doutora ivone

10

Click here to load reader

Upload: claudiego2

Post on 26-Sep-2015

6 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

texto

TRANSCRIPT

DO TOPO DE UMA MONTANHA TEMOS UM TIMO NGULO DE VISO DAS COISAS... MAS SER QUE PODEMOS VER TUDO? Uma reflexo sobre as polticas pblicas para a educao da infncia

Solange Martins Oliveira Magalhes1 e Ivone Garcia Barbosa2

Resumo: O atendimento criana de 0 a 6 anos, no Brasil, existe h mais de cem anos. Esse trabalho tem acompanhado as transformaes do conceito de infncia, implementas pelos discursos cientficos e institucionais que acabaram por transform-la em um sujeito/objeto cultural inserido em um amplo projeto de constituio do sujeito moderno. Compreender as polticas pblicas para a educao da infncia implica refletir sobre o que ser criana, hoje, em nossa sociedade e o modo como as alteraes nesse conceito passam a definir, orientar e ressignificar as prticas de ateno, criao, socializao e educao das mesmas, para que estas correspondam ao desenvolvimento do projeto da sociedade moderna. Nesta anlise, tentamos clarear as intenes que nortearam as tomadas de decises em relao educao desta mesma infncia, sobretudo as neoliberais, bem como discernir a lgica, a dinmica viva e at contraditria das polticas pblicas para a educao da infncia na sociedade brasileira. Palavras-chave: polticas pblicas, educao infantil, infncia.O presente estudo traz no seu conjunto memrias de quem viveu, em um tempo e espao, experincias que refletiram as vrias lutas nos contextos social, poltico, econmico e cultural dos movimentos, grupos e pessoas que voltaram militncia no campo da educao, quer seja por profisso, confisso ou compromisso. Tais grupos estabeleceram-se enquanto movimentos, mais ou menos organizados, pontuando marcos importantes de reorganizao institucional e legal, iniciada a partir da redemocratizao do pas, dcada de 1970, que estabeleceu decisivas mudanas na educao, estando aquelas relativas educao infantil, talvez, entre as mais relevantes.A dcada de 1990 representou um momento histrico importante para a educao infantil, reconhecendo-se legalmente sua necessidade e sua importncia, conforme o que est escrito, por exemplo, na Constituio Brasileira de 1988, no Estatuto da Criana e do Adolescente ECA/90 , LDB/96, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, no Referencial Curricular Nacional de Educao Infantil (1994). necessrio destacar que todo este processo s pode ser compreendido ao considerarmos o conjunto de aes e reaes provocadas pela implementao de polticas de natureza neoliberais, j bastante discutido por autores brasileiros (FRIGOTTO, 1995; DOURADO, 2002; DOURADO, CATANI, OLIVEIRA, 2003).

Importa-nos refletir, entre outros aspectos, sobre a concepo de infncia que perpassa aquelas propostas de polticas de educao para a infncia. Resgatamos a idia tradicional, oficial e hegemnica de infncia que, modificando-se ao longo dos anos, vem definindo novas prticas educativas. Pelas aes polticas que se expressam, por exemplo, em documentos e produes oficiais, parece que se busca efetivar a passagem de uma educao da infncia pautada na filantropia rumo a uma educao cidad. Por certo, podemos adiantar que essa reflexo nos levar a um ponto em comum: a intencionalidade pedaggica e a qualificao da relao entre o cuidar e o educar, proposta pelo nosso modelo de sociedade.A afirmao de que a infncia uma construo social constitui um lugar comum na anlise sociolgica, psicolgica e antropolgica da infncia. Nela condensa-se a idia de que tem sempre havido uma fase da vida entre os seres humanos, e nela observa-se a sua diferenciao frente ao mundo adulto. Isso pode ser constatado nos papis sociais que so atribudos a este grupo geracional, eles mudam conforme as variaes sociais classe social, grupo tnico, religioso, gnero, idade etc porque so historicamente produzidos no interior de uma mesma sociedade (SARMENTO, 2001). O conceito de infncia, enquanto fase da vida do ser humano, no tem mais de dois sculos de existncia, como demonstrou Aris (1981). Sua concepo foi sendo elaborada de maneira articulada a toda uma conjuntura, que esboou a chamada poca moderna, junto ao surgimento e consolidao dos modos de produo capitalista. A definio de infncia tende a estabelecer-se de forma universal e hegemnica, por efeito da produo e disseminao de um discurso cientfico, de imagens e de polticas pblicas e aes da sociedade civil. Assim, o modo como compreendemos a infncia hoje nasce junto a um novo conceito de homem, caracterizado por Bujes (2002) como um sujeito autnomo, empreendedor e competitivo. Uma outra perspectiva interessante reconhecer que a infncia surge como metfora de uma investigao que os homens faziam sobre si mesmos (CHARLOT, 1986). Em tempos de cincias positivistas, o que se viu foi uma infncia que passou a ser tratada como objeto privilegiado, mas por uma cincia comprometida com a estruturao de um novo mundo. Isso teve as suas repercusses na concepo de infncia, ela passa a ser vista como dependente do adulto (ARIS,1981). Ora, na medida em que a criana no est, de fato, inserida no processo de produo, central naquele momento do capitalismo, ela tratada como ser incompleto que precisa ser educado sob a nova lgica desse sistema econmico-cultural. E ainda hoje ela vista de maneira paradoxal: por um lado, tratada como smbolo de pureza, livre ainda das implicaes trazidas pelo mundo do trabalho; por outro, associada idia de futuro, e passa a ser considerada a partir daquilo que ainda no , mas que, supostamente, se tornar, se orientada pela lgica do trabalho e da produo. Vemos ento uma educao que comea a apresentar os rituais de iniciao vida adulta e, com eles, diferenciados sistemas de coero fsica e material, entendidos como ensinamentos necessrios formao daqueles que estavam entrando no mundo da vida industrial. Segundo Ramos (2002), discute esta mesma idia, para ela o ensino levado a cabo pelas escolas tem o objetivo de formar trabalhadores; j no visa somente o ato de disciplinar, mas conferir ao trabalhador o domnio de um ofcio. A escola tornou-se, ento, o espao especfico de adaptao s regras e aos valores sociais, de transmisso dos saberes necessrios para as novas geraes serem inseridas na sociedade, normatizando e homogeneizando os sujeitos. O pressuposto de uma natureza infantil opaciza o carter social e histrico da infncia e da noo que se constri sobre ela, pois dissimula a relao da criana com o adulto e com a sociedade. As supostas carncias infantis e familiares relacionam-se com o discurso que historicamente serviu justificao e manuteno de propostas de educao infantil aparentemente excludentes. Ora denominadas como assistencial, ora como educacional, de modo idntico tomam as crianas apenas por seus limites privilegiando uma idia de infncia abstrata, sem preocupar-se com o marco da existncia concreta de cada criana (BARBOSA, 1999a; 1999b, p.3). Nessa lgica, no h espao para a infncia de direitos, pois ela torna-se alvo de assistencialismos diversos que negam a possibilidade de cidadania e dissimulam a excluso e o antagonismo das relaes sociais. A cidadania est limitada condio de ser consumidora, erotizada pela mdia, mimetizada. A criana passa a ser um corpo-que-consome-corpo, isto , um sujeito que se reduz ao corpo e ao consumidor que ele pode vir a ser (GHIRALDELLI JR., 1996, p. 37). A criana transformada sem piedade em mercadoria de uma poca, e flutuar erraticamente entre adultos que no sabem mais o que fazer com ela. Esse quadro contemporneo produz uma poca de desencontros, inclusive na educao infantil, afinal no h tempo para brincar, trocar afetos, aprender valores. No h tempo para atividades que no sejam consideradas como trabalho, que no estejam voltadas para o imperativo da produo. E as polticas educacionais contribuem para alimentar o processo de excluso e reproduo das desigualdades sociais que o sistema impe. O fato que as polticas para a educao da infncia tm embasado uma educao que busca assegurar a governabilidade das crianas. Na dcada de 1980 foi consagrado, de forma objetiva e extensa, um conjunto de direitos fundamentais, prprios e inalienveis, na Conveno dos Direitos da Criana, aprovada pelas Naes Unidas (1989). Embora praticamente todos os pases do mundo sejam signatrios dessa conveno, as crianas no tiveram garantidas a melhoria nas suas condies de vida. O que temos uma infncia que passou a ser objeto de polticas educacionais de controle e da disciplina , seqestro, conteno, institucionalizao ou segregao, ao invs de polticas de proteo, como seria o esperado, desejado e propagado. Se olharmos com ateno, mesmo correndo o risco de uma simplificao, veremos que o atendimento infncia brasileira pode ser sistematizado por meio de uma categorizao que expressa discursos sobre a infncia, sua vida cotidiana, o modo como educada e as polticas pblicas educacionais que vo sendo propostas para atender suas necessidades. Identificamos cinco diferentes modelos: 1. A primeira categoria que se faz presente desde o descobrimento at o incio da dcada de 1920 pode ser descrita como a da Filantropia ou Assistencialismo. Modelo proposto para resolver ou minimizar os problemas sociais e morais atribudos pobreza, sempre esteve, em suas origens, associado a uma viso pejorativa das classes populares, vistas como ameaadoras do equilbrio social. Sob o vu de uma moralidade religiosa, o atendimento a infncia vista ora como assistencial ora como educacional, manifestando uma lgica que no abre espaos para a infncia de direitos, pois se torna alvo de assistencialismos diversos que negam a possibilidade de cidadania e dissimulam a excluso e o antagonismo das relaes sociais.O atendimento infncia estava longe de preocupar-se com o bem estar da criana, pois o que gestava a movimentao do setor privado era a idia de tomar posse dos recursos pblicos. Observa-se que a assistncia infncia sempre situou-se como o resultado de uma articulao de foras jurdicas, empresariais, polticas, mdicas, pedaggicas e religiosas em torno de interesses sustentados por trs influncias bsicas: a mdico-higienista, a jurdico-policial e a religiosa (KUHLMANN JR., 1998; BUJES, 2002). 2. A proposta higienista desenvolveu aes profilticas voltadas para a constituio de uma sociedade saudvel. As crianas sero agora submetidas a um treinamento intensivo para que, por meio da regularidade de hbito e da total ausncia de satisfao das suas vontades, elas aprendem a ser autodisciplinadas. A criana ideal ainda aquela que segue rigorosamente as regras que o mundo adulto impe, no levanta a voz para questionar as ordens que recebe, limpa, correta e rigidamente preparada para enfrentar a juventude. Pretende produzir sujeitos higinicos, higienizados e higienizadores, preconizando, assim, a emergncia de uma arte de dirigir a sociedade (RIZZINI, 1995);O Estado e a Medicina unem-se e, para o Estado, a educao da criana assumiu um cunho nitidamente social, tomando para si a incumbncia do educar. Na perspectiva mdica, a criana passou a ser vista do ponto de vista da higiene social. Portanto, ao lado da idia de defesa da infncia difundida pela proposta assistencialista e filantrpica, em relao s crianas abandonadas, mais que a defesa das individualidades das crianas, a proposta higienista foi eleita como razo para a proteo de todas as crianas. 3. No movimento educacional renovador, um dos documentos mais importante do perodo em foco, no decorrer dos anos 30, foi o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932), ou simplesmente Manifesto dos Educadores. Trazia um quadro compreensivo das relaes entre a organizao familiar e a escola, mas, em suas entrelinhas, a diretriz poltica para a consolidao da nossa futura sociedade. O Manifesto dizia que o Estado, ao reconhecer e proclamar o direito de todos os indivduos educao, assumia o dever de efetivar este direito, tendo que tratar a educao como uma funo social e eminentemente pblica. Incorporar a educao entre as funes essenciais e primordiais do Estado significava reconhecer que a famlia j no dava conta integralmente de suas tarefas neste terreno. Novas influncias, a mesma poca e o pensamento psicolgico ajudam a alterar radicalmente os fundamentos da educao infantil. A vontade da criana deve ser respeitada, ela passa a ter voz e voto, pode e deve dizer o que pensa e gosta, e quanto mais cedo opinar e questionar mais ser considerada como inteligente e de personalidade. 4. O quarto modelo caracteriza-se pela criao, pelo Estado Brasileiro, de um enorme corpo jurdico/institucional para o atendimento da infncia. Lado a lado com o argumento econmico (melhorar a sociedade) e com o modelo mdico que acopla a razo eugnica (aperfeioar a espcie), advertindo que depende do poder e da vontade do homem apurar os defeitos, temos o discurso jurdico que preconiza a defesa da sociedade. A inobservncia dos deveres sociais, morais e raciais conduziria a males profundos e a graves perigos aos povos (brasileiro) que os desprezavam. Esse processo teve incio na dcada de 1920 e seguiu at os anos 80. 5. A quinta categorizao a que podemos nos referir da criana cidad, concepo que se sobressaiu nas dcadas de 1980 a 1990 e caracterizou-se pela entrada em cena das Organizaes No-Governamentais (ONGs), pelo desmonte que o Estado Brasileiro efetiva em suas instituies de atendimento, e participao da sociedade civil na elaborao de diversos documentos. A atuao da comisso Criana Constituinte resultou no reconhecimento da educao de zero a seis anos como direito da criana, por incluso, pois destaca-se na Constituio (art. 205) que a educao direito de todos, o que reafirmado no Estatuto da Criana e do Adolescente ECA de 1990. Ainda no clima da participao popular e institucional pelos direitos da criana, durante a elaborao da nova Constituio, foi redigido o primeiro projeto da LDB, figurando a educao infantil. Segundo o Projeto de Lei n 1.258-B, de 1988, aprovado na Cmara Federal, no dia 13 de maio de 1993, que viria a dar origem Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a Educao Infantil entendida como a primeira etapa da Educao Bsica. A Educao Infantil adquire legalmente especificidade ao proporcionar condies para o desenvolvimento fsico, psicolgico e intelectual na faixa etria de zero a seis anos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, no. 9.394, aprovada em dezembro de 1996, incorpora a Educao Infantil no interior do sistema de ensino, ocupando nvel da educao bsica, destinada s crianas de 0 a 6 anos, em estabelecimentos como creches, pr-escolas ou similares, conforme artigo 208, inciso IV da Constituio. interessante notar o descaso, com o proposto no texto da lei, manifestado nas esferas federais, estaduais e municipais do executivo. Um exemplo claro de tal descaso foi a promulgao do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA enquanto, simultaneamente, retirou-se a possibilidade de sua efetiva implantao. Autores como Souza e Rizzini (2001) e Souza (2001) tm denunciado essa e outras contradies: se na lei est reconhecido o direito da criana educao infantil, na prtica vemos a ausncia de polticas sociais amplas para a sua efetiva implantao e, ainda, discriminatrias e violentas contra as crianas, sobretudo as de baixa renda. O momento atual pontua a necessidade de resistncia e embate contra-hegemnico na educao, to necessrio para a superao de toda a forma de desigualdade e excluso. O combate ao neoliberalismo na educao, lembrando Frigotto (1995), uma das tarefas nessa luta, acenando possibilidades de atingirmos novos patamares no processo de transformao da realidade. Observamos que se faz necessrio priorizar o ensino de valores e princpios fundamentais na educao infantil, afirmar a liberdade, autonomia e a qualidade, os princpios de democracia e solidariedade, mas no como o proposto no projeto neoliberal, por meio da regulao do mercado ou da lei do mais forte. Mesmo que no haja, como discutimos, o empenho poltico para a lei tornar-se realidade, o direito posto e a sua reivindicao certa. E, talvez, em um dia breve, nossas crianas deixem de ser cidads de quinta categoria.Autoras:1 Doutoranda e Mestre em Educao pela UFG. Docente da Faculdade de Educao da UFG. E-mail: [email protected] Doutora em Educao pela USP. Docente da Faculdade de Educao da UFG. E-mail: [email protected] Referncias BibliogrficasARES, P. Histria Social da criana. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.BARBOSA, I. G. A educao infantil: perspectiva histrica, lutas e necessidades. Goinia: FE/UFG, 1999a (mimeo)._________. A creche: histria e pressupostos de sua organizao. Goinia: FE/UFG, 1999b (mimeo). FRIGOTTO, G. Educao e a crise do capitalismo real. So Paulo: Cortez, 1995.CATANI, A. M.; DOURADO, L. ; OLIVEIRA J. F. DE F. Polticas e gesto da educao superior: transformaes recentes e debates atuais. So Paulo: Alternativa, 2003.CHARLOT, B. A mistificao pedaggica. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.DOURADO, L. F. Reforma do Estado e as polticas para a educao superior no Brasil nos anos 90. Educao e Sociedade, Cedes, n.80, set. Campinas: Cedes, 2002.___________.OLIVEIRA J. F. DE F; CATANI, A. M. Polticas e gesto da educao superior: transformaes recentes e debates atuais. So Paulo: Alternativa, 2003.GHIRALDELLI JR. P. ett alli. Infncia, educao e neoliberalismo. So Paulo: Cortez, 1996.KUHLMANN, Jr. Infncia e educao infantil: uma abordagem histrica. Porto Alegre: Mediao, 1998.RIZZINI, I.; PILOTTI, F. A arte de governar crianas: a histria das polticas sociais, da legislao e da assistncia infncia no Brasil. Rio de Janeiro: AMAIS, 1995.