dona júlia - preciosidade de saberes no semiárido mineiro

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1786 ITINGA Dona Júlia Gonçalves de Matos - mulher acolhedora, amável é querida por todos. Nascida e criada, na comunidade Caldeirão, zona rural de Itinga/MG, localizada no médio Jequitinhonha, hoje, com 79 anos, ela é uma das moradoras mais antigas, considerada memória viva da comunidade, guardiã de tradições, que com muito orgulho preserva e conta histórias de lutas, vivências, superações da comunidade. Os agricultores da região vivem em uma terra de caatingueiros que produzem, mesmo fora da época de chuva, mantendo assim seus quintais produtivos como garantia da soberania alimentar para suas famílias. Dona Júlia foi casada por 49 anos e hoje é viúva, avó de oito netos e mãe de três filhos: Paulina Ferreira Gonçalves, que mora em uma casa ao lado da sua, Custódia Ferreira Gonçalves, que mora em Belo Horizonte e José Antônio Gonçalves Ferreira, que mora com ela e ajuda nos trabalhos da roça, na terra que é herança dos pais de dona Júlia. Em seu quintal produtivo a agricultora planta de tudo um pouco: feijão catador, abóbora, verduras, frutas e remédios homeopáticos. Tudo lá é produzido sem uso de agrotóxicos. “Gosto demais do trabalho na roça. É gratificante”, explica. Ela relata que sua avó foi descendente de escravos, na época era predominante na região. Dona Júlia desde muito jovem sempre trabalhou na lida do campo. E dos seus oito irmãos foi à única que teve a oportunidade de estudar até o 4º ano, que naquele tempo, era suficiente para alfabetizar as crianças e jovens da comunidade, missão que ela abraçou com muito carinho, e apesar das dificuldades: ela tomava conta da escola, era professora o dia todo, em dois turnos, fazia o lanche e arrumava as salas. Dona Júlia explica que a escola João Menezes, fundada em 1977,foi construída com muita luta, era precária de infraestrutura. Ela diz, que na época, ainda tinha o problema da falta de cadernos e lápis porque os pais dos alunos por falta de condições financeiras não podiam comprar e para garantir que os filhos aprendessem a ler e escrever, o material escolar era dividido ao meio para render e atender a necessidade dos alunos. Depois de 29 anos, dando aulas dona Júlia relata que existe laços eternos de amor e carinho pela escola. Nessa época, ela teve que sair desse trabalho que ela tanto amava porque era necessário ter formação acadêmica, mesmo assim, ela continuou sempre presente na escola. Hoje, aposentada e em meio aos seus afazeres, na roça, ela continua acompanhando na educação dos netos. Agosto/2014 Dona Júlia - Preciosidade de saberes no Semiárido Mineiro Dona Júlia Quintal de Dona Júlia

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Dona Júlia Gonçalves, mulher guerreira, batalhadora, e que faz de tudo para ajudar sua comunidade, conta com orgulho que foi a primeira pessoa a receber a cisterna da primeira água em sua comunidade. Além de tantas histórias que dona Júlia tem pra contar, ela conta sua trajetória e participação na Associação da comunidade.

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Page 1: Dona Júlia - Preciosidade de saberes no Semiárido Mineiro

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1786

ITINGA

Dona Júlia Gonçalves de Matos - mulher acolhedora, amável é querida por todos. Nascida e criada, na comunidade Caldeirão, zona rural de Itinga/MG, localizada no médio Jequitinhonha, hoje, com 79 anos, ela é uma das moradoras mais antigas, considerada memória viva da comunidade, guardiã de tradições, que com muito orgulho preserva e conta histórias de lutas, vivências, superações da comunidade.

Os agricultores da região vivem em uma terra de caatingueiros que produzem, mesmo fora da

época de chuva, mantendo assim seus quintais produtivos como garantia da soberania alimentar para suas famílias. Dona Júlia foi casada por 49 anos e hoje é viúva, avó de oito netos e mãe de três filhos: Paulina Ferreira Gonçalves, que mora em uma casa ao lado da sua, Custódia Ferreira Gonçalves, que mora em Belo Horizonte e José Antônio Gonçalves Ferreira, que mora com ela e ajuda nos trabalhos da roça, na terra que é herança dos pais de dona Júlia. Em seu quintal produtivo a agricultora planta de tudo um pouco: feijão catador, abóbora, verduras, frutas e remédios homeopáticos. Tudo lá é produzido sem uso de agrotóxicos. “Gosto demais do trabalho na roça. É gratificante”, explica. Ela relata que sua avó foi descendente de escravos, na época era predominante na região. Dona Júlia desde muito jovem sempre trabalhou na lida do campo. E dos seus oito irmãos foi à única que teve a oportunidade de estudar até o 4º ano, que naquele tempo, era suficiente para alfabetizar as crianças e jovens da comunidade, missão que ela abraçou com muito carinho, e apesar das dificuldades: ela tomava conta da escola, era professora o dia todo, em dois turnos, fazia o lanche e arrumava as salas. Dona Júlia explica que a escola João Menezes, fundada em 1977,foi construída com muita luta, era precária de infraestrutura. Ela diz, que na época, ainda tinha o problema da falta de cadernos e lápis porque os pais dos alunos por falta de condições financeiras não podiam comprar e para garantir que os filhos aprendessem a ler e escrever, o material escolar era dividido ao meio para render e atender a necessidade dos alunos. Depois de 29 anos, dando aulas dona Júlia relata que existe laços eternos de amor e carinho pela escola. Nessa época, ela teve que sair desse trabalho que ela tanto amava porque era necessário ter formação acadêmica, mesmo assim, ela continuou sempre presente na escola. Hoje, aposentada e em meio aos seus afazeres, na roça, ela continua acompanhando na educação dos netos.

Agosto/2014

Dona Júlia - Preciosidade de saberes no Semiárido Mineiro

Dona Júlia

Quintal de Dona Júlia

Page 2: Dona Júlia - Preciosidade de saberes no Semiárido Mineiro

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais

Dona Júlia é uma mulher guerreira e muito religiosa que serve de incentivo e inspiração para a comunidade. Ela é conselheira e tudo que é relacionado a luta por benefícios para as famílias, ela está lá presente motivando todos. Uma das conquistas da comunidade, unidas com dona Júlia, foi à chegada da energia elétrica para quarenta famílias. Na época, teve até uma festa onde os moradores estiveram presentes com os candeeiros iluminando a noite de inauguração. “Mesmo sabendo que algumas pessoas não acreditavam que poderíamos conseguir tinha fé e força para lutar”, diz.

Ela é uma pessoa atenta que sempre está de olho para a comunidade não ser lesada e faz questão de dizer: que quando entra numa causa faz de tudo para conseguir com paciência e amor. Em 1995, ela junto com um grupo de jovens por necessidade criou uma associação comunitária, mesmo com tantos obstáculos a associação está atuante até hoje. A Associação dos Pequenos Produtores do Corrégo do Veado- Aprocov já conquistou vários projetos dentre eles, se destaca a criação da Casa de Sementes crioulas, valorizando a soberania alimentar, com objetivo de atender não só a comunidade mais outras também.Dona Júlia relata que recebeu a primeira caixa Dágua para beber e cozinhar de 20 mil litros por meio da igreja católica, que atendia seis famílias, da comunidade. A partir do acesso as tecnologias da Articulação do Semiárido Brasileiro – ASA, dona Júlia em 2008, recebeu o tanque de pedra de consumo coletivo e em 2013, foi contemplada com a cisterna calçadão para a produção de alimentos. Uma das alegrias de dona Júlia e estar na companhia dos jovens e faz questão de revelar seu sonho. “Desejo que os jovens tivessem mais oportunidades de permanecer e se sustentar na comunidade, para que não fosse necessário sair de suas casas, para trabalhar e estudar e aprender coisas ruins”, explica.

Realização Apoio

Filha e netos de Dona Júlia

Canteiros recém plantados Cisterna calçadão de Dona Júlia