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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A CULTURA DO ESTUPRO E O PODER DISCIPLINAR NOS CORPOS
FEMININOS NA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA
Renata Bravo dos Santos1
Elda Coelho de Azevedo Bussinguer2
Resumo: A violência contra a mulher constitui-se um problema persistente, naturalizado e
constituinte das relações sociais, tanto no Brasil quanto no mundo. O estupro, uma de suas mais
nefastas manifestações, ocultado, ao longo da história, pelo silêncio das vítimas e aceitação tácita da
sociedade, começa a ser desvelado pela exposição midiática do horror e barbárie que representa, da
repulsa social que provoca e da ampliação da consciência feminina de que constitui-se uma grave
violação de direitos que deve ser objeto de denúncia, criminalização e formulação de políticas
públicas específicas. A insegurança, psíquica e física, fonte geradora de medo e imobilização de
virem a ser vítimas dessa violência, bem como as consequências dele decorrentes, tais como
gravidez e traumas psicológicos permanentes, que irão acompanhá-las ao longo da vida, tem se
constituído, para as mulheres, fator limitador de liberdades individuais e de fruição de vida digna.
Considerando o processo de construção e modulação social do que seja o corpo feminino e suas
destinações, erigidos em uma sociedade marcada pelo patriarcado, o trabalho busca analisar, a partir
das categorias foucaultianas “poder” e “docilização de corpos”, se é possível falar na existência de
uma cultura do estupro no Brasil ou se ele é um fenômeno de práticas isoladas.
Palavras-chave: Cultura. Estupro. Poder. Docilização. Corpo.
O estupro é um ato sobre o qual pouco se debate abertamente, tamanha a repugnância social.
Ocorre que essa aversão pode ser um fator que oculta muitas questões que devem ser discutidas por
toda a sociedade, justamente para que o estupro possa ser uma conduta cada vez menos praticada
contra meninas e mulheres. Nesse cenário, há discursos recorrentes e vistos como naturais na
sociedade que contribuem para a perpetuação de condutas de violências sobre corpos feminilizados
por indivíduos culturalmente estimulados a se perceberem como ativos, potentes, agressivos e
violentos.
Como demonstração desse cenário turbulento é possível observar manifestações de grande
parte da população brasileira quando algum caso de estupro é noticiado na grande mídia, com clara
conotação de culpabilização das vítimas, afastando-se, dessa forma, a problematização necessária
acerca dessa nefasta conduta que aterroriza meninas e mulheres em todo o país. E mais, imperioso
1 Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de
Direito de Vitória (FDV), integrante do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas, Direito à saúde e
Bioética - BIOGEPE (CNPQ) na mesma instituição. Vitória-ES, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Livre Docente pela Universidade do Rio de Janeiro (UniRio). Doutora em Bioética pela Universidade de Brasília
(UnB). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Editora da Revista
Direitos e Garantias Fundamentais (QUALIS A1). Coordenadora do Grupo do BIOGEPE- Grupo de Estudos, Pesquisa
e Extensão em Políticas Públicas, Direito à saúde e Bioética. Professora Associada aposentada da Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES). Vitória-ES, Brasil. E-mail: [email protected]
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questionar a construção cultural do estupro na sociedade brasileira, uma vez que, segundo dados
oficiais, aproximadamente 70% dos estupros no Brasil são praticados por pessoas conhecidas da
vítima, situação que reclama uma atenção redobrada, ante uma suposta naturalização de tais
condutas em muitos lares.
Nesse sentido, o presente trabalho busca analisar se é possível falar na existência de uma
cultura do estupro no Brasil, a partir da produção de corpos femininos dóceis, assim como da
criação do imaginário social de poder e controle masculino sobre tais corpos, ambos cultivados pela
e na sociedade patriarcal.
A construção cultural do macho e do estupro
Marilena Chaui (2008, p. 55) aponta que o termo “cultura” em sua origem do latim significa
cultivo e cuidado, ou seja, “uma ação que conduz à plena realização das potencialidades de alguma
coisa ou de alguém; era fazer brotar, frutificar, florescer e cobrir de benefícios.”. A partir dessa
simples definição, claramente não se pode atribuir esse conceito ao que se busca tratar no presente
trabalho, ou seja, à cultura do estupro, eis que esta última expressão carrega uma carga negativa
completamente contrária ao que se entendia por cultura na sua origem.
Na mesma análise (Chaui, 2008), demonstra como o conceito de cultura foi mudando ao
longo da história, sendo a cultura entendida como sinônimo de civilização, de progresso, depois
passando a ter dividida sua análise entre cultura formal e cultura popular, dentre tantas outras
apreciações possíveis. Ocorre que o que se busca no presente estudo é analisar a possibilidade de
enxergar a cultura não apenas como um ato benéfico e positivo, considerado apenas a partir de
termos, dados e conceitos racionais, mas também como uma expressão da sociedade capaz de
moldar os indivíduos, suas ações e pensamentos de forma prejudicial a eles mesmos e às outras
pessoas com as quais convivem.
Fernando Azevedo (1994, p. 11), entende que “A cultura [...] não só reflete as idéias
dominantes em cada uma das fases de sua evolução histórica, e na civilização de cuja vida êle
participa, como mergulha no domínio obscuro e fecundo em que se elabora a consciência
nacional.”, o que demonstra a íntima relação entre a cultura e a consciência criada. Nesse sentido,
importante também é o conceito de cultura trazido por Rita Segato (2010, p. 141), de que seria um
conjunto de fatores que programam as pessoas e, da mesma forma, podem desprogramar, como se
fossem chips.
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Assim, busca-se compreender a construção cultural do macho, do homem viril, potente e
ativo. Tal análise de construção dos papéis atribuídos aos indivíduos passou a ser difundida
claramente com Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo (1949), especialmente com a
mundialmente conhecida frase “Não se nasce mulher; torna-se mulher”, o que, a partir da outra
face, também se aplica ao homem, ou seja, pode-se afirmar que não se nasce homem com todas as
características ditas masculinas, mas há um aprendizado cultural de muitas características, posturas,
e do modo de viver masculino.
Por tais razões é possível falar na existência de uma cultura do estupro do Brasil, a partir da
construção da cultura do macho, fruto das subjetividades atribuídas ao masculino pela sociedade. A
masculinidade, segundo Rita Segato (2010, p. 37), é uma identidade relacionada a um status que
envolve e confunde o poder sexual, o poder social e o poder de morte, sendo que os homens, a partir
da sua cultura, aprendem desde crianças a se definirem com necessidade de controlar.
Nesse cenário, desde cedo a sociedade passa a tratar meninas e meninos de forma diferente,
atribuindo valores e desafios diferentes para cada um, diferenciações sustentadas em razão do sexo,
o que é feito de uma forma bastante naturalizada, a fim de criar na sociedade a cultura de que
homens e mulheres, em razão de suas diferenças biológicas, possuem comportamentos e
características sociais diferentes. Constrói-se, então, a ideia de que os meninos – e,
consequentemente, os homens – são mais fortes, mais práticos, menos emocionais, menos cuidados,
mais violentos e impulsivos (e tudo isso é retirado arbitrariamente das características femininas).
Sendo assim, acredita-se, culturalmente, que o homem não consegue controlar seus
impulsos, especialmente os sexuais, sendo uma das justificativas para a prática de estupros.
Todavia, isso não se apresenta como uma questão natural, mas sim naturalizada na sociedade,
construída culturalmente. Destarte, da mesma forma como é construída, necessário se faz pensar no
movimento contrário de desconstrução desse imaginário social.
Na década de 1970 surge, nos Estados Unidos, o termo “cultura do estupro”, destacando a
feminista Susan Brownmiller, que “sustenta que o estupro é um mecanismo de controle
historicamente difundido, mas amplamente ignorado, mantido por instituições patriarcais e relações
sociais que reforçam a dominação masculina e a subjugação feminina” (Vito; Gill; Short, 2009).
Em 2016, no Brasil o termo voltou à tona, com grande repercussão, a partir do
conhecimento de um caso de estupro coletivo de uma adolescente de dezesseis anos que, além de
ter sido violentada sexualmente, teve vídeos gravados e divulgados nas redes sociais em todo o
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País3. Criou-se, então, uma rede de apoio de movimentos sociais, encorajando as pessoas a falarem
sobre o tema, a denunciarem, a não terem vergonha, tudo com o escopo de romper com o ciclo
vicioso da cultura do estupro.
Falar na cultura do estupro no Brasil não significa que haja uma força conjunta da sociedade
que, deliberadamente, se une para que o estupro seja visto como uma situação normal e tolerável. A
cultura existe e se mostra perfeitamente presente quando, por exemplo, em uma pesquisa realizada
pelo IPEA em abril de 2014, denominada “Tolerância social à violência contra as mulheres”, 58,5%
dos entrevistados concordaram que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos
estupros”, assim como 26% dos entrevistados concordaram com a afirmação de que “mulheres que
usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. (IPEA, 2014, p. 23).
Como afirmado, o que ocorre é a criação de uma cultura na qual acredita-se que o homem é
o viril, ativo, potente, macho e, de outro lado, a mulher é quem deve se comportar, se manter no
espaço privado, se portar para que o homem não tenha o seu “instinto” de macho aflorado. Nessa
linha, Rita Segato (2010, p. 34) destaca o estudo feito por Menachen Amir, em 1971, em que este
aponta a existência de uma subcultura de homens violadores, afirmando que os violadores estão
inseridos em grupos sociais com valores, condutas e normas compartilhadas, não agindo de forma
totalmente individualizada.
Tem-se, assim, que a virilidade, vista pela sociedade como um poder viril natural e
inevitável, está fundada “em um ideal de força física, firmeza moral e de potência sexual
profundamente enraizado na cultura, na linguagem, nas imagens e nos comportamentos que
inspiram e instruem.” (Müller, 2013, p. 301). Esse ideal, portanto, cria e mantém desigualdades
entre homens e mulheres, sendo salutar a desconstrução de tal concepção para uma sociedade
igualitária na medida de suas diferenças, o que se busca em um Estado Democrático de Direito,
sustentado pela observância dos direitos humanos e fundamentais de todos os cidadãos.
A docilização dos corpos feminilizados e a cultura do estupro
Muitas vezes, a apropriação do corpo feminino não é percebida como um delito (Segato,
2010, p. 29). Essa constatação serve de partida para a compreensão de como se percebe e prática do
estupro e como são vistos os corpos feminilizados na sociedade patriarcal brasileira.
3 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/vitima-de-estupro-coletivo-no-rio-conta-que-
acordou-dopada-e-nua.html>. Acesso em: 19 maio 2017
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A utilização do termo “feminilizado” se dá em razão de não se tratar de violação apenas com
relação às mulheres, mas a todas as pessoas que são colocadas em uma posição feminina pela
sociedade ou por parte dela, como acontece com os estupros praticados no universo carcerário, por
homens contra homens, em que
[...] o abuso apresenta-se como um operador hierárquico que ao mesmo tempo sustenta e
gera a divisão homófoba entre homens, e sobretudo entre os chefões, cuja virilidade é
irrefutável, e outros detentos estigmatizados como ‘sub-homens’, entre eles os
homossexuais e todos os que apresentam sinais de fraqueza ou que são vistos como
‘efeminados’ e considerados passíveis de abusos. (WELZER-LANG, 2004, p. 118).
A partir dos discursos dos próprios violadores dos corpos feminilizados, Rita Segato (2010,
p. 31-33) extraiu três formas para explicar a razão da prática do estupro, sendo a primeira de que o
ato significa um castigo ou uma vingança contra qualquer mulher que saia do seu lugar de
subordinação. Já a segunda denota que é um ato de agressão ou enfrentamento contra outro homem,
sendo a violência uma maneira do homem retomar sua propriedade e seu poder, e a terceira é uma
demonstração de força e virilidade perante uma comunidade de pares, ou seja, o homem pratica o
ato para garantir e preservar entre outros homens que ele tem competência sexual e força física.
Essas três maneiras de enxergar o estupro levam à conclusão de que a conduta não é um ato
isolado e particular de um homem contra uma mulher, mas sim que faz parte de um aprendizado a
partir da socialização desse homem, a partir da estrutura de diferença de gêneros, reforçada pelas
exigências que essa diferença cria para o homem se identifique como pertencente ao masculino
(Segato, 2010, p. 36).
Dando alicerce a esse cenário está o patriarcado, um conjunto de relações sociais, dentro do
qual há hierarquia e solidariedade entre os homens, sendo esta última fundamental para que eles
controlem as mulheres (Hartmann, 1976, p. 138). Nesse sentido, existe, pois, a construção cultural
de uma
[...] analogia entre ato sexual imposto e ato sexual que resulta do encontro das vontades dos
parceiros. É cultural e dominante a idéia de que o “não” da mulher faz parte de um ritual de
sedução. A concepção de sexualidade dominante de longa duração inscreve um jogo
cultural que já é perverso, um jogo cultural em que o corpo feminino aparece como
sacrificial. (MACHADO, 2004, p. 43).
Sustenta Michelle Perrot (2015, p. 76) que “corpo desejado, o corpo das mulheres é também,
no curso da história, um corpo dominado, subjugado, muitas vezes roubado, em sua própria
sexualidade”. Nessa linha, Michel Foucault (2014, p. 134), ao tratar sobre a docilização de corpos,
aponta que “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser
transformado e aperfeiçoado.”. Ambas as constatações acerca do corpo estão intimamente
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relacionadas com a cultura, eis que, como dito, significa um conjunto de ideias que cria a
consciência e o imaginário social, programando as pessoas a agirem de determinadas formas.
Nesse sentido, a cultura que cria o homem como um macho viril, potente e ativo e que
precisa demonstrar e reafirmar isso a todo momento, é a mesma cultura que constrói os corpos
feminilizados como dóceis. Assim, em atos de violência sexual, entende-se que
[...] contrariando a vontade da mulher, o homem mantém com ela relações sexuais,
provando, assim, sua capacidade de submeter a outra parte, ou seja, aquela que, segundo a
ideologia dominante, não tem direito de desejar, não tem direito de escolha. (SAFFIOTI,
1987, p. 18).
Sendo assim, “o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem
limitações, proibições ou obrigações” (Foucault, 2014, p. 134), que, para os corpos feminilizados
significa que devem se portar de acordo com as regras socialmente impostas, não devendo
frequentar lugares que criem a possibilidade de serem violentados e, acima de tudo, devem sempre
servir ao indivíduo poderoso, aquele que exerce sempre o poder sobre os outros corpos dominados,
ou seja, os corpos feminilizados devem estar sempre à disposição do exercício do poder do macho.
Destaca Foucault (2015, p. 369) que o poder não existe como algo determinado e acabado,
mas sim deve ser entendido como “um feixe de relações”. Relacionando isso com a cultura do
estupro, percebe-se que tanto o poder quanto a cultura do estupro são fruto de relações, de
construções, sendo móveis e, via de consequência, podendo ser construídas e desconstruídas.
Ademais, Foucault (2015, p. 239) sustenta que o poder não merece ser visto apenas como negativo,
eis que é capaz de produzir o saber, sendo “a partir de um poder sobre o corpo que foi possível um
saber fisiológico, orgânico.”. Isso não significa que se defende a existência de um lado positivo do
poder exercido pelos sujeitos masculinos sobre os sujeitos feminilizados; pelo contrário, acredita-se
ser imprescindível questionar esse poder para que floresça na sociedade um saber sobre as
desigualdades suportadas pelas meninas, mulheres e todas as pessoas colocadas em uma posição
feminilizada.
Portanto, é a partir da percepção do corpo feminilizado como dócil e controlado pelo macho
que se faz possível a construção do saber sobre tais corpos, sobre o ideário social existente acerca
dos mesmos e sobre a cultura do estupro. É com essa linha de percepção e discussão que se faz
possível sustentar a existência da cultura do estupro na sociedade patriarcal brasileira, sendo
imperiosa a necessidade de romper e mudar tal cultura.
Considerações finais
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A cultura possui diversos significados, conceitos e definições, podendo ser entendido como
aquilo que faz prosperar, ou como sendo um conjunto de ideias, fatores e mecanismos de
construção de um imaginário individual e social, com consequências positivas e negativas para os
indivíduos e para a sociedade. Nesse ponto, a cultura do estupro é construída a partir da criação de
desigualdades entre o masculino e o feminino, em que os sujeitos masculinos se sentem obrigados a
violar os corpos feminilizados, seja para puni-los quando deixam de exercer seus papeis
subordinados, seja para garantirem a sua propriedade com relação a outro sujeito masculino, ou,
ainda, seja para manter seu status de macho na sociedade, reafirmando sua virilidade perante os
demais machos.
Assim, para que esses sujeitos masculinos continuem exercendo seu poder e seu controle, é
preciso de forma concomitante que seja construída a ideia de que os corpos feminilizados são
dóceis, objetificados e sempre dispostos ao exercício do poder masculino. Todo esse imaginário é
fundante da cultura do estupro na sociedade brasileira, sendo imprescindível romper com tal ciclo, o
que é plenamente possível, a partir da retirada do assunto da invisibilidade, criando-se um saber
sobre o mesmo e, da mesma forma como a cultura se traduz em mecanismos que programam as
pessoas para agirem ou deixarem de agir de determinada maneira, esses mesmos mecanismos
podem ser retirados para que a pessoa feminilizada possa fruir sua liberdade, sem controle e poder
sobre seu corpo e sua vida, bem como para que os sujeitos masculinos não acreditem que tenham a
obrigação de violarem os corpos feminilizados.
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In: Masculinidades. Org: Mônica Raisa Schpun. São Paulo: Boitempo Editorial; Santa Cruz do Sul:
Ednuisc, 2004.
THE RAPE CULTURE AND THE DISCIPLINARY POWER IN FEMALE BODIES ON
FOUCAULT’S PERSPECTIVE
Violence against women is a persistent, naturalized and constituent problem of social relations, in
Brazil and the world. Rape, one of its most nefarious manifestations, hidden throughout history by
the silence of the victims and tacit acceptance of society, begins to be revealed by the media
exposure of the horror and barbarism that it represents, the social repugnance and the increased
female awareness that it constitutes a violation of rights that must be denounced, criminalized and
formulated specific public policies. The insecurity, psychic and physical, the source of fear and
immobilization of becoming victims of this violence, as well as the consequences thereof, such as
pregnancy and permanent psychological trauma, which will accompany them throughout life, has
been constituted, for women, a limiting factor of individual freedoms and fruition of a dignified life.
Considering the process of social construction and modulation of whatever the female body and its
destinations, raised in a patriarchal society, this study seeks to analyze, from Michel Foucault’s
categories "power" and "docilization of bodies", if it is possible to assert that exist a rape culture in
Brazil or if it is a phenomenon of isolated practices.
Keywords: Culture. Rape. Power. Docilization. Body.