AUTOCONCEITO MASCULINO E VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NA ADOLESCÊNCIA1
Nathalia Dourado2
Adelma Pimentel3
RESUMOO adolescente e o jovem, para a configuração da identidade própria, vivenciam situações em que a revolta e a transgressão são características constantes e o autoconceito um elemento importante para o desenvolvimento emocional do mesmo, tornando-o objeto de vários estudos. O trabalho tem por objetivo entender se o autoconceito influencia no comportamento do adolescente quando em situação de violência psicológica. A pesquisa foi feita no período de setembro a novembro de 2009, com 17 adolescentes de 12 a 18 anos, do sexo masculino, no SENAI de Belém – PA. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi entregue e a pesquisa realizada em sala de aula com a aplicação de um formulário que propunha rememorar a infância (analisando quatro dimensões do autoconceito: autonomia, autoconfiança, evolução física e mundo social escolar). Acerca do conceito de masculinidade podemos considerar que os dados apontam as características que integram a matriz moderna. A autonomia, considerada núcleo do autoconceito, foi a dimensão menos colocada. Todos adolescentes estudados argumentaram que a escola (local escolhido para a pesquisa) tem papel fundamental na formação de seu autoconceito. Sobre as indicações de violência psicológica ponderamos que os comportamentos observados nos adolescentes durante a coleta de dados sugerem a presença da mesma. Assim, é necessário novas pesquisas modificando, talvez, o local das futuras entrevistas (não mais na escola para que o adolescente possa sentir-se mais à vontade). Saber dessa relação nos revela a necessidade de um conhecimento mais amplo para uma intervenção efetiva entre os adolescentes escolares. Pelo fato da violência psicológica ser um fenômeno velado, que só mostra as conseqüências para os que não estão participando, é imperioso que haja mais pesquisas nesta área, para profissionais da educação juntamente com os cuidadores dos adolescentes reconheçam esse processo e tentem encontrar alternativas para este problema que traz graves implicações psicológicas e cognitivas para esses adolescentes.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescência, Autoconceito, Masculinidade, Violência Psicológica
ABSTRACTTeenager and young people, for the configuration of its own identity, experience situations in which revolt and transgression are constant characteristics and the self-concept turns to be an important element in their emotional development, making it the subject of several studies. The study aims to understand whether the self-concept influences on adolescent behavior when in situations of psychological violence. The survey was conducted during september-november 2009, with 17 12-18 year-old adolescents, male, in SENAI, Belém - PA. The Deed of Consent was delivered and the research was conducted in a classroom with the implementation of a proposed form that intended to recall childhood (analyzing four dimensions of self-concept: autonomy, self-confidence, physical development and social world at school). About the concept of masculinity we can assume that the data show the characteristics that make up the modern matrix. Autonomy, considered the core
1 Artigo referente a pesquisa de iniciação científica 2 Bolsista CNPq, curso de psicologia da UFPA3 PHD em psicologia, Orientadora
of self-concept scale, was less attached. All adolescents in this study argued that the school (site chosen for the research) has a fundamental role in the construction of their self-concept. About the signs of psychological violence, we ponder that the observed behaviors in the adolescents during the data collection suggest the presence of it. Therefore, further researches are important, modifying, perhaps, the site of future interviews (no longer the school, so the teenagers can feel more comfortable). Knowing this relationship reveals the need for a broader knowledge for an effective intervention among adolescent students. Because the psychological violence is a hidden phenomenon, which only shows the consequences for those who are not participating, it is imperative that there are further researches so education professionals together with the adolescents' caregivers can recognize this process and try to find alternatives to this problem that has serious implications for the adolescent's psychological and cognitive health.
KEY-WORDS: Adolescente, Self-concept, Masculinity, Psychological Violence
A pesquisa qualitativa que realizamos ao longo de 2009 e 2010, período de
participação na iniciação científica, procurou explorar, em geral, a compreensão do
autoconceito adolescente de escolares de uma escola profissionalizante, o SENAI / PA, e,
particularmente, alguns aspectos de uma possível relação entre esse autoconceito e
violência psicológica.
O texto contém ponderações sobre a adolescência, um período descrito como
momento em que o corpo entra num complexo processo de transformação, o que acarreta
um posicionamento do indivíduo perante essas mudanças, reestruturando seu modo de
se ver e de ver o mundo. Knobel (citado por CRUZ, 2008, p.03) entende esse período
como uma
Etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objetoparentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece (...).
Lopes da Silva (2009) avalia que o autoconceito passou a ser estudado pela
importância que ele tem no desenvolvimento do indivíduo em diferentes contextos de sua
vida e que ele não é consensual. Chan (2000, citado por MAGALHÃES, 2006) também
chama a atenção para o fato de que o autoconceito tem sido considerado um elemento
importante para o desenvolvimento emocional do adolescente, tornando este elemento
objeto de vários estudos, como o de Adriana Giavoni e Álvaro Tamayo (Inventário
Masculino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito, 2003), Terezinha Camargo
Magalhães (Quem Sou Eu? O Adolescente e Seu Olhar Sobre Si Mesmo, 2006) e Aurélio
Villa Sanchéz (Medição do Autoconceito, 1999)4.4 O primeiro autor a publicar sobre o assunto foi William James, em 1890, que falava sobre um eu subjetivo, existencial, e um eu objetivo, empírico, o qual poderia ser estudado – composto por um
Considerando pesquisas sobre a violência, Fante (2005, citado por PEREIRA,
2009) percebe a violência como uma atitude consciente ou não, que magoa, constrange,
humilha e causa qualquer dano a alguém. Pereira (2009) ainda cita alguns fatores que
propiciam um comportamento violento, como impulsividade, problema de atenção, baixa
inteligência e desempenho escolar deficiente. Há vários estudos apontando uma relação
entre a personalidade e a violência praticada por uma pessoa, como Brennan et al (1993),
Klinteberg et al (1993) e Farrington (1998).
Outros estudos também sugerem relação da violência psicológica com, fatores
como a negligência dos pais, a falta de limites, baixa renda familiar, moradia precária,
desemprego, drogas e violência doméstica (PEREIRA 2009; PINHEIRO 2006).
Pereira (2009) sugere que pode ocorrer violência em quaisquer lugares em que
haja relação interpessoal, como o clube, a praça, a escola. E a mais preocupante, em
nossa avaliação, é a violência praticada na escola, pois os adolescentes , ainda, não tem
suportes psicológicos e sociais suficientes para lidar com este fenômeno.
A pesquisa feita na Escola técnica SENAI nos forneceu alguns elementos
importantes para a corroboração desses estudos, a partir do momento em que as
pesquisadoras presenciaram episódios de xingamentos e intimidações entre os
estudantes.
Para responderem ao questionário, eles demoraram por causa da pressão a que
foram submetidos por seus pares, por exemplo, jogar bolinhas de papel, chamar uns aos
outros de “mariquinhas” e de se afastar de um dos membros da turma porque ele estava
cheirando mal.
É importante ressaltar que o colega excluído pelo grupo relatou no seu questionário
que ele sempre teve muita dificuldade de se relacionar, que nunca teve muitos amigos,
que as pessoas gostavam de “brincar” com ele.
Muitos autores que abordam o tema, afirmam que a adolescência é um período de
diferenciação das outras fases, de abandono da infância e entrada na vida adulta,
constituindo uma fase de estruturação de identidade. No entanto, (CRUZ, 2008, p.08) não
compartilha dessa visão tradicional, pronunciando que ela “não incorpora o entendimento
de que a adolescência possa ser um fenômeno processual, condicionado aos aspectos
sócio-econômico-cultural no qual o sujeito está inserido”.
ADOLESCÊNCIA, AUTOCONCEITO E MASCULINIDADE
eu material, espiritual e social.
A adolescência e a juventude5 correspondem a 29% da população mundial, e 80%
deles habita nos países em desenvolvimento, como o Brasil. São cerca de 21 milhões de
pessoas com idade entre 12 e 18 anos que vivem no nosso país, podendo-se considerar,
então, que em cada oito pessoas, uma é adolescente.
No Brasil, a referência legal é o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, (Lei nº
8069 de 13.07.1990. No Art. 2º, são caracterizadas as pessoas situadas entre 12 anos
completos até 18 anos de idade. O ECA agregou a concepção de saúde aos direitos
assegurados do adolescente6, fomentando juntamente com o Programa de Saúde do
Adolescente – PROSAD/MS – 19897, a elaboração de políticas públicas principalmente na
área de Seguridade Social (saúde, assistência e previdência).
Os adolescentes desenvolvem códigos comuns ao seu grupo, como uma
linguagem própria e assim, se legitimam enquanto aliança se diferenciando dos outros
grupos.
Os jovens, contestadores por natureza e sensíveis qualquer oportunidade de mudança, procuram então subverter a fala, criando novas expressões e novos usos para expressões já conhecidas. Assim, escapam da previsibilidade da língua (LEVISKY, 2001, p. 113).
A adolescência é uma categoria derivada da idade moderna, pensada e construída
pela psicologia do desenvolvimento em matizes ou perspectivas evolucionistas,
interacionistas e sistêmicas.
Comumente, os pensadores caracterizam-na, dentre outras coisas, pelas
transformações corporais e psíquicas, em que o indivíduo “perde” os antigos referenciais
da infância e percebe uma distância entre o que ele era o que ele é e o que ele deve se
tornar.
A inserção social e a ampliação das interações contribuem para a incorporação de
novos valores, isto é, o adolescente deixa os ideais dos pais e busca os seus próprios,
voltando-se para o mundo social e, assim, desenvolvendo uma necessidade de novos
olhares sobre si. Esse imperativo desencadeia uma busca de uma imagem de si numa
outra pessoa, que essa outra pessoa “reflita” como um espelho, a imagem que o
5 Termos incorporados dos estudos sociológicos e psicológicos, sendo a Adolescência, o termo utilizado pela Psicologia.6 O Art. 7º postula “Do Direito À Vida e À Saúde: A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”7 O PROSAD foi criado em 1989, baseado numa concepção de promoção à saúde, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação, aumentando os níveis de saúde integral da população adolescente. Atualmente, ele está instalado nos 27 estados nacionais. Para mais informações: http://www.uff.br/disicamep/prosad.htm
adolescente tem de si mesmo. Isso faz com que exista menos possibilidades de
individualização e “acolhimento das diferenças” (COUTINHO et al., 2004).
Durante a adolescência, de acordo com Cruz (2008), o jovem ocupa um lugar
“vazio”, pois ele não é mais criança, e também ainda não é adulto. É como se ele vivesse
uma realidade que não o acolhe por completo. E, esta indefinição pode provocar
inquietação e perturbações psicológicas.
A família8 é imprescindível no acompanhamento do processo de
individualização, uma vez que é uma das instituições responsáveis pelo processo de
socialização primária do indivíduo, que possibilitam a internalização de regras e normas
da sociedade pelo adolescente, desenvolvendo nele comportamento mais (ou menos)
adaptativos e aquisição de autonomia (HUTZ, 2002).
As relações com os pais, de acordo com Coutinho et al (2004) vão sendo
substituídas pelas relações do ambiente social, da comunidade na qual o jovem passa a
interagir de maneira mais concreta (a famosa “tribo” da qual o adolescente costuma fazer
parte, um grupo de identificação).
Tratar o tema adolescência requer atentarmos tanto para o desenvolvimento social
quanto para o emocional e o biológico, sendo que um aspecto interfere no outro,
formando uma rede.
A problematização da identidade do adolescente requer, ainda, análise dos
processos de subjetivação (da amplitude temática compreendida nos processos,
recortamos o autoconceito masculino).
Erikson (1987) articula que é na adolescência que o indivíduo estrutura seu
autoconceito, que ele forma sua identidade, que constrói elementos para se avaliar e
avaliar o outro, para que ele se entenda e para que os outros o entendam.
No âmbito da psicologia, o autoconceito pode ser considerado como uma das
formas de estudar o comportamento humano, já que está correlacionado com motivação,
saúde mental, bem-estar psicológico e comportamento social, (HAY, ASHMEN &
BALLINGER, 2000, citados por MAGALHÃES, 2006). O autoconceito vincula-se ao
desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo (nesse caso, do adolescente), sendo seu
estudo de grande importância acadêmica e social, uma vez que o comportamento do
indivíduo é resultado, dentre outras coisas, desta interação. Este autoconceito constitui
um dos núcleos da personalidade e da existência, na medida em que vai influenciar os
8 Entendemos o termo família constituindo vários modelos de arranjos familiares, além do modelo nuclear, como família chefiada por um homem sem esposa, por uma mulher sem marido, com vários ou nenhum irmão, família chefiada por uma tia etc, tomando como referência o estudo de Montali sobre arranjos familiares, na cidade de São Paulo (1990).
pensamentos, os sentimentos e os comportamentos dos indivíduos (ROSEMBERG, 1965,
cit in, 2005, citada por LOPES DA SILVA, 2009).
A importância do autoconceito está relacionada com um maior bem-estar ao nível
psicológico e com uma melhor qualidade de vida dos mesmos, sendo essencial
desenvolver o autoconceito como forma de promover a realização dos indivíduos em
diferentes contextos da vida (LOPES DA SILVA, 2009).
O autoconceito é o que o indivíduo pensa de si mesmo, o que ele acha que os
outros pensam dele; o reflexo da avaliação das pessoas com as quais ele interage em
relação a si próprio. O que a pessoa pensa de si reflete na sua maneira de agir consigo e
com os outros, relacionada, é claro, aos valores e normas existentes em sua cultura
(MAGALHÃES, 2006). Segundo Faria (2005), o autoconceito, se constitui
processualmente a partir da influência das experiências da pessoa, em vários contextos
de sua vida, como o contexto social, escolar e desportivo, como exemplos. Peixoto (2004)
converge sua opinião à de Faria (2005), neste sentido:
O autoconceito resulta da qualidade do funcionamento familiar, ou seja, um bom relacionamento familiar possibilita o desenvolvimento de sentimentos de competência e de valor, isto é, uma auto-estima positiva (Peixoto, 2004, citado por Lopes da Silva, 2009, p. 13).
Estudos de Magalhães (2006) sugerem uma diferenciação do autoconceito em
relação ao gênero. A autora coloca que o gênero masculino tende a ter um índice de
autoconceito mais elevado quando da habilidade física e menos elevado quando do
relacionamento social escolar do que o gênero feminino. Mas a autora salienta que tais
estudos ainda são relativamente inconsistentes e controversos; servem para sugerir
dados e não comprová-los.
O uso de força física e a intimidação provocada mais por garotos do que garotas
(Pinheiro, 2006) e o nível de autoconceito pouco elevado dos garotos no ambiente social
e escolar foram elementos fundamentais na escolha desse público para esta pesquisa.
Percebemos a questão do gênero fortemente imbricada na violência psicológica, sendo
necessário problematizarmos sobre esse assunto numa tentativa de melhor compreensão
do autoconceito masculino relacionado à violência psicológica.
Para Souza (2005), há diferenças na construção social do que é ser homem e do
que é ser mulher. A concepção de ser homem “tem sido hegemonicamente associada a
um conjunto de idéias e práticas que identificam essa identidade à virilidade, à força e ao
poder advindos da própria constituição biológica sexual” (SOUZA, 2005). Silvio de
Almeida Carvalho Filho, em seu artigo A Masculinidade em Connell: os mecanismos de
pensamento articuladores de sua abordagem teórica, afirma:
Connell vê a masculinidade como um gênero em perfeita tradição com as feministas americanas que, ao criarem o conceito, desejavam insistir em uma qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo, repulsando o determinismo biológico implícito no emprego dos termos, tais como “sexo” ou “diferença sexual”.(Carvalho Filho, 2008, pp. 1-7)
Pedro Paulo de Oliveira, em A Construção Social da Masculinidade (2004), propõe
que a masculinidade dá satisfação existencial àqueles que acreditam que estão
participando dela, por meio de suas “condutas e práticas identificadas socialmente como
masculinas, mesmo que para isto tenham que suportar duras provas e perigosas
experiências” (OLIVEIRA, 2004, p. 248).
Portella (2004) fala que um estudo realizado em Pernambuco, os homens
entendem que são detentores do poder, da autoridade e que sabem quando as pessoas
estão ou não erradaa, e que em alguns casos, é inevitável o uso da violência. O discurso
da violência está presente no cotidiano desses homens, como uma forma culturalmente
legitimada e naturalizada de resolver os conflitos, como prova de virilidade (ou seja, de
masculinidade).
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA PRATICADA E VIVENCIADA NA ESCOLA
Para entender a dinâmica da violência praticada e vivenciada pelo adolescente,
recortamos a dimensão da violência psicológica – nosso foco permanente de estudos.
Entretanto, não podemos deixar de mencionar que a revisão de literatura aponta cada vez
mais A divulgação de casos de adolescentes que praticam e sofrem bullying, síntese de
comportamentos violentos.
Bullying é uma nomenclatura derivada das pesquisas sobre uma violência sutil,
que acontece de forma velada, podendo ser física, psicológica ou sexual, causando
conseqüências no sujeito que ainda não foram fortemente estudadas, mas que são
extremamente prejudiciais.
Para Lopes Neto (2005, p. 165, citado por Pereira, 2009, p. 30), o bullying
Compreende todas as atividades agressivas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outros, causado dor e angústia, sendo executados dentro de uma relação desigual de poder. Essa assimetria de poder associada ao bullying
pode ser conseqüente da diferença de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional ou do maior apoio dos demais estudantes.
Estudar a violência na escola, requer entendê-la de modo integrado, isto é, pensar
a lógica dos processos exteriores à escola e do exercício na escola de segregação,
negação da cultura do adolescente e de suas reivindicações, estigmatizações (ROCHEX,
2003).
Esta demarcação permite-nos transcender a lógica de atribuir individualmente ao
adolescente toda responsabilidade pelos atos violentos, considerando-os patologias
genéticas.
A violência já é um grave problema de saúde pública, representando uma das
principais causas de mortalidade no período da juventude. São várias as formas em que a
violência se apresenta, podendo ser citadas a privada, a sexual, a física e a psicológica,
por exemplo. No entanto, alguns autores consideram a violência psicológica relacionada a
todos os outros tipos de violência.
Os estudos sobre esse tema são poucos e seus efeitos também pouco conhecidos
(ARAÚJO & MATIOLLI, 2004). A Organização Mundial de Saúde, em 2002, publicou um
relatório mundial sobre saúde e violência que discute a violência como prioridade na área
de saúde pública e categorizou a violência em três grupos: auto-infligida, interpessoal e
coletiva, além de classificar em relação a sua natureza, que pode ser sexual, física,
psicológica, ou por privação e negligência (CAPITÃO & ROMARO, 2007).
A violência psicológica não deixa sinais físicos, visíveis, palpáveis. Ela admite
indicadores talvez mais sérios e irreversíveis associados às relações de poder, opressão,
educação, identidade, subjetividade, agressividade etc (ARAÚJO & MATIOLLI, 2004). E a
pessoa que sofre esse tipo de violência pode ter seu comportamento alterado
A vivência de situações adversas desencadeia nos indivíduos diferentes respostas, algumas adaptativas, outras q os expõem a riscos ainda maiores. O comportamento dos sujeitos perante esses eventos depende de sua vulnerabilidade (Hutz, 2002, p.10).
Nossa reflexão fenomenológica hermenêutica ancora-se na identificação da
experiência dos sujeitos que participaram da coleta de dados. Entendemos que as
vivências das pressões sofridas pelo adolescente para reconfigurar a identidade infantil
exigem a adoção de posturas proativas e assertivas; entretanto, o rompimento da fronteira
entre a assertividade e a adoção da ação violenta visando a integração nas turmas e não
sucumbir às influências dos grupos de pares nos ambientes nos quais transitam: escola,
rua, praças, festas etc, é um fantasma constante.
Na escola, a violência é de ordem simbólica e física. Soeiro (2003) afirma que,
Para grande parte dos jovens, há duas escolas: a escola dos intervalos, do grupo de amigos, dos torneios de futebol ou até dos debates e a escola das aulas, do conselho executivo, dos professores, dos amigos momentaneamente transformados em adversários na corrida do sucesso... Estas escolas não costumam coincidir. (...) Nestas duas escolas há violências, mas elas são diferentes: na primeira são os betos que não namoram com os dreads e que fazem inveja aos gunas pelos telemóveis topo de gama que têm; são os gunas que roubam os telemóveis dos betos e que se riem deles se fazem os trabalhos de casa... na segunda, a violência é ouvir os professores chamarem-nos de burros, é uma nota injusta e uma prepotência de quem tem o poder (pp.31-32)
Os estudantes que participaram da pesquisa também demonstraram este duplo
sentido da escola enquanto respondiam ao questionário. Eles riam muito e diziam que era
pra todos demorarem a responder para que a aula fosse postergada até o horário do
intervalo, diziam que as pesquisadoras deveriam ir todo dia na escola aplicar o
questionário para que eles ficassem sem aulas. Eles também apontavam diferenças entre
si, era nítida a formação de determinados grupos, uns “brincando” com os outros, falando
que alguns não poderiam responder o questionário, pois não sabiam escrever, ou por não
terem memória ou até mesmo não terem infância para recordar.
Eram comuns falas como estas,
Esse menino aqui é lá da baixada, os mano que rouba os outro é tudo aliança
dele, ele não vai querer falar do mundo dele não” [sic], ou “ele tem vergonha de falar
como ele era quando criança, olha como ele continua feio”,
Retomando a revisão sobre o autoconceito para tecer as possíveis relações com a
prática da violência psicológica, apresentamos mais algumas pesquisas. Trzesniewski
(citado por MAGALHÃES, 2006), sugere que adolescentes que possuem baixo
autoconceito apresentam mais doenças físicas e têm um índice mais alto de
comportamento criminoso do que adolescentes com autoconceito elevado.
Desde o primeiro contato com os adolescentes, na apresentação da pesquisa e
entrega do TCLE9, as pesquisadoras participaram observando o desenvolvimento do
relacionamento que foi estabelecendo com o grupo. Elas procuraram deixá-los à vontade,
pontuando que nenhum colega de turma leria a resposta do outro e que os nomes de
quem estava respondendo o formulário seria preservados. Elas observaram uma demora
de cerca de 30 minutos para concentrar-se no formulário e respondê-lo, devido a 9 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (vide Anexo 1), respeitando as normas e regras de do Conselho Nacional de Saúde, a Resol. 196 de 1996, sobre pesquisas com seres humanos, é solicitado aos responsáveis pelos adolescentes.
brincadeiras dos colegas entre si. Notaram também que quando passaram a responder
de fato, se afastaram dos outros, inclusive colocando alguma espécie de barreira em suas
anotações como um caderno ou a mão, para que ninguém pudesse ler o que estavam
escrevendo.
Para Hutz, existem comportamentos que podem comprometer a saúde, o bem-
estar ou o desempenho social do indivíduo. E eles podem ser associados ao
desenvolvimento que não ocorreu conforme o esperado da faixa etária e para os
parâmetros da cultura em q ela vive; “um dos fatores de risco para o desenvolvimento
psicológico e social é o baixo nível sócio-econômico” (HUTZ, 2002, p. 11).
Existem, ainda, alguns fatores que agravam as conseqüências, tais como a faixa
etária, a duração, a freqüência e o tipo de laços afetivos entre quem comete e quem sofre
a violência (BRAUN, 2002).
Pesquisar sobre a violência psicológica, suas causas e seus efeitos, bem como ela
é manifestada, se faz fundamental para tentar entender o comportamento humano
(inclusive por ser pouco estudada ainda), visto que já é um caso de saúde pública as
conseqüências de comportamentos violentos. E, para entender esse comportamento, faz-
se necessário um estudo acerca da subjetividade do indivíduo, e o autoconceito faz parte
dessa constituição.
Estes são os elementos encontrados na nossa revisão de literatura que embasam
a escolha por estudarmos as possíveis relações entre o autoconceito masculino e a
violência psicológica em adolescentes no ambiente escolar.
CAMINHO DA PESQUISA
A produção do conhecimento cientifico nas ciências humanas e da saúde é
orientada por modelos explicativos e por modelos compreensivos. No que se refere aos
parâmetros compreensivos, havemos que entrelaçar os fundamentos dos mesmos ao
desenvolvimento da pesquisa qualitativa (PQ) (PIMENTEL, 2002).
Segundo Bogdan e Binkler, (EUA), foi no início do séc. XX, com os trabalhos de
Malinowski, Bateson, Mead, e Benedict, no campo da Antropologia, que foi estabelecido o
embrião da PQ. A etnografia e a pesquisa de campo foram os métodos propostos pelos
autores apontados para estudar a cultura (GONZÁLEZ-REY, 2002)
A PQ admite ao pesquisador imergir de maneira compreensiva no desvelamento
das camadas que obscurecem a significação dos fenômenos estudados, estimula-o a
apreender o sentido subjacente ao acontecimento, levando em conta a sua complexidade
e particularidade, não objetivando alcançar a generalização, sim o entendimento das
singularidades, ou subjetivo e da comunalidade, ou do intersubjetivo.
Turato (2003) referiu que o método qualitativo busca dar visibilidade às relações
entre significados e significantes. Implica, por definição, entender/ interpretar os sentidos
e as significações que uma pessoa dá aos fenômenos em foco. Os pesquisadores
qualitativistas “procuram entender o processo pelo qual as pessoas constroem
significados e descrevem o que são aqueles significados” (BOGDAN; BIKLEN apud
TURATO, 2004, p. 42).
Em Psicologia, Sociologia, Antropologia, Terapia Ocupacional, etc. as diretrizes da
PQ vêm sendo utilizadas de maneira crescente na construção do conhecimento. O
universo de possibilidades da captação da experiência humana tem provocado uma
demanda significativa nos alunos de graduação e pós-graduação, principalmente porque
as metodologias qualitativas privilegiam análises de micro processos através do estudo
das ações sociais individuais e grupais (MARTINS, 2004).
Gribits e Harris (2004, p. 108) afirmaram:
Os pressupostos fenomenológicos-qualitativos indicam que o comportamento humano, freqüentemente, tem mais significados do que os fatos pelos quais eles se manifestam. Ressaltam a necessidade de observação do sujeito na perspectiva de um contexto social e cultural dos significados latentes do comportamento humano.
Lessard-Hébert (2005) enunciam duas posições dos pesquisadores, em face da
afinidade entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa: dicotomia e continuum.
Algumas características da PQ apontada por eles são: a interação e a proximidade entre
pesquisador e pesquisado, bem como a triangulação, que é a confrontação dos dados a
partir de várias técnicas.
Em Psicologia, os antecedentes da PQ foram delineados em 1892, com a fundação
da APA (American Psychological Association). A orientação fenomenológica da PQ incluiu
na configuração do conhecimento evidenciar a perspectiva do outro, a importância do
contexto metodológico e das relações com o sujeito para o desenvolvimento da
investigação (GONZÁLEZ-REY, 2002).
Os processos de subjetivação são objetos visados na realização da pesquisa
qualitativa em Psicologia Clínica. De acordo com Gonzalez-Rey (2002) definem-se como
ações que se realizam através do intercâmbio entre a unicidade e a complexidade dos
sujeitos envolvidos na interação. Formam o sistema complexo de significações e sentidos
produzidos na vida cultural humana e são estruturados por elementos sociais, biológicos,
ecológicos, etc. em um horizonte não linear, porém, em constante tensão e contradição.
Assim, esta pesquisa se fundamentou na metodologia qualitativa de enfoque
descritivo interpretativo. Tal modalidade trabalha com o universo de significados,
motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos a operacionalização da variável. (MINAYO, 2008). Por sua vez, Turato (2005),
ressalta que por meio da investigação qualitativa é possível conhecer a fundo as vivencias
dos informantes
O projeto de iniciação científica está vinculado diretamente ao projeto da
orientadora cuja aprovação para realizá-lo foi emitida pelo comitê de ética do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará. No trabalho de campo colocamo-
nos enquanto observador participante para nos tornar conhecidos e facilitar a abordagem
das possíveis informantes. O contato na instituição10 foi bastante receptivo. Apresentamo-
nos, informamos o objetivo da pesquisa e verificamos se era de interesse participarem do
estudo. Informamos sobre a preservação da identidade e que não haveria pagamento
pela participação e que a pesquisa integrava um projeto de investigação em psicologia
clinica na UFPA. Após os esclarecimentos foi aceito o convite. Em seguida, os sujeitos
assinaram o termo de consentimento esclarecido e informado. O primeiro encontro foi
exploratório e possibilitou delimitar o objeto de estudo e coletar elementos para estruturar
as perguntas da entrevista a ser realizada posteriormente.
O local de coleta foi o SENAI e lá indagamos acerca das lembranças da infância e
da sua relação com o presente, para entendermos a questão do autoconceito e se há o
fenômeno da violência psicológica praticada e/ou vivenciada pelos adolescentes
participantes (estudantes). Estas questões foram organizadas em eixos: (Autoconceito)
Autonomia, Habilidade Física, Autoconfiança, Mundo Social e Escolar, (Violência
Psicológica) Ambiente Familiar Não-Acolhedor, Deficiência de Socialização, Decadência
de Notas Escolares e Atos de Violência Psicológica Explicitados.
O critério de inclusão dos informantes foi à disponibilidade plena e a assinatura do
consentimento esclarecido. Os dados foram avaliados por meio da análise temática, com
destaque para o emaranhado de fios ideológicos expressos nas respostas. (MINAYO,
2008). Seguiram as etapas de: organização dos relatos, releitura do material, e dos
registros no diário de campo; classificação dos dados: leitura horizontal e exaustiva do
10 Centro de Educação Profissional Getúlio Vargas, o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), órgão vinculado a FIEPA (Federação das Indústrias do Estado do Pará.
texto e leitura transversal para recortar unidades de sentido, por temas, utilizando como
critério de classificação dados empíricos teóricas; análise final, em que foi composta uma
síntese das respostas voltadas para responder as questões da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O formulário foi realizado em sala de aula com 17 participantes, durando cerca de
duas horas até o último ser entregue para a pesquisadora. Foram 10 estudantes numa
turma e sete na outra, em dias diferentes (intervalo de uma semana). A análise foi feita de
acordo com as quatro dimensões (eixos) já citadas (os), (autonomia, confiança, evolução
física e mundo social e escolar), após a entrega do TCLE devidamente assinado,
autorizando a participação na pesquisa.
Apresentamos algumas das respostas mais representativas, considerando H como
o participante homem, os números que seguirem-se como a ordem de recebimento do
questionário e a ortografia foi corrigida para um provável melhor entendimentos. Os
resultados e a discussão serão apresentados por eixos das respostas, começando com a
análise do autoconceito e, posteriormente, para análise de aspectos sobre violência
psicológica.
AUTONOMIAEm relação ao eixo da Autonomia, onze adolescentes não apresentaram dados
para análise dessa dimensão. Dos participantes que responderam, a maioria falou sobre a
participação dos pais em sua infância, a importância de tê-los por perto para se
orgulharem ou como eles participavam do dia-a-dia dos filhos. Ou seja, os adolescentes
falam dos seus pais e isso sugere à importância dada a eles no desenvolvimento dessa
autonomia, já que muitos colocaram com saudosismo o tempo em que os tinham bastante
por perto fazendo as coisas pelos filhos. Como o adolescente se percebe hoje, pode ter
muito a ver com a história que ele vivenciou com seus pais na sua infância, segundo
podemos notar nas respostas.
H1 - Uma grande parte da minha infância foi bem divertida. Sempre meu pai e minha mãe
faziam minhas vontades, talvez seja por que sou único filho.
H4 – Bom, quando tinha 6 anos, eu realizava as tarefas sem problema algum, fazia várias
coisas legais. Antes, eu era bem mimado pois eu brincava com os meus pais e meu
irmão. Agora que cresci é raro conversar com eles... não tenho mais tempo para
conversar com eles.
H14 - Desde pequeno sempre gostei de fazer minha mãe e meu pai se orgulharem de
mim como filho, correndo atrás do meu sonho que é ser engenheiro mecânico.
H5 - A lembrança que considero importante para mim, é da minha mãe me apoiando o tempo todo na escola, como até hoje.
AUTOCONFIANÇASete adolescentes não apresentaram dados para análise do eixo Autoconfiança.
Pôde-se perceber nas respostas uma confiança elevada na infância. Eles colocaram na
maioria das respostas que nunca tiveram problemas com nada, que sua competência era
boa e sempre conseguiam tudo o que queriam. Apenas um adolescente colocou que tinha
medo de competições.
H7 - Quando eu tinha essa idade, eu era um garoto muito atentado em competições... eu
nunca gostei de perder. Para mim, o que importava era só a vitória e nada mais.
H10 - Participava sempre de jogos internos, gincanas e tudo o que se podia participar.
H12 - Eu era autoconfiante, conseguia tudo que queria.
H11 - Sempre ficava com medo das competições. Não tive muito contato com a rua, isso
desde os meus 8 anos; e agradeço aos meus pais por isso (do pouco que me lembro,
eram só brigas e xingamentos).
EVOLUÇÃO FÍSICADo eixo Evolução Física, dez adolescentes não apresentaram dados para análise.
A aparência não teve grande importância na infância desses adolescentes, não tiveram
muitos problemas nesse quesito, pelo que foi colocado nas respostas. No entanto, isso
indica, no meu entendimento, uma maior atenção a essas respostas “positivas demais”,
pois na dimensão da confiança, eles também se mostraram bastante confiantes. Isso
exige uma maior atenção para verificação da fidedignidade dessas respostas.
H5 - A minha aparência física para mim é normal
H7 - Aparência física eu era magro e sempre quis ser desse jeito, esse sou eu.
H12 - Em relação a minha aparência física nunca tive problemas.
MUNDO SOCIAL E ESCOLARTodos os adolescentes forneceram dados para análise da dimensão Mundo Social
e Escolar. Eles, em sua maioria, colocaram que sempre participaram dos jogos internos
da escola, sempre praticaram esportes, sempre fizeram muitos amigos e se dão bem com
todo tipo de pessoa. As respostas indicam dimensões de sua autonomia também, pois
voltam a falar com saudosismo do tempo em que os pais estavam mais presentes, em
que várias atividades faziam juntos. Nesse eixo de respostas, notou-se sugestões de
violência física, o que pode nos indicar manifestações de violência psicológica também,
considerando que esta constitui-se em todos os tipos de violência.
H1 - Sempre eu brigava com os meus primos. E sou brincalhão desde a minha infância.
No período de 5 a 8 anos gostava muito de estudar e de jogar bola.
H4 - Na escola até hoje eu sou aluno exemplar brinco converso com a galera, sendo que
todo dia eu saio de casa de manhã e chego só a noite em casa minha vida mudou muito
quando eu era menor meu pai ia à escola pra me buscar era legal pois até uns 12 anos
ele ia lá legal mesmo sinto falta desses tempos
H5 – Eu lembro que eu fazia muitas travessuras, mas em relação à escola, a minha mãe
participava comigo na escola porque eu desde pequeno, tenho baixa visão. Por eu ter
essa deficiência, a minha família sempre me apoiou para tudo e até hoje ela me apóia. A
minha relação social sempre foi muito bem, sempre conheci muita gente e fiz muitos
amigos até hoje.
H7 - Em relação a sentimento familiar esse eu nunca tive minha mãe me doou eu tinha 1
ano e 3 meses. Já na escola e a minha melhor faze foi onde eu aprendi o valor de viver
conheci varias pessoas alguns viraram amigos que nunca vou esquecer amizade eterna.
(...)quando eu tinha 7 anos eu quebrei a cabeça de um moleque com uma pedra eu era
mal.
H10 - Meu relacionamento com minha família sempre foi um relacionamento norma entre
pais e filhos, ocorria algumas brigas com meus irmãos, brigas de criança, até mesmo com
todos meus primos. Na escola tinha bastante amigos (...)Na minha infância tinha boas
notas, era um aluno exemplar, mas com o passar do tempo me tornei um aluno meio
“vagabundo”, mas nunca rebelde. Apesar de tudo, sempre me relacionei bem com as
pessoas, não só na minha infância, mas até hoje ainda sou um pouco brincalhão.
H11 - Quando tinha 5 anos costumava ser bem bagunceiro (o que não mudou muito),
fazia natação. Sempre fui muito apegado com a minha família mas nunca me dei bem
com parentes distantes – é meio esquisito pedir a benção para quem você nem fala muito.
H16 - Quando eu tinha entre 5 e 6 anos principalmente mas 5 anos, quando eu comecei a
estudar pela primeira veze me comportar direito dentro de casa eu era uma criança muito
danada, eu não participava de nem um atividade esportiva, nem passava isso pela minha
cabeça, eu só queria mesmo bagunça dentro de casa sem fazer nenhuma tarefa dentro
de casa só na escola, eu sempre tive uma relação muito boa na escola, mais do que
dentro de casa, tirava várias médias boas.
Com esses dados, temos uma visão geral do autoconceito de cada adolescente, a
forma como ele hierarquiza essas dimensões estudadas, como ele organiza essas
categorias em suas experiências.
Deve-se considerar também o modo como foi respondido o formulário, o tempo que
os adolescentes tiveram, a relação de confiança com a pesquisadora, o local em que
estavam, as pessoas que estavam próximas, dentre outros fatores. Tudo influencia nas
respostas dadas e, devido a esses fatores também, a terceira fase seja das entrevistas,
para obter dados mais consistentes, numa relação mais próxima entre pesquisadora e
participante, mostrando que ele tem importância total no processo que está sendo
desenvolvido.
Em relação aos aspectos da violência psicológica, dos dezessete participantes, oito
indicaram elementos que sugerem o fenômeno da violência psicológica, seja no âmbito de
prática ou de vivência. Foram quatro eixos definidos, de acordo com as respostas –
Ambiente familiar não-acolhedor, Deficiência de socialização, Decadência de notas
escolares e Atos de violência física e psicológica explícitos.
AMBIENTE FAMILIAR NÃO-ACOLHEDORDois estudantes falaram que não tinham, na infância, participação no ambiente
familiar, que não gostavam de ficar em casa e preferiam a escola, além de afirmar que
eram crianças muito “danadas”, como podemos ver nas seguintes falas: H16 - “Eu era
uma criança muito danada, (...) eu só queria mesmo bagunça dentro de casa, sem fazer
nenhuma tarefa dentro de casa, só na escola. eu sempre tive uma relação muito boa na
escola, mais do que dentro de casa” e H7- “Em relação a sentimento familiar esse eu
nunca tive minha mãe me doou eu tinha 1 ano e 3 meses. Já na escola e a minha melhor
faze foi onde eu aprendi o valor de viver”. Essas falas sugerem pouco acolhimento
familiar, sendo este acolhimento deslocado à escola, a um ambiente com pessoas
diversificadas, sem vínculo de responsabilidade com esses participantes. Isso se mostra
como violência psicológica vivenciada por esses adolescentes em sua infância, visto a
negligência da família os colocando na busca de outro ambiente acolhedor.
DEFICIÊNCIA DE SOCIALIZAÇÃOEm relação ao eixo de Deficiência de socialização, dois participantes apontaram
certa dificuldade de relacionarem-se, o que pode indicar vivências de violência
psicológica, uma vez que esta é velada, não é visível e nem palpável; demonstrando-se
por meio de suas conseqüências, como dificuldade de relacionar-se. Como mostram as
falas de H6 – “Nunca tive muitos amigos (...) Eu sempre fui muito sério e quase nunca me
metia em confusões” e de H11 - “Quando tinha 5 anos costumava ser bem bagunceiro (o
que não mudou muito), (...)nunca me dei bem com parentes distantes – é meio esquisito
pedir a benção para quem você nem fala muito – não tive muito contato com a rua, isso
desde os meus 8 anos; e agradeço aos meus pais por isso (do pouco que me lembro só
estão brigas e xingamentos).
DECADÊNCIA DE NOTAS ESCOLARESQuando dois estudantes disseram que eles se consideravam bons alunos, mas que
depois de um tempo, suas notas diminuíram, consideramos relevante pelo motivo deles
não colocarem justificativas para isso, mais uma vez apontando para uma sugestão de
violência psicológica praticada na escola de forma velada, ou, da violência psicológica
praticada e vivenciada no ambiente familiar que repercute na escola. Então, os colocamos
num eixo de Decadência de Notas Escolares, vejamos: H8 – “Eu era bem participativo,
quase em todas as atividades, de um tempo pra cá, dei uma relachada” e H10 – “Era um
aluno exemplar, mas com o passar do tempo me tornei um aluno meio “vagabundo”, mas
nunca rebelde”.
ATOS DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA PRATICADOS/VIVENCIADOS EXPLÍCITOSEntendemos o eixo de Atos de Violência Psicológica Praticados/Vivenciados
Explicitados quando os estudantes explicaram detalhadamente alguns episódios
violentos, como exclusão do grupo e prática (e sugestão) de atitudes físicas violentas.
Um estudante argumentou sofrer de diferenças com outras crianças por ter uma
marca de um acidente e, pela fala, percebemos um grau de sofrimento ainda latente,
vítima de violência psicológica pelos colegas de infância, quando ele diz que não faz
questão de comentar, não quer entrar em contato com esse acontecimento, vejamos: H15
- “Sofri um acidente quando tinha 1 ano e 5 meses, até onde hoje tenho seqüelas,
aconteceu acidente com água quente, a minha lembrança que não faço questão de
comentar, foram diferenças que fizeram quando eu brincava com outras crianças por eu
ter marcas do acidente.”
Outro estudante (H1) colocou que brigava com os primos, não explicitando se ele
que incitava ou se somente vivenciava, mas, de qualquer forma, explicitou que
aconteciam brigas e isso já nos sugere aspectos de violência tanto psicológica quanto
física.
O participante que mais os chamou atenção em relação à violência psicológica e
física, tanto vivenciada quanto praticada, foi H7, quando ele nos coloca: “Quando eu tinha
7 anos eu quebrei a cabeça de um moleque com uma pedra, eu era mal”. Essa frase nos
coloca aspectos violentos e percebemos a relação com o autoconceito quando ele se
considera uma pessoa má, visto que essa é a imagem que ele forma de si. Ele nos
chamou atenção por todo o seu depoimento, agregando tanto esse aspecto violento
relacionado ao autoconceito quanto quando colocou a questão do abandono pela mãe,
em que ele preferia, então, o ambiente escolar e foi lá que aprendeu a viver.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos que os adolescentes tiveram dificuldades em responder sobre sua
infância e apresentaram uma espécie de vergonha em relação aos outros colegas de
turma durante a coleta de dados.
Acerca do conceito de masculinidade podemos considerar que os dados apontam
as características que integram a matriz moderna.
Sobre as indicações de violência psicológica ponderamos que os comportamentos
observados nos adolescentes durante a coleta de dados sugerem a presença da mesma.
Assim, é necessário novas pesquisas modificando, talvez, o local das futuras entrevistas
(não mais na escola para que o adolescente possa sentir-se mais à vontade).
Quanto às respostas acerca do autoconceito, notamos que a autonomia foi a
dimensão menos colocada, o que é interessante perceber, visto que Sanchéz (1999), o
autor do formulário original, considera essa dimensão o núcleo do autoconceito. No
entanto, a dimensão argumentada por todos os adolescentes foi o mundo social e escolar,
o que sugere que a escola (local escolhido para a pesquisa) tem papel fundamental na
formação do autoconceito desses jovens. É um ambiente indicado para a construção de
valores, de educação, de princípios éticos, mas é onde a violência é uma constante,
principalmente nos dias de hoje, de acordo com Pereira (2009).
Na análise sobre aspectos de violência psicológica, encontramos elementos do
autoconceito, como Autoconfiança, por exemplo, que se entrelaçam com a prática ou a
vivência de violência psicológica. Entendemos, assim, que o autoconceito em suas
dimensões citadas tem relação com a probabilidade de um adolescente sofrer ou praticar
o tipo de violência estudado, que ele ainda está em formação de sua identidade, de sua
auto-imagem, sendo passível de ter retraimento em seu desenvolvimento biopsicossocial
devido a essa relação, podendo desenvolver doenças, transtornos mentais e uso de
drogas.
Notamos também que a masculinidade está fortemente envolvida neste processo,
sendo o nó dessa relação, haja vista que os participantes indicaram elementos das
relações de gênero que estabelecem como ponto principal das dimensões do
autoconceito relacionadas à violência psicológica. Esta relação é uma relação de gênero,
do modo como eles atuam e experienciam o mundo. Camacho (2000, citado por
PEREIRA, 2009, p. 49) fala que o estereótipo masculino diz que o homem é educado para
ser o forte, o dominador, o corajoso e agressivo.
Saber dessa relação nos revela a necessidade de um conhecimento mais amplo
para uma intervenção efetiva entre os adolescentes escolares. Pelo fato da violência
psicológica ser um fenômeno velado, que só mostra as conseqüências para os que não
estão participando, é imperioso que haja mais pesquisas nesta área, para profissionais da
educação juntamente com os cuidadores dos adolescentes reconheçam esse processo e
tentem encontrar alternativas para este problema que traz graves implicações
psicológicas e cognitivas para esses adolescentes (PEREIRA, 2009).
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