PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
IVELAINE DE JESUS RODRIGUES
A MODERNIDADE NA SINTAXE DA GRAMMATICA
ANALYTICA DE MAXIMINO MACIEL
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
IVELAINE DE JESUS RODRIGUES
A MODERNIDADE NA SINTAXE DA GRAMMATICA
ANALYTICA DE MAXIMINO MACIEL
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob a orientação da Professora Doutora Leonor Lopes Fávero.
São Paulo
2014
Banca Examinadora
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______________________________
______________________________
Confia ao Senhor as tuas obras e
os teus planos serão estabelecidos.
(Provérbios 16: 3)
À minha família hoje e sempre! Ivo,
Vera, Jamille e Gabriel: vocês são a
minha fortuna.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me colocado nesse lugar, por ter me dado
capacidade, equilíbrio, condições financeiras (ao meu paitrocinador) e, principalmente, pelas
pessoas maravilhosas que colocou ao meu lado durante esses dois anos e meio.
À minha família que acreditou mais em mim do que eu mesma acreditei. Vocês foram
escolhidos “a dedo” por Deus para que fizessem parte da minha vida. Obrigada por todo
respeito, consideração, amor e, mais do que isso, por não me deixarem sozinha nessa selva de
pedra! Pai, mãe, Milla e Biel: vocês são a minha vida! Nunca esquecerei das histórias
homéricas que vivemos aqui!
À professora Drª Leonor Lopes Fávero que, com toda paciência do mundo, orientou-
me da forma mais excelente que poderia: sanou minhas dúvidas, corrigiu minhas falhas,
puxou a orelha nos momentos necessários e compreendeu que meus períodos em férias em
Aracaju significavam o não cumprimento dos prazos. Meu eterno agradecimento!
Ao professor Dr. Jarbas Vargas Nascimento que, mesmo com toda ocupação que a
vida profissional lhe impõe, teve o carinho de me atender nos momentos em que precisei e,
como se não bastasse, aceitou participar da minha banca fazendo sugestões importantes.
À professora Drª Márcia Molina que, com grande generosidade, concordou em fazer
parte da minha banca e apontou coisas relevantes para que meu trabalho chegasse a esse
resultado (tudo isso com muita organização!).
À Drª Christianne de Menezes Gally por ter me incentivado a fazer essa loucura que é
o mestrado e ter me apresentado à professora Leonor e aos demais amigos. Além disso, você
tem sido o meu anjo em São Paulo (não somente na vida acadêmica, corrigindo as baboseiras
que eu escrevia, mesmo doente, ou dizendo que eu sou muito mais capaz do que eu acredito
ser, mas também me ensinou coisas da vida que mais ninguém poderia fazer). A você e a sua
família, digo o maior muito obrigada que o mundo já ouviu.
À Capes por me conceder uma bolsa integral.
Aos amigos que me ajudaram nessa luta: Thiago, tudo começou porque você me
ajudou e me incentivou (quando eu falava com você, você fazia parecer que era tudo tão fácil,
que as partes difíceis acabaram sendo mais leves). Rodrigo, compartilhar as dificuldades de
estarmos tão longe dos nossos sonhos e, ao mesmo tempo, conseguirmos rir de tudo isso é
uma arte e você foi o artista perfeito (agradeço a Deus pela sua insônia)! Sandy, mesmo com
toda a distância, você faz parte disso: lembro-me bem das suas tentativas em me explicar o
“b-a-bá” das partes de um projeto e pela companhia, que é inquestionável.
Aos amigos de curso, em especial, a Laura, a primeira amiga que fiz, desde a primeira
disciplina que cursei (nossas caminhadas, conversas e trabalhos valem muito ao meu coração,
muito mais do que você possa imaginar); Cristiano e Alexandre (até aqui vocês estão juntos?),
irmãos por parte de orientadora, saibam que conhecer vocês, cultivar a amizade e dividir as
angústias foi um marco em minha vida, pois, depois dessa amizade, os “pitos” foram mais
suaves e nossas músicas... motivo de risada! Acho que a música de hoje poderia ser: “ha ha ha
ha, mas eu tô rindo a toa” (será?).
Às amigas que, mesmo longe, estiveram sempre presente: Ana, Nandinha, Nadja, Lili,
Tássia, Priscila, Larice, Lisbeth e Monize. Vocês são amigas de uma vida inteira e irão
permanecer dessa maneira. Obrigada pelos conselhos, pela companhia, pela ajuda, pelas
gargalhadas e pelo carinho! Eu amo vocês!
A Léo que me ajuda em vários aspectos e, apesar do pouco tempo que nos
conhecemos, já é bem presente. Além disso, não posso desprezar um cara que acha que meu
trabalho é “a mais rica pesquisa jamais vista na história desse país, segundo a revista
FORBES”.
Aos irmãos da Igreja do Evangelho Quadrangular (SE e SP) por torcerem sempre por
mim e me ajudarem com cobertura espiritual, nos nomes dos pastores Luiz Antônio, Davi
Rodrigues, Ângela Abreu e aos que tornaram os meus domingos mais divertidos, Paulo Preto
e Davizinho.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente passaram por minha vida, contribuindo de
alguma forma com o meu crescimento profissional.
RESUMO
Partindo do princípio de que as produções gramaticais brasileiras do século XIX deixaram de
ser influenciadas somente pela orientação da corrente geral e filosófica e passaram a ser
influenciadas também pela orientação da corrente científica, no período em que emergia o
processo de gramatização, Maximino de Araújo Maciel publicou, em 1887, a Grammatica
Analytica. Embasado nos fundamentos teórico-metodológicos da História das Ideias
linguísticas, este trabalho tem como objetivos descrever e analisar a Grammatica Analytica,
com a finalidade de apontar a “modernidade” presente, de acordo com o que o próprio
gramático sugere no prólogo da sua obra, comparando-a, quando necessário, com a
Grammatica Descriptiva do mesmo autor e analisar a syntaxologia, considerando tais teorias.
Com essa análise, pretendemos afirmar que a concepção de modernidade – que nesse período
estava ligada ao método histórico comparativo – se faz presente na gramática de Maximino
Maciel, pois conseguimos identificar a fidelidade aos preceitos das “teorias modernas”
utilizadas por ele. O cuidado com a forma, com as nomenclaturas, com os exemplos
empregados, com as regras que caíram em desuso fez das Grammaticas Analytica e
Descriptiva, referência no ramo de gramáticas brasileiras do século XIX.
Palavras-chave: História das Ideias Linguísticas, Grammatica Analytica, Grammatica
Descriptiva, Maximino Maciel, modernidade, syntaxologia.
ABSTRACT
Assuming that Brazilian grammatical productions of the nineteenth century ceased to be
influenced by the orientation of the general and philosophical movement and began to be
influenced by the orientation of the scientific mainstream in the period in which the process of
grammar mastering was emerging, Maximino de Araújo Maciel published, in 1887, the
Grammatica Analytica. Based upon the theoretical and methodological foundations of the
History of Linguistic Ideas, this paper aims to describe and analyze the Grammatica
Analytica, for the purpose of pointing out the present "modernity ". According to the
grammarian himself suggests in the prologue of his work, comparing it, when necessary, with
the Grammatica Descriptiva and analyze syntaxologia considering such theories. With this
analysis, we intend to assert that the conception of modernity – which in this period was
linked to the comparative historical method – is present in the grammar of Maximino Maciel,
because we can identify allegiance to the precepts of the "modern theories" used by him. The
attention to the shape, to the classifications, to the examples used, to the rules that have fallen
into disuse made the Grammaticas Analytica and Descriptiva a reference to the Brazilian
grammars branch of the nineteenth century.
Keywords: History of Linguistics Ideas, Grammatica Analytica , Grammatica Descriptiva ,
Maximino Maciel , modernity, syntaxologia .
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................14
Capítulo 1 – FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A HISTÓRIA DAS
IDEIAS LINGUÍSTICAS
1.1 A Escola dos Annales e a Nova História.............................................................................19
1.1.1 A primeira geração.......................................................................................................20
1.1.2 A segunda geração e a História Quantitativa...............................................................24
1.1.3 A terceira geração e a História das Mentalidades........................................................27
1.2 A Nova História Cultural....................................................................................................30
1.3 A história das ideias linguísticas.........................................................................................33
Capítulo 2 – CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO, CULTURAL E
EDUCACIONAL DO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX
2.1 O Brasil na segunda metade do século XIX.......................................................................36
2.1.1 Da Monarquia à República..........................................................................................36
2.1.2 O café, a extinção do tráfico de escravos e a imigração: a história econômica...........40
2.1.3 Os brasileiros e a cultura brasileira..............................................................................43
2.2 A educação no Brasil na segunda metade do século XIX...................................................47
2.2.1 O ensino secundário no Brasil e o Colégio Pedro II....................................................47
2.2.2 O ensino secundário na província de Sergipe..............................................................51
2.2.3 A disciplina Língua Portuguesa na grade curricular....................................................55
Capítulo 3 – AUTOR E OBRA: MAXIMINO MACIEL E A GRAMMATICA
ANALYTICA
3.1. O Autor..............................................................................................................................58
3.2. Breve Retrospecto Sobre o Ensino da Lingua Portugueza................................................61
3.2.1 Intelectuais e obras que marcaram o final do século XIX...........................................62
3.2.1.1 Júlio Ribeiro..........................................................................................................63
3.2.1.2 Fausto Barreto.......................................................................................................63
3.2.1.3 Ventura Bôscoli.....................................................................................................64
3.2.1.4 Said Ali.................................................................................................................65
3.2.1.5 João Ribeiro e Alfredo Gomes..............................................................................65
3.2.1.6 Heráclito Graça e Mario Barreto...........................................................................66
3.3. Descrição da Grammatica Analytica.................................................................................67
3.3.1. Visão Geral.................................................................................................................69
3.3.2. Divisão da Obra..........................................................................................................70
3.3.3 Definição de Gramática...............................................................................................72
3.3.4 Phonologia...................................................................................................................73
3.3.4.1 Phonetica...............................................................................................................73
3.3.4.2 Prosodia.................................................................................................................74
3.3.4.3 Phonographia........................................................................................................74
3.3.4.4 Orthographia.........................................................................................................74
3.3.5 Lexeologia....................................................................................................................75
3.3.5.1 Morphologia..........................................................................................................75
3.3.5.2 Taxeonomia...........................................................................................................76
3.3.5.3 Kampenomia.........................................................................................................77
3.3.5.4 Etymologia............................................................................................................78
3.3.6 Syntaxologia.................................................................................................................78
3.3.7 Senecologia/ Semeiologia............................................................................................79
3.3.7.1 Exegetica...............................................................................................................79
3.3.7.2 Technica................................................................................................................80
Capítulo 4 - A MODERNIDADE NA SYNTAXOLOGIA DA GRAMMATICA
ANALYTICA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PRIMEIRA E A OITAVA
EDIÇÕES
4.1 Análise descritiva da syntaxologia na Grammatica Analytica...........................................82
4.1.1 Syntaxe.........................................................................................................................83
4.1.2 Topologia.....................................................................................................................93
4.1.3 Phraseologia..............................................................................................................104
4.1.4 Estylistica...................................................................................................................108
4.2 Análise-comparativa da syntaxologia na Grammatica Analytica (1887) e na Grammatica
Descriptiva (1922)...................................................................................................................109
4.2.1 Syntaxe Relacional.....................................................................................................110
4.2.2 Syntaxe Phraseologica...............................................................................................111
4.2.3 Syntaxe Literaria ou Estylistica.................................................................................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................118
Lista de Quadros
Quadro 1. Professores, disciplinas e material didático utilizado na primeira cadeira do
Atheneu Sergipense. (p. 53 e 54)
Quadro 2. Plano da disciplina Língua Portuguesa no Colégio Pedro II durante o Império. (p.
55 e 56)
Quadro 3. Principais obras de Maximino Maciel. (p. 59 e 60).
Lista de Tabelas
Tabela 1. Classificação dos diferentes tipos de gramática (p.72).
Tabela 2. Divisão da sintaxologia (p. 82 e 83).
Tabela 3. Tipos de subjeito (p. 84).
Tabela 4. Tipos de predicado (p. 85).
Tabela 5. Tipos de “complemento objectivo” (p. 85).
Tabela 6. Casos de concordância nominal (p. 87 e 88).
Tabela 7. Casos de concordância verbal (p. 89).
Tabela 8. Casos de concordância semeiotica (p. 91).
Tabela 9. Omissão do artigo definito (p. 96).
Tabela 10. Omissão do artigo indefinito (p. 97).
Tabela 11. Topologia dos adjectivos (p. 97 e 98).
Tabela 12. Topologia do subjeito (p. 99).
Tabela 13. Usos da colocação pronominal (p. 100).
Tabela 14. Classificação das sentenças (p. 104).
Tabela 15. Classificação das proposições (p. 112).
Lista de Gráficos
Gráfico 1. Proporção das partes da Grammatica Analytica (p.71)
14
INTRODUÇÃO
Esta dissertação está ambientada na linha de pesquisa História e Descrição da
Língua Portuguesa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tem como objeto de estudo analisar a
primeira edição da gramática de Maximino de Araújo Maciel, a Grammatica Analytica. A
produção das gramáticas, no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, foi
fartamente discutida no âmbito de sua história e sua descrição, como em Cavaliere (2000);
Bastos & Palma (2004); Fávero & Molina (2006) e Gally (2013), para citar alguns.
O método histórico-comparativo de Franz Bopp norteou “a remodelação” e o plano
de ensino de preparatórios, especialmente elaborados por Fausto Barreto. João Ribeiro,
Pacheco da Silva e Lameira de Andrade, Maximino Maciel e Alfredo Gomes construíram
suas gramáticas para atenderem às exigências desse plano, apropriando-se também das
teorias “revolucionárias” do positivismo e do evolucionismo. É também nessa época que
os estudos lexicográficos e fraseológicos tornam-se importantes, seguindo os passos da
geografia linguística de Gillérion.
Maximino de Araújo Maciel, para atender a essas exigências, elaborou a
Grammatica Analytica, em 1887, que foi refeita, em 1894, com o nome de Grammatica
Descriptiva. Daí em diante, a obra teve várias edições até o ano de 1931. Sua proposta era
construir uma “gramática moderna” que rompesse com a tradição oitocentista e que
estivesse de acordo com o programa de ensino de preparatórios proposto por Fausto
Barreto e uma de suas preocupações, a partir da segunda edição, estava na sintaxe, pois,
segundo o autor, os gramáticos que o antecederam seguiam os antigos moldes e abordavam
a sintaxe superficialmente.
Para Maximino Maciel, a “modernidade” enfatizada em sua gramática e,
consequentemente, neste trabalho está diretamente relacionada à teoria evolucionista, ao
Realismo, ao advento do pensamento positivista – que chegou ao Brasil nesse período – e
ao método histórico-comparativo. Em todo momento, portanto, em que for empregada a
concepção de modernidade e novas teorias, faremos menção a uma dessas linhas de
pensamento.
Utilizando o referencial teórico-metodológico da História das Ideias Linguísticas,
propomo-nos responder às seguintes perguntas: de que maneira o autor conciliava as
15
concepções de mudança com as inovações linguísticas Quais as doutrinas utilizadas na
construção da syntaxologia que se referem à nova abordagem proposta por Maximino
Maciel em sua Gramática Analytica? Qual o diferencial apresentado nas explicações da
syntaxologia?
Para isso, seguimos três principais procedimentos metodológicos:
Seleção e leitura das fontes teóricas utilizadas;
Levantamento do corpus gramatical;
Descrição e análise da gramática.
Este trabalho tem como objetivos descrever e analisar a Grammatica Analytica, a
fim de identificar a “modernidade” nela instaurada, conforme afirma o seu autor nos
preâmbulos, comparando-a, quando necessário, com a Grammatica Descriptiva; verificar
como ela se insere na produção gramatical brasileira e qual a sua importância na época em
que foi produzida; e analisar as orientações contidas na syntaxologia, considerando as
novas teorias defendidas por Maximino Maciel.
Esta dissertação justifica-se porque se propõe a ampliar as discussões acerca da
construção das gramáticas no Brasil. A Grammatica Analytica de Maciel, tal qual a
maioria das gramáticas de língua portuguesa no Brasil do final do século XIX, foi
construída com o propósito maior de subsidiar os alunos do ensino secundário oferecido
pelo Colégio Pedro II, e pelo Colégio Militar do Rio de Janeiro, de onde era professor. A
contribuição pretendida, nesta investigação, portanto, está na análise de uma gramática que
se pretendeu inovadora naquele momento histórico.
Este trabalho organiza-se em quatro capítulos: no capítulo 1, discutimos a História
das Ideias Linguísticas, pensada por Auroux (1992), que remete ao processo de
gramatização, entendido como “o processo que conduz a descrever e a instrumentar uma
língua na base de duas tecnologias, que ainda hoje são os pilares de nosso saber
metalinguístico: a gramática e o dicionário”. (AUROUX, 1992, p. 65). Vemos, ainda, que
a História das Ideias Linguísticas preocupa-se com o estudo tanto dos saberes linguísticos,
quanto das gramáticas e instituições nas quais esse saber fora moldado. Assim, o papel do
historiador das ideias linguísticas é “... analisar, no contexto em que foi criada [uma] ideia,
como frutificou, foi compreendida, difundida, interpretada e representada, mergulhando
16
em sua profundidade, enxergando os fios que a constituíram e todos os seus reflexos,
favorecendo uma melhor compreensão da Linguística atual” (FÁVERO & MOLINA,
2006, p. 29).
No segundo capítulo, para situar a produção gramatical de Maximino Maciel,
traçamos um breve panorama do contexto histórico, político, econômico, cultural e
educacional do Brasil no século XIX (por exemplo, a transição da Monarquia para a
República, a economia cafeeira, o abolicionismo e o ensino secundário no Brasil e na
província de Sergipe, já que o autor era sergipano e cursou o ensino primário e secundário
nessa província). Por meio desta contextualização, é possível perceber a inserção de um
novo ideário de ensino da Língua Portuguesa em terras brasileiras, em especial,
relacionando o desenvolvimento educacional no Estado de Sergipe, com a construção do
Atheneu Sergipense, onde o autor desenvolveu seus estudos.
No capítulo três, apresentamos a biografia de Maximino Maciel, e fazemos um
levantamento das obras por ele publicadas. Além disso, realizamos a descrição e análise da
Grammatica Analytica (exceto da syntaxologia, que está descrita e analisada no capítulo
seguinte) e abordamos os autores que Maximino Maciel apresentou em seu Breve
Retrospecto Sobre a Língua Portuguesa juntamente com a relevância das obras por eles
produzidas nesse período, pela visão do autor.
Por fim, no quarto capítulo, descrevemos e analisamos a syntaxologia presente na
Grammatica Analytica e, em seguida, fazemos uma comparação entre a syntaxologia da
primeira edição e a publicada na oitava (última em vida do autor), já intitulada
Grammatica Descriptiva, a fim de identificarmos quais os pontos que indicam a concepção
de modernidade nela citada.
17
Capítulo 1
FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: A
HISTÓRIA DAS IDEIAS LINGUÍSTICAS
A História, desde a antiguidade clássica até o início do século XX, esteve associada
à narrativa de acontecimentos – apesar de ter-se apresentado sob diferentes formas e de ter
variado quanto ao seu conceito no decorrer do tempo. Essa História – em sua forma mais
corriqueira – limitava-se à narrativa de “grandes” eventos políticos e militares e destacava
alguns homens – chefes militares, reis etc. – como personagens fundamentais do
acontecimento registrado.
Além disso, os fatos históricos compilados dependiam unicamente da visão do
historiador que os arrolava e fazia dos documentos fontes comprobatórias suficientemente
únicas para a descrição do episódio que se pretendia reconstruir – ou seja, a ocorrência e os
documentos dispensavam a interpretação do historiador, que carregava uma concepção e
uma visão de mundo próprias e não inseria essas concepções pessoais, conscientemente.
Segundo Reis, a “história tradicional era “um olhar a partir de cima”: psicológica, elitista,
biográfica, qualitativa, visava ao particular, ao individual e ao singular, era legitimadora,
partidária, comemorativa, uma narrativa justificadora do poder presente”. (REIS, 2000: 22)
Foi no período do iluminismo (BURKE, 2010) que houve a tentativa de comutação
desse padrão histórico: começaram-se a verificar registros históricos que se distanciavam,
mesmo que discretamente, das características acima descritas – temas como as leis e o
comércio, a moral e os bons costumes começaram a ser levados em consideração, como
relatado no livro Essai sur les moeurs, de Voltaire. Assim, os teóricos despertam as
atenções:
(...) para concentrarem-se na história das estruturas, tais como o sistema feudal ou a constituição britânica. Alguns deles dedicaram-se à reconstrução de comportamento e valores do passado, especialmente, à história do sistema de valores conhecido como “cavalaria”; outros à história da arte, da literatura e da música. (BURKE, 2010: 18)
Essa vertente sociocultural, entretanto, acabou desgastada e esquecida,
principalmente, voltando a interface política a ser objeto de estudo e pesquisa nas revistas
profissionais.
18
Entre 1860 e 1865, alguns historiadores como Michelet, Burckhardt e Fustel de
Coulanges escreveram obras sobre o Renascimento que iam além de qualquer tentativa já
feita quanto à renovação do fazer histórico, tratando temas sobre a história das classes
subalternas contada por elas mesmas: Estado, religião e cultura; história da religião, da
família e da moralidade, respectivamente e passaram a interpretar, de acordo com algumas
das suas concepções, o fato histórico.
Com o surgimento da disciplina Sociologia, Augusto Comte (1864) rebateu
bruscamente, por meio de suas publicações, a história que destacava “nomes” e fatos
isolados – assim como Durkheim (1896) rejeitava fatos isolados – primando pelo registro
de uma história coletiva, da nação, sem destacar nomes e grandes feitos.
As críticas à história política só aumentavam e, no último ano do século XIX,
tornaram-se ainda mais intensas. Karl Lamprecht sugeriu a substituição dessa história pela
história cultural e econômica – como depois a chamou de “ciência sociopsicológica”.
Esses estudiosos são um pequeno exemplo de que nem toda a história construída
nesse período esteve sob a égide da narrativa de eventos políticos como a maioria fazia e
que o desejo de mudança da história não dependia apenas de alguns estudiosos
separadamente.
Por mais importantes e inovadoras que possam ter sido estas tendências, não foram suficientes para provocar de imediato grandes alterações no panorama da historiografia, ou seja, não conseguiram abalar a posição dominante da história política, nem a supremacia institucional da “historiografia metódica” ou positivista. No máximo, talvez, pode-se propor a hipótese de que o historicismo tenha trazido à tona certas preocupações teóricas que, como desafios, atuaram em diversos níveis e campos do pensamento historiográficos. [grifo do autor] (FALCON, 1997: 67).
Em 1903, o economista Simiand publicou um artigo na revista Revue de Synthése
Historique, em que pretendia atacar três práticas constantes nos registros de história da
época – a história política, a ênfase em homens que tinham prestígio como parte totalizante
do acontecimento e a concentração dos estudos das origens).
Henri Berr, fundador da Revue de Synthése Historique, tentava encorajar os novos
pesquisadores a uma interdisciplinaridade ligada à construção histórica. Essa
interdisciplinaridade foi levada adiante por dois jovens historiadores que publicaram em
sua revista: Lucien Febvre e Marc Bloch.
19
1.1 A Escola dos Annales e a Nova História
Incomodados e, ao mesmo tempo, inconformados com o rumo que a história
tradicional – baseada na narrativa de caráter biográfico dos fatos políticos – tomava, dois
jovens historiadores, Lucien Febvre e Marc Bloch, influenciados pela recente corrente
teórica de renovação dos estudos geográficos, que, encabeçada pelo grupo de Vidal de La
Blache, pensava a geografia voltada para um novo objeto – o homem – propõem uma
Nouvelle Historie.
(...) uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história de estruturas em movimento, com grande ênfase no estudo das condições de vida material, embora sem qualquer reconhecimento da determinância do econômico na totalidade social, ao contrário do proposto pela concepção marxista da história. (VAINFAS, 1997: 130).
Como os dois compartilhavam a mesma concepção acerca das novas perspectivas
relacionadas ao modo de fazer história, mantinham contato diariamente e estavam
inseridos em um grupo que contava com estudiosos de diversas áreas do conhecimento – o
psicólogo social Charles Blondel, o sociólogo Maurice Halbwachs, além de Georges
Lefebvre e Gabriel Le Bras, que trabalhavam com sociologia histórica e das religiões, entre
outros – surgiu o interesse em criar uma revista que trabalhasse a história com um caráter
interdisciplinar, assim como pregava Henri Berr, uma nova história.
Seguindo, inicialmente, o modelo da Annales de Géographie de Vidal de La
Blache, Febvre e Bloch publicaram, em 15 de janeiro de 1929 o primeiro número da
revista Annales d’histoire économique et sociale com a finalidade de intensificar e
disseminar o “espírito” de renovação que alguns estudiosos propagavam desde o início do
século XX.
Com a responsabilidade de dirigir e editar essa revista, Febvre e Bloch pregavam
uma história social e econômica que abandonasse a narrativa dos acontecimentos políticos
e, a partir disso, impulsionavam uma nova espécie de história que priorizasse as
concepções humanas coletivas e que cada vez mais se afastasse da política e do estilo
biográfico que estavam ligados ao método tradicional.
(...) os Annales foram bem-sucedidos no agrupar as ciências humanas por detrás de sua bandeira. Nesse combate contra o historicismo, temos como resultado o núcleo permanente do discurso dos Annales, para além de suas flutuações: a
20
relativização ou, pelo menos, a recusa do relato factual e do relato político. É a partir dessa recusa que os Annales se definem como escola, superando a diversidade dos seus componentes. (DOSSE, 2003: 90).
Essa nova proposta foi a grande responsável por mudanças significativas no âmbito
metodológico da pesquisa histórica. Acabando com a ótica exclusivamente política em que
se descreviam fatos grandiosos, os novos pesquisadores eram levados a trabalhar sob a
perspectiva socioeconômica, em parceria com as ciências sociais, pois o principal objetivo
era unir a história a outras áreas do conhecimento humano – geografia, sociologia,
psicologia, economia, linguística, antropologia social, entre outras –, promovendo a
interdisciplinaridade para trabalharem sobre o mesmo objeto: o homem social. Esse
momento também foi marcado “pela heterogeneidade e por uma grande abertura na
aceitação de novas propostas e métodos.” (FÁVERO & MOLINA, 2006, P. 21).
Houve, na história dos Annales, três gerações, que, apesar de divergirem em
algumas concepções com o passar do tempo e com a mudança dos dirigentes, marcaram a
chamada École des Annales e tornaram-na o grande marco na implantação da Nova
História na França. Cada uma dessas gerações, em um determinado momento, teve o seu
papel de importância no novo rumo que desejavam atribuir à história e, a despeito dos
destaques de alguns nomes, o sucesso dos Annales se deu por ser um grupo, ou seja, um
empreendimento coletivo.
1.1.1 A primeira geração
A chamada primeira geração dos Annales, encimada pelos fundadores da revista
Febvre e Bloch, foi a grande responsável em revelar a insatisfação dos novos historiadores
com relação ao rumo que a história tradicional tomava. Essa geração (de 1929 a 1946)
conquistou mudanças significativas quanto ao modo de pensar, pesquisar e registrar a
história e foi conhecida como o ponto de partida inicial para aquela que seria, segundo
Burke (2010), a revolução francesa da historiografia.
Quanto às técnicas e aos métodos, além da ênfase na interdisciplinaridade – citada
anteriormente – algumas outras características, novas direções de pesquisa e novos
métodos foram importantes no processo de mudança empreendido por esses estudiosos a
partir dessa revista que, posteriormente, se tornaria o principal veículo de difusão dessas
novas ideias.
21
Se a história política tradicional explanava eventos, separadamente, fatos que não
pertenciam à realidade social do indivíduo, a nova história projetada pelos Annales
pretendia investigar aquilo que fazia parte do cotidiano do homem dentro do meio social
em que ele estava inserido e que pudesse ser considerado duradouro, aquilo que fosse
estável, já que se acreditava na inércia dos acontecimentos. Esse novo campo histórico de
pesquisa foi chamado de geo-história e, em parceria com a geografia, tinha como objeto as
ligações entre a natureza e o homem – ação coletiva do homem na natureza.
Diferentemente do que pensavam os historiadores tradicionais, ao reconhecer que
não havia como reproduzir fielmente um fato histórico, da maneira exata como ele se
passou – devido à distância e à subjetividade do olhar – os Annales elaboraram o novo
método que mudou a trajetória da tradicional pesquisa histórica: a história-problema. Esse
novo método de pesquisa acabou com a história puramente narrativa e trouxe consigo
várias outras particularidades que chegaram para acrescentar essa nova maneira de fazer
história.
Na história que até então era feita, o processo para que um fato fosse pesquisado e
descrito surgia a partir da existência de um documento oficial que tivesse registrado o
acontecimento. Esse processo era o único desencadeador dos demais até que o fato fosse
narrado, com base na comprovação dos documentos, do mesmo jeito em que ele passava
na época pesquisada.
O historiador tinha a função de arrolar os documentos e organizá-los no tempo
cronológico, narrar os fatos com objetividade e constituir um texto impessoal e
parcialmente voltado para a exaltação de personalidades “importantes” e, nele, todos já
sabiam o final da história antes mesmo que ela começasse a ser escrita, pois o documento
lhe assegurava início, meio e fim.
A história-problema afirma que a primeira instrução para a pesquisa histórica, terá
de partir do problema lançado pelo próprio historiador, portanto, esse problema é o que
guiará a pesquisa histórica – e não o documento. Assim, a partir do momento em que o
pesquisador elabora a hipótese – fundamentada em algo que ele acredite –, é que vai ao
encontro dos documentos que a legitimem.
Nela, o historiador sabe que escolhe seus objetos no passado e os interroga a partir do presente. Ele explicita a sua elaboração conceitual, pois não pretende se apagar na pesquisa, em nome da objetividade. Ao contrário, exatamente para ser mais objetivo, o historiador “aparece e confessa” seus pressupostos e conceitos, seus problemas e hipóteses, seus documentos e suas técnicas e os modos como as
22
utilizou e, sobretudo, a partir de que lugar social e institucional ele fala. (REIS, 2000:25).
O historiador, destarte, deixa de ser um reprodutor daquilo que aparece no
documento, para interpretar o fato, e reabrir a história, sabendo que jamais conseguirá fazer
a reconstituição exata daquilo que deseja remontar por meio de suas pesquisas. Isso é uma
construção teórica e não mais uma compilação de documentos que atestam objetivamente
um fato já cógnito. Essa nova definição de temporalidade prioriza aquilo que há de
permanente e perdurável na história pública, do homem comum.
Ao contrário dos historiadores tradicionais que descreviam o fato no tempo
cronológico, o novo grupo começou a trabalhar com um tempo não-linear, ou seja, o
pesquisador precisa examinar o passado a partir das necessidades verificadas no presente,
pelo episódio e não pelo tempo – não com o objetivo de desconsiderar tudo o que já havia
de produção histórica até então, mas de reabrir esse passado interligando-o às necessidades
identificadas no presente.
Ainda diante das mudanças introduzidas pelos Annales em nome de uma nova
história, há a ampliação do conceito de fonte. Enquanto para os historiadores tradicionais a
única fonte confiável que conseguia comprovar o fato histórico político eram os
documentos oficiais – geralmente manipulados pelos que detinham o poder, justamente
com o objetivo de destacar nomes, elevar ações ou forjar uma situação – para os Annales,
além dos documentos já utilizados, fonte poderia ser tudo aquilo que retratasse o cotidiano
das massas, de maneira que parecesse mais ligado à realidade social:
Os documentos não são mais ofícios, cartas, editais, textos explícitos sobre a intenção do sujeito, mas listas de preços, de salários, séries de certidões de batismo, óbito, casamento, nascimento, fontes notariais, contratos, testamentos, inventários. A documentação massiva e involuntária é prioritária em relação aos documentos voluntários e oficiais. (idem, p.23).
Lucien Febvre e Marc Bloch trabalharam juntos durante 20 anos e, apesar de terem
ingressado na Escola Normal Superior, lugar de base tradicionalista, seguiram influências
de estudiosos que contribuíam com a modernização do fazer histórico. Essas influências
tornaram-se ainda mais evidentes após as publicações de artigos nos quais, tanto um
quanto o outro defendiam uma visão não tradicional da história, abordando novos temas e
métodos até então não reconhecidos.
23
Inspirado principalmente pelo estilo interdisciplinar do geógrafo Vidal de La
Blache, pelo antropólogo e filósofo Lucien Lévy-Bruhl, pelo historiador que se dedicava à
história da imagem Émile Mâle, pelo linguista que se preocupava com o aspecto social da
língua, Antoine Meillet, e pelos historiadores Michelet, Burckhardt e Louis Courajod,
Febvre desenvolveu o interesse por alguns aspectos que normalmente não seriam comuns
aos historiadores.
O interesse de Febvre, incentivado por Henri Berr, girou, inicialmente, em torno da
geografia histórica, evidenciado por meio da tardia publicação La terre et l’évolution
humaine em 1922, trabalho que gerou muitas críticas por parte dos geógrafos – já que
Fevbre não era um especialista na área.
Dedicou-se, tempos depois, ao estudo das atitudes coletivas, inserindo a noção de
utensilagem mental – “todas as formas de percepção, expressão, ação, as técnicas e a
língua de uma sociedade, abarcando, dessa forma, o conjunto de elementos usados pelos
indivíduos para se expressarem e agirem em sociedade.” (SILVA e SILVA, 2010:280) – na
história do Renascimento e da Reforma – ligando a religião à história social e,
consequentemente, criando hipóteses diferentes das que já eram conhecidas, refutando
assim os historiadores que tratavam da religião. As mentalidades coletivas, sobretudo no
século XVI, estavam relacionadas ao seu principal trabalho.
Deve ter sido óbvio, nesse momento, que certos temas são recorrentes na obra de Febvre e também que há uma tensão criativa entre sua fascinação pelos indivíduos e sua preocupação com grupos sociais – como havia entre seu profundo interesse em escrever uma história social da religião e seu igualmente forte desejo de não reduzir atitudes e valores espirituais a meras expressões de transformações na economia ou na sociedade. (BURKE, 2010: 35).
Já Bloch, embora não tivesse dado tanta ênfase à geografia histórica quanto Febvre,
marcou nas suas obras o caráter sociológico de Émile Durkheim – nome de maior
influência em sua trajetória intelectual. Na obra Les Rois Thaumaturges, especializou-se
em história medieval e trabalhou três características importantes à nova história que se
tentava implantar. Bloch não tratou apenas de um momento histórico, mas fazia a história
de longa duração, empregou a psicologia religiosa coletivamente e aplicou o método
comparativo à história, a fim de identificar a divergência de pensamento levantada como
hipótese pelo historiador.
Além dessa obra, Bloch escreveu livros que aumentaram ainda mais o seu prestígio
na comunidade acadêmica, como por exemplo Les caractères originaux de l`histoire
24
rurale française (1931) – que tratava da história rural – e La société feodale (1930) – livro
que discute o feudalismo e que foi considerado por estudiosos a obra que mais marcou a
vida profissional de Bloch e, ainda sob a perspectiva da psicologia coletiva (mesmo sendo
um historiador econômico), ampliando o conceito de fonte ao utilizar mapas cartográficos.
Quanto ao método, Bloch inovou, em grau superior àquele feito por Febvre,
utilizando o método retrospectivo criado por Weber (consiste em fazer um texto em que o
passado explique o presente). Por meio desse método, o objeto da história deixa de ser o
passado e passa a ser o presente, assim como nas outras áreas do conhecimento.
Apesar de produzir um texto narrativo, essa não é a marca discursiva mais marcante
no texto histórico desde então:
A nouvelle histoire não se reduz a uma narração factual. É um esforço de conceituação, isto é, de reunião da diversidade factual sob a unidade do conceito. Mas, temendo sempre a tendência do conceito à autonomização, contrasta constantemente seus conceitos com a diversidade do real, para testar os limites temporais de sua validade. (REIS, 2000: 83).
A revista dos Annales sofreu uma queda significativa durante a segunda guerra
mundial, pois tanto Bloch quanto Febvre se alistaram e ausentaram-se das publicações e
orientações acadêmicas. Durante a guerra, Bloch foi fuzilado, mas, logo após o término da
guerra, a revista e o espírito dos Annales se fortaleceram e a École passou a ser uma sólida
instituição marcada por discípulos dispostos a continuar seguindo o seu modelo.
Durante um tempo, Febvre continuou editando a revista, porém com a sua
nomeação para vários cargos – devido ao grande destaque, consequência do sucesso dos
Annales – o tempo para a revista ficou escasso e ele precisou delegar pessoas nas funções
mais importantes a fim de que os trabalhos continuassem com o vigor que estavam até
aquele momento. Nesse grupo, destaca-se o discípulo de Febvre, Fernand Braudel.
1.1.2 A segunda geração e a História Quantitativa
Na segunda fase dos Annales – de 1946 até 1968 – a revista, inicialmente dirigida
por Febvre e, após a sua morte, a partir de 1956, dirigida por Braudel, após a segunda
guerra, passou por sucessivas mudanças em seu nome a fim de retratar, por meio dele,
aquilo que ela significava. O título mudou e assim foi conservado: Annales: economies,
societés, civilisations. Segundo Dosse (2003), a palavra história foi suprimida para
25
propiciar a contribuição das ciências sociais à história. Essa alteração teve ligação direta
com os novos rumos tomados por Braudel, pois, enquanto a primeira geração focava as
atenções na pesquisa histórica e o fator econômico-social, a segunda fase favoreceu o
econômico e o demográfico.
Em 1963, um novo centro de pesquisa e ciências sociais foi fundado em Paris e isso
contribuiu para a divulgação e implantação da nova história – já que antes era
institucionalizada e divulgada somente por meio da revista. Esse novo centro colaborou
com a disseminação dos novos métodos utilizados pelos Annales e, consequentemente,
consolidou o movimento mundialmente:
Essa concordância entre o espírito do pós-guerra e os temas dos Annales assegura o brilho internacional da revista. Nessa sociedade em crescimento do pós-guerra, em que os temas da modernização, do equipamento, do investimento e da inflação dominam a vida das nações, o aspecto econômico, mais ainda do que nos anos 30, recobre o conjunto do universo social e modela os quadros de pensamento. (DOSSE, 2003:151-152).
Braudel, nesse período, já publicara a obra O Mediterrâneo(1949) – almejando
escrever uma história total, ou seja, capaz de estudar, simultaneamente, o econômico, o
social e o cultural (FÁVERO e MOLINA, 2006: 19) – e tratou a obra sob a perspectiva
espaço-temporal, inicialmente, pelo tempo de longa duração, ao relacionar o homem ao
ambiente, o que chamou de geo-história; posteriormente, trabalhou a história de média
duração relacionada às estruturas – social, política e econômica – e, em sua terceira parte,
a temida história dos acontecimentos – que, para ele, apesar de enriquecer a atenção do
homem, pouca importância tinha em relação aos novos aspectos historiográficos –,
considerada uma história de curta duração.
Essa narrativa de eventos, contudo, está longe de ser uma história tradicional de “tambores e trombetas”, como pode parecer à primeira vista. Frequentemente, o autor desvia-se de seu caminho para enfatizar a insignificância dos eventos e as limitações impostas à liberdade de ação dos indivíduos. (BURKE, 2010:51).
A geo-história – explorada na primeira parte do seu livro – tinha ligação direta com
o movimento geográfico de Vidal de La Blache e a sua importância fora justificada pelo
próprio Braudel – as peculiaridades geográficas não só têm uma história, como também
fazem parte dela e, por essa razão, precisavam ser levadas em consideração.
26
Em suas três obras subsequentes Portos – Rotas – Tráficos, Negócios e Gente dos
Negócios e Moeda – Preço – Conjuntura, publicadas em 1951-52, ainda visando a uma
abordagem histórica totalizante, Braudel enfatiza as categorias econômicas – consumo,
distribuição e produção – remetendo ao que fez em O Mediterrâneo quanto à
temporalidade: quase imóvel, lenta e rápida, respectivamente. Essas obras deixaram
evidentes, para os historiadores que seguiam a mesma linha, as diferenças que existiam
entre a história do cotidiano e a história socioeconômica da época.
Ao enfatizar em sua história totalizante os aspectos econômicos, Braudel elabora
“(...) a advertência que achava necessário acrescentar, para preservar uma certa distância
intelectual de Marx e, mais ainda, do marxismo, evitando cair na armadilha de uma
estrutura intelectual que considerava muito rígida.” (Burke, 2010: 70) – embora tivesse
utilizado metáforas semelhantes às de Marx em suas últimas obras.
Ainda na segunda geração, a história quantitativa, serial (por se tratar dos
Annales), que se tornou bastante significativa entre 1950 e 1970 (já que era considerada
importante para os historiadores econômicos), não foi bem aceita por Braudel e a maneira
que ele a utilizara destinou-se, unicamente, à elaboração das estatísticas.
Ernest Labrousse, entretanto, publicara, em 1933, uma obra meritória sobre preços
e, por meio dele, houve a oportunidade de inserir, no movimento, as ideias marxistas –
tornando-se outro nome relevante na história da segunda fase dos Annales. Posteriormente,
influenciado por Simiand, escreveu também sobre métodos estatísticos em um estudo
quantitativo da economia na França do século XVIII, atentando para os ciclos econômicos
de longa e curta duração.
Para Reis (2000), a originalidade da segunda fase está ligada à história quantitativa,
serial, econômica e demográfica suscitada por Labrousse, pois continuava sendo dirigida
por meio do levantamento de hipóteses – fazendo alusão à história-problema defendida
pelos fundadores.
Braudel fez o recrutamento de alguns jovens, pretendendo uma renovação dos
Annales; dentre eles, destacou-se o seu futuro orientando, Emmanuel Le Roy Ladurie.
Este, ao escrever sua tese Les paysans de Languedoc em 1966, evidenciou-se por fazer
nela uma história total que, ao mesmo tempo em que se aproximava das orientações de
Braudel – interdisciplinaridade, longa duração e engenhosidade – tentava um afastamento
quanto à divisão dos estudos regionais:
27
Le Roy adota uma forma de organização cronológica no lugar de uma divisão em estrutura e conjuntura. Em cada uma das seções cronológicas, discute os desenvolvimentos culturais, tais como a ascensão do protestantismo e a alfabetização, e descreve também as reações do homem comum da região às tendências econômicas vividas no dia a dia. (BURKE, 2010: 85).
Todo o interesse imposto por Braudel em fazer uma história totalizante resultou na
relevante contribuição para segunda geração dos Annales – independente das inúmeras
críticas que ajudavam a aprimorar suas publicações. Relacionando-o à continuação do
movimento proposto desde 1929, houve uma dívida significativa, entretanto, com a história
das mentalidades, implantada, principalmente, por Febvre na primeira geração.
1.1.3 A terceira geração e a História das Mentalidades
Uma série de fatores contribuiu para o surgimento de uma nova geração no
movimento, pois, a partir de 1968, Braudel se cerca de uma comissão de jovens
pesquisadores (Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, entre outros); nomeia novos
integrantes na administração dos Annales em 1969; aposenta-se do cargo de presidente da
revista em 1972 e Jacques Le Goff, seu ex-aluno, assume a sucessão, substituído, em 1977,
por François Furet.
A partir de 68, fala-se de Nouvelles Nouvelles Annales, o que desperta o riso e a ironia dos adversários, pois parece-lhes um claro esforço de continuarem sempre jovens e capazes de vencer as resistências ao seu poder. Essa expressão se liga, certamente, àquele manifesto de Febvre de 1949, quando ele falava de Nouvelles Annales. Em 68, só se poderia falar, então, de Nouvelles Nouvelles Annales, no espírito do mesmo manifesto que é o de não transformar as instituições controladas pelos Annales em “majestosos túmulos”, mas manterem-nas “em face do vento” da história. (REIS, 2000:112)
A presidência de Le Goff não impediu a fragmentação intelectual da terceira
geração, prevalecendo, nesta, o policentrismo. Com a ampliação das fronteiras, a história
disseminada por Febvre e Bloch teve vários objetos de pesquisa e diferentes métodos, que
iam desde os disseminados na primeira geração, até aos disseminados na última.
Além disso, a fragmentação possibilitou influências originadas no exterior, já que
alguns dos seus integrantes estudaram nos Estados Unidos: “por diferentes caminhos,
tentaram fazer uma síntese entre a tradição dos Annales e as tendências intelectuais
americanas – como a psico-história, a nova história econômica, a história da cultura
popular, antropologia simbólica, etc.” (BURKE, 2010: 90).
28
Na geração dos Annales presidida por Braudel, a história cultural e suas derivações
foram pouco difundidas e passou-se a priorizar a história econômica e demográfica. O
determinismo na era braudeliana, entretanto, começou a incomodar e os intelectuais
introduziram uma história que vai do porão ao sótão, que:
Modifica suas preocupações, centrando-se nas mentalidades, nas vidas cotidianas, firmando-se em representações e interpretações, ampliando sensivelmente o conceito de fonte, utilizando-se de vários tipos delas: documentos psicológicos, arqueológicos, orais, religiosos, fazendo uma sábia e benfazeja mistura. (FÁVERO & MOLINA, 2006: 21)
Foi por meio dos estudos sobre a relação entre a natureza e a cultura, a maneira em
que as diferentes culturas veem e classificam os fenômenos naturais, as famílias e as
escolas durante o antigo regime, entre outros, produzidos pelo demógrafo histórico
Philippe Ariès (que rejeitava a história quantitativa) e publicados a partir de 1960, que a
história das mentalidades – “no ocidente, a palavra mentalidade designava os
comportamentos e as atitudes coletivas” (GALLY, 2013:15) – voltou a fazer parte de
maneira mais ativa nos Annales e tornou-se mais conhecida publicamente.
Criticado principalmente por Herlihy, Hunt e Pollock, Ariès ainda recebe merecido
destaque por apresentar a história da infância pelo modelo histórico proposto pelos
Annales, por conseguinte, suscitando várias outras pesquisas sobre esse mesmo tema, ou
baseados nessa iniciativa, criar outras categorias de análise.
Seus últimos anos foram dedicados a estudos sobre as atitudes perante a morte, focalizando de novo um fenômeno da natureza refratado pela cultura, a cultura ocidental, e atendendo a um famoso reclamo de Lucien Febvre, em 1941, “nós não possuímos uma história da morte” (Febvre, 1973, p.24). (BURKE, 2010: 93).
A nova abrangência de temas a serem estudados motivou os historiadores que
seguiam essa mesma linha a utilizar fontes até então pouco exploradas, como obras
literárias, e, por meio delas, fazer uma conexão entre a história das mentalidades e a
historia social.
No campo da psico-história, trabalhos como os de Le Roy – sobre o carnaval dos
romanos (1980), Delumeau, Besançon, que definiu seu ensaio como história psicanalítica,
entre outros, foram inspirados, principalmente, pelas ideias de Freud e obras de freudianos
29
e neofreudianos, enfatizando, porém, o fato de que historiadores psicanalistas não são
profissionais da psicologia, então, devem apenas observar características e descrevê-las.
No início dos anos 60, Jacques Le Goff e Georges Duby, grandes nomes da história
das mentalidades, dedicaram seus estudos a uma temática diferente das que foram citadas
anteriormente: Le Goff publicou artigos sobre a história, entendida, atualmente chamada
de imaginário medieval – O tempo dos mercadores e o tempo da igreja na Idade Média
(1960) e história das mudanças das representações da vida após a morte (1980) – além
das já trabalhadas estruturas mentais; Duby, por sua vez, migrou da história econômica de
Braudel para as histórias cultural francesa, das ideologias – baseando-se, em parte, na
concepção neomarxista –, da reprodução cultural e do imaginário social, combinando-as
com a história das mentalidades.
A obra publicada em 1968 por Robert Mandrou – secretário executivo da revista
dos Annales até 1962 –, Magistrats et sorciers em France au XVII siède, apresentava como
tema a perseguição à feitiçaria na França moderna, Segundo Vainfas (1997), este tenha
sido, talvez, o grande nome na história das mentalidades, apesar de marginalizado após o
falecimento de Febvre em 1956.
Os métodos quantitativos ainda eram empregados na terceira geração dos Annales,
com a finalidade de uni-los à história das mentalidades. Burke (2010) apontou dois
exemplos: o que chamou de mais original, o trabalho de Vovelle (1973) (levantou como
objeto a descristianização) que argumentou sua pesquisa com base em mapas, gráficos e
tabelas, chamando a história religiosa estudada por laicos, que se utilizam das novas
tecnologias de história serial de terceiro nível; e o que chamou de mais importante,
dirigido por Furet e Ozouf (1977), que tratava da mudança dos níveis de alfabetização, na
França entre os séculos XVI e XIX.
Problemas foram levantados quanto à tentativa de utilizar os métodos quantitativos
na história das mentalidades: essas estatísticas utilizadas como fonte são indicadores
seguros? São suficientes? Os historiadores estavam deixando de explicitar em suas
pesquisas um fator citado na primeira geração dos Annales: seus documentos, suas técnicas
e o modo como as utilizaram.
Uma abordagem que tomou direções acentuadas nesse período foi a história
antropológica ou a antropologia simbólica. Ela manteve a noção do tempo de longa
duração já realizado por Braudel, acrescentando à longa duração hábitos cotidianos,
costumes etc.; essa história se desliga ainda mais da noção quantitativa, pois é mais
30
descritiva; volta a ser função do historiador o papel de interpretação da história-problema
suscitada por ele e, aquilo que é cultural, retoma sua importância.
Foucault é o teórico que melhor expressou o projeto Nouvelle Nouvelle Annales. A história não visaria mais a uma síntese, mas a análises monográficas. A palavra que predomina, vinda de Foucault, é “descontinuidade”: a história produz abordagens múltiplas de uma sociedade sem centro, sem sujeito e sem futuro. (...) ela não explica mais a realidade, mas somente descreve partes dela, utilizando a tecnologia mais sofisticada e o texto mais rigoroso. (REIS, 2000: 114,115).
Os livros de Foucault serviram como inspiração ao trabalho de outros historiadores
como Le Goff, P. Nora, Le Roy, Chartier, entre outros que pertenciam ao movimento dos
Annales. A partir de Foucault, temas relacionados à história do corpo e a ligação entre ela e
a história do poder tiveram uma abordagem significativa.
Segundo Le Goff (1974), o conceito das mentalidades pode ser trabalhado sob o
recorte social das mentalidades, defendendo que a mentalidade coletiva pode ser apreciada
diante desse recorte; diante do domínio de crenças a atitudes comuns a toda sociedade; e
ainda quanto ao tempo das mentalidades – representado pelo tempo braudeliano de longa
duração, a mente muda lentamente.
Uma das críticas sofridas pelos Annales em oposição ao determinismo que
despontou a partir da segunda geração foi a falta de análise sobre o Estado, ou seja, o
esquecimento da história política. Apesar de não ter sido objeto de estudo de líderes como
Febvre e Braudel, a história política se fez presente em vários outros estudiosos durante
todas as gerações dos Annales nos anos que seguiam, inclusive na terceira fase, por Le Roy
até 1987.
Embora com traços tão distintos, o elemento unificador dessas três gerações é a ênfase na questão metodológica, já que a interdisciplinaridade, a análise de fatos advindos de várias áreas, tendo em vista a construção de uma história-problema, imprime uma especial importância à interpretação dos dados e à busca constante de esclarecimento dos porquês. (FÁVERO e MOLINA, 2006:22).
1.2 A Nova História Cultural
O conceito de Mentalidade se dissemina entre diferentes disciplinas a partir da
década de 1980 e é utilizado sob os variados temas; dessa maneira, diversos objetos são
postos em análise mediante essa perspectiva. Os microrrecortes, feitos em coleções de
31
livros, na França, como Histoire des femmes (Duby & Perrot) e Histoire de la vie privee
(org. Ariès & Duby), são os responsáveis pela tentativa de ascender à tão massificada
mentalidade.
Segundo Burke (2005), a história cultural pode ser dividida em quatro fases: a fase
clássica, a fase da história social da arte, a história da cultura popular e a nova história
cultural. A “nova história cultural”, nesse caso, torna-se oposta à noção de história
intelectual, tradicionalmente conhecida, passando a priorizar o estudo das mentalidades.
Essa história que, sem abdicar da história como disciplina, preconiza e legitima o estudo
das mentalidades, além de fazer uma reconstrução teórica com base nas críticas recebidas
desde a sua breve explanação na primeira geração dos Annales à explosão que aconteceu
em 1970.
Diferentemente da maneira como a história cultural era enquanto disciplina
acadêmica – estudava manifestações oficiais da cultura de um povo – e com uma definição
menos genérica que a do sentido anteriormente aplicado à mentalidade – associação entre o
mental e o social, a nova história cultural, ainda que leve em consideração a cultura da
elite, inclina-se, preferencialmente, ao âmbito das manifestações coletivas do povo.
Os historiadores da cultura, – nomenclatura dada aos estudiosos pertencentes a essa
nova linha – em seus trabalhos, aproveitam as benesses da aproximação entre a história
cultural e a antropologia; permanecem, em suas pesquisas, com a definição temporal de
longa duração; valorizam a vida cotidiana e consideram os temas empregados pelas
mentalidades.
Em oposição a algumas linhas da história das mentalidades, conhecidas por limitar-
se à descrição da vida diária e defender a teoria de que mentalidade é o pensamento
comum de uma sociedade, independente do meio em que ela vive ou do grupo de que ela
faz parte, a nova história cultural volta sua atenção ao papel das classes sociais, do
antagonismo social e da sedimentação.
A nova história cultural, assim como a história das mentalidades, possui
característica diretamente associada à pluralidade, evidenciando diferentes caminhos a
serem seguidos no âmbito da pesquisa que se deseja realizar, caminhos esses bem
delimitados pelo pesquisador, para não correr o risco de sujeitar-se ao estabelecimento de
um caos teórico, caso essa pluralidade entre em total desordem.
O modelo da nova história cultural, desenvolvido por Roger Chartier, é apresentado
no final da década de 1980, quando publica seu livro A História Cultural: entre práticas e
32
representações em que, assumidamente, se afasta das anteriores concepções tanto da
história das mentalidades, sua ligação fixa à história de longa duração, quanto da história
serial, quantitativa, pertencentes à terceira geração dos Annales na França e que por ele já
tinham sido estudadas.
Valoriza, portanto, o dimensionamento da cultura em termos de classes sociais, mas desde que não se procure delimitar as classes em qualquer âmbito externo ao da produção e consumo culturais. Neste sentido – e isto faz de seu modelo tão original quanto problemático –, Chartier se afasta não só das mentalidades, como da tradição francesa da história social. (VAINFAS, 1997: 153)
Planejando uma historia nova cultural que fugisse da tirania social, emprega a
história social concomitantemente ao que chamamos de utensilagem mental – utilizada
pelos Annales em sua primeira fase – e, para isso, oferece um conceito diferente de cultura,
dessa vez, associado à prática, criando, para a concretização dessas ideias, as chamadas
categorias de representação e apropriação.
Chartier propõe investigar o passado por meio das representações: de acordo com
aquilo que o homem, em um determinado meio social, transmite: seja pelo que ele fala, ou
da forma como ele age (aquilo que é visível), ou, por aquilo que o pesquisador consegue
apreender por meio da interpretação tanto do indivíduo, quanto sobre a maneira como ele
vê o mundo.
Trabalhando assim sobre as representações que os grupos modelam deles próprios ou dos outros, afastando-se, portanto, de uma dependência demasiado escrita relativamente à história social entendida no sentido clássico, a história cultural pode regressar utilmente ao social, já que faz incidir a sua ação sobre as estratégias que determinam posições e relações que atribuem a cada classe, grupo ou meio um <ser apreendido> constitutivo da sua identidade. (CHARTIER, 1990: 23)
Ainda sobre as representações, que Chartier considera a pedra angular da história
cultural por ele formulada, o autor (1990: 23) elenca três modalidades para a interpretação
do meio social: o trabalho de classificação e delimitação que produz as configurações
intelectuais múltiplas; as práticas que possibilitem identificar um grupo social e
reconhecer sua identidade; as formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns
representantes (...) marcam de forma visível a existência de um grupo.
33
O seu segundo conceito é sobre a “apropriação que objetiva uma história social das
interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,
institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que a produzem”. (1990: 26)
São esses dois critérios de Chartier – representação e apropriação – que servirão
como base para a análise interpretativa da Grammatica Analytica de Maximino Maciel que
será feita no terceiro capítulo dessa dissertação.
1.3 A história das ideias linguísticas
Assim como a nova história, a história das mentalidades, a história cultural e a nova
história cultural, a história das ideias faz parte do resultado da preocupação do historiador
desde o século XIX – quando sua existência ainda estava atrelada à história positivista.
Diante da necessidade de interdisciplinaridade, há a junção da história – considerada uma
disciplina – com a linguística – já considerada ciência.
A designação História das Ideias, entretanto, suscita discussões entre os
historiadores. Darnton (1990), por exemplo, a caracteriza como a história das ideias
propriamente dita – o estudo do pensamento sistemático, ou seja, as ideias geralmente
expostas em tratados filosóficos; quanto à história intelectual – o estudo do pensamento
informal, climas de opinião, movimentos literários; a história social das ideias- estudo das
ideologias e da difusão das ideias; e ainda a história cultural- estudo da cultura no sentido
antropológico, inclusive as concepções ou visões de mundo e as mentalidades.
A História das Ideias Linguísticas que é entendida “como todo saber construído em
torno de uma língua, num dado momento, como produto quer de uma reflexão
metalinguística, quer de uma atividade metalinguística não explícita” (AUROUX, 1992:
13-4), tem o objetivo de
pensar a gramática e o dicionário, a passagem da gramática para a linguística, a diferença entre o método normativo e o científico, ou o expositivo e o histórico, a passagem deste para a descrição e a explicação que são o próprio da linguística, e a relação do conhecimento linguístico com o ensino ou os lugares por onde as gramáticas circularam, a concepção de língua subjacente a textos literários. (FÁVERO & MOLINA, 2006: 24).
Auroux (1992), ao tentar responder sob que formas o saber linguístico se constitui
no tempo e como ele se cria, evolui e se transforma ou desaparece, remete essa história ao
34
processo de gramatização, entendido como “o processo que conduz a descrever e a
instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que ainda hoje são os pilares de
nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário”. (AUROUX, 1992, p. 65). Para
essa análise, utiliza três princípios metodológicos: o da definição puramente
fenomenológica do objeto (responsável pela definição do objeto a fim de fazer um recorte
e limitá-lo), o da neutralidade epistemológica (já que é necessária a imparcialidade quanto
ao que pode ser considerado ou não ciência) e o do historicismo moderado (pois o recorte
histórico deve limitar-se ao que influencia diretamente no objeto da pesquisa).
Essa história, então, preocupa-se com o estudo tanto dos saberes linguísticos,
quanto das gramáticas e instituições nas quais esse saber fora moldado. Assim, o papel do
historiador das ideias linguísticas é “... analisar, no contexto em que foi criada [uma] ideia,
como frutificou, foi compreendida, difundida, interpretada e representada, mergulhando
em sua profundidade, enxergando os fios que a constituíram e todos os seus reflexos,
favorecendo uma melhor compreensão da Linguística atual” (FÁVERO & MOLINA,
2006, p. 29).
Ao fazer uma história baseada nos fundamentos da História das Ideias Linguísticas
é necessário considerar o percurso histórico, a constituição de instrumentos linguísticos
específicos, as políticas públicas, o ensino e sua sistematização.
Como o Brasil é um país colonizado, Orlandi (2002) apresenta uma relação
intrínseca no modo de construção entre a Nação e a identidade linguística brasileira, o que
diferenciará da concepção que essa história assume na França, por exemplo. A história de
como a língua portuguesa no Brasil foi constituída, deve estar vinculada à história de
elaboração e entendimento dela. De acordo com o que foi dito, é necessário que haja uma
relação entre Língua e Estado, já que a independência se dá ao mesmo tempo em que a
língua oficial é implementada.
Fávero e Molina (2006) alertam os pesquisadores que se propõem a fazer a História
das Ideias Linguísticas para as limitações e dificuldades quanto às fontes necessárias para o
desenvolvimento de uma boa pesquisa: i. a impossibilidade da exaustividade (já que o
saber é uma construção entre o passado e o presente); ii. a busca das fontes (enfatizam
tanto a dificuldade do acesso à documentação, quanto a importância da seleção e
recuperação de fontes de difícil acesso); iii. O estudo da documentação (pois um
documento pode e deve ser questionado quanto à veracidade e originalidade, entre outras
coisas).
35
Inseridos nos princípios norteadores de Auroux, estudaremos a sintaxe na
Grammatica Analytica de Maximino Maciel (1887), a fim de que façamos, dessa análise,
mais um trabalho pautado na história das ideias linguísticas, tomando a Grammatica
Analytica não somente como uma produção gramatical do século XIX, mas também,
classificando-a como um objeto cultural de sua época.
36
Capítulo 2
CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO, CULTURAL E
EDUCACIONAL DO BRASIL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO
XIX
Definido o objeto desta pesquisa – a Grammatica Analytica de Maximino Maciel,
publicada em 1887 – o recorte histórico feito nesse capítulo refere-se ao momento em que
as novas ideias políticas, culturais e educacionais efervesciam no Brasil e no mundo e,
mais especificamente, o novo período que inspirava o processo de “gramatização”, sob
orientação das correntes “científicas” 1. Dessa maneira, faremos um levantamento dos
principais fatos históricos que moveram o Brasil nesse período.
2.1 O Brasil na segunda metade do século XIX
2.1.1 Da Monarquia à República
Em meados do século XIX, apesar do regime monárquico (que durou até 1889), o
Brasil viveu um momento de conflito político entre os interesses da Coroa, da Igreja e do
Exército – este último veio ganhar força somente após a guerra do Paraguai. Essa guerra –
também conhecida como Guerra da Tríplice Aliança – começou timidamente em
novembro de 1864 e durou cinco anos.
1 “Elia (1975), baseado em Antenor Nascentes, divide nossos estudos filológicos em dois grandes períodos: o vernaculista e o científico. O primeiro vai de 1820, quando ocorre nossa independência política, até 1880, com o surgimento da gramática de Júlio Ribeiro e caracteriza-se por contradições entre as preocupações puristas, de estudiosos conservadores, com os representantes da nova geração. Em outras palavras, foi o momento bipolar de encontro da corrente classicizante – dos que queriam a língua portuguesa calcada no modelo lusitano – com a dos reformistas – dos que aceitavam vários falares que começavam a constituir a língua Portuguesa do Brasil. Cita Sotero dos Reis e Gonçalves Dias, dentre outros, como representantes desse momento. Já o segundo período, que vai de 1880 a 1960, chamado por ele de científico, compreende duas fases: a primeira, de 1880 a 1900, tem como principal característica a transição, melhor dizendo, é a instância em que a renovação prevalece sobre o conservadorismo da época anterior (...).A segunda fase desse segundo período, que vai de 1900 a 1960, possui, de acordo com Elia, três gerações: a primeira, de 1900 a 1920 (...). A segunda geração de 1920 a 1940 (...). A última geração, de 1940 a 1960.” (FÁVERO & MOLINA, 2006: 48).
37
Analisando o envolvimento do Brasil com os demais países que protagonizaram
essa guerra, em resumo, houve, nesse período, uma relação não só de rivalidade entre
Brasil e Argentina, como também de interesses econômicos entre Brasil e Uruguai que
giravam em torno da criação de gado – vínculo esse que desencadeou um acordo secreto
entre o governo brasileiro e os colorados – e de divergências quanto a fronteiras e livre
navegação pelo Rio Paraguai, entre Brasil e Paraguai. O rompimento diplomático entre
Brasil e Paraguai aconteceu quando, em dezembro de 1864, o então presidente do
Paraguai, Solano López, promoveu um ataque ao Mato Grosso, temendo o expansionismo
brasileiro.
Após ser eleito presidente da República Argentina em 1862, Bartolomé Mitre se
posicionou a favor da livre negociação dos rios e manteve um relacionamento estável com
os colorados (uruguaios), política que agradou os liberais brasileiros – apesar da tão
conhecida rivalidade entre esses dois países. Isso fortaleceu o vínculo político entre Brasil,
Argentina e Uruguai; dessa maneira, em 1865, o Paraguai declarou guerra à Argentina, fato
que acarretou, sob a liderança de Bartolomé Mitre, uma aliança entre Argentina, Brasil e
Uruguai – conhecida como Tratado da Tríplice Aliança2.
Apesar do alto poder demográfico e econômico dos países que integraram a
Tríplice Aliança, o Paraguai ostentava, no início da guerra, um poderio militar maior do
que os três países juntos – no Brasil, por exemplo, não havia serviço militar obrigatório, o
país contava apenas com a milícia do Rio Grande do Sul que fora suficiente nas campanhas
militares do Brasil, mas foi inábil para esse novo confronto. Ademais, a Guarda Nacional,
formada em sua maioria por brancos, não participou da guerra e a única maneira de
integração de jovens brasileiros ao exército era um sorteio limitado:
No correr dos anos, as forças da Tríplice Aliança cresceram, com predominância dos brasileiros que representavam pelo menos dois terços do total. Calcula-se entre 135 mil e 200 mil o número geral de brasileiros mobilizados para uma população masculina estimada de 4,9 milhões, em 1865. As tropas foram organizadas com o exército regular, os batalhões da Guarda Nacional e gente recrutada em sua maioria segundo os velhos métodos de recrutamento forçado que vinham da Colônia. Apesar disso, muitos foram integrados no corpo dos Voluntários da Pátria, como se tivessem se apresentado para combater por vontade própria. (FAUSTO, 2010: 213)
2 Cf. Fausto (2010: 208).
38
Além desse método de recrutamento, senhores cederam seus escravos para
aumentar a tropa brasileira e, aos africanos que moravam ilegalmente no Brasil e se
voluntariaram para lutar, foi concedido pelo governo Imperial, em 1866, o direito de
liberdade e receberam o título de “escravos da Nação”. Entre invasões, mortes nas batalhas
e por doenças, mudanças no comando da guerra, em 1869 o Paraguai foi derrotado e em
1870 Solano Lopes foi morto por soldados brasileiros3.
As principais consequências dessa guerra para o Brasil foram o aumento da dívida
com a Inglaterra e o desenvolvimento do exército brasileiro que deixou de ser um grupo
escasso que seguia ordens, tornando-se uma instituição com concepções e objetivos
peculiares que contestou o poder imperial e renegou a importância dos “casacas”;
começou, então, durante o período de guerrilha, a levantar líderes como Deodoro da
Fonseca e Floriano Peixoto – este último, apesar da ligação com o partido liberal, levava à
discussão a questão militar e o direito dos cidadãos – que assumiram um papel importante
na queda do Império.
Outro grande fator que enfraqueceu o sistema monárquico brasileiro foi o problema
da escravidão no Brasil. A briga entre os partidos conservador e liberal utilizava o tema
abolicionista para angariar preferência popular; dessa maneira, em 1871, o conservador
Visconde do Rio Branco propôs a lei do Ventre Livre – que libertava os filhos de escravas
que nascessem após a aprovação da lei.
A criação dessa lei, apesar de contrariar a base conservadora, foi uma tentativa de
que não houvesse revolução escravista em busca da total abolição – atitude repudiada por
Lima Barreto, que acusava o Visconde do Rio Branco de segregar a população negra do
Brasil e não os reconhecer como seres humanos. Independente da aprovação dessa lei – lei
2040 de 28 de setembro de 1871 – um reduzido número de escravos foi entregue ao poder
público e os senhores permaneceram utilizando seus serviços.
Em 1880, houve uma explosão de adeptos à campanha abolicionista feita por
associações, meios de comunicação em massa, figuras políticas e intelectuais influentes, da
elite às pessoas pobres – o norte e o nordeste do país já não dependiam mais da mão de
obra escrava e apoiavam o movimento.
3 Após a guerra, o Paraguai tornou-se um dos países da América do Sul que enfrentou mais problemas, devido à quantidade de pessoas que foram mortas, à perda de território para o Brasil e para a Argentina, à dívida de indenização do pós-guerra e ao domínio militar durante quase dez anos. (Cf. FAUSTO, 2010).
39
Nesse contexto, em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários – estabelecia que
fossem libertados os escravos a partir de 60 anos de idade. Essa lei criada pelos liberais,
entretanto, não foi capaz de conter os ânimos das pessoas que eram a favor da libertação
total dos escravos e, abruptamente, aconteceram fugas em massa.
Diante dessa nova realidade, o conservador João Alfredo sugeriu a iniciativa de
Abolição total de escravos – aprovada pela maioria dos parlamentares e sancionada pela
Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Ao descrever a realidade do chamado
“proletariado da capital” nesse momento, Carvalho (1987) salienta que:
Eu diria mesmo que a Monarquia caiu quando atingia seu ponto mais alto de popularidade entre essa gente, em parte como consequência da abolição da escravidão. A abolição deu ensejo a imensos festejos populares que duraram uma semana e se repetiram no ano seguinte, cinco meses antes da proclamação da República. A simpatia popular se dirigia não só à princesa Isabel, mas também a Pedro II, como ficou evidenciado pela ocasião da comemoração do aniversário do velho imperador, a 2 de dezembro de 1888. (CARVALHO, 1987: 29)
Foi na Escola Militar de Praia Vermelha – instituição antes pensada para a
preparação militar e, depois, voltada para o estudo de letras, filosofia e matemática – que a
questão do regime monárquico começou a ser debatida com mais intensidade e o
pensamento de transformar o Brasil em República ganhou força com o ingresso de
Benjamin Constant no quadro de professores.
Benjamin Constant introduziu, a partir de 1872, na Escola Militar o “espírito
positivo” de Augusto Comte (1848), principalmente, sob a perspectiva da preferência
política republicana – não no sentido da República que dá voz ao povo, mas um ditador
republicano que, mesmo representando a massa popular, poderia contrariar a vontade dela
em nome do bem da República; além disso, esse ditador teria um mandato vitalício – e pela
ideia de separação da Igreja e do Estado (o que levou os militares a defenderem a
concepção de modernização conservadora do Brasil à luz do pensamento positivista).
Sob a presidência de Deodoro da Fonseca, o Clube Militar foi fundado em junho de
1887 com o objetivo de defender os interesses dos militares – devido à insatisfação do
modelo político vigente e ao crescimento da campanha republicana – e, após uma
sequência de reformas4, em 11 de novembro de 1889, houve uma reunião de civis e
militares que tentaram convencer Deodoro a iniciar a marcha republicana; contudo, o
4 Cf. Azevedo (1963).
40
Marechal, como era o homem de confiança do imperador, sugeriu que esperassem a morte
de D. Pedro II, já que o mesmo estava velho e debilitado,
Mas a situação se precipita. Em razão de um erro estratégico, é chamado para presidir o conselho Silveira Martins, chefe liberal gaúcho, que estando fora da corte só chegaria em 17 de novembro. Além disso, a indicação era duplamente enganosa, já que Martins era inimigo político de Deodoro no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, é só na noite do dia 15 que a situação se delineia e a República é, de fato, proclamada. Afinal, até então, o movimento não havia se definido, mais parecendo uma agitação interna do Exército. (Schwarcz, 1998: 687).
Dessa maneira, ainda segundo Schwarcz (1998), a República não foi proclamada,
mas aclamada, já que não houve participação popular, nem grande movimentação entre
todos os militares – a marinha praticamente não estava representada – mas um pequeno
grupo de integrantes do exército, intelectuais e oficiais que estavam na ponta da hierarquia
e cansados do regime monárquico brasileiro.
Carvalho (1987: 9), por sua vez, apresenta a famosa frase de Aristides Lobo em
resumo à proclamação do novo regime: “o povo, que pelo ideário republicano deveria ter
sido protagonista dos acontecimentos, assistiu a tudo bestializado, sem compreender o que
se passava, julgando ver talvez uma parada militar.”. Assim se descreve o processo político
que engloba a queda da Monarquia e a transição para a República.
2.1.2 O café, a extinção do tráfico de escravos e a imigração: a história econômica
Quanto à questão econômica desse período, podemos resumir em três fatores
principais: a economia cafeeira, a extinção do tráfico de escravos e a imigração. A
produção e exportação do café foi o grande nome da economia brasileira – começou
timidamente na segunda metade do século XVIII no Pará e tomou força no início do século
XIX, no Vale do Paraíba – mas, deixemos claro que o Brasil não era só café (embora se
compreenda que a maior parte do tráfico de escravos era destinada, nesse período, às
lavouras de café).
Nas primeiras décadas do século XIX, os fazendeiros brasileiros começaram a
investir nas fazendas de café para exportação no Vale do Rio Paraíba, que fica entre São
Paulo e Rio de Janeiro e possuía ótimas condições, tanto relacionadas ao clima, quanto ao
41
solo. Nesse período, os fazendeiros dependiam da mão de obra escrava e o sistema
utilizado na instalação das fazendas era o plantation5.
Para implantar uma fazenda de café, o fazendeiro tinha de fazer investimentos significativos, que incluíam a derrubada da mata, o preparo da terra, o plantio, as instalações e a compra dos escravos. Além disso, se o cafeeiro é uma planta perene – ou seja, o plantio não deve ser renovado a curto prazo – as primeiras colheitas só ocorrem após quatro anos. Ao que tudo indica, no começo, os recursos para se implantar uma fazenda se originaram, principalmente, da poupança obtida com a grande expansão do comércio, após a vinda de D. João VI para o Brasil. Com o tempo, os lucros da própria cafeicultura e, a partir de 1850, os capitais liberados pela extinção do tráfico de escravos tornaram-se fontes de investimento. (Fausto, 2010: 187)
Como não havia cuidados específicos quanto à conservação do solo, quando este se
tornava inútil para a atividade da lavoura cafeeira, a área que não tivesse condições de
produzir era abandonada e o cultivo, transportado para uma nova região. Além da falta de
cuidado com o solo, existia outro problema: a precariedade do transporte para a exportação
do café brasileiro.
Tropa de burros foi o primeiro transporte responsável em levar o café do Vale do
Paraíba até o Rio de Janeiro, onde era entregue ao comissário e esse assumia a
responsabilidade de negociar a mercadoria. Posteriormente, o Brasil começou a investir em
ferrovias – primeira estrada de ferro foi construída por Irineu Evangelista de Souza, o
Barão de Mauá, em 1854 na Baía de Guanabara (RJ) – para profissionalizar e tornar mais
rápido o deslocamento da carga.
O mercado interno não era suficiente para absorver a produção cafeeira em larga
escala, dessa forma, o Brasil investiu na exportação e teve como maiores compradores do
seu café os Estados Unidos, a Alemanha, os Países Baixos e a Escandinávia. A dívida que
o Brasil tinha com a Inglaterra aumentava substancialmente e, apesar desta não consumir o
café exportado pelo Brasil, esse negócio lhe foi rentável – entre 1840 e 1850 – já que era a
própria Inglaterra que subsidiava as construções das ferrovias.
O auge da produção cafeeira no Vale do Paraíba se deu em 1850, porém,
aproximadamente em 1860, devido ao desgaste do solo, a plantação de café nessa região
5 Plantation é uma expressão que indica o sistema agrícola baseado na monocultura que se utiliza da mão-de-obra escrava. No Brasil, além do trabalho dos escravos africanos, utilizou-se do trabalho escravo indígena e, além da monocultura cafeeira, houve também a da cana-de-açúcar, da soja, do algodão, etc. (Cf. PRADO, 1994).
42
entrou em declínio – situação retratada no livro Cidades Mortas de Monteiro Lobato – e o
grande polo cafeeiro passou a ser o Oeste Paulista.
Nesse período, o grande problema enfrentado pelos cafeicultores do Oeste Paulista
não eram as condições climáticas, mas a mão-de-obra. Desde setembro de 1850, a lei
Eusébio de Queiroz6 proibira o tráfico de escravos e, como eles constituíam a principal
fonte de trabalho das fazendas de café, os senhores tiveram que substituir o trabalho
escravo pelo trabalho remunerado e a única alternativa viável era a imigração de
estrangeiros, dando início ao maior processo imigratório até então no Brasil.
A mão-de-obra europeia nas fazendas de café para tentar suprir o trabalho escravo
foi a opção mais aceitável para a época, pois, o preconceito ao negro como um trabalhador
remunerado impediu que eles fossem contratados para dar continuidade à função que
exerciam:
A Política adotada de financiamento da imigração que passou a ser subsidiada pelo Estado, a partir de 1886; as novas perspectivas que se rasgaram no trabalho dos colonos, com a abolição do elemento servil, e o desenvolvimento da lavoura cafeeira que atingiu em 1895 um dos seus ponto culminantes com a grande alta do preço do café, concorreram poderosamente para atrair a essa região do país e nela fixar as maiores correntes de imigração. (AZEVEDO, 1963: 631)
Além disso, a massa de flagelados atingida pela seca do nordeste não poderia, nesse
momento, ser levada ao Centro-Sul, pois as fazendas de algodão localizadas no nordeste do
país também sofreram com a falta de escravos e já pretendiam utilizar esses trabalhadores
em suas plantações e outros seriam levados ao Norte para a extração de borracha.
Campanhas com o objetivo de atrair trabalhadores europeus para o Brasil, a partir
de março de 1871, foram intensificadas fora do país – em forma de folhetos redigidos em
português, alemão e italiano que explicavam as vantagens de vir ao Brasil ao invés de ir
aos Estados Unidos e Argentina, por exemplo. Nesse período, entretanto, os senhores ainda
confundiam o modo de tratar o trabalhador com o modo como tratavam os escravos e, por
esse motivo, a imigração para o Brasil ainda não era uma opção atraente para os europeus.
Com a crise na Itália e o aumento dos benefícios concedidos pelo Brasil aos
imigrantes, aconteceu um salto na imigração já no final do regime imperial – de 1885 para
1888 – onde 90% desses imigrantes eram italianos, fato que garantiu a substituição da
6 Aprovada em 4 de setembro de 1850 e formulada pelo ministro Eusébio de Queirós, essa lei não gerou efeitos imediatos, aumentando, consideravelmente, o número de escravos traficados.
43
mão-de-obra escrava pelo trabalho remunerado e encaminhou o país à total abolição da
escravidão.
2.1.3 Os brasileiros e a cultura brasileira
É sabido que a instrução no Brasil, desde o período colonial, estava ligada à elite e
ao sistema de ensino pautado pelos jesuítas da Companhia de Jesus. No século XVIII,
quando esse modelo jesuítico já era considerado atrasado e antiquado – pois não estava
acompanhando as novas ideias que eclodiam na Europa durante o iluminismo – o então
primeiro ministro, Marquês de Pombal, em 1759, expulsou os jesuítas e reformulou o
modelo de ensino em Portugal e, consequentemente, no Brasil.
Como a expulsão se deu abruptamente e, apesar de organizado na teoria, na prática,
não havia um planejamento de substituição da instrução que era praticada pelos jesuítas, o
Brasil passou por um momento de, pelo menos, 70 anos para que um novo método,
baseado na ideia de capacitação profissional (advogados, médicos, engenheiros e militares)
e uma cultura mais liberal, fossem criados no Brasil Imperial.
Até a metade do século XIX, apesar da remodelação dos conteúdos educacionais,
tornando-os mais atuais, o caráter humanista e eclesiástico ainda estava presente, pois as
escolas de instrução profissional eram seminários e colégios de padres que transmitiam
uma cultura ligada à finalidade cristã e tudo o que a ela estivesse relacionado. Além disso,
a massa popular ainda estava alheia à importância da instrução; em contrapartida, a elite
intelectualizada aproveitava para, por meio desses novos cursos, adquirir os títulos de
bacharel e doutor, aumentando ainda mais a oposição letrados x iletrados/ elite x massa
popular.
Estes estabelecimentos ensinavam um número reduzido de matérias, visando apenas à ciência ornamental e tinham em vista sobretudo a ciência eclesiástica; pode-se dizer, em seu louvor, que o dogma e a moral aí dominavam e penetravam profundamente no coração e na alma dos seminaristas. Saíram daí homens ilustres que honraram o Brasil antes da sua independência e o serviram brilhantemente por sua coragem, seu caráter e seu devotamento nesta gloriosa época. (ALMEIDA, 2000: 62)
Durante o reinado de D. João VI, foram fundados cursos de medicina e de marinha,
mas, somente em agosto de 1827, foram criadas escolas profissionais na área jurídica em
44
São Paulo e em Olinda – esta última transferida para Recife em 1854 – e, a partir disso,
tornaram-se grandes centros da cultura jurídica do país (apesar de ligados à Igreja, é por
meio desses cursos que letrados introduziram pensamentos de grandes filósofos ingleses e
franceses no Brasil):
(...) é nêles que se forjam e se temperam as armas políticas, para as lutas pelo direito e as campanhas liberais; e é dêles que se elevam, nas asas da poesia e da eloquência, para serem espalhadas por tôda parte, a semente das ideias revolucionárias, enquanto se forma, no recolhimento dos estudos e do magistério, a elite dos construtores do direito que devia dar travejamento à estrutura jurídica e política do Estado. (AZEVEDO, 1963: 285)
Seguiu-se, a partir desse momento, o real rompimento entre a cultura brasileira e a
Universidade de Coimbra, que era, até então, o grande berço da cultura intelectual
brasileira, mas que, nesse momento, deixou a desejar quanto ao conhecimento jurídico e à
falta de familiaridade com as teorias jurídicas de outros países. Nessa atmosfera de
efervescência jurídica, no ano de 1830, houve a criação do código criminal no Brasil e, em
1850, o código comercial – que foi reorganizado em 1855 por Teixeira de Freitas,
consolidando, nesse momento, as Leis Civis.
Além das academias de direito, D. João VI instituiu, ainda, a Academia Real
Militar no Rio de Janeiro, não somente para as atividades de atribuições militares, mas
também, voltada para a matemática – desenvolvendo o interesse pelo pensamento
econômico – e para a engenharia que direcionava à construção de estradas, portos, pontes,
etc.. Segundo Azevedo (1963),
Todo o esfôrço, largo e generoso, de D. João VI, criando escolas e instituições de caráter técnico, e estabelecendo cursos de economia, veterinária e agricultura, e organizando e reformando a Academia Militar e a de Marinha, foi uma ofensiva manifesta contra as tendências e características da instrução colonial que deixou desarmada a sociedade de quadros capazes de remover, pelos fundamentos econômicos, a sua reconstrução. (AZEVEDO, 1963: 289).
Os laços, entretanto, que prenderam grande parte dos intelectuais desse período ao
pensamento da era colonial – provavelmente pautada na mentalidade e defesa do trabalho
escravo e na falta de atividade industrial no país – ainda eram muito fortes e, esse conjunto
de determinações não foi suficientemente concreto para aplacar uma nova ideia cultural em
45
grandes grupos atuantes na Academia Militar, prevalecendo a inatividade da economia
nacional.
A Academia Militar continuou passando por diversas mudanças quanto ao
funcionamento e à área de abrangência. Fazendo um levantamento dos processos de
mudança dessa instituição no tempo cronológico, observa-se que em 1833 houve o
desligamento da Academia Militar da Academia Naval e, ainda nesse período, ampliou-se
o curso militar e, consequentemente, o número de oficiais engenheiros.
Procedendo com os mesmos objetivos e utilizando-se dos mesmos métodos, em
1839, a Academia Militar teve o nome mudado para Escola Militar. A partir de 1842,
todavia, acontece a Reforma da Escola Militar, os cursos de militares, de cavalaria, de
infantaria, de artilharia foram criados e o de engenharia foi ampliado, passando a ter uma
duração de sete anos.
Em 1858, a Escola Militar recebeu o nome de Escola Central e a Escola de
Aplicação – fundada em 1855 – transformou-se em Escola Militar. A primeira
responsabilizou-se pelo curso de engenheiros civis e a segunda, de oficiais e engenheiros
militares. Somente em 1874, a Escola Central tornou-se Escola Politécnica, com os três
cursos de engenharia civil, o de minas, o de artes e manufatura e o de ciências físicas e
matemática.
Independente da fundação desses cursos superiores que influenciaram no processo
de crescimento geográfico no Brasil, construções de estradas de ferro etc., o prestígio
intelectual não residiu, nesse período, nos cursos de engenharia nem nos de medicina, mas
na atividade jurídica.
Penetrado, em geral, em todo o século XIX, do velho espírito livresco e dialético, o ensino superior fabrica incessantemente, uma espécie de aristocracia nova, a dos diplomados, quer dos que se conservam dentro da profissão para que se preparam, quer dos que se desertam ou transbordam dos quadros profissionais para as letras, o jornalismo, a política e a administração. (AZEVEDO, 1963: 296)
Apesar de toda a transformação cultural e intelectual que o Brasil estava vivendo
durante todo o século XIX, a elite do país foi identificada como portadora de cultura e não
criadora, pois tanto no desenvolvimento profissional, quanto na manifestação cultural –
literatura, artes – o Brasil estava tentando se integrar a uma cultura europeia que não fazia
parte da nova civilização brasileira. Se essa reflexão for trazida para a atualidade, seria
46
considerável o pensamento de que o Brasil não apenas criou a sua própria cultura, como
também agrega a ela culturas apreendidas em outros países.
Os esforços para a integração do conhecimento científico e técnico eram
irrelevantes, pois eram esforços individuais, remotos. Essa organização cultural do Império
à República estava pautada somente nos aspectos transmitidos nas escolas e faculdades,
pensamento gerido por outros. Vale destacar também que intelectuais como José de
Alencar, Joaquim Nabuco, Osvaldo Cruz, Barão do Rio Branco, Tobias Barreto, Silvio
Romero e Euclides da Cunha eram raros nesse período (se compararmos ao alto índice de
analfabetos que havia no Brasil).
O Romantismo – que, na Europa, eclodiu em 1830 – com o pensamento lírico,
imaginativo e subjetivo; com a negação daquilo que é concreto, ao confrontar o que é
abstrato, vai aparecer no Brasil, em 1850, com as obras de autores como Gonçalves
Magalhães, Gonçalves Dias, Castro Alves, Fagundes Varela, José de Alencar, Junqueira
Freire, Casimiro de Abreu, Bernardo Joaquim da Silva Magalhães, entre outros.
Esses poetas e romancistas tentavam, por meio das obras que escreviam,
estabelecer a formação da língua nacional, da identidade do homem brasileiro, criticar o
problema dos escravos e os problemas políticos que os afligiam. A depender da fase do
Romantismo em que esses autores estivessem inseridos, o objeto e o objetivo mudavam.
Em 1881, com a publicação das obras Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de
Assis, e O Mulato, de Aluízio Azevedo, um novo período da literatura, inspirado pelos
novos ideais positivistas, é inaugurado no Brasil: o Realismo/ Naturalismo.
Fazer uma síntese sobre o pensamento cultural do homem que vivia no período de
transição entre o Império e a República e o levantamento dos fatores históricos que
moldaram esses pensamentos não é uma tarefa fácil, devido ao sistema de transição
cultural que o país vivia ao tentar encontrar uma identidade nacional. Ao falar da educação
na segunda metade do século XIX, veremos outros fatores de grande relevância para,
então, chegarmos a uma conclusão do pensamento cultural e intelectual do brasileiro desse
período.
47
2.2 A educação no Brasil na segunda metade do século XIX
O ensino no Brasil, no século XIX, é marcado pela educação voltada aos interesses
da elite. Dessa forma, pouco se investiu no ensino primário, das primeiras letras – que
permaneceu precário durante muito tempo – e as atenções estavam sempre voltadas ao
ensino secundário e superior. (Cf. Fávero, 2002)
Relacionado ao ensino secundário, na primeira metade do século XIX, este se
resumia a aulas avulsas e particulares, seguindo o ultrapassado modelo proposto pelo
Marquês de Pombal, desde 1759, as aulas régias, extintas, em sua totalidade, a partir de
1857, já que não abrangiam todas as disciplinas cobradas nos exames preparatórios.
2.2.1 O ensino secundário no Brasil e o Colégio Pedro II
Com o objetivo de descentralizar o controle do ensino no Brasil – que pertencia ao
Governo Central – a Reforma Constitucional de 1834 criou as Assembleias Legislativas
Provinciais e estabeleceu dois diferentes meios de organizar o ensino: o provincial –
permitiu que as províncias se responsabilizassem pela instrução pública, pelos
estabelecimentos próprios – e o geral – responsável pelo ensino nas faculdades de
medicina, pelos cursos jurídicos, pelas academias já existentes e pelas instituições que
fossem criadas por meio da Lei Geral.
A participação direta dos poderes gerais no desenvolvimento do ensino provincial dos níveis primário e médio, em geral admitida como perfeitamente constitucional, não chegou, contudo, a se efetivar. A prática consagrou partilha bem diversa das competências em matéria de educação. De fato, após a reforma constitucional, a atuação dos poderes gerais no que concerne ao ensino primário e secundário limitou-se, quase que exclusivamente, ao município da corte; não se criaram por leis gerais quaisquer estabelecimentos desses níveis nas províncias. Por outro lado, abstiveram-se as províncias de criar estabelecimentos de ensino superior, conservando, de fato, o Poder Geral, o monopólio dos estudos maiores. (HAIDAR, 1972: 19)
O primeiro passo para o desenvolvimento e sistematização do ensino secundário no
Império foi a criação de Liceus provinciais, por exemplo, o Ateneu do Rio Grande do
Norte em 1835, Liceus da Bahia e da Paraíba em 1836, além do decreto lançado em
48
dezembro de 1837, aprovado em março de 1838, que estabeleceu a transformação do
Seminário de São Joaquim, localizado no Rio de Janeiro, no Colégio D. Pedro II que foi
coordenado diretamente pelo governo, sendo considerado o Colégio da Corte.
O Colégio Pedro II foi a grande instituição do ensino secundário no Império e,
desde sua criação, o objetivo era de que ele fosse uma escola modelo e que o ensino – que
antes era feito por meio de aulas avulsas e sem controle e nenhum tipo de organização –
tivesse um nível elevado. A grade curricular era formada pelas seguintes disciplinas:
gramática nacional, gramática latina, aritmética, geografia, desenho, música vocal, latim,
grego, ciências naturais, física, filosofia, retórica e estudos históricos – distribuídas em oito
séries, cursadas em oito anos. As aulas avulsas não fizeram parte dessa nova formulação
ideal de ensino.
Fávero (2002:74) afirma que as classes deveriam ter de 30 a 35 alunos,
prioritariamente com o mesmo preparo e chama atenção para os requisitos necessários para
se matricular no Pedro II:
a) idade de pelo menos 8 anos e de 12 quando muito; os que excedessem essa
idade, não seriam admitidos;
b) saber ler e contar as quatro operações de aritmética;
c) histórico feito pelos professores ou diretores da escola anterior atestando bom
comportamento;
d) despacho de admissão do reitor. Além disso, o aluno precisava ser vacinado.
Ao aluno que concluísse os estudos no Colégio Pedro II, era-lhe concedido o
diploma de bacharel em Letras e, segundo Almeida (2000: 86), “por uma solução
legislativa de 30 de setembro de 1843, os bacharéis em Letras, formados pelo Colégio D.
Pedro II, foram dispensados de exame para inscrever-se em qualquer Faculdade ou
Academia do Império.”. Essa escola foi pautada na concepção da pedagogia científica – já
disseminada na Europa – e pretendeu a expansão do ensino para a elite.
Apesar da ampliação de disciplinas – línguas latina, grega, francesa, e inglesa,
gramática nacional e retórica, geografia e história, ciências naturais, matemática, música
vocal e desenho – para o ensino secundário provincial, os liceus provinciais restringiam-se
ao ensino das disciplinas que eram exigidas para a preparação dos alunos para ingressar
nas academias.
Dessa forma, normas foram sugeridas, a partir de 1846, em assembleias gerais para
que o ensino secundário nos Liceus Provinciais se equiparasse ao modelo proposto no
49
Colégio Pedro II a fim de padronizar o ensino e os estudos preparatórios em todo o
território, sem agredir os direitos adquiridos anteriormente pelas províncias. Essa proposta
de equiparação, todavia, foi reprovada em todas as tentativas pelas posições
centralizadoras mais radicais, inclusive o próprio ministro, Paulino de Souza, se posicionou
contra, já que o gasto em transformar liceus em escolas-padrão seria muito alto.
Gonçalves Dias, poeta e originário da província do Maranhão, recebeu, do governo,
a incumbência de visitar as instituições pública das províncias do Norte e Nordeste do
Brasil e 1849. Ao final, Gonçalves Dias solicitava uma reforma urgente no ensino, porém,
o relatório não chegou a ser publicado:
Nesse excelente trabalho, apreciável sob todos os aspectos, o ilustre poeta faz observar quanto é deplorável a diversidade de legislação, de província a província, a respeito da instrução pública. Umas matérias ensinadas são insuficientes, noutras, a multiplicidade e a má escolha dos livros escolares prejudicam os estudos; em outra parte, os programas estão mal organizados; e em geral, há insuficiência de inspeção que, às vezes, falta inteiramente. Em quase todos os lugares as escolas são frequentadas de modo irregular. (ALMEIDA, 2000: 86)
Em 1870, o ministro Paulino de Souza – inspirado na questão do ensino científico
de cunho positivista que permeava as instituições na Europa e com o ideal de educação que
não ensina somente os conteúdos na sala de aula, mas também prepara o aluno para as
novas necessidades da sociedade moderna – fez um levantamento das condições gerais de
ensino no Império.
O resultado descreveu esse ensino como atrasado e retrógrado, chamou atenção a
falta de frequência e de aproveitamento dos alunos e os escassos recursos financeiros das
províncias para o desempenho de uma educação de qualidade. Esses fatos despontaram o
aparecimento de inúmeras instituições de ensino particular que, embora oferecessem
instrução sem qualidade, eram um meio de manter escolas funcionando em determinadas
províncias.
Esses fatos levaram ao aparecimento de inúmeras instituições de ensino particular
que, embora oferecessem instrução sem qualidade, era um meio de manter escolas
funcionando em determinadas províncias. Decorrente da constatação de que o ensino do
Colégio Pedro II – posteriormente todas as instituições de ensino secundário – necessitava
de uma reforma que acompanhasse tais evoluções europeias, criou-se a possibilidade de
uma reforma em 1870.
50
A partir de 1870, introduzem-se no cenário brasileiro teorias de pensamento até então desconhecidas, como o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo. No entanto, a entrada coletiva, simultânea e maciça dessas doutrinas acarretou, nas leituras mais contemporâneas sobre o período, uma percepção por demais unívoca e mesmo coincidente de todas essas tendências. Tais modelos, porém, foram utilizados de forma particular, guardando-se suas conclusões singulares, suas decorrências teóricas distintas. Dessa forma, se a noção de evolução social funcionava como um paradigma de época? Acima das especificidades das diferentes escolas, não implicou uma única visão de época, ou uma só interpretação. (SCHWARCZ, 1993: 43)
Por meio do decreto 4468, essa reforma priorizaria o fortalecimento do espírito de
uma juventude renovada à preparação de doutos, mas os exames parcelados levaram os
alunos a abandonar os cursos antes mesmo de concluí-los para tentar ingressar rapidamente
nas faculdades e, por esse motivo, o estudo no melhor estabelecimento de ensino
secundário do país estava ameaçado.
A partir da década de 1870, sucessivas reformas foram empreendidas. Em 1876:
reforma José Bento da Cunha, com a extinção das matrículas avulsas no Colégio Pedro II;
1878: Leôncio de Carvalho decreta novas regras relativas ao ensino e grade curricular; em
1881: Barão Homem de Mello faz o plano de estudo que vigora até o fim do Império.
Dentre as determinações dessa última reforma – 1881 – podemos citar a prioridade
pelo estudo do vernáculo em todas as séries do curso, a restauração do primeiro ano
elementar; os estudos propriamente secundários a serem cursados nas seis últimas séries, o
estudo de duas línguas mortas, o estudo de quatro línguas estrangeiras, a aprendizagem da
matemática e ciências físicas, o conhecimento de história geral e do Brasil, geografia geral
e do Brasil, além da retórica, da poética e da filosofia.
Em 1889, o ministro Ferreira Viana fez um comparativo entre a grade curricular do
Colégio Pedro II e a das escolas estrangeiras – França, Alemanha e Bélgica, por exemplo –
e, por meio dele, percebe-se que a grade do Pedro II era mais extensa e completa – tanto
relacionada ao número de disciplinas, quanto ao número de línguas estrangeiras – a
duração de curso, contudo, era maior nos países da Europa do que no Brasil, o que sugeria
que quanto maior o tempo do curso, mais aprofundado seria o conteúdo e,
consequentemente, o Pedro II deveria fazer a devida ampliação.
A maioria dessas novas determinações, o novo modelo imposto por meio da
reforma de 1881, tentou buscar o caráter científico defendido pelas novas correntes que
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permeavam o mundo intelectual nesse período, como já citamos, o positivismo, mas Rui
Barbosa levantava críticas sobre a forma brasileira de exercer essa corrente e acusava os
intelectuais brasileiros de não terem entendido o pensamento de Augusto Comte.
Independente disso, o fato era que as reformas serviram para inovar o campo educacional e
fazer com que o Brasil se equiparasse aos países europeus.
Entre reformas, críticas e tentativas em transformar o Colégio Pedro II em escola
modelo, Fávero (2010), salienta que:
O Colégio Pedro II não conseguira, durante o Império, realizar seu objetivo inicial que era o de ser o estabelecimento-padrão no país e acabou por tornar-se apenas mais um estabelecimento preparatório aos exames para ingresso nas escolas superiores. Só se converteria em padrão nacional em 1890 quando, pela reforma assinada pelo então Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant, passa a denominar-se, num primeiro momento, Instituto Nacional de Instrução Secundária e, no ano seguinte (decretos 981 de 08 de novembro de 1890 e 1075 de 22 de novembro de 1890), Ginásio Nacional, e extinguem-se os exames parcelados de preparatórios, conferindo unicamente aos exames de madureza nele realizados (ou nos estabelecimentos a ele equiparados) a habilitação aos cursos superiores. (FÁVERO, 2010: 287)
2.2.2 O ensino secundário na província de Sergipe
Em Sergipe, o ensino secundário na segunda metade do século XIX estava centrado
no Atheneu Sergipense, instituição que foi fundada em 1870 durante o governo do Tenente
Coronel Francisco José Cardoso Júnior, grande propagador das ideias progressistas,
reformistas e positivas que habitavam na cultura intelectual do Brasil nesse período.
Antes da fundação do Atheneu, em torno de 1829, o ensino secundário era
resumido em aulas de Latim e os estudantes sergipanos que desejavam pleitear uma vaga
nas instituições de ensino superior – em Olinda ou em São Paulo – eram obrigados a se
deslocar até Salvador, pois era a cidade mais próxima que oferecia o curso secundário
completo.
A partir de 1846, após a autorização concedida pela Assembleia, foi criado o Liceu
em Sergipe, dirigido, primeiramente, pelo então professor de Latim Frei Roberto de
Oliveira. A frequência dos alunos, entretanto, era baixa, pois ainda não havia a cultura da
necessidade da instrução. Então, apesar de todos os esforços para o pleno desenvolvimento
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da educação, o Liceu foi fechado. Haidar (1972) apresenta parte do relatório do Ministro
do Império Paulino de Souza:
Em Sergipe, por exemplo, suprimiram-se os liceus porque “os pais de família que estão no caso de melhor educar os filhos preferem manda-los estudar os preparatórios necessários para a matrícula dos cursos superiores de instrução nas vizinhas províncias da Bahia e Pernambuco, onde têm de exibir as provas de suas habilitações”. (HAIDAR, 1972: 31)
No novo momento da educação em Sergipe, após a fundação do Atheneu, o ensino
público foi desenvolvido por Manuel Luiz Azevedo D’Araújo – exerceu a função de
Inspetor Geral da Instrução – por meio da elaboração do Regulamento Orgânico da
Instrução Pública da Província de Sergipe, documento responsável pela criação da Escola
Normal. Observa-se, no relatório feito em 1871 pelo então governador, que, na escola
pública de primeiras letras, foram matriculados 4.457 alunos, sendo 2.825 alunos do sexo
masculino e 1.632 do sexo feminino.
Esse novo regulamento garantiu a consolidação do Curso Normal, que durava dois
anos e a abertura do curso de Humanidades – que começou a funcionar em 1871 com as
aulas de Latim, Francês, História e Geografia, Aritmética, Álgebra e Geometria, Poética e
Retórica, Filosofia Moral e Racional, Inglês e Gramática Nacional (Cf. NUNES, 1984) –
com duração de quatro anos. Àqueles que concluíssem os cursos, era dado o privilégio de
exercer cargos públicos sem a necessidade de novas avaliações de conhecimento, contanto
que não concorressem com outros egressos.
O trecho a seguir, que foi retirado do Jornal do Aracaju e publicado em 1871 – sem
identificação quanto à autoria – revela o momento de consagração intelectual em que a
Província viveu e a satisfação que moveu intelectuais, jovens e autoridades da época,
revelando que Sergipe ansiava por um avanço educacional e que a população participou
ativamente desse momento:
A sexta-feira, 3 de fevereiro de 1871, marcou a sociedade sergipana. O progresso moral, de ha muito estacionario, - adiantou um passo; a mocidade radiosa, forte, alegre, communicativa, corajosa; a mocidade que nem a fortuna, nem o genio, que se eleva acima do vulgo ajoelhado, podem conquistar; ella em sua orgulhosa e divina flor a tranpoz o porteiro arruinado e sombrio que a segregava do templo da sciencia, - comprimindo-lhe n’alma as aspirações da gloria. [...] Depois da missa votiva [...] encaminharam-se todos para o paço da camara municipal, onde provisoriamente funcionarão as differentes aulas. [...] A casa estava
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cuidadosamente adornada. Extraordinaria foi a concorrencia de assistentes [...] o paracho benzeu os diversos compartimentos do edifício [...] o illustre e disctinto presidente da provincia pronunciou um eloquente e bem elaborado discurso. Outros se lhe seguiram [...] Terminou a festa com a leitura da acta da installação na qual assignaram as pessoas presentes, - com os vivos análogos, erguidos por s. exc. – e com o hymno nacional executado pela musica do corpo de policia. A noite illuminou-se, interna e externamente, a casa do Atheneu em frente da qual a banda de musica, de espaço em espaço, tocava escolhidas peças. [...] O pouco que fica ligeiramente narrado não pode, de certo, dar a medida exacta do enthusiasmo, do jubilo que transluzia no riso de todos os labios. É impossível descrever aquilo que só o coração póde sentir.(Jornal do Aracaju, 5 de fevereiro de 1871, autor desconhecido)
O Atheneu, visando à propagação de conhecimento intelectual e à educação que
prepara o cidadão na vida social, foi colocado à disposição da sociedade sergipana para a
instrução secundária que, nesse momento, era custeada, a título de matrícula, pelos alunos
ou responsáveis – informação registrada no Regulamento da Instrução Pública – e pré-
requisito para o ingresso dos alunos nos cursos de ensino superior.
As cadeiras para o curso Normal e o de Humanidades, disponibilizadas no Atheneu,
foram preenchidas por intelectuais que exerceram função de destaque na Província ou
ocuparam, anteriormente, cadeiras isoladas nos liceus e, provavelmente, por influência
política – já que não houve concurso público para a nomeação desses docentes. Segue uma
tabela com o nome dos professores, as disciplinas por eles ministradas, e os livros que
utilizaram, alguns deles, seguindo o modelo proposto no Colégio Pedro II:
Quadro 1: professores, disciplinas e material utilizado na primeira cadeira do Atheneu Sergipense
Docentes Disciplinas Livros
Antônio Diniz Barreto Latim Cartinha e Novo Método – Padre
Pereira;
Sintaxe – Dantas, Eutropio, Cornélio,
Fedro, Cícero, Tito Lívio, Salústio,
Tácito, Horácio e Virgílio.
Geminiano Paz de
Azevedo
Francês Gramática – Emílio Serene, Filon;
Narrações e Seletas – Charles André.
Justiniano de Melo e
Silva
Inglês Gramática – Gibson;
Seleta – Sandler;
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History – F. Roma.
Rafael Araújo de
Moura Matos
Geografia e História A Geografia – Pompeu Brasil;
Atlas – Grosselin de Lamarcho.
História Universal: Compêndio de
Victor Duruy;
História do Brasil: Compêndio de
Salvador Correia.
Sancho de Barros
Pimentel
Filosofia Curso Completo de Filosofia Racional
e Moral – Barbe.
Tomás Diogo
Leopoldo
Gramática filosófica,
Retórica e Poética
Gramática – e apostilas – de F. Sotero
dos Reis.
Íris Clássico – Castilho;
Tito Augusto Souto de
Andrade
Geometria e Filosofia Compêndios de C. Otoni
Fonte: Gally (2004).
Os candidatos que almejassem ocupar as demais vagas que surgissem,
posteriormente, precisariam submeter-se a concurso público, tendo como ritual de
avaliação: a) defesa de tese com tema livre, a ser escolhido pelo candidato; b) defesa da
tese com tema escolhido mediante sorteio; c) prova prática; d) prova oral; e) arguição.
Ser professor no Atheneu Sergipense foi sinônimo de prestígio e esse fato fez
desses docentes construtores dos modelos culturais que seriam seguidos por outros.
Prestígio esse não somente atribuído aos que estrearam as cadeiras, mas também aos que
entraram depois, beneméritos como Abdias Bezerra, Alcebíades Paes, Alfredo Montes,
Arthur Fortes, Baltazar Góis, Brício Cardoso, Felix Diniz Barreto, Guilhermino Amâncio
Bezerra, Manuel Francisco de Oliveira, Prado Sampaio e Severino Cardoso. (Cf. Lima,
1948).
Segundo Almeida (2000: 179), “A província do Sergipe era, em 1876,
comparativamente às outras províncias mais ricas, mais populosas e mais extensas, a que
possuía mais escolas e alunos e que mais dispendia com a instrução pública.”.
O Atheneu sergipense passou por diversas mudanças – tanto politica quanto
estruturalmente – e teve seu plano de ensino alterado diversas vezes, para melhor se
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adequar aos exames para ingresso no curso superior. Além disso, os professores que
atuavam nesse estabelecimento não estavam alheios aos fatos políticos que vinham
acontecendo, manifestando-se por meio da imprensa a favor de questões como a Abolição
e a transição do Império para República.
2.2.3 A disciplina Língua Portuguesa na grade curricular
Antes mesmo de se pensar em estudar Poética e Retórica, a base dos estudos girava
em torno do aprendizado gramatical. Essa cultura vinha, no Brasil, desde a Reforma
Pombalina de Ensino, em 1759, que fora inspirada no Verdadeiro Método de Estudar de
Luis Antônio Verney e seguiu para o currículo nos estudos do Colégio Pedro II e,
consequentemente, atingindo o currículo das escolas que o seguiam, já que era colégio-
modelo no século XIX.
Esse ensino de língua vernácula, entretanto, era restrito, até 1862, ao primeiro ano,
exceto pela aplicação da disciplina “Gramática Filosófica e Retórica”. Pois, como alerta
Fávero (2002:73), a grade foi planejada “de acordo com o desejo dessa elite que ao entrar
na escola já dominava a norma culta: assim eram mais importantes o Latim e a Retórica do
que a gramática filosófica e nacional para a qual dois anos eram mais do que suficientes”.
Isso pode ser observado, ao se fazer o levantamento das aulas de língua portuguesa
no Império, tomando 1841 como ano de partida:
Quadro 2: Plano da disciplina Língua Portuguesa no Colégio Pedro II durante o Império
ANO PLANO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO COLÉGIO PEDRO II NOS ANOS DO IMPÉRIO
1841 Gramática Geral e Nacional (1º Ano)
1850 Gramática Nacional (1º Ano)
1856 Português (1º Ano)
1858 Português (1º Ano)
1862 Português (1º Ano)
Gramática Filosófica e Retórica (6º Ano)
1877 Português (1º Ano)
Português (2º Ano)
56
1878 Português (7º Ano)
1882 Português (1º Ano)
Português (2º Ano)
Português (3º Ano)
Português (4º Ano)
Português (5º Ano)
Português (7º Ano)
Fontes: HAIDAR, 1972; VECHIA & LORENZ, 1998.
Com essa periodização, testifica-se, a prioridade que o latim exercia sobre a língua
portuguesa e o seu reduzido programa. Segundo Gasparello (2004),
como parte de um movimento que orientava uma referência “nacional” para os estudos secundários, o plano de estudos do período 1856-1915 mostra uma lenta evolução da conquista do espaço da língua nacional frente ao latim (...). (GASPARELLO, 2004: 75).
Em 1871, esse quadro começou a mudar, a partir do decreto Imperial que criou o
cargo de professor de português, pois as exigências dos exames preparatórios, relacionadas
ao estudo da língua portuguesa, tornaram-se intensas. Os programas, entretanto, sofreram
diversas mudanças – ligadas ao avanço dos programas – em todas as disciplinas do Colégio
Pedro II e a língua portuguesa acompanhou todas essas mudanças.
Maximino Maciel, em seu Breve restrospecto sobre o ensino da Língua Portugueza
publicado em anexo a partir da quarta edição da Grammatica Descriptiva, confirma a
informação de que, o ensino, nesse período, atravessava uma fase de transição nas
províncias e que estava cada vez mais estacionário, excetuando-se os professores Sotero
dos Reis, no Maranhão e Dr. Ernesto Carneiro, na Bahia, embora suas gramáticas ainda
estivessem baseadas nos moldes das gramáticas portuguesas. Analisaremos esse período
descrito por Maciel no próximo capítulo para que se possa entender melhor a construção da
gramática por ele elaborada e, posteriormente, faremos a análise da sintaxe na sua
Gammática Analytica redigida em 1885 e publicada em 1887.
57
Capítulo 3
AUTOR E OBRA: MAXIMINO MACIEL E A GRAMMATICA
ANALYTICA
58
3.1. O Autor
Maximino de Araújo Maciel nasceu em Rosário do Catete, no estado de Sergipe,
em 20 de abril de 1865. Há divergências a respeito do ano de seu nascimento nas duas
principais biografias sobre este intelectual sergipano: Guaraná (1925) afirma que é 1866 e
Bittencourt (1917) aponta o ano de 1865. No prefácio da primeira edição da Grammatica
Analytica, entretanto, Maciel revela que, apesar de publicada em 1887, sua gramática foi
produzida em 1885, “quando contávamos 20 anos de edade”. Dessa forma, adotamos 1865
como ano de nascimento do autor.
Filho de Maria Clara dos Santos de Araújo Maciel e João Paulo dos Santos,
Maximino Maciel diferenciou-se dos jovens intelectuais abastados do seu tempo, pois sua
família não pertencia à elite sergipana e, consoante Guaraná (1927:432), tornou-se
bacharel e médico devido à “perseverança e ingentes sacrifícios materiais” visando ao
avanço intelectual. Sua morte aconteceu aos cinquenta e oito anos de idade, em 2 de maio
de 1923, no Rio de Janeiro.
A Grammatica Analytica foi publicada em 1887, quando o nível escolar de Maciel
resumia-se aos preparatórios no Atheneu Sergipense, pois só ingressou na faculdade de
direito, no Rio de Janeiro, em 1890 e concluiu o curso em 1894:
Por esta occasião vinhamos nós de apparecer com o publicar o nosso modesto trabalho, Grammatica Analytica, na qual, embora collaborassemos para quebrar a tradição, no emtanto sobrelevavam defeitos e senões, porquanto, além de nossa pouca idade, traziamos apenas o preparo que hauriramos em nosso Estado, Sergipe. (MACIEL, 1910: 502).
A partir de 1896, iniciou o curso de medicina na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro – com término em 1901 – e aceitou o desafio de, concomitantemente aos estudos
médicos, lecionar no Colégio Militar (onde se tornou Lente Catedrático de Português já em
1893). A tese de doutoramento – na medicina – tratou sobre As proporções do indivíduo
humano e suas deduções médicas e alitrológicas.
Um decreto de 19 de fevereiro de 1919 conferiu-lhe as honras para o posto de
Tenente Coronel; foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; ocupou a nona
cadeira das dezesseis criadas – em 1º de junho de 1929 – na Academia Sergipana de
59
Letras, sendo, dela, patrono; foi membro da Imperial Academia de Medicina; membro da
Sociedade de Medicina Cirurgia do Rio de Janeiro; entre outros.
Suas principais obras são:
Quadro 3: Principais obras de Maximino Maciel Grammatica Analytica, baseada nas doutrinas modernas. Rio de
Janeiro, 1887, 316 páginas. in. 12º Tip. Central de Evaristo Rodrigues da Costa. A partir da segunda edição, publicada em 1894, altera o nome para Grammatica Descriptiva que segue até a 12ª (e última) edição, em 1931;
Philologia Portugueza: ensaios descritivos e históricos, 1888, Tip. José Dias de Oliveira. 120 páginas. in. 8º;
A Taxinomia social e seu autor. (Coleção de artigos publicados no “Debate”);
Lições de Botânica Geral professadas no Ginásio Nacional. Paris, 1901, 246 páginas. in. 8º. H. Garnier Livreiro Editor;
Noções de Agronomia: lições complementares ao estudo de Botânica. Professadas na Escola Normal do Distrito Federal. Paris, 1903, 109 páginas. H. Garnier Livreiro Editor;
Discurso na distribuição de prêmios aos alumnos do Collegio Militar em 1903. Rio de Janeiro, 1903, 22 páginas. in. 16º. Tip Orosco;
Valeur des differentes méthodes de traitement dans la turbeculose: mémoire présenté au Congrés International de Paris.Rio de Janeiro, 1905, 138 páginas. in. 8º. Tip Orosco. (Trabalho que angariou uma gama de elogios de professores e médicos europeus);
As proporções do indivíduo humano e suas deduções médicas e alitrológicas. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 09 de setembro de 1901, para ser defendida a fim de obter o grau de Dr. Em medicina. 162 páginas. in. 8º. Tip. de A Tribuna;
Diagnóstico precoce da tuberculose: memória apresentada ao 3º Congresso Científico Latino-Americano reunido no Rio de Janeiro em 1905;
60
Elementos de Chimica geral baseados nas modernas aquisições científicas. Rio de Janeiro, 1907, 232 páginas. In. 8°. Tip da Papelaria Brasil;
L’illusion des arsenicauz dans la tuberculose, Rio de Janeiro, 1906, na Revista Médico-cirúrgica do Brasil;
La medication urique dans la tuberculose. Rio de Janeiro, 1909 na Revista Médico-cirúrgica do Brasil;
Discurso pronunciado na sessão realizada a 13 de março de 1909 na Associação Mantenedora do Orfanato Osório em homenagem ao General Mandes de Morais. Rio, 1909, 10 páginas. in. 16º. Tip. Meurer & C. Pereira;
Discurso gratulatório na promulgação dos Postos de Honra no Colégio Anchieta
em Nova Friburgo aos 17 de maio de 1914. Nova Friburgo, 1914, 16 páginas. in. 8º pq. Oficinas Tipográficas da Aurora Colegial;
A Constituição Federal glorifica a incompetência e acoroçoa a irresponsabilidade. No Diário da Manhã. Aracaju, de 14 a 17 de outubro de 1915;
A Escola Social Positiva de Florentino Menezes. Idem de 27 e 28 de abril de 1918;
Elementos de Zoologia, de accordo com a fauna brasileira.
Fontes: GUARANÁ (1925); MACIEL (1926).
O vasto conhecimento cultural, os títulos conferidos e as produções literárias
relacionadas às ciências naturais, médicas e jurídicas fizeram de Maximino Maciel um
intelectual, médico, professor, filólogo e bacharel reconhecido tanto no Brasil quanto na
Europa. Bittencourt (1917:199) assim o descreve:
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Homem alto e forte, com grande lucidez de inteligência e notável erudição científica, filológica e literária, fala e escreve com grande correção, assim em português como em francês. E, dotado de pasmosa atividade intelectual, pleno de força de vontade e de justíssimo amor à glória literária, tem à sua brilhante folha de serviços, a lhe iluminar os passos, as seguintes unidades literárias, qual mais valerosa e mais profunda: Gramática Analítica (já à 4ª edição), Filologia Portuguesa, Gramática Descritiva, Taxionomia Social, Lições de Botânica Geral, Noções de Agronomia, As Proporções do Indivíduo Humano, Lições Elementares de Língua Portuguesa, Discurso, Valeur des différentes méthodos de traitement dans la tuberculose, La médication unique dans la tuberculose, D’illusion des arsenicaux dans la tuberculose, Elementos de Botânica Geral e Elementos de Zoologia. É, sem questão, uma das glórias intelectuais do pequenino Estado do Norte, ninho de águias chamado, como também uma das figuras de mais destaque do magistério oficial brasileiro. (Grifos do autor).
3.2. Breve Retrospecto Sobre o Ensino da Lingua Portugueza
Na quarta edição da Grammatica Descriptiva (1910), Maximino Maciel apresentou
um texto onde explicava o significado de modernidade no final do século XIX e o que se
passava, naquele momento, no ensino de línguas, principalmente, da língua portuguesa no
Brasil. O Breve retrospecto sobre o ensino da Lingua Portugueza foi reapresentado em
todas as edições posteriores à quarta e, até os dias atuais, é bastante útil para entendermos o
período de transição entre as obras, sob orientação da gramática geral e filosófica e as
obras sob orientação das correntes “científicas”.
Ao explanar a transformação que a ciência da linguagem estava atravessando em
1887, o autor justificou que, nesse período, o método de ensino de língua portuguesa no
Brasil era ultrapassado – excetuando os estados do Maranhão, com Sotero dos Reis e da
Bahia, com Ernesto Carneiro –, pois seguia os parâmetros estipulados pelas gramáticas
portuguesas – Soares Barbosa, Bento J. de Oliveira, José Gonçalves Lage, entre outros.
Para ele, apesar de as gramáticas de Sotero dos Reis, Charles Grivet, padre Antônio da
Costa Duarte, padre José Noronha Nápoles Massa e Soares Passos serem brasileiras, não
transmitiam a realidade linguística do Brasil porque estavam presas a diversos moldes
portugueses.
No Rio de Janeiro, todavia, começava a fervilhar um novo rumo para os estudiosos
das letras, aquilo que Maciel intitulou de doutrinas modernas: o método histórico-
62
comparativo. Faraco (2011) aponta William Jones, Friedrich Schlegel e Franz Bopp como
pioneiros desse método:
(...) procedimento central nos estudos de linguística histórica. É por meio dele que se estabelece o parentesco entre línguas, a partir do pressuposto de que entre elementos gramaticais de línguas aparentadas existem correspondências sistemáticas (e não apenas aleatórias ou casuais), passíveis de serem estabelecidas por meio de uma comparação cuidadosa e rigorosa. Com esse procedimento, podemos não só explicitar o parentesco entre línguas, como também determinar, por inferência, características da língua ascendente comum de um certo conjunto de línguas. (FARACO, 2011: 32).
As ideias relacionadas ao novo método eram disseminadas no Collegio Pedro II e,
para que os candidatos fossem aceitos nos concursos, Maciel alegava que eles precisavam
transparecer familiaridade com as teorias de intelectuais como Max Muller, Miguel Bréal,
Gaston Paris, Whitney, Littré, Darmesteter, Ayer, Brunot, Brachet, Frederich Diez, Bopp e
Adolpho Coelho, “principalmente as dos autores allemães em que se estavam haurindo os
elementos primordiaes para esta verdadeira Renascença dos estudos philologicos no
Brasil” (MACIEL, 1910: 499).
Essa novidade positivista na principal instituição de ensino do país marcou a quebra
parcial da tradição – responsável pela dicotomia maximiniana escola clássica x escola
positiva –, por meio das publicações pouco discutidas de Pacheco Junior e José M. Nunes
Garcia, pois a falta de conhecimento, cultura e estrutura atrapalhavam o desenvolvimento
em massa dos estudos comparativistas.
3.2.1 Intelectuais e obras que marcaram o final do século XIX
Maciel citou, em seu Breve Retrospecto, estudiosos e produções gramaticais que
fizeram parte deste momento histórico-comparativo que, em sua opinião, colaboraram
direta ou indiretamente, com a implantação das novas teorias no ensino de língua
portuguesa. Os autores por ele citados são:
63
3.2.1.1 Júlio Ribeiro
A Grammatica de Júlio Ribeiro publicada em 1881 teve uma ampla repercussão,
pois, considerada divisora de águas e precursora das obras, sob a orientação das correntes
científicas, exerceu um papel fundamental na disseminação das novas ideias linguísticas.
Apesar de tal reconhecimento, Maciel fez críticas ferrenhas sobre a maneira como Júlio
Ribeiro inseriu teorias alemãs, inglesas e francesas em sua obra:
Tão de perto se lhes abeirava, porém, que se diria antes uma adaptação á lingua vernacula do que um trabalho onde transluzissem, com individualidade do autor, os seus processos, o seu methodo, enfim norteação propria, oriunda de um trabalho de assimilação. Até pontos havia em que o Sr. Julio Ribeiro se adscrevia a transverter, quasi ipsis verbis, para o vernaculo, as novas doutrinas dos autores estrangeiros, de Guardia, de Mason, de Bergmann. Além disso, resumbrava-lhe do estylo certo gráo de frouxidão e obscuridade; do methodo, certa desorientação; e, quanto á syntaxe, ao envez de exemplos hauridos aos monumentos literários, dava-lh’os elle proprio, quasi sempre. O que se nos afigura é que se apressurou o Sr. Julio Ribeiro a de chofre quebrar a rotina, fosse como fosse, embora ainda não houvesse assimilado o quanto lera nos philologos estrangeiros. (MACIEL, 1910: 500).
O fato de Júlio Ribeiro ter, ou não, se apressado em publicar uma obra baseada em
teorias que ainda não haviam sido absorvidas da maneira correta desencadeou uma série de
publicações – de diferentes autores – que seguiam o novo modelo teórico e uma renovação
na mente de vários professores que, a partir daquele momento, passaram a transmitir as
novas doutrinas associadas ao recente método de ensino da língua portuguesa.
Nesse grupo, Maciel insere Fausto Barreto, Hemetério dos Santos, Alfredo Gomes,
Silvio de Almeida, João Ribeiro, Pacheco Júnior, Lameira de Andrade, Said Ali, Ventura
Boscoli, Veríssimo Vieira, Vicente de Souza, Paranhos de Macedo e Aureliano Pimentel.
3.2.1.2 Fausto Barreto
Copiosamente elogiado, Fausto Barreto, segundo Maciel, inseriu adequadamente as
novas teorias ao recém-adquirido conteúdo “filológico” que estava sendo moldado naquele
momento. Com a nomeação para a cadeira do Collegio Pedro II em 1870 e, depois, da
64
Escola Normal, ele conseguiu interligar o conhecimento que obtivera dos estudiosos
estrangeiros ao ensino da língua vernácula brasileira e, como legado dessa nova forma de
estudar a língua, Fausto Barreto angariou seguidores que, posteriormente, viraram grandes
professores e escritores.
Tornou-se pois Fausto Barreto o centro de onde se irradiaram os delineamentos geraes, o trabalho de synthese das novas acquisições philologicas, adscriptas ao ensino da lingua vernacula. Havendo-se especialisado nos estudos de humanidades, mórmente nas linguas novi-latinas e tendo perlustrado a Historia Natural no curso de Medicina que deixou no 5º anno, convenceu-se de que ás linguas, como organismos, se lhes deveria o methodo positivo das sciencas biologicas. (idem, 1910: 501).
Com a remodelação do plano de ensino dos preparatórios proposta pelo Diretor
Geral da instrução pública Emygdio Victório em 1887, Fausto Barreto foi nomeado para
reformular a área do ensino de línguas e publicou juntamente com Vicente de Souza a
Seleção Literária – referência para qualquer profissional das letras que tivesse o objetivo
de exercer sua função com excelência – que, além das explanações gramaticais, possuía
um resumo sobre a biografia dos autores e suas produções literárias para que o aluno
aprendesse não somente a língua, mas também os nomes e as características dos bons
escritores da literatura brasileira e da portuguesa.
O programa traçado por Fausto Barreto não encontrou gramáticas já publicadas que
estivessem dentro dos parâmetros delineados e, por esse motivo, Pacheco e Lameira, João
Ribeiro e Alfredo Gomes – professores renomados – foram convidados a redigir
gramáticas inspiradas nos novos princípios concretizando, por meio de suas obras, o que
Maciel chamou de reforma do ensino da lingua vernacula.
3.2.1.3 Ventura Bôscoli
As obras do professor Bôscoli – Orthographia e Analyse Phonética (1885, em
coautoria com Pacheco Junior), Grammatica da Puericia (1895) e Grammatica
Portugueza (1893) – seguiram a influência da gramática de Julio Ribeiro, com algumas
alterações relacionadas à opinião de alguns outros escritores. Ao falar desse professor,
65
Maciel (1910: 503) deixou evidente a sua concepção de que a língua é mutável – mesmo
que lenta e gradualmente – pois critica o rigorismo etymologico a que se apega nas
graphicas vocabulares.
3.2.1.4 Said Ali
Apesar de resumir a importância das obras de Said Ali em um parágrafo, Maciel
exalta a colaboração dos seus estudos linguísticos não somente relacionada à produção
gramatical, resultado de pesquisas próprias, mas também pela produção do livro
Difficuldades da Lingua Portugueza, de 200 páginas, que é constituído de artigos em que o
autor aponta fatos controversos da língua.
3.2.1.5 João Ribeiro e Alfredo Gomes7
As gramáticas desses dois autores receberam destaque pelas sucessivas edições e
por terem sido bastante solicitadas: “por isso que, por serem dous nomes conceituados,
lhes acceitaram desde logo os professores os trabalhos, adoptando-os, reservando o de
Pacheco e Lameira apenas para consulta”. Maciel (1910: 504). Os principais trabalhos de
Alfredo Gomes foram a Grammatica Portugueza e a Franceza, muito elogiados pela
imprensa.
A Grammatica Portugueza (1889) de João Ribeiro foi a mais disseminada e a que
conseguiu popularizar com mais intensidade as determinações que estavam de acordo com
o projeto de reforma do ensino, essa popularidade não se deu somente pela qualidade, mas
essa dissipação deveu-se também ao trabalho de divulgação do editor Francisco Alves, já
que era conhecido pelo grande investimento em propagandas.
A crítica que Maciel (1910: 506) faz ao trabalho de João Ribeiro está ligada à falta
de síntese, pois, tanto suas gramáticas quanto o Diccionario Grammatical (1889), possuem
uma leitura extensa e cansativa: “de inimitável paciência, de acuradas investigações
philologicas, esparsas com o objectivo de documentar o quanto assevera o autor”.
7 Os nomes de João Ribeiro e Alfredo Gomes encontram-se no mesmo subtítulo devido ao modelo seguido, de Maciel, que escreveu sobre esses dois autores no mesmo parágrafo.
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3.2.1.6 Heráclito Graça e Mario Barreto8
Responsável por coluna nomeada Notações philológicas no jornal Correio da
Manhã, Graça escrevia sobre o trabalho da filologia – sempre amparado no método
histórico-comparativo – objetivando confrontar diferentes visões e textos publicados no
Jornal do Commercio que eram escritos por Cândido de Figueiredo.
Grande influencia exerceu, nas rodas literarias, este excelente trabalho do Sr. Dr. Heraclito Graça, pois, além da dicção escorreita em que o redigiu, houve por effeito rebater os conceitos do Sr. Candido de Figueiredo que se arvorara em mentor de nós outros, explanando ás vezes factos da lingua sem o verdadeiro criterio, e documentação precisa de que se há mister nestes trabalhos. (idem, 1910: 506)
Mario Barreto obteve destaque intelectual pela produção da obra Estudos da Lingua
Portugueza, prefaciada por João Ribeiro. “Este trabalho, além de vir firmado por um nome
de tradição no magisterio, mereceu os elogios de Heraclito Graça, Sylvio de Almeida,
Osorio Duque Estrada e carta de Ruy Barbosa”.
Suas outras obras que também mereceram destaque foram: Acentuação tonica,
Ortographia, artigos em prol da simplificação graphica conforme as bases de Gonçalves
Viana, Genero, Observações sobre os graus de comparação, Conjugação, Erros de
conjugação e de pronuncia, Mudança de significação das palavras, Extravagancias da
linguajem, Etimologia popular e Confusão de paronimos, A concordância gramatical,
Casos curiosos de regencia e Atração e analocuto.
Maciel encerrou o documento explicando que esse trabalho de explosão de
gramáticas com a finalidade de modernizar – de acordo com as novas determinações do
programa proposto por Fausto Barreto – as produções intelectuais relacionadas à língua –
que hoje conhecemos por processo de gramatização – foi o início de algo que deveria ter
continuidade por novos pesquisadores.
Na succinta resenha que esboçamos attinente ao movimento philologico entre nós, é possivel que hajamos omitido alguns dos obreiros que de algum modo tenham collaborado com a reforma do ensino da lingua vernacula. Seja como for, sendo esse o histórico nas suas linhas geraes, afigura-se-nos havermos exposto os factos com imparcialidade e animo
8 Maciel também explana a grandeza intelectual de Heráclito Graça e Mario Barreto no mesmo parágrafo e, por esta razão, agrupamo-los no mesmo subtítulo.
67
desprevinido esforçando-nos tão sómente para nos appropinquar, tanto quanto possível, aos dictames da verdade. (idem, 1910: 508)
3.3. Descrição da Grammatica Analytica9
Grammatica Analytica foi o nome dado apenas à primeira edição da gramática de
Maximino Maciel publicada em 1887 e, a partir da segunda edição, o autor alterou o nome
para Grammatica Descriptiva, que permaneceu em todas as demais edições (apesar do
prólogo da segunda edição, ele não explica a alteração feita no nome). A gramática de
Maciel – seja Analytica ou Descriptiva – foi editada até o ano de 1931, porém, depois da
oitava edição publicada em 1922, as demais foram póstumas. Um fato interessante a
respeito das diferentes edições é que, até a sexta (1921), o autor escreveu prólogos em que
justificava a publicação de uma nova versão.
No prólogo da segunda edição, o autor reafirmou a escolha pelas doutrinas
modernas – método histórico-comparativo, em oposição ao modelo tradicional – e ratificou
que sua obra rompia os moldes tradicionais, referindo-se ao momento de transição em que
as gramáticas não mais seguiriam as orientações da gramática geral e filosófica.
Como novidade na segunda edição (1894), Maciel enfatizou a diferença relacionada
à experiência que teve no magistério, pois a primeira foi baseada apenas em teorias sobre o
ensino de língua e, a segunda, na sua própria prática docente, visto que foi catedrático no
Colégio Militar desde 1893. Uma preocupação do autor nesse prólogo era que, por haver
bastantes citações no decorrer da gramática, ela perdesse a sua identidade, mas ele mesmo
assevera que suas características ainda permanecem no decorrer de toda a obra.
A parte sintática foi reformulada na segunda edição – já que o autor diz que a
desprezou na primeira – e melhor desenvolvida, utilizando-se novos exemplos com trechos
de autores clássicos. Maciel criticou o hábito de alguns filólogos da época em elaborar seus
próprios exemplos, pois reconhecia a diferença entre a gramática e as particularidades da
linguagem. Ao final do prólogo, Maciel insinua que a segunda edição não tem relação com
a primeira e a colocou na condição de “protesto” contra as críticas recebidas pela que a
antecedeu, ou seja, a Analytica.
Ao publicar a terceira edição (1901), Maciel explanou o grande sucesso da anterior
– sabemos que a segunda edição foi adotada no Colégio Pedro II nos anos de 1892, 1893 e 9 Manteremos, neste trabalho, a ortografia utilizada pelo autor.
68
1896 (Cf. Fávero e Molina, 2006: 174) – e, motivado pelos elogios, decidiu prosseguir seu
trabalho e fazer a terceira edição. Enquanto na introdução da gramática publicada em 1887
o autor explicava que era um livro direcionado aos alunos iniciantes, na terceira, ele a
considerou pesada e aconselhou os professores a delimitar o que poderia ou não ser
estudado.
Apesar de relativamente grande, a terceira edição não foi dividida em três volumes,
como solicitaram alguns professores na época. Maciel orientou os mestres a procurarem
compêndios mais simples, caso não estivessem sabendo trabalhar com a Grammatica
Descriptiva, porque, para ele, a competência para lecionar por essa gramática teria que
partir da capacidade intelectual de cada professor.
Maciel, em forma de desabafo, criticou autores – mas não citou nomes – que
copiaram, desde a primeira edição, o trabalho dele e não lhe fizeram referência:
Até houve Grammaticas que se diriam o resumo da nossa, nossos exemplos, as nossas doutrinas lá se acham e ao nosso nome não se reservou siquer a minima referencia. Mas deixemos passar estes factos: aquelles que nos leram nos manusearam, nos farão a justiça que nos assistir no fôro da consciencia, ainda que os admova por ventura conra nós qualquer motivo. Na materia que nos occupa, temos as nossas opiniões assentadas: bôas ou más, erroneas ou acertadas, esforçamo-nos em pol-as de maior concerto possivel com os factos da lingua. Corram então por conta de exiguo criterio nosso na interpretação d’elles os desacertos de que, si por acaso os houver, nos penitenciaremos, desde que nol-os próvem com logico fundamento e com os factos da lingua. (MACIEL, 1901: 5)
O prólogo da quarta edição (1910) não trouxe grandes novidades, apenas a
informação de que ele continuava empenhado em realizar uma interpretação que estivesse
de acordo com as inovações da linguística, exaltou mais uma vez a sua sofisticada seleção
de exemplos utilizados para explicar sua sintaxe.
A quinta edição, publicada em 1920, foi, segundo o próprio autor, a que exigiu
maior dedicação e esforço, uma vez que alguns equívocos da primeira ainda não tinham
sido reformulados e o patriotismo e o espírito nacionalista que eclodiram nesse período
exigiram uma atenção maior à língua nacional (alterações voltadas diretamente para a parte
da gramática chamada semasiologia e ampliação de outras partes); já a sexta (1921), possui
o menor de todos os prólogos e, nele, o autor advertiu os iniciantes que lessem previamente
a obra Lições elementares de Língua Portuguesa – manual simplificado que servia como
69
base para os alunos do Colégio Militar – para que o entendimento da gramática fosse
positivo.
Não existem prefácios referentes às demais edições, mas, de acordo com os que
aqui analisamos, percebemos um crescimento gradual no nível de dificuldade (de acordo
com cada nova edição publicada), o salto intelectual de Maximino de Araújo Maciel10 e o
modo zeloso com que ele tratava a língua portuguesa. Apesar do apanhado cronológico
feito nas diferentes edições da gramática, esse trabalho será focado na primeira edição, já
que o nosso objetivo é saber como o autor via o conceito de modernidade enquanto este
ainda estava sendo moldado nas gramáticas brasileiras.
3.3.1. Visão Geral
Na introdução da Grammatica Analytica, Maximino Maciel tinha certeza de que
estava inserido no momento mais importante da história do processo de gramatização no
Brasil. Ao explicar o avanço dos estudos linguísticos no nosso país (por influência de
europeus como Hovelaque e Max Muller), o autor atribuiu caráter científico à exposição
methodica dos factos da linguagem, inserindo a linguística no campo das ciências sociais
e, destarte, atestou a importância do envolvimento da linguística com as demais ciências.
Assim emquanto a taxeonomia natural estabelece as leis da calssificação das especies, que povoam o universo e a morphologia estuda-lhes a estructura e organização interna, a taxeonomia grammatical, baseando-se nos conceitos significativos dos vocabulos, dita-lhes as leis da classificaçãoe nomenclatura e a morphologia, penetrando-lhes na estructura, separa o elemento organico embryonario daquelles elementos que, advindo do exterior, se reduziram ao estado de elementos, dotados simplesmente de funcções de relação. (MACIEL, 1887)
Sempre interligando aspectos das ciências biológicas aos aspectos linguísticos –
seguindo o pensamento evolucionista defendido por Julio Ribeiro (1881) de que a língua é
um organismo vivo – Maciel sustentava a ideia de que a linguística era uma das ciências
mais importantes para o desenvolvimento humano, pois, para ele, o objetivo da linguística
era analisar o estudo do principal instrumento de comunicação entre os povos, isto é, o
10 No próximo capítulo deste trabalho, explicaremos esse “salto intelectual” por meio da análise da syntaxologia.
70
estudo sistematizado dos fenômenos e das leis gerais da linguagem humana. (Cf. Maciel,
1887).
Ao fazer a distinção da superioridade do ser humano quanto a qualquer outro ser
vivo mediante a capacidade de se comunicar por meio da linguagem articulada, Maciel
enalteceu o poder dos estudos da língua como objeto de compreensão do homem e do seu
pensamento: “a sciencia que define exactamente o homem é a mais importante, porquanto,
occupando-se todas mais ou menos do estudo do homem sobre vários aspectos, têm a
restricta necessidade de definil-o antes de começar a estudal-o”.(idem, 1887)
A metodologia utilizada por Maximino Maciel ao escrever a Grammatica Analytica
seguiu a linha teórica do Comparativismo – embora ele ainda a chamasse de modernas
theorias – e, como era algo novo para os gramáticos e mestres brasileiros, solicitou àqueles
que não estivessem entendendo a nova abordagem da gramática que não se precipitassem
em julgá-lo mal e esperassem, pois os efeitos dessa gramática seriam futuramente
reconhecidos.
O autor concluiu seu discurso justificando que a gramática foi escrita e direcionada
para o estudo de alunos iniciantes na língua vernácula, tal qual um manual, e não para
professores. Enfim, solicitou aos mestres que expressassem opiniões, correções e
contribuições acerca do trabalho (como era hábito dos autores nessa época).
3.3.2. Divisão da Obra
De acordo com o conteúdo da gramática, segue o gráfico com a proporção de suas
partes:
71
Gráfico 1: Proporção das partes da Grammatica Analytica
A obra apresenta o seguinte plano sinótico:
Veremos, a seguir, as principais noções de cada uma dessas partes.
PHONETICA PHONOLOGIA . . . PROSODIA PHONOGRAPHIA ORTHOGRAPHIA MORPHOLOGIA LEXEOLOGIA . . . TAXEONOMIA KAMPENOMIA GRAMMATICA . .
ETYMOLOGIA
SYNTAXE SYNTAXOLOGIA . . TOPOLOGIA PHRASEOLOGIA ESTYLISTICA EXEGETICA SENECOLOGIA . . . TECHNICA
72
3.3.3 Definição de Gramática
A gramática é vista como disciplina, tem por objetivo tratar as normas11 do
pensamento humano por meio de estudo e analisar os fatos da linguagem12. Pode ser
classificada da seguinte maneira:
Tabela 1: classificação dos diferentes tipos de gramática
(FONTE: MACIEL, 1887)
Segundo Fávero e Molina (2006: 177), a modernidade de tais definições reitera o
subtítulo da obra, ou seja, percebemos que o autor está efetivamente imprimindo, em seu
manual, orientações fornecidas pela vertente científica dos estudos linguísticos.
Além dessas definições, temos o conceito de linguagem como a manifestação do
pensamento por meio da voz humana; a escrita representa a manifestação do pensamento
por meio de caracteres significativos e a gesticulação, que também pode ser chamada de
mímica ou aceno. Esses três elementos, para o autor, são três maneiras distintas que o
homem possui para manifestação do pensamento. 11 Cavalieri (2000) diz que “É grande equívoco, pois, afirmar que o estudo de Maciel fosse pautado em uma norma anacrônica, a título de purismo gramatical ou coisa que o valha. O rigor descritivo acima mencionado, que exige a exemplificação farta do fato gramatical, impunha-lhe a escolha de uma norma que, obviamente, deveria ser escrita. A questão é que no mais das vezes a norma escrita contemporânea de Maciel aproximava-se bastante da norma clássica lusitana, pelos motivos já conhecidos da influência do português europeu nos nossos escritores.” (p.139) e também que “A palavra ‘norma’, na definição de Maciel, deve ser entendida como ‘regra’, bem à semelhança do sentido que dedicamos hoje a esse termo linguístico.” (p.140). 12 Fávero e Molina (2006: 178) explanam que, apesar de seguir o conceito de gramática proposto por Darmesteter, Maciel não consegue desligar-se completamente da herança logicista, assim como outros gramáticos da época. 13 Apesar de chamar a sua gramática de Analytica, Maciel não apresenta tal nomenclatura como um tipo de gramática. Tal fato talvez explique a alteração feita a partir da segunda edição, a Descriptiva (já que o autor altera o nome e não justifica a mudança).
a) Descritiva ou expositiva13 É aquela que trata praticamente das normas ou aspectos
de uma língua qualquer.
b) Histórica ou comparativa É aquela que trata os aspectos de uma língua em
diferentes épocas ou compara-os com outra língua para
conhecer suas relações.
c) Filosófica É aquela que procura ou investiga as diferentes leis e
princípios que dirigem os fatos gerais da linguagem.
73
3.3.4 Phonologia
Por phonologia, entende-se o tratado dos sons constitutivos das palavras debaixo de
todos os pontos de vista14. O autor a divide em quatro partes: a) phonetica; b) prosodia; c)
phonographia; e d) orthographia. Vejamos as particularidade de cada uma dessas partes.
3.3.4.1 Phonetica
A phonética é, na GA15, o estudo dos sons das palavras, considerados em si e em
suas relações (GA p. 3). Esse estudo pode ser dividido em phonetica physiologica – que
consiste em sons produzidos pelos órgãos que os emitem – e phonetica historica – o estudo
da evolução dos sons no curso da vida da língua. É fácil percebermos a presença dos
termos “história” e “evolução” imprimindo-lhe uma confirmação da linha teórica que o
autor estava buscando por meio de uma inovação em sua gramática com as orientações
“científicas”.
O autor define phonema como qualquer som que sai da laringe, seja vocálico ou
consonantal produzido pelas cordas vocais. O phonema é resultado da corrente respiratória,
cuja intensidade é administrada pelos músculos do movimento de respiração; do obstáculo
que a corrente respiratória encontra e o som é produzido na glote ou no canal bucal e do
espaço ressonante, ou seja, a cavidade bucal onde o som emitido adquire caráter específico.
Os órgãos que estão envolvidos no processo da emissão de sons são chamados pela
GA de apparelho phonetico e, referente a isso, um dos tópicos pertencentes à phonetica é a
classificação physiologica, que consiste na distribuição dos fonemas pelos órgãos que os
produzem – são elas gutturaes, palataes, linguaes, dentaes e labiaes – já que os
“phonemas se produzem em diversos pontos do apparelho phonetico, e chamamos logar
articulativo o ponto do orgam em que se produz o phonema” (GA: 6).
O autor apresenta ainda quatro itens importantes no campo fonético: diphthongos
(oraes e nasaes), triphthongos (critica autores que, contrariando a opinião de Frederico
Diez, não admitem na gramática o tritongo), syllabas e tautosyllabas (palavras que
possuem duas sílabas idênticas. Ex.: dadá, nhonhô). 14 A fonologia apresentada como autônoma não causa estranheza porque assim já estava em Adolfo Coelho e em Epifânio da Silva Dias. (Cf. Fávero e Molina, 2006: 179). 15 De agora em diante, referir-nos-emos à Grammatica Analytica por GA.
74
3.3.4.2 Prosodia
A prosodia na GA – que também pode ser chamada de orthoepia ou orthophonia –
é a parte da fonologia que cuida da acentuação necessária para a pronunciação correta das
palavras. A acentuação prosodica é a intensidade de uma sílaba comparada às outras da
mesma palavra. As sílabas, a depender da sua tonicidade, podem ser classificadas em:
oxytonas, paroxytonas e proparoxytonas.
Como parte importante da prosodia, podemos observar também a “assimilação e
dissimilação que estão comprehendidas no numero das alterações phoneticas, como o estão
a consonificação, a vocalisação, a substituição dos phonemas; phenomenos que só podem
ser tractados em grammatica comparativa”. (GA: 26).
3.3.4.3 Phonographia
Entende-se por phonographia as letras, chamadas também de “notações graphicas”.
As lettras são definidas como “notações visuaes ou mesmo tacteis adaptadas por
convenção para as representações dos phonemas” e classificadas em vogais – a, e, i, (y), o,
u – e consoantes. (GA: 27) Além disso, vale ressaltar a constituição do alfabeto: composto
por vinte e cinco caracteres ou letras, sendo seis vogais e dezenove consoantes.
3.3.4.4 Orthographia
Para Maximino Maciel, orthographia é o tractado de representação externa dos
phonemas; quando coustituidos em palavra. (GA: 30). Essa orthographia abrange os
seguintes pontos: a) acentos orthographicos; b) orthographia das vozes livres; c)
orthographia das vozes nasaes; d) orthographia dos diphthongos; e) orthographia dos
diphthongos nasaes; f) orthographia dos phonemas polymorphicos; g) lettras geminadas;
h) emprego das lettras maiusculas; i) regras orthographicas e j) divisão das palavras.
75
3.3.5 Lexeologia
A maior parte da gramática é constituída pela lexeologia e nada há como definição
para esta palavra na GA. Seguiremos, então, esquematizando as partes mais importantes e
fazendo a descrição da maioria delas.
3.3.5.1 Morphologia
A morphologia é vista na Grammatica Analytica como a parte da lexicologia que
tracta das palavras sob o ponto de vista de formas, consideradas como elementos
constitutivos do pensamento. (GA: 47)
Apresenta uma lista com 34 itens de sufixos adjetivos; 53 itens de sufixos
nominativos; 44 itens de prefixos; e 40 itens de raízes latinas. Além disso, Maciel
transcreve sete trechos, cada um deles relacionado a um século – do século XII ao XVIII –
para que se faça uma comparação na transformação da língua vernácula, reafirmando a
linha histórico-comparativa da qual o autor faz parte.
Morphologia
Radical/ Raiz: parte invariável da palavra sujeita à ação dos afixos. O autor classifica as raízes baseado em Max Muller.
Affixos: são elementos mórficos que modificam o radical e a sua significação.
Prefixo
Suffixo
Nominal
Pronominal
76
3.3.5.2 Taxeonomia
A taxeonomia é a parte mais extensa da lexeologia e o autor a elucida como a parte
que trabalha a classificação das palavras que são divididas em categorias de acordo com a
ideia que exprimem16.
16 “O apego à tradição somado ao uso de expressões emprestadas da vertente naturalista da língua – como órgão, organismo –, revelam um certo, porém contido, ecletismo por parte de Maximino Maciel”. (MOLINA, 2004: 133)
Taxeonomia
Palavras Nominativas
Palavras
Conjunctivas
Substantivo: “é a palavra nominativa destinada a designar uma pessoa, uma cousa ou noção abstracta”. (p. 74).
Pronome: “é qualquer palavra substituta do nome ou de qualquer parte da oração tomada nominativamente”. (p. 80).
Adjectivo: “é a palavra que modifica a extensão ou a comprehensão do nome appellativo”. (p. 87).
Advérbio: “é uma palavra invariavel modificativa do verbo, do adjectivo, do substantivo e até de outro adverbio”. (p. 99).
Interjeição: “é uma palavra invariavel, synthetica e natural que traduz os sentimentos repentinos de que a nossa vida sente-se possuida”. (p. 106).
Preposição: “é a palavra conjunctiva destinada a estabelecer uma relação de complemento entre dous termos”. (p. 101).
Conjuncção: “é a palavra connectiva destinada a estabelecer uma relação entre duas proposições completas ou incompletas”. (p. 103).
Verbo: “é a palavra conjunctiva que sob a noção de tempo exprime a existência de um facto abstracto ou concreto”. (p. 107).
77
Os substantivos são categorizados em “proprio ou individual” (aquele que se refere
à coisa ou pessoa com individualização) e “apellativo ou comum” (se aplica a qualquer
coisa que forme uma classe). Além disso, o autor cria subcategorias; são elas: substantivo
concreto, substantivo abstrato e substantivo colletivo.
Maximino Maciel divide o pronome em dois tipos: pronome substantivo – que se
subdivide em pessoaes, demonstrativos, conjunctivos e indefinitos – e pronome adjectivo –
qualquer adjetivo determinativo empregado sem substantivo enunciado. (GA: 81).
Ainda sobre a classificação das palavras, os adjectivos são divididos em seis tipos:
demonstrativos, determinativo (artigo definito e artigo indefinito), qualificativo, indefinitos,
numeraes e possessivos.
A classe “verbo”, dentro da taxeonomia, é agrupada em attributivo (onde trabalha a
transitividade verbal e critica a troca do nome “verbo bitransitivo” por “verbo relativo”,
feita por Ernesto Carneiro), pronominado, irregular, abundante, vozes verbais (ativa
passiva, reflexiva e recíproca) e conjugação verbal.
3.3.5.3 Kampenomia
A definição de kampenomia encontrada na Grammatica Analytica é a parte da
lexeologia que trata da flexão da palavra (p. 125):
Kampenomia
Generica: “é a classificação dos nomes em relação ao sexo”. (p. 125).
Numerica: “é a mudança na terminação do nome para indicar a unidade ou pluralidade”. Ex.: homem-homens. (p. 133).
Gradativa: “é a mudança na terminação da palavra para representar o gráo de significação”. (p.137).
Verbal: “é a mudança na desinência do verbo, para enunciar o modo, tempo, numero e pessoa”. (p. 143).
78
A parte referente aos verbos tratada na Kampenomia também é a maior. Nela, o
autor faz a conjugação de oito verbos (ter, ser, estar, falar, vender, punir, por e dar); faz a
explanação dos tempos e flexões verbais, acrescentando o particípio e o infinitivo.
3.3.5.4 Etymologia
Também chamada de lexiogenia, o autor define-a como a parte da lexeologia que
trata da derivação e formação das palavras. Ainda segundo o autor, as palavras da língua
portuguesa derivam de três fontes:
a) Da língua latina: nesse tópico, antes de exemplificar as palavras que derivaram
da língua latina, o autor elabora um texto explicando a influência, pois os
lusitanos falavam a língua céltica que sofreu grandes modificações com a
chegada dos fenícios, cartagineses, e as diversas invasões dos Alanos, Suevos,
Árabes e Godos;
b) De línguas estrangeiras: devido à relação dos portugueses com diversos povos;
c) Da língua vernácula: é o processo empregado pela língua formando palavras
derivadas de outras. Essa derivação pode ser por: aggluttinação e juxtaposição.
3.3.6 Syntaxologia
Toda a parte de Syntaxologia será descrita e analisada no próximo capítulo.
79
3.3.7 Senecologia/ Semeiologia
A gramática de Maximino Maciel é a primeira que insere o estudo dos tropos na
Semeiologia, diferentemente das suas demais contemporâneas17. Para ele, a semeiologia
consiste no “tractado da significação da palavra para a interpretação do sentido total da
proposição”. (p. 295). As palavras, aqui, são sinais que representam pensamentos. Ela é
dividida em duas partes:
3.3.7.1 Exegetica
Na exegetica as palavras são sinais e sua significação é estudada no tempo e no
espaço, investigando os fenômenos que dizem respeito à significação. Em nota, o autor
ainda acrescenta: “A exegetica procura interpretar os documentos antigos e reconstituil-os
ás suas condições antigas como na epocha em que foram escriptos” (p. 295), já que uma
palavra ou expressão pode mudar o significado com o passar do tempo ou de acordo com o
contextoem que está inserida.
O autor, seguindo os abalisados, aponta três causas para as mudanças de
significação: a alteração phonetica, a renovação dialectal e os tropos. Na tropologia –
mudança ou transição do sentido da palavra –, o autor explica os quatro principais tropos:
metonymia; metaphora; synedoche; ironia e cita catachrése, allegoria, antiphrase,
antonomasia, hyberbole e metalepse sem fazer nenhum tipo de definição.
17 Cf. Molina, 2004.
Semeiologia
Exegetica
Technica
80
3.3.7.2 Technica
Nessa subdivisão, o autor discorre sobre os sinais de pontuação:
a) Virgula (,) – tem por finalidade separar orações ou seus membros;
b) Poncto e virgula (;) – tem como função distinguir duas orações de um mesmo
período;
c) Dous ponctos (:) – usa-se quando se enuncia nossas próprias palavras ou as
palavras de outrem;
d) Poncto final (.) – aplica-se para finalizar um pensamento e iniciar outro que não há
ligação com o anterior;
e) Poncto interrogativo (?) – emprega-se nas frases onde há necessidade de fazer uma
pergunta;
f) Poncto admirativo (!) – emprega-se nas orações exclamativas;
g) Ponctos reticentes ou suspensivos (...) – significa interrupção repentina de um
pensamento;
h) Parenthesis “( )” – usado para colocar palavras com a função explicativa;
i) Virgulas dobradas ( ) – esse sinal substituía o que hoje conhecemos por aspas e a
sua função é designar uma citação qualquer;
j) Travessão (–) – pode ser usado para substituir os parênteses ou para trocar o
interlocutor em um diálogo.
No próximo capítulo, trataremos da descrição e análise da syntaxologia na
Grammatica Analytica e a comparação entre a primeira e oitava edições.
81
Capítulo 4
A MODERNIDADE NA SYNTAXOLOGIA DA GRAMMATICA
ANALYTICA: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PRIMEIRA E
A OITAVA EDIÇÕES
Sabemos que o século XIX focou como ponto principal das suas gramáticas, a
lexicologia, fato que pode ser comprovado se observarmos as gramáticas de Júlio Ribeiro,
João Ribeiro, Alfredo Gomes, Moraes e Silva, Pacheco da Silva e Lameira de Andrade18,
por exemplo, que reservaram lugar de destaque a essa parte em seus compêndios (já que a
parte lexiológica, e não a sintaxe, era compreendida como o principal mecanismo de
entendimento de uma língua):
A lexeologia é certamente no projeto de descrição gramatical proposto por Ribeiro, o núcleo unitário de onde reverberam todos os campos de investigação lingüística. Isso por que é efetivamente a palavra que sintetiza o foco das atenções, seja como elemento monolítico isolado, seja enquanto conjunto de segmentos morfológicos, seja como item da organização frasal. A sintaxe, destarte, embora constitua autonomamente a segunda parte da descrição gramatical, na prática não vai além de um grande tentáculo da lexeologia. (CAVALIERE, 2000: 53-4) (Grifo do autor).
Em Maximino Maciel, a importância dada à lexicologia não foge à regra, pois,
como pudemos observar no capítulo anterior, gráfico 1, ela ocupa 51% da Grammatica
Analytica. Observando esse fato: a) de que maneira se deu a construção da sintaxe em sua
gramática? b) Onde estão localizadas as concepções de modernidade na sintaxe? c) Por que
o autor se preocupou, nas demais edições de sua gramática, em ampliar e melhorá-la?
A responsabilidade com a reformulação e aperfeiçoamento dessa parte da gramática
é explicitada por meio dos seus prólogos. Na segunda edição (1894), Maximino Maciel
declara que “a syntaxe mereceu-nos attenção por ter sido uma das partes mais descuradas;
assim se acha desenvolvida tanto quanto nos permittiram as nossas investigações e ao
mesmo tempo exemplificada mediante classicos e estylistas de nota”.
18 A partir desse momento, chamaremos de Pacheco da Silva e Lameira de Andrade de Pacheco e Lameira, respectivamente.
82
Na edição de 1910, a quarta, deparamo-nos com mais uma afirmação relacionada à
sintaxe, enquanto o autor fala da importância em reformular sua gramática de acordo com
“o progresso da linguística”: “ainda nos esforçamos por estudar a lingua nos seus
monumentos literarios, consolidando-lhe por isso os factos e a doutrina com exemplos
selectos, hauridos aos principaes escriptores que se nos afigurou poderem servir de normas
á syntaxe da lingua”.
O cuidado que Maximino Maciel imprimia aos exemplos presentes na sua
gramática era constante e fruto de condenação – em vários textos – direcionada a autores
que elaboravam os seus próprios, “já que a corrente positivista rezava que um bom
exemplo favorecia um bom caminhar.”. (FÁVERO & MOLINA, 2006: 183).
Para chegarmos a uma conclusão referente aos questionamentos levantados,
faremos a descrição da syntaxologia na Grammatica Analytica e, por meio do estudo
comparativo entre a primeira (1887) e a oitava19 (1922) edições, veremos de que maneira
as “doutrinas modernas” presentes no final do século XIX, início do XX, influenciaram
Maximino Maciel no decorrer das revisões expostas nas diferentes edições da Grammatica
Descriptiva.
4.1 Análise-descritiva da syntaxologia na Grammatica Analytica
O autor inicia o capítulo definindo a syntaxologia como “a parte da grammatica que
tracta as orações ou proposições em toda a sua extensão” e classifica-a em quatro partes
(p.205):
Tabela 2: Divisão da sintaxologia SYNTAXOLOGIA
Syntaxe: tracta das funcções ou relações das palavras e da respectiva concordancia na formação da oração;
19 Selecionamos a oitava edição (1922) – denominada Grammatica Descriptiva – para fazer a comparação por ter sido a última edição publicada em vida.
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Topologia: tracta da posição das palavras na construcção das orações;
Phraseologia: tracta da natureza20 das orações e da sua classificação;
Estylistica: tracta das differentes leis e fórmas ou do estylo das composições litterarias em toda a sua extensão.
(Fonte: Maciel, 1887)
Esses quatro elementos atribuídos à syntaxologia, por Maximino Maciel, diferem
nas gramáticas que foram publicadas ou editadas para suprir o programa elaborado por
Fausto Barreto, por exemplo: a de Júlio Ribeiro (divide a sintaxe em léxica e lógica), a de
Pacheco e Lameira (classificam em sintaxe de palavras e de proposição) e a de Alfredo
Gomes (a sintaxe compreende a concordância, a subordinação ou regência e a colocação
ou ordem) 21.
4.1.1 Syntaxe
Maximino Maciel entende por syntaxe “o tractado das funcções e concordancia das
palavras, consideradas como elementos constitutivos da oração”. A palavra funcção, por
ele utilizada, está diretamente ligada à corrente naturalista, e significa “o papel que ella
exerce na proposição, como resultado syntatico das suas diversas relações”. Para o autor, a
proposição – ou oração – é “a manifestação externa de um juízo”. Essa ideia de “juízo”
atribuída à proposição, remete à Grammaire Générale et Raisonnée de Port-Royal (1660),
que entende a proposição como um julgamento.
Diferenciando da nomenclatura “relação” que usavam Julio Ribeiro e Pacheco e
Lameira, por exemplo, e reafirmando a tendência evolucionista que apregoava: “As
funcções se designam tambem pelo nome de relações: assim, tanto se diz funcção
predicativa como relação predicativa, sendo mais logico o nome funcção, porquanto a
palavra é um orgam vivo da economia da proposição.” (p. 211) (Grifos do autor).
20 Palavra que remete ao ramo seguido pelo autor e explicitado na introdução da sua gramática, quando, seguindo a linha de Julio Ribeiro, afirma que a língua é um organismo e relaciona-lhe questões da natureza. 21 Cf. Fávero e Molina, 2006.
84
Essas funcções foram fragmentadas em sete, são elas: a) Subjectiva; b) Predicativa;
c) Attributiva; d) Vocativa; e) Objectiva; f) Terminativa; g) Adverbial. A gramática de
Maximino Maciel enfatiza a importância do sujeito e do predicado na oração – assim como
a de Pacheco e Lameira (1887) – diferentemente, por exemplo, de gramáticas como a de
Moraes Silva (1806) e a de Sotero dos Reis (1866), que reconhecem o “sujeito”, o
“atributo” e o “verbo”, seguindo o modelo de Port-Royal (1660) e da gramática de Julio
Ribeiro (1881) – que divide o predicado em “predicado propriamente dito” e “copula”
(p.194) – permanecendo, destarte, no modelo tripartite. Esse é mais um aspecto que
confere modernidade e inovação à Grammatica Analytica. Vejamos cada uma dessas
funções:
a) Funcção subjectiva “é aquella que é exercida pelo sujeito em relação ao seu
verbo” (p.206). Ela pode ser exercida por um substantivo, por um pronome, por uma
oração e por qualquer elemento taxonomico substantivado. Para o autor, “a palavra em
função subjectiva denomina-se subjeito. Subjeito é qualquer parte proposicional que, por
sua funcção nominativa dirige a flexão verbal” (p.212). O sujeito é, assim, classificado
pelo autor:
Tabela 3: Tipos de Sujeito (p.212) Simples: “é aquelle que é representado por um só substantivo, pronome ou infinito”.
Composto: “é aquelle que é representado por mais de um substantivo, pronome ou
infinito”.
Complexo: “é aquelle que é representado por uma oração, por qualquer expressão ou
citação substantivada”.
Essa classificação do sujeito difere, por exemplo, de gramáticas do início do século
XIX, sob a influência da gramática geral e filosófica, como as de Moraes Silva (cuja
classificação inexiste) e de Soares Barboza (que agrega “composto e complexo” na mesma
classificação).
b) Funcção predicativa “é aquella que é exercida pelo predicado em relação ao
subjeito” (p.207). Ela pode ser exercida por um adjectivo, por um verbo (seja ele transitivo
ou intransitivo), por um pronome, por qualquer elemento taxonomico adjectivado. “A
palavra em funcção predicativa chama-se predicado” (p. 213). Maximino Maciel divide o
predicado em:
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Tabela 4: Tipos de predicado (p. 213). Abstracto: “si estiver separado do subjeito por meio de verbo”.
Concreto: “si estiver internado na raiz verbal”.
Simples: “si for representado por um só verbo, ou por uma só qualidade”.
Complexo: “si estiver modificado por uma oração”.
Ampliado: “si estiver modificado por alguma palavra de funcção attributiva, terminativa,
objectiva ou adverbial”.
c) Funcção attributiva “é aquella que é exercida por uma palavra, exprimindo
qualidade, determinação e restrincção sem formar uma proposição”. Essa função pode ser
exercida por um adjectivo qualificativo, por um adjectivo determinativo, por um
complemento restrictivo (ex.: a rainha da noite), por um apposto, por uma oração incidente
(ex.: Si na importância que se ligava ás comunicações do arcebispo sypentino havia boa
fé, ignoramol-o. – A. Herculano). (Grifos do autor. p. 206).
d) Funcção vocativa “é aquella que é exercida por uma palavra a quem se dirige o
discurso”. Ex.: Muito me conta, Sr. Patrão... Foi um sonho, não foi, meu Carlos? (A.
Herculano). (Grifos do autor. p. 206). Ao substantivo que assume função de vocativo, o
autor chama de compellativo.
e) Funcção objectiva “é aquella que é exercida por uma palavra sobre que recae
immediatamente a acção do verbo transitivo directo” (p. 209). A mesma pode ser exercida
por um substantivo, por um pronome, por um verbo e por uma oração. À palavra que
assume função objetiva, o autor atribui o nome de “complemento objectivo” (p. 215) e o
classifica como:
Tabela 5: Tipos de “complemento objectivo” (p. 215-6) Simples: “si for representado por mais de um substantivo, pronome ou infinito”.
Composto: “si for representado por mais de um substantivo, pronome ou infinito”.
Complexo: “si for representado por uma oração ou qualquer expressão substantivada”.
Ampliado: “si estiver modificado por qualquer funcção attributiva, objectiva ou
adverbial”.
f) Funcção terminativa “é aquella que é exercida por uma palavra inteirando
mediatamente o conceito significativo de outra”. (p. 209). Essa função pode ser exercida,
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segundo Maximino Maciel, por um substantivo, por um pronome, por um verbo, por uma
oração e, à palavra que exerce essa função, dá-se o nome de “complemento terminativo”
(p. 217).
g) Funcção adverbial “é aquella que é exercida por uma palavra que, mediante a
uma circumstancia, mediante o verbo, o adjectivo, o substantivo ou adverbio”. Para o
autor, as palavras que exercem a funcção adverbial – que podem ser um advérbio, um
pronome, um substantivo, uma oração e um adjectivo adverbiado – será um complemento
circunstancial. As circunstâncias transmitidas pelo complemento circunstancial podem ser
(p.217):
Circunstâncias Exemplos
De modo Corria com ancia.
De logar Estava no pulpito.
De tempo Chegamos de noite.
De causa Choramos de terror.
De exclusão Estamos sem amigos.
De ordem Vinha um após outro.
De duvida Talvez venham.
De negação Nunca queremos.
De quantidade Gastar com escassez.
De affirmação Vamos realmente.
De favor Falar por mim.
De substituição Vá por mim.
Apesar da utilização frequente de autores clássicos – como veremos adiante – em
seus exemplos, não é difícil observarmos, na Grammatica Analytica, a presença de
exemplos simplificados e elaborados pelo próprio autor, comportamento que ele criticava
em outros autores.
A segunda parte da syntaxe na Grammatica Analytica trata da concordancia, que,
ao entendimento de Maximino Maciel, significa “a conformidade da flexão das palavras na
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construcção da oração”. Para o autor, se há duas classes de flexão, há duas classes de
concordância: concordancia verbal e concordancia nominal (p.218):
A concordância nominal, em Maximino Maciel (1887), é iniciada com a
concordância do adjetivo com relação ao substantivo a que se refere. Em regra geral, “o
adjectivo, quer seja de funcção predicativa, quer attributiva, recebe a flexão do genero e
numero do seu substantivo”. (p. 218-9). Nos demais casos:
Tabela 6: Casos de Concordância Nominal 1- O adjectivo substantivado: assume o gênero masculino e todas as outras palavras
precisam concordar com ele em gênero e número. Ex.: O justo é filho de Deus e
membro vivo de Christo; o pecador é escravo e membro do diabo. (Padre Bernardes)
2- O adjectivo representando um nome por ellipse: toma-lhe a flexão de gênero e
número. Ex.: Estella e Aurea são donas da quinta, porém a principal é Estella.
3- Dous ou mais substantivos no masculino singular: o adjectivo ficará no masculino
plural. Ex.: O cravo e o lyrio são formosos.
4- Dous ou mais substantivos no femenino singular: o adjectivo ficará no femenino
plural. Ex.: A ociosidade e a preguiça são companheiras da infância.
5- Dous ou mais substantivos de generos differentes: o adjectivo ficará no masculino
plural. Ex.: O irmão e a irmã estavam banhados de lagrimas.
Obs.: Se o adjectivo estiver diretamente ligado ao substantivo, é necessário que a
Tipos de
Concordância
Concordancia Verbal: “é a conformidade da flexão verbal com o caracter numerico e pessoal do subjeito”.
Concordancia Nominal: “é a conformidade da flexão nominal com o genero e numero do substantivo”.
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ligação seja feita pelo substantivo masculino. Ex.2: Irmã e irmão prostrados e não
irmão e irmã prostrados.
6- Dous ou mais substantivos de generos differentes no plural: o adjectivo concordará
com o substantivo mais próximo. Ex.: Seus brios e dignidades eram louvados22. Ex.2:
Louvadas eram seus dignidades e brios.
7- Dous ou mais substantivos precedidos por adjectivo, a concordância é feita com o
primeiro substantivo. Ex.: As bellas florestas e os rios davam magestade á paisagem.
8- Dous ou mais substantivos sucedidos por adjectivo, a concordância é feita com o
último nos seguintes casos: a) substantivos sinônimos (ex.: Mostram-se dignos de
amor e dedicação paterna); b) ideia de gradação (ex.: A verdade é o dever, o bem, a
virtude aplicada); c) palavras ligadas pela conjuncção (ex.: O amor ou amizade
extremada é causa de graves contendas).
9- Os pronomes concordam em gênero e número com o substantivo “substituído”.
Ex.: Pedro e Elisa são applicados: elle ainda mais do que ella.
10- Os pronomes relativos que e quem são invariáveis, mas qual (número) e cujo
(número e gênero) são variáveis.
11- “Na linguagem arithmetica os numeros, significando algarismos, assumem a
flexão de plural, ex.: Lançar fóra os quatros, os noves e os onzes”. Se o numeral não
estiver nesse contexto, ele é considerado invariável. Ex.: Tenho sete penas menos
cinco.
12- “O artigo, adjectivo possessivo, o demonstrativo, o numeral ordinal e os
indefinitos estão, como verdadeiros adjectivos, subjeitos a lei da concordancia, ex.:
Este meu livro está com a pagina estragada e em alguns pontos tem suas
imperfeições”.
Exceto pelo exemplo da primeira regra de concordância nominal aqui exposta, é de
grande relevância chamar atenção para os exemplos dispostos nesta parte da gramática de
Maciel: todos sem autoria. O que nos leva a repensar a crítica (indevida?) feita por Maciel
a Julio Ribeiro, por ter elaborado seus próprios exemplos.
22 “Nesse caso o adjectivo póde ficar no masculino plural, segundo se acha em muitos escriptores modernos”. (p. 221).
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Apesar de prezar por exemplos clássicos e de utilizar diversos trechos de Camões,
Maximino Maciel ainda não admitira uma das colocações utilizada pelo escritor português,
aceita por Frederico Diez23 “e alguns gramatistas”. A saber:
“É grave incorreção syntatica o emprego de um substantivo na flexão plural modificado por dous ou mais adjectivos singular, ex.: As litteraturas brazileira e italiana; os passaros selvagem e domestico. Posto que se encontre tal fórma de construcção em alguns que se dizem classicos, não deve ser imitada e seguida, porque neste caso fica o substantivo concordando com os adjectivos. Em latim raras vezes se encontra tal construcção, por isso mesmo pode se considerar como um verdadeiro descuido do auctor (...). A verdadeira e racional construcção consiste em ficar o substantivo no singular e empregar-se o artigo antes do adjectivo conveniente, ex.: a litteratura brazileira e a italiana”. (MACIEL, 1887: 220).
A concordância verbal é definida, pelo autor, como “a conformidade da flexão
verbal com o caracter numerico e pessoal do subjeito” (p. 224) e a regra geral a ela
atribuída é de que “o verbo concorda com o sujeito em numero e pessoa” (idem). Nos
demais casos:
Tabela 7: Casos de Concordância Verbal 1- Se houver “dois ou mais sujeitos” no singular, o verbo será flexionado no plural
concordando com todos, ou ficará no singular, concordando com cada um
individualmente. Ex.: A mosquetaria e arcabuzaria foi primeiro em fazer seu dever. (Luiz
Cacegas)
2- Se o sujeito for um “collectivo geral”, seguido pela preposição “de” e por um
substantivo no plural, o verbo ficará no singular e concordará com o complemento. Ex.: E
um rancho de nymphas iam boiando no azul sereno das ondas. (Anonymo) (p. 225).
3- Se o sujeito for um “collectivo geral” e não estiver acompanhado por um substantivo
seguido de preposição, o verbo poderá ficar no singular ou no plural. (p. 225).
Ex.: Ditosa condição, ditosa gente
Que não são de ciumes offendidos. (Camões)
4- Se o sujeito for um “collectivo partitivo” isolado ou seguido de substantivo
23 O alemão Friedrich Christian Diez (1794-1876), considerado fundador da filologia românica, publicou a Gramatik der romanischen Sprachen, em 1836, e foi o primeiro a estudar sistematicamente as línguas românicas pelo método histórico-comparativo. Cf. Guimier, 1981.
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acompanhado pela preposição “de”, o verbo e o adjectivo flexionarão no plural,
concordando com o complemento. Ex.: A maior parte dos homens são inclinados aos
vícios.
5- Se houver “dois sujeitos” ligados pela conjunção “ou” ou pela conjunção “nem”, a
flexão de número será facultativa. Ex.: O tempo ou a morte há ou hão de ser nossos
remedios. Ex.2: Nem a esperança nem a virtude consola ou consolam o impio. (p.225).
Mas, se a ação do verbo só puder ser atribuída a “um dos sujeitos”, o verbo ficará
obrigatoriamente no singular. Ex.3: Ou elle ou ella será louvado.
6- Se o sujeito for a expressão “um e outro” ou a “nem um nem outro”, é preferível que o
verbo seja flexionado no plural, mas a flexão é facultativa. Ex.: Um e outro tinham ou
tinha razão. Ex.2: Nem um nem outro soffre ou soffrem. (p. 226).
7- Para Maximino Maciel, no caso de “dous subjeitos”, o verbo só poderia concordar com
o último se: a) os sujeitos formarem uma enumeração gradativa (ex.: uma palavra, um
olhar, um gesto bastava para infundir respeito); b) se a enumeração estiver resumida por
uma palavra de sentido collectivo (ex.: a vaidade, o orgulho, a presumpção, tudo
manifesta a fraqueza humana); c) se o sujeito estiver ligado ao substantivo por meio das
conjunções “como”, “assim como”, etc., que indiquem comparação (ex.: A verdade, como
a luz, é inalteravel). (p. 226).
É importante destacar que, na regra de número 1, apresentada na tabela 7, o autor
chama atenção para a forma clássica com que o exemplo foi construído, datada de 1808.
Segundo Maximino Maciel, essa forma só estaria atualizada com as novas concepções se
estivesse construída da seguinte maneira: “Foi a mosquetaria e arcabuzaria a primeira em
fazer seu dever”, ou seja, com o verbo precedendo os sujeitos (p. 224). Além disso, para o
autor, o que decide se o verbo ficará no singular ou no plural (quando a sentença tiver o
collectivo) é “a harmonia da phrase”. (p. 225).
Com relação à regência verbal em que o verbo está “dependente dos pronomes
relativos” “que” e “quem”, Maximino Maciel admite as seguintes regras: a) se o verbo
estiver “dependente” do pronome relativo “que”, concordará sempre em número e pessoa
com o antecedente desse pronome (ex.: Sou eu que digo); b) se o verbo estiver
“dependente” do pronome relativo “quem”, irá para a terceira pessoa, pois, “quem”
significa “a(s) pessoa(s) que” (ex.: sou eu quem diz); c) se o relativo “que” estiver
antecedido de “um predicado do verbo ser”, o verbo concordará com o “subjeito do verbo
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ser” 24 (ex.: eu sou Diomedes que venci a guerra) ou com o predicado (ex.: eu sou aquelle
homem que comprou). (p. 227).
Inova ao falar de concordancia semeiotica (o que hoje chamamos de silepse) e
define-a como “aquella em que as flexões não se governam pelas palavras constitutivas da
oração, porém por palavras occultas acomodadas ao sentido” com isso, segundo Molina
(2004:139), “o autor demonstra toda a sua sensibilidade para a descrição dos fatos
gramaticais”. Nessa concordancia, chamamos atenção para cinco regras:
Tabela 8: Casos de Concordância Semeiotica 1- Se houver dois substantivos no singular de gêneros diferentes, o adjetivo assumirá o
gênero masculino no plural. Ex.: O menino e a menina estão promptos (p. 227).
2- Se houver nome próprio na proposição, a concordancia do adjetivo será feita de acordo
com o nome próprio. Ex.: Dario é estudioso (p. 228).
3- Nas expressões de tratamento, os adjetivos não concordam com a expressão de
tratamento, mas com o gênero da pessoa a quem se refere. Ex.: Sua Alteza (o Conde) está
satisfeito (p. 228).
4- Se houver um pronome pessoal na primeira e outro na segunda ou terceira, o verbo
assumirá a flexão no plural concordando com o pronome “nós”. Ex.: Eu e tu (nós) vamos.
Mas, caso seja um pronome pessoal da segunda com outro da terceira, o verbo assumirá a
flexão da segunda pessoa do plural. Ex.2: Tu e elle passaes bem. Caso haja adjetivos, estes
concordarão com o gênero da pessoa que fala. Ex.3: Eu e tu ficamos calados ou caladas
(p. 228).
5- Se na oração aparecerem os pronomes “nós” e “vós” para se referir a autores,
professores, imperantes, escritores, bispos, etc., o verbo flexionar-se-á no plural. Ex.:
Levado pela importancia do assumpto, viemos manifestar (p. 229).
24 Maciel afirma que “alguns grammaticos, não estando rigorosamente de accordo, admittem a corncordancia do verbo com o subjeito do verbo ser ou com o predicado, ex.: Somos aquelles homens que vendemos ou venderam. A presença do determinativo, segundo os grammaticos francezes, concorrendo para o predicado ficar de terceira pessoa, contribue egualmente para o verbo assumir a flexão da terceira pessoa.” (MACIEL, 1887: 227).
92
Quanto aos verbos impessoais, ainda inseridos na concordancia verbal, o autor
define como “aquelle que, empregado somente na terceira do singular, exprime um facto
cujo subjeito se desconhece”. Ainda sobre a impessoalidade dos verbos, afirma: “na maior
parte dos casos os verbos impessoaes não apresentam subjeito, porque indicam
phenomenos que se passam no seio da atmosphera ou da natureza atronomica” (p. 229).
Ex.: anoitecer, amanhecer, alvorecer – trovejar, nevar, chover, etc. Quanto à classificação
dos verbos impessoais, Maciel assim divide:
Finalizando a concordancia dos verbos impessoais, Maximino Maciel chama
atenção para algumas regras quanto à impessoalidade do verbo “haver”:
O verbo haver, derivado de habere, tem suscitado grandes debates grammaticaes, quando apresenta-se nas construcções seguintes: – Há homens – Há professores – Havia deputados, etc. (...) É certo que o verbo habere é pessoal, porque em accepção propria póde ter um subjeito representado por nome de pessoa; porém nas linguas romanas o termo latino habere tomou nova direcção syntatica, segundo as novas tendencias geniaes, desenvolvidas nos novos idiomas latinos. (...) O fato é que o verbo haver assumiu o caracter impessoal e não póde ter subjeito claro, ex.: Há homens – Houve combates. (p. 230).
Além disso, o autor critica os gramáticos que já admitem a utilização do verbo
“haver” no sentido de “ter” – assim como João Ribeiro (1887) – alegando que os mesmos
não conhecem a língua latina para saberem que, nela, o verbo “haver” não assumia esse
VERBOS
IMPESSOAES
Impessoal essencial: “caracterisa-se, pois, pela noção de um facto astronomico ou metereologico e o fundamento da classificação dos verbos impessoaes baseia-se na não existencia do sujeito” (p. 229).
Impessoal accidental: verbos que têm como sujeitos orações de natureza nominal e se contrapõem aos impessoaes essenciaes.
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sentido: “porquanto ignoram como procedia o latim na expressão das phrases
compondentes ás nossas, construidas com o verbo haver” (p.230).
Diferentemente de Maciel e Julio Ribeiro (1881), por exemplo, as gramáticas do
Padre Argote, Sotero dos Reis e Moraes Silva admitem uma forma para o verbo “haver”
em que ele passa a ser flexionado em número, com o sujeito considerado oculto.
Percebemos que, apesar de toda modernidade dada ao emprego do verbo “haver”
impessoal, Maximino Maciel ora bebe da fonte naturalista, ora toma como modelo a língua
latina:
Porque o maior absurdo é sustentar-se que o verbo haver tem a significação de existir, ficando no singular com o subjeito no plural por idiotismo. Há outros grammaticos que chegam a ponto de dizer que o verbo haver póde ter o subjeito em complemento circumstancial, ex.: Havia iguarias na mesa. Para taes grammaticos insensatos a palavra mesa é o subjeito. Ao nosso parecer, o verbo haver é impessoal de natureza transitiva, do mesmo modo que os verbos dar e fazer o são nas seguintes phrases: – Deu duas horas, – Faz vinte anos que. (...) No Brazil o verbo haver substitue-se frequentemente pelo verbo ter: o que não pode ser imitado, por isso que é uma construcção grammaticalmente reprovada, ex.: – Tem agua. (idem). (grifos do autor).
4.1.2 Topologia
A segunda parte do que Maximino Maciel designou syntaxologia na Grammatica
Analytica, é a topologia podendo também ser chamada de construcção ou collocação. Para
ele, a syntaxologia “é o tractado da posição das palavras na construcção da proposição” (p.
232).
Nessa concepção, a oração é regida pelo verbo, que “é o centro de attracção para
onde gravitam as outras partes da proposição, ex.: O Cardeal Reginaldo foi aquella
firmissima coluna de fé. (Bernardes)”. A essa disposição das palavras em uma proposição,
Maximino Maciel designa ordem oracional e a divide em (p. 232):
94
A classificação da ordem das palavras na proposição foge, por exemplo, da
classificação feita nas gramáticas de Pacheco da Silva e Lameira de Andrade – que
consideram as ordens direta, inversa e interpolada – e de Alfredo Gomes – que admite a
ordem direta e a ordem inversa, apenas25.
A ordem directa, também chamada de natural, é definida como “aquella em que o
verbo fica no centro, precedido pelo subjeito e seguido pelos complementos, ex.: A serva
de Deus respondeu com a mesma generalidade que lhe falavam, não obstante que já que já
tinha relações do caso (Bernardes)” (p. 232).
Maximino Maciel define ainda a ordem inversa como “aquella em que o verbo não
occupa o centro da oração, ex.: Gozava neste tempo Malaca de uma profunda paz,
assentada sobre as amizades. (F. de Andrade)” e a interrupta como “aquella em que o
subjeito ou partes relativas estão estão separadas do verbo por meio de orações
25 Cf. Fávero e Molina, 2006.
Ordem Oracional
Ordem Interrupta
Ordem Transposta
Ordem Inversa
Ordem Directa
95
subordinadas26 ou expressões incidentes, ex.: Um diccionario é, depois do abecedário ou
syllabario, o primeiro livro que se deve estudar. (João de Deus)” (p. 232).
A topologia na Grammatica Analytica é dividida em:
Ainda nessa segunda parte da syntaxologia, Maximino Maciel trata da preposição,
da correlação dos tempos verbais, do que chama de figuras topologicas e dos vícios de
construção, como veremos posteriormente.
A topologia dos adjectivos é dividida em duas partes: artigos e topologia dos
adjectivos. Ao discorrer sobre os artigos, o autor afirma que “o artigo definito é sempre
uma particula dotada de funcção attributiva e antepõe-se aos nomes”. Os casos de
anteposição do artigo definito ao nome são (p. 233-4):
a) antes dos nomes que recebem características generalizadas (ex.: o homom é
racional. Ex.2: o cão é fiel);
26 Até esse momento, Maciel não havia citado o que entendia por oração subordinada, que veremos na terceira parte da syntaxologia, a phraseologia.
Topologia
Topologia das átonas
Topologia do subjeito
Topologia do artigo
definito e indefinito
Topologia dos adjectivos
96
b) antes dos apellativos modificados por palavras que exercem função attributiva
(ex.: passamos a catarata do Niagra. Ex.2: o homem, director do gremio);
c) antes dos adjectivos qualificativos que estejam se referindo a nomes próprios
(ex.: O valente Napoleão);
d) antes dos nomes de pessoas célebres (ex.: O Vasco da Gama); das coisas únicas
no seu genero (ex.: o sol e a lua); das cinco partes do mundo (ex.: A África, a Europa, a
Asia, A Oceania); de regiões, de cidades, de ilhas, de aldeias, de paizes, de provincias (ex.:
a Nubia, o Chili); de montes, de mares, de estreitos e de rios (ex.: O Hymalaia, o Pacífico);
de obras de arte ou de literatura (ex.: a Eneida, o Albambra); de embarcações (ex.: o
Pirapampa, o Gram-Pará); de nomes próprios com sentido figurado (ex.: Dirceu foi o
Virgilio brazileiro); das palavras “senhor” e “senhora” isoladas para nos referirmos a
alguém (ex.: A senhora pode obsequiar-me?); apelidos (ex.: O Tiradentes);
e) para substituir o adjectivo possessivo, caso o sentido da frase esteja completo
(ex.: João feriu-se na perna);
f) antes dos pronomes possessivos e alguns pronomes indefinitos (ex.: aquelle é o
meu).
Além disso, o autor trabalha com situações que obrigam a omissão do “artigo
definito” (p. 235):
Tabela 9: Omissão do Artigo Definito 1- “Nas proposições setenciosas”. Ex.: Pobreza não é deshonra.
2- “Nas enumerações”. Ex.: Honra, gloria, fama, fortuna, tudo é pó, tudo se aniquila.
3- “Nas apostrophes ou vocativos”. Ex.: Vedae, meninos, as levadas assaz bebeu o prado
(Virgilio).
4- “Nas exclamações”. Ex.: Dia feliz!
5- “No substantivo da definição”. Ex.: Idéa é a noção mais simples de um facto elementar.
6- “Antes dos tractamentos politicos precedidos de – senhor ou senhora, si nos dirigirmos
ás pessoas investidas de taes títulos”. Ex.: Senhor Marquez, quizera falar.
7- “Antes dos nomes predicativos”. Ex.: Este é pai de Pedro.
8- “Antes do pronome que nas orações interrogativas, significando que cousa”. Ex.: Que
dizes?
97
Os casos de anteposição do artigo indefinito ao nome são expressos de forma
reduzida, vejamos (p. 236): a) Antes dos nomes tomados em sentido indeterminado (ex.:
vejo uma mulher ao longe); b) antes dos nomes proprios para energia e vivacidade da
sentença (ex.: só um Napoleão dominaria o mundo!); c) antes dos nomes proprios em
função attributiva (ex.: Castro lves foi um Dante e Casimiro de Abreu um Lamartine); d)
antes de qualquer expressão substantivada (ex.: um não sei, um como, um eu posso).
Já quanto à omissão do “artigo indefinito”, determina Maximino Maciel (p. 236):
Tabela 10: Omissão do Artigo Indefinito 1- “Nos nomes empregados na funcção predicativa”. Ex.: Mariana é poetisa.
2- “Antes do nome precedido do adverbio como, ficando em qualidade de”. Ex.: Como
homens, somos perfeitos.
3- “Nas sentenças intensivas pela influencia do adverbio tão”. Ex.: Elle é tão bom
professor.
4- “Nas apposições”. Ex.: Sapho, poetisa suaviosa, precipitou-se d’um rochedo.
5- “Antes de certos substantivos formando com o verbo uma só expressão
semeiologicamente considerantes”. Ex.: Dizer adeus, pedir desculpas, dar parte, fazer
carinhos.
Quanto à topologia dos adjectivos, Maximino Maciel já começa esse subtítulo com
as seguintes regras (237-8):
Tabela 11: Topologia dos Adjectivos 1- “Os adjectivos determinativos antepõem-se aos substantivos”. Ex.: Três homens.
2- “Os adjectivos possessivos e os indefinitos nenhum, qualquer, tal, todo, tanto se
pospoem algumas vezes aos substantivos principalmente na poesia ou na phrase
emphatica”. Ex.: Deus meu, ser nenhum sobre a terra pode mais.
3- “O adjectivo algum anteposto ao substantivo tem sentido affirmativo e posposto
negativo”. Ex.: Homem algum. Algum homem.
4- “Os adjectivos alheio, proprio, mesmo ordianriamente pospoem-se ao substantivo”. (o
98
autor não cita exemplo).
5- “Ha adjectivos, como certo, vario, diverso, differente, etc, que, estando antepostos, são
indefinitos e qualificativos”. Ex.: Certo dia. Dia certo.
6- “Nas phrases exclamativas os demonstrativos podem se pospor ao substantivo”. Ex.:
Que razão essa! Que vaidade esta!
7- “Os adjectivos numeraes ordinaes, exprimindo simplesmente a ordem são antepostos e
exprimindo a data ficam pospostos”. Ex.: Segundo livro, livro segundo.
8- “Si na phrase concorrer um cardinal com um ordinal, o cardinal se collocará antes do
adjectivo ordinal”. Ex.: Os dous quintos livros27.
É importante notar que o autor reconhece a presença da licença poética, pois afirma
que “na poesia e na linguagem apaixonada os preceitos topologicos dos adjectivos são
infringidos por elegancia de expressão”. (p. 240).
A topologia do subjeito, terceira das quatro apresentadas pelo autor, é a que
apresenta o maior número de regras. Para Maximino Maciel, a construção da frase está
diretamente relacionada com a “attracção que o verbo exerce entre as outras partes da
oração”. Ele afirma que o local ocupado pelo verbo deve ser o centro da oração, precedido
pelo sujeito e seguido pelo complemento, porém, a inversão clássica do sujeito pode se dar
em alguns casos (p. 240-1):
27 Nesse caso, observamos que Maciel se opõe à regra apresentada por Julio Ribeiro, que admite as duas colocações, e que o exemplo criado pelo autor da Grammatica Analytica é bem semelhante ao exemplo criado por Julio Ribeiro (1881): “Os dez primeiros livros. Os primeiros dez livros”.
99
Tabela 12: Topologia do Subjeito
A última das topologias, das atonas, é iniciada com uma explicação do que seria
uma partícula átona “aquellas que se incorporam ao verbo constituindo quasi um só
vocabulo” (p. 242). Para Maximino Maciel, as palavras átonas são “as variações
pronominaes me, te, se, nos, vos, lhe, lhes, o, a, os, as”. Quanto à classificação das
“palavras atonas”, o autor afirma: “assim com a anteposição da atona chama-se proclise, a
1- “Nas proposições exclamativas e interrogativas”. Obs.: “nas interrogativas o póde se
collocar tambem o subjeito anteposto ao verbo”.
Ex.: – Que largas são as praias!
– Que seguras são as enseadas. (J. Lucena)
Ex.2: E si este Senhor tiver determinado desposar a vossa illustríssima com a sua Egreja?
(Bernardes)
2- “Nas proposições reduzidas representadas por participios presente ou passado”.
Ex.: E chegando nós ao porto de Chatigao, no reino de Bengala... (F. Pinto)
3- “Nas proposições representadas por infinito pessoal”.
Ex.: ... e depois a origem por serem as obras dos proprios paes melhores que as que da
natureza recebem. (J. Freire)
4- “Nas orações representadas pelos indefinitos do modo infinito”.
Ex.: Não tendo ficado filhos de Paqueirão. (F. Pinto)
5- “Nas proposições imperativas”.
Ex.: Dize-o tu, severa musa. (C. Álves)
6- “Nos tempos do subjunctivo sem conjuncção”.
Ex.: Lance cada um os olhos pelo campo. (Lucena)
7- “Se o adjectivo predicativo exprimir um facto em evidencia”.
8- “Nas proposições emphaticas por elegancia”.
Ex.: Era S. Pedro Gonçalves mancebo dado a tempos, galas e leviandades. (Bernardes)
9- “Nas proposições começadas por tal, qual, e alguns adverbios”.
Ex.: Lá vão cincoenta annos, de merecimento e penitencia em um instante. (Bernardes)
10- “Nas orações intercalladas, enunciando pallavras proprias ou alheias”.
Ex.: Ninguem, dizia Sócrates, vive contente com ou sem sorte.
100
posposição, enclise e a intercalação mesoclise” (p. 244) e obedece às seguintes regras (p.
242-3):
Tabela 13: Usos da colocação pronominal 1- A proposição nunca pode começar com a partícula colocada procliticamente28.
Ex.: Compra-se. Trago-lhe.
2- Uma palavra atona não pode ser colocada no futuro e no condicional.
Ex.: Dirão-lhe. Contarias-o.
3- “Nestes casos a particula atona será collocada mesocliticamente ou procliticamente si
podér sel-o”.
Ex.: Contal-o-ás ou elle o contarás.
4- A particula átona no “imperativo” deve ser aplicada encliticamente.
Ex.: Dize-me, dae-lhe.
5- A particula átona no “infinito pessoal” deve ser aplicada encliticamente.
Ex.: Trazer-lhe, contares-me.
6- A particula átona no “participio presente” deve ser aplicada encliticamente.
Ex.: Ensinando-nos, dizendo-te.
7- A particula átona nos “tempos compostos” deve ser aplicada mesocliticamente.
Ex.: Tinham-me aconselhado, tem-se dito.
Observamos que o pronome correto para o exemplo do terceiro ítem seria “tu”. Aos
erros identificados em sua primeira edição, Maciel justifica: “Ha descuidos de revisão
devidos á nossa falta de pratica, por isso o leitor desculpar-nos-á com justa razão”. (p.
317).
Além de tratar os quatro tipos de topologia definidas, como vimos, topologia dos
adjectivos, topologia do artigo definito e indefinito, topologia do subjeito e topologia das
átonas, o autor, na segunda parte da syntaxologia, trabalha três outros pontos: a preposição,
correlação dos tempos verbaes e figuras topológicas.
A preposição é estudada, nesse capítulo, pelo aspecto das circunstâncias que ela
pode transmitir. O autor define a circunstância como “uma idéa que affecta o sentido da
oração, rodeando-lhe em todo seu enunciado” e divide-a em dois tipos: “circumstancias
28 “Seria imitar-se a syntaxe italiana e a hespanhola o emprego da atona procliticamente no principio da proposição: o que seria, pois, um barbarismo na syntaxe vernacula”. (MACIEL, 1887: 243).
101
estaticas” – “aquellas que se enunciam materialmente pelas preposições de estado: ante,
apoz, contra, em, entre, sob, sobre” – e “circumstancias dinamicas” – “qualquer
circumstancia enunciada pelas preposições de movimento: a, até, de, desde, por, par, para”
(p. 245-7). Com essas definições e delimitações, o autor faz exemplos com cada uma
dessas preposições e indica de que maneira ela pode expressar cada circunstância.
A “correlação dos tempos verbaes”, “coexistencia de dous tempos,
correspondendo-se syntaxicamente no corpo da proposição simples”, é dividida em dois
tipos: homogenea (“si as duas fórmas verbaes estiverem no mesmo tempo, ainda que os
modos sejam differentes”) e heterogenea (“si as duas fórmas verbaes estiverem em tempos
differentes”) (p. 250). O autor discorre ainda sobre essa correlação no “presente do
indicativo”, no “imperfeito do indicativo”, no “aoristo absoluto”, no “aoristo relativo”, no
“futuro absoluto”, no “futuro relativo”, no “presente do imperativo”, nos “tempos do
condicional” e no “subjunctivo”.
As figuras topologicas são “aquellas que se manifestam na construcção figurada da
proposição” (p. 256) e manifestam-se por diminuição, consonancia, symmetria,
contraposição e accrescentamento:
Figuras por diminuição
Ellypse: “é a suppressão de uma palavra que é facilmente subentendida pelo sentido” (p.
256). Ex.: Aos heróes o vosso rebanho? (Vieira)
Assyndeton: “é a suppressão de uma ou mais conjuncções necessarias á oração” (p. 257).
Ex.: Uma hora chega emfim
Triste, espantosa, fêa, dura, amarga.
Figuras por consonancia
Paranomasia: “é o emprego de palavras de som quasi identico, porém de significação
differente” (p. 257). Ex.: Cidadão de boas artes e boas partes. (Vieira)
Antanaclase: “é o emprego de palavras quasi similhantes na fórma e na significação” (p.
257). Ex.: Não emittido da cidade senão mettido nella. (Cicero)
Homcoteleuton: “é o emprego de palavras de egual desinencia” (p. 257). Ex.: Não só para
a vida lhe tirar, mas tambem a gloria lhe menoscabar. (Cicero)
Homeoptoton: “é o emprego de verbos no mesmo modo, tempo, numero e pessoa, ou o
102
emprego de palavras de egual funcção syntatica” (p. 257).
Ex.: Bramando durocorre e os olhos cerra,
Derriba, fere, mata e põe por terra. (Camões)
Isocolon: “é o emprego de orações tendo quasi um numero egual de palavras” (p. 257).
Ex.: Olha o quanto é vaga e voluvel a fortuna; quantas as deslealdades nos amigos;
quantas as ficções proprias do momento. (Vieira)
Antithese: “é a contraposição dos termos nas sentenças” (p. 258).
Ex.: Passou o mundo do estado da innocencia e da culpa; da immortalidade á morte; da
patria ao desterro. (Vieira)
Antimetabole: “é a repetição das palavras de uma oração em outra, porém em ordem
differente” (p. 258). Ex.: Vivo para comer; como para viver.
Figuras por contraposição ou transposição
Anastrophe: “é a inversão na collocação das palavras” (p. 258). Ex.: A deligencia d’estas
matronas servio de allivio aos trabalhos, nos perigos de exemplo. (J. Freire)
Tmese29: “é a introducção da palavra atona no futuro ou no condicional” (p. 258). Ex.:
Dir-se-á, contar-nos-ia.
Hyperbaton: “é a transposição da proposição do lado proprio para o outro” (p. 258). Ex.:
A criança por não obedecer ao mestre foi castigada.
Figuras por acrescentamento
Epezeuxis: “é a repetição successiva e animada da mesma palavra” (p. 258). Ex.: Coridon,
Coridon, quanto és demente!
Diacopo: “é a repetição da mesma palavra, intercalando-se outra de permeio” (p. 259).
Ex.: Tu só tu puro amor com força crua. (Camões)
Anaphora: “é a repetição da mesma palavra no principio de cada oração” (p. 259). Ex.:
Tudo cura o tempo, tudo gosta, tudo digere, tudo acaba. (Vieira)
Anaphora alternada: “é a repetição reciproca da mesma palavra no principio de varias
orações” (p. 259). Ex.: Aquelle armado e tu sem armas; aquelle exercitado em batalhas e
tu sem exercicio da guerra. (Vieira)
29 Na “topologia das atonas”, Maciel remete a tmese à mesóclise.
103
Epistrophe: “é a repetição da mesma palavra no fim de cada oração” (p. 259). Ex.: Tudo
acaba a morte e tudo acaba com a morte até a mesma morte. (Vieira)
Synploce: “consiste em começar e terminar as orações pelas mesmas palavras” (p. 259).
Ex.: Quem promulgou a lei? Rullo.
Quem privou dos votos a maior parte do povo? Rullo. (Cicero)
Ploce: “é a repetição de uma palavra no meio ou fim da phrase seguinte” (p. 259). Ex.:
Chorou-te da Angicia selva saudosa,
Do Frucino chorou-te a vitrea onda. (Virgilio)
Epanalepse: “é a repetição de uma palavra no meio de cada oração ou no principio e fim
da mesma” (p. 260). Ex.: Vencido quer não parecer vencido. (Ulysses)
Epanodos: “é a repetição de palavras que foram dictas junctamente” (p. 260). Ex.:
Admiravel foi David na harpa e na funda: com a harpa afugentava demonios, com a funda
derribava gigantes. (Vieira)
Polyptoton: “é a repetição da mesma palavra em differentes funcções ou variando nas
fórmas” (p. 260). Ex.: Vi claramente o lume visto. (Camões)
Anadiplose: “é a repetição de uma palavra do fim da oração e no principio da seguinte” (p.
260). Ex.: O regedor das ilhas que partia
Partia alegremente navegando. (Camões)
Synonymia: “é o emprego de palavras tendo quasi a mesma significação” (p. 260). Ex.:
Foi-se, sahiu, abalou, escapou. (Souza)
Polysyndeton: “é o emprego de muitas conjuncções na sentença” (p. 261). Ex.: O bom
engenho ha de ter agudeza e subtilezae força e velocidade. (Heitor Pinto)
Climax: “é a repetição do que está dito, passando para o seguinte, depois de ter parado no
antecedente” (p. 261). Ex.: Da perda nasce o conhecimento; do conhecimento a estimação;
da estimação a dor. (Vieira)
Além das “figuras topologicas” descritas, o autor exibe vicios de construcção
(barbarismo, solecismo, cacophato, hiato, echo, collisão, amphibologia e synchese),
gallicismo (simples, composto e syntatico), brazileirismo e teoria da negação (assumindo
um posicionamento a favor do que defendia Pacheco e Lameira e criticando a teoria da
negação escrita por Frederico Diez).
104
A minúcia a que Maximino Maciel trata as categorizações na sua gramática é uma
característica que remete ao que o autor atestava como moderno, reafirmando, diante dessa
categorização exarcebada – e criticada por Eduardo Carlos Pereira –, o caráter de rigor
científico, ligado diretamente ao evolucionismo e positivismo.
4.1.3 Phraseologia
A phraseologia é o “tractado da proposição e da sua distribuição na formação das
sentenças” (p. 267). O autor, nesse capítulo, retoma o conceito das ordens direta e indireta
da sentença e indica os elementos essenciais da proposição (sujeito, verbo e predicado),
atribuindo a significação de cada um desses elementos: a definição de subjeito “é a pessoa
ou cousa a que attribuimos o predicado” e acrescenta: “o subjeito é o objeto do juizo, a
idéa de substancia e a idéa principal” (p. 268); por verbo, entende como “o elemento
connectivo que liga formalmente o predicado com o subjeito” e acrescenta: “é a base da
affirmação”; e, referente ao predicado, “é a qualidade que attribuimos ao subjeito”.
Como sentença, Maximino Maciel define “uma proposição ou agregado de
proposições formando um pensamento completo” e divide-a em simples (aquela que
contém uma proposição, pode ser chamada de oração e compõe a sentença composta) e
composta (aquela que possui duas ou mais sentenças simples). Em outro momento, ele faz
mais quatro classificações referentes à sentença:
Tabela 14: Classificações das sentenças Sentença declarativa é aquela que declara um fato e pode ser positiva: quando declara a
existência de um fato (ex.: as flores respiram); negativa: quando declara a não existência
de um fato (ex.: as flores não respiram).
Sentença imperativa “é aquella que exprime a realização de um facto subordinado a uma
noção de ordem ou supplica” (p. 269). Ex.: Faze o bem.
Sentença exclamativa é aquela que exprime um fato exclamativo ou interjectivo. Ex.: Oh,
o remorso, o remorso! Não sabeis o que isso é! (Herculano)
Sentença interrogativa é aquela que empregamos para indagar um fato. Ex.: Não vê alli
aquelles vultos? (Herculano)
105
As proposições na Grammatica Analytica ainda assumem mais duas classificações:
Para que haja a oração subordinada, Maximino Maciel elenca três importantes
fatores: a) a relação grammatical ou connectivo; b) a natureza das proposições; c) a
funcção das proposições (p. 273):
Relação gramatical
Conjunctiva: se estiver ligada à principal por meio de uma conjuncção (ex.: não sei se
voltes). (p. 273).
Pronominal conjunctiva: se estiver ligada à principal por meio de um pronome
conjunctivo (ex.: vi o homem que passou). (p. 273).
Natureza das proposições
Substantiva: se a proposição tiver valor de substantivo. Ex.: Quero que venhas, isto é,
quero a tua vinda. (p. 273).
Adjectiva: se a proposição tiver valor de adjectivo. Ex.: O negocio que favorece (isto é,
favoravel), deve ser aprehendido. (p. 274).
Adverbial: se a proposição tiver valor de adverbio. Ex.: Partirei antes que elle venha. (p.
274).
Proposições
Proposições Subordinadas: são orações ligadas de tal modo que acarreta dependência de sentido. Esta dependência é concretizada pela intervenção das conjuncções subordinativas. A oração principal é a primeira oração de sentido.
Proposições Coordenadas: são aquelas que apresentam um juízo independente e não necessitam da mediação de outra para que façam sentido. Pode ser syndética (se houver a necessidade de ligação com preposição ou conjuncção) ou assyndetica. Maciel altera o termo “oração principal” como era conhecida, por “oração culminante”, alegando que a oração principal só existe nas subordinadas.
106
A funcção das proposições
Subjectiva: “si servir de subjeito a outra” (p. 274). Ex.: Parece que haja festas.
Attributiva: “si servir de attributo a outra” (p. 274). Ex.: O pensamento de que tenho de
morrer me abate.
Predicativa: “si servir de predicado a outra” (p. 274). Ex.: Elle é quem deve partir.
Terminativa: “si servir de complemento terminativo” (p. 274). Ex.: Estou satisfeito do que
me disseram.
Objectiva: “si servir de objecto directo a outra” (p. 274). Ex.: Desejamos que partas.
A seguir, veremos como se dá a classificação de cada uma dessas funcções da
proposição na Grammatica Analytica:
Proposição
Substantiva
Terminativa – ex.: Preciso de que me empreste dinheiro.
Objectiva – ex.: Desejo que
passes bem.
Attributiva – ex.: Pelo facto de teres dinheiro tiveste amigos.
Predicativa – ex.: Tu és que
fazes.
Subjectiva – ex.: É bom
que partas.
107
Explicativa – ex.: O sol que é
uma fonte de calor, vivifica a
vegetação. Proposição
Adjectiva
Restrictiva – ex.: O homem que
cumpre seus deveres, dá exemplo
de virtude a seus concidadãos.
Funcções cirumstanciais expressas pela proposição adverbial.
1- Temporal- ex.: quando quizeres ir, deves me prevenir.
2- Locativa- ex.: onde está o relogio?
3- Causativa- ex.: não falei, porque não quiz.
4- Condicional- ex.: si chover não sahirei.
5- Concessiva- ex.: ainda que chóres, não ficarei.
6- De fim- ex.: para que tenhas amigos, deves ser docil e affavel.
Pronominal conjunctiva: se estiver ligada
por um pronome conjuntivo. Ex.: Na ocasião
em que te encontrei estava distrahido.
Proposição
Adverbial
Conjunctiva: se estiver ligada por conjunção.
Ex.: Chegaram as tropas logo que
amanheceu.
108
4.1.4 Estylistica
A quarta e última parte da syntaxologia na Grammatica Analytica é composta por
apenas 4% de toda a parte syntaxológica da gramática. E o autor assim a define: “é o
tratado syntaxico das differente fórmas do estylo, isto é, das leis organicas e das
tendemcias naturaes30 que determinam a feição e o cunho caracteristico das diversas
composições litterarias” (p. 290).
Depois da conceituação do que é estylistica, Maximino Maciel faz um estudo
cronológico do que significava a palavra “estylo”, que, em 1887, estava diretamente
relacionada à forma de escrita: “o estylo era um instrumento tendo uma extremidade
afilada com que escreviam e a outra extremidade era mais ou menos achatada e servia para
raspar as dicções escriptas erradamente” (p. 290).
Já na acepção literária, o estylo pode ser definido como “o caracter peculiar e a
feição invariavel de cada escriptor na expressão externa dos seus pensamentos” (p. 291). O
estylo é classificado em: a) segundo a quantidade – das antigas nações gregas – b) segundo
a qualidade – pode ainda ser natural, ornado e sublime e os seus tipos são:
Estylo Attico: é o nome que se dá ao emprego de “pensamentos finos e delicados”,
palavras e ornamentos desnecessários;
Estylo Asiatico: é o nome que se dá ao emprego de pensamentos impolados,
palavras e ornamentos excessivos;
Estylo Rhodio: é o que está entre o Attico e o Asiatico, ou seja, é moderado;
Estylo Laconico: é o que apresenta imprecisão e deficiência de palavras. Falta-lhe
clareza e o sentido é initeligivel;
30 Nessa definição, o autor retoma as palavras que passaram a integrar o vocabulário dos gramáticos do final do século XIX que seguem o pensamento evolucionista e naturalista, iniciado, no Brasil, por Julio Ribeiro, por meio da sua gramática publicada em 1881.
109
Estylo Natural: é o que instrui e emprega palavras claras, desprezando todos os
adornos da oratória;
Estylo Ornado: é o que emprega adornos leves e figuras moderadas;
Estylo Sublime: é o que intenciona comover e incitar paixões com frases e palavras
que engrandecem e manifestam vigor e energia.
No mais, o autor encerra sua estylistica informando que o estudo mais amplo,
quanto ao estylo, pode ser encontrado nos livros de Rhetorica.
4.2 Análise-comparativa da syntaxologia na Grammatica Analytica (1887) e na
Grammatica Descriptiva (1922)
Em todas as edições da gramática escrita por Maximino Maciel, encontramos, após
o título, o seguinte subtítulo: “baseada nas doutrinas modernas”. Anteriormente, pudemos
constatar que, ao escrever sua primeira gramática em 1885 e publicá-la em 1887, o autor
estava amparado na linha histórico-comparativa e aderiu ao modelo de gramáticos
brasileiros e estrangeiros que seguiam a mesma orientação.
A Grammatica Analytica (1887) – que, como já dissemos, a partir da segunda
edição (1894) foi chamada de Grammatica Descriptiva – teve, enquanto Maximino Maciel
exercia sua função de professor, oito edições – as demais foram póstumas – em um período
de trinta e cinco anos. Entre 1887 e 1922, a gramática brasileira estava consolidando suas
ideias e regulamentando o seu uso. O objetivo desse tópico é comparar a sintaxologia da
primeira edição que, segundo o autor, foi escrita quando possuía 20 anos de idade com a da
última edição em vida, a fim de percebermos as mudanças na sintaxe e a modernidade nela
instaurada.
Diferentemente do plano sinótico apresentado na primeira edição, a Grammatica
Descriptiva (1922) apresenta alterações nas partes da syntaxologia, começando pela
divisão que, na oitava edição, consiste em apenas três partes: syntaxe relacional, syntaxe
phraseologica e syntaxe literaria.
110
4.2.1 Syntaxe Relacional
A syntaxe relacional possui o conteúdo semelhante à parte que Maximino Maciel
chamou “syntaxe” na primeira edição: “o tractado das funcções e relações das palavras,
isto é, da sua concordância e posição no organismo da proposição simples. (...) Seis são as
funcções das palavras ou expressões no organismo da proposição” (p. 2275-6), exceto pela
supressão da “funcção terminativa”, presente na primeira edição, todas as outras funções
possuem a mesma nomenclatura, porém com ampliação no número de regras. Sendo assim,
Maximino Maciel classifica as funcções em: subjectiva, predicativa, attributiva, objectiva,
vocativa e adverbial.
Enquanto na funcção subjectiva da GA31 o autor classificava o sujeito em três tipos
(simples, composto e complexo), na GD, ele acrescenta o sujeito proposicional, desde que
seja constituído por uma proposição conjunccional, indefinitiva ou indefinida (GD, p. 286).
Além disso, a funcção attributiva da GD trabalha a noção definida de predicativo do
sujeito – “é toda palavra ou expressão que, integralisando o conceito do verbo, se refere ao
sujeito” – (GD, p. 293), de predicativo do objecto – “há verbos objectivos que, além do
objecto directo, precisam geralmente de um adjunto predicativo para lhes integralizar o
conceito” – (GD, p. 293) e de adjunto adverbial.
Ao analisar cada uma dessas funções, percebemos a ampliação de regras e a
mudança na nomenclatura do que antes Maximino Maciel chamava de “complemento
objectivo” e “objectiva sporadica” (GA), passa a chamar na GD (p. 287-9) de “objecto
direto”, “objecto indirecto” e ainda acrescenta o “objecto directo preposicional”, que não
existia na GA, e seu uso é atribuído quando “o objecto directo apparece modificado por
preposição” (GD, P. 289).
Ainda na syntaxe relacional, o autor da GD trabalha a função sintática da partícula
“se” (GD, p. 327), podendo ser: a) objecto directo; b) objecto indirecto; c) particula da voz
passiva; d) sujeito indeterminado32; e) particula expletiva. A função sintática e
31 A partir de agora, chamaremos de GD a Grammatica Descriptiva (1922). 32 Em nota, o autor questiona a grande discussão que havia acerca da partícula “se” como sujeito indeterminado e afirma: “Ao publicarmos as edições anteriores, já tinhamos sentido necessidade de admittir o se como sujeito, pois, tendo a lingua a sua individualidade syntactica, não importa que o se provenha de sui, sibi, se que não possue nominativo, adaptado á funcção de sujeito. (...) Alguns professores, sem minimo fundamento, reputam erroneas taes construcções, como si a grammatica não fosse o registro dos factos da lingua. Além disso, todas as linguas têm um pronome monosyllabico, de funcção subjectiva para exprimir o sujeito inderteminado. Assim é que no
111
morfológica da palavra “que”, que não foi citada na GA, aparece na GD (p. 336), podendo
ser classificada como:
4.2.2 Syntaxe Phraseologica
Semelhantemente ao conceito exposto na GA, a syntaxe phraseologica na GD é “o
tratado das proposições e das suas diversas relações na estructura do periodo” (GD, p.
354). Maximino Maciel considera dois elementos como termos da proposição, sujeito e
predicado, (diferentemente da GA que considerava sujeito, verbo e predicado) e divide a
proposição em simples e composta, assim como a Grammatica Analytica. Além disso, a
classificação da proposição simples deixa de ser declarativa, imperativa, exclamativa e
interrogativa e passa a ser (p. 355-6):
Francez existe o pronome on, no Inglez one, no Allemão man. Como pois nos querermos obstinar em não darmos se por- sujeito nos casos de que tratamos acima?” (MACIEL, 1922: 330)
Funcções da palavra “que”
Pronome
Adjectivo indefinito
Adverbio de quantidade
Conjuncção
Particula
decorativa
Relativo
Indefinito
Integrante
Circunstancial
Optativa
Iterativa
112
Tabela 15: Classificação das Proposições Expositiva: “si exprime e assevera um facto e é expressapelo modo indicativo ou
condicional”. Ex.: A numerosa cavalgada atravessou o territorio por entre o povo
apinhado. (Antonio Vieira)
Imperativa: “si exprime uma ordem, uma noção de mando, e é expressa pelo modo
imperativo”. Ex.: Inclinae por um pouco a magestade. (Camões)
Optativa: “si exprime permissão, desejo e é expressa pelo modo subjuntivo”.
Ex.: Cessem do sábio grego e do troiano
As navegações grandes... (Camões)
Interrogativa: “si serve para interrogar acerca de um facto”. Ex.: Que são as honras e as
dignidades? (Manoel Bernardes)
Exclamativa: “si exprime o facto sob a fórma interjectiva. Ex.: Quantos rostos alli se vêem
sem côr! (Camões)
O autor continua a dividir a proposição em coordenadas e subordinadas, porém,
assume uma característica que não aparece na GA que é a função conectiva da conjunção.
E, por meio dessa afirmação, Maximino Maciel afirma que, para que a proposição seja
syndetica ou asyndetica, ela precisa estar ligada por uma conjunção coordenativa ou não
pode estar ligada a uma conjunção, respectivamente.
Ademais, outras classificações são inseridas na Grammatica descriptiva (p. 358-9):
Segundo a natureza
Aproximadas: desde que sejam ligadas por conjunção approximativa. Ex.: Era eu vestida
de riquissimas galas; alva c’roa de rosas me toucava. (Garret)
Alternadas: desde que sejam ligadas por conjunção alternativa. Ex.: Os monarchas
indultam ou toleram facilmente a republica americana. (Coelho)
Adversativas: desde que sejam ligadas por conjunção adversativa.
Ex.: Às torturas da dor resiste a vida
Da linda Branca, mas razão lhe foge. (Garret)
Illativas: desde que sejam ligadas por conjunção conclusiva. Ex.: Jesus Christo nasceu do
Espirito Santo, logo era espirito. (Bittencourt Sampaio)
113
A classificação das subordinadas muda apenas a nomenclatura, mas a essência
permanece a mesma e segue o seguinte esquema (GD, p. 366):
Conjunccional
Quanto ao conectivo Relativa
Indefinita
Substantiva
Quanto á natureza Adjectiva
Adverbial
Subjectiva
Objectiva
Quanto á funcção Attributiva
Predicativa
Circunstancial
Ao falar da impessoalidade do verbo haver na primeira edição da sua gramática,
Maximino Maciel afirma que não se pode considerar o verbo haver variável no sentido de
“ter”. Na oitava edição, de 1922, a forma é aceita e exemplificada: “Na acepção de ter,
servindo então de auxiliar ao particípio passado, ex.: Haviam os cavalheiros da cruzada
acceitado as offertas de Aleixo. (Pe. Theodoro D’Alheida)” (p. 395).
Maximino Maciel discute os casos de indeterminação do sujeito, apresenta as vozes
verbais (passiva, ativa e reflexiva) não tratados na Grammatica Analytica e trabalha regras
da collocação pronominal (proclise, mesoclise e enclise).
114
4.2.3 Syntaxe Literaria ou Estylistica
Na última parte da syntaxologia, o autor inicia, assim como na GA, falando sobre o
“estylo”, defendendo as mesmas concepções. A diferença da GA aparece a partir do
momento em que o autor discute sobre as formas de expressão: prosa, definida como “a
fórma de expressão que se não sujeita á medida regular, isto é, a um certo numero de
syllabas e ao rythmo” (GD, p. 422) e classificada como solta e poética; verso, definido
como “a fórma de expressão sujeita á medida regular, isto é, ao rythmo e a um certo
numero de syllabas” (GD, p. 422) e classificado como rimado ou solto.
As figuras de syntaxe na Grammatica Descriptiva possuem definição semelhante às
figuras encontradas na Grammatica Analytica. Na GA, porém, elas estavam localizadas na
segunda parte da syntaxologia, chamada “topologia”, excluída pelo autor na edição de
1922. Segue um resumo das figuras de syntaxe presentes na Grammatica Descriptiva:
Ellipse*
Zeugma
Omissão Asyndeto*
Reticencia
Syllepse
FIGURAS Pleonasmo
DE Excesso Repetição
SYNTAXE Polysyndeto*
Particula decorativa
Anastrophe
Transposição Hyperbato* 33
Hyperstrophe
33 (*) Apenas essas quatro figuras recebem a mesma nomenclatura que as figuras de syntaxe expostas na Grammatica Analytica.
115
Os vícios de expressão, que também estão presentes na GA, encontram-se
ampliados na GD, como podemos observar:
Cacoepia
Lexicos ou Cacographia
barbarismos Dialectismo
Estrangeirismo
Synchyse
Cacologia
VICIOS De construcção Anacolutho
DE Dynssynclise
EXPRESSÃO Perissologia
Sintacticos ou Eco
solecismos Assonancia
De audição Hiato
Collisão
Cacophato
Encerramos, também, a análise da sintaxologia na gramática de Maximino Maciel
além de termos observado, por meio da comparação, as mudanças ocorridas com o passar
das edições até a última por ele revisada. Destarte, é importante considerarmos a
contribuição dessa gramática no cenário gramatical brasileiro do século XIX.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de uma investigação pautada na História das Ideias Linguísticas –
discussão do capítulo 1 –, quando tratamos da obra de Maximino Maciel, Grammatica
Analytica, escrita em 1887 e refeita em 1894, procuramos entrar no universo do autor, nas
condições de produção por ele vivenciadas e passamos a examiná-la, levando em
consideração não só o contexto histórico da época – capítulo 2 – mas também o que
representou como material didático, elaborado para suprir um novo e, até então, moderno
plano de educação – capítulo 3.
A individualidade linguística que os intelectuais brasileiros implementaram no final
do século XIX, amparada pelo método histórico-comparativo e inspirada em novas
correntes, como a evolucionista, a positivista e a realista/naturalista, foi a grande
responsável pela reformulação da gramática brasileira, fato que contribuiu com a afirmação
de uma identidade nacional e com o início de uma separação linguístico-cultural dos
portugueses.
A proposta da gramática escrita por Maximino Maciel de romper com a tradição,
pautada, principalmente, nos conceitos da gramática geral e filosófica, e se adequar ao
novo plano educacional proposto por Fausto Barreto, de acordo com as chamadas “teorias
modernas”, rendeu ao autor sergipano bons resultados e frutos que seriam colhidos com o
decorrer de sua vida intelectual: tornou-se membro de instituições importantes; escreveu
artigos para jornais; escreveu obras relacionadas à medicina que tiveram relevância
internacional; sua gramática foi adotada no Colégio Pedro II e no Colégio Militar, entre
outros.
Por meio das análises, constatamos que a Grammatica Analytica estava voltada às
“novas teorias”, tanto por meio das categorizações utilizadas por Maximino Maciel, quanto
por meio da linguagem utilizada, além da adequação moderna – naquele período – dada ao
conteúdo, eliminando aspectos considerados obsoletos e renovando a estrutura da
gramática brasileira.
A comparação que fizemos, no quarto capítulo – entre a syntaxologia da primeira
publicação e a última publicada em vida, a oitava –, serviu para corroborar a ideia de que o
desejo do autor em manter-se inteirado nas frequentes mudanças presentes na língua e,
consequentemente, na gramática permaneceu até a última edição, já que cada nova edição
117
trazia consigo novidades justificadas pelo “avanço” dos estudos linguísticos daquele
período. Para Maximino Maciel, era a sintaxe a sua maior preocupação em “modernizar”,
pois acreditava que os gramáticos que lhe antecediam a tratavam superficialmente, além de
seguirem antigos moldes para explicá-la.
Quatro pontos chamaram a nossa atenção no início da análise, ao questionarmos as
concepções de modernidade e o diferencial apresentado nas explicações da syntaxologia: o
uso frequente da palavra “organismo”, sempre nos confirmando a informação de que sua
obra faz parte da corrente naturalista, a ortografia de determinadas palavras, que mudaram,
aproximando-se, cada vez mais, do modo como escrevemos hoje, os quadros sinóticos em
cada nova parte da gramática e o último ponto encontra-se na preocupação em citar
exemplos de grandes escritores clássicos e contemporâneos.
Enquanto em sua primeira edição a maioria dos exemplos era criada pelo próprio
autor, na última, eles são extraídos quase sempre de: Camões, Alexandre Herculano,
Almeida Garrett, Heitor Pinto, Rodrigues Lobo, Castro Alves, Junqueira Freire, Manoel
Bernardes, Rui Barbosa, José de Alencar, Padre Antônio Vieira, Gonçalves Dias,
Gonçalves de Magalhães, Gomes Leal, Alvarenga Peixoto, Casimiro de Abreu, Pinheiro
Chagas, Tobias Barreto, Rebello da Silva, Candido Jucá, Diogo do Couto, Thomaz
Ribeiro, Homem de Mello, Pereira da Silva, e ainda, gramáticos como Júlio Ribeiro,
Epiphanio Dias, Ernesto Carneiro, Padre Pereira, João de Barros.
Encerramos a análise da Sintaxologia na gramática de Maximino Maciel e, por
meio da comparação, conseguimos identificar tanto o crescimento intelectual do autor,
quanto a fidelidade aos preceitos das “teorias modernas” utilizadas por ele. O cuidado com
a forma, com as nomenclaturas, com os exemplos empregados, com as regras que caíram
em desuso fez das gramáticas Analytica e Descriptiva, referência no ramo de gramáticas
brasileiras do século XIX.
Esse trabalho pretende contribuir para os estudos referentes à História das Ideias
Linguísticas no Brasil, uma vez que descreve e analisa uma das obras mais importantes da
gramaticografia brasileira no final do século XIX. Trabalhos futuros, entretanto, poderão
ser empreendidos, considerando ser o corpus aqui selecionado uma pequena parte do
campo gramatical: a sintaxe.
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