-
A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vcios do produto no que concerne sua edio (impresso e apresentao a fim de possibilitar ao consumidor bem manuse-lo e l-lo). Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoa ou bens, decorrentes do uso da presente obra.
Todos os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autorais, proibida a reproduo total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, fotocpia e gravao, sem permisso por escrito do autor e do editor.
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Direitos exclusivos para o Brasil na lngua portuguesa Copyright 2016 by EDITORA FORENSE LTDA. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 Trreo e 6 andar 20040-040 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 3543-0770 Fax: (21) 3543-0896 [email protected] | www.grupogen.com.br
O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poder requerer a apreenso dos exemplares reproduzidos ou a suspenso da divulgao, sem prejuzo da indenizao cabvel (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depsito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, ser solidariamente responsvel com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reproduo no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).
1 edio 2006 / 2 edio 2008 / 3 edio 2009 / 4 edio 2010 / 5 edio 2013 / 6 edio 2014 / 7 edio 2016
Capa: Danilo Oliveira Produo digital: Geethik
Fechamento desta edio: 01.12.2015
CIP Brasil. Catalogao na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
N13c
Nader, Paulo
Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas. / Paulo Nader. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-6869-4
-
1. Responsabilidade (Direito). 2. Direito civil Brasil. I. Ttulo II. Ttulo: Responsabilidade civil.
08-1609 CDU 347.51(81)
-
s Monjas Beneditinas da Abadia de Santa Maria, em So Paulo, em
permanente viglia de oraes pela harmonia nas famlias e paz na Terra, a
fraterna homenagem do autor. Reverncia especial Senhora Abadessa,
Madre Maria Tereza Amoroso Lima, e s Irms Irene Moyss (in
memoriam), Estefnia Moyss e Genoveva Moyss (in memoriam)
queridas tias Julieta, Adlia e Virginie de minha infncia!
-
Nota da Editora: o Acordo Ortogrfico foi aplicado integralmente nesta obra.
-
NDICE SISTEMTICO
Prefcio
Nota do Autor
Parte 1
INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS
CAPTULO 1 INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS
1.Consideraes prvias
2.Terminologia, conceito e objeto do Direito das Coisas
2.1.Terminologia
2.2.Conceito e objeto
3.Noo de direito real
3.1.Ad rubricam
3.2.Teoria clssica ou romana
3.3.Teoria personalista
3.4.Teoria ecltica
4.Classificao e caracteres dos direitos reais
4.1.Classificao
4.2.Caracteres
4.2.1.Tipicidade
4.2.2.Oponibilidade erga omnes
4.2.3.Direito de sequela
4.2.4.Publicidade
4.2.5.Preferncia
4.2.6.Princpios da elasticidade e da consolidao
5.Paralelo entre direitos reais e obrigacionais
6.Os direitos reais no Direito Internacional Privado
7.Aes reais
8.Direito real e obrigao Propter Rem
Reviso do Captulo
Parte 2
DA POSSE
CAPTULO 2 NOO DE POSSE
-
9.Aspectos gerais
10.Terminologia
11.Antecedentes histricos
12.As teorias de Savigny, Ihering e Saleilles
12.1.Ad rubricam
12.2.A teoria subjetiva de Savigny
12.3.A teoria objetiva de Ihering
12.4.A teoria ecltica de Saleilles
13.Natureza da posse
14.Posse dos direitos pessoais
15.Conceito de posse no Cdigo Civil
16.A posse no Direito Comparado
17.Deteno
Reviso do Captulo
CAPTULO 3 CLASSIFICAO DA POSSE
18.Delimitao do tema
19.Posse direta e indireta
20.Posse exclusiva e composse
21.Posse justa e posse injusta
22.Posse de boa-f e de m-f
23.Princpio de permanncia do carter da posse
24.Outras classificaes
Reviso do Captulo
CAPTULO 4 AQUISIO, CONSERVAO E PERDA DA
POSSE
25.Ad Rubricam
26.Aquisio
26.1.Aspectos gerais
26.2.Modos de aquisio
26.3.Constituto possessrio e traditio brevi manu
26.4.Atos de mera permisso ou tolerncia
26.5.Atos de violncia e clandestinidade
26.6.Transmisso causa mortis
26.7.Presuno de posse da coisa mvel
27.Conservao
28.Perda
-
Reviso do Captulo
CAPTULO 5 EFEITOS DA POSSE
29.Consideraes prvias
30.Autotutela da posse
31.Aes possessrias
31.1.Os interditos no Direito Romano
31.2.Manuteno provisria da posse polmica
31.3.A proteo possessria e as servides no aparentes
31.4.Manuteno da posse
31.5.Reintegrao de posse
31.6.Interdito proibitrio
31.7.Outras aes de interesse do possuidor
31.7.1.Ao de nunciao de obra nova
31.7.2.Embargos de terceiro
31.7.3.Usucapio
32.Direito aos frutos
33.Alguns efeitos da posse de boa ou de m-f
33.1.Perda ou deteriorao da coisa
33.2.Quanto s benfeitorias
Reviso do Captulo
Parte 3
DA PROPRIEDADE
CAPTULO 6 A PROPRIEDADE EM GERAL
34.Aspectos sociais e filosficos
35.A propriedade entre os antigos
36.Noo geral de propriedade
37.Conceito e caracteres da propriedade
37.1.Conceito
37.2.Caracteres
38.Funo social da propriedade
38.1.Ad rubricam
38.2.Proteo natureza e ao patrimnio cultural da
sociedade
38.3.Desapropriaes
-
38.4.Posse-trabalho
39.Abrangncia da propriedade do solo
40.Descoberta
Reviso do Captulo
CAPTULO 7 AQUISIO DA PROPRIEDADE IMVEL
41.Distines Fundamentais
41.1.Titulus e modus adquirendi
41.2.Aquisio originria e derivada
41.3.Aquisio inter vivos e causa mortis
41.4.Aquisio a ttulo singular e universal
41.5.Aquisio a ttulo gratuito e oneroso
42.Usucapio
42.1.Consideraes prvias
42.2.Direito Romano
42.3.Conceito
42.4.Requisitos
42.4.1.Persona habilis
42.4.2.Res habilis
42.4.3.Possessio
42.4.4.Tempus
42.5.Fundamentos da usucapio
42.6.Usucapio extraordinria
42.7.Usucapio pro labore
42.8.Usucapio habitacional
42.9.Usucapio ordinria
42.10.Usucapio coletiva
42.11.Usucapio por abandono do lar
42.11.1.Objeto e propriedade
42.11.2.Abandono do lar
42.11.3.Usucapiente
42.12.Ao de usucapio procedimento
43.Registro do ttulo
43.1.Generalidades
43.2.Direito Romano
43.3.Presuno de domnio
43.3.1.Sistema brasileiro
-
43.3.2.Sistema alemo
43.4.Processo do registro
43.5.Matrcula, registro, averbao e cancelamento
43.6.Sntese dos princpios do sistema registral
43.7.Responsabilidade civil dos oficiais
44.Acesso
44.1.Consideraes gerais
44.2.A accessio no Direito Romano
44.3.Espcies
44.4.Ilhas
44.5.Aluvio
44.6.Avulso
44.7.lveo abandonado
44.8.Construes e plantaes
44.8.1.Acesso e superfcie
44.8.2.Presuno em favor do titular do terreno
44.8.3.Semeadura, plantao ou construo com
matria-prima alheia
44.8.4.Incorporao de coisa mvel em prdio
alheio
44.8.5.Construo ou plantao com material
alheio e em solo alheio
44.8.6.Construo parcialmente em terreno alheio
Reviso do Captulo
CAPTULO 8 AQUISIO DA PROPRIEDADE MVEL
45.Consideraes gerais
46.Usucapio
47.Ocupao
48.Tesouro
48.1.Conceito
48.2.Disposies legais
49.Tradio
50.Especificao
50.1.Conceito
50.2.Hipteses e solues do Direito ptrio
50.3.O Direito ptrio em face do Direito Romano e Direito
Comparado
-
51.Confuso, comisto e adjuno
51.1.Conceitos
51.2.Solues legais
Reviso do Captulo
CAPTULO 9 PERDA DA PROPRIEDADE
52.Consideraes prvias
53.Alienao
54.Renncia
55.Abandono
56.Perecimento da coisa
57.Desapropriao
57.1.Consideraes prvias
57.2.Competncia para desapropriar
57.3.Bens desapropriveis
57.4.Direito de preferncia e retrocesso
57.5.Instrumentos legais
57.6.Causas permissivas da expropriao
57.7.Processo desapropriatrio
57.8.Desapropriao indireta
Reviso do Captulo
CAPTULO 10 DIREITO DE VIZINHANA
58.Conceito e fundamentos
59.Uso anormal da propriedade
60.rvores limtrofes
61.Passagem forada
62.Passagem de cabos, tubulaes e outros condutos
63.Das guas
63.1.Escoamento natural de gua pluvial ou de nascente
63.2.Escoamento de guas artificialmente acumuladas
63.3.Aproveitamento compartilhado
63.4.Poluio de guas
63.5.Represamento de gua
63.6.Passagem de aqueduto em prdio alheio
64.Direito de tapagem
65.Direito de construir
-
65.1.Consideraes prvias
65.2.Interesses gerais tutelados
65.3.Tutela da privacidade
65.4.Direito de travejar
65.5.Direito do confinante que primeiro constri
65.6.Condomnio de parede-meia
65.7.Alteamento de parede divisria
65.8.Instalaes proibidas junto parede divisria
65.9.Obras acautelatrias
Reviso do Captulo
CAPTULO 11 CONDOMNIO GERAL OU TRADICIONAL
66.Noo de condomnio
67.Espcies de condomnio geral
68.Condomnio voluntrio ou convencional
68.1.Direitos e deveres dos condminos
68.2.Diviso da coisa comum
68.3.Administrao do condomnio
69.Condomnio necessrio
Reviso do Captulo
CAPTULO 12 CONDOMNIO EDILCIO OU HORIZONTAL
70.Consideraes prvias
71.Conceito
72.Relao de acessoriedade
73.Natureza jurdica
74.Formao
75.Conveno
76.Direitos e deveres dos condminos
77.Realizao de obras no condomnio
78.Administrao
79.Extino
Reviso do Captulo
CAPTULO 13 PROPRIEDADE RESOLVEL
80.Consideraes gerais
81.Resoluo com efeitos ex tunc
-
82.Revogao com efeitos ex nunc
Reviso do Captulo
CAPTULO 14 PROPRIEDADE FIDUCIRIA
83.Consideraes prvias
84.Origem Romana
85.Conceito
86.Alienao fiduciria de coisa mvel
86.1.Ad rubricam
86.2.Objeto
86.3.Registro
86.4.O contrato
86.5.Obrigaes do fiduciante
86.6.Inadimplncia e procedimento
86.7.Priso civil
86.8.Pacto comissrio
86.9.Pagamento por terceiro
87.Alienao fiduciria de coisa imvel
88.O Cdigo de Defesa do Consumidor
Reviso do Captulo
Parte 4
DOS DIREITOS REAIS SOBRE A COISA ALHEIA
CAPTULO 15 INTRODUO AOS DIREITOS REAIS SOBRE A
COISA ALHEIA
89.Generalidades
90.Conceito
91.Definio e caracteres
92.Direito Romano
93.Direitos reais de gozo, garantia e aquisio
94.Numerus Clausus
Reviso do Captulo
CAPTULO 16 SUPERFCIE
95.Generalidades
96.O Direito Romano
-
97.Conceito
98.O Direito Comparado
99.Superfcie e institutos afins
100.O Cdigo Civil de 2002
100.1.Abrangncia
100.2.Formao
100.3.Transferncia do direito
100.4.Obrigaes do superficirio
100.5.Extino
101.Enfiteuse
101.1.Ad rubricam
101.2.O Direito Romano
101.3.Conceito e regras bsicas
Reviso do Captulo
CAPTULO 17 SERVIDES
102.Conceito
103.Servido acessria
104.Servido e direito de vizinhana
105.Caracteres
105.1.Jus in re aliena
105.2.Conexo entre prdios diversos e prximos
105.3.Titularidades distintas
105.4.Inseparabilidade
105.5.Permanncia
105.6.Indivisibilidade
105.7.Obrigao non facere
105.8.Intransmissibilidade
105.9.Formalidade
106.Classificao
106.1.Ad rubricam
106.2.Positivas e negativas
106.3.Contnuas e descontnuas
106.4.Aparentes e no aparentes
106.5.Servides coativas
107.O Direito Romano
108.Regras bsicas do Cdigo Civil
-
108.1.Ad rubricam
108.2.Definio
108.3.Modos de constituio
108.4.Direito execuo de obras
108.5.nus financeiro das obras
108.6.Dever jurdico do titular do praedium serviens
108.7.Remoo da servido
108.8.Exerccio civiliter da servido
108.9.Indivisibilidade das servides e seus efeitos
108.10.Extino das servides
108.10.1.Desapropriao
108.10.2.Extino da servido de prdio dominante
hipotecado
108.10.3.Renncia
108.10.4.Perda de utilidade ou comodidade
108.10.5.Resgate
108.10.6.Confuso
108.10.7.Supresso das obras
108.10.8.No uso contnuo durante dez anos
109.Servides administrativas
Reviso do Captulo
CAPTULO 18 USUFRUTO
110.Conceito
111.Institutos afins
111.1.Servido
111.2.Anticrese
111.3.Enfiteuse e superfcie
111.4.Locao
111.5.Propriedade
111.6.Fideicomisso
112.Caracteres
112.1.Temporariedade
112.2.Divisibilidade
112.3.Inalienabilidade
112.4.Conservao da forma e substncia
112.5.Posse de usufruto
113.Regras bsicas do Cdigo Civil
-
113.1.Objeto
113.2.Constituio
113.2.1.Por fora de lei
113.2.2.Por declarao de vontade
113.2.3.Por usucapio
113.2.4.Por sentena judicial
113.3.Alcance
113.3.1.Acessrios e acrescidos
113.3.2.Usufruto de florestas e de minas
113.3.3.Usufruto sobre a universalidade ou quota-
parte
113.3.4.Cesso do exerccio
113.4.Direitos do usufruturio
113.4.1.Regra geral
113.4.1.1.Posse
113.4.1.2.Uso
113.4.1.3.Administrao
113.4.1.4.Percepo dos frutos
113.4.2.Usufruto sobre ttulos de crdito
113.4.3.Frutos naturais pendentes
113.4.4.Frutos naturais animais
113.4.5.Frutos civis vencimento e titularidade
113.4.6.Fruio pessoal ou por arrendamento
113.4.7.Outros direitos
113.5.Deveres do usufruturio
113.5.1.Inventrio
113.5.2.Cauo
113.5.3.Deterioraes naturais
113.5.4.Encargos do usufruturio
113.5.5.Encargos do nu-proprietrio
113.5.6.Seguro da coisa fruturia
113.5.7.Destruio de edifcio usufruturio
113.6.Direitos do nu-proprietrio
113.6.1.Alienaes pelo nu-proprietrio
113.6.2.Obras ou melhoramentos
113.6.3.Novas servides
113.6.4.Diviso da nua-propriedade
113.6.5.Reserva de uso pelo nu-proprietrio
-
113.7.Extino do usufruto
113.7.1.Pela renncia ou morte do usufruturio
113.7.2.Pela verificao do termo ad quem ou
verificao de condio
113.7.3.Extino da pessoa jurdica
113.7.4.Pela cessao do motivo de que se originou
113.7.5.Pela destruio da coisa
113.7.6.Pela consolidao
113.7.7.Por culpa do usufruturio
113.7.8.Pelo no uso ou no fruio
113.7.9.Usufruto simultneo
Reviso do Captulo
CAPTULO 19 USO
114.Conceito
115.Caracteres
116.Constituio
117.Direitos e deveres do usurio
118.Direitos e deveres do instituinte
119.Extino
120.Disposies do Cdigo Civil
Reviso do Captulo
CAPTULO 20 HABITAO
121.Conceito
122.Regras do Cdigo Civil
122.1.Conceito legal
122.2.Coabitao
122.3.Integrao do instituto
Reviso do Captulo
CAPTULO 21 DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR DO
IMVEL
123.Consideraes prvias
124.Conceito e requisitos
124.1.Conceito
124.2.Requisitos
124.2.1.Formalidade
-
124.2.2.Irretratabilidade
124.2.3.Objeto imobilirio
124.2.4.Pagamento
124.2.5.Registro
124.2.6.Outorga uxria
124.2.7.Cessibilidade
125.Efeitos
126.Clusula cum amico eligendo
127.Resoluo contratual por inadimplemento
128.Extino
129.Regras do Cdigo Civil
129.1.Formao do direito real
129.2.Escritura pblica ou adjudicao compulsria
Reviso do Captulo
CAPTULO 22 INTRODUO AOS DIREITOS REAIS DE
GARANTIA
130.Consideraes prvias
131.Importncia
132.Funo
133.Excusso
134.Direito Romano
135.Conceito, constituio e natureza jurdica
135.1.Conceito
135.2.Constituio
135.3.Natureza jurdica
136.Caracteres
136.1.Imediatidade
136.2.Validade erga omnes
136.3.Acessoriedade
136.4.Especialidade
136.5.Indivisibilidade
136.6.Preferncia
Reviso do Captulo
CAPTULO 23 PENHOR
137.Notas preliminares
138.Penhor e penhora
-
139.Dados histricos
140.Penhor comum ou convencional
140.1.Conceito
140.2.Direitos do credor pignoratcio
140.3.Obrigaes do credor pignoratcio
140.4.Extino do penhor
141.Penhor Rural
141.1.Ad rubricam
141.2.Disposies gerais
141.3.Penhor agrcola
141.4.Penhor pecurio
142.Penhor Industrial e mercantil
143.Penhor de direitos e ttulos de crdito
144.Penhor de veculos
145.Penhor legal
Reviso do Captulo
CAPTULO 24 HIPOTECA
146.Consideraes prvias
147.Aspectos sociais
148.Conceito e elementos
149.Disposies gerais
149.1.Objeto da hipoteca
149.2.Subsistncia de nus reais
149.3.Alienao de imvel gravado
149.4.Pluralidade de hipotecas
149.5.Garantia hipotecria de dvida futura ou condicionada
149.6.Cdula hipotecria
150.Hipoteca Legal
151.Registro da hipoteca
152.Extino da hipoteca
153.Hipoteca de vias frreas
Reviso do Captulo
CAPTULO 25 ANTICRESE
154.Conceito e formao
155.A permanncia do instituto no Cdex
-
156.Disposies do Cdigo Civil
156.1.Ad rubricam
156.2.Normas conceituais
156.3.Administrao do imvel
156.4.Direitos e deveres do credor
Reviso do Captulo
BIBLIOGRAFIA
-
PREFCIO
O advento do to esperado novo Cdigo Civil em 2002 gerou, como
no poderia deixar de ser, o surgimento de uma vasta produo jurdica
tendente, de um lado, a colmatar a perplexidade originria do perodo
de vacatio legis, que antecede os novos sistemas codificados, e, de outro,
uma enorme expectativa a agitar o esprito dos estudiosos, com vistas a
determinar as novas tendncias exegticas que passaro a dominar o
cenrio jurdico do pas.
No caso brasileiro, especificamente, essas duas tendncias se revestem
de fundamental importncia e assombrosa expresso se considerarmos a
dimenso do pas e as tendncias regionais que sempre coloriram e
pontuaram as mais brilhantes manifestaes culturais de nossos
intelectuais. que o brilho espontneo dos juristas, aliado
heterogeneidade do pensar de cada regio, apesar da natural e esperada
diversidade axiolgica, sempre acabou se direcionando no delinear de um
escopo comum, capaz de resgatar o perfil tipicamente nacional, a maneira
de ser do povo brasileiro, suas expectativas e valores, suas atitudes e
pensamentos.
Esta aparente (ou superficial) diversidade nos coloca em posio
privilegiada, na medida em que cria ambiente propcio discusso,
investigao e contestao, to decisivas e to imantadas de valor, quando
se trata de produo, gerao e avaliao de cultura.
No sem razo a crescente ateno aliengena despertada pelas nossas
mais variadas manifestaes culturais. No cenrio jurdico, que nos
interessa mais de perto, a curiosidade intelectual aliada profunda simpatia
pela maneira de pensar e de ser do brasileiro, reproduzida em um sistema
codificado, tem provocado as mais diversas reaes dos segmentos cultos
americanos e europeus, mas sempre de perplexidade e admirao em face
da capacidade de o homem brasileiro se inventar e reinventar, em prova
inquestionvel de nossa inesgotvel capacidade de versatilidade.
Prova disso o surgimento do novo Cdigo Civil, que, apesar de suas
eventuais imperfeies e lacunas (nem haveria necessidade de perfeio, j
que a mutabilidade da prpria essncia da condio humana), conseguiu
aliar, e de forma magistral, o praticamente impossvel, isto , a passagem
de uma sociedade tipicamente patriarcal, assimtrica e dominantemente
rural, a uma sociedade global, neoliberal, cosmopolita e urbana.
Como j tivemos oportunidade de afirmar e contrariamente ao que
alardearam os detratores do novo sistema codificado (muito mais presos a
ideologias do que a qualquer convico de carter cientfico) , o que
impressiona, na nova proposta codificada, exatamente a adaptao de
institutos e tendncias seculares aos ditames da nova ordem social, sem
ruptura do sistema tradicional, sem quebra de princpios, para ns,
-
fundamentais e que nos guindam categoria de modernos, mas sem
comprometimento dos nossos mais caros valores, de, ainda que inseridos
no contexto mundial, no termos abandonado nossa mais autntica e
veemente identidade.
Como diria Miguel Reale, com sua natural serenidade e sbia
profundidade, h todo um saber jurdico acumulado ao longo do tempo,
que aconselha a manuteno do vlido e do eficaz, ainda que em novos
tempos.
Este resgate do vlido e do eficaz, esta permanente e inexorvel
manuteno do bom senso e da razoabilidade, este ponto de equilbrio,
prprio dos doutos, em face das situaes extremas e das posturas
radicalmente opostas, a virtude primeira que pontua toda a produo
jurdica de Paulo Nader, na sua mais recente proposta de anlise do novo
Cdigo Civil, materializada no Curso de Direito Civil, publicado pela
renomada Editora Forense.
Antes mesmo do Curso, Paulo Nader j encantara e ensinara geraes
de alunos e estudiosos com dois livros de leitura obrigatria: a Introduo
ao Estudo do Direito (j na 22 edio) e o seu no menos famosoFilosofia
do Direito (ora na 12 edio), obras que conseguem resgatar, de forma
magistral, a exuberncia do jusfilsofo, sem perder de vista a perspectiva
fundamental da constante aspirao de concretitude jurdica que caracteriza
o verdadeiro jurista.
Contudo, como era de se esperar, a curiosidade intelectual de Paulo
Nader, aliada ao seu intenso labor no ensino universitrio e riqussima
experincia adquirida no exerccio da magistratura, no podia se limitar
mera investigao filosfica; o cadinho valioso destas vivncias e
experincias, que, reconhea-se, poucos mortais tm o privilgio de
vivenciar, estava a exigir uma forma de manifestao mais ampla, mais
intensa, mais voltada multifacetria realidade cotidiana e que, agora, se
materializa em obra de dimenso perene, oCurso de Direito Civil, como
desdobramento impecvel da materialidade da norma jurdica.
O que encanta e esta a segunda virtude da obra de Paulo Nader a
forma repleta de naturalidade, porque calcada na vivncia de toda uma vida
de rica experincia e conhecimento, como consegue aliar a doutrina com a
prxis, em transposies da ordem subjetiva (dos standards jurdicos)
ordem objetiva, com uma facilidade e espontaneidade, nem sempre
encontrveis em obra do gnero.
No se pense, porm, que esta virtude, intrnseca sua produo,
compromete em qualquer momento a intensidade e a profundidade no trato
dos institutos jurdicos, como se poderia imaginar, ou suspeitar, em face
desta virtude estilstica. Ao contrrio, a leitura de todos os captulos
do Direito das Coisas impressiona o estudioso, desde as primeiras pginas
at as propostas doutrinrias derradeiras, pela preciso dos contedos, pelo
-
rigorismo impecvel do desdobramento dos tpicos e pela intensa
preocupao em fazer obra til, capaz de elucidar, esclarecer, ensinar e
orientar os estudiosos e profissionais do Direito.
Talvez a resida a terceira virtude do Direito das Coisas, que, sem se
perder na horizontalidade estril das Aulas que pouco ou quase nada
acrescentam, capaz de motivar e desencadear a investigao cientfica
jurdica e o gosto pelo Direito, quer na escala nacional (sempre empregada
em primeiro lugar, como pano de fundo), quer na esfera internacional, pelo
recurso de um direito comparado, bem dosado, vivel e adequado
realidade estudantil brasileira, sem os excessos da pura erudio, que a
nada conduzem.
que Paulo Nader, enquanto magistrado, tem a exata dimenso do
quanto difcil transpor a proposta terica ao mundo da realidade e do
quanto complexo o exerccio da deslocao do mundo das ideias ao
mundo da vivncia concreta; enquanto professor, sabe avaliar
perfeitamente o desafio do ato didtico que s se aperfeioa quando se
estabelece um canal de perfeita comunicao entre o mestre e o discpulo;
e, enquanto autor, s descansa quando consegue materializar, em toda sua
integralidade, a validade de uma mensagem cognitiva.
Todas estas qualidades j se haviam manifestado no primeiro volume
do Curso, como prognstico inquestionvel da grandeza de uma obra
anunciada; ganharam relevo expressivo no terceiro volume, dedicado
aos Contratos, e atinge plenitude, confirmadora do que j prevramos ao ler
os volumes anteriores, neste novo tomo dedicado ao Direito das Coisas.
O volume, como j se visualizara nos trabalhos anteriores, vem
imantado de uma intensa preocupao de ensinar, tornar claros contedos
nem sempre bvios (especialmente para os estudantes da graduao),
aprofundando a doutrina, quando a temtica exige, e estabelecendo os
devidos paradigmas entre a proposta de 1916 e a atual sistemtica.
Claro est, e Paulo Nader tambm o reconhece, sem excessos e
posturas radicais, mas com a serenidade dos doutos, que o novo Cdigo
Civil apresenta incorrees e impropriedades, no comprometedoras,
entretanto, da validade da nova proposta, superadora de muitos problemas e
dificuldades anteriormente existentes. Compete ao jurista sempre resgatar e
revalorizar a ordem jurdica, especialmente diante da excepcional situao
histrica vivenciada, agora, pela sociedade brasileira: o advento de um
novo sistema codificado.
No bastasse a intensa preocupao em apresentar a melhor doutrina,
nacional e estrangeira, o novo volume do Curso de Direito Civil vem
acompanhado de rica e atualssima jurisprudncia, permitindo ao leitor
fazer as devidas transposies do direito desejado ao direito vivenciado.
que, como o prprio autor reconheceu, a ordem jurdica no evolui e
-
alcana a estabilidade cientfica sem o apoio de uma segura orientao
doutrinria e esta no faltou no campo do Direito das Coisas.
O trabalho fecundo, detalhista, quase artesanal, apresentado pelo autor,
vai conduzindo o leitor, paulatinamente, no mundo dos direitos reais, desde
as noes mais singelas at as mais complexas, desvendando os mistrios e
sutilezas de um ramo do Direito Civil, de nem sempre fcil abordagem. O
perfil especfico deste complexo universo civilista vai se delineando pelas
articulaes lgicas, ticas e fticas, como reconheceu Paulo Nader, num
crescendo, inaltervel, de premissas, raciocnios e concluses, por meio de
atividade criadora das mais fecundas e imantada do mais veemente
humanismo: que, no obstante tratar a matria das coisas, o autor jamais
negligencia a dimenso do Homem e a sua funo de minorar a
materializao inexorvel da sociedade moderna.
A proposta doutrinria e didtica de Paulo Nader, j manifestvel em
obras de flego, que lhe garantiram respeito e admirao no mundo jurdico
nacional, com o incondicional aplauso dos alunos e dos doutos, certamente
est fadada ao sucesso e perenidade, em mais uma manifestao
expressiva do quanto pode a sensibilidade e o conhecimento aliados ao
trabalho srio e rigoroso dos verdadeiros cientistas.
Apraz-me e honra-me, sobremaneira, ser o arauto primeiro deste
volume do Direito das Coisas, convicto de que os elogios aqui
pronunciados sero constantemente reafirmados por esta e pelas geraes
vindouras de operadores do Direito.
Junho de 2005
Eduardo de Oliveira Leite
Doutor e Ps-Doutor em Direito. Professor
Titular na Faculdade de Direito da UFPR e Advogado no Paran.
-
NOTA DO AUTOR
Estudado cientificamente, o Jus Positum exerce verdadeiro fascnio
sobre o pesquisador, pois o seu objeto retrata interesses bsicos das pessoas
humanas, algo que lhes toca diretamente a sensibilidade. Ao aprofundar a
sua anlise, o jurista depara-se com um quadro incompleto, que exige o seu
esforo exegtico, a fim de depurar as imperfeies das fontes normativas.
que a ordem jurdica no se expe sem impor desafios, conjeturas,
articulaes lgicas, ticas e fticas. Em seu trabalho e sob certo aspecto, o
jurista reconstri o objeto para dar aos documentos legislativos o sentido de
verdadeira ordem jurdica.
O Jus Civile, como parte do Direito Positivo, possui tais predicados.
Seus institutos despertam os juristas, atraindo-lhes a ateno e aguando-
lhes a curiosidade cientfica. Cada sub-ramo do Direito Civil, ao regular
uma parte da realidade social, envolve o pesquisador numa teia particular
de interesses, motivando-o para a definio e o aperfeioamento da ordem
jurdica. Na Parte Geral, o sistema fornece os conceitos estruturais, que
do embasamento ao raciocnio jurdico. As noes de pessoa, bens e fatos
jurdicos se projetam no apenas em toda a extenso do Direito Civil, mas
no ordenamento jurdico como um todo, fornecendo-lhe paradigmas. Como
aferir a regularidade de um contrato, por exemplo, sem a prvia noo de
capacidade e de fatos jurdicos? As Obrigaes, por suas partes geral e
especial, favorecem a circulao das riquezas, pois do ao mundo dos
negcios amplos modelos e frmulas para as mais variadas convenes. A
importncia da famlia estruturada, seja pela solidariedade econmica ou
moral de seus membros e estabilidade emocional que proporciona, seja
pelo seu insubstituvel papel na formao da juventude, d a medida do
significado do Direito de Famlia, que a expresso normativa dos elos
que a compem. Sucesses sub-ramo que basicamente se atrela famlia,
pois, ao cuidar da destinao post mortem do patrimnio, direciona os bens
para os membros da unidade familiar, a par da relativa liberdade dos atos
de ltima vontade.A sucesso patrimonial atua, via de regra, como estmulo
ao trabalho e produo de bens. A importncia das Sucesses est ligada
ao significado dos bens em geral.
Quanto ao Direito das Coisas, a sua relevncia advm do valor das
coisas mveis e imveis em geral. Pelo que estas possuem de bsico, so
indispensveis aos seres humanos. Embora a posse, a propriedade e osjus in
re aliena sejam apenas instrumentos para a realizao dos fins que a pessoa
humana busca alcanar, so valores que a ordem jurdica deve tutelar.
Como os demais sub-ramos do Jus Civile, o Direito das Coisas se originou
em Roma, pela obra dos jurisprudentes e dos pretores, e conserva, ainda, de
um modo geral, os princpios ali cultivados, como se pode inferir do cotejo
das codificaes atuais com o Corpus Juris Civilis.Nestes dois milnios
-
que os separam, todavia, importante evoluo se operou. O Direito
contemporneo reconhece a dignidade inerente aos seres humanos,
indistintamente; a propriedade, embora compreenda ainda os princpios
do jus utendi, fruendi e abutendi, j no constitui um direito absoluto do
qual o seu titular possa desfrutar ilimitadamente. Avulta de importncia,
neste incio de milnio, a funo social da propriedade. Esta se condiciona
ao bem-estar social. Mecanismos importantes so introduzidos na ordem
jurdica, para evitar que o egocentrismo prevalea nas relaes sociais em
detrimento da fora de trabalho. A usucapio pro labore, a habitacional e
a coletiva so exemplos do novo sentido social da propriedade. Igualmente,
as desapropriaes por interesse social, que objetivam o bem-estar da
coletividade.
A ordem jurdica no evolui e alcana a estabilidade cientfica sem o
apoio de uma segura orientao doutrinria e esta no faltou no campo do
Direito das Coisas. Historicamente vem ocorrendo, tanto no Direito
Comparado quanto em nossa experincia, uma renovao nos quadros
da Juscivilstica. No passado, brilhantes juristas adaptaram os princpios da
cincia ao nosso Direito das Coisas, destacando-se as figuras exponenciais
de Augusto Teixeira de Freitas, Clvis Bevilqua, Lacerda de Almeida,
Lafayette Rodrigues Pereira, Virglio de S Pereira, Ddimo Agapito da
Veiga, J. M. de Carvalho Santos, Eduardo Espnola, Astholfo Rezende,
Tito Fulgncio, entre outros. As lies desses eminentes autores so
imperecveis e no h como dizer as instituies atuais sem a remisso s
suas obras. Seguiram-se as lies inolvidveis de Pontes de Miranda, San
Tiago Dantas, Caio Mrio da Silva Pereira, Orlando Gomes, Washington
de Barros Monteiro, Antnio Chaves, Slvio Rodrigues, Arnoldo Wald e
Darcy Bessone. Uma casta de notveis valores se desponta nesta poca de
reinterpretao do Direito Civil. Tantos so os seus nomes que seria uma
temeridade a sua indicao, pois fatalmente haveria imperdoveis
omisses. Tal fato nos d a certeza de que a atual gerao se desincumbir
no apenas de dizer a ordem jurdica vigente, mas tambm de colaborar
com o seu aprimoramento, acudindo o legislador com oportunas
comunicaes e proposies legislativas, uma vez que doutrina cumpre
igualmente desenvolver uma atividade criadora.
Ao elaborar as presentes lies de Direito das Coisas, procuramos no
apenas dizer as instituies vigentes, mas contribuir, ainda, com a anlise
crtica, apontando falhas e inadaptaes de
natureza lgica,ftica e axiolgica, das regras ou princpios consagrados
pelo Cdigo Reale. A nossa ateno esteve voltada, igualmente, para a
tcnica legislativa adotada, na qual, no raro, se constatam impropriedades.
As incorrees que o novo Cdex apresenta no impedem o
reconhecimento de que houve, com ele, a superao de muitos problemas e
dificuldades anteriormente existentes. O fato que as codificaes, por
-
maior esmero cientfico e tcnico de seus artfices, no so suscetveis de
perfeio, mas de aperfeioamento. Em nossa experincia e no Direito
Comparado!
Aos Professores Eduardo de Oliveira Leite e Almir de Oliveira, que
escreveram, respectivamente, o prefcio e a matria de quarta capa, o
agradecimento especial do autor. So dois nomes que se impem nas letras
jurdicas nacionais, merc de sua produo cientfica e fecunda
participao em congressos, em que se discute a metodologia do ensino
jurdico e traam-se os rumos da Cincia do Direito.
-
INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS
-
INTRODUO AO DIREITO DAS COISAS
Sumrio: 1. Consideraes prvias. 2. Terminologia, conceito e objeto do Direito das Coisas. 3. Noo de direito real. 4. Classificao e caracteres dos direitos reais. 5. Paralelo entre direitos reais e obrigacionais. 6. Os direitos reais no Direito Internacional Privado. 7. Aes reais. 8. Direito real e obrigao propter rem.
1.CONSIDERAES PRVIAS
A pessoa humana, ser imperfeito que , depende do reino da natureza e
do mundo da cultura para lograr a sobrevivncia e realizar o
desenvolvimento de suas potncias ativas. Em seu atuar e fazer, necessita
de exercer o poder sobre as coisas que lhe so essenciais, como a
indumentria, os alimentos, a habitao, os instrumentos de trabalho. Como
a sua vida desenrola-se em sociedade, onde concorre com pessoas
animadas por iguais interesses, indispensvel o surgimento de regras
bsicas sobre a posse, propriedade e relaes anlogas, alm de princpios
gerais de Direito. A justificativa do Direito das Coisas est ligada
carncias primrias do ser humano.1 De acordo com J. W. Hedemann, o
Direito das Coisas serve dominao dos bens terrenos, sem a qual a vida
do homem impossvel. medida que o ser humano evolui
culturalmente,o Direito das Coisas se refina, convertendo-se em objeto de
estudos cientficos e de uma frondosa jurisprudncia.2
Afirmar que o Direito das Coisas regula importante matria de ordem
social redundncia, verdadeiro trusmo, pois o Jus Positum cuida
exclusivamente de questes relevantes, seja para prevenir ou solucionar
conflitos interpessoais. Ocorre, porm, que esta ramificao do Direito
Civil possui por ncleo a posse, propriedade e os direitos reais sobre
coisas alheias, em torno dos quais agigantam-se os interesses e na
proporo dos diferentes graus do capitalismo vigente.
O Direito das Coisas domnio do Direito Civil que se mostra
receptivo mudanas culturais, especialmente s que se operam na esfera
poltico-ideolgica, e revela um coeficiente de princpios e regras de carter
nacional.3 Seu campo legislativo marcado por normas de ordem pblica,
que se sobrepem aos interesses particulares. Lacerda de Almeida, aps
empreender uma pesquisa aprofundada nesta provncia do conhecimento
-
jurdico, confessou o quanto se surpreendeu com o carter evolutivo do
Direito das Coisas. Parecia-lhe, anteriormente, que este sub-ramo
constitusse a sede das foras conservadoras na dinmica geral do
Direito, a parte mais refratria transformaes e ao progresso, a mais
acentuadamente histrica... Reconheceu o seu equvoco, diante
da preponderncia cada vez maior do interesse pblico sobre o interesse
particular no Direito Privado, os progressos do socialismo do Estado...,
alm de registrar o alargamento do Direito das Coisas, ao aambarcar
matrias ento consideradas do mbito do Direito das Obrigaes.4 E o
depoimento do emrito civilista clssico foi h um sculo, quando a
histria ainda reservava uma grande projeo do interesse coletivo na
esfera da propriedade privada!
Ludovico Barassi aponta o exerccio efetivo do direito real como ato
discricionrio do titular, uma vez que o direito subjetivo o senhorio da
vontade.5 Realmente no h norma que imponha o uso e o gozo, por
exemplo, da propriedade, mas a inrcia do seu titular pode trazer-lhe
resultado negativo, especialmente em face da valorizao crescente do
princpio da funo social da propriedade. Conforme as peculiaridades do
caso concreto, o titular sujeita-se usucapio em menor prazo e ao
processo desapropriatrio.
Alguns autores julgam o Direito das Obrigaes conservador em seus
princpios superiores, alm de apresentar uma tendncia universalizao.
Aquela caracterstica era levada em considerao no paralelo que se fazia
com o Direito das Coisas, pois os seus institutos eram dominados pelo
princpio da autonomia da vontade. Hodiernamente, o Direito das
Obrigaes rene um acervo de regras cogentes, que fixa limite s
convenes. Os princpios da funo social do contrato e boa-f
objetiva, somados aos balizamentos doCdigo de Defesa do Consumidor,
submetem as relaes obrigacionais normas de ordem pblica. De certo
modo, parte dos direitos obrigacionais conduz formao de direitos reais,
como ocorre na compra e venda. Ao firmar o contrato, o vendedor se
obriga a transferir a propriedade ao comprador, o que se efetiva com a
tradio. No h como se quantificar o carter dinmico do Direito das
Coisas, comparativamente ao do Direito das Obrigaes. Ambos esto
abertos modernidade, seja para alcanar o aperfeioamento cientfico ou
abrigar o novo sentido de justia, mais social e humana.
A funo social da propriedade,6 reconhecida no plano
constitucional,7 direciona o legislador para adaptar o instituto s condies
econmicas do momento histrico, movendo-se no apenas pela justia
comutativa, mas sensvel aos imperativos da justia social. A realidade
nacional cria especiais desafios. Os grandes centros urbanos esto cercados
por habitaes precrias em todos os sentidos, ao mesmo tempo em que
aumenta a reivindicao de terra por grupos politicamente organizados,
-
visando a obter condies de trabalho no campo e moradia familiar. A
questo social gera a chamada contracultura, que se coloca antagnica
aoDireito Oficial. Diante de um quadro como este, natural que o Direito
das Coisas deste incio de milnio no conserve os paradigmas que deram
sustentao ao Cdigo Civil de 1916, o qual retratou uma sociedade agrria
dominada pela filosofia individualista. O Cdigo Bevilqua,8 pelo art. 524,
assimilou a orientao romana de propriedade: Ius utendi, fruendi et
abutendi re sua quatenus iuris ratio patitur.9 O atual, embora transcreva
o caput do citado artigo, pelos pargrafos do art. 1.228 se abre
modernidade, condicionando o exerccio do direito de propriedade aos
mltiplos valores essenciais vida, ao progresso e cultura, como
oequilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico. O Cdigo Reale
no chegou a adotar a filosofiacoletivista, mas um transpersonalismo, que
visa a conciliar os valores individuais e os coletivos, dando preeminncia a
um ou a outro de acordo com a situao prevista. Consoante a Exposio
de Motivos, pertinente ao Direito das Coisas, foi possvel satisfazer aos
superiores interesses coletivos com salvaguarda dos direitos individuais.10
2.TERMINOLOGIA, CONCEITO E OBJETO DO
DIREITO DAS COISAS
2.1.Terminologia
No mbito doutrinrio, dividem-se as preferncias sobre a
nomenclatura da ramificao civilista. Alguns a denominam Direito das
Coisas, enquanto outros a designam por Direitos Reais. Tanto o Cdigo
Civil de 1916 quanto o de 2002 optaram pelo primeiro nomen iuris.11 A
expresso Direito das Coisas mais abrangente, uma vez que a posse no
se acha catalogada entre os direitos reais, embora a matria envolva
dissdio doutrinrio. Para alguns constitui puro e simples direito real e para
outros seria um direito real provisrio.12 Acresce, ainda, que a
palavra direito, colocada no plural, via de regra meno aos direitos
subjetivos, sendo certo que a denominao deve ser pertinente ao jus
norma agendi. Por outro lado, Carlos Alberto da Mota Pinto, embora
considerando sinnimas as expresses, aponta uma impropriedade
em Direito das Coisas, pois dentro de uma rigorosa viso lgica deveria ser
o estatuto das coisas, ou seja, o conjunto de regras que dispe sobre o
conceito, espcies e outras noes ligadas s coisas.13 Tendo em vista a
equivalncia das expresses, acompanhamos a terminologia do Cdigo
Civil de 2002. A frmula legislativa, no sendo inconveniente, deve ser
prestigiada pela doutrina, a fim de se alcanar a padronizao da linguagem
jurdica.14
-
2.2.Conceito e objeto
O Direito das Coisas a parte do Direito Civil que regula os poderes da
pessoa sobre bens materiais mveis e imveis e imateriais. Tais poderes
envolvem a submisso do objeto e a capacidade de produzir efeitos
jurdicos. Exemplificando com o direito de propriedade, o Direito das
Coisas confere ao titular do direito subjetivo a possibilidade de uso, gozo e
disposio do bem, com excluso de outrem e nos limites da lei. Para
Massimo Bianca, poder jurdico a capacidade do sujeito de produzir
determinados efeitos jurdicos.15 Na realidade o poder jurdico no se
restringe produo de resultados jurdicos, como o de alienao da coisa,
mas tambm o de uso e gozo, alm do exerccio da pretenso, que a
possibilidade de exigir de terceiros, judicialmente, a tutela de um direito. O
possuidor, vtima de esbulho, pode no apenas requerer judicialmente a
eficcia de seus direitos, como reagir incontinenti, manu militari, a fim de
impedir a consumao do ato. O Direito das Coisas dispe basicamente
sobre os chamados direitos reais, entre os quais destaca-se o direito de
propriedade.
No pacfico o entendimento que estende o objeto do Direito das
Coisas aos bens imateriais ou incorpreos. Alguns autores identificam
a propriedade literria, cientfica e artstica com os direitos de
personalidade. O Cdigo Civil austraco, de 1811, estabeleceu
que propriedade de uma pessoa se chama tudo o que lhe pertence, todas
suas coisas corporais e incorporais. Os direitos autorais, durante a
vigncia do Cdigo Bevilqua, foram descodificados e hoje so objeto da
Lei n 9.610, de 19.02.1998. Em realidade, nos direitos autorais devemos
distinguir os direitos morais, que so o elo irrenuncivel, no transmissvel,
fora de comrcio, existente entre o autor e a sua produo, e os direitos
patrimoniais,16 que so passveis de comercializao.17 A citada Lei n
9.610/98, pelo art. 3, considera esses direitos patrimoniais bens mveis,
para efeitos legais.
A fim de situar e dar compreenso rea de estudo, impe-se a
definio de alguns conceitos bsicos. A matria em questo no se
apresenta uniforme no campo doutrinrio. Bem, em sentido filosfico,
tudo o que promove a pessoa em sentido integral e integrado.18 Abrange o
campo da matria e do esprito. Os alimentosconstituem um bem, pois
induzem a sobrevivncia; a paz um bem inestimvel para a humanidade,
pois permite o exerccio do direito vida e o de liberdade; o dio valor
negativo, um desvalor, dado que aniquila as relaes e no promove a
pessoa. H quem atribua maior abrangncia ao sentido filosfico, como
Demolombe, para quem a palavra compreende tudo o que pode
proporcionar ao homem uma satisfao qualquer, moral ou
-
material.19 Pensamos que no plano filosfico o bem deve estar,
necessariamente, harmnico Moral, pois seu valor especfico.
Em sentido jurdico, bem qualquer ser, material ou imaterial, objeto
de proteo jurdica. Ao indagar o sentido jurdico da palavra bem,
Demolombe responde: Sob a palavra bens, na linguagem dos
jurisconsultos, designam-se as coisas suscetveis de proporcionarem ao
homem uma utilidade exclusiva e de tornar-se objeto do direito de
propriedade. Quanto ao vocbulo coisa, o membro da Escola da Exegese
atribui conotao ampla: comprend tout ce qui existe, alcanando no
apenas os seres passveis de apropriao, mas tudo que se encontra no
mundo natural, como o sol, o ar, o mar etc. A coisa seria o gnero e o bem,
a espcie.20
As coisas constituem bem jurdico, desde que suscetveis de
apropriao, o que significa controle, dominao, e apresentem contedo
econmico. Este pressupe existncia limitada, o que no ocorre, por
exemplo, com a luz do sol, as guas do oceano, o ar atmosfrico. Enquanto
os bens podem ser corpreos ou incorpreos, as coisas se compem apenas
de matria. Massimo Bianca conclui neste sentido: ... bens so todas as
entidades fsicas ou ideais, idneas para constituir em geral objeto de
direito, enquanto as coisas so bens corporais.21 Coisas corporais, no
sentido romano, eram identificadas como quae tangi possunt, ou seja,
desde que alcanveis pelos sentidos humanos. Tal noo, ao ver de
Roberto de Ruggiero, ainda pode ser considerada, desde que
por tangibilidade se admita inclusive a matria de consistncia etrea,
como o gs, a eletricidade e a radioatividade.22
Na sntese de Alberto Trabucchi, se direito tutela de interesses, ser
a aptido das coisas para satisfazer um interesse humano... o que qualifica
a mesma coisa como bem, isto , como objeto da tutela
jurdica.23 Classificam-se as coisas em objetos naturais e culturais. Os
primeiros so os fornecidos pela natureza, como os peixes, frutos, animais.
Os objetos culturais resultam da experincia, da atividade da pessoa, como
o livro, a casa, o computador. Nos exemplos citados, o suporte material
fornecido pela natureza.
De acordo com a sistematizao do Cdigo Civil, a teoria geral dos
bens configura o Livro II, da Parte Geral, razo pela qual foi objeto de
estudo no primeiro volume deste Curso de Direito Civil. Tivemos a
oportunidade de assinalar o acerto do legislador ptrio, uma vez que a
matria no pertinente apenas ao Direito das Coisas, mas de interesse
amplo, atingindo reas jurdicas de contedo econmico.
-
3.NOO DE DIREITO REAL
3.1.Ad rubricam
A expresso direito real (jus in re) inexistiu no Direito Romano
clssico, sendo atribuda aos glosadores, na Idade Mdia. Ulpiano utilizou-
se da terminologia personales actiones como referncia s aes ligadas
aos direitos obrigacionais. No obstante, o Direito Romano distinguiu os
direitos reais dos obrigacionais, tanto pelos critrios de criao quanto
pelos de transmisso.24 O termo direito real pode ser
considerado objetiva ousubjetivamente. Sob o primeiro aspecto, equivale
terminologia Direito das Coisas, correspondendo ao conjunto de normas
que organiza os institutos da posse, propriedade e direitos sobre a coisa
alheia (jura in re aliena). Subjetivamente considerado, direito real o
poder jurdico da pessoa sobre a coisa, independente de intermedirio,
tendo a coletividade como sujeito passivo da relao. Direito real por
excelncia o depropriedade, pois consiste no amplo domnio do titular
sobre a coisa, dele derivando os demais direitos reais. Alguns autores
tomam o vocbulo propriedade como sinnimo de domnio, enquanto a
maior parte reserva este ltimo apenas para os bens incorpreos.25 Com
apoio na lio de S Pereira, o civilista Carvalho Santos esclarece que a
palavra domnio geralmente empregada em sentido subjetivo e como
referncia ao poder de atuar sobre a coisa, enquanto o
vocbulo propriedade seria mais utilizado em sentido objetivo e como
exteriorizao desse poder no vincular a coisa pessoa.26
Como todo direito subjetivo, o direito real se origina de um fato
jurdico nico. No possvel a sua criao por mais de uma causa jurdica,
como preleciona Von Thur. Se duas causas se apresentam, apenas uma
alcana eficcia real. Caso o titular de um direito de propriedade tenha a
seu favor, alm da tradio da coisa, a usucapio, o seu direito nasceu
apenas de um deles. Diz o eminente jurista alemo: ... ou o proprietrio
adquiriu a coisa imediatamente, por efeito da tradio, e ento no se
produziu a usucapio; ou a tradio no teve tal efeito e ento a
propriedade foi adquirida por usucapio. Von Thur, com fulcro no art.
1.239 do BGB, acusa uma nica exceo: a compra, pelo proprietrio, da
coisa empenhada. A hiptese retrata efetivamente duas causas, mas a
ocorrncia da segunda exclui a eficcia da primeira: Quando o credor
pignoratcio adjudica a coisa ao proprietrio, este perde o seu direito
anterior e adquire como qualquer terceiro uma propriedade nova.27 A
rigor, no se trata de exceo, pois os ttulos de domnio no se acumulam,
sucedem-se.
O conceito mais amplo de direito real (jus in re) alcanado na anlise
de sua relao jurdica e no paralelo com o direito obrigacional (jus ad
-
rem), tambm designado pessoal28 ou de crdito. Ambos apresentam
contedo patrimonial, mas, como destaca Carlos Alberto da Mota Pinto,
enquanto o direito obrigacional promove a mobilidade do circuito
econmico, como no contrato de compra e venda, o direito real
desempenha um papel oposto: disciplina a esttica patrimonial, ao definir
os poderes do titular do direito. Para o jurista portugus, pode dizer-se que
os direitos reais so relaes de manuteno e defesa do statu quo e no,
ao contrrio das obrigaes, direitos de prestao....29 Em relao ao
direito de crdito, mais simples a identificao de um direito real, pois
basta a indicao da coisa e sua titularidade, enquanto o de crdito requer
ainda a individuao do sujeito passivo.30
Embora haja controvrsia no mbito doutrinrio, prevalece a opinio de
que os direitos reais so numerus clausus, no existindo fora do elenco
reconhecido pelo ordenamento jurdico. o princpio
da tipicidade oulegalidade dos direitos reais. Os particulares no podem,
assim, criar outros tipos de direitos reais. No Direito ptrio insustentvel
a tese oposta numerus apertus , que toma a relao legal apenas como
enumerativa ou exemplificativa.31 Antes de discrimin-los, o art. 1.225 do
Cdigo Civil peremptrio em sua redao:So direitos reais:....32 O
princpio da legalidade foi consagrado, explicitamente, pelo Cdigo Civil
peruano: Artculo 881. Son derechos reales los regulados en este Libro y
otras leyes. Em contrapartida, o elenco dos direitos obrigacionais
ilimitado. Ao lado dos contratos tpicos, por exemplo, h os atpicos,
desenvolvidos por iniciativa das partes e nos limites da lei. A opo pelo
princpio da legalidade ou numerus clausus no se faz por simples acaso,
mas por motivos de ordem pblica. Como Anbal Torres Vsquez ressalta,
com a limitao as legislaes pretendem evitar que se creen
vinculaciones que impidan la circulacin de los bienes por largo tiempo
sin que generen riqueza o que se retorne a la forma feudal de organizacin
de la propiedad.33 No Direito Romano, os direitos reais limitados
subordinavam-se aoprincpio da tipicidade, no podendo os interessados
criar outros modelos alm dos previstos no ordenamento: enfiteuse,
superfcie, servides, direitos de garantia.34
Em uma relao jurdica h sempre o direito subjetivo, cujo titular
denominado sujeito ativo, o dever jurdico, ao qual se liga o sujeito
passivo e o objeto, sobre o qual recai o poder do sujeito ativo. O objeto
sempre uma coisa ou um fato. No direito obrigacional, o objeto se compe
de um fato e a doutrina pacfica no sentido de conceber o vnculo entre
pessoas: o sujeito ativo o credor (reus credendi) e o passivo (reus
debendi), o devedor. O poder do sujeito ativo no recai diretamente sobre a
coisa, mas em face de algum determinado ou determinvel e do qual se
exige um fato. Esse direito prev uma prestao de dar, fazer ouno
fazer. No direito real h um poder sobre a coisa exercido diretamente pelo
-
titular, sem a mediao de algum. Embora prevalea o entendimento de
que nele a relao se opera tambm apenas entre pessoas, h, contudo,
divergncias doutrinrias.
3.2.Teoria clssica ou romana
Para os adeptos desta concepo, no direito real existe uma relao
direta e imediata entre o sujeito e o objeto do direito. Compete s leis
estabelecer o elenco das faculdades de que o sujeito se acha investido em
relao s coisas. As atitudes, por exemplo, que o usufruturio de um
imvel pode ter so dimensionadas pelo ordenamento jurdico. De acordo
com a teoria, inexiste um vnculo que ligue o titular a outra pessoa. A teoria
se funda na distino romana entre a actio in rem e a actio in personam.
Nas aes reais (actio in rem) o nome do demandado no figurava
na intentio, uma vez que se concebia a relao entre o titular e a coisa,
enquanto nas pessoais (actio in personam), a ao era ajuizada em face de
determinada pessoa. Em sua definio, Baudry-Lacantinerie bem sintetizou
a orientao da teoria clssica: O direito real o que temos direta e
imediatamente sobre uma coisa... A coisa se encontra submissa
diretamente ao e vontade de uma pessoa. A seguir o jurista francs
discrimina os dois elementos do direito real: 1 Une personne, sujet actif
du droit, titulaire du droit, par exemple le propritaire dans le droit de
propriet; 2 Une chose objet du droit.35 Entre ns, de forma direta e em
termos francos, Clvis Bevilqua sustentou a teoria: Basta-me afirmar
que a relao entre a pessoa e a coisa manifesta e irrecusvel, para
quem no se deixe dominar por preconceitos....36
Modernamente a teoria ainda atrai adeptos, embora em minoria,
figurando Massimo Bianca entre os seus seguidores na
atualidade: Direitos reais so os direitos que nos conferem um poder
imediato e absoluto sobre uma coisa.37 Como observa Marcel Planiol, esta
concepo exclui da relao jurdica um elemento que lhe essencial: o
sujeito passivo.38
3.3.Teoria personalista
Para os seus defensores, o direito real apresenta uma relao jurdica
entre o seu titular e a coletividade, portadora do dever jurdico. Se o direito
real de propriedade, no polo passivo da relao e com deveres omissivos
estariam todas as pessoas, indeterminadamente. No haveria, destarte, uma
relao jurdica entre o titular do direito e a coisa. Esta seria apenas o
objeto sobre o qual o titular exerceria o seu poder. A teoria personalista
surgiu ao final do sc. XIX, na doutrina do Sistema Continental de
Direito, e exposta, entre outros autores, por Windscheid, na Alemanha, e
Planiol, na Frana.39 O direito real apresenta efetividade erga omnes, ou
-
seja, contra todas as pessoas, da dizer-se que ele absoluto. A teoria
personalista coloca em destaque o lado externo do direito real, que a
relao do sujeito ativo com todos aqueles que tm o dever jurdico
negativo, isto , a coletividade. Deixa, todavia, de colocar em destaque o
lado interno, que o poder direto e imediato do sujeito ativo sobre o objeto.
Quem teria dado as condies para o surgimento da teoria personalista, na
opinio de Pontes de Miranda, seria Savigny, ao excluir, em seus estudos
sobre as relaes jurdicas, a possibilidade de um vnculo entre pessoa e
coisa.40
A doutrina que se contrape teoria clssica, na anlise de Luiz da
Cunha Gonalves, uma concepomonista, que se divide em correntes
personalistas e objetivistas, todas eliminando a dualidade direitos
reais eobrigacionais. Enquanto para as primeiras todas as relaes
patrimoniais configuram direitos reais, para as segundas s haveria direitos
obrigacionais.41
3.4.Teoria ecltica
Atuando como verdadeira sntese da dialtica hegeliana, a teoria
ecltica se apresenta como frmula conciliadora das correntes que se
contrapem. Seus expositores tomam por lado interno do direito real o
ncleo da teoria clssica poder imediato e direto sobre a coisa e como
lado externo o ncleo da teoria personalista oponibilidade erga omnes,
sustentando a tese de que a imediatidade deriva do carter
absolutoou oponibilidade contra todos.42 Atualmente, esta a teoria
predominante entre os juristas.43 A identificao do direito real apenas pela
composio do polo passivo, formado pela universalidade de pessoas,
insuficiente, pois esta caracterstica comum aos direitos subjetivos
absolutos. A face externa do direito real apenas parte de sua estrutura, que
se compe ainda do poder direto e imediato que o sujeito ativo detm sobre
a coisa.
4.CLASSIFICAO E CARACTERES DOS DIREITOS
REAIS
4.1.Classificao
Em razo de sua diversidade tipolgica, os direitos reais so
classificados, doutrinariamente, segundo critrios no uniformes e que se
justificam na medida em que favorecem a compreenso da categoria
jurdica e sua aplicabilidade.
Quanto amplitude de poderes concentrados, o direito real pode
ser pleno ou limitado. A primeira classe (in re potestas plena) integrada
-
pela propriedade, cujo direito confere ao seu titular o poder de usar, gozar
e dispor da coisa, com excluso de outrem e nos limites da lei. O conceito
da outra classe deriva de uma comparao entre algumas modalidades de
direitos reais com o de propriedade. Afora este, os direitos reais so
limitados, pois no outorgam aos seus respectivos titulares a extensa gama
de poderes que se irradiam do direito de propriedade. Estes direitos
possuem por objeto a coisa alheia. luz do Direito ptrio, consoante o art.
1.225 do Cdex, so direitos reais limitados: a superfcie, as servides, o
usufruto, o uso, a habitao, o direito do promitente comprador do
imvel,44 o penhor, a hipoteca e a anticrese. O critrio distintivo se explica,
ainda, segundo Tupinamb M. C. do Nascimento, pelo fato de a
propriedade ser perptua, pois nem a morte de seu titular extingue o direito
real, que se transmite, imediatamente, aos sucessores, enquanto os demais
direitos reais so temporrios.45
Considerando-se a titularidade do objeto, o direito pode recair sobre a
coisa prpria (jus in re propria) ou alheia (jus in re aliena). No primeiro
caso, temos o direito de propriedade e, nos direitos reais sobre a coisa
alheia, os direitos de fruio e os direitos de garantia. Os de fruio
habilitam o seu titular a tirar proveito direto e imediato do objeto,
beneficiando-se de sua utilidade funcional ou serventia. So eles: a
superfcie, as servides, o usufruto, o uso, a habitao. Os direitos reais de
garantia, que incidem naturalmente sobre a coisa alheia, so: o penhor, a
hipoteca, a anticrese. Existem apenas onde houver dvida e visam a
garantir o credor. Embora a classificao dos direitos reais de garantia
esteja assente na doutrina, j houve quem a contestasse. Na opinio de Jos
Tavares, para que a hipoteca fosse considerada direito real seria necessrio
que tivesse existncia autnoma, prpria, como no sistema germano-suo;
no sistema latino, em que se apresenta inteiramente dependente do crdito,
constitui, ao lado do penhor, meros acessrios dum direito de
crdito.46 Quem mais se ops classificao da hipoteca como direito real
foi o jurista francs Marcad, que a considerava tanto um jus ad rem
direito a uma prestao quanto um jus in rem, ou seja, um direito sobre a
coisa, no contra uma pessoa.47
Sob o ngulo da autonomia, o direito real pode
ser principal ou acessrio. O primeiro existe por si, como o direito de
propriedade, o usufruto, enquanto o segundo necessariamente se atrela a
uma relao obrigacional. Constitui, no dizer de Arnoldo Medeiros da
Fonseca, uma afetao de um bem determinado segurana do
credor.48 Direitos reais acessrios so, portanto, os direitos reais de
garantia: penhor, hipoteca, anticrese. No dizer de Mazeaud e
Mazeaud, eles reforam a situao do credor, permitindo-lhe ser pago.49
Uma outra classificao que apresenta implicaes prticas a que
distingue os direitos reais emmobilirios e imobilirios, segundo incidam
-
sobre coisas mveis ou imveis. Os arts. 1.226 e 1.227 do Cdigo Civil
dispem, respectivamente, sobre a forma de aquisio dos direitos reais
mobilirios e imobilirios.
4.2.Caracteres
Entre os traos distintivos dos direitos reais, figuram:
4.2.1.Tipicidade
Para que um direito se qualifique como real, indispensvel que figure
no elenco legal dos direitos reais. a conditio si ne qua non. Sem a
tipicidade, poder-se- ter direito, no um direito real. A prescrio do
citado art. 1.225 do Cdex no inibe o surgimento, na legislao
extravagante, de outros direitos reais. Entendo ainda que estes podem
emergir, mais amplamente, da ordem jurdica como um todo, desde que se
d determinada categoria o tratamento especfico dos direitos reais. O que
o princpio da tipicidade veda a criao de um direito real pelos
particulares, na gesto de seus interesses e com fulcro na autonomia da
vontade.
4.2.2.Oponibilidade erga omnes
Os direitos reais apresentam carter absoluto, erga omnes, pois valem
contra todas as pessoas. Em relao a eles a coletividade possui dever
negativo ou omissivo, devendo respeit-los na forma da lei. Tal
caracterstica, contudo, no exclusiva dos direitos reais, porm comum
aos direitos absolutos, como os direitos da personalidade.
4.2.3.Direito de sequela
O direito real acompanha a coisa, aderindo-a, independentemente de
onde se encontre e de quem a possua. Se o direito for de garantia, a coisa
poder mudar de proprietrio sem qualquer prejuzo para o credor, uma vez
que o nus real segue o objeto. Da o carter de aderncia,
de ambulatoriedade do direito real. A sequela o poder de que se acha
investido o titular do direito real de o fazer prevalecer em todos os lugares.
Seu direito contra todos (ubi res mea invenio, ibi vindico). A sequela,
ou jus persequendi, uma consequncia da oponibilidade erga omnes.50
vista do sistema jurdico italiano, Pietro Perlingieri no reconhece no
direito de sequela uma caracterstica exclusiva dos direitos reais, pois
estaria presente tambm na esfera dos direitos relativos, exemplificando
com a relao locatcia. No obstante a transferncia da titularidade da
-
coisa locada, o inquilino mantm os seus direitos em face do novo
senhorio.51
4.2.4.Publicidade
Como nos direitos reais a coletividade participa do polo passivo da
relao, cabendo-lhe o dever negativo, natural que o conhecimento da
existncia e titularidade daquele direito lhe seja acessvel. Tratando-se de
coisa imvel, a regra geral que o direito se adquire mediante registro em
Cartrio de Registro de Imveis. A qualquer pessoa, portanto, dado saber
a identidade do titular de um direito real imobilirio, bem como se inteirar
da existncia de qualquer nus real sobre a coisa imvel. Relativamente aos
mveis, a aquisio se opera com a tradio, mas em favor do possuidor
existe a presuno juris tantum de domnio.
4.2.5.Preferncia
Pertinente aos direitos reais de garantia, a preferncia consiste na
prioridade que desfruta o titular em relao aos credores simples ou
quirografrios, para o recebimento de seu crdito com os recursos gerados
pela coisa gravada. Messineo se refere hierarquia de poderes,
prevalecendo os que emanam de um direito real, que vencem, assim, os
derivados de um direito de crdito.52
4.2.6.Princpios da elasticidade e da
consolidao
O primeiro se refere possibilidade de desmembramento dos poderes
contidos no direito de propriedade (uso e gozo). O direito real de
propriedade contm elasticidade, pois comporta o desmembramento dos
poderes que lhe so inerentes. Este princpio atua como causa do princpio
da consolidao, que a possibilidade de reunificao dos direitos
desmembrados. Elasticidade e consolidao atuam como foras
opostas: centrfuga e centrpeta.
5.PARALELO ENTRE DIREITOS REAIS E
OBRIGACIONAIS
O exame em separado dos direitos reais conduz o estudioso,
forosamente, ao paralelo com os direitos obrigacionais e vice-versa.
Assim, no volume II deste Curso de Direito Civil, dedicado s Obrigaes,
cotejamos as duas modalidades de direitos subjetivos patrimoniais e, ao
longo do presente captulo, embora dispersamente, delineamos os
-
principais pontos distintivos. Com objetivos didticos, sintetizamos alguns
itens do paralelo, no sem antes advertir que as diferenas existem na
generalidade das relaes jurdicas, podendo apresentar-se uma ou outra
exceo, conforme o tipo de direito real ou obrigacional.53 H situaes
fticas que no se identificam, claramente, ao primeiro exame, devendo o
analista considerar a hiptese sob os vrios critrios que distinguem as duas
espcies de direitos subjetivos patrimoniais. O simples uso da coisa, por
exemplo, no suficiente para classific-la como direito real. O direito de
uso de linha telefnica, por exemplo, no configura um direito real, mas
obrigacional, pois no h imediatidade entre o poder do usurio e a coisa.
Entre ambos h a empresa de telefonia, em face da qual o usurio exerce o
seu direito. Inexiste, igualmente, o direito de sequela. Advertimos, ainda,
que a distino entre os direitos reais e os obrigacionais vai alm de
consideraes acadmicas, pois o regime jurdico a que se subordinam
diferenciado, especialmente quanto sua aquisio e transmisso. Os
aspectos destacados a seguir, por outro lado, limitam-se aos principais
pontos de contato e distintivos.
A) Ambos constituem direitos subjetivos patrimoniais. O objeto de sua
relao jurdica de natureza econmica, suscetvel de quantificao
monetria.
B) As relaes jurdicas renem os elementos: sujeito ativo, sujeito
passivo e objeto. Enquanto nos direitos reais o sujeito passivo universal,
composto pela coletividade, nos obrigacionais especfico, determinado ou
determinvel. O dever jurdico que os direitos reais estabelecem negativo,
de absteno, e nos direitos de crdito pode ser positivo
(obrigao de dar ou de fazer) ou negativo (no fazer).
C) Os direitos reais so absolutos, uma vez que se opem erga
omnes (contra todos), e os obrigacionais so relativos, pois exigveis
apenas de quem figure na relao como debitor. Os direitos reais podem ser
exercidos contra qualquer pessoa, embora, conforme o tipo de relao,
algum possa ser diretamente alcanado no momento, como, por exemplo,
o possuidor da coisa alheia.54
D) Enquanto os direitos reais existem numerus clausus, sendo vedada a
criao de tipos inominados, os obrigacionais so numerus apertus,
podendo as partes amoldar o acordo aos seus interesses concretos, criando
contratos inominados ou atpicos, observados os limites da lei.
Considerando-se que o contrato somente obriga as partes, inadmissvel
supor que pudesse criar um direito real, dada a oponibilidade deste a todas
as pessoas.
-
E) Os direitos reais se extinguem com o perecimento da coisa,
enquanto os obrigacionais, em sua generalidade, permanecem ainda que o
objeto da prestao deixe de existir.
6.OS DIREITOS REAIS NO DIREITO
INTERNACIONAL PRIVADO
As indagaes ligadas ao conflito de leis no espao, relativas aos
direitos reais, esto previstas na Lei de Introduo s normas do Direito
Brasileiro art. 8. A qualificao dos bens e a sua disciplina legal devem
obedecer a lei do pas onde se encontrem. Assim, a lex rei sitae que
define se um determinado bem mvel ou imvel.
Preleciona Roberto Barsotti que em todas as pocas e em quaisquer
sistemas jurdicos... as legislaes adotam o princpio lex rei sitae para a
disciplina dos direitos reais.55 Tratando-se de bem mvel, porm, aplica-se a
lei do domiclio do proprietrio, desde que o bem esteja em poder da
pessoa ou deva ser transportada para outro lugar. Quanto ao objeto em
trnsito, a justificativa, segundo Roberto Barsotti, resulta da dificuldade
de determinar a localizao atual, e sobre o carter casual e temporrio
do contato entre eles e o Estado de passagem.56 Quanto ao penhor, a
legislao aplicvel a do domiclio de quem se encontre na posse da coisa
empenhada. Por fora do comando do citado art. 8, os imveis esto
sujeitos a lex rei sitae.
7.AES REAIS
Os direitos reais so protegidos por um grande elenco de aes reais,
do mesmo modo que a tutela dos direitos pessoais se processa mediante as
aes pessoais. Entre as aes reais, algumas visam a restabelecer ou a
manter a posse, da receberem a designao de aes possessrias, as quais
compreendem as aes de reintegrao de posse, de manuteno de posse e
o interdito proibitrio. A ao real que tem por finalidade o
reconhecimento e tutela da propriedade denomina-se ao reivindicatria.
A proteo judicial aos direitos reais de gozo (usufruto, uso, habitao,
entre outros) no se distingue substancialmente da que dispensada ao
direito de propriedade, pois aqueles direitos se compem de algumas
faculdades compreendidas no poder do proprietrio, conforme anota Ugo
Rocco.57 O autor italiano, que nega uma forma especfica de tutela para
aqueles direitos, aponta-lhes uma peculiaridade: a possibilidade ftica de
uma violao partir do prprio titular do direito de propriedade. Em relao
aos direitos reais de garantia, estes no so passveis de violao e sim os
direitos respectivos de crdito, que so protegidos pelo penhor,
hipoteca ou anticrese.
-
Uma diferena importante entre as aes reais e as pessoais consiste no
fato de que, satisfeita a obrigao pelo reus debendi, extingue-se o direito
pessoal, enquanto que, operando-se a prestao jurisdicional nas aes
reais, os direitos reais subsistem e suscetveis a novas violaes.
8.DIREITO REAL E OBRIGAO PROPTER REM
Como a prpria terminologia revela, a obrigao propter rem, ou
simplesmente in rem, no constitui direito real, mas obrigao. Existe em
funo do direito real e seu titular (sujeito passivo da relao obrigacional)
o prprio titular do direito real. Diz-se que possui natureza ambulatria
(ambulat cum domino), pois a sua titularidade acompanha a do direito real.
Assim, sempre que a coisa for alienada as obrigaes propter
rem preexistentes transferem-se ao adquirente. Exemplo tpico a
obrigao da taxa condominial, que sempre da responsabilidade do
condmino atual. , tambm, a obrigao que possui o proprietrio de
terreno limtrofe de contribuir, com a metade do custo, para a construo
do muro divisrio. O Superior Tribunal de Justia tem entendido que a
obrigao de demarcar, averbar e restaurar a rea de reserva legal nas
propriedades rurais configura dever jurdico (obrigao ex lege) que se
transfere automaticamente com a mudana do domnio, podendo, em
consequncia, ser imediatamente exigvel do proprietrio atual (AgR no
REsp 2012/0004929-3, DJe 12.03.2014).
Ocorrendo a transferncia da coisa, a obrigao passa ao novo titular. A
obrigao propter rem, no importando a poca de seu fato gerador,
pertence ao atual titular do direito real. Eventual renncia a um direito real
teria o condo de liberar o renunciante da obrigao propter rem? Entendo
que no, em face do princpio de que nenhuma obrigao pode ficar ao
arbtrio exclusivo do devedor.
REVISO DO CAPTULO
Generalidades. Dada a importncia que as coisas mveis e imveis tm na vida das pessoas, so elas objeto de disciplina jurdica, constituindo o Direito das Coisas ou Direitos Reais, parte integrante do Direito Civil. Dada a sua importncia, tambm, para a sociedade em geral, a disciplina contm muitas normas de ordem pblica, embora seja Direito Privado por excelncia. O princpio da funo social da propriedade se afirma cada vez mais no contexto social. O atual Direito das Coisas no se alinha filosofia individualista, norteadora do Cdigo Civil de 1916, elaborado vista de uma sociedade agrria. O atual Cdex visa conciliar os valores individuais e os coletivos.
Terminologia, conceito e objeto do Direito das Coisas. As denominaes Direito das Coisas e Direitos Reais se referem ao
-
mesmo objeto: a disciplina da posse, da propriedade e dos direitos sobre a coisa alheia. Entre os autores, a preferncia terminolgica varia. Optamos por Direito das Coisas seguindo a orientao do Cdigo revogado e do atual. Podemos definir o Direito das Coisas como o sub-ramo do Direito Civil que regula os poderes da pessoa sobre bens materiais, mveis e imveis, e imateriais. Quanto incluso dos bens imateriais, h divergncia doutrinria. Para alguns, a propriedade literria, cientfica e artstica se identifica com os direitos de personalidade. Os direitos autorais, anteriormente inclusos no Cdigo Civil de 1916, passaram a ser regulados pela Lei n 9.610/98. Tais direitos abrangem um contedo moral e outro, patrimonial. Aquele um vnculo indissolvel entre o autor e a obra, enquanto este passvel de comercializao. Os direitos patrimoniais so considerados, pela lei especfica, bens mveis. Do ponto de vista jurdico, bem qualquer ser, material ou imaterial, protegido pela ordem jurdica. Coisa tudo que existe, seja til ou no ao ser humano. A coisa gnero e o bem, espcie.
Noo de direito real. Objetivamente considerado, o termo direito real equivale ao Direito das Coisas; subjetivamente, o poder jurdico da pessoa sobre a coisa. O direito real, como os direitos subjetivos em geral, nasce de uma causa nica. Na doutrina prevalece o entendimento de que os direitos reais so numerus clausus, pois se limitam aos tipos considerados no ordenamento. o princpio da tipicidade oulegalidade dos direitos reais.
Teorias. Para a teoria clssica ou romana, no direito real h uma relao entre o sujeito do direito e o objeto. Na teoria personalista, a relao sempre entre pessoas: de um lado, o titular do direito real e, de outro, a coletividade com o dever jurdico. Pela teoria ecltica, internamente, o titular possui um poder imediato e direto sobre a coisa; externamente, o direito real se ope coletividade, ou seja, possui oponibilidade erga omnes.
Classificao dos direitos reais. Quanto aos poderes concentrados, o direito real se divide em pleno ou limitado. A primeira modalidade se compe da propriedade, que o direito de usar, gozar e dispor da coisa com excluso de outrem. Diz-se que o direito real limitado quando, comparado com o direito de propriedade, no oferece esse amplo conjunto de poderes que o proprietrio detm. Nesta segunda modalidade, temos: a superfcie, as servides, o usufruto, o uso, a habitao, entre
-
outras. Sob o aspecto da titularidade do objeto, o direito real pode recair sobre a coisa prpria ou alheia. No primeiro caso, tratado por jus in re propria; no segundo, por jus in re aliena. Naquele, temos o direito de propriedade; no outro, os direitos de fruio (superfcie, servides, usufruto, uso, habitao) e os de garantia (penhor, hipoteca, anticrese). Sob o aspecto da autonomia: principal ou acessrio. Os direitos reais dividem-se, ainda, em mobilirios e imobilirios.
Caracteres. Tipicidade: O direito real pressupe enquadramento em determinado tipo previsto em lei. Leis novas podem criar outras modalidades de direitos reais. Oponibilidade erga omnes: o direito real oponvel a todas as pessoas. Direito de sequela: o direito real acompanha a coisa permanentemente e na posse de quem se encontre. Publicidade: relativamente a bem imvel, a titularidade de um direito real se prova mediante certido do registro imobilirio. Preferncia: o titular de um direito real de garantia possui prioridade ou preferncia para receber o seu crdito em face dos credores simples ou quirografrios. Princpios da elasticidade e da consolidao: o primeiro uma referncia capacidade de desdobramento dos poderes contidos no direito de propriedade (uso e gozo). O segundo consiste na possibilidade da unificao daqueles poderes desmembrados.
Paralelo entre direitos reais e obrigacionais. Entre ambos h pontos em comum e outros distintos. Assim, um e outro existem em relaes jurdicas cujo objeto possui contedo econmico. Na relao obrigacional, o sujeito passivo determinado ou determinvel, enquanto nos direitos reais esse polo ocupado pela coletividade. Os direitos reais so absolutos, pois se impem a todas as pessoas, j os obrigacionais so relativos. Enquanto os reais so numerus clausus, ou seja, existem tipificados, os obrigacionais so numerus apertus, j que comportam modalidades no previstas pelo ordenamento. Quando o objeto de uma relao se extingue, tem-se que o direito real cessa, enquanto o obrigacional, de um modo geral, permanece.
Os direitos reais no Direito Internacional Privado. Relativamente aos direitos reais, havendo conflito de leis no espao quanto natureza do bem, se imvel ou mvel, aplica-se a lei do pas onde o bem se encontre. Quanto aos bens mveis, a disciplina legal deve ser a do pas do domiclio do proprietrio. Em relao ao penhor, a lei a do domiclio de
-
quem esteja na posse da coisa empenhada. A lei disciplinadora dos imveis a do pas onde se encontrem.
Aes reais. Quando a tutela a posse, a ao denomina-se possessria, dividindo-se em reintegrao de posse, manuteno de posse einterditos possessrios. Quando se tem em mira o reconhecimento e tutela da propriedade, a ao adequada a reivindicatria.
Direito real e obrigao propter rem. Obrigao propter rem ou in rem um nus que recai sobre o titular de um direito real. Assim, havendo mudana de titularidade, automaticamente os nus preexistentes se transferem ao novo titular. Exemplo: as taxas condominiais.
_______________ 1A justificativa do direito de propriedade foi objeto do art. 2.167, do Cdigo Civil portugus, de 1867, criticado por Antunes Varela e Pires de Lima por seu contedo filosfico e impreciso do ponto de vista jurdico. Eis o teor do dispositivo: Diz-se direito de propriedade a faculdade, que o homem tem, de aplicar conservao da sua existncia, e ao melhoramento da sua condio, tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor livremente. Em Noes Fundamentais de Direito Civil, 1 ed., Coimbra, Coimbra Editora, Ltda., 1945, vol. II, 60, p. 3. 2Tratado de Derecho Civil Derechos Reales, 1 ed. espanhola, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1955, vol. II, p. 7. 3Na expresso de Arnoldo Wald, ... o direito das coisas se caracteriza por um colorido profundamente nacional, sendo marcado por sua poca, enquanto o direito obrigacional se afirma pela sua universalidade no tempo e no espao. Curso de Direito Civil Brasileiro Direito das Coisas, 5 ed., So Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 2. 4Francisco de Paula Lacerda de Almeida, Direito das Coisas, 1 ed., Rio de Janeiro, J. Ribeiro dos Santos Livreiro-Editor, 1908, p. 8. 5Diritti Reali e Possesso, 1 ed., Milano, Dott. A. Giuffr-Editore, 1952, vol. II, p. 1. 6A conscincia em torno da funo social da propriedade no fato contemporneo, embora seja crescente a afirmao do princpio. A ideia advm de Toms de Aquino, quando afirmava que a propriedade era um feudo divino e que ao homem estava reservado no o domnio superior, mas o til. De acordo com Jos Tavares, coube a Augusto Comte a formulao do princpio, e o seu desenvolvimento a Leon Duguit, em sua obra Transformations Gnrales du Droit Priv. Os Princpios Fundamentais do Direito Civil, 2 ed., Coimbra, Coimbra Editora, Ltda., 1929, vol. I, 184, p. 629. 7Sob o Ttulo I, Dos Princpios Fundamentais (art. 5, XXIII), a Constituio Federal estabelece que a propriedade atender a sua funo social. O princpio foi introduzido pela Constituio de 1946 (art. 147) e mantido na de 1967 (art.157) e Emenda n 1, de 1969 (art. 160), cf. anota Caio Mrio da Silva Pereira,Direito Civil Alguns Aspectos da sua Evoluo, 1 ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001, p. 72. 8Na redao de Clvis Bevilqua, segundo depe Orlando Gomes, a definio de propriedade continha a expresso limites legais, suprimida em razo do liberalismo e da estrutura agrria existentes, em uma poca que vigorava a
-
Constituio de 1891. Escritos Menores, 1 ed., So Paulo, Edio Saraiva, 1981, p. 40. 9Direito de usar, de gozar e de dispor da coisa prpria at onde a razo do direito o permitir. Esta noo oriunda de romanistas da Idade Mdia, pois o Direito Romano no nos legou uma definio do direito de propriedade. 10Anteprojeto de Cdigo Civil, Braslia, Ministrio da Justia, 1972, p. 25. 11Acatando a sugesto do jurista Joel Dias Figueira Jr., o Deputado Ricardo Fiza apresentou projeto (PL 6.960/02) em que prope a substituio da denominao do Livro III da Parte Especial do Cdigo Civil Do Direito das Coisas para Da Posse e dos Direitos Reais. 12Para o eminente jurista portugus Carlos Alberto da Mota Pinto, trata-se de um direito real provisrioPorque os seus efeitos so independentes da circunstncia de se saber quem o titular do direito real sobre a coisa que est na esfera do possuidor. A proteo possessria provisria, porque s atua enquanto no for definitivamente apurado quem o autntico titular do direito real sobre a coisa. Direitos Reais, segundo anotaes efetuadas por lvaro Moreira e Carlos Fraga do curso ministrado nos anos de 1970-71, 1 ed., Coimbra, Livraria Almedina, s/d., 42, p. 128. San Tiago Dantas a considera direito real, pois o direito do possuidor oponvel a qualquer pessoa, tratando-se de um direito absoluto, que no se identifica com os direitos de personalidade. Programa de Direito Civil, revisto e anotado por Jos Gomes de Bezerra Cmara e atualizado por Laerson Mauro, 3 ed., Rio de Janeiro, Editora Rio, 1984, vol. III, p. 20. 13Op. cit., p. 23. 14Entre os cdigos mais novos, o brasileiro (2002) e o portugus (1966) adotam a terminologia Direito das Coisas, enquanto o peruano (1984) optou por Direitos Reais. Os clssicos, em nossa literatura, preferiam a primeira denominao (Lafayette Rodrigues Pereira, Francisco de Paula Lacerda de Almeida, Clvis Bevilqua, San Tiago Dantas), utilizada primeiramente por Savigny (Sachenrecht) e incorporada no famoso BGB. Modernamente, publicam-se obras sob um e outro ttulo. Enquanto, por exemplo, Orlando Gomes e Caio Mrio da Silva Pereira optaram por Direitos Reais, Washington de Barros Monteiro e Slvio Rodrigues adotaram a linguagem do Cdex. Conclusivamente: na prtica, as duas expresses se equivalem. O vocbulo reais, consoante assinala Melhim Namem Chalhub, provm do latim res, rei, que significa coisa. Curso de Direito Civil Direitos Reais, 1 ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004,Introduo A, p. 2. C. Massimo Bianca optou pela denominao La Propriet, embora desenvolvendo, com abrangncia, os institutos de Direito das Coisas, em Diritto Civile La Propriet, 1 ed., Milano, Giuffr Editore, 2001, vol. VI. 15Op. cit., vol. VI, 4, p. 5. 16Tal distino tambm feita por Domenico Barbero: Ildiritto dautore ha due aspetti: un aspetto essenzialmente personale, ed uno patrimoniale. Referindo-se ao primeiro, aduz: uno diritto che nasce pel fatto stesso della creazione, e resta inseparabile dal soggetto, perpetuo, inalienabile e imprescrittibile, come un attributo della sua stessa personalit (art. 2.577, 2 comma). Quanto ao aspecto patrimonial, declara o seu carter transfervel. Sistema del Diritto Privato Italiano, 6 ed., Torino, Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1962, vol. I, 537, p. 811. 17Ao final do sc. XIX, Pietro Cogliolo registrava que as propriedades literria, artstica e industrial tm sido objeto de vivas disputas, porque a muitos repugnava que se pudesse ter uma qualquer propriedade sobre as ideias. Mas so disputas econmicas e no jurdicas. Quand