donuts de defesa-iraq bombing

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  • 8/10/2019 Donuts de Defesa-Iraq Bombing

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    Donuts de Defesa

    Salvador Raza

    Entender com alguma razovel clareza as razes e consequncias dos ltimos bombardeiosamericanos no Iraque no l uma coisa muito simples. H pelo menos duas causas paraisso. Primeiro, porque as informaes so muito compartimentadas e nem sempre acorrelao com o problema pode ser facilmente estabelecida. Segundo, porque as anlisesrefletem cadeias muito curtas de desenvolvimentos, fazendo com que uma situao complexacomo essa seja reduzida a uma srie de concluses parciais e segmentadas que s fazemaumentar a confuso (acho que as duas causas se explicam pelo efeito d uma rapidinha da

    telenotcia).

    Vou identificar contigo algumas informaes e desenvolver uma cadeia mais longa de causae efeito. Vamos ver se ajuda.

    A justificativa oferecida pelos americanos para os ltimos bombardeios so claras: osiraquianos estavam atacando seus avies que patrulham as reas interditadas para vo. Fato!O que tem por detrz disso que so elas. Para os pilotos americanos, cada misso efetuada,mesmo aquelas apenas de patrulha de rotina, deve ser tomadas como misso de combate. Asconsequncias disso devem ser entendidas e contextualizadas.

    tolice dizer que a ameaa iraquina aos avies americanos mnima porque eles so runs depontaria ou que eles no tem armamentos que possam efetivamente derrubar os aviesamericanos se esses abaixarem a guarda. Os iraquianos possuem msseis que, mesmo

    sendo de terceira categoria, so algo sofisticados j que possuem a capacidade de auto-direo (basta apontar o mssel na direo geral do avio, puxar o gatilho e o danado localizae vai atrz do avio). No importa, tambm, dizer que os iraquianos possuem poucos msseisdesse tipo. Basta apenas ter. O efeito o mesmo, j que nunca se sabe quando eles estomandando para cima dos avies americanos apenas um buscap ou um mssel potencialmente

    perigoso.

    Embora a capacidade militar iraquiana possa ser avaliada em menos do que 40% daquela queele tinha quando da invaso do Kuwait, isso ainda significativo1. A consequncia dessa

    situao um aumento substancial de risco para os pilotos americanos e, em ltima anlisepara o prestgio dos EUA. Considere-se, por exemplo, se um desses msseis de terceiraderrubar uma aeronave de primeira. Para manter esse risco dentro de limites aceitveis, osamericanos passaram a ter que manter suas capacidades de combate sempre em nveiselevados. E isso exige um enorme esforo de manuteno dos equipamentos, alm dedemandar um maior qualificao do pessoal, o que implica, por sua vez, em mais horas detreinamento, levando a necessidade de mais gente, e da por diante em uma enorme reaoem cadeia. Essa situao implica em altos custos financeiros e drena esforos militaresamericanos para a regio.

    1TRAVES, Russel E. A New Millenium and a Strategic Breathing Space. Washington Quarterly, Spring,1997, pp. 99.

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    Essa necessidade de manter uma capacidade militar na regio explica-se, ainda, pelo fato doIraque ainda ser uma ameaa militar considervel. Por exemplo, o Iraque o pas da regiocom a maior quantidade de tanques. Cerca de 2200. Embora Finnegan, escrevendo paraDefense News em 1996, avaliasse que apenas 40% ou 50% desses tanques pudessem ser

    considerados operacionais, e mesmo que as coisas tenham ficado piores para o Iraque desde

    ento, estamos falando de uma fora que, atualmente, consta com uns 800/1000 tanques quepodem, a qualquer momento, avanar para cima da Arbia Saudita.

    A evidncia que no se coloca em discusso no momento que os americanos no podemsair desse embrolho que o Iraque. Pelo menos por enquanto. claro que o custo e osesforos da permanncia dos EUA na rea devem ser relativizados. um preo considerado

    justo pelos americanos para a garantia de um fluxo de petrleo a custos aceitveis, alm damanuteno da estabilidade poltica na regio. A equao que explica a racionalidade desseargumento simples: os custos militares compensam os ganhos polticos. Ou, de outra forma,vale a pena manter uma fora de disuaso na regio, j que os retornos econmicos pagam aconta. Parece simples, no? S que no bem assim. Vamos ver.

    O problema no so os custos, mas o perfil desses custos. A expectativa que ao invs, dediminuir, eles aumentem. Porqu? Por que o embargo resultante da vitria Aliada na Guerrado Golfo est mais furado do que peneira velha. E isso tanto em termos de fluxo de produtosde/para o Iraque, quanto em termos polticos.

    Em termos de produtos, no h dvidas de que o comrcio exterior iraquiano substancialmente inferior aos praticados antes da Guerra do Golfo. Entretanto, os analistasinternacionais concordam com trs aspectos. Primeiro, o Iraque tem encontrado maneirasalternativas de escoar parcela de sua produo de petrleo para o exterior por caminhes,

    por exemplocom o que tem obtido algumas receitas. Segundo, parcelas substanciais dessasreceitas tem sido priorizadas para a rea militar, em detrimento da social. Terceiro, osrecursos alocados para a rea militar tem possibilitado ao Iraque manter sua estrutura militar.

    Em termos polticos, os EUA esto pagando um preo que antecipavam possvel. A frmulaque explica como essa conta montada pode ser explicada da seguinte maneira: sabia-se,desde o incio, que as sanes econmicas impactariam diferentemente nos diversossegmentos sociais. Quem mais sofreria seriam os mais pobres. Isso fazia com que o pontonevrlgico da estratgia que prescreve o embargo como ferramenta de coero poltica contrao Iraque seja o efeito tempo.

    Deixa eu explicar melhor como esse efeito atua, j que ele no sempre muito claro. Oproblema no era o quanto os EUA podiam ganhar no tempo, mas quanto o Iraque podiaperder. J se antecipava que os ganhos americanos seriam basicametne polticos, querefletiriam em dividendos econmicos, e tenderiam a ser capitalizados internamente.Enquanto que as perdas iraquianas seriam eminentemente econmicas, com dividendos

    polticos e, a partir de um certo ponto, capitalizadas no ambiente internacional.

    Trata, desde o incio, de um jogo com objetivos assimtrios. A aposta no quem ganhaprimeiro, mas quem no perde primeiro. Perde o Iraque se Sadan Russen deixar o poder.Perdem os EUA se forem pressionados a aceitar Sadam no poder, sem que esse altere sua

    postura, o que implicar, por conseguinte, em uma alterao na poltica de segurana

    americana para o Iraque.

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    Mas no s reconhecer a assimetria que importante. necessrio enteder que essaassimetria gera mecanismos de atuao poltico-militares tambm assimtricos. Uma pressoamericana muito forte faz com que os efeitos do embargo impactem demais na parcela mais

    pobre da populao iraquiana, permitindo a Sadan Hussein capitalizar junto opinio pblicamundial em termos do sofrimento que causa ao povo iraquiano, esperando, dessa forma,

    pressionar os EUA reverterem sua poltica. O efeito Cruz Vermelha.

    A estratgia iraquiana pode ser imoral. Mas pode funcionar, a longo prazo. nisso queSadan Hussein est apostando. Embora ningum possa dizer, com certeza, o que se passa emsua cabea, ou que essa seja realmente uma poltica deliberadamente empreendida, h fortesevidncias que sustentam a interpretao de que a populao iraquiana, ou, maisespecificamente, sua parcela mais pobre, seja uma bomba relgio contra a poltica americana.

    Mas h, ainda, um segundo componente da estratgia iraquiana que necessita ser entendidopara que o quadro esteja completo e possamos entender como essa estratgia impacta napoltica americana. Esse segundo componente bastante similar ao primeiro aposta no

    sofrimento humanomas a partir de outra causa: danos colaterais dos bombardeios.

    Uma das coisas mais tecnicamente complicadas o grau de preciso necessrio para colocaruma bomba ou mssel exatamente sobre o alvo desejado. No caso dos americanos no Iraque,s para se ter uma idia, algo como encestar uma bola de basket a uma distncia de 15 km,em um dia de chuva e vento. Fcil no?? Pois , exatamente ai que est o jogo. Osiraquianos apostam que a bola vai bater na tabela. Pertinho, mas no no alvo. Ou seja, osgringos so bons. Mas ainda no to bons. A diferena est entre a janela de um bunker e otelhado do jardim de infncia do lado.

    Em uma srie de artigos recentes, o professor Eric Reeves afirma que Sadan Hussein temdeslocado desloca famlias, hospitais, etc, para prximos de instalaes militares. Ele coloca,formalmente, todo seu prestgio nessa sua interpretao de que a ao iraquiana visadeliberadamente explorar o efeito Cruz Vermelha.

    Houve uma srie de crticas (algumas ferozes), aqui nos EUA, contra o Professor Reeves.No importa. O resultado que, entre o bate-boca do sim,sim,sim no-no-no, sobra advida. E isso suficiente para colocar uma enorme presso sobre o Departamento deDefesa. Deixa eu explicar porque.

    Houveram, efetivamente danos colaterais nos ltimos bombadeios. A imagem de crianas

    machucadas foi amplamente divulgada. O efeito Cruz Vermelha em ao. Mas o que no dito que as bombas erraram o alvo mesmo. E isso que preocupa terrivelmente osamericanos, no s porque cada uma dessas molecas (cada uma mesmo), custa a bagatela deuns U$ 600.000,00, mas pelo que isso significa.

    Agora que a coisa pega fogo. Preste ateno. O fato coloca em questo todo um complexode interesses. A eletrnica dessas bombas altamente sofisticadas de responsabilidade daRayteon. (Lembra dela, aquela do SIVAN. Pois . Imagina s se algum, assim s porcuriosidade, correlaciona uma possvel fragilidade entre o que a Rayteon disse que faz nocontrato e o produto que oferece depois (mas essa outra historinha que, se voc quizer,depois te conto).

    Uns probleminhas tcnicos besteirinha. A gente corrige depois. Pois . Os gringos noengolem essa. E t uma briga danada, meio na surdina. Um empurrra empurra. A Rayteon

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    de nossas Foras Armadas. Se mudar a estratgia, impactamos na demanda de tecnologia, quevai ocasionar um quebra-quebra em um monte de interesses econmicos. Alm disso, temosque trabalhar com um tempo de resposta maior para dar contas das ameaas e, eventualmente,aceitar que alguns de nossos garotos morram. Vocs topam? O pessoal do Texas, terra donovo Presidente, e onde h uma concentrao enorme de foras militares americanas j

    mandou recado: para com isso!.

    Apesar do tom jocoso, voc pode perceber como a coisa sria e quanta coisa tem em jogo.Agora voc pode entender qual o cenrio onde os ltimos bombardeios no Iraque se colocam,e quais as foras em ao.

    Aquilo foi taticamente importante para diminuir a presso de combate sobre as forasamericanas naquele teatro de operaes. Foi operacionalmente importante para contribuir

    para diminuir os custos de manuteno das foras. Foi estrategicamente importante paramandar uma mensagem de continuidade da validade do atual perfil das Foras Armadas esustentar a demanda de mais recursos. Foi politicamente importante para dizer que a estrutura

    de foras americana tem capacidade de sustentar seus interesses polticos. E, foi aindapoliticamente importante para a nova Administrao Bush afirmar sua poltica decontinuidade de engajamento na regio, com a seguinte mensagem para Sadan: no brinqueconosco, a casa est sob nova gerncia, e o menu vai mudar. Estou mandando o Colin Powera no ms que vem para coletar os pedidos dos seus vizinhos e, tambm, para mostrar a conta.

    Viu como fcil. E voc queria colocar tudo isso em uma estrevista de dois minutos pelotefefone. Alm, obviamente das perguntas que dai se desdobram, tais como, qual o impactoda atual Reviso de Defesa para o Brasil, como a demanda de tecnologia militar americanamodela as possibilidades futuras do combate, tendncias da estratgia americana e reflexo naestrutura de foras brasileiras, a equao de custos e preos das novas alianas alm, bvio,de outras perguntitas de algibeira (brincadeirinha).

    Salvador Raza