semipresidencialista, afirmando que uma forma mista nunca é tão simples
quanto uma forma pura, e procura um caminho intermediário entre a falta e o excesso de
definição para demarcar o semipresidencialismo quando as seguintes propriedades ou
características puderem ser aplicadas conjuntamente:
a) o chefe de Estado (presidente) é eleito por votação popular - de
forma direta ou indireta -, com um mandato determinado; b) o
chefe do Estado compartilha o poder com um primeiro-ministro,
em uma estrutura dupla de autoridade com os três seguintes
critérios de definição: b.1) embora independente do parlamento, o
presidente não tem o direito de governar sozinho ou diretamente,
e, portanto, sua vontade deve ser canalizada e processada pelo seu
governo; b.2) inversamente, o primeiro-ministro e seu gabinete
independem do presidente, na medida em que dependem do
parlamento; estão sujeitos de confiança e/ou não-confiança
parlamentar, pelo que precisam do apoio da maioria do
parlamento; b.3) a estrutura dupla de autoridade do
semipresidencialismo permite diferentes equilíbrios e a oscilação
da prevalência de poder dentro do Executivo, estritamente sob a
condição de que subsista a autonomia potencial de cada
componente do Executivo. (SARTORI, 1996, p.147).
Para Sartori (1996, p.152), o semipresidencialismo é melhor do que o
presidencialismo. Primeiramente porque o sistema semipresidencialista lida melhor com
a maioria dividida do que o sistema presidencialista; o segundo motivo baseia-se na
questão da prudência, significando que seria prudente sair do presidencialismo para o
semipresidencialismo do que para outro sistema de organização política (SARTORI,
1996, p.152). Importa ressaltar também que, segundo o autor, o semipresidencialismo,
mesmo sendo uma alternativa, não deixa de ser um sistema frágil, devido à prevalecente
ameaça do problema da maioria dividida.
Em seguida, aborda-se o sistema político da Guiné-Bissau, explorando a
Constituição da República de 1996 e a lei eleitoral Guineense nº 10/2013, de 25 de
setembro.
73
4.3 Sistema Político da Guiné-Bissau: Constituição da República da
Guiné-Bissau
Ao analisar o sistema político, levam-se em conta três aspectos indispensáveis: o
Sistema Eleitoral, o Sistema de Partido e o Sistema de Governo. Nesse item, aborda-se
o sistema político da Guiné-Bissau, constituído recentemente como democracia
semipresidencialista.
O sistema eleitoral da Guiné-Bissau é definido como sistema de representação
proporcional, baseado no método de Hondt para eleição do Legislativo, e majoritário de
dois turnos para eleição do presidente da República.
O sistema partidário da Guiné-Bissau é o multipartidarismo, com presença de
mais de dois partidos. Aliás, por ser um sistema multipartidário, a proliferação de
partidos políticos tem sido muito criticada, pois com o fenômeno da dispersão de votos
muitos partidos acabam não participando do Legislativo.
O sistema de governo adotado na Guiné-Bissau é o semipresidencialista. O
presidente da República é eleito por meio do sufrágio direto, secreto e universal, assim
como Assembleia Nacional Popular. O presidente da República tem poderes expressos
na Constituição - entre eles, o de dissolver a assembleia, nomear o primeiro ministro,
exonerar e nomear membros de governo e presidir o conselho de ministros quando
entender. O governo nomeia o Procurador Geral da República, Embaixadores e Chefe
do Estado Maior das Forças Armadas e promulga leis, decretos-leis, indulta ou comuta
pena. Portanto, não é uma simples figura representativa. Porém, o presidente não pode
escolher alguns ministros (finanças, de defesa, educação, cultura, esporte, etc.), nem
interferir nas competências do primeiro-ministro, ou seja, ele preside, mas não governa.
As legislações que definem as regras políticas do país são a Constituição e a
Legislação Eleitoral, no sentido formal, técnico e procedimental.
A Constituição dispensa dez artigos para o cargo de presidente da República no
seu capítulo II (artigo 62º a 72º). No título sobre organização política, deixa claro que
são órgãos da soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o
Governo e os Tribunais (artigo 59º). Este artigo demarca uma diferenciação com o
sistema presidencialista, em que comumente são órgãos da soberania a Assembleia, o
Governo e o Judiciário.
O artigo 64º fixa que o presidente é eleito por maioria absoluta dos votos
validamente expressos; se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta, no prazo
74
de 21 dias realizar-se-á um novo escrutínio, ao qual só se podem apresentar os dois
concorrentes mais votados. Eleito o presidente, o mandato tem a duração de cinco anos,
não podendo candidatar-se a um terceiro mandato consecutivo nem nos próximos cinco
anos que sucederem o término do mandato (GUINÉ-BISSAU, 1996).
A Constituição também deixa claro que, na ausência do presidente da República,
quem assume é o presidente da Assembleia Popular, mesmo em caso de morte ou
impedimento. O presidente responde pelo crime no exercício da função perante o
Supremo Tribunal da Justiça (GUINÉ-BISSAU, 1996).
O segundo órgão da soberania é a Assembleia Nacional Popular, eleita por
quatro anos, que se inicia com a proclamação dos resultados (GUINÉ-BISSAU, 1996).
A Lei Magna dispensou dezenove artigos para esse órgão de suma importância para a
estabilidade e desenvolvimento da Guiné-Bissau.
O terceiro órgão da soberania é o Governo, com oito artigos no total, do 96º ao
104º. Tem a responsabilidade de conduzir a política geral do país através do primeiro-
ministro, ministros e secretários de Estado, mantendo o presidente informado sobre a
política externa e interna (GUINÉ-BISSAU, 1996).
É da responsabilidade e compete ao governo organizar e dirigir a execução das
atividades políticas, econômicas, culturais, científicas, sociais, de defesa e segurança, de
acordo com o seu programa, preparar o Plano de Desenvolvimento Nacional, o
Orçamento Geral do Estado e assegurar a sua execução; nomear e propor a nomeação
dos cargos civis e militares, entre outros estabelecidos no art. 100º da Constituição da
Guiné-Bissau. Essas e outras responsabilidades são realizadas no Conselho de
Ministros, onde o Governo exerce a competência legislativa. O Governo é politicamente
responsável perante o presidente da República e a Assembleia Nacional Popular.
O quarto órgão da soberania é o Judiciário, ao qual são reservados seis artigos da
Constituição, de 119º a 125º, com a responsabilidade de administrar a justiça guineense.
A instância máxima é o Supremo Tribunal da Justiça, composto por juízes empossados
pelo presidente da República. A gestão e a disciplina desse órgão são de
responsabilidade do Conselho Superior da Magistratura Judicial, composto por um
representante do Supremo Tribunal de Justiça, demais tribunais e Assembleia Nacional
Popular.
O Ministério Público aparece no último artigo (125º) do Poder Judiciário, com
responsabilidade de fiscalizar a legalidade, representar o interesse público e social. Ele é
75
titular da ação penal e tem como responsável máximo o Procurador Geral da República,
nomeado pelo presidente da República, assim como em outros sistemas.
É importante ressaltar estes quatro órgãos da soberania guineense não somente
pela função que desempenham no Estado e na sua democracia, mas pela relevância
deles no processo eleitoral, tanto para o cargo de Presidente da República como para os
cargos do Legislativo. Logo, a participação eleitoral depende muito de como estes
órgãos se comportam antes, durante e após o processo eleitoral.
4.3.1 Lei Eleitoral nº 10/2013 de 25 de Setembro
A democracia guineense, por ser jovem, foi muito marcada por conflitos
político-militares que provocaram alterações significativas nas instituições e no modo
de relacionamento entre as próprias instituições. Essas alterações também vão ser
sentidas em todo o país ou, mais especificamente, nas normas vigentes em todo o
território nacional.
As normas são atualizadas muitas vezes em função dos contextos políticos,
como é o caso da lei eleitoral para Presidente da República e Assembleia Nacional
Popular, regulado pela Lei nº 3/1998 de 23 de abril e alterada devido aos
acontecimentos (golpe de estado) de 12 de abril de 2012.
Como o objetivo desta pesquisa é analisar a participação eleitoral para os cargos
de Presidente e do Legislativo, a ênfase será no que este instrumento legal fornece
acerca desse tipo de eleição. De acordo com a Constituição, uma lei específica trataria
do tema, neste caso é a Lei nº 10/2013, que regulamenta o estabelecido na Lei Magna.
Para o cargo de Presidente, a Lei nº10/2013, no seu art. 98º, fixa cinco anos de
mandato e estabelece o regime de eleição no art. 101º: o Presidente da República é
eleito por lista uninominal, segundo o sistema maioritário de dois turnos. É eleito o
candidato que obtiver 50% mais um voto válido; todavia, se nenhum dos candidatos
obtiver mais da metade dos votos validamente expressos, realiza-se o segundo turno no
prazo de 21 dias (art. 111º).
Para os cargos do Legislativo, a Lei nº10/2013 fixa, no seu art. 113º, que a
Assembleia Nacional Popular é composta por 102 deputados eleitos para um mandato
de quatro anos. Logo em seguida, estabelece a geografia19
eleitoral, fixando 29 círculos
ou colégios eleitorais, sendo 27 nacionais e dois no exterior (chamado também de
19
Cf. Projeto de Apoio aos Ciclos Eleitorais nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP)
e Timor-Leste - ProPALOP/TL (2010-2012).
76
“círculo emigração”, incluído nele a Europa e a África) (GUINÉ-BISSAU, 2013). Cada
círculo possui número limitado de deputados, distribuídos por círculos eleitorais.
Os deputados são eleitos por listas plurinominais de partidos ou coligação de
partidos, apresentadas por cada colégio eleitoral, sendo um voto singular por lista
(GUINÉ-BISSAU, 2013). A conversão dos votos em mandatos é feita a partir da regra
do método da representação proporcional de Hondt.
É válido esclarecer que a região dentro da geografia eleitoral corresponde à
somatória dos círculos eleitorais e não à somatória de todos os votos emitidos nas
regiões, ou seja, quando se diz que a região de Cacheu elegeu 14 deputados, está se
referindo que os círculos de Bigene/ Bula elegeram 5 deputados, Caió/Canchungo, 5
deputados, e Cacheu/São Domingos, 4 deputados, e a soma resulta no total de 14
deputados (SILVA, 2003, p. 242).
No tocante ao financiamento eleitoral, a lei estabelece, no art. 46º, que a
campanha eleitoral dos candidatos pode ser feita através das contribuições do Estado,
partidos congêneres, voluntária de eleitores, dos próprios candidatos e dos partidos
políticos, e produto da atividade da campanha eleitoral. Já no artigo seguinte (47º), diz
respeito ao financiamento do Estado, dizendo que este, de acordo com a sua
disponibilidade, determina uma verba de apoio à campanha dos candidatos às eleições.
Houve um tempo em que todo o processo eleitoral, do recenseamento à
proclamação do resultado, esteve sob responsabilidade da Comissão Nacional de
Eleição, mas com as mudanças sucessivas de governo e na própria legislação, ocorreram
algumas alterações importantes na distribuição de responsabilidades, envolvendo no
processo o governo e o Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
4.3.2 Da Estrutura e Processo Eleitoral às Discrepâncias dos
Votos e Colégios Eleitorais
Faz parte do processo eleitoral guineense a Comissão Nacional de Eleição
(CNE), como órgão independente e permanente, tendo por função a superintendência,
organização e gestão do processo eleitoral. Segundo a Lei nº12/2013, a CNE é única
responsável pelas eleições presidenciais, legislativas e autárquicas (municipais). Dentro
da geografia eleitoral, a CNE conta com as Comissões Regionais de Eleição instaladas
em todas as oito regiões, situando-se sua sede principal em Bissau.
77
O Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE) é um órgão que
goza de autonomia administrativa, integrado no Ministério da Administração Territorial,
Reforma Administrativa, Função Pública e Trabalho, com a responsabilidade de
executar o recenseamento eleitoral. Por motivos técnicos e financeiros, essa função está
sendo exercida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
O Instituto Nacional de Estatística (INE) passou a fazer parte dessa grande
estrutura eleitoral devido à incapacidade técnica e financeira do Gabinete Técnico de
Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE). O INE possui recursos próprios e, ao realizar o
recenseamento, repassa os dados para a Comissão Nacional de Eleição e para o
Gabinete Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral.
Em uma situação de normalidade política e institucional, o recenseamento
acontece entre os meses de janeiro e fevereiro de cada ano e, no estrangeiro, até o mês
março. As eleições presidenciais e legislativas devem acontecer entre os dias 23 de
outubro e 25 de novembro do ano de término do mandato presidencial.
Algumas discrepâncias são visíveis na distribuição (art. 115º da lei eleitoral) dos
deputados para cada círculo eleitoral ou colégio eleitoral. Trata-se de uma urgência na
correção do próprio sistema eleitoral Bissau-guineense. Silva (2003, p.241) vai apontar
essa discrepância como “desajustamento que ameaça a justiça eleitoral”. Dentre os
sistemas eleitorais existentes, há sempre uma necessidade de equilibrar o peso do voto
dos eleitores de colégios diferentes, isto é, não pode o voto de cidadão do círculo A, por
exemplo, eleger dois deputados ou delegados e o voto do cidadão do círculo B eleger
um deputado ou delegado. Em uma situação de normalidade, o correto é que o voto de
ambos os eleitores de círculos diferentes tenha o mesmo peso, ou seja, que os votos
deles possam eleger o mesmo número de deputados.
A realidade guineense na distribuição dos deputados não respeita requisitos tais
como a potencialidade eleitoral de cada círculo ou colégio eleitoral devido à
necessidade de atualizar a geografia eleitoral anualmente procurando minimizar os
efeitos do desequilíbrio populacional.
Considerado como exemplo o círculo eleitoral 8 e o círculo eleitoral 15 (Quadro
2): ambos elegem o mesmo número de deputados, ou seja, um total de 4 deputados
cada. Segundo Silva (2003. p. 242), na eleição legislativa de 1999, o círculo 8, com
21.386 votos, elegeu os 4 deputados e o círculo 15, com 10.432, também elegeu 4
deputados. Essa desigualdade de peso do voto é também possível de se verificar nas
78
eleições legislativas seguintes, em 2004, 2008, 2014. Outros círculos ou colégios como
28 e 17, também se encontram na mesma situação. Portanto, há uma necessidade
urgente de vários ajustes, como aponta Silva (2003).
Eu não sei quem de direito tem a competência para fazer os ajustes
requeridos, aliás, ajustamentos que já deveriam ter sido feitos antes
das eleições de 1999 se o período de 1998-1999 não fosse um tempo
de tragédia nacional plenamente concretizada. Será da
responsabilidade do Instituto Nacional de Estatística? Ou do
Ministério da Administração Interna? Pelo que se pode imaginar, não
se trata apenas de atualizar mapas sobre a localização da população,
nem se trata tão só de atualizar o recenseamento eleitoral para fixar o
número de eleitores com vista, por exemplo, a garantir transparência e
desencorajar tentações fraudulentas. Se se faz tudo isso - localizar
exatamente os aglomerados populacionais e atualizar as inscrições dos
eleitores -, mesmo assim, ainda não ficaria resolvido o problema do
acima referidos desajustamentos, essas discrepâncias que têm a ver
com a atualização em cada círculo eleitoral da relação entre o número
de deputados e o número de habitantes ou de eleitores inscritos.
Faltaria ainda atualizar a distribuição dos assentos parlamentares
seguindo a proporção: 1 deputado por cada / 10.000 habitantes ou algo
equivalente (tomando, por exemplo, o universo dos eleitores inscritos)
- o que dá os 100 deputados para a estimativa de um milhão de
habitantes ou, então, 5000 – 5400 cidadãos com capacidade eleitoral
ativa (isto é, com mais de 18 anos de idade) para cada assento
parlamentar atribuído. (SILVA, 2003, p. 245).
Nesse sentido, enquanto os ajustes não acontecem, os partidos tradicionais,
como PAIGC e PRS, entre 1994 e 2014 foram partidos mais privilegiados, elegendo um
maior número de deputados para a Assembleia Nacional. Outra consequência do
desajustamento é que os partidos pequenos, desfavorecidos com a dispersão de votos,
ficam fora da Assembleia Nacional.
Dado o embasamento teórico sobre sistemas eleitorais, em especial o sistema
guineense, nossa próxima seção se dedica à apresentação dos resultados eleitorais para o
cargo de residente da República e para a Assembleia Nacional Popular, enfatizando os
contextos que antecederam as eleições pela importância que possuem na sua realização.
Nessa seção, ficarão mais claras, com a apresentação dos votos obtidos pelos partidos
nas eleições legislativas e pelos votos obtidos pelos candidatos nas eleições
presidenciais, as divergências provocadas pelo desajustamento.
79
5. AS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS E PRESIDENCIAIS DE 1994 A 2014
Esta seção tem como objetivo apresentar e analisar os resultados eleitorais das
eleições legislativas e presidenciais na Guiné-Bissau. Além da análise dos resultados,
também serão abordados os contextos que antecederam as eleições, fortemente
marcadas por conflitos político-militares desde 1994, ano da realização da primeira
eleição multipartidária. Dar-se-á ênfase às taxas de participação em cada eleição, ao
fenômeno da dispersão para a eleição legislativa e para as eleições presidenciais, bem
como às bases do comportamento eleitoral que influenciam no voto e no
comparecimento dos eleitores.
O mapeamento eleitoral apresentado nesta seção expõe de forma cronológica as
eleições legislativas e presidenciais de 1994 até 2014. A escolha desse período deve-se
ao fato de que o estudo tem como objetivo principal a análise da participação eleitoral
como forma de consolidação da democracia após a aprovação do multipartidarismo e do
semipresidencialismo na República da Guiné-Bissau. O multipartidarismo foi aprovado
em 1991, mas a primeira eleição multipartidária aconteceu em 1994. Escolheu-se o ano
de 2014 porque, no momento da execução da pesquisa, estava em curso a eleição
legislativa e presidencial de 2019.
Foi incluída na cronologia a eleição presidencial de 2012, anulada pela
Comissão Nacional de Eleição (CNE) devido ao golpe militar de 12 de abril de 2012,
que destituiu do poder o candidato a presidente e então chefe do executivo Carlos
Gomes Junior, nomeado primeiro-ministro em 2008.
Em 2004 foi realizada a eleição legislativa e em 2005 a eleição presidencial
considerada pela Comissão Nacional de Eleição Geral de 2004. O mesmo aconteceu
com a eleição geral de 2008, que teve a eleição presidencial realizada em 2009. Essas
alterações violam a lei eleitoral nº 10/2013, que orienta a realização das eleições no
mesmo ano, mas devido à instabilidade político-militar do país, com frequência as
eleições têm acontecido em anos diferentes.
A democracia guineense foi marcada, desde 1991, pelas disputas de poder que
prejudicaram muito a participação eleitoral. Essas disputas aumentaram a instabilidade
política resultando nos golpes militares, os quais tiveram maior reflexo nas eleições
presidenciais do que nas eleições legislativas. A exceção é do período de 2008 a 2014,
devido à anulação da eleição presidencial de 2012 por motivo do golpe militar de 12 de
80
abril de 2012 já referido, mantendo, assim, os deputados eleitos em 2008 até a eleição
legislativa de 2014.
O golpe de Estado foi, entre muitos outros problemas, motivo de instabilidade
política e governativa, aparecendo como instrumento para a interrupção dos mandatos
eletivos, principalmente presidenciais, o que resultou em vários chefes de Estado
interinos e de transição de 1999 a 2014. Entre os chefes de Estado interinos, quatro
foram do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC):
Malam Bacai Sanhá (1999 a 2000), Raimundo Pereira (2009 e 2012) e Manuel Sirifo
Nhamadjo (2012 a 2014); dois foram militares: Verissimo Correia Seabra (2003) e
Mamadú Turé Kuruma (2012); e um foi empresário: Henrique Pereira Rosa (2003 a
2005). O golpe destituiu vários presidentes eleitos democraticamente de 1994 até 2014,
sendo dois do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) -
João Bernardo Vieira, eleito em 1994 e 2005 - e um do Partido da Renovação (PRS) -
Kumba Yala, eleito em 2003. A eleição geral de 1999 foi realizada na sequência da
guerra civil (golpe de Estado) que se estendeu de 7 de junho de 1997 a 1998,
interrompendo o mandato do presidente João Bernardo Vieira, eleito em 1994. A
eleição presidencial de 2005 foi realizada devido ao golpe militar de 2003, que destituiu
o Presidente Kumba Yala, eleito em 1999. A eleição presidencial de 2012, anulada pela
Comissão Nacional de Eleição, foi realizada devido à morte do Presidente Malam Bacai
Sanhá, eleito em 2009.
Apesar dessas disputas, a participação ou o comparecimento, objeto do presente
estudo, continuou aumentando ao longo do tempo. Em 2009, diminuiu devido ao
assassinato do presidente João Bernardo Vieira, eleito em 2005, e do General Batista
Tagme Na Waie, em forma de protesto contra os golpes de Estado. Em 2012, diminui
devido à desconfiança dos candidatos, principalmente da oposição, no processo
eleitoral, havendo um incentivo ao não comparecimento. O quadro 4 apresenta em
detalhes a porcentagem de participação nas eleições legislativa e presidencial.
81
Quadro 4 - Participação e Comparecimento. Eleição de 1994 a 2014
Participação /Comparecimento 1994 a 2014
Ano Legislativa % de Part. Presidencial
1º % de Part. 2º % de Part.
1994 355.992 88,90% 357.417 89,30% 326,615 81,60%
1999 403,79 82,28% 420,728 80,36% 361,609 71,90%
2004 460,254 76,20% - - - -
2005 - - 471,843 87,60% 422,978 78,60%
2008 486,873 82,00% - - - -
2009 - - 356,34 60,00% 362,736 61,10%
2012 - - 326,399 55,00% - -
2014 686.876 88,57% 689.325 88,89% 606.536 78,21% Fonte: Comissão Nacional de Eleição. Elaboração do Autor, 2020.
5.1 Dos Dados Populacionais e Votos
Na tabela de “Dados Gerais Populacionais” foram apresentados dados da
população e de eleitores por ano da eleição legislativa. As mesmas informações foram
usadas para as eleições presidenciais pela Comissão Nacional de Eleições.
Na tabela 1, os dados da população e de eleitores foram levantados de acordo
com o ano eleitoral. Os dados da população de 1994 a 2008 foram obtidos a partir do
censo de 1991 e os dados da população de 2009 a 2014 obteve-se a partir do censo de
2009. Esta diferença ocorre porque o recenseamento geral da população é feito de dez
em dez anos.
É possível constatar que, de 1994 até 2008, a população acima de 18 anos
apresentou algumas diferenças com relação ao total de eleitores (recenseados ou
inscritos para cada eleição). Essa diferença se deve à falta de atualização das
informações de competência do Instituto Nacional de Estatística (INE), Gabinete
Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (GTAPE) e dos cadernos eleitorais, que são
atualizadas pela Comissão Nacional de Eleição. Também não é feita regularmente a
atualização dos mapas de localização da população pelo Ministério da Administração
Interna. As diferenças são mais visíveis em 2004, na eleição legislativa, em que a
população acima de 18 anos foi de 522.357 e o total de eleitores foi de 602.424, e na
legislativa de 2008, em que a população acima de 18 anos foi de 522.357 e os eleitores
foram 593.739.
82
Tabela 1 - Dados Gerais Populacionais.
População e Eleitores da Guiné-Bissau 1994-2014
Ano Total da
População
Total da População
Acima de 18 Anos
Total de Eleitores
1994 979.203 518.204 400.417
1999 979.203 522.357 523.507
2004 979.203 522.357 602.424
2005 979.203 522.357 471.843
2008 979.203 522.357 593.739
2009 1.449.230 832.221 362.736
2012 1.449.230 832.221 593.271
2014 1.520.830 832.221 775.508
Fonte: Instituto Nacional de Estatística da Guiné-Bissau. Elaboração do Autor (2020)
Na tabela 2, apresenta-se os votos nas eleições legislativas de 1994 a 2014. É
perceptível o aumento dos votos, o que pode ser interpretado como aumento da
participação no processo eleitoral. Esse aumento vai acontecer a partir da eleição
legislativa de 2004.
A eleição legislativa de 2014 foi a que mais registrou votos nulos, com um total
de 35.947, e a que mais teve votos brancos (64.405). Mas também foi a eleição com
maior número de votos válidos registrados, com um total de 586.524.
Tabela 2 - Votos Eleições Legislativas - 1994-2014
Votos nas Eleições Legislativas 1994 – 2014
Ano Total de
Votos
Votos Nulos Brancos Abstenções Votos Válidos
1994 400.417 12.389 52.635 44.425 290.968
1999 523.507 14.649 55.757 92.717 360.384
2004 602.424 10.420 19.682 143.385 428.937
2008 593.739 12.023 15.712 106.866 459.138
2014 775.508 35.947 64.405 88.632 586.524
Fonte: Elaboração do Autor (2020) a partir dos dados da Comissão Nacional de Eleição.
A tabela 3 apresenta a comparação do total dos partidos que concorreram às
eleições legislativas com os partidos que efetivamente elegeram deputados de 1994 até
83
2014, a partir do total de partidos políticos legalmente existentes na Guiné-Bissau. Com
exceção da eleição legislativa de 1999, verificou-se uma concentração de deputados em
um número muito pequeno de partidos políticos.
Na eleição legislativa de 1994, participaram 14 partidos políticos e somente 5
elegeram deputados; em 2004, participaram 15 e somente 5 elegeram deputados; em
2008, em que o número de partidos concorrentes foi mais alto, somente 5 partidos
elegeram deputados; em 2014, participaram 15 e elegeram deputados somente 5.
Já na eleição legislativa de 1999, mais da metade (oito partidos dos treze) dos partidos
concorrentes conseguiram eleger deputados. Esse fato foi provocado pela guerra de
1997 a 1998, que destituiu do poder o então General e Presidente João Bernardo Vieira,
eleito em 1994. Com a queda do Presidente Vieira, também o Partido Africano para
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) perdeu votos, em vários colégios, para
o Partido da Renovação Social (PRS), que venceu a eleição legislativa e presidencial,
apoiando seu fundador e candidato Dr. Kumba Yalá.
Tabela 3 - Partidos Políticos e Eleição Legislativa
Partidos Políticos E Eleições Legislativas
Ano\Partido Total de
Partidos
Partidos
Concorrentes
Nº De Partidos que Elegeram
Deputados
1994 49 14 5
1999 49 13 8
2004 49 15 5
2008 49 21 5
2014 49 15 5
Fonte: Comissão Nacional de Eleição. Elaboração do Autor (2020).
5.2 Os dois maiores Partidos Políticos: PAIGS e PRS
Antes de adentrar nos detalhes de cada eleição legislativa, é importante frisar
que o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e o Partido
da Renovação Social (PRS) são dois maiores partidos que vão disputar os votos e as
cadeiras da Assembleia entre o período de 1994 a 2014. Participaram em todas as
eleições legislativas e presidenciais. O Partido Unido Social Democrático (PUSD)
também participou em todas as eleições dentro do período analisado, mas só elegeu
84
deputados em uma eleição. No quadro seguinte, serão apresentados os três partidos que
participaram em todas as eleições legislativas entre o período de 1994 a 2014.
Quadro 5 - Partidos com a maior participação nas Legislativas.
Partidos que participaram em todas as eleições legislativas 1994-2014
Partido/Ano ANO DEPUT. ANO DEPUT. ANO DEPUT. ANO DEPUT. ANO DEPUT.
PAIGC 1994 62 1999 24 2004 45 2008 67 2014 57
PRS 1994 12 1999 38 2004 35 2008 28 2014 41
PUSD 1994 0 1999 0 2004 17 2008 0 2014 0
Fonte: Elaboração do Autor (2020) a partir dos dados da Comissão Nacional de Eleição.
Por serem os dois maiores partidos dentro do período em que se propõe analisar
a participação eleitoral, será apresentada uma breve história de cada um dos partidos.
Outros partidos participaram e elegeram deputados, como é o caso do RGB em 1994
(19 deputados) e 1999 (29 deputados), mas apenas em uma ou duas eleições -
diferentemente dos três elencados no quadro acima, os quais mantiveram regularidade,
elegendo ou não deputados, como é o caso do Partido Unido Social Democrático
(PUSD).
5.2.1 Do PAIGC (Partido Independentista)
O Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde, também conhecido pela
sigla PAIGC, foi criado em 19 de setembro de 1956, inicialmente como um movimento
pacífico, mais tarde enveredou-se para a via armada devido à resistência de Portugal em
retirar as tropas na antiga colônia da Guiné Portuguesa, atual Guiné-Bissau e Cabo
Verde. Liderado por Amílcar Lopes Cabral, o partido lutou por onze anos contra as
tropas portuguesas, até 1973, ano em que proclamou a independência, imediatamente
reconhecida sem precedentes pela Assembleia Geral da ONU (Resolução 93-7). A partir
de 1973, o partido passou a ser o único representante do povo da Guiné até a aprovação
do multipartidarismo, que se deu por meio de uma alteração na Constituição, com a
aprovação da lei quadro dos partidos políticos em 1991. Com aprovação do
multipartidarismo, o PAIGC passou a disputar eleições legislativas e presidenciais com
vários outros partidos, entre os quais o Partido da Renovação Social (PRS).
85
5.2.2 Do PRS (Partido dos Renovadores)
O Partido da Renovação Social foi fundado em 14 de janeiro de 1992, após a
aprovação, pela Guiné-Bissau, ao multipartidarismo, com forte apelo aos valores da
democracia universal e baseado no liberalismo econômico e político. Participou da sua
criação Kumba Yalá Kobde Nhanca, que se tornou o maior líder da história do partido.
Com muitas dificuldades de recursos, participou da primeira eleição legislativa e
presidencial em 1994, conquistando 12 cadeiras. Na eleição presidencial do mesmo ano,
o partido apoiou seu maior líder e disputou a segunda volta da eleição presidencial de
1994, vencida pelo candidato João Bernardo Vieira, suportado pelo PAIGC. Na segunda
participação, em 1999/2000, elegeu 38 deputados, vencendo a eleição legislativa e,
apoiando seu grande líder Kumba Yala, venceu a eleição de 1999 contra o candidato do
PAIGC, Malam Bacai Sanha. Desde a sua criação, participou de todas as eleições
legislativas e presidenciais.
5.3. Das Eleições Legislativas - 1994 a 2014
Nas tabelas seguintes, serão apresentados com mais detalhes o total dos votos, a
porcentagem dos votos e o número de deputados eleitos pelos partidos que concorreram
nas eleições legislativas de 1994 até 2014, com a porcentagem da participação eleitoral
em cada eleição. Com esses dados, pretende-se demonstrar que, apesar da instabilidade
e dos sucessivos golpes, a participação, em termos de comparecimento, continua
expressando valores altos.
Como o modelo de sistema de partidos da Guiné-Bissau é multipartidário, na
eleição legislativa o cidadão ou cidadã vota em uma lista plurinominal de partidos ou
coligação de partidos. No caso da coligação, os partidos podem apresentar listas
próprias nos colégios em que a coligação não concorre. Os eleitores passam a conhecer
os nomes dos candidatos a deputados durante a campanha eleitoral.
Segundo a lei eleitoral de nº 10/2013, no seu artigo 121º, as listas propostas à
eleição legislativa devem conter a indicação de candidatos em número igual ao dos
mandatos atribuídos ao respectivo colégio eleitoral, devendo existir, nas listas
uninominais, três candidatos suplentes. A ordenação dos candidatos obedece à
declaração de candidatura.
O partido vencedor da eleição legislativa propõe nome ao presidente da
República para nomeação do chefe do Executivo (primeiro-ministro). Segundo a
86
Constituição da República, no seu artigo 98º, o primeiro-ministro é nomeado pelo
presidente da República tendo em conta os resultados eleitorais e ouvidos os partidos
políticos representados na Assembleia Nacional Popular, que possui 102 deputados no
total.
A eleição legislativa de 3 de julho de 1994 (Tabela 4) foi primeira eleição livre,
democrática e multipartidária. Ela se apresentou expondo injustiças e irregularidades,
como se pode constatar na tabela 4, em que os votos recebidos por partidos não
correspondem ao número dos deputados eleitos. Em termos de participação, esse fato
muda pouco a realidade, mas em termos de peso dos votos dos eleitores, altera muito.
Segundo Silva (2003), os resultados da Legislativa de 1994 deixaram uma leve
perturbação inicial:
É verdade que tais resultados esquisitos deixaram no ar uma leve
perturbação inicial, uma vaga sensação de que o sistema eleitoral
podia estar avariado. Em vez dos prometidos resultados proporcionais,
o sistema acabaria por produzir uma proporcionalidade
completamente atípica. Mas como as interrogações não foram muitas,
o debate nem se quer chegou a começar. E foi assim que tudo ficou na
mesma como se nada de anormal tivesse acontecido. (SILVA, 2003, p.
23)
Os resultados estranhos a que se refere são os 7.475 votos da Frente de Luta para
Independência Nacional (FLING), que elegeu um deputado, enquanto que os 15.411
votos do Partido da Convergência Democrática (PCD) e os 8.286 votos do Partido
Unido Social Democrática (PUSD) não elegeram nenhum deputado. Esse resultado
produzido pelo sistema claramente deturpa a participação eleitoral. E serve, em certa
medida, para desestímulo ao comparecimento dos eleitores, já que os votos, de certa
forma, apresentam potencialidade diferente para eleger um representante.
Ao abordar a suposta tese de metamorfose do sistema eleitoral (em que o sistema
proporcional funcionou como majoritário), defendido pelo Partido da Convergência
Democrática (PCD) para explicar a derrota, Silva (2003, p.25) afirma que “os resultados
correspondem a um sistema proporcional imperfeito ou distorcido, representando uma
grave distorção da prometida proporcionalidade”. E aponta a teoria mais plausível para
a realidade eleitoral da Legislativa de 1994 e 1999, defendida por técnicos eleitorais: a
de dispersão de votos.
87
Portanto, para alguns dos nossos quadros técnicos a explicação para o
insucesso não apenas do PCD, mas em geral de todos os pequenos
partidos, ficou baseada na teoria da dispersão, isto é, no fato de os
votos dos pequenos partidos se terem dispersado por muitos círculos
eleitorais. Essa teoria faz depender a eficácia dos votos do grau da sua
concentração, da sua maior ou menor densidade em determinados
círculos eleitorais. Ou seja: da concentração dos votos num círculo ou
apenas alguns círculos eleitorais potencia-se o seu efeito de tal modo
que o valor nominal do voto emitido se aproxima assim do seu valor
real. Quer isto dizer que a concentração local dos votos - isto é, a
preferência localizada dos eleitores por um determinado partido ou o
investimento político localizado feito por um determinado partido - foi
premiada, enquanto que a dispersão da base eleitoral de determinados
partidos foi castigada pelo sistema eleitoral. (SILVA, 2003, p. 26).
Sendo assim, a dispersão passou a ser a maior opositora da participação eleitoral
e dos partidos pequenos e médios pelo fato de receberem votos em círculos dispersos.
Por causa da dispersão, alguns votos produzem mais-valia, enquanto que outros votos
geram apenas menos-valia (SILVA, 2003, p.29).
Participaram quatorze partido e somente cinco elegeram deputados. Dentre eles,
figuram o Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), com
62 deputados; a Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá (RGB/MB), com 19
deputados; o Partido da Renovação Social (PRS), com 12 deputados; a União para
Mudança20
(UM), com 6 deputados, e a Frente da Libertação da Guiné (FLING) com 1
deputado. Os nove partidos políticos restantes não elegeram nenhum deputado.
Nessa eleição, o PAIGC se inscreveu em todos os colégios eleitorais e elegeu
deputados nos 27 colégios. O PRS se inscreveu somete em nove colégios -
concidentemente, nos colégios de maioria da etnia Balanta, à qual pertence o líder do
partido.
20
UNIAO PARA MUDANÇA: coalisão entre: Partido Democrático pelo Progresso (PDP), Frente
Democrática (FD), Frente Democrática Social (FDS), Liga de Proteção Ecológica (LIPE), Movimento
pela Unidade e Democracia (MUDE) e Partido de Renovação e Desenvolvimento (PRD). Partidos que
contestaram a eleição legislativa de 1994 e a de 2004.
88
Tabela 4 - Eleição Legislativa de 1994
Partido/Ano 1994
Partido Total de Votos % de Votos Deputados por Partido
PAIGC 134.982 37,92% 62
RGB/MB 57.566 16,17% 19
PRS 29.957 8,42% 12
UM 36.797 10,34% 6
FD 0 0,00% 0
FDS 0 0,00% 0
LIPE 0 0,00% 0
MUDE 0 0,00% 0
PDP 0 0,00% 0
PRD 0 0,00% 0
FLING 7.475 2,10% 1
PCD 15.411 4,33% 0
PUSD 8.286 2,33% 0
FCG/SD 494 0,14% 0
Fonte: Comissão Nacional de Eleição, 1994.
A participação eleitoral na eleição para Assembleia Popular de 1994 foi de
88,90% e, em certos casos, foi muito influenciada pelo grupo ao qual o líder do partido
pertence ou do grupo étnico majoritário do partido. É o caso do PRS na eleição
legislativa de 1994:
Em 1994, o PRS só concorreu em 9 círculos eleitorais, fazendo
coincidir a geografia de seu voto com a geografia das principais
comunidades de guineenses de etnia balanta – Catió, Buba/Empada,
Fulacunda/Tite, Bissorã, Mansoa/Nhacra, Bambadinca/Xitole,
Bigene/Bula, Santa Luzia/Pluba/Antula..., Penha/Bairro
Militar/Brá/Plaque... – talvez com a “segurança” de que nesses
círculos selecionados, tal como viria realmente a acontecer, elegeria
deputados por força da convocada solidariedade étnica. (SILVA,
2003, p.352).
O PAIGC também foi preferência da etnia “Papel” por causa do candidato João
Bernardo Vieira. A preferência étnica é presente na sociedade guineense e interfere na
participação eleitoral com mais frequência nas eleições presidenciais pelo fato de o voto
ser direto no candidato. No caso das eleições legislativas, depende muito do líder atual
do partido.
89
Referir-se à pertença étnica por um ou por outro partido político é uma
coisa que pertence ao mundo dos fatos empiricamente observados –
numa sociedade que é multiétnica, portanto, multicultural -, nada que
seja verdadeiramente especulativo, tanto mais que não se faz, a partir
desse fato, nenhum juízo de valor acerca do chamado tribalismo. A
verdadeira novidade é que a característica étnica, nomeadamente a
pertença étnica do líder, parece estar a assumir-se como uma variável
política cuja importância eleitoral espera por uma confirmação mais
consistente. (SILVA, 2003, p 353).
A eleição legislativa de 29 de novembro 1999 foi antecedida por uma grave crise
política entre o Parlamento, o Governo e o Presidente da República. A crise resultou em
uma tragédia nacional (guerra civil) que só terminou em 1998. Nesse ano, era para
acontecer eleição legislativa, que só se realizou em 1999, com o fim da guerra.
O que se esperava é que, nessa segunda legislatura, a injustiça eleitoral
produzida pelo sistema eleitoral de 1994, acrescida do fenômeno da dispersão de votos,
fosse entrar na pauta dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Pelo contrário, o
partido vencedor da eleição legislativa e presidencial, no caso, o Partido da Renovação
Social (PRS), passou a reclamar da falta da maioria absoluta parlamentar para governar,
como aponta Silva (2003).
Direi ainda mais duas palavras a propósito não da maioria absoluta
mas da sua falta, isto é, da falta da maioria absoluta que o PRS diz ter
sentido entre 1999 a 2002. Notei que, desde os finais de 2002, o PRS
anda a queixar-se da falta da maioria absoluta parlamentar, atribuindo
a esse “déficit” as dificuldades de sua bastante atribulada governação.
Que o PRS, ou qualquer outro partido, queira ganhar as próximas
eleições gerais com maioria absoluta é algo com o qual se pode
discordar, mas não é por isso que uma tal pretensão deixa de ser
legítima. Mas já não parece corresponder à realidade dos fatos o
partido vencedor das eleições de 1999 queixar-se da falta de maioria
absoluta para governar. (SILVA, 2003, p. 48).
. A injustiça eleitoral ocorrida nas eleições de 1994, não entrou na pauta das
eleições de 1999 à 2002, e nem mesmo os partidos políticos que foram mais
prejudicados com essa injustiça moveram ações para impedir que os mesmos erros
acontecessem nas eleições seguintes. Os votos dos eleitores continuaram com pesos
diferentes em vários colégios eleitorais. Tanto os partidos políticos com mandatos como
os partidos políticos sem mandato centralizaram o foco da discussão na instabilidade
90
governativa, marcada pelas sucessivas demissões de governos por parte do presidente
eleito Kumba Yala.
Na eleição legislativa de 1999, treze partidos políticos concorreram para ocupar
as cadeiras que compõem o Parlamento. Somente oito elegeram deputados: União Para
Mudança (UM), 3 deputados; Frente Democrática Social (FDS), 1; Aliança
Democrática (AD), 3 deputados; Resistência da Guiné-Bissau (RGB), 29 deputados;
Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), 24 deputados;
Partido Social Democrata (PSD), 3 deputados; União Nacional para Democracia e
Progresso (UNDP), 1depudato, e Partido da Renovação Social (PRS), 38 deputados.
Os outros cinco partidos não elegerem porque obtiveram votos em círculos
diferentes, assim como na legislativa de 1994. Sendo assim a, com o fenômeno da
dispersão dos votos, a possibilidade de eleger deputados, para os partidos novos e
pequenos, fica cada vez mais difícil.
Como nessa eleição o PAIGC não se elegeu em nove colégios, abriu-se a
oportunidade para partidos pequenos e médios. É o caso da Aliança Democrática (AD),
do Partido Social Democrata (PSD) e da União Nacional para Democracia e Progresso
(UNDP). Somente o Partido de Renovação e Progresso (PRP) não elegeu entre os novos
partidos na legislativa de 1999. Por isso, foi pouco notada a interferência da dispersão
de votos.
No entanto, entre os partidos que concorreram em 1994 e voltaram a participar
na legislativa de 1999, somente dois conseguiram bons resultados. O Partido da
Renovação Social (PRS) que, em 1994, tinha 12 deputados, na legislativa de 1999
passou para 38 deputados (26 a mais) e a Resistência da Guiné-Bissau (RGB), que tinha
19 deputados, passou para 29 na legislativa de 1999.
Apesar da instabilidade que se verificou, a taxa de participação eleitoral manteve-se
alta, marcando 82,28%, e a fragmentação foi menor, se comparada com a legislativa de
1994.
91
Tabela 5 – Eleição Legislativa de 1999
Partido \Ano 1999
Partido Total de Votos % de Votos Deputados por Partido
UM 27976 7,76% 3
FCG-SD 3262 0,90% 0
LIPE 11496 3,18% 0
PUSD 4712 1,30% 0
FDS 9094 2,52% 1
AD 17651 4,89% 3
RGB 70435 19,54% 29
PAIGC 64215 17,81% 24
PSD 19919 5,52% 3
UNDP 14440 4,00% 1
FLING 7756 2,15% 0
PRP 3692 1,02% 0
PRS 105736 29,33% 38
Fonte: Comissão Nacional de Eleição, 1999.
Com a instabilidade governativa instalada devido a vários governos demitidos e
a uma tentativa de golpe fracassada, o presidente da República Kumba Yala, eleito em
1999, dissolveu a Assembleia em novembro de 2002, alegando crise política
insustentável. A dissolução da Assembleia gerou uma revolta nos partidos políticos e
nas Forças Armadas, o que resultou no golpe de Estado em setembro 2003, instalando-
se, assim, um governo de transição para realização da eleição legislativa de 2004
(Tabela 6).
A eleição legislativa de 2004 foi antecedida desse conturbado momento e sem as
devidas correções no sistema eleitoral. Participaram quinze partidos políticos e somente
cinco elegeram deputados. Entre os partidos que conseguiram eleger deputados
destacam-se Aliança Popular Unida (APU), com 1 deputado; Partido da Renovação
Social (PRS), com 35 deputados; União Eleitoral (UE), com 2 deputados; Partido Unido
Social Democrático (PUSD), com 17 deputados, e Partido Africano para Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), com 45 deputados. Os dez restantes não elegeram
deputados. Com 45 deputados eleitos, o PAIGC ganha a eleição e volta ao poder com o
desafio de compartilhá-lo com os partidos da oposição.
92
Ao compararmos a legislativa de 1999 com a legislativa de 2004, verifica-se que
os partidos novos se duplicaram e, pelo mesmo problema da dispersão de votos,
somente dois elegeram deputados: Aliança Popular Unida21
(APU), com um deputado, e
União Eleitoral22
(UE), com dois deputados. Os restantes, seis partidos especificamente,
Partido Socialista da Guiné-Bissau (PS-GB), Manifesto do Povo (MANIFESTO),
PLATAFORMA23
, Partido Democrático Socialista (PDS), Movimento Democrático
Guineense (MDG) e Partido da União Nacional (PUN), não elegeram deputado.
O partido mais prejudicado em relação à perda de deputados na legislativa de
2004 foi a Resistência Guiné-Bissau (RGB), que perdeu uma parcela de deputados para
o PAIGC e outra parcela para Partido Unido Social Democrático (PUSD). Aliás, foi
somente nessa eleição que o PUSD conseguiu eleger deputados, apesar de ter
participado em todas as legislativas. O Partido da Renovação Social perdeu somente três
deputados. Do ponto de vista da dispersão, os partidos prejudicados foram
PLATAFORMA, com 4,83% dos votos; PDS, com 2,05%; RGB, com 1,85%; UM, com
2,01% e PUN, com 1,46% - todos acima do 1,36% do APU, que elegeu 1 deputado.
A taxa de participação da eleição legislativa de 2004 foi 76,20%, mesmo com as
dificuldades impostas pelo sistema através da desproporcionalidade e da instabilidade
provocada pelos golpes de Estado.
21
ALINÇA POPULAR UNIDA é uma coalisão dos seguintes partidos: Partido Popular da Guiné (PPG) e
Aliança Socialista da Guiné (ASG) 22
UNIÃO ELEITORAL representa a coalisão dos seguintes partidos: Partido Social Democrata (PSD),
Liga da Guiné Para Proteção Ecológica (LIPE), Partido do Progresso e Renovação (PPR), os quais
contestaram a eleição de 2004. 23
PLATAFORMA é a coalisão dos seguintes partidos: Resistência da Guiné-Bissau Movimento Bâ-fatá
(RGB-MB), Frente Democrática (FD), Frente Social Democrática (FDS), Frente para Libertação e
Independência da Guiné (FLING), Partido Democrático de Convergência (PCD) e solidariedade e Partido
Trabalhista (PST)
93
Tabela 6 - Eleição Legislativa de 2004
Partido \Ano 2004
Partido Total de Votos % de Votos Deputados por Partido
PS-GB 1166 0,27% 0
APU 5817 1,36% 1
MANIFESTO 3402 0,79% 0
UNDP 5042 1,18% 0
PRS 113656 26,50% 35
PLATAFORMA 20700 4,83% 0
PDS 8789 2,05% 0
UE 18354 4,28% 2
PUSD 75485 17,60% 17
RGB 7918 1,85% 0
MDG 4202 0,98% 0
PAIGC 145316 33.88% 45
FCG-SD 4209 0,98% 0
UM 8621 2,01% 0
PUN 6260 1,46% 0
Fonte: Comissão Nacional de Eleição, 2004.
O golpe militar que ocorreu em setembro de 2003 não só desestabilizou o
Governo, a Assembleia e a Presidência da República, mas também a própria Forças
Armadas da Guiné-Bissau. Devido ao caos instalado e às sucessivas trocas do primeiro-
ministro por parte do presidente João Bernardo Vieira, eleito em 2005, houve uma
tentativa fracassada de golpe em 2008, consumada em 2009 com a morte do chefe do
Estado Maior, General Tagme Na Waie, e do próprio presidente Vieira.
A eleição legislativa de 2008 foi realizada nesse contexto de desconfiança e de
instabilidade para que se pudesse cumprir a Constituição, que estabelece quatro anos
para cada mandato dos deputados. Além de ser considerada a eleição com mais partidos
políticos desde a abertura democrática (multipartidarismo), também é considerada a
eleição com maior participação de novos partidos.
A proliferação de partidos políticos pode ser compreendida ao se tratar de
segmentos da população guineense, que não se sentem representados pelos partidos
94
existentes, e desde que não prejudique a participação eleitoral e a representatividade,
segundo Silva (2003:66).
Participaram dessa eleição legislativa 21 partidos políticos, entre os quais 11
novos partidos, e somente 5 elegeram deputados: o PAIGC (67 deputados), o PRS (28
deputados), o Partido Republicano da Independência para Desenvolvimento (PRID, 3
deputados), o Partido da Nova Democracia (PND, 1 deputado) e a Aliança Democrática
(AD, 1 deputado). A Aliança Democrática24
foi o único partido que escapou do
fenômeno da dispersão dos votos por conseguir concentração de votos em um único
colégio eleitoral, na região de Bafatá. Com 1,38% dos votos, superou os 2,74% do
Partido dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (PT), 1,68% do PRID, 1,54% do Partido
para Democracia, Desenvolvimento e Cidadania (PADEC) e 1,55% do PSD, todos
afetados pela dispersão de votos em círculos diferentes.
Dos 11 novos partidos, somente o PRID e o PND elegeram deputados; os
restantes, nomeadamente o Partido dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (PT), o Partido
para Desenvolvimento e Cidadania (PADEC), AFP, Partido Centro-Democrático (CD),
Partido Popular Democrático (PPD), Partido Para Progresso (PP), Partido Democrático
Guineense (PDG), União dos Partidos Guineense (UPG) e Partido de Reconciliação
Nacional (PRN), não conseguiram eleger deputados.
A participação eleitoral na eleição legislativa de 2008 foi de 82,00%.
24
A Aliança Democrática representou a coalisão entre o Partido da Convergência Democrática (PCD) e a
Frente Democrática (FD), os quais contestaram a eleição legislativa de 2008.
95
Tabela 7 - Eleição legislativa de 2008.
Partido \Ano 2008
Partido Total de Votos % de Votos Deputados por
Partido
PAIGC 227350 49,52% 67
PRS 115755 25,21% 28
PRID 34341 7,48% 3
PND 10726 2,34% 1
PT 12600 2,74% 0
PUSD 7700 1,68% 0
AD 6321 1,38% 1
PADEC 7076 1,54% 0
PSD 7096 1,55% 0
AFP 5869 1,28% 0
CD 5438 1,18% 0
PPD 5353 1,17% 0
PP 3095 0,67% 0
PDG 2291 0,50% 0
UPG 2809 0,61% 0
PDS 1697 0,37% 0
UNDP 1328 0,29% 0
PRN 783 0,17% 0
PS-GB 639 0,14% 0
MDG 638 0,14% 0
LIPE 233 0,05% 0
Fonte: Comissão Nacional de Eleição, 2008.
Com o golpe de Estado em 2009, não foi realizada a eleição legislativa, já que
Assembleia acabara de ser eleita em 2008. Segundo a Constituição, no seu art. 71º, o
presidente da Assembleia interinamente substitui o presidente da República. Assim
aconteceu até abril de 2012, ano em que um novo golpe de Estado destituiu o presidente
da Assembleia, que estava interinamente no lugar do falecido presidente da República
Malam Bacai Sanhá, eleito em setembro de 2009. Devido a esse clima de instabilidade,
a eleição presidencial, que estava no segundo turno, foi anulada e formada logo em
seguida por um governo de transição, cuja finalidade era a de organização da eleição
legislativa e presidencial de 2014.
Em 13 de abril de 2014 foi realizada a eleição legislativa, com quinze partidos
concorrentes.
96
Nessa legislativa concorreram 15 partidos políticos e somente o Movimento
Patriótico (MP) concorreu como partido novo. O Partido da Convergência Democrática
(PCD), após um longo período ausente (desde 1994), elege pela primeira vez na história
do partido 2 deputados com 3, 37% dos votos, porcentagem inferior aos 4,87% dos
votos do Partido da Nova Democracia (PND), que elegeu 1 deputado.
Com relação aos partidos grandes, o Partido da Renovação Social, que em 2008
elegera 28 deputados, na eleição de 2014 subiu para 41 deputados (13 deputados a
mais). O Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC),
enquanto partido vencedor, elegeu 57 deputados (10 a menos que em 2008).
Assim como nas eleições anteriores, a dispersão prejudicou vários partidos
políticos que, com milhares de votos recebidos, ficaram sem eleger deputados, entre os
quais o Partido Republicano da Independência para Desenvolvimento (PRID), com
3,06% dos votos, e a União dos Partidos Guineense (UPG), com 1,86%. Já a União Para
Mudança (UM), com 1,84% dos votos elegeu um deputado, por conseguir concentração
de votos na região de Cacheu.
A participação eleitoral foi de 88,57%, a segunda mais alta após a da eleição
legislativa de 1994, que foi de 88,90%.
Tabela 8 – Eleição Legislativa de 2014
Partido \ Ano 2014
Partido Total de Votos % de Votos Deputados por Partido
PSGB 3.480 0,59% 0
FDS 1.710 0,29% 0
PUSD 4.048 0,69% 0
UPG 10.919 1,86% 0
PRN 7.903 1,35% 0
UM 10.803 1,84% 1
PRS 180.432 30,76% 41
PCD 19.757 3,37% 2
RGB 9.502 1,62% 0
PSD 2.302 0,39% 0
PAIGC 281.408 47,98% 57
PND 28.581 4,87% 1
MP 4.101 0,70% 0
PT 3.659 0,62% 0
PRID 17.919 3,06% 0
Fonte: Comissão Nacional de Eleição, 2014.
97
5.4. Das Eleições Presidenciais - 1994 a 2014
Para o cargo do Presidente da República, o eleitor vota no candidato apoiado por
um partido político ou no candidato sem apoio de um partido político (“candidatos
independentes”). Por esse motivo, aparecem nomes dos candidatos nos resultados e nas
tabelas, diferentemente das eleições legislativas, em que aparecem siglas partidárias. É
considerado vencedor o candidato com 50% mais um dos votos. Se nenhum dos
candidatos concorrentes conseguirem mais de 50% dos votos, deve-se realizar o
segundo turno. No segundo turno, concorrem somente os dois mais votados do primeiro
turno.
A candidatura pode ser apresentada por partidos políticos ou coligação de
partidos políticos. A legislação também permite que um mínimo de cinco mil eleitores
residentes em cinco regiões das nove existentes possa apresentar uma candidatura
(candidato independente). No caso de o partido apresentar a candidatura, o candidato
passa a ser apoiado pelo partido; do contrário, passa a ser candidato independente. Por
isso, o Supremo Tribunal da Justiça fixa os nomes dos candidatos acompanhados dos
partidos que os apoiam.
Na eleição presidencial, a dispersão não vai interferir tanto quanto na eleição
legislativa, porque os candidatos apoiados ou não por partidos ou coligação de partidos
buscam o voto a nível nacional nas nove regiões, ou seja, nos 27 círculos ou colégios
eleitorais que compõem o território nacional e nos dois círculos ou colégios eleitorais no
exterior (círculo emigração).
5.4.1 Do Comportamento Eleitoral
Do ponto de vista do nosso objeto de estudo, é importante uma abordagem do
comportamento do eleitorado guineense para compreensão da participação ou
comparecimento nas eleições. O comportamento eleitoral é um parâmetro indispensável
para análise da participação eleitoral. Por isso, a análise que se apresenta aqui se aplica
às eleições legislativas e às presidenciais também.
Em uma análise mais detida, percebe-se que somente as eleições de 2009 e 2012
têm as taxas de participação baixas, se comparadas com as outras eleições presidenciais.
Esse comparecimento à urna ou alta taxa de participação eleitoral nas eleições
legislativas e presidenciais pode ser interpretada como a permanência, em trinta anos de
98
independência, na identidade coletiva da população guineense, da convicção de que o
voto é uma ação social que devem assumir (Sangreman et al., 2006, p.5).
Além da alta taxa de participação, outros elementos são importantes para a
análise do comportamento eleitoral guineense, como a composição etária da população
que podia votar nas primeiras eleições presidenciais multipartidárias. A maioria dessa
população tinha cinco anos de idade no ano em que terminou a guerra da independência;
a esperança de vida era de 44,7 anos (IDH, 2005) e a maioria tinha pouca referência
histórica da época da luta, frisada sempre nas campanhas (Carlos et al., 2006).
A identidade da sociedade guineense é outro fator que permite uma análise do
comportamento eleitoral ou da participação eleitoral:
A divisão do território na fronteira Norte, que passou a considerar
Casamance como parte do Senegal, em 1886, a invasão fula e a guerra
que levou ao fim do Reino do Gabu - veja-se Niane, D.T. (1989),
Pélissier, R. (1989), Mendy, P.K. (1994), Lopes, C.(1999) - estão
ainda presentes na memória coletiva suficientemente para que as
clivagens entre vencidos e vencedores tenham peso na hora de votar.
Como afirma Lopes, C. (1999), “O Kaabú..., resulta de uma herança
de séculos e não de uma dezena de anos, é um elemento fundamental
para interpretar as interações dos diferentes grupos (étnicos, sociais,
de classes) na Guiné–Bissau, Gâmbia e Casamance”. Nóbrega, A
(2005) escreve que Ansumane Mané, enquanto chefe militar vitorioso,
depois da guerra civil de 1998/99, não visitou nem uma única tabanca
fula, querendo assim dizer que a derrota dos Mandingas e dos seus
aliados estava ainda presente na sua memória. (SANGREMAN et al.,
2006, p.7).
Ainda dentro do fator identidade, a luta armada e as clivagens étnicas também
são fortes fatores para a compreensão do comportamento eleitoral guineense. Com
relação à luta armada, o PAIGC havia estabelecido três objetivos: 1 - a independência, 2
- o desenvolvimento e 3 - a unidade nacional, mas nem todos compartilhavam desses
objetivos.
Desses objetivos, o 3º remete diretamente para a identidade nacional.
Amílcar Cabral em 1969 considerava: “qualquer que seja o grupo
étnico é fácil levar as pessoas a considerar que somos um povo, uma
nação,…” “o que subsistia de tribalismo foi destruído pela luta armada
que conduzimos.” “Só os oportunistas políticos são tribalistas”
(Cabral, A., 1974). Note-se que outros membros da direção do PAIGC
não tinham a mesma visão das clivagens étnicas. Manuel dos Santos
afirmava: “A luta armada de libertação nacional, ao promover certo
grau de unidade das populações da Guiné em volta de um objetivo
99
comum - a luta contra o colonialismo português -, criou importantes
laços de solidariedade e interdependência entre os diferentes grupos,
mas, contrariamente ao que muita gente afirma, não realizou a unidade
nacional, nem engendrou a Nação guineense. Construiu, sim, as suas
bases, os seus fundamentos, os alicerces da Nação e criou as
condições necessárias, mas não suficientes ao seu aparecimento.”
(SANGREMAN et al., 2006, p.7)
Portanto, do ponto de vista das clivagens étnicas, a decisão de comparecer e em
que partido ou candidato votar ainda é tomada pelos anciões, ritualistas régulos e líderes
religiosos, interferindo assim, diretamente na participação eleitoral. No entanto, esta
tese não é bem aceita por alguns autores, como Fafali Koudawo25
.
O segundo objetivo - desenvolvimento - estabelecido pelo PAIGC, constitui uma
referência, após a aprovação do multipartidarismo, para a compreensão do
comportamento eleitoral. Muitos candidatos e partidos usam das suas capacidades
financeiras e dos bens que possuem como forma de afirmar que o PAIGC não
conseguiu desenvolver o país após a independência e eles podem agora fornecer:
O objetivo que nos parece decisivo para as escolhas eleitorais na
definição daquilo “por que lutamos” é o desenvolvimento. As
promessas de alcance de níveis de vida melhores foram uma constante
nos textos de Amílcar Cabral, bem como nos discursos de todos os
níveis de poder depois da independência... O falhanço do objetivo
genérico do desenvolvimento, sentido por qualquer elemento da
população face ao acesso a bens de consumo corrente, estado da
saúde, educação, estradas, conflitos, etc., torna-se um dos principais
critérios de escolha de partidos ou candidatos presidenciais.”
(SANGREMAN et al., 2006, p.9).
É na base dessa demonstração de poderio financeiro que os candidatos e partidos
saem em busca dos votos, muito apoiados também nas constantes acusações de
incapacidade de unir o país, mergulhado na pobreza, no desemprego e desestruturado.
A importância da compreensão do comportamento eleitoral guineense ajuda a
clarificar outra questão muito relevante ao analisar a participação eleitoral, que é a
volatilidade eleitoral guineense. Referida por Sangreman et al. (2006, p.10) ao analisar
as eleições presidenciais de 94, 99 e 2005, a volatilidade é baixa quando se analisam as
eleições legislativas guineenses devido ao fator partido, e aumenta para eleições
presidenciais devido à diminuição da fidelidade ao candidato. Esse aumento de
25
É doutor em Ciência Política e foi reitor da Universidade Colinas de Boé (Guiné-Bissau) e diretor do
Jornal Kansaré. Koudawo publicou vários trabalhos importantes nas áreas da política e da educação.
100
volatilidade provocada pela diminuição de fidelidade aos candidatos vai se verificar nas
eleições presidenciais de 2009, 2012 (anulada) e 2014, justificado pelo comportamento
eleitoral fortemente fundamentado na capacidade do candidato unir e desenvolver o
país.
Posto os fundamentos do comportamento eleitoral guineense para a
compreensão da participação eleitoral, adentra na exposição dos resultados eleitorais
presidenciais. Durante a análise, será dada ênfase aos resultados obtidos por cada
candidato, principalmente os candidatos mais votados que disputaram o segundo turno.
Todas as eleições multipartidárias presidenciais passaram para o segundo turno, o que
demonstra o quanto a volatilidade é alta nas eleições presidenciais.
A história multipartidária da Guiné-Bissau é marcada por fortes conflitos antes e
após a sua aprovação. Por isso, a importância da compreensão do contexto que antecede
as eleições torna-se crucial para a compreensão do comportamento eleitoral e da
participação eleitoral como forma de consolidação da democracia. A eleição
presidencial de 1994 foi a primeira eleição democrática realizada após a entrada em
vigor do multipartidarismo.
O contexto político, social e econômico anterior a sua realização era, em todos
os sentidos, desfavorável, como aponta Sangreman et al. (2006, p.13) que diz haver
diferença entre uma classe dirigente vivendo num luxo ostensivo e a população
desprovida dos elementares bens de primeira necessidade era inaceitável num país que
tinha efetuado inúmeros sacrifícios na luta pela libertação nacional. No mesmo ano
(1980), a Assembleia tinha aprovado o texto da nova Constituição em um clima de
insegurança e ódio entre os atores políticos. Essa instabilidade resultou no golpe militar
liderado por João Bernardo Vieira, que ocupava a função de Comissário Principal,
equiparada à de um primeiro-ministro, em 12 de novembro de 1980, aprofundando a
crise no PAIGC. Apesar de mal resolvida, a crise provocada pelo golpe, o partido
decidiu levar em frente o projeto de democratizar o país até que, em 1991, o
multipartidarismo entra em vigor e realiza-se a primeira eleição em 1994.
Dessa eleição, participaram candidatos, em sua maioria, apoiados por um partido
político, e eram, em sua maior parte, antigos militantes do PAIGC, RGB/MB e FLING.
Como os candidatos João Bernardo Vieira e Kumba Yala foram apoiados por partidos
fortes, nomeadamente PAIGC e PRS, conseguiram mais votos entres os oito candidatos,
no primeiro turno: Vieira teve 46,2% e Yala, 21,88%.
101
A grandeza do PAIGC está ligada à trajetória e à história da Guiné-Bissau na
luta pela independência e por ser o partido que organizou a massa popular durante a
época colonial. O PRS ficou forte e conhecido por meio do seu fundador e líder Kumba
Yala, que teve sua trajetória iniciada no PAIGC, do qual saiu para fundar seu próprio
partido, em 1992, devido a conflitos internos.
Como os candidatos não conseguiram a porcentagem estabelecida pela lei
eleitoral de 50% mais um, os dois candidatos mais votados no primeiro turno
disputaram o segundo turno. Foi eleito o candidato João B. Vieira com 49,32% dos
votos, correspondendo a 161.083, por contar com 18.506 votos a mais do que no
primeiro turno. O candidato Kumba Yala, com 17.382 votos a menos, ficou na segunda
posição com 45,52% de votos, que correspondem a 148.664 votos (Comissão Nacional
de Eleição, 1994). Apesar do contexto difícil, a participação eleitoral no primeiro turno
foi de 89,30% e no segundo turno ficou em 81,60%.
A eleição presidencial de 1999 ocorreu após a guerra civil de 1998, que
interrompeu o mandato do presidente eleito em 1994. Em 1997, a Guiné-Bissau entrou
na União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA)26
como uma das
formas de conseguir estabilidade monetária. Passou, então, a usar a moeda regional
FRANCO CFA (Comunidade Financeira Africana), abdicando, assim, da moeda
nacional PESO. Foi uma decisão arriscada que, um ano depois, já deixava sentir efeitos
econômicos negativos por falta de medidas macroeconômicas, descapitalizando por
completo a economia do país. Do ponto de vista político, a crise interna do PAIGC se
estendeu até às instituições do Estado, gerando um desconforto social e militar.
Podemos afirmar que a inquietação generalizada e o sentimento de o
país estar num impasse político contribuíram para acelerar a eclosão
da revolta militar. A configuração das forças políticas e militares anti-
Nino Vieira logo no início do levantamento de 7 de Junho de 1998
demonstram que o eclodir da guerra, menos de um mês depois do fim
do VI Congresso do PAIGC, foi uma sequência natural da guerra de
palavras travada nesta contenda política para uma guerra violenta
provocada pelo impasse que constitui o seu desfecho político. Por
outro lado, a constatação de que existe uma ligação íntima entre a
crise política do PAIGC e a crise no seio das Forças Armadas levava a
crer que os problemas delicados que estes últimos enfrentavam,
fossem discutidos e resolvidos pela classe política no poder. O facto
de não terem sido abordados os problemas dos militares durante o VI
26
Fazem parte da UEMOA os seguintes países da África Ocidental: Benim, Burkina Faso, Costa do
Marfim, Guiné-Bissau, Mali, Níger, Senegal e Togo. Todos usam como moeda nacional o Franco CFA.
102
Congresso do PAIGC só fez aumentar o clima de inquietação dentro
desta instituição, sendo este um dos factores preponderantes que
levaram à rebelião militar. (SANGREMAN et al., 2006, p.15)
Esse contexto de instabilidade e conflito influenciou muito a participação
eleitoral em 1999, porque era mais uma oportunidade que os eleitores enxergavam de
assumir um protagonismo para a materialização da grande vontade de se desenvolver.
No primeiro turno, a taxa de participação foi de 80,36%, enquanto no segundo turno foi
de 71,90%.
Os dois candidatos mais votados entre os doze concorrentes foram Kumba Yala
(PRS), com 38,81% dos votos, e Malam Bacai Sanha (PAIGC), com 23,37% dos votos.
A Comissão Nacional de Eleição declarou como vencedor o candidato Kumba Yalá,
após a realização do segundo turno, em que este conseguiu 251.193 dos votos válidos
contra 97.967 de votos no segundo colocado, Malam Bacai Sanha.
A vitória do candidato Kumba Yala e do Partido para a Renovação
Social (PRS) deu início a um novo ciclo neste país, que depressa ficou
marcado pelo agudizar da crise económica e social, pela perda de
credibilidade da Guiné-Bissau ao nível internacional, pelo declínio das
instituições, pela desresponsabilizacão das autoridades, pelo
desrespeito pela Constituição e pela crise entre a Presidência e os
órgãos da Justiça e a Assembleia. (SANGREMAN et al., 2006, p.20).
A eleição presidencial de 2005 foi antecedida por sucessivas instabilidades
provocadas pelo presidente eleito em 1999, com a demissão de quatro primeiros-
ministros nomeados por ele mesmo e a dissolução da Assembleia em 2002. Insatisfeitos
com a situação nacional, os militares assumiram o poder por meio de um golpe militar
em 2003, nomeando mais tarde o empresário Henrique Pereira Rosa como presidente
interino para realização da eleição presidencial em 2005. Nesse contexto de crise
político-militar, em 2004 foi realizada a eleição legislativa, vencida pelo PAIGC e, na
tentativa de um acordo fracassado, o General Veríssimo Seabra, que liderou o golpe de
2003, foi assassinado por militares que tinham participado da missão de paz na Libéria27
no âmbito da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da
ONU.
Na eleição presidencial de 2005 concorreram treze candidatos. Os dois mais
votados, que participaram do segundo turno, foram Malam Bacai Sanha, com 35,45%
27
A Libéria fica localizada na África Ocidental e esteva em guerra civil entre 1999 e 2003.
103
dos votos, e João B. Vieira, com 28,87%. O candidato João B. Vieira concorreu como
candidato independente devido à divergência com o partido após seu regresso do exílio
político em Portugal, iniciado em 1998. O PAIGC decidiu, então, apoiar o candidato
Malam Bacai Sanha, também antigo combatente e veterano do partido. O terceiro mais
votado em 2005 foi Kumba Yala, deposto pelo golpe militar em 2003, com 25% dos
votos.
Do segundo turno participaram os dois candidatos que teoricamente eram rivais:
João B. Vieira possuía muita influência dentro do PAIGC, mas disputou votos com o
candidato Malam Bacai Sanha, oficialmente candidato apoiado pelo partido. Saiu
vencedor o candidato independente, com 52,35% dos votos contra 47,65% do candidato
apoiado pelo PAIGC. A taxa de participação eleitoral na eleição presidencial foi de
87,60% no primeiro turno e 78,60% no segundo turno, mantidos os critérios de
volatilidade alta.
Em decorrência da permanente instabilidade política, social, econômica e
militar, uma realidade já era dada como certa: a de que a realização das eleições não era
suficiente para atingir os objetivos de desenvolvimento e progresso. Do ponto de vista
econômico, mesmo com a ajuda do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário
Internacional (FMI) por meio do Programa de Ajuste Estrutural, que visava diminuir as
despesas para poder pagar as dívidas, a situação interna não favorecia.
Durante a implementação do PAE (Programa de Ajuste Estrutural),
verificaram-se poucas mudanças estruturais ao nível estatal. Houve,
no entanto, uma degradação da qualidade administrativa já que desde
1987 os salários reais anuais dos funcionários públicos diminuíram em
cerca de 20%38. Esta situação acelerou a saída dos melhores
funcionários públicos para empresas privadas ou para o estrangeiro.
Segundo Van Maanen, outra hipótese seguida por alguns foi a
utilização das horas de serviço para se dedicarem a atividades
corruptas. A perda real de poder de compra aliada à deterioração das
condições da situação económica contribuíram para mergulhar a
administração pública no anarquismo e na paralisação.
(SANGREMAN et al., 2006, p.23).
Do ponto de vista político, ficam cada vez mais distantes e difíceis as
possibilidades de se chegar a um acordo entre os atores políticos, que incluem os líderes
partidários, partidos da oposição e o partido no poder. As consequências de uma
transição de regime de partido único para multipartidarismo, entre elas as acusações de
104
sabotagens do projeto da unidade nacional e de desenvolvimento, se prolongaram ao
longo do tempo e influenciaram as eleições seguintes.
Em 28 de junho de 2009 foi realizada uma eleição presidencial antecipada,
devido ao golpe militar que assassinou o presidente eleito em 2005 e o então general das
Forças Armadas Tagme Na Wai. Respeitando a Constituição, o Presidente da
Assembleia assumiu como interino e organizou a eleição, diferentemente dos golpes
anteriores, em que os militares nomeavam os presidentes interinos.
Nessa eleição, concorreram treze candidatos, entre os quais Malam Bacai Sanha,
que obteve 39,59% dos votos, e Kumba Yala, com 29,42% dos votos, limitando, dessa
forma, a disputa no segundo turno aos dois candidatos que haviam sido o segundo e o
terceiro mais votados em 2005. O candidato Henrique Pereira Rosa, que foi presidente
de transição em 2003, após o golpe militar, ficou na terceira posição, com 24,19% dos
votos, obtidos como candidato independente. O segundo turno foi vencido pelo
candidato apoiado pelo Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC), Malam Bacai Sanha, com 63,31% dos votos, contra 36,69% dos votos do
candidato Kumba Yala, apoiado pelo Partido da Renovação Social (PRS). A taxa de
participação eleitoral em 2009 foi de 60% no primeiro turno e 61% no segundo turno.
O presidente eleito em 2009, apesar de ser apoiado pelo PAIGC - partido com a
maioria parlamentar -, teve muita dificuldade em estabilizar o país, devido aos golpes
militares e à gestão pública ineficiente. Outros fatores que contribuíram para essa
crescente dificuldade foram o caos na Força Armada, as disputas por cargos no governo
dentro do próprio PAIGC e o estado da saúde do presidente Malan Bacai Sanha. Em
janeiro de 2012, em um comunicado muito curto, o governo participou a morte do
presidente Malam Bacai Sanha sem divulgar sua causa, assumindo, com isso, o poder o
presidente da Assembleia, com o objetivo de realizar a eleição presidencial antecipada
no mesmo ano.
A eleição presidencial realizada em 18 de março de 2012 participaram onze
candidatos, entre os quais o então primeiro-ministro, chefe do Executivo, Carlos Gomes
Junior, que alegou ter abdicado do cargo para participar da eleição presidencial.
Publicado o resultado, Carlos Gomes Junior aparece com 48,97% dos votos - o mais
votado no primeiro turno - contra 23,36% dos votos para Kumba Yala, segundo mais
votado. Em terceiro lugar ficou Manuel Serifo Nhamadjo, na qualidade de candidato
independente, obtendo 15,74% dos votos.
105
Esse resultado não foi bem visto pelos candidatos derrotados no primeiro turno,
o que gerou um clima de instabilidade e tensão entres os candidatos, culminando, no
golpe militar que destituiu o presidente da Assembleia e o próprio governo. Por isso, a
Comissão Nacional de Eleição considerou nulo o resultado do primeiro turno e o
processo eleitoral em geral. Já a taxa de participação no primeiro turno foi de 55,00%, a
mais baixa desde o início do multipartidarismo.
Como forma de ultrapassar a crise política, o comando militar nomeou o terceiro
mais votado do primeiro turno da eleição presidencial antecipada, candidato Manuel
Sirifo Nhamadjo, como presidente interino. Esse liderou um governo provisório que
tinha entre suas principais finalidades a realização de eleições legislativa e presidencial
em 2014.
Aproximadamente dois anos depois, em 13 de abril de 2014, foi realizada a
eleição presidencial com treze candidatos concorrendo ao cargo de Presidente da
República. No primeiro turno, saíram como mais votados os candidatos José Mario Vaz
(PAIGC), com 40,89% dos votos, e Nuno Gomes Nabiam (Candidato Independente)
com 24,79% e o candidato Paulo Fernando Gomes, com 10,40%, ficou na terceira
posição.
Conforme a lei eleitoral nº 10/2013, no seu artigo 111º, o segundo turno
acontece no prazo de 21 dias após a publicação do resultado do primeiro turno. Em 18
de maio de 2014 ocorreu o segundo turno, em que o candidato Jose Mario Vaz venceu,
com 61,90% dos votos, o candidato Nuno Gomes Nabiam, com 38,10% dos votos. Nas
tabelas 9 e 10 abaixo, apresenta-se todas as eleições presidenciais28
.
28
A Comissão Nacional de Eleição e o Supremo Tribunal de Justiça não disponibilizam a lista dos
partidos que apoiaram os candidatos nas eleições presidências nos canais digitais. A última atualização de
tal lista foi realizada em junho de 2012, ficando de fora a eleição de 2014.
106
Tabela 9 - Eleições Presidenciais de 1994 a 2005
Fonte: Comissão Nacional de Eleição e Base das Eleições Africanas (2012). Elaboração do Autor (2020). *INDEP – Candidato Independente.
Candidatos 1994 1999 2005
Partido 1º % Voto 2º % Voto Partido 1º % Voto 2º % Voto Partido 1º % Voto 2º %Voto
Joao Bernardo Vieira PAIGC 142.577 46.2% 161.083 49.32% - - - - - INDEP 128.918 28,87% 216.167 52,35%
Kumba Yala PRS 67.518 21,88% 148.664 45.52% PRS 143.996 38,81% 251.193 72,00% PRS 111.606 25,00% - -
Domingos Fernandes Gomes RGB/MB 53.825 17,44% - - - - - - - - - - - -
Carlos Domingos Gomes PCD 15.645 5,70% - - - - - - - - - - - -
François Kankola Mendys FLING 8.655 2,80% - - - - - - - - - - - -
Victor Saude Maria PUSD 6.388 2,07% - - - - - - - - - - - -
Antonieta Rosa Gomes FCG/SD 5.509 1,79% - - - 2.986 0.80% - - - 1.642 0.37% - -
Malam Bacai Sanhá - - - - - PAIGC 83.724 23,37% 97.678 28,00% PAIGC 158.276 35,45% 196.759 47,65%
Salvador Tchongo - - - - - RGB-MB 6.937 1,87% - - - - - -
Faustino Fodut Imbali - - - - - INDEP 30.484 8,22% - - PMP 2.330 0,52% - -
Joaquim Baldé - - - - - PSD 8.623 2,32% - - - - - - -
Bubacar Rachid Djaló UM 8.506 2,76% - - LIPE 12.026 3,24% - - - - - - -
Abubacar Baldé - - - - - PNUD 20.192 5,44% - - - - - - -
Jose Catengul Mendes - - - - - FLING 5.311 1,43% - - - - - - -
Joao Tatis Sá - - - - - INDEP 24.117 6,50% - - PPG 1.378 0,31% - -
Fernando Gomes - - - - - INDEP 26.049 7,02% - - - - - - -
Mamadu Uri Balde - - - - - PRP 3.580 0,96% - - - - - - -
Francisco Jose Fadul - - - - - - - - - - PUSD 12.733 2,85% - -
Aregado Mantenque Té - - - - - - - - - - PT 9.000 2,02% - -
Mamadu Iaia Djaló - - - - - - - - - - INDEP 7.112 1,59% - -
Mario Lopes Da Rosa - - - - - - - - - - INDEP 4.863 1,09% - -
Idrissa Djaló - - - - - - - - - - PUN 3.604 0,81% - -
Adelino Mano Queita - - - - - - - - - - INDEP 2.816 0,63% - -
Paulino Empossa Ié - - - - - - - - - - INDEP 2.215 0.50% - -
107
Tabela 10 - Eleições Presidenciais de 2009 a 2014
Candidatos 2009 2012 2014
Partido 1º % Voto 2º % Votos Partido 1º % Votos 2º % Votos Partido 1º % Votos 2º % Votos
Baciro Dabo INDEP 0 0,00% - - - - - - - - - - - -
Francisca Vaz Turpin UPG 1219 0,36% - - - - - - - - - - - -
Serifo Baldé PDSSG-PJ 1794 0,53% - - - - - - - - - - - -
Pedro Infanda INDEP 0 0,00% - - - - - - - - - - - -
Aregado Mantenque Té PT 1736 0,51% - - PT 3.300 1,04% - - S/i 7.269 1,15% - -
Malam Bacai Sanhá PAIGC 133786 39,59% 222.259 63,31% - - - - - - - - - -
Henrique Pereira Rosa INDEP 81751 24,19% - - 17.070 5,40% - - - - - - -
Luis Nancassa INDEP 1195 0,35% - - - - - S/i 7.012 1,11% - -
Kumba Yalá PRS 99428 29,42% 129.973 36,69% PRS 73.842 23,36% 0 0.00% - - - - -
João Cardoso INDEP 4115 1,22% - - - - - - - - - - - -
Mamadu Iaia Djaló PND 10495 3,11% - - - - - - - - - - - -
Paulo Mendonça INDEP 949 0,28% - - - - - - - - - - - -
Ibraima Djaló INDEP 1489 0,44% - - - - - - - S/i 19.497 3,10% - -
Baciro Dja - - - - - INDEP 10.298 3,26% - - - - - - -
Manuel Serifo Nhamadjo - - - - - INDEP 49.767 15,74% - - - - - - -
Vicente Fernandes - - - - - AD 4.396 1,39% - - - - - - -
Serifo Baldé - - - - - PDSS-PJ 1.463 0,46% - - - - - - -
Carlos Gomes Júnior - - - - - PAIGC 154.797 48,97% 0 0,00% - - - - -
Abel Iamede Incada - - - - - - - - - - S/i 43.890 6,97% - -
Paulo Fernando Gomes - - - - - - - - - - S/i 65.490 10,40% - -
Jose Mario Vaz - - - - - - - - - - PAIGC 257.572 40,89% 364.394 61,90%
Jorge Malú - - - - - - - - - - S/i 6.125 0.97% - -
Antonio Afonso Té - - - - - - - - - - S/i 18.808 2,99% - -
108
Nuno Gomes Nabiam - - - - - - - - - - INDEP 156.163 24,79% 224.089 38,10%
Helder J. Vaz G. Lopes - - - - - - - - - - S/i 8.888 1,41% - -
Mamadu Iaia Djaló - - - - - - - - - - S/i 28.535 4,53% - -
Domingos Quadé - - - - - - - - - - S/i 8.607 1,37% - -
Cirilo A. R. Oliveira - - - - - - - - - - S/i 2.070 0,33% - -
Fonte: Comissão Nacional de Eleição e Base das Eleições Africanas (2012). Elaboração do Autor (2020). *INDEP – Candidato Independente; S/i – Sem Informação.
109
O que se pode observar, diante dos dados e dos contextos que antecederam as
eleições tanto legislativas como presidenciais, é que todas as eleições multipartidárias
foram marcadas por conflitos político-militares. Esses conflitos, em certo nível,
diminuíram a capacidade de as instituições esboçarem respostas para os problemas de
unidade nacional e desenvolvimento. O Estado de Direito e as instituições democráticas
na Guiné-Bissau, embora existam formalmente, funcionam com dificuldade e estão sob
ameaça constante, quer das Forças Armadas, quer dos movimentos políticos
(SANGREMAN et al., 2006, p.33). Há uma necessidade urgente de separação dos
problemas do partido e dos problemas do Estado - neste caso, nos referimos à
interdependência entre as crises internas do PAIGC e as crises das Forças Armadas. Até
o momento (1994-2014), somente a participação eleitoral está exercendo o papel de
manter a democracia viva na Guiné-Bissau, como comprova o aumento da taxa de
participação nas eleições legislativas e presidenciais.
O comportamento eleitoral guineense possui bases (a luta pela independência, as
etnias, o desenvolvimento e a paz) que é possível considerar como premissas
indispensáveis tanto para a captação dos votos por parte dos partidos e candidatos como
para a compreensão da participação eleitoral. O presidente João Bernardo Vieira foi
eleito mesmo se apresentando como candidato independente em 2005, porque carregava
consigo as premissas de antigo combatente e devido a sua capacidade de manter o
equilíbrio entre as etnias e a paz, porém ele perdia, assim como os outros candidatos, na
premissa do desenvolvimento, por ter ficado muito tempo no poder e o país ter
continuado subdesenvolvido. Quanto ao critério étnico, Kumba Yalá é outro
concorrente forte.
Quanto ao critério étnico, os analistas guineenses atribuem a Kumba
Yalá a maior capacidade de mobilizar o eleitorado segundo esse
critério, exceto no que respeita à pequena etnia papel, fiel ao voto em
Nino Vieira. Mas se considerarmos que nenhuma etnia na Guiné–
Bissau perfaz 50 % da população, esse critério tem importância, mas
não é decisivo. De qualquer forma, o candidato Kumba Yalá é dos três
aqueles cujos votos podem ser explicados em parte pelo desejo da sua
etnia balanta ter alguém próximo no poder. (SANGREMAN et al.,
2006, p.35).
No critério da paz, o que pesa para o eleitorado é a capacidade dos candidatos e
partidos no poder de lidar com as Forças Armadas.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se procura analisar, ao longo desta dissertação, é o quanto a participação
eleitoral é indispensável para uma democracia sólida. Mas para que essa consolidação
não seja abalada por qualquer fator, seja interno ou externo, é necessária a combinação
de vários atores e fatores, entre os quais a atuação de um povo consciente do seu dever e
de partidos e candidatos capazes de encarar o desafio da construção de uma sociedade
minimamente capaz de assegurar a resolução e satisfação dos principais problemas e
necessidades básicas da população.
Para compreensão da participação eleitoral na Guiné-Bissau, entende-se ser
indispensável a compreensão e o conhecimento da sociedade guineense. Daí a
necessidade de se apresentar o território que pertenceu ao antigo império do Mali,
responsável pela organização e controle dos povos e pelo relacionamento deste com o
mundo exterior no século passado. Também foram abordadas a composição e estrutura
social dos grupos étnicos, que permaneceram os mesmos ao longo do tempo,
destacando proximidades entres alguns deles, como “Manjaco, Mancanha e Papel”,
enquanto outros marcaram sempre suas diferenças, como é o caso dos Fulos e
Mandingas e Balantas. Essas questões são bases fundamentais para compreensão das
resistências à ocupação e à colonização.
Deu-se ainda igual importância ao período da transição, cujo momento principal
foi aprovação de uma reforma, pela Assembleia, da lei dos partidos políticos, revogando
assim o artigo 4º da Constituição que estabelecia o PAIGC como o único partido e
representante legal do povo da Guiné-Bissau.
Foi importante explicar o sistema político e de governo da Guiné como parte de
nosso exercício de compreensão, e assim o fizemos, dedicando uma seção da
dissertação à discussão teórica dos diferentes tipos de sistemas eleitorais. Postas tais
discussões, direcionou-se o foco da dissertação à análise da lei eleitoral nº 10/2013 de
25 de setembro, que trata da eleição do presidente e da Assembleia Nacional Popular, de
acordo com Constituição da República.
Esses elementos permitiram que fosse possível chegar aos resultados eleitorais
das eleições legislativas e presidenciais. Ao expor os resultados das eleições legislativas
e presidenciais de 1994 a 2014, concluiu-se que a participação eleitoral é alta e vem em
uma onda crescente após a aprovação do multipartidarismo em 1991 e posterior
realização da primeira eleição multipartidária em 1994.
111
Apesar dessa crescente participação eleitoral, isto não permite afirmar que a
democracia está consolidada na Guiné-Bissau. Muitos fatores interferem na participação
eleitoral, a começar pela falta de planejamento do processo, desde o recenseamento até
a votação. Como a participação não se resume somente ao ato de votar, os eleitores,
após a eleição, continuam com dificuldade de participar dos canais de decisão.
Notadamente, esta dificuldade está ligada à falta de espaço na agenda dos poderes para
a discussão do mecanismo de participação da sociedade. Há uma carência enorme da
legislação no sentido de ampliar a participação, principalmente dos jovens e das
mulheres, nos processos decisórios.
Quanto aos resultados eleitorais, não há como negar que os partidos pequenos
são muito prejudicados e, principalmente, os eleitores que votam nesses partidos na
esperança de se sentirem representados na Assembleia Nacional Popular. Produzir votos
com potencialidade diferente é uma injustiça que precisa ser resolvida para que os
efeitos da participação eleitoral possam produzir resultados mais justos. Mas como o
PAIGC e o PRS, na qualidade de partidos mais fortes, continuam beneficiando-se dela,
dificilmente vai entrar na agenda do Legislativo tal discussão, já que os dois partidos
têm-se revezado no poder, ainda que o PAIGC tenha ganhado mais vezes eleições
legislativas e presidenciais.
Com referência aos resultados eleitorais das presidenciais, dependem muito das
premissas ou critérios que influenciam o comportamento eleitoral guineense. Portanto,
qualquer candidato passará pelos mesmos critérios enquanto a realidade permanecer a
mesma. Portanto, enquanto a instabilidade governativa, a falta de reforma das forças de
defesa e segurança, a pobreza, o desemprego permanecer, os votos serão direcionado
para o candidato que melhor apresentar requisitos de unidade e desenvolvimento.
A manutenção das altas taxas de participação da população nas eleições legislativas e
presidenciais, no período estudado (1994 a 2014), aponta para o papel importante que o
comportamento eleitoral teve na consolidação da democracia na Guiné- Bissau. Mesmo
com os inúmeros conflitos político-militares que aconteceram nesse período, a
população continuou dando respostas positivas para a democracia guineense.
112
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116
Anexo 1- Fotos dos Principais Grupos Étnicos da Guiné-Bissau.
Futa-Fula
Fula
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
117
Balanta
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Mandinga
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
118
Biafada
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Pepel
Brâme
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
119
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Manjaco
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
120
Baiote
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Bijagó
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
121
Felupe
Nalú
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
Nalú
Fonte: Landerset Simões, 1935 Fonte: Landerset Simões, 1935
122
Anexo 2 - Colégios Eleitorais
Quadro 6 - Círculos Eleitorais
Círculos Regionais / Número de Deputados Por Círculos
Região de Tombali 7 Deputados
Círculo 1 Catió/Komo 3 Deputados
Círculo 2 Bedanda/Cacine/Quebo 4 Deputados
Região de Quinara 6 Deputados
Círculo 3 Buba/Empada 3 Deputados
Círculo 4 Fulacunda / Tite 3 Deputados
Região de Oio 16 Deputados
Círculo 5 Bissorã 5 Deputados
Círculo 6 Farim 4 Deputados
Círculo 7 Mansaba 3 Deputados
Círculo 8 Mansoa/Nhacra 4 Deputados
Região de Biombo 6 Deputados
Círculo 9 Quinhamel 3 Deputados
Círculo 10 Safim/Prábis 3 Deputados
Regia de Bolama/Bijagós 3 Deputados
Círculo 11 Bolama/Bubaque/Caravela/Uno 3 Deputados
Região de Bafatá 14 Deputados
Círculo 12 Bafatá/ Calomoro 6 Deputados
Círculo 13 Bambadinca/ Xitole 3 Deputados
Círculo 14 Contuboel/Ganadú 5 Deputados
Região de Gabú 14 Deputados
Círculo 15 Boé/Pitche 6 Deputados
Círculo 16 Gabú 4 Deputados
Círculo 17 Pirada 3 Deputados
Círculo 18 Sonaco 3 Deputados
Região de Cacheu 14 Deputados
Círculo 19 Bigene/Bula 5 Deputados
Círculo 20 Caió/Canchungo 5 Deputados
Círculo 21 Cacheu/São Domingos 4 Deputados
Emigração
Círculo 22 África 1 Deputado
Círculo 23 Europa 1 Deputado Fonte: Lei eleitoral, 2013.
123
Quadro 7 - Setor Autônomo de Bissau (SAB)
Setor Autônomo de Bissau 20 Deputados
Círculo 24
Achada/24 de Setembro
3 Deputados
Chão de Papel/Varela
Ilhéu do Rei
Cupelum de Cima
Cupelum de Bauxo
Caliquir Rossio
Círculo 25
Pluba de Cima/Luanda
4 Deputados
Empandja
Pabedjabe/Bairro
Coco/Pluba de Baixo
Ponta lero/Tete
Santa Luzia/Antula
Círculo 26 Mindara/Bandim I/Bandim
II 3 Deputados
Círculo 27
Pefine/Amedalai
4 Deputados
Sintra/Nema
Missira/Ajuda
Mindara/Gambeafada
Reno I/Bairro Internacional
Círculo 28 Belém/Plack II
3 Deputados Ajuda II/Cuntum
Círculo 29
Penha / Penha Bôr
3 Deputados
Bairro Militar
Bairro Bissak/ Brá
Circ/ Hafia
Plack I/ Penha Bôr
Lisboa Adoze Fonte: Lei eleitoral, 2013.
124
Anexo 3 - Lista dos Partidos Políticos da Guiné-Bissau (2019)
República da Guiné- Bissau
Supremo Tribunal de Justiça
Secretário Geral dos Tribunais
Numero Designação Siglas
1 Aliança das Forças Patrióticas AFP
2 Aliança Democrática AD
3 Aliança Para a República APR
4 Aliança Socialista AS
5 Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau APU - PDGB
6 Centro Democrático CD
7 Congresso Nacional Africano CNA
8 Fórum Cívico Guineense Social Democracia FCG - SD
9 Frente de Libertação da Guiné FLING
10 Frente Democrática FD
11 Frente Democrática Social FDS
12 Frente Patriota de Salvação Nacional FREPANSA
13 Liderança Para o Desenvolvimento Sustentável LIDS
14 Liga Guineense de Proteção Ecológica LIPE
15 Manifesto do Povo MANIFESTO
16 Movimento Democrático Guineense MDG
17 Movimento Guineense para Desenvolvimento MGD
18 Movimento Para a Alternância Democrática MADEM
19 Movimento Para Unidade e Democracia MUDE
20 Movimento Patriótico MP
21 No-Djunta Mon - Partido dos trabalhadores da Guiné-Bissau PT
22 Partido Africano Para Independência da Guiné e Cabo Verde PAIGC
23 Partido Africano Para Libertação, Organização e Progresso. PALOP
24 Partido Africano Para o Desenvolvimento PAD
25 Partido da Convergência Democrática PCD
26 Partido da Nova Democracia PND
27 Partido da Nova Força Nacional NFN
28 Partido da Renovação e Desenvolvimento PRD
29 Partido da Renovação Social PRS
30 Partido da União Nacional PUN
31 Partido de Reconciliação Nacional PRN
32 Partido de Renovação e Progresso PRP
33 Partido de Solidariedade e do Trabalho PST
34 Partido Democrata Socialista de Salvação Guineense PDSSG
35 Partido Democrático Guineense PDG
36 Partido Democrático para o Desenvolvimento PDD
125
37 Partido Democrático para Progresso PDP
38 Partido Democrático Socialista PDS
39 Partido do Povo da Guiné PPG
40 Partido Manifesto do Povo PMP
41 Partido para a Justiça Reconciliação e Trabalho PJRT
42 Partido Para Democracia Desenvolvimento e Cidadania PADEC
43 Partido Para Desenvolvimento de Combate a Pobreza PDCP
44 Partido para Progresso PP
45 Partido Pela Democracia, Desenvolvimento e Cidadania. PADEC
46 Partido Popular Democrático PPD
47 Partido Popular Guineense PPG
48 Partido Republicano da Independência para Desenvolvimento PRID
49 Partido Social Democrata PSD
50 Partido Socialista da Guiné-Bissau PS-GB
51 Partido Unido Social Democrática PUSD
52 Resistência da Guiné-Bissau RGB
53 União Democrata Social UDS
54 União dos Patriotas Guineenses UPG
55 União Nacional Para Democracia e Progresso UNDP
56 União Para Mudança UM
Fonte: Supremo Tribunal da Justiça da Guiné-Bissau, 2020.