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    280 Revista Philologus, Ano 20, N 60 Supl. 1:Anais da IX JNLFLP. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2014.

    A LINGUAGEM JURDICA E O ACESSO JUSTIA

    Bruna Moraes Marques (UENF)[email protected]

    Eliana Crispim Frana Luquetti (UENF)[email protected]

    Millene Millen (UENF)Paula Alice Dod Mller (UENF)

    Pedro Wladimir do Vale Lira (UENF)

    RESUMO

    Este artigo tem como finalidade elucidar a preocupao acerca do entendimentodo cidado comum acerca da forma como so transmitidas as mensagens dos sabereslingusticos e jurdicos, uma vez que o acesso justia no significa simplesmente oacesso ao processo. Sabe-se que vrias solues tm so oferecidas aos cidados a fimde que alcancem o processo por exemplo, a assistncia judiciria gratuita por meio dedefensorias pblicas e advogados dativos, mediaes e implantaes de juizados espe-ciais com o intuito de desburocratizar os feitos, a atuao do Ministrio Pblico etc.Assim, ultrapassa-se a primeira barreira: alcance ao instrumento processual devido.Contudo, outra barreira ainda maior se forma: o acesso justia. Esse afastamentotorna-se ainda mais expressivo no mbito do Poder Judicirio quando a linguagemno atinge seu principal objetivo: comunicao. Tendo em vista que o direito se mate-rializa pela linguagem. Assim, com o intuito de emitir mensagens transparentes aos

    jurisdicionados, diversos movimentos, campanhas e reformas tm sido realizados, co-mo veremos adiante, contra o denominado juridiqus, que resulta na dificuldade de

    ultrapassar a barreira opaca de uma linguagem hermtica para alcanar a justia.Para a realizao do proposto, foram utilizados os pressupostos tericos dos estudosda linguagem e do direito tais como Crcova (1998), Xavier (2003), Nascimento (2009),Consolaro (2009).

    Palavras-chave: Direito. Linguagem jurdica. Linguagem forense.

    1. I ntroduo

    preciso preocuparmo-nos com o entendimento que o cidadocomum tem da forma como lhe so transmitidas as mensagens dos sabe-res lingusticos e jurdicos. importante ressaltarmos que o acesso jus-tia no significa simplesmente o acesso ao processo, apesar de reconhe-cermos que at mesmo para obteno dessa ltima garantia os jurisdicio-nados j enfrentam problemas como o elevado custo processual, lentidona soluo das lides e extremo formalismo e burocracias jurdicos.

    No entanto, com o intuito de minimizar essas dificuldades, vrias

    solues tm so oferecidas aos cidados a fim de que alcancem o pro-

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    cesso. Podemos citar por exemplo, a assistncia judiciria gratuita pormeio de defensorias pblicas e advogados dativos, mediaes e implan-taes de juizados especiais com o intuito de desburocratizar os feitos, a

    atuao do Ministrio Pblico etc.Assim, ultrapassa-se a primeira barreira: alcance ao instrumento

    processual devido. Contudo, outra barreira ainda maior se forma: o aces-so justia. Apesar de nossa Magna Carta de 1988, apelidada de Consti-tuio Cidad, expressamente declarar em seu artigo 5, inciso XXXVque a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou amea-a a direito (BRASIL, 1988), a insatisfao de tal preceito constitucio-nal pode se dar por vrias vias. Todavia, o presente captulo visa destacaros problemas decorrentes de uma forma de linguagem no mbito jurdico

    que no se preocupa com a compreenso por seu destinatrio.

    de bom alvitre realarmos que o Decreto-lei N 4.657/42 (Lei deIntroduo s Normas do Direito BrasileiroLINDC) afirma em seu ar-tigo 3 que ningum se escusa de cumprir a lei, alegando que no a co-nhece (BRASIL, 1942). Tal mandamento corroborado pela primeira

    parte do artigo 21 do Cdigo Penal, ao estabelecer que o desconheci-mento da lei inescusvel (BRASIL, 1940). Podemos perceber que essetexto normativo exige conhecimento legal por parte dos cidados comuns

    a fim de que o cumpram. Seria portanto necessrio que todo o ordena-mento jurdico fosse redigido com clareza textual, a fim de que essatransparncia possibilite seu entendimento por toda a sociedade, sem ex-cluses. E tambm, para assim permitir a luta pelos direitos, desde osmais simplrios e individuais, at os mais complexos que reflitam em to-da a coletividade.

    Nesse sentido, essa falta de compreenso do direito pelos cida-dos tratada pelo autor argentino Carlos Mara Crcova (1998), em suaobraA Opacidade do Direito, em que o jurista afirma que entre o direito

    e o destinatrio h uma barreira opaca que causa o distanciamento e in-compreenso, subtraindo-lhe a possibilidade de alcanar a significao

    jurdica de suas aes.

    Corrobora o estatudo por Crcova (1998) o escritor alemo FranzKafka em sua obra O Processo (1999), na qual descreve a alienao e adesesperana de um homem imerso num mundo que no consegue com-

    preender, para que se submetesse s leis sem questionar, pela impossibi-lidade de se defender do desconhecido. Esta obra descreve a situaoatual ora apontada, apesar de ter sido escrita h quase um sculo.

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    Esse afastamento torna-se ainda mais expressivo no mbito doPoder Judicirio quando a linguagem no atinge seu principal objetivo:comunicao. Tendo em vista que o direito se materializa pela lingua-

    gem.Assim, com o intuito de emitir mensagens transparentes aos juris-

    dicionados, diversos movimentos, campanhas e reformas tm sido reali-zados, como veremos adiante, contra o denominado juridiqus, que re-sulta na dificuldade de ultrapassar a barreira opaca de uma linguagemhermtica para alcanar a justia.

    2.

    Os abusos do juridiqus

    A lngua viva e dinmica e, segundo Cmara Jnior (1968, p.223), o sistema de sons vocais por que se processa numa comunidadehumana o uso da linguagem. Lyons (1987, apudQuadros e Schimedt,2006) definem linguagem como um sistema de comunicao natural ouartificial, humano ou no, enquanto Chomsky (2005, p. 47), buscandouma conceituao mais restrita. Leciona: o conhecimento que a pessoatem que a torna capaz de expressar-se atravs de uma lngua, isto , umsistema lingustico com determinadas regras altamente recursivo, pois

    permite a produo de infinitas frases de forma altamente criativa.O grande objetivo da linguagem, segundo os ensinamentos de

    Bobbio (2008), que corrobora com a construo deste pensamento, depossibilitar a transmisso de informaes, isto , transmitir o saber e, deum modo geral, noticiar algo.

    sabido que a linguagem se materializa por meio da palavra; por intermdio dela que a realidade se transforma em signos, pela associ-ao de significantes sonoros a significados, com os quais se processa a

    comunicao lingustica. Conforme salienta Lopes (2008, p. 9):A comunicao um processo dinmico e a linguagem constitui ponte

    mediadora que possibilita o acontecer deste processo. A comunicao a for-a que dinamiza a vida das pessoas e das sociedades. Ela excita, ensina, ven-de, distrai, entusiasma, d status, constri mitos, destri reputaes, orienta,desorienta, produz incomunicao. A comunicao , por assim dizer, umcampo de trocas, de interaes, que permite perceber-nos, expressar-nos e re-lacionar-nos com os outros, ensinar e aprender.

    Quando se trata de comunicao, faz-se necessrio compreenderque o receptor conhea as palavras utilizadas pelo emissor, a fim de que

    possa alcanar seu significado, e que a mensagem seja adequada.

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    No campo jurdico no diferente, j que a linguagem o maisvalioso instrumento dos profissionais da rea. No entanto, o uso excessi-vo de palavras eruditas e permeadas de preciosismo no direito causa di-

    versos problemas na comunicao, como j alertamos, devido interfe-rncia na compreenso textual e dificuldade no andamento processual.

    O Cdigo de Processo Civil (BRASIL, 1973) estabelece em seuartigo 156 que: Em todos os atos e termos do processo obrigatrio ouso do vernculo. O termo vernculo remete clareza e correo no fa-lar, mas no possui ligao nenhuma com arcadismos, latinismos, dentreoutros artifcios que resultam no prejuzo da compreenso.

    No h como se falar em direito sem que haja um enfoque essen-

    cial na importncia da linguagem. Mais importante do que conhecer agramtica, articular palavras e argumentar coerentemente, transmitir amensagem ao receptor de forma objetiva e clara.

    Todo avano tecnolgico aponta para o uso de uma linguagem di-nmica e multifacetria. No entanto, possvel vislumbrarmos a resistn-cia de alguns profissionais do direito, que insistem na manuteno doconservadorismo e uso desmedido de expresses excludentes daquelesque no tm formao acadmico-jurdica. Este um fato que vai de en-contro aos anseios da realidade social.

    nesse sentido que a linguagem tcnica do direito no deve serum obstculo ao acesso jurisdicional. No so raras as ocasies em que aaplicao da linguagem jurdica, sem a devida cautela por parte dos pro-fissionais da rea, causa irreparveis problemas dignidade da pessoahumana. Tal estilo rebuscado de comunicao conhecido como juridi-qus por usar excessivamente termos tcnicosem sua grande maioria

    j ultrapassados, herdados h sculos do direito romano, vai contra todauma tendncia de modernizao e agilidade processual, to pregadas na

    atualidade. Assim, o exagero no emprego de termos rebuscados e precio-sismos nos textos jurdicos pode camuflar o real sentido da mensagemque se pretende transmitir.

    O termo juridiqus pode ser definido conforme explicita o juizbrasileiro Zeno Veloso, citado por Souza (2005, p. 65):

    Entendo que sinal de atraso e subdesenvolvimento mental a manutenodesse dialeto sofisticado e pretensioso que se utiliza nos meios jurdicos, jchamado juridiqus, uma linguagem afetada, empolada, impenetrvel, noraro ridcula, dos que supem que utilizar expresses incomuns, exticas, si-nal de cultura ou de sabedoria. O juridiqus, infelizmente, s tem mostrado

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    eficincia e grande utilidade na perversa e estpida misso de afastar o povodo direito, de desviar a justia do cidado.

    Dentre os abusos perpetrados pelo juridiqus, destaca-se uma

    terminologia que exclui de mnima compreenso os cidados sem forma-o jurdica. Sabe-se que terminologia significa o conjunto de termosespecficos ou sistema de palavra usado numa disciplina particular (porexemplo, a terminologia da botnica, da matemtica); nomenclatura(HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 2702). Ou seja, todo ramo da cincia temsua terminologia peculiar, no entanto, nos dizeres de Xavier (2003, p.11):

    O jargo profissional, no pode nem deve encapsular-se num hermetismovocabular somente acessvel a iniciados. Em muitos dos papis que tramitam

    pelo nosso Frum, diariamente, sob uma falsa roupagem de tecnicismo, hmais engrimano, mais preocupao com os efeitos pirotcnicos da palavra doque um compromisso real com a profundidade cientfica.

    O operador do direito deve primar pela clareza e preciso, a fimde tornar o texto acessvel e no exceder desnecessariamente no uso datecnicalidade cientfica.

    Outra forma de abuso do juridiqus pode ser notada pelo uso deestrangeirismos, que Nascimento (2009, p. 23) define como o nome ge-nrico que se d para o vcio no emprego de palavras ou construes es-

    trangeiras.

    Devemos manter claro que no se pode defender uma pureza ab-soluta na linguagem, pois o contato entre as lnguas resulta na ocorrnciade trocas e influncias. H, inclusive, milhares de expresses na lngua

    portuguesa derivadas de estrangeirismos, completamente adaptadas aovocabulrio coloquial, tais como termos correlacionados s tecnologias,como o verbo deletar, por exemplo. No entanto, h abuso quando, ao re-digir uma pea jurdica, o profissional do direito d preferncia ao uso de

    anglicismos (termos derivados do ingls), galicismos ou francesismos,italianismos, dentre outros, mesmo havendo um termo em portugus quepode transmitir a mensagem de forma clara, o que faz com que se gereuma incompreenso textual desnecessria.

    Outra caracterstica que s resulta no afastamento entre a socieda-de e o direito o uso de arcasmos, que podem ser definidos como a im-

    posio de palavras ou expresses antiquadas, fora do uso, desconhecidaspela maioria das pessoas. O arcasmo faz com que o receptor da mensa-gem no a entenda, uma vez que o texto pretende transmitir um status de

    falsa cultura.

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    Conforme Consolaro (2009), os arcasmos podem ser subconcei-tuados como lxicos, isto , quando h aplicao de palavras em desuso,ou sintticos, quando construes que eram habituais tornaram-se obsole-

    tas ou esto nesse processo, no cotidiano. O autor destaca ainda que estaltima forma tem ocorrido, por exemplo, quanto ao emprego de mescli-se, o uso do pretrito mais-que-perfeito e algarismos romanos.

    H, ainda, um entrave abusivo de uso comum no juridiqus: olatinismo, que pode ser definido como frase, locuo ou construogramatical prpria do latim; romanismo. (HOUAISS; VILLAR, 2001,s.v.)

    sabido que o latim considerado uma lngua morta, por no ser

    comumente falado como lngua nativa, com exceo do Vaticano, queainda a adota como lngua oficial para documentos e cerimnias, umavez que a lngua falada o italiano.

    O latim teve seu apogeu no Imprio Romano, perodo consideradoo grande alicerce do ordenamento jurdico brasileiro; no entanto, seu em-

    prego hoje nas produes textuais, quando h correspondentes claros emportugus, considerado como um exibicionismo de erudio infundada.Assim, todo obstculo mencionado deve ser repudiado pelo operador dodireito, visando aproximar o cidado da verdadeira Justia.

    Machado de Assis (1873, p. 37), clebre escritor brasileiro, jabordava o problema da lngua e sua expresso, sendo claro ao criticarretrocessos e rebuscamentos arcaicos exagerados que s prejudicam acomunicao:

    No h dvida de que as lnguas se aumentam e alteram com o tempo e asnecessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no sculo de qui-nhentos, um erro igual ao de afirmar que a sua transplantao para a Amri-ca no lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influncia do povo deci-siva. H, portanto, certos modos de dizer, locues novas, que de fora entram

    no domnio do estilo e ganham direito de cidade. Mas se isto verdadeiro oprincpio que dele se deduz, no me parece aceitvel a opinio que admite to-das as alteraes da linguagem, ainda aqueles que destroem as leis da sintaxe ea essencial pureza do idioma. A influncia popular tem um limite, e o escritorno est obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e amoda inventaram e fazem correr. Pelo contrrio, ele exerce tambm umagrande parte de influncia a este respeito, depurando a linguagem do povo eaperfeioando-lhe a razo [...] Escrever como Azurara ou Fernando Mendesseria hoje um anacronismo intolervel. Cada tempo tem seu estilo. Mas estu-dar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentranhar deles mil rique-zas, que, fora de velhas e fazem novas -, no me parece que se deva despre-

    zar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo tem os modernos; com os haveres

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    de uns e outros que se enriquece o peclio comum.

    Nesse sentido, a linguagem jurdica claramente distinta da lin-guagem usual, pois h termos que tm sentido apenas no campo jurdico,

    tais como: usucapio, enfiteuse, anticrese, acrdo, entreoutros.No entanto, com a necessidade de modernizao do direito, uma vez quetem como um dos seus primrdios essenciais a agilidade processual, aforma de falar antiquada de alguns operadores do direito tem sido alvo deconstantes crticas.

    A expresso juridiqus engloba, portanto, todos os exageradostermos utilizados pelos profissionais do direito, com uma forma rebusca-da de apresentao, que so, atualmente, contraditrios a toda simplifica-

    o da linguagem exibida pelos mais diversos meios de comunicao. clara a necessidade de um vocabulrio mais simples, direto, que tenha ointuito de aproximar a sociedade da justia e da prestao jurisdicional.

    3.

    As propr iedades do texto jurdico: qualidades e defeitos

    Podemos estabelecer a analogia de que a linguagem tem tanto po-der quanto uma arma, o que ainda mais notvel no mbito do direito.Bem manejada, leva vitria; mal aplicada arrasta para a derrota. Essa

    linguagem tambm pode ser qualificada como o alicerce do mundo jur-dico, uma vez que s possvel haver uma resposta do Poder Judiciriodevido traduo da realidade em um conjunto de textos que, ao se con-catenarem, formam um instrumento primordial, denominado processo.

    No basta somente o conhecimento do direito para a produo deum texto capaz de atingir os objetivos pretendidos no campo jurdico. Denada adiantar toda a sabedoria legal se no for levado em conta um con-

    junto de caractersticas essenciais para a composio de um texto de qua-lidade.

    H predicados que devem pautar todas as espcies textuais, taiscomo conciso, clareza e objetividade. Essas caractersticas devem sertambm observadas durante a produo de qualquer texto cientfico e, aoaludirmos ao estilo forense, no diferente. A linguagem jurdica ins-trumento essencial de organizao da sociedade, que determina direitos edita obrigaes, devendo primar por esses atributos ao servir de ferra-menta criadora de um texto.

    Deve-se, portanto, rechaar a criao textual truncada e extensa,

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    que dificulta a compreenso. No significa, contudo, que possamos oudevamos eliminar passagens substanciais do texto no intuito de reduzi-lode tamanho, e sim evitar passagens que nada acrescentam ao que foi dito.

    Um vcio corriqueiro em textos produzidos por operadores de di-reito consiste em provocar a persuaso pela recorrncia de argumentos eideias, retornando inmeras vezes ao mesmo objeto.

    No que tange clareza, trata-se da busca de uma comunicao quevisa impedir a existncia de imprecises que possam resultar em dvidas

    pelo receptor. Um texto lmpido pode ser normalmente caracterizado pelaexistncia de perodos breves, com a finalidade de poup-lo de obscuri-dades. Vale ressaltarmos que produes obscuras produzidas por magis-

    trados tornam-se alvos de embargos de declarao, recurso muito comumna seara jurdica, que tem como consequncia, uma maior lentido doandamento processual, pois o criador do texto ter que se valer de seu

    precioso tempo para explicitar a deciso que inicialmente se apartou daclareza.

    Conforme prescrito no Cdigo de Processo Civil (BRASIL,1973), artigo 535, Cabem embargos de declarao quando: I houver,na sentena ou no acrdo, obscuridade ou contradio. Nesse sentido,no s magistrados, mas qualquer operador do direito deve buscar a niti-

    dez em sua produo textual, para que no haja prejuzo no acesso oucumprimento das decises judiciais, seja pela dificuldade de compreen-so das partes interessadas, ou ainda pior, pelos prprios profissionais in-tegrantes do sistema processual, que se perdem no emaranhado de infor-maes.

    No se deve afirmar que a linguagem tcnica se contrape clare-za: basta que o criador do texto se preocupe em evidenciar suas ideias deforma ntida, podendo, por exemplo, valer-se do aposto (expresses ou

    frases explicativas) a fim de explicar ou especificar melhor um termo devalor substantivo ou pronominal extremamente tcnico, tornando destemodo, mais acessvel o entendimento dos trmites da justia.

    Devemos destacar, tambm, a objetividade que deve haver emuma produo textual jurdica, ou seja, o operador do direito deve deixarde mencionar o que no tem valor para a causa, para que no haja disper-so do real sentido de se mover a mquina do Poder Judicirio. A men-sagem deve visar somente o desgnio pretendido, fundamentada apenasno essencial, e no andar em crculos dentro do prprio texto. Tambm

    no so raras as oportunidades em que advogados so obrigados a escla-

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    recer o que desejam em suas peties iniciais. Por faltar a estes a objeti-vidade, juzes lhes determinam que emendemas iniciais, sob pena deno terem julgadas suas causas. Segundo o Cdigo de Processo Civil

    (BRASIL, 1973):Art. 284. Verificando o juiz que a petio inicial no preenche os requisi-

    tos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidadescapazes de dificultar o julgamento de mrito, determinar que o autor a emen-de, ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias.

    J Barreto (1998), destaca que, alm das trs caractersticas abor-dadas, h outras de derradeira importncia para a produo textual jurdi-ca: correo, preciso, originalidade e ordem. A correo propriedade

    bsica para a construo textual; a sua no observao, alm de macular

    a imagem do operador do direito, pode comprometer a argumentao.Uma boa apresentao no tem valor algum se h incorrees vocabula-res ou gramaticais. Portanto, devem ser evitados registros carregados desolecismo (inadequao na estrutura sinttica da frase com relao gramtica normativa do idioma), barbarismo (erro de pronncia, grafiaou uso de uma determinada palavra), neologismo (criao de uma pala-vra ou expresso nova, ou atribuio de um novo sentido palavra jexistente) pedante, arcasmo (uso de palavras ou expresses antigas, emdesuso) dentre outros vcios de linguagem.

    Quanto preciso, trata-se do requisito bsico para que o textopossa transmitir credibilidade e segurana. Considerando-se que h umtermo adequado para cada ocorrncia, a sua no observao pode resultarem prejuzo causa ou ao cidado que espera por uma resposta judicial.Deve-se primar pela adequao das palavras em detrimento da linguagemostentosa, que pode confundir ou atravancar a compreenso textual.

    o que ocorre, por exemplo, ao se substituir a expresso petioinicial, contida no artigo 285 do Cdigo de Processo Civil (BRASIL,

    1973) por termos exagerados e desnecessrios como pea dilucular,pea porttico, pea vestibular e outros.

    A originalidade a caracterstica que repudia clichs, que podemser conceituados como modismos lingusticos, segundo o explanado porBarreto (1998, p. 24):

    Conjuntura, em nvel de, enquanto ao invs de como, colocarcomo sinnimo de dizer, emblematizar e agilizar so expresses hoje

    presentes em textos pretensamente fiis modernidade, outra palavra deusofrequente, termos que, longe de valorizar, apenas banalizam e enfraquecem o

    texto.

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    Acerca de falta de originalidade, frequente a existncia de textosprocessuais formados por amontoados de citaes doutrinrias ou juris-prudenciais, com o mero intuito de enfeit-los atravs de diversas co-

    lagens. Citar de forma exagerada no garantia de cientificidade ouqualidade textual; pelo contrrio, pode gerar um desperdcio lingustico,produzindo textos longos que, na maioria das vezes, tm grande parte ig-norada.

    Uma vez que todas as mencionadas caractersticas so observadase satisfeitas, cumpre-nos observar ainda a ordem, ou seja, a organizaotextual para propiciar a boa leitura.

    A qualidade de um texto tambm depende dos elementos denomi-

    nados coeso e coerncia.Por essa linha de raciocnio, a coeso diz respeito unio ntima

    das partes de um todo; o vnculo que deve existir entre as palavras deum texto, dentro de uma sequncia desejvel. Conforme esclarecem Da-mio e Henriques (2000, p. 113), na obra Curso de Portugus Jurdico:

    No o texto, portanto, uma sequncia de textos desunidos, soltos, cadaqual afixado num canto. Chapus e vestidos soltos numa loja pouco servem;s adquirem valor quando ajustados num corpo feminino que lhes d graa eharmonia. Assim tambm funcionam os elos coesivos, caminhando para trs

    (regresso) e para frente (progresso) costurando perfeitamente o texto nestesmovimentos de vaivm em conexo sequencial a que se chama coeso (p.113).

    J a coerncia trata da relao de sentido que se estabelece entreas diversas partes do texto, criando uma unidade de significado a fim de

    possibilitar sua compreenso e consequente interpretao. Para que hajacoerncia, as ideias expostas precisam ser atadas de forma que a conexoseja evidente. Quando h ausncia dos elementos responsveis por essaconstruo, ocorre a impreciso e a descontinuidade que devem ser re-

    chaados em qualquer produo textual, por possibilitar dedues contr-rias a toda argumentao apresentada por quem a interprete.

    H ainda que se destacar que um dos defeitos nas produes tex-tuais jurdicas mais frequentes, o uso de termos e expresses ambguas(com indeterminado nmero de significados) e vagas (imprecisas), o que

    pode prejudicar por completo a pea processual, uma vez que enfraquecea argumentao.

    De igual modo, o uso de algumas palavras em latim pode revelar-

    se como qualidades ou aberraes nas produes textuais jurdicas. H

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    expresses latinas que so essenciais para exprimir alguns significadosno mundo do direito, por transmitirem a mensagem de forma concisa e

    perfeita, sem um sinnimo to eficaz no vocabulrio da lngua portugue-

    sa. o caso de habeas corpusque uma ao judicial com o objetivode proteger o direito de liberdade de locomoo lesado ou ameaado porato abusivo de autoridade; habeas dataao que assegura o livre aces-so de qualquer cidado a informaes a ele prprio relativas, constantesde registros, fichrios ou bancos de dados de entidades governamentaisou de carter pblico; data venia que, em lngua portuguesa, corres-

    ponde a uma locuo adverbial, que remete a uma expresso respeitosacom a qual se inicia uma argumentao, contrariando a opinio de ou-trem.

    Existem tantas outras expresses em latim, cuja importncia podeser ratificada por se encontrarem nos bons dicionrios da lngua portu-guesa, como ocorre quanto aos trs citados exemplos, definidos pelo Di-cionrio Houaiss da Lngua Portuguesa, com a peculiaridade de seremacentuadas, algo que no ocorre na lngua latina.

    Todavia, como destacado no tpico anterior, o exagero desneces-srio do emprego de termos em latim, que muitas vezes possuem sinni-mos claros na lngua portuguesa, servem somente para obscurecer o tex-

    to. Em geral, o uso descomedido dessa lngua pretende disseminar umafalsa cultura, e s resulta no distanciamento entre o profissional do direi-to e o cidado leigo.

    precioso para ns, neste momento, o ditame estabelecido no ci-tado artigo 156 do Cdigo de Processo Civil(BRASIL, 1973) em to-dos os atos e termos do processo, obrigatrio o uso do vernculo. Con-forme o padro da norma culta, vernculo refere-se lngua portuguesa,sendo desnecessrio substitu-la por qualquer outra expresso estrangeiraquando h um equivalente apropriado nacional, que possibilitar uma

    comunicao clara e eficaz.Rodriguez (2004, p. 9) refora essa ideia ao afirmar:

    Revela-se como pobreza de estilo, como falta de conhecimento ou de se-gurana para a utilizao de outros termos de nossa lngua que no somente seexpressam com o mesmo valor, como tambm utilizam uma linguagem maiscorrente e permitem troca por outros termos, sinnimos, que acabam por or-ganizar uma construo textual, no mnimo, de leitura mais fluente.

    Quando as propriedades que manifestam a qualidade textual noso resguardadas, o resultado uma justia mais lenta, indo de encontro

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    aos princpios constitucionais fundados sobre a ideologia da transparn-cia e da igualdade entre os cidados.

    Por fim, vale pontuarmos que o conhecimento obtido pelo opera-dor jurdico nunca demais para a consolidao da sabedoria e a maturi-dade na linguagem, que lhe permite selecionar e expor de forma signifi-cativa os fatos relevantes que compem cada caso concreto.

    4. A linguagem forense como obstculo ao acesso justia

    Comunicar tentar construir uma via de mo dupla entre os su-jeitos de um discurso. Para que haja xito no processo comunicacional,

    aquele que produz o texto deve, alm de buscar se adequar aos atributosque geram sua qualidade, se preocupar em alcanar as demandas do p-blico alvo. No caso do texto produzido com base na linguagem jurdica,o acesso justia o desgnio a ser perquirido. Desta forma, todas as es-

    pcies de barreiras originadas pelos entraves lingusticos devem ser abo-lidas, por resultarem no distanciamento entre o profissional do direito e ocidado comum.

    A linguagem tcnica fundamental para todas as reas de atuaoprofissional. No entanto, deve-se primar pela clareza do texto, visto que

    o juridiqus no resultado do uso dos termos tcnicos, e sim conse-quncia do excesso de formalismo que circunda o meio jurdico; clara-mente notado desde os pronomes de tratamento at os trajes exigidos emambientes forenses. Segundo os ensinamentos de Damio e Henriques(2000, p. 103), tempos atrs, alguns se deleitavam em compor textos ju-rdicos impregnados de termos rebuscados. Hoje, no assim, embora odiscurso jurdico continue tcnico, com as caractersticas do jargo quelhe prprio.

    O direito, de forma corriqueira, vale-se de linguagem normalmen-te inacessvel ao comum da populao, exibindo, via de regra, um textohermtico e incompreensvel. Assim, de pouco ou nada adianta s partesa leitura de alguma pea processual concebida pelo emprego exageradode termos tcnicos, havendo, portanto, claro descumprimento do direito informao estabelecido no artigo 5, XIV, da Constituio Federal(BRASIL, 1988), resultando em excluso social. Os excessos na lingua-gem a afastam de sua funo social primordial, que estabelecer a co-municao coerente.

    Nessaperspectiva, o juridiqus, nas palavras do ministro Edson

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    Vidigal (apudALVARENGA, 2005, p. 2), do Superior Tribunal de Jus-tia, pode ser comparado:

    ao latim em missa, acobertando um mistrio que amplia a distncia entre a f e

    o religioso; do mesmo modo, entre o cidado e a lei. Ou seja, o uso da lingua-gem rebuscada, incompreensvel para a maioria, seria tambm uma maneira dedemonstrao de poder e de manuteno do monoplio do conhecimento.

    Essa relao lingustica de dominao entre o que detm o poderemanado do direito e o cidado comum, considerado como o no versadonas cincias jurdicas, alm de gerar tamanho prejuzo ao acesso justi-a, em detrimento de um essencial sistema igualitrio, resulta na descren-a do Poder Judicirio.

    Aquele que busca o Poder Judicirio para ter a resoluo de umconflito deve ter assegurada a prerrogativa de compreender o desenrolardo processo e sua a deciso.

    O abuso de formalidade demonstrado pelo juridiqus, quetranscende em muito a tecnicalidade necessria a qualquer ramo da cin-cia, alm de desrespeitar a eficcia da comunicao, gera prejuzos incal-culveis tais como: lentido processual, aumento no nmero de recursos,confuses acendidas at mesmo entre os prprios profissionais do direito,em resumo, o declnio da qualidade no acesso justia. Tudo isso origi-

    nado pela falta do atendimento da funo social da linguagem: transmitira mensagem de forma clara e eficaz.

    O acesso justia no significa apenas chegar ao Poder Judicirio,o que muitas vezes j se revela como um obstculo, principalmente paraas camadas mais humildes da sociedade - seja pela falta de defensores

    pblicos em grande parte das cidades brasileiras, seja por advogados quese recusam em atuar por nomeao. O cidado deve ter acesso a uma cul-tura jurdica menos autoritria, quando capaz de compreender a mensa-gem que lhe dirigida.

    Podemos afirmar, portanto, que o mau uso da linguagem jurdicapelos profissionais do direito interfere no devido acesso justia. A es-tratgia a ser observada para aproximao do cidado comum ao univer-so jurdico est na simplificao dessa linguagem, uma vez que o Estadotem o compromisso poltico de dirigir-se diretamente quele que procurasoluo para um caso concreto.

    Os primeiros juzes que solucionavam os conflitos existentes entreos cidados eram escolhidos por seu prestgio social e no por conheci-

    mento tcnico; no entanto, com o passar do tempo, a falta de tcnica e

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    especializao tornou-se algo invivel, tanto que no final do sculo XI eincio do sculo XII, em Bolonha, foram institudas as primeiras escolasde formao de juristas, com o ensino cercado por uma literatura norma-

    tiva prpria. notvel que, nos dias atuais, alguns operadores do direito que

    primam pelo tradicionalismo se oponham a tal simplificao da lingua-gem, como o caso do Mestre Reale (2010, p. 9):

    Cada cientista tem sua maneira prpria de expressar-se, e isto tambmacontece com a jurisprudncia, ou cincia do direito. Os juristas falam umalinguagem prpria e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar, digni-dade que bem poucas cincias podem invocar.

    Essa viso conservadorista do linguajar jurdico est sendo substi-tuda pela forte concepo da necessidade de sua simplificao. Uma vezque a funo social da linguagem no alcanada por textos gerados poruma linguagem jurdica hermtica e rebuscada, necessrio apontarmosuma forma que possibilite o cumprimento do objetivo final da lingua-gem, ou seja, a transmisso compreensvel de uma mensagem que apro-xime o cidado ao Poder Judicirio.

    A proposta de simplificao da linguagem jurdica no tem porobjetivo a supresso de palavras tcnicas necessrias ou o empobreci-

    mento da linguagem utilizada pelos operadores do direito; o real intuitoest em ampliar sua compreenso, que a base para o acesso social jus-tia e o exerccio efetivo da cidadania, fundamento estabelecido j no

    primeiro artigo da Constituio Federal: Art. 1. A Repblica Federativado Brasil tem como fundamentos: I a soberania; II a cidadania.(BRASIL, 1988). No se pode, nesse sentido, falar em cidadania ondefalta uma mnima compreenso lingustica.

    Cientes da relevante proximidade que a linguagem jurdica deveter com as partes que buscam o acesso Justia, diversas instituies tmmovido esforos no sentido de conscientizar os profissionais da rea daimportncia de uma comunicao simples, clara e eficaz. Como o casoda Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), ao lanar uma louv-vel campanha no ano de 2005 pela simplificao da linguagem jurdica,dirigida a operadores, estudantes e faculdades de direito:

    desafiadora a iniciativa da AMB de alterar a cultura lingustica dominante narea do direito. A justia deve ser compreendida em sua atuao por todos eespecialmente por seus destinatrios. Compreendida, torna-se ainda, mais im-

    prescindvel consolidao do Estado Democrtico de direito (ABM, 2007, p.

    4).

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    A iniciativa decorreu, notadamente, por conta de uma pesquisaencomendada para o Ibope, em 2003, a fim de avaliar a opinio da socie-dade sobre o Judicirio, tendo revelado que os grandes fatores de insatis-

    fao do jurisdicionado dizem respeito morosidade da Justia e o usoexagerado de rebuscamento na linguagem jurdica.

    A mesma inteno da busca pela simplificao da linguagem jur-dica, a fim de que sua imposio seja substituda por uma comunicaoeficaz entre o Poder Judicirio e o cidado que dele necessite, pautou oProjeto de Lei nmero 7.448/06 (BRASIL, 2006), de autoria da deputadaMaria do Rosrio com substitutivo do deputado Jos Genono, e com pa-recer de aprovao pela Comisso de Constituio e Justia e de Cidada-nia, visando alterar o artigo 458 do Cdigo de Processo Civil (BRASIL,

    1973), que passaria a adotar a seguinte redao:Art. 458. So requisitos essenciais da sentena:

    IVa reproduo do dispositivo da sentena em linguagem coloquial,sem a utilizao de termos exclusivos da Linguagem tcnico-jurdica e acres-cida das consideraes que a autoridade Judicial entender necessrias, de mo-do que a prestao jurisdicional possa ser plenamente compreendida por qual-quer pessoa do povo.

    1 A utilizao de expresses ou textos em lngua estrangeira deve sersempre acompanhada da respectiva traduo em lngua portuguesa, dispensa-

    da apenas quando se trate de texto ou expresso j integrados tcnica jurdi-ca.

    2 O disposto no inciso IV deste artigo aplica-se exclusivamente aosprocessos com participao de pessoa fsica, quando esta seja diretamente in-teressada na deciso Judicial.

    A importncia da medida explicitada na prpria Justificao doProjeto (BRASIL, 2006, p. 2), redigida pela deputada Maria do Rosrio:

    A exemplo do texto constitucional, cuja tcnica de redao prioriza o usode palavras de conhecimento geral e cuja hermenutica recomenda a opo

    pelo sentido comum, assim tambm deve ser concebida a sentena judicial, jque tanto a Constituio como a sentena no podem ser reduzidas a um textotcnico.[...] Nesse passo, deve-se considerar que o direito, de forma corriquei-ra, utiliza-se de linguagem normalmente inacessvel ao comum da populao,apresentando, no mais das vezes, um texto hermtico e incompreensvel.

    Nesse diapaso de busca pela simplicidade, dita ainda o artigo 2,inciso II, alnea ada Resoluo 79 de 2009 do Conselho Nacional de Jus-tia, ao tratar da divulgao das atividades dos rgos do Poder Judici-rio: informar a populao sobre seus direitos e sobre o funcionamento

    da Justia, em linguagem simples e acessvel.

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    Tais esforos voltados para a simplificao da linguagem jurdicaso de extremada importncia, devido aos notveis prejuzos que sofremos direitos dos jurisdicionados em face da ausncia de clareza na comu-

    nicao, decorrente de um excesso de formalismo da linguagem tcnicaentre o Poder Judicirio e a sociedade leiga. H sempre uma grande per-da em uma produo de linguagem que precisa se impor atravs da foraque as palavras expressam.

    5.

    Consideraes finais

    Ao concluirmos o presente, faz-se necessrio registrarmos que odireito instrumento de controle social que foi criado pela e para a soci-

    edade, com o objetivo de alcanar o bem comum.

    Entendemos que necessrio o uso de termos tcnicos, visto quetodas as profisses tm os seus, e no seria diferente no direito. A tcnicautilizada na redao de peas forenses uma caracterstica dos profissio-nais da rea. No entanto, o presente artigo realiza uma reflexo acerca desituaes em que o excesso no uso desses termos tcnicos causa a nocompreenso plena por parte do seu destinatrio.

    Analisamos que quando no h uma linguagem jurdica simplifi-

    cada, formam-se barreiras ao acesso justia devido ao excesso de vai-dade subjetiva ao se expressar de uma forma que no condiz com a fun-o social da linguagem, confrontado diretamente com a ConstituioFederal, a qual garante a todos os cidados o direito informao e adignidade da pessoa humana.

    Por fim, podemos concluir que o operador do direito deve huma-nizar os textos jurdicos, tornando-os inteligveis a todos, e, principal-mente, aos economicamente desfavorecidos a fim de que o verdadeiro al-

    cance justia seja atingido.

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