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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A ANATOMIA DO CONFLITO Elaine de Souza Medeiros ORIENTADOR: Prof. William Rocha Rio de Janeiro - 2018 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEIDE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A ANATOMIA DO CONFLITO

Elaine de Souza Medeiros

ORIENTADOR:

Prof. William Rocha

Rio de Janeiro - 2018

DOCUMENTO P

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES / AVM

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

Apresentação de monografia à AVM como requisito

parcial para obtenção do grau de especialista em Mediação de Conflitos com ênfase em Família. Por: Elaine de Souza Medeiros

A ANATOMIA DO CONFLITO

Rio de Janeiro - 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus,

“Graças Te dou, visto que de modo assombrosamente

maravilhoso me formaste;” (Sl 139:14a)

e aos amigos Sônia e Nelson, casal querido;

pela amizade, incentivo, apoio e auxílio inestimáveis;

sem os quais não seria possível a realização desse

trabalho monográfico.

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DEDICATÓRIA

Àquela que,

no momento do meu nascimento, estava lá,

do outro lado do cordão umbilical,

e que desde então, tem estado presente

e sido parceira em tantas outras batalhas,

dedico esta vitória!

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RESUMO

Esse trabalho é fruto de pesquisa teórica, com aplicação prática em

um caso concreto, e pretende desenvolver uma reflexão sobre o tema Conflito,

diante do seguinte questionamento: Como a classificação do conflito,

segundo Christopher Moore, em seu livro “O Processo de Mediação, pode

auxiliar no encaminhamento da mediação?

A questão central foi fragmentada em quatro questões menores: “O

QUE é Conflito?”; “QUAL a sua trajetória?”; “POR QUE surge?”; “COMO lidar

com o Conflito?”.

Cada uma das três primeiras questões é tratada em um tópico do

Capítulo I e, embora a quarta questão não apareça explicitamente, está

subentendida no título do Capítulo II, “Lidando com o Conflito”, aludindo o

gerúndio ao dinamismo da prática do mediador. Essa questão constitui o cerne

da investigação, ao explorar o pensamento de Moore, suas propostas de

intervenção, em comparação à prática cotidiana da Mediação, com o uso das

ferramentas elencadas no Manual de Mediação de 2016.

O Capítulo III discorre sobre a aplicação de tais conceitos na prática,

em um caso concreto, e conclui-se o presente trabalho atestando os benefícios

da utilização do recurso, objeto desse estudo.

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METODOLOGIA

Durante mais de dez anos trabalhando como mediadora judicial no

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde atuo também como supervisora no

CEJUSC da Capital, acumulei uma larga experiência nesse trabalho e me senti

desafiada quando, durante um curso de reciclagem e aperfeiçoamento

somente para mediadores, o palestrante indagou à plateia quantos ali

conheciam a classificação do conflito, descrita por Christopher Moore, em seu

livro “O Processo de Mediação” e quantos dos que a conheciam, faziam uso

desse recurso para traçar suas estratégias no tratamento do conflito, ao iniciar

uma mediação.

Diante desse desafio, realizei uma pesquisa bibliográfica para

fundamentação teórica da reflexão, complementada por uma experiência de

caso concreto para verificação prática da hipótese.

A pesquisa em tela pretende analisar o recurso da Classificação do

Conflito. Por esta razão, baseia-se no livro “O Processo de Mediação” de

Christopher Moore e, para melhor compreensão da estrutura do conflito, valeu-

se também do Modelo da Escalada do Conflito de Friedrich Glasl, descrito no

livro “Mediación, entre exigéncia y realidad: Um inventario personal”.

Referida pesquisa apoia-se, para análise das ferramentas do

Mediador, no Manual de Mediação de 2016, do CNJ, e, para agregar valor com

o acréscimo de uma segunda visão, busquei algumas contribuições do livro

“Caixa de Ferramentas do Mediador” de Tânia Almeida, referidos na

Bibliografia apresentada.

A leitura das obras citadas na Bibliografia agregou informações

muito importantes para dar suporte à condução do caso concreto e ao

desenvolvimento e realização desse trabalho.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 8

CAPÍTULO I – O Que, Qual e Por Quê? ................................................................10

1.1. O que é Conflito? ............................................................................................10

1.2. Qual a sua trajetória? .....................................................................................11

1.3. Por que surge? ................................................................................................15

CAPÍTULO II – Lidando com o Conflito ................................................................22

2.1. Conflitos de Dados/Informações ................................................................22

2.2. Conflitos de Relacionamento ......................................................................26

2.3. Conflitos de Interesses..................................................................................28

2.4. Conflitos de Valor ...........................................................................................30

2.5. Conflitos Estruturais ......................................................................................32

CAPÍTULO III – Da Prática........................................................................................36

3.1. Primeira Sessão ..............................................................................................36

3.2. Segunda Sessão..............................................................................................42

3.3. Terceira Sessão ...............................................................................................46

3.4. Quarta e Última Sessão .................................................................................51

IV CONCLUSÃO ..........................................................................................................58

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................60

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INTRODUÇÃO

“Ora, em paz se semeia o fruto da justiça

para os que promovem a paz.” (Tg 3:18)

O presente trabalho pretende convidar a uma reflexão sobre o fenômeno

do Conflito e sua estrutura. Buscando, a partir da Classificação do Conflito proposta

por Christopher Moore, identificar os tipos de conflito e analisar a relação entre estes

e o procedimento adotado em Mediação, a fim de verificar se o uso de tal recurso

afeta positivamente a prática do Mediador.

O insight para a realização desta pesquisa veio durante um curso de

reciclagem e aperfeiçoamento, em que me deparei com a seguinte situação: o

palestrante, a certa altura, indagou à plateia, formada exclusivamente por

mediadores, quantos ali conheciam a classificação de conflitos descrita por

Christopher Moore, em seu livro “O Processo de Mediação”. Grande parte, dentre os

quais eu me encontrava, respondeu que sim. E aí, veio a segunda pergunta:

Quantos dos que a conheciam, faziam uso desta classificação para traçar suas

estratégias no tratamento do conflito, ao iniciar uma mediação?

Surpreendentemente, apenas dois dos presentes, num auditório de cerca

de trinta pessoas, levantaram a mão. E eu continuava entre a maioria.

A percepção de que havia um recurso disponível e que poderia ser tão útil

no procedimento de mediação, mas que estava sendo negligenciado, ou por

ignorância de sua existência, ou por falha na avaliação de sua relevância, gerou em

mim o desejo de investigar a questão.

Essa investigação se desenvolveu basicamente no diálogo entre o

pensamento de Christopher Moore, com a tipologia que apresenta para o fenômeno

do conflito e as intervenções que sugere; e, a partir destas intervenções, as

ferramentas disponíveis ao Mediador, preconizadas e definidas no Manual de

Mediação Judicial de 2016, do CNJ. Esse intercambio é enriquecido pelo Modelo da

Escalada do Conflito de Friedrich Glasl e por algumas contribuições do livro “Caixa

de Ferramentas do Mediador” de Tânia Almeida.

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A pesquisa se fundamenta no estudo teórico desenvolvido nos dois

primeiros capítulos e se complementa com a práxis, num caso concreto, cuja

experiência é relatada no terceiro.

Os Capítulos I e II se desenvolvem com o objetivo de responder ao

questionamento sobre “O Quê?”, “Qual?”, “Por Que?” e “Como?”, que se traduzem

nas seguintes questões:

O Quê é Conflito?

Qual a sua trajetória?

Por Que surge?

Como lidar com o Conflito?

O Capítulo I trata das três primeiras questões, procurando definir e

conceituar o tema; descrever sua trajetória através do Modelo da Escalada do

Conflito de Friedrich Glasl; e apresentar o recurso objeto de nosso estudo, a

Classificação do Conflito segundo Christopher Moore, na análise das razões de sua

origem.

O Capítulo II aprofunda o estudo sobre o ponto central da pesquisa, na

busca de responder ao “Como?”. A partir dos tipos identificados, são analisadas as

respectivas sugestões de intervenção propostas por Moore e encontradas nas

ferramentas de uso cotidiano do Mediador, uma expressão concreta e prática para

efetivar a ação proposta pelo autor.

Encerra-se este estudo com o Capítulo III que se destina à narrativa da

aplicação prática da relação estabelecida entre Intervenção do Mediador e as

Ferramentas da Mediação.

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CAPÍTULO I

O QUE, QUAL E POR QUÊ?

Neste capítulo procuraremos entender o tema, e situá-lo no âmbito da

Mediação. Em seguida, observaremos sua estrutura, e analisaremos suas possíveis

causas e motivações, para, a partir delas, subdividi-lo em grupos específicos, para

melhor compreensão de sua dinâmica.

1.1. O que é Conflito?

O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, VOLP, apresenta este

vocábulo como substantivo masculino, e em concordância, o Dicionário Aurélio

define tal substantivo como sendo: “conflito. [Do lat. Conflictu.] s. m. 1. Embate dos

que lutam. 2. Discussão, acompanhada de injúrias e ameaças; desavença. 3. Guerra

(1). 4. Luta, combate. 5. Colisão, choque: As opiniões dos dois entram sempre em

conflito.” Tais significados, presentes no senso comum, parecem imprimir no

inconsciente coletivo, uma áurea de negatividade, uma certa carga ou peso à

palavra, gerando uma sensação incômoda de desconforto e desprazer, que faz com

que sua simples menção, traga consigo a ideia de que se trata de algo que se deva

refutar, ou, pelo menos, na medida do possível, que se deva evitar. Entretanto, no

item de número 6, o próprio dicionário mencionado traz, na área do Teatro, um

conceito um tanto diferente: “6. Teat. O elemento básico determinante da ação

dramática, a qual se desenvolve em função da oposição e luta entre diferentes

forças; conflito dramático.”

De fato, nas Artes Cênicas, o conflito ganha status e importância,

constituindo-se na força motriz, no fato gerador da ação, pois é a partir da oposição

de ideias e sentimentos, do confronto de antagonismos, que surge a cena dramática,

que, sem isso, não existiria.

Na vida real, o conflito pode ser visto como um obstáculo ao fluxo natural

da vida, como um grande redemoinho, que aprisiona as energias e gera impasse, ou

como um desafio, um catalizador dessas energias, capaz de impulsionar esse fluxo

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vital, como uma mola propulsora. Tudo depende do entendimento que se tem e da

forma com que se lida com o conflito.

Os orientais, em sua sabedoria milenar, conseguem traduzir em sua

grafia, na representação da palavra “crise”, uma composição capaz de reunir esta

dualidade de ideias e significados, aparentemente tão antagônicos, mas que, na

realidade, são tão complementares, quanto as duas faces de uma mesma moeda.

Segundo o Dicionário Jisho, em Japonês, os dois ideogramas que formam a palavra

“kiki”, que significa “crise”, são: o primeiro, significando “perigo”, e dentre os diversos

significados para o segundo, encontramos “oportunidade”.

A Mediação, a exemplo da visão oriental e da Arte Dramática,

compreende o conflito como sendo natural, inerente ao ser humano e às suas

relações, e busca a partir dele, considerando-o como fruto da interação de vontades

e interesses, trabalhar através de atitudes colaborativas, de forma que os envolvidos

construam soluções mutuamente aceitáveis para suas próprias questões, lançando

mão do auxílio de um terceiro imparcial e externo ao conflito, o Mediador.

1.2. Qual a sua trajetória?

Os elementos que se agregam e se sobrepõem na formação e

constituição do conflito se apresentam numa estrutura dinâmica de construção, que

percorre seu trajeto no tempo e no espaço. Ao gráfico desta trajetória, habitualmente

chama-se de “Escalada do Conflito”, ou, por vezes, “Espiral do Conflito”. O termo

“Escalada” popularizou-se a partir de 1938, com a Guerra Fria, e evoca a imagem de

uma escada ascendente ou descendente, para representar, se ascendente, a

intensidade do conflito que vai aumentando, ou, se descendente, a gravidade do

conflito que vai se aprofundando. De igual modo, a configuração de uma espiral,

traduz a ideia de que a cada volta, a cada círculo, o conflito vai ampliando sua

velocidade e abrangência. O fato é que, independentemente da figura utilizada,

todas trazem em seu bojo, a inegável progressão que contêm. E é sobre isso, que

trataremos neste tópico.

Friedrich Glasl, economista austríaco, especialista em Mediação,

apresenta um Modelo de Escalada do Conflito que se estrutura em nove etapas,

dispostas como os degraus de uma escada descendente. Diferentemente da espiral,

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que nos passa a ideia de continuidade ininterrupta, a escada, concebida por

Friedrich Glasl, propõe que cada etapa constitui um limiar, com alguma estabilidade,

onde é possível uma reflexão, antes que se venha a dar o próximo passo. E a

imagem de uma escada descendente é utilizada porque Glasl considera que o

conflito, na medida em que se desenvolve e vai avançando em seus estágios,

aprofunda-se em sua complexidade progressivamente, e conduz os envolvidos,

como se rumassem para um abismo. Ele chega mesmo a usar essa palavra na

categorização do nono e último estágio da Escalada.

Toda essa trajetória é subdividida em três fases, ou níveis de

aprofundamento e complexidade progressivos do Conflito, cada qual contendo três

etapas, ou degraus da escada descendente, que Glasl nomeia de acordo com seu

significado.

1.2.1. Primeira Fase

Nesta fase se encontram as etapas 1, 2 e 3. As diferenças são objetivas e

se centram sobre a questão. Os envolvidos podem prescindir de auxílio externo, e

ainda são capazes de solucionar o problema sozinhos. A possibilidade de ganhos

mútuos é considerada e existe cooperação.

a) 1ª etapa: Endurecimento – Opiniões divergentes e tentativa de

argumentação; os pontos de vista endurecem e se chocam. As

dificuldades na comunicação geram alguma tensão, mas ainda há a

crença no diálogo. A cooperação, nesta etapa, supera a competição.

b) 2ª etapa: Debate e Polêmica – A polarização se dá no “pensar”, no

“sentir” e no “querer”. A confrontação deixa de ser criativa, tornando-se

reativa e mecânica: para cada argumento, um contra-argumento; surge

o ping-pong intelectual. Ter razão passa a ser tão importante quanto o

conteúdo da questão em si. Cooperação e competição se alternam.

c) 3ª etapa: Ação em Vez de Palavras – O diálogo cai em descrédito; “se

você não me ouve, então eu não ouço você.” As partes tendem a se

fecharem num certo silêncio e isolamento. Passam a observar umas às

outras, e a agirem unilateralmente. A linguagem não-verbal ganha

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importância decisiva, mas o comprometimento emocional faz com que

quase não se perceba o que realmente acontece com o outro.

1.2.2. Segunda Fase

Nesta fase estão as etapas 4, 5 e 6. As diferenças deixam de ser

objetivas e passam a ser pessoais. Os ganhos visados são unilaterais, e já se faz

necessária a ajuda de alguém externo ao conflito, mas próximo aos seus

participantes.

d) 4ª etapa: Imagens e Coalizões – O outro é visto como oponente e

forma-se a seu respeito uma imagem desfavorável, em contraste com

uma autoimagem bastante privilegiada. Formam-se estereótipos que

serão fixados nas mentes, e não poderão mais ser corrigidos. As partes

tendem a estimular, umas nas outras, o comportamento que criticam, a

fim de angariar adeptos. Também ocorre aqui, o fenômeno da

projeção, onde as partes tendem a perceber, umas nas outras,

características que rejeitam em si mesmas. Mas, por enquanto, nesta

etapa, as falhas do outro ainda se restringem ao campo das

competências e habilidades, mantendo-se as virtudes morais

preservadas de ataques.

e) 5ª etapa: Perder a Cara – Esta é uma etapa extremamente crítica,

porque a moral, que até então havia sido preservada, agora é exposta,

pois um dos lados perde a credibilidade na integridade moral do outro,

que passa da posição de oponente para inimigo. Trata-se de um

estágio literalmente dramático, porque o lado que julga ter sido vítima

de ilusão, agora acredita estar enxergando a verdadeira face do

inimigo, reinterpreta vivências pretéritas sob nova ótica, e sente

necessidade de desmascarar o outro, que, por sua vez, não se percebe

neste papel de vilão, e tende a contra-atacar. A honra e a moral são

atingidas reciprocamente, e as relações nunca mais voltarão a ser as

mesmas.

f) 6ª etapa: Estratégia de Ameaça – Neste estágio, um dos lados tenta

forçar o outro, encurralando-o dentro de um cerco, o “Triângulo da

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Ameaça”, formado por três iniciativas, quais sejam: “uma exigência” a

ser cumprida, “uma sansão”, caso não se cumpra a exigência, e “um

potencial de sansão”, para conferir credibilidade à sansão. Entretanto,

este cerco, tanto aprisiona o ameaçado quanto o ameaçador, pois, a

fim de manter sua credibilidade, quem faz a ameaça também fica refém

dela. Por sua vez, o ameaçado tende a fazer suposições, antecipações

pessimistas, e a acreditar que uma resposta adequada para a ameaça

precisa ser enérgica e rápida, precipitando-se numa contra-ameaça. As

tensões se ampliam e o conflito se acirra.

1.2.3. Terceira Fase

Nesta fase estão situados os três últimos estágios do conflito: etapas 7, 8

e 9. Aqui, já não se cogitam ganhos, e os prejuízos são até considerados passíveis

de aceitação, desde que a outra parte perca mais. As perdas são mútuas, o conflito

torna-se uma guerra, e é preciso que a intervenção seja feita por alguém

especializado.

g) 7ª etapa: Ataques Destrutivos Limitados – As partes perdem a crença

de que ainda podem ganhar algo, e passam a considerar as perdas do

inimigo como lucro. Ameaças são transformadas em ação. As

destruições ainda são limitadas, procurando-se disparar ataques

precisos e proporcionais, que, inicialmente, se dirigem a bens

materiais, mas, que evoluem para as próprias pessoas, embora as

partes não se vejam mais assim, enxergando-se como coisas.

h) 8ª etapa: Fragmentação do Inimigo – Neste ponto, cada parte mira os

órgãos vitais do sistema oponente, e os atinge de forma certeira,

visando a destruição total do inimigo em todos os níveis.

i) 9ª etapa: Juntos Para o Abismo – Porém, se até a etapa anterior não

se logrou êxito em reduzir o outro a pó, ocorre então, o último degrau, o

derradeiro nível do conflito, onde diante da perspectiva de que a

destruição do adversário só será possível mediante a própria, a

escolha feita é saltar para o abismo, a fim de, assim arrastar o inimigo

consigo para a destruição de ambos.

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Antes do trágico desfecho, sempre há a possibilidade de uma reflexão

que resulte em mudança de direção. E a qualquer altura do conflito, em qualquer

que seja a etapa ou fase em que se encontre em sua escalada, pode-se fazer uma

intervenção capaz de motivar esta reflexão. Contudo, à medida que o conflito se

desenvolve e as etapas se sucedem, as complexidades se adensam e as

probabilidades de uma intervenção exitosa na reversão do quadro diminuem. Por

esta razão, embora a Primeira Fase seja aquela em que os envolvidos no conflito

ainda possam solucioná-lo sem ajuda de terceiros, dialeticamente, também é a fase

em que a mediação mostra-se extremamente promissora, pois as partes encontram-

se mais dispostas à cooperação mútua, os danos ainda não atingiram proporções

maiores, e o conflito está centrado nas questões. Por isso, é principalmente nesta

fase que nossa investigação assume maior relevância, já que procuraremos refletir

sobre estas questões e suas motivações, bem como a origem do conflito e a

ambiência em que ele aparece.

1.3. Por que surge?

Christopher Moore1 demonstra, mais especificamente no segundo

capítulo, a clara relação entre as causas geradoras do conflito, a forma que ele

assume, e o modo como pode ser tratado. Assim como se o próprio conflito nos

ensinasse como lidar com ele, dando-nos pistas, desde seu início e a cada

momento, apontando para sua solução. Por esta razão, o diagnóstico de sua origem

se faz tão relevante, e Moore irá tipificar o Conflito, dividindo-o em grupos, a partir de

suas causas, como afirma:

Entretanto, os conflitos não vêm em pacotes arrumados, com suas causas e componentes rotulados, para que o interventor saiba responder criativamente a eles. As causas estão em geral obscuras e encobertas pela dinâmica das interações entre as partes. Para atuar eficientemente nos conflitos, o interventor precisa de um mapa da estrada conceitual ou “mapa do conflito” (Wehr, 1979) que detalhe porque está havendo um conflito, identifique as barreiras ao acordo, e indique os procedimentos para administrar ou resolver a disputa. A maior parte dos conflitos têm causas múltiplas. As tarefas principais do mediador e dos litigantes são identificá-las e começar a lidar com elas. (MOORE, 1998, p. 61).

1 MOORE, Christopher W. O processo de Mediação: Estratégias Práticas para a Resolução de Conflitos. 2ª Ed. Tradução: Magda França Lopes. 2ª ed. Porto Alegre: Editora ArtMed,1998. p. 61.

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Quando os conflitos chegam à Mediação, qualquer que seja a etapa da

Escalada em que se encontrem, seguramente, tiveram em suas origens diversas

causas. Como Christopher Moore afirma, porém, sempre haverá as preponderantes,

e que devem ser identificadas pelo Mediador, para melhor encaminhamento e

escolha das estratégias de tratamento do conflito. É com base nelas, que

Christopher Moore apresenta o recurso seguinte, objeto de nosso estudo, sua

Classificação do Conflito, dividindo-o em cinco tipos: de dados/informações; de

relacionamento; de interesses; de valor; e estruturais.

Segundo Joseph Folger2, o conflito “é a interação de pessoas

interdependentes que percebem objetivos incompatíveis e interferências mútuas na

consecução desses objetivos.”. Invariavelmente, essas interações e percepções

revelam-se comprometidas por alguma falha ou dificuldade na comunicação.

Entretanto, por vezes, esta é uma causa subjacente, e por outras, constitui -se na

principal. Quando o problema tem seu fulcro na comunicação, os conflitos serão do

tipo de dados/informação ou de relacionamento.

A ideia mais elementar e básica de comunicação, que nos remete ao que

aprendemos ainda no Ensino Fundamental, se apoia em três elementos: emissor,

mensagem e receptor. Quando a mensagem transmitida não é integralmente

recebida, seja por perda parcial, total, ou distorção em seu conteúdo, caracteriza-se

como falha na comunicação.

No âmbito interpessoal, a mensagem possui conteúdo objetivo e

subjetivo, as linguagens utilizadas são verbal e não-verbal, e o comprometimento

pode se dar, tanto objetivamente, com perda de parte ou integralidade do conteúdo

da mensagem, ou, subjetivamente, com aspectos emocionais e interferências na

forma de transmissão e recepção da mensagem, causando distorções na

comunicação. No primeiro caso, teremos um conflito de dados/informações, e no

segundo, um conflito de relacionamento, melhor descritos a seguir.

2 FOLGER, Joseph. apud PASSANI, A. G., CORRÊA, M. G., BASTOS, S. Resolução de Conflitos para Representantes de Empresa. 1ª ed. UnB: 2014. p. 43.

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1.3.1. Conflitos de Dados/Informações

Estes conflitos são causados por problemas quanto à quantidade ou

qualidade da informação. Ausência de dados, falta de clareza na informação, e

informação errada. Interpretações diferentes e procedimentos distintos de avaliação

de dados. Pontos de vista diferentes sobre o que é importante ou relevante, e que

deve ser considerado.

1.3.2. Conflitos de Relacionamento

Já estes conflitos são causados pela comunicação inadequada ou

deficiente, em razão de emoções fortes. Percepções equivocadas ou estereótipos.

Comportamento negativo-repetitivo. Em função do aspecto emocional, neste tipo te

conflito, os envolvidos possuem uma imagem do outro comprometida, como a

descrita na 4ª etapa da Escalada do Conflito por Glasl, “Imagens e Coalizões”.

No entanto, se a comunicação consiste em questão secundária na origem

do conflito, este poderá ser de um dos três tipos a seguir:

1.3.3. Conflitos de Interesses

Tais conflitos são causados por competição real ou percebida pelos

envolvidos sobre interesses, quer sejam interesses fundamentais, interesses quanto

a procedimentos, interesses psicológicos.

A já anteriormente mencionada definição de Folger se reafirma aqui, pois

o que verdadeiramente conta é a percepção dos envolvidos no conflito, quanto à

incompatibilidade de seus objetivos, ou seja, interesses, e a possibilidade concreta

de consegui-los, seja esta incompatibilidade real ou hipotética.

É importante distinguirmos interesses e posições. Interesses são, como já

dissemos, os objetivos genuínos que as partes envolvidas no conflito realmente têm,

consciente ou inconscientemente. Enquanto que posições são as metas que elas

estabelecem para si mesmas, o caminho que percorrem, a partir da interpretação

que fazem desses objetivos. Os papéis que assumem na realidade que se lhes

apresenta, dentro do conflito, com o intuito de alcançarem tais objetivos.

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Como esta realidade que se apresenta às partes, na qual está inserida o

conflito, geralmente, costuma ser uma ambiência complexa, composta de diversos

elementos subjetivos, com a presença de grande carga emocional, as partes nem

sempre têm clareza de seus objetivos ou interesses, e tendem a confundir interesses

e posições, cabendo ao Mediador estimulá-las na descoberta de seus próprios

interesses, e conexão com algo ainda mais profundo: suas necessidades.

Precisamos agora, diferenciar interesses e necessidades. Sabendo que,

enquanto as posições são uma interpretação, sujeita a influências externas,

constituindo-se, por vezes, em trajetórias equivocadas das partes, na tentativa de

atingir seus interesses, temos que, estes interesses são a expressão íntima e

legítima das partes na busca da satisfação de suas necessidades. Sendo assim,

interesse é o fruto pessoal, individual e específico de uma necessidade comum,

estrutural e inerente a todo ser humano. Neste ponto, a Hierarquia das

Necessidades de Maslow irá nos esclarecer um pouco mais.

A “Pirâmide de Maslow”3 ou a “Hierarquia das Necessidades de Maslow”

é um conceito criado pelo psicólogo norte-americano Abraham H. Maslow, que

determina as condições necessárias para que cada ser humano atinja a sua

satisfação pessoal e profissional. De acordo com a ideia de Maslow, os seres

humanos vivem para satisfazer as suas necessidades, com o objetivo de conquistar

a sonhada autorrealização plena. O esquema descrito na Pirâmide de Maslow trata

justamente da hierarquização dessas necessidades ao longo da vida do ser humano.

A Pirâmide de Maslow é dividida em cinco níveis hierárquicos, cada um

formado por um conjunto de necessidades. Na base da pirâmide estão os elementos

que são considerados primordiais para a sobrevivência de uma pessoa, como a

fome, a sede, o sexo e a respiração. Para progredir na hierarquia é necessária a

conquista das condições elementares da Pirâmide, passando para os próximos

níveis, um a um, até alcançar o topo.

3 Pirâmide de Maslow, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierarquia_de_necessidades_de_Maslow, acessado em 18 set. 2018.

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Figura 1: A Pirâmide de Maslow

- Necessidades Fisiológicas: Esta é a base da Pirâmide, onde estão as

necessidades básicas de qualquer ser humano, como a fome, a sede, a respiração,

a excreção, o abrigo e o sexo, por exemplo.

- Necessidade de Segurança: É o segundo nível da hierarquia, onde

estão os elementos que fazem os indivíduos se sentirem seguros, desde a

segurança em casa até meios mais complexos, como a segurança no trabalho,

segurança com a saúde (planos de saúde) e etc.

- Necessidades Sociais: É o terceiro nível da Pirâmide. Neste grupo

estão as necessidades de se sentir parte de um grupo social, como ter amigos,

constituir família, receber carinho de parceiros sexuais e etc..

- Necessidades de Status ou Estima: É a quarta etapa da Pirâmide de

Maslow, que agrupa duas necessidades principais – a de reconhecer as próprias

capacidades e ser reconhecido por outras pessoas, devido à capacidade de

adequação do indivíduo. Ou seja, é a necessidade que uma pessoa tem de se

orgulhar de si própria, sentir a admiração e o orgulho de outros indivíduos, ser

respeitada por si e pelos outros, entre outras características que envolvam o poder,

o reconhecimento e o orgulho, por exemplo.

- Necessidades de Autorrealização: Este é o topo da Pirâmide, quando

o indivíduo consegue aproveitar todo o potencial de si próprio, com autocontrole de

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suas ações, independência, a capacidade de fazer aquilo que gosta e é apto a fazer,

com satisfação.

As necessidades da autorrealização nunca são saciadas, sempre que

uma necessidade se sacia, surgem novas ânsias e objetivos.

As necessidades, pertencentes a quaisquer níveis hierárquicos descritos

na Pirâmide de Maslow, serão as responsáveis pelo surgimento dos interesses

mobilizadores do conflito, e conhecê-las, nos auxilia a identificar que tipo de

interesses temos diante de nós, quando em face do conflito, pois cada tipo está

ligado ao grupo de necessidades que o produz.

Interesses fundamentais se originam na base hierárquica da Pirâmide, em

suas duas primeiras etapas, enquanto os interesses procedimentais e psicológicos

se situam a partir do terceiro nível hierárquico.

Assim como a dificuldade na comunicação está presente em qualquer tipo

de conflito, ainda que não seja sua causa principal, os interesses também. No

entanto, nos dois tipos de conflito que se seguem, parece que estes interesses estão

tão arraigados aos integrantes do conflito, seja de uma forma orgânica, como os

valores que, num plano mais profundo, constituem as próprias personalidades das

pessoas envolvidas no conflito, quanto, num plano externo, os lugares que ocupam e

as relações entre os participantes do conflito aparentam ser tão estratificadas, que a

possibilidade de movimentação parece algo pouco provável. Fazendo-se necessária

uma nova categorização, que veremos a seguir:

1.3.4. Conflitos de Valor

Estes conflitos são causados por critérios diferentes para avaliar ideias ou

comportamento. Objetivos exclusivos intrinsecamente valiosos para cada um dos

participantes do conflito. Modos de vida, ideologia ou religião diferentes.

1.3.5. Conflitos Estruturais

Tais conflitos são causados por controle, posse, ou distribuição desigual

de recursos. Poder e autoridade desiguais. Pressões de tempo. Fatores geográficos,

físicos, ou ambientais que impeçam a cooperação.

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Feito o diagnóstico, como em uma boa anamnese, o que se segue é a

prescrição do tratamento do conflito. É o que propõe Christopher Moore, sugerindo

uma série de intervenções para cada tipo de conflito, que estudaremos

detalhadamente no Capítulo a seguir.

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CAPÍTULO II

LIDANDO COM O CONFLITO

No capítulo anterior, procuramos identificar o Conflito, a partir da tentativa

de responder às perguntas O Quê, Qual e Por Quê, no que se refere à sua definição,

trajetória e origem. Neste capítulo, buscaremos responder ao Como, no tocante às

diversas possibilidades de agir em face do conflito.

Christopher Moore divide as ações do Mediador em: Prevenções e

Intervenções. E define as primeiras, como sendo as atitudes do Mediador, antes da

interação entre os Mediandos, numa ação proativa, quando age preventivamente, a

fim de inibir ou evitar uma comunicação improdutiva; enquanto que as segundas,

ocorrem reativamente, e consistem nas ações do Mediador, diante de tal

comunicação, com o intuito de transformá-la.

Para cada tipo de conflito, Moore indica algumas possibilidades de

intervenção, sugerindo que, a partir de uma hipótese formulada, sejam

experimentadas, e pelo método de tentativa e erro, verifique- se sua eficácia.

Passaremos, agora, à análise dessas Intervenções sugeridas por

Christopher Moore, e desenvolveremos uma reflexão sobre quais ferramentas

podem se mostrar adequadas no emprego de cada sugestão.

2.1. Conflitos de Dados/Informações

Como estes conflitos são causados por problemas quanto à quantidade

ou qualidade da informação, faz-se necessário um cuidado e investimento na

melhoria da comunicação. E como neste tipo de conflito, frequentemente, as partes

utilizam procedimentos distintos de avaliação de dados, e apresentam pontos de

vista diferentes sobre quais dados devem ser considerados relevantes, é necessário

que se desenvolvam critérios comuns de avaliação de dados, e que se eleja em

conjunto o procedimento pelo qual se fará a reunião destes dados, buscando o

consenso entre os mediandos quanto à importância e relevância dos referidos

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dados. É possível, também, lançar mão do auxílio de especialistas ou experts como

uma terceira parte, para obter opinião externa ou romper impasses.

Assim como problemas na comunicação, ainda que não constituam a

questão principal, estarão presentes em todo tipo de conflito, a Escuta Ativa é uma

ferramenta cujo uso se fará necessário em qualquer que seja a Mediação. Contudo,

sua utilização torna-se especialmente importante em conflitos deste tipo, que têm

como base justamente a deficiência na comunicação, mostrando-se instrumento

extremamente útil para aprimorá-la.

2.1.1. Escuta Ativa

Segundo o Manual de Mediação Judicial4, esta ferramenta, apresentada

dentre as indicadas como sendo especificamente de Comunicação, e sob o título de

Ouvir As Partes Ativamente, consiste em escutar atentamente e entender o que está

sendo dito por elas, e demonstrar, inclusive de forma não-verbal, sua atenção e

interesse real no que estão dizendo, sem, no entanto, deixar-se influenciar por

pensamentos judicantes ou que contenham juízos de valor. Sua utilização provoca

benefícios em três aspectos distintos:

Em primeiro lugar, no estabelecimento e manutenção do Rapport, pois, ao

perceberem-se ouvidas com atenção, as partes se abrem para a construção de uma

relação de confiança com o Mediador, e com o próprio processo de Mediação,

sentindo-se encorajadas e à vontade, para expor dados e informações relevantes.

Em segundo lugar, somente a partir de uma escuta ativa, o Mediador será

capaz de identificar as questões mais importantes, as emoções, e a dinâmica do

conflito, para que suas intervenções sejam muito mais eficientes e oportunas.

Buscando assim, durante todo o processo, pouco a pouco, expandir a forma como

as partes enxergam o conflito, fazendo com que cada uma delas entenda a outra

parte, e estimulando o poder que elas têm de resolver o conflito de forma autônoma.

4 AZEVEDO, A. G.; et al. Manual de Mediação Judicial 2016. 6ª ed. Brasília: CNJ, 2016. p. 202.

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Em terceiro e último lugar, está o papel que este ‘ouvir ativamente’ por

parte do Mediador desempenha na construção de atitudes e procedimentos dos

Mediandos, durante toda a Mediação, já que, como afirma o próprio Manual5:

As partes vêm o mediador como uma espécie de modelo de comunicação, que influencia como elas devem se comportar no processo de resolução de disputa. Assim, se o Mediador é atencioso, e busca compreender as partes, isso acaba por propiciar um ambiente colaborativo das partes entre si. (AZEVEDO, 2016, p. 203).

Ainda sobre a Escuta Ativa, segundo Tânia Almeida6, no livro Caixa de

Ferramentas em Mediação, temos que esta se apoia em um tripé composto por

Legitimação, Balanceamento e Perguntas, sobretudo as de esclarecimento.

Sendo que estas últimas têm por objetivo gerar informação nova e

propiciar progresso e movimento ao processo de Mediação, ampliando as

informações trazidas pelas partes, por meio de questionamentos.

No que tange ao impacto positivo esperado, causado por tais perguntas

esclarecedoras, a autora afirma que7:

As perguntas que geram e ampliam informação podem provocar: 1 - sentimento de surpresa em face de novos dados; 2 - percepção de escolha acertada do instrumento de resolução, em

função da pertinência do questionamento; 3 - entendimento mais alargado da situação e do ponto de vista do

outro, por conta da ampliação de dados; 4 - necessidade de rever interpretações e posições, devido às novas

informações geradas.

Diante do resultado obtido pelo emprego desta parte integrante da Escuta

Ativa, pode-se considerar que as Perguntas Esclarecedoras, ao trazerem à tona uma

gama de novos dados e informações, a partir da necessidade de ordenamento

desses elementos, cria a ambiência e aponta para a utilização das ferramentas que

se seguem, para a construção de uma pauta e desenvolvimento da Mediação, quais

sejam: Organização de Questões e Interesses, Resumo, e Audição de Propostas

Implícitas.

5 AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 203. 6 ALMEIDA, Tânia. Caixa de Ferramentas em Mediação: Aportes práticos e teóricos. 1ª ed. São Paulo: Ed. Dasheditora, 2014. p. 66. 7 ALMEIDA, Tânia. op. cit. p. 67.

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2.1.2. Organização de Questões e Interesses

O Manual de Mediação Judicial8 faz distinção entre ‘interesses reais’ e

‘interesses aparentes’. Onde os primeiros são os interesses propriamente ditos, e os

últimos, aqueles que gerarão as ‘posições’. Distinção essa já descrita no capítulo

anterior. E sugere, para a devida identificação de um interesse aparente, sua

comparação aos demais interesses reais. Havendo incompatibilidade, pode-se

depreender que se trate de interesse aparente, sendo recomendado que, tão logo

surja essa hipótese de aparência do interesse, seja feito um Resumo, para a

verificação e sua confirmação. O Manual destaca ainda que:

É frequente as partes perderem o foco da disputa, deixando de lado as questões que efetivamente precisam ser abordadas na Mediação, para debaterem outros aspectos que as tenham aborrecido. Nesse contexto, recomenda-se que o Mediador, ao conduzir a sessão, estabeleça com clareza uma relação entre as questões a serem debatidas e os interesses reais que as partes têm. Vale ressaltar que em processos autocompositivos como a Negociação, a mediação e a Conciliação, a correta identificação de interesses consiste em parte fundamental do trabalho do Mediador. (AZEVEDO, 2016, p. 239).

2.1.3. Resumo

Segundo Tânia Almeida9, “resumir consiste em sintetizar o que foi dito –

ao final de cada fala ou após a fala de todos os presentes; de tempos em tempos em

uma reunião ou ao seu término.” E o Manual de Mediação10 afirma que após a fala

inicial das partes, o Mediador deve perguntar se ainda desejam acrescentar algo, e

em seguida oferecer um resumo de toda a controvérsia apresentada, verificando as

principais questões presentes, como também os interesses subjacentes, juntamente

com as partes. É recomendado que o resumo inicial seja feito após a fala de todas

as partes, para que não se passe a impressão de endosso do que foi dito pela parte

de quem se fez o resumo, o que poderia ser interpretado pelas partes como

imparcialidade por parte do Mediador. O Manual declara que:

Esse resumo conjunto dos discursos das partes – também chamado de resumo de texto único, por colocar duas perspectivas em uma única descrição – mostra-se de suma importância, uma vez que dá um norte ao processo de Mediação e, sobretudo, centraliza a discussão nos principais aspectos presentes. Para o Mediador, trata-

8 AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 239 9 ALMEIDA, Tânia. op. cit. p. 91. 10AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 178.

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se de uma efetiva organização do processo, pois se estabelece uma versão imparcial, neutra e prospectiva [...] dos fatos identificando quais são as questões a serem debatidas na Mediação e quais são os reais interesses e necessidades que as partes possuem. (AZEVEDO, 2016, p. 178).

2.1.4. Audição de Propostas Implícitas

O Manual de Mediação, em sua seção intitulada “Ferramentas para

Provocar Mudanças”, apresenta esta ferramenta, que consiste no trabalho atento e

meticuloso do mediador, em pinçar, em meio a uma comunicação ainda nebulosa e

desordenada, propostas cuja expressão não tenha sido totalmente clara, pois as

partes de uma disputa, em razão de se encontrarem em um estado de ânimo

exaltado, geralmente propõem soluções sem perceber que de fato estão fazendo

isso.

2.2. Conflitos de Relacionamento

Embora a questão principal neste tipo de conflito também seja a

comunicação inadequada ou deficiente, isto se dá em função de emoções fortes, o

que exigirá ênfase na Escuta Ativa, e a partir desta, o uso associado das demais

ferramentas, para o emprego das seguintes intervenções propostas por Moore:

acolher a expressão das emoções, legitimando os sentimentos, e estimulando a

elaboração e o processamento destes, através do Reconhecimento e Validação de

Sentimentos; melhorar a qualidade e a quantidade da comunicação, usando a

Recontextualização; promover a reflexão sobre Percepções equivocadas ou

estereótipos e bloquear comportamento negativo-repetitivo, mudando a estrutura,

por meio de Perguntas Abertas; e incentivar a construção de uma nova visão, a

partir do Enfoque Prospectivo; nas sessões conjuntas, controlar a expressão das

emoções através dos procedimentos, regras básicas e utilizar Sessões Privadas,

ferramenta primordial neste tipo de conflito.

2.2.1. Escuta Ativa

Segundo Tânia Almeida11, “O legitimar da escuta ativa se dá quando o

mediador recebe o que está sendo trazido pelos mediandos (linguagem verbal e não

11 ALMEIDA, Tânia. op. cit. p. 66.

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verbal) de maneira (verbal e não verbal) que estes se percebam acolhidos e

validados em seus discursos.”

A Legitimação é o primeiro elemento do tripé apresentado por Tânia

Almeida, que se mostra especialmente necessária neste tipo de conflito, e serve

como base e suporte para o uso da ferramenta seguinte, o Reconhecimento e

Validação de Sentimentos, pois é a partir, ou melhor dizendo, durante a Escuta

Ativa, que se processa a identificação dos sentimentos a serem reconhecidos e

validados.

2.2.2. Reconhecimento e Validação de Sentimentos

O Manual de Mediação12 sustenta que:

Reconhecer e validar sentimentos consiste em uma técnica muito utilizada durante a mediação, principalmente quando se busca estabelecer uma relação de confiança com as partes. Consiste em identificar sentimentos, ainda que as partes não os revelem explicitamente, reconhecer estes perante as partes e contextualizar o que cada parte está sentindo em uma perspectiva positiva, identificando os interesses reais que estimularam o referido sentimento. (AZEVEDO, 2016, p. 206).

2.2.3. Recontextualização

Ainda segundo o Manual de Mediação13:

Sempre que for retransmitir às partes uma informação que foi trazida por elas ao processo, o mediador deve se preocupar em apresentar estes dados em uma perspectiva nova, mais clara e compreensível, com enfoque prospectivo, voltado às soluções, filtrando os componentes negativos que eventualmente possam conter, com o objetivo de encaixar essa informação no processo de modo construtivo. O mediador pode, com o resumo objetivo, escolher as informações que deseja apresentar, descartando aquelas que não tenham uma participação eficiente ou relevante para a boa resolução da disputa. (AZEVEDO, 2016, p. 209).

2.2.4. Sessão Privada

Em relação a Sessão Privada, Tânia Almeida14 afirma que

12 AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 206. 13 AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 209. 14 ALMEIDA, Tânia. op. cit. p. 221.

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As reuniões privadas ou individuais, também conhecidas pela expressão caucus, têm por finalidade propiciar um espaço exclusivo de conversa com um dos mediandos, incluindo ou não sua rede de pertinência e advogado(s), e atendem a múltiplas finalidades: possibilitar o acesso aos discursos de cada um, sem a interferência da presença do outro; provocar reflexões destinadas a solucionar aparentes impasses; identificar a pauta subjetiva da questão apresentada. Os objetivos mencionados podem ser ampliados e incluir, dentre outros, a oferta de perguntas autoimplicativas e o acolhimento de emoções que, levadas às entrevistas conjuntas, poderiam contribuir para a manutenção das barreiras ao diálogo. [...] O espaço privado de conversa possibilita aos mediadores uma abordagem mais direta e aos mediandos uma expressão mais desprovida de estratégias de defesa e de ataque ao outro. No espaço privado, mediandos não necessitam se ocupar do que o outro em dissenso está ouvindo ou que julgamentos está fazendo sobre o que está presenciando.

2.2.5. Enfoque Prospectivo

Ainda segundo o Manual de Mediação15:

Ao apresentar às partes uma visão prospectiva da disputa, o mediador estimula a atuação cooperativa das partes na busca por uma solução. Enfocar no futuro é uma técnica que pode ser utilizada com dois objetivos. O primeiro seria aliviar o clima de atribuição de culpa, deixando de analisar como as questões problemáticas aconteceram no passado, e passando a analisar como a situação será resolvida de modo positivo. O segundo seria o de estimular uma parte a buscar uma solução. (AZEVEDO, 2016, p. 212)

Desenvolvendo esse raciocínio, através de exemplificação, o texto irá

concluir que com um discurso retrospectivo, provavelmente o mediador ouvirá uma

série de justificativas ou atribuições de culpa, enquanto que, por outro lado, de forma

prospectiva, a parte tenderá a buscar soluções e melhorias em procedimentos e

dificilmente se colocará de forma defensiva.

2.3. Conflitos de Interesses

Christopher Moore afirma que neste tipo de conflito, o importante é

concentrar-se nos interesses, e não nas posições. Desenvolver soluções

integradoras, que lidem com as necessidades de todas as partes. Promover

intercâmbios para satisfazer os interesses de forças diferentes. Encontrar critérios

15 AZEVEDO, A. G.; et al. op. cit. p. 212.

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objetivos e buscar maneiras de expandir opções ou recursos. Para tanto, o primeiro

passo é a Identificação de Interesses.

2.3.1. Identificação de Questões, Interesses e Sentimentos

Essas questões dizem respeito à matéria tratada na mediação, em torno

das quais existem controvérsias entre as partes e o Manual de Mediação conceitua

Interesses e Sentimentos, da seguinte forma:

Os interesses16 são os aspectos da controvérsia que mais importam para uma ou para ambas as partes. Juridicamente, os interesses são qualificados como a razão que existe entre o homem e os bens da vida. Muitas vezes, os interesses não são demonstrados de forma absolutamente clara, mas são trazidos à mediação por meio de posições. (Tema abordado no capítulo anterior) [...] Os sentimentos revelam-se a todo instante na mediação, seja por meio de algo que foi dito ou ainda por gestos, posturas, comportamentos, expressões faciais ou tom de voz. (Manual p.207/208)

2.3.2. Despolarização

O mediador deve, sem exercer pressões, procurar demonstrar que, na

maior parte dos casos, os interesses reais das partes são congruentes. Segundo o

Manual de Mediação:

Na mediação deve-se, a todo momento, buscar demonstrar à partes que ambas estão ligadas pelo interesse da resolução da disputa, e que a solução partirá delas mesmas. Intuitivamente, o ser humano tende a polarizar suas relações conflituosas acreditando que para que um tenha seus interesses atendidos, o outro necessariamente terá de abrir mão de sua pretensão. Nesse sentido, o mediador deve ser prestativo e acessível sem exercer pressões para demonstrar que na maior parte dos casos os interesses reais das partes são congruentes e que por falhas de comunicação frequentemente as partes têm a percepção de que os seus interesses são divergentes ou incompatíveis. (AZEVEDO, 2016, p. 205)

2.3.3. Inversão de Papéis

A inversão de papéis consiste em técnica voltada a estimular a empatia

entre as partes por intermédio de orientação para que cada uma perceba o contexto

também sob a ótica da outra parte. Recomenda-se enfaticamente que esta técnica

16 Tema abordado no capítulo anterior.

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seja usada prioritariamente em sessões privadas e que ao se aplicar a técnica o

mediador indique i) que se trata de uma técnica de mediação e ii) que esta técnica

também será utilizada com a outra parte.

2.3.4. Geração de Opções

Uma das ferramentas mais eficientes para superação de eventuais

impasses consiste na geração de opções e está muito bem abordada no Manual de

Mediação:

O papel do mediador não é apresentar soluções e sim estimular as partes para pensarem em novas opções para composição da disputa. Isso porque espera-se que a mediação tenha um papel educativo e se a parte aprender a buscar opções sozinha em futuras controvérsias ela tenderá a, em futuros conflitos, conseguir encontrar algumas novas soluções. O primeiro passo é a realização de perguntas que ajudem as partes a pensar em uma solução conjunta. [...] Quando as partes estiverem finalmente prontas para discutir soluções com o mediador, este terá de atentar para não buscar acelerar e resolver rapidamente as questões (e.g. escolhendo uma dessas soluções), pois as partes podem tomar tais decisões sozinhas – se bem estimuladas. Cabe ao mediador tentar canalizar todo este entusiasmo para a geração de ideias. É importante abrir o leque de possibilidades. [...]

Outra ação importante consiste em induzir cada uma das partes a pensar nos interesses da outra. O mediador pode perguntar a cada uma delas qual a oferta que poderiam fazer e que julgam que poderiam ser aceitas pela outra parte. Esta técnica é especialmente útil quando as ideias que estiverem surgindo girem em torno do que o “outro” poderia fazer de diferente. O mediador deve também estimular o maior detalhamento possível das informações acerca do problema. Perguntas sobre as particularidades da situação podem fazer o problema parecer menos complicado e levar as pessoas a pensar as soluções de maneira específica e prática. É de suma importância que o mediador estimule a criatividade das partes. A imaginação dos participantes deve ser incentivada, e eles devem ser estimulados a tentar algo novo, tornando-se menos presos a perspectivas preestabelecidas. (AZEVEDO, 2016, p. 238-239)

2.4. Conflitos de Valor

Como este tipo de conflito se origina na divergência de valores intrínsecos

às partes, Moore nos alerta a evitar definir o problema em termos de valor, e nos

incentiva a permitir que as partes discordem, nos instando a descobrir em que ponto

concordam, para, a partir daí, criarmos esferas de influência, onde domine um

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conjunto de valores comum, buscando atingir um objetivo superior compartilhado por

todos.

2.4.1. Normalização

Em regra geral, as partes se sentem constrangidas por estarem em juízo

e, em razão disso, tendem a imputar a culpa em comportamentos ou na

personalidade da outra parte. Porém, sabemos que o conflito é uma característica

natural de qualquer tipo de relação e o mediador deve ter consciência desta questão:

Assim, mostra-se fundamental que o mediador tenha domínio da sessão a ponto de não permitir que as partes atribuam culpa, nem que se sintam embaraçadas de se encontrarem em conflito. Para tanto, mostra-se recomendável que o mediador tenha um discurso voltado a normalizar o conflito e estimular as partes a perceber tal conflito como uma oportunidade de melhoria da relação entre elas e com terceiros. (AZEVEDO, 2016, p. 239).

2.4.2. Interesses Comuns e Complementares

Tratando a respeito de interesses, no tópico ‘Impacto Esperado’, Tânia

Almeida aponta como um dos itens, a possibilidade das partes se darem conta de

que possuem identidade com o outro, no que concerne a temas de comum

predileção, e percebam que a composição de acordos e a construção de consenso

são alcançáveis, o que serve de estímulo a ações cooperativas.

Durante as narrativas o mediador deve ter a atenção voltada para a identificação de coincidência e complementaridade de interesses, necessidades e valores dos mediandos, com vistas a explicitá-los e ressaltá-los. Essa constatação pode ser oferecida por meio dos resumos, envolta a uma visão positiva, em um momento que os mediandos estejam aptos a escutar. (ALMEIDA, 2014, p. 109-110)

2.4.3. Separar as Pessoas do Problema

Este é o primeiro princípio estabelecido no Projeto de Negociação de

Harvard17, ou Negociação Baseada em Princípios. O Manual de Mediação Judicial

discute esta questão:

A técnica de separar as pessoas do problema, como sustentam os autores Fisher e Ury, sugere que o revide em uma discussão não

17 FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como Chegar ao SIM: A negociação de acordos sem concessões. 2ª Ed. Ed. IMAGO: 2005. Tradução: Vera Ribeiro e Ana Luíza Borges. p. 33-57.

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encaminhará a questão para uma solução satisfatória para as duas partes. No entanto, mesmo sabendo disso, muitos encontram dificuldade em ouvir de forma atenta o debatedor, reconhecendo os seus sentimentos e estabelecendo uma comunicação ativa que possa conduzir à colaboração. Isso porque as emoções frequentemente se misturam com o mérito da negociação. Assim, antes de presumir que as pessoas envolvidas façam parte do problema a ser abordado, recomenda-se que os envolvidos assumam uma postura de “atacar” os méritos da negociação, lado a lado, e não os negociadores. (AZEVEDO, 2016, p. 74-75)

2.4.4. Fragmentação

Segundo Tânia Almeida18, logo no início da negociação da pauta objetiva,

com a administração da ordem de entrada dos temas, pode-se alcançar maior

fluidez na construção de consenso:

Como um maestro que direciona a entrada dos instrumentos, visando a harmonização de suas diferenças e ao melhor resultado melódico, o mediador pode eleger a ordem de abordagem dos temas que integram a pauta objetiva, privilegiando os que interessam a todos os envolvidos e que são menos geradores de tensão. (ALMEIDA, 2014, p. 115-116).

E o Manual de Mediação, sob o título “Fragmentar questões”, aborda esta

ferramenta da seguinte forma:

Diante de uma controvérsia, as partes têm a tendência de aglutinar questões, sentimentos e interesses em uma única grande questão, que lhes parece extremamente complexa e praticamente insolúvel. Ao fragmentá-las em questões menores, o mediador tira das partes um grande peso, e as capacita a lidar com as próprias questões. Depois de separar e reconhecer questões, sentimentos e interesses, o mediador deve analisar a controvérsia em pequenos blocos, começando por fatores menos complexos, por interesses comuns e por sentimentos positivos. (AZEVEDO, 2016, p. 208)

2.5. Conflitos Estruturais

Uma vez que este tipo de conflito é causado por desequilíbrio de

autoridade e poder das partes, recursos desiguais, e ou fatores externos que

impeçam a cooperação, Christopher Moore propõe que, para proporcionar o

reequilíbrio na dinâmica das relações entre as partes, sejam utilizadas as

intervenções seguintes: realocar a posse ou o controle dos recursos; estabelecer

processo de tomada de decisão justo e mutuamente aceitável; mudar o

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relacionamento físico e ambiental das partes; modificar as pressões externas e as

pressões de tempo; transformar os meios de influência utilizados pelas partes:

menos coerção, mais persuasão.

2.5.1. Detectar o Nível de Autoridade e os Limites de Cada

Negociador

Nos conflitos estruturais, face à presença do desequilíbrio de autoridade e

poder entre as partes, essa ferramenta procedimental é extremamente útil e

necessária, a fim de se verificar o potencial de autonomia e independência dos

mediandos, e, consequentemente, a viabilidade da Mediação e possibilidades de

seu encaminhamento. Assim, o Manual de Mediação preconiza que:

Ainda em relação ao momento de preparação das partes, convém que o mediador se certifique acerca da autoridade (ou poderes para transacionar/conciliar) e os limites de cada sujeito envolvido na negociação. Isso, para que se situem e presumam, mesmo que precariamente, as chances de se chegar a um acordo em um primeiro momento ou os repasses de informações que serão realizados. (AZEVEDO, 2016, p. 85).

2.5.2. Escuta Ativa

Outro elemento do tripé desta ferramenta, apontado por Tânia Almeida, é

o balanceamento, que tem por finalidade conferir equilíbrio na Mediação, entre as

partes, por meio da prática do ‘ouvir atento’ e da atuação do Mediador no controle do

processo:

O exercício da escuta ativa do Mediador assemelha-se à regência de um maestro diante de uma orquestra – dar vez e voz à cada instrumento; definir quando farão uma demonstração solo e quando integrarão o conjunto; articular a expressão dos que têm sons mais fortes ou graves com os que têm som mais frágil ou agudo; estimular momentos de expressão tanto quanto de escuta atenta; auxiliar os que voltam a reintegrar a música a fazê-lo em consonância com a melodia que antecedeu o seu retorno; intervir de modo que os instrumentos mantenham-se em diálogo fluído e harmônico.” (TÂNIA, 2014, p. 66-67)

18 ALMEIDA, Tânia. op. cit. p. 109-110.

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2.5.3. Empoderamento das Partes

Especialmente nos conflitos estruturais, em que o desequilíbrio de poder e

a autoridade entre as partes é notório, essa ferramenta torna-se essencial.

Empoderar uma parte é fazer com que ela adquira consciência das suas próprias capacidades e qualidades. Isso é útil em dois momentos do processo de mediação, dentro do próprio processo e ao seu final. No próprio processo como forma de tornar as partes cientes do seu poder de negociação e dos seus reais interesses com relação à disputa em questão. Ao final porque o empoderamento consiste em fazer com que a parte descubra, a partir das técnicas de mediação aplicadas no processo, que tem a capacidade ou poder de administrar seus próprios conflitos. (AZEVEDO, 2016, p. 211).

2.5.4. Teste de Realidade

Segundo o Manual de Mediação:

Em razão de algumas partes estarem emocionalmente envolvidas

com o conflito, estas criam com frequência um “mundo interno” ou

percepção característica decorrente do contexto fático e anímico em

que a parte se encontra.

[...]

O teste de realidade consiste em estimular a parte a proceder com

uma comparação do seu “mundo interno” com o “mundo externo” –

como percebido pelo mediador. Como na técnica de inversão de

papéis, recomenda-se que se avise à parte que o mediador está

aplicando uma técnica de mediação e se aplique prioritariamente em

sessões privadas. (AZEVEDO, 2014, p. 240-241)

Não se pretende aqui, em absoluto, esgotar o elenco de ferramentas a

serem utilizadas numa Mediação. Pelo contrário, muitas seriam as possibilidades de

uso de ferramentas extremamente úteis em qualquer dos tipos de conflito descritos

acima que não foram sequer mencionadas, assim como tantas outras que foram

citadas apenas em um dos tipos, poderiam também serem empregadas com

eficiência em outro ou outros tipos de conflito. No entanto, nosso intento se resumiu,

única e exclusivamente, em estabelecer uma correspondência entre as sugestões de

intervenção propostas por Christopher Moore para tratar os diferentes tipos de

conflito, e os instrumentos utilizados na Mediação. A reduzida lista de ferramentas

apresentadas neste capítulo tão somente exemplifica, como uma expressão

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concreta, o pensamento e reflexão desenvolvido por Moore, com o intuito de facilitar

o emprego do recurso por ele proposto, a Classificação do Conflito, na prática

cotidiana do Mediador.

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CAPÍTULO III

DA PRÁTICA

Este capítulo se propõe a relatar a aplicação prática do recurso objeto de

nosso estudo: a Classificação do Conflito segundo Christopher Moore, em um caso

concreto. Com a finalidade de verificar a hipótese do emprego de tal recurso afetar

positivamente o procedimento de mediação, com base na identificação do tipo,

traçaram-se estratégias no tratamento do conflito, e diretrizes no encaminhamento

da Mediação, que ora passo a descrever.

3.1. Primeira Sessão

O processo de Revisão de Alimentos foi encaminhado para o CEJUSC

da Capital, onde atuou no caso uma equipe formada por duas Mediadoras, eu e uma

colega. As partes, ambas assistidas pela Defensoria Pública, chegaram sozinhas.

Foi feito o acolhimento, a Declaração de Abertura, e estabeleceu-se o Rapport. As

partes foram receptivas, aderiram à Mediação, e desde o início assumiram uma

postura colaborativa. Começamos então, pela Escuta Ativa.

Como Ele propusera a ação, teve a palavra primeiro. Em tom moderado,

muito educado, agradeceu a oportunidade e esclareceu o motivo pelo qual havia

ingressado com a ação, sua total impossibilidade de arcar com a determinação

judicial de responsabilizar-se pelo pagamento da escola do filho. Falou pouco sobre

as relações familiares, focando objetivamente nas questões econômico-financeiras.

Foram feitas algumas Perguntas de Esclarecimento e continuamos com a Escuta

Ativa, agora com Ela.

De igual modo, de forma tranquila e polida, Ela esclareceu as

necessidades do filho, explicou a composição do valor depositado para o filho a título

de alimentos (uma parte advinda do pai e outra, oriunda dos avós paternos), afirmou

que, ainda assim, a soma não cobria a mensalidade escolar integralmente, mas,

enfatizou que Ela nunca exigira isso. Também foram feitas algumas Perguntas de

Esclarecimento, e em seguida o Resumo, com o qual ambos declararam estar de

acordo.

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Solicitamos que aguardassem por alguns minutos lá fora, enquanto

faríamos uma breve reunião de equipe, e, na sequência, duas Sessões Individuais:

primeiro com Ela, e em seguida com Ele.

As narrativas compuseram o seguinte enredo: o ex-casal se separara há

dezesseis anos, quando o filho, hoje com vinte e um, tinha cinco anos de idade. O

rapaz tem síndrome de down, e estuda numa escola especializada, cuja

mensalidade custa dois mil e oitocentos reais, dos quais, Ele e os avós paternos

arcam com mil reais, e o restante da importância é completado pela avó materna e

pela filha mais velha deles. Ela não trabalha para dedicar-se ao filho e Ele é

autônomo. A filha mais velha, hoje formada e independente, quando cursava a

faculdade, teve dificuldade em pagar as mensalidades, em função da falta do

depósito dos alimentos, razão pela qual Ele foi preso. Isso constitui grande

preocupação para Ele, sendo inclusive a motivação que apresenta para ter

ingressado com a ação.

Diante deste quadro, buscamos classificar o conflito. Eu apresentei a

hipótese de tratar-se de um Conflito de Interesses, e minha colega entendeu tratar-

se de um Conflito de Relacionamento.

Eles aparentavam estar relativamente pacificados e apresentavam

interesses bastante objetivamente descritos (Ele – fixar os alimentos em uma

quantia com a qual pudesse arcar, e evitar assim, uma possível nova prisão; Ela –

suprir as necessidades do filho, e oferecer-lhe a melhor qualidade de vida possível),

o que me fez tender, à primeira vista, para o tipo de Conflito de Interesses. Mas a

outra Mediadora ponderou que, a interrupção das relações por tanto tempo, talvez

estivesse velando uma subjetividade maior, e uma gama de emoções, que

aflorariam no decorrer da Mediação, revelando que se tratasse do tipo de Conflito de

Relacionamento.

Assim, concordamos em trabalhar com as duas possibilidades,

caminhando na Mediação com o emprego das ferramentas que se mostrassem úteis

em ambas as hipóteses. Decidimos então, investigar a ‘Realidade’ ou possível

‘Aparência’ dos Interesses primeiramente apresentados, optando por fazermos duas

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grandes Sessões Privadas, afim de oportunizar a elaboração de emoções e

sentimentos, bem como o surgimento de uma pauta subjetiva.

Durante a Sessão Individual, Ela nos contou que eles não tinham

comunicação alguma há muitos anos, e que desde a separação Ele nunca mais vira

o filho. Mostrou-se magoada pelo afastamento da família dele, e lamentou o fato de,

em todos esses anos, ninguém ter procurado seu filho, nem os avós, e sobretudo a

tia, que inclusive era madrinha do rapaz, sequer através de um telefonema no dia do

aniversário dele, o que o teria deixado contente.

Relatou que o término do casamento se deu em meio a brigas e

discussões, reconheceu que Ele nunca cometera nenhuma agressão e assumiu que

Ela o teria feito. Disse que a raiva que sentia deixou de existir e que se transformara

numa espécie de constrangimento. Informou que ambos moravam no mesmo bairro,

e que, por vezes, se avistavam no meio da rua, ocasião em que Ela tomava outro

rumo, ou mudava de calçada, para evitá-lo, quando, pelo contrário, desejava

cumprimentá-lo civilizadamente, mas não o fazia por receio de não saber como seria

tratada. Expressou o desejo de ter com Ele uma convivência amistosa, e citou o

exemplo de algumas amigas divorciadas que eram capazes de manter um bom

relacionamento com seus ex-maridos, a ponto de saírem com eles e seus filhos para

tomarem um refrigerante.

Narrou que enquanto eram casados viviam bem. Até que uma série de

circunstâncias precipitou o fim do casamento: Ele perdera o emprego numa grande

empresa, e, com isto, também as condições de prover o sustento da casa como

antes. O pai dela falecera, e sua mãe foi morar com eles. A presença da sogra, ao

mesmo tempo que era um auxílio nas despesas, causava um incômodo para Ele. Na

opinião dela, Ele não soube como lidar com a situação. As divergências começaram

entre eles, e as críticas dele à mãe dela. As discussões aumentaram, e Ele deixou

de contribuir completamente para o sustento da casa. As brigas se intensificaram e o

clima ficou insustentável. Sentindo-se pressionada e desrespeitada, entendendo que

teria que fazer uma escolha, como o apartamento em que residiam era dela, pediu a

Ele que partisse. Na percepção dela, Ele atribui à sua mãe o fim do casamento.

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Quando o filho nasceu, houve por parte dela, muita dificuldade de

aceitação. Teve uma depressão pós-parto, e passou por um longo período de

elaboração, para finalmente aceitá-lo. Afirma que Ele a culpava, por causa da sua

idade, e que passaram momentos difíceis. Reconhece, no entanto, que Ele foi o

primeiro a aceitar o filho, e que a ajudou no processo de aceitação.

Declara seu amor incondicional pelo filho e que, ultrapassada essa fase

inicial, ele se tornara a pessoa mais importante da sua vida, fazendo com que Ela

deixasse de exercer uma atividade laborativa, para dedicar-se exclusivamente a ele,

acompanhando-o nas atividades que desenvolve e que visam seu bem-estar. O

rapaz, além da escola, pratica vôlei e natação. Informa que estas atividades, bem

como o plano de saúde, vestuário e alimentação são custeados por sua mãe, sua

filha, e por ela mesma. Cabendo a Ele e aos avós paternos parte da mensalidade da

escola, que apesar de cara, foi a única que, depois de algumas tentativas frustradas,

apresentou resultados e progresso no desenvolvimento de seu filho.

Reconhecemos e Validamos os Sentimentos dela. A mágoa pelo

afastamento dos sogros e da cunhada. A raiva causada pela percepção das atitudes

dele como desrespeito, injustiça e ingratidão para com sua mãe. O constrangimento

por ter participado de, e até protagonizado, cenas que preferia não viver. O receio e

a insegurança por ignorar as possíveis reações dele diante de uma iniciativa de

aproximação dela. A desvalorização por se perceber culpabilizada pela síndrome do

filho. A frustração por não ter aceitado prontamente o filho. Aqui, usamos também a

Normalização, para ressaltar que as atitudes tomadas na realidade não são as

ideais, e sim as possíveis dentro das circunstâncias, porque a imperfeição e a

falibilidade fazem parte do escopo humano. E complementamos com o Afago,

elogiando sua capacidade de identificar e reconhecer as atitudes positivas do outro,

incentivando que numa sessão conjunta, Ela tomasse a iniciativa de expressar isso

diretamente para Ele, o que seria extremamente produtivo para a Mediação.

Pode-se dizer que o reconhecimento e validação de sentimento mais

efetivo que fizemos foi do afeto dela pelo filho, que atestou a qualidade da nossa

escuta, e conferiu credibilidade ao procedimento de Mediação, porque demonstrou a

existência da comunicação entre nós, consolidando o Rapport e fazendo com que

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Ela se percebesse compreendida na essência da sua fala, que motivava seus

interesses e até mesmo suas posições.

Dessa sessão individual levamos para a construção da pauta de trabalho,

a partir do comentário dela sobre a boa impressão que lhe causava a relação que

suas amigas mantinham com os pais de seus filhos, o reforço ao item 1, ‘melhoria da

comunicação’, e também o acréscimo do item 2, ‘a convivência’.

Durante a Sessão Individual, Ele nos contou que nos primeiros cinco anos

de vida do filho, como ainda estava trabalhando numa grande empresa e dispunha

de recursos, investira tudo que pudera no desenvolvimento da criança. Fora

informado de que a síndrome de down afetava consideravelmente a parte motora,

sendo necessária uma atenção especial a um trabalho muscular, com fisioterapia e

atividades físicas específicas, e dedicou-se intensamente a isto, para garantir um

bom desenvolvimento para o filho, que se hoje estava bem, e inclusive praticando

esportes com desenvoltura, era graças a este tratamento inicial.

Contou também que, quando o filho nasceu, Ela tivera grande dificuldade

para aceitá-lo, chegando a cogitar em doação, e movimentando-se nesse sentido, e

que Ele tivera a paciência necessária para aguardar o tempo que Ela precisou para

absorver e elaborar a situação, estimulando sua aceitação.

Narrou que perdera seu emprego e com isto, as condições de prover

integralmente o sustento da família, o que deflagrou uma crise matrimonial. Relatou

que, após a morte do sogro, a sogra veio morar com eles, o que agravou a situação.

Declarou que nunca tivera nada contra a presença, nem a própria pessoa da sogra,

e que não a culpava de coisa alguma. Revelou que jamais soubera exatamente o

motivo da separação: um dia, Ela pôs fim ao casamento e pediu que Ele fosse

embora. Ele não procurou entender; como a relação estivesse muito desgastada, em

meio a brigas e discussões, simplesmente foi. Na sua percepção, atribui o término

do casamento à mudança econômico-financeira pela qual passaram.

Declara ter um bom relacionamento com a filha mais velha. Diz que

sempre foi assim, e que continuou sendo por algum tempo depois da separação.

Afirmando que, em dado momento, em razão da pressão feita pela mãe e pela avó

materna, a filha, na época da adolescência, precisou fazer uma opção. Na análise

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dele, por questões financeiras, ela cedera, e acabara se afastando. Ele

compreendeu e respeitou, e assegura que mesmo à distância, eles ainda se dão

bem.

Contou então, que existe outro processo, referente à filha mais velha, e

que, quando a jovem estava na faculdade, prestes a se formar, Ele, não

conseguindo arcar com os alimentos, deixara de fazer o regular depósito, o que

resultou na sua prisão. Ficou preso por uma semana, e afirma enfaticamente que

esta foi, sem dúvida alguma, a pior experiência da sua vida. Declara que o temor de

passar outra vez por aquela humilhação e sofrimento, motivaou-o a ingressar com a

presente ação, uma vez que a determinação judicial é para que Ele se

responsabilize pelo pagamento da mensalidade da escola do filho, importância que

está sujeita a diversas variáveis, e seu Defensor atual lhe informou que o anterior

não solicitou a inclusão de nenhuma cláusula de barreira.

Informa que, após a perda do emprego, teve um curso de informática, que

infelizmente não subsistiu, e, no momento, dá aulas particulares nesta área e

conserta computadores, o que lhe proporciona uma renda pouco expressiva e

instável. Sua maior preocupação é que, na hipótese de não cumprimento de sua

parte, venha a passar novamente pela traumática experiência que vivera.

Reconhecemos e Validamos os Sentimentos dele. Legitimamos o seu

valor e a satisfação que sentia em ter sido o responsável pela base de saúde e bem-

estar do filho. Acolhemos o seu desejo de ver reconhecido por Ela, o apoio e

companheirismo que Ele lhe ofereceu no período de elaboração da aceitação do

filho. Inclusive declarando para Ele (uma vez que Ela nos havia permitido, quando

indagada sobre a questão da confidencialidade, se havia algo que não devêssemos

comentar com Ele, respondendo que não), que Ela havia mencionado e reconhecido

isso, em sua sessão individual.

Acolhemos sua frustração por não conseguir prover todas as

necessidades de sua família, como desejava e reconhecemos seu esforço para fazê-

lo. Usamos também aqui a Normalização, para, através de Perguntas Abertas,

estimular a reflexão sobre dados estatísticos que expressam a realidade econômica

no país e no mundo, a fim de, Separando As Pessoas do Problema, incentivá-lo a

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perceber a questão como fruto de contingências circunstanciais, que independem de

empenho e competência, e não como resultado de habilidades ou inabilidades

pessoais.

Valorizamos o êxito na manutenção do relacionamento com a filha mais

velha, e validamos seu afeto por ela. Usamos o Afago, elogiando sua capacidade de

compreensão e respeito, em relação à opção de afastamento por parte da filha,

ressaltando que este exercício é extremamente proveitoso em todas as situações de

conflito, tanto dentro como fora da Mediação.

Reconhecemos e validamos seu receio e seus temores, legitimando-os,

sem, no entanto, reforçá-los. Agradecendo a presença, a adesão, e o empenho na

participação de ambos, apresentando a Mediação como uma oportunidade de

tratamento das questões, e, num Enfoque Prospectivo, todo o procedimento

vivenciado até ali, como um primeiro passo em busca das soluções.

Fizemos uma brevíssima sessão conjunta, apenas para composição da

pauta e marcação da próxima sessão, para daí a quinze dias. Com base nas

questões apresentadas pelos mediandos, a pauta se compôs de três itens:

Comunicação; Convivência; Alimentos. Ambos concordaram em tratar desses

assuntos e se comprometeram a, durante as duas semanas seguintes, refletir sobre

os temas.

Diante da pauta firmada, na reunião de equipe, ao término da primeira

sessão, decidimos Fragmentar, e deixar a pauta objetiva, ou seja, os alimentos, por

último. Optamos por considerar o conflito, a princípio, como sendo de

relacionamento, e enfatizar a pauta subjetiva. Escolhemos desenvolver a

comunicação durante todo o processo, e tratar primeiramente da convivência.

3.2. Segunda Sessão

Na reunião de equipe que antecedeu à segunda sessão, combinamos

fazer uma breve sessão conjunta, apenas para o acolhimento, confirmação da pauta,

esclarecimento da Fragmentação, e obtenção de concordância para tratamento da

questão Convivência. Após o que, faríamos duas rápidas sessões privadas, primeiro

com Ele e depois com Ela, para explorar a receptividade dele ao tema, já que o

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levantamento da questão havia partido dela, e para confirmarmos com Ela seu real

interesse, a fim de darmos início ao tratamento da questão. E foi o que fizemos.

Eles chegaram tranquilos, menos tensos ainda que na primeira sessão,

bastante receptivos, e aceitaram o encaminhamento da pauta. Partimos então, para

as sessões individuais.

Através de Perguntas Abertas incentivamos que Ele refletisse sobre a

possibilidade de conviver com o filho, pois percebemos que isso sequer era

cogitado, não como resultado de desinteresse, mas como produto da falta de

perspectiva. Diante dessa possibilidade, ao indagarmos objetivamente se havia

interesse de sua parte, Ele assentiu prontamente. Pedimos então, que enquanto

aguardava que conversássemos com Ela, fizesse um exercício criativo a partir de

duas questões: Como Ele gostaria que fosse essa convivência? E como Ele

imaginava que poderia ser?

Confirmamos tratar-se de real interesse dela, a convivência entre pai e

filho, bem como o restabelecimento de uma comunicação efetiva entre Ele e Ela, e

sua disposição para tratarmos estas questões, e pedimos a Ela a mesma coisa, que

refletisse a partir das duas já mencionadas perguntas, sobre a convivência de seu

filho com o pai, enquanto faríamos uma breve reunião de equipe.

Dado o primeiro passo no encaminhamento da pauta subjetiva, em

relação à convivência e à comunicação, qual seja, a expressão de interesse e

disposição de tratar essas questões, resolvemos caminhar em paralelo com a

hipótese do conflito ser de interesses, e avançar com a pauta objetiva, fazendo uma

abordagem, ainda que superficial, a título apenas de coleta de dados, da questão

alimentos. Entretanto, a fim de manter a continuidade da elaboração de emoções e

sentimentos, e a possibilidade de evolução nas outras questões, optamos por fazer

mais duas sessões privadas de duração média, de cerca de vinte minutos com cada

um, antes de uma sessão conjunta final. E retomamos com Ele.

Ao ser indagado sobre a reflexão proposta, assumiu que não tinha ideia

de como seria retomar a convivência com o filho, mas estava preparado para aceitar

o que se apresentasse, e disposto a adaptar-se ao que fosse necessário. E recordou

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a experiência vivida com o filho, nos primeiros anos, quando era totalmente presente

na vida dele.

Quanto à Ela, declarou não ter dificuldade nenhuma em restabelecer a

comunicação, inclusive prontificando-se a tomar a iniciativa. Reafirmou não ter coisa

alguma contra Ela, e estendeu isso a toda a família, referindo-se tanto à mãe dela

por parte dele, quanto aos seus pais, em relação a Ela.

Durante todo o tempo, seus sentimentos foram reconhecidos e validados,

e neste ponto, afagamos, elogiando sua sensibilidade em perceber em uma sessão

conjunta que tiveram, a mágoa que Ela tinha nesses dois sentidos. Incentivamos

que, numa nova sessão conjunta, Ele dissesse isso diretamente a Ela.

Ao perguntarmos sobre mais algum interesse, Ele apresentou a

preocupação com uma dívida pendente no outro processo. Esclareceu que quando

fora preso, o débito foi parcelado em três vezes, que Ele pagou regiamente. No

entanto, inesperadamente, o débito ressurgira com juros e alcançava um valor

extraordinário para Ele, e nem o seu Defensor estava entendendo, porque a

cobrança se atrelava a uma dívida com a faculdade da filha, que já estava formada

há anos. Ele já havia sido esclarecido pelo Defensor sobre o fato de que, por razões

jurídicas específicas, o referido processo não viria para a Mediação, tendo seu

prosseguimento judicial. Indicamos que seguisse as orientações de seu Defensor,

contudo, decidimos fomentar a abordagem do tema entre eles, mais adiante, porque

percebemos nitidamente que a ausência de comunicação entre Ele e Ela estava

agravando a situação.

Passamos à individual com Ela. Começamos com a mesma indagação

sobre a convivência entre pai e filho, e ela também não sabia descrever muito bem.

Acreditava que tivesse que ser intermediada por Ela, já que o rapaz sabia apenas o

nome do pai. Achava que deveria ser num local público, e que ela precisaria

preparar o filho, já que Ele não estava esperando.

Tanto quanto a Ele, a possibilidade de uma situação hipotética

concretizar-se, a surpreendia. Porém, percebia-se que, talvez, Ela precisasse de um

tempo maior de elaboração.

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Perguntamos então, sobre a comunicação entre Ele e Ela, se Ela estava

disposta, e se Ele entrasse em contato, relatamos que Ele se propusera a tomar a

iniciativa, se Ela não se sentiria invadida? Se havia algum meio específico de sua

preferência para fazê-lo? Ela respondeu que Ele poderia telefonar ou usar o

WhatsApp.

Por fim, perguntamos se havia mais algum interesse, e Ela se expressou

em relação aos alimentos.

Afirmou que gostaria de trabalhar, que possuía formação em duas

profissões: enfermagem e fonoaudiologia. Mas, como era sozinha, e não contava

com ninguém para dividir a tarefa de levar o filho às atividades, à escola, à natação,

ao vôlei, ao médico, porque sua mãe era uma senhora de quase oitenta anos, e não

podia ajudá-la nesse sentido, pelo contrário, necessitava também de sua

assistência, Ela não podia desenvolver uma atividade laborativa, que lhe pudesse

conferir alguma renda. Assim, não podia prescindir da importância que Ele

depositava, porque o pai dela deixara um pequeno patrimônio, umas casinhas, cujos

aluguéis eram divididos entre Ela e sua mãe. E este era o dinheiro com que elas

sustentavam a casa, e custeavam as despesas do seu filho. Sendo necessário que

sua filha desse uma contribuição para completar a mensalidade da escola.

Reafirmou mais uma vez que nunca pediu que Ele arcasse com o total da

mensalidade, e que se Ele mantivesse os quinhentos reais que pagava,

complementados pelos quase quinhentos que os pais dele depositavam, perfazendo

um pouco menos de mil reais mensais, não era o ideal, mas Ela não iria reclamar,

porque compreendia a dificuldade dele. Porém, embora Ela não confiasse muito

nessa possibilidade, se Ele pudesse contribuir com alguma quantia a mais, para

ajudar a pagar o plano de saúde do filho, que custa duzentos reais, mesmo que não

fosse a integralidade, já seria de grande auxílio.

Seus sentimentos também foram reconhecidos e validados à medida que

iam surgindo, e afagamos, elogiando a sensibilidade e empatia que demonstrou ao

declarar que compreendia a dificuldade dele, e também incentivamos que, numa

sessão conjunta, Ela dissesse isso diretamente a Ele.

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Informamos que trataríamos da questão alimentos na sessão seguinte,

onde os interesses apresentados por Ela seriam considerados, bem como os dele, e

passamos à sessão conjunta de encerramento.

Fizemos um balanço até ali, resumindo os avanços, agradecendo a

participação e o empenho, elogiando o progresso, e partilhando as observações

positivas que cada um fizera do outro, incentivando-os a expressar algum

comentário diretamente, através de uma dinâmica de perguntas. Propusemos um

desafio de que a comunicação começasse seu exercício na própria sessão, com a

troca de telefones e o estabelecimento de quem ligaria para quem. E eles assim

fizeram: trocaram os telefones e Ele se ofereceu para ligar; Ela aceitou, e

entabularam um breve diálogo combinando conveniências de dias e horários.

Propusemos então, que a próxima sessão ocorresse daí a, em vez de

duas, três semanas, a fim de que houvesse mais tempo, para que exercitassem a

comunicação e, sem pressão nem pressa, respeitando o ritmo de cada um deles e

sobretudo o do filho, desejando e sentindo-se prontos, se encaminhassem em

direção à convivência. Eles concordaram e encerramos a sessão.

Em nossa reunião de equipe, consideramos o desenvolvimento

satisfatório, e decidimos aguardar pelos resultados da experiência na comunicação,

e possibilidade de prática de convivência, para implementarmos maior uso da

sessão conjunta, e ingressarmos na pauta objetiva.

3.3. Terceira Sessão

Conforme o combinado, a partir dos resultados que os mediandos

trouxessem da experiência vivida por eles, no período proposto, privilegiar-se-ia o

uso da sessão conjunta. E na reunião anterior à terceira sessão, confirmou-se essa

intenção. No entanto, corrigimos a rota, tão logo a sessão teve início. Optando por

seguir na direção diametralmente oposta, partimos para sessões individuais, assim

que nos foi possível estabilizar minimamente a situação.

Ambos entraram extremamente tensos. Ele estava apenas sério, mas Ela,

visivelmente contrariada.

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Após o quebra-gelo, que não funcionou muito bem (Ele tentou reagir

positivamente, mas sem sucesso; e Ela se manteve impassível), começamos

estrategicamente por Ele na sessão conjunta, justamente porque pretendíamos

lançar mão da ferramenta Sessão Privada, rapidamente, começando sua utilização

com Ela.

Indagamos o que acontecera desde a última sessão e Ele lamentou que a

comunicação não tenha prosperado. Disse que trocaram algumas mensagens pelo

WhatsApp, mas que não houve continuidade. Declarou que, no seu entendimento,

Ela desistiu rápido demais, e que Ele gostaria de ter tentado um pouco mais. Afirmou

que, inclusive, Ele entendia que foi dado bastante tempo, justamente para isso e que

se sentia frustrado por não poder insistir. Revelou expectativas, suas e até dos seus

pais, de reverem o neto. E chegou até a pensar que passaria o dia dos pais com o

filho.

Ele foi objetivo e respeitoso. Em momento algum usou tom acusatório,

mas estava notoriamente mobilizado pela situação, e decepcionado. Empregamos

apenas Escuta Ativa e Silêncio, e passamos a Ela.

A expressão e tom de voz dela revelavam sua irritação. Ela expressa o

desejo de encerrar a Mediação e toda a sua indignação, ao mencionar episódios do

passado. Afirma que o mal que Ele fez não será cobrado, porque se a filha

resolvesse cobrar, Ele apodreceria na cadeia. Relata que o filho não quer ver o pai e

declara que respeita a vontade do filho. Assegura que não influencia o filho, e

assume que desacredita do discurso que Ele apresenta.

Fizemos um Resumo, recontextualizando, a fim de apaziguar um pouco

os ânimos, e ao serem indagados sobre a concordância, eles aceitam a Paráfrase.

Notando que Ela está muito absorta em suas próprias percepções, e

presa em seu mundo interior, a colega aplica um Teste de Realidade, para conectá-

la novamente com a situação fática, e reposicioná-la na Mediação. Eu, então,

complemento recordando o nosso papel de Mediadoras, esclarecendo o processo e

recordando o papel dos Mediandos.

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Solicitamos que aguardem por alguns instantes, para nossa reunião de

equipe, e em seguida teremos as Sessões Individuais, primeiro com Ela, e depois

com Ele.

Para não deixá-la aguardando muito tempo, o que não seria produtivo,

nossa reunião foi abreviada, e aventamos a hipótese da rede de pertinência a estar

influenciando, o que decidimos averiguar.

A Sessão Individual começa enfatizando o caráter transformador da

Mediação, recordando tratar-se de um processo de construção, que compreende a

mudança como parte integrante e inerente ao ser humano. E, diante dessa

Normalização, acenamos com a possibilidade de mudança de caminho ou direção.

Ela inicia sua fala revelando-se muito magoada com a família dele, por

não ter procurado seu filho, todos esses anos.

São feitas diversas Perguntas Abertas, mas Ela mostra-se muito fechada

e resistente. Contudo, as perguntas, alternadamente com períodos de Silêncio,

parecem criar uma oposição a esta resistência, que, de repente, se quebra de uma

só vez. Como se desarrolhasse de supetão, e, águas represadas desaguassem sem

parar...

Começou dizendo que nunca o amou. Contou que sempre amou outro

homem, que fora seu noivo antes de conhecer Ele. Disse que não se casaram

porque a família do rapaz, que tinha muito dinheiro, não quis, já que ela não tinha

tanto dinheiro assim. Afirma que sofreu muito, e, quando estava sozinha, Ele

apareceu. Com medo de ficar pra titia, decidiu casar-se com Ele. E como queria ser

mãe, resolveu ter logo seus dois filhos, porque já estava velha.

O rapaz também se casara, e nunca mais se viram. Até que, há cerca de

seis meses, esse homem a procurou, se reencontraram e estavam juntos agora. Ela

estava muito feliz e não permitiria que nada atrapalhasse sua felicidade.

Empregamos apenas Escuta Ativa.

Ao mesmo tempo que Ela conta esses acontecimentos, afirma que o filho

não quer ver o pai. Que Ela precisa respeitar a vontade do filho. Que, como ele já

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tem vinte e um anos, a lei não vai obrigá-lo a conviver com o pai. Durante a sua

narrativa, Ela faz círculos, num vai-e-vem constante.

Após seu discurso, faço um afago, elogiando sua sinceridade e coragem,

além de agradecer e valorizar a confiança depositada em nós.

Ela faz reflexões sobre seu próprio comportamento em relação ao filho e

fica confusa quanto a questões jurídicas, e a colega indica que se oriente com seu

Defensor.

Ela afirma que seu companheiro atual supre as necessidades que Ela tem

quanto ao apoio em relação ao filho e questiona o que Ele e sua família podem

oferecer ao seu filho, depois de tanto tempo de ausência.

Empregando o Enfoque Prospectivo, a colega pergunta: De que maneira

a Mediação pode ser encaminhada, de forma satisfatória para Ela?

Ela fecha questão sobre a convivência e abre-se para tratar dos

alimentos, mencionando o plano de saúde.

A colega faz um Resumo e eu auxilio com Perguntas, para checar nosso

entendimento, e Ela concorda com nossa síntese.

Na Sessão Individual com Ele, começamos com a Escuta Ativa.

Ele inicia mostrando-se grato pela oportunidade da Mediação. Lê suas

anotações, feitas enquanto Ela falava, durante a sessão conjunta. Refuta as

alegações dela para justificar a obstrução da convivência entre Ele e o filho, como

por exemplo, Ele não saber o que o rapaz poderia comer. Não considera a

argumentação dela plausível. Queixa-se de ter sido alijado do processo de

tratamento do filho com a psicóloga da escola, que não o chamou, e, na sua visão,

deveria, quando o filho começou a negar-se a fazer atividades referentes à família e

a mãe foi chamada. Não concorda, quando Ela afirma que Ele praticou um mal

contra os filhos, pela sua ausência, ou por Ele não ter conseguido pagar as coisas, e

acha que não merecia ouvir que poderia apodrecer na cadeia, por este motivo.

Sente-se injustiçado e declara ter ficado muito triste com isso.

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Reconhecemos e validamos seus sentimentos, bem como a necessidade

que sente de defesa, o que, desde o princípio, percebeu na Mediação uma

possibilidade de exercer diretamente.

Usamos a Fragmentação para reajustarmos o foco, com auxílio de

perguntas objetivas, a fim de ampliar a percepção que Ele já tem de que Ela não

apresenta mais interesse ou desistiu da questão da convivência, e incentivá-lo a

concluir explicitamente que, doravante, o caminho possível da Mediação será o foco

financeiro.

Abordamos a questão dos alimentos. Iniciando pelo binômio necessidade

x possibilidade, estimulamos uma reflexão sobre o valor que Ele paga atualmente:

quinhentos reais. E agregamos à reflexão o valor do plano de saúde que Ela pleiteia:

duzentos reais.

Ele demonstra insegurança em aumentar o valor que já paga, e declara

que, devido a sua instabilidade, não se sente seguro nem mesmo para garantir o

valor habitualmente pago.

Fizemos então, um Teste de Realidade, confrontando o acordo vigente e

a determinação judicial de que Ele assuma a integralidade do pagamento da escola.

E complementamos com esclarecimentos sobre a diferença entre as sentenças

determinadas e os acordos construídos.

Concluímos, acrescentando à reflexão, a diferença entre valores

específicos e valores conceituais; índices e possibilidades de indexação para

reajustes. E sugerimos que conversasse com seu Defensor sobre o assunto.

Finalizamos com uma sessão conjunta, onde fizemos novamente um

Resumo, com a finalidade de conferir o aceite dos Mediandos em restringir a pauta

aos alimentos. E sugerimos que ambos buscassem o auxílio de seus Defensores, a

fim de elaborarem cada qual uma proposta, que trariam na sessão seguinte, daí a

duas semanas, para que déssemos início às negociações. Os dois concordaram e

encerramos a sessão.

Na reunião de equipe, procuramos refletir sobre a radical mudança que

Ela tivera e suas possíveis motivações. Mais uma vez aventamos a rede de

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pertinência e o surgimento de um elemento novo – o atual companheiro dela – foi

uma possibilidade fortemente considerada. Outra hipótese que nos ocorreu é que a

iminência de concretização de uma situação ideal tenha gerado uma reflexão sobre

todas as consequências reais e derivações prováveis que dela poderiam advir.

Funcionando como uma espécie de Teste de Realidade, provocando um confronto

entre o mundo interno e o mundo externo e estabelecendo, a partir dessa

comparação, um contato com os próprios interesses reais, fazendo com que Ela se

reposicionasse na situação e, por conseguinte, na Mediação. Cogitamos ainda a

probabilidade dela não sentir-se preparada para lidar com a grande carga emocional

que veio à tona, depois de tanto tempo represada, preferindo a evitação.

Fossem quais fossem os motivos, estes ou outros quaisquer, Ela se

mostrou inflexível quanto à recusa da permanência da questão da convivência na

pauta.

Ele iniciara a sessão visivelmente frustrado, e era notório o seu interesse

na convivência com o filho, entretanto, esta era uma perspectiva recém vislumbrada,

sendo a questão proposta por Ele, desde o início, a dos alimentos, e constituindo-se

seu interesse primordial estabelecer um valor compatível com sua possibilidade de

pagamento.

Considerando a premissa da voluntariedade na Mediação, só poderíamos

tratar das questões de interesse de ambos. Já que Ela se mostrara irredutível quanto

à exclusão da convivência, mas aceitara tratar dos alimentos, e esta era questão na

qual Ele mantinha seu interesse, decidimos continuar, restringindo-nos à pauta

objetiva. Definimos então, trabalhar com o enquadre Conflito de Interesses, e, a

partir daí, traçar nossas futuras estratégias.

3.4. Quarta e Última Sessão

Na reunião de equipe que antecedeu à sessão, resolvemos manter a

comunicação na pauta, permeando o trabalho com essa questão, ao tratarmos dos

alimentos. Decidimos fazer uma breve sessão conjunta e caminharmos com sessões

individuais curtas, para estimularmos a elaboração das sugestões e buscarmos

reunir as propostas em uma construção única de consenso.

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Ambos haviam falado com seus respectivos Defensores e estavam

dispostos a tratar da questão dos alimentos. Aparentavam segurança e estavam

novamente receptivos como nas primeira e segunda sessões. Comunicamos que

faríamos sessões privadas a fim de conhecermos as propostas individuais e darmos

início às negociações, e os dois concordaram.

Começamos com Ela. Inicialmente permitindo que falasse, sem fazermos

colocação alguma, para que se sentisse confortável e segura de que nenhum tema

incômodo para Ela seria abordado. Ela recobrara o equilíbrio, estava tranquila e

convicta de que tratar exclusivamente daquilo que a trouxera à Mediação, a questão

financeira, era o melhor para o seu filho. Afirmou que não tinha nada contra Ele e

não queria o seu mal, mas preferia que as coisas continuassem como estavam.

Confirmou a disposição de sua filha em perdoar a dívida do outro processo, que Ela

sabia se tratar de uma preocupação para Ele, revelando que a filha, inclusive

estivera lá fora em todas as sessões, pronta a participar se fosse chamada, para

atestar isso. Declarou que Ela sabia que provavelmente Ele iria dizer que não podia

aumentar o valor do depósito, mas que Ela não poderia receber menos, pois o

dinheiro não faria face às despesas do filho, porém, se Ele mantivesse os

quinhentos reais que depositava, somado ao complemento dos pais dele, Ela

aceitaria, porque entendia que Ele realmente tinha dificuldades e queria que

houvesse paz entre eles.

Nesse ponto, fizemos um Afago, valorizando a empatia que demonstrou

ao ser capaz de entender a situação dele. E investindo na melhoria da comunicação

entre eles, alertamos para a possibilidade dele não estar informado sobre essa

disposição da filha, sugerindo que, na sessão conjunta, Ela comunicasse isso

diretamente a Ele.

Provavelmente, a manutenção dos quinhentos reais seria uma proposta

facilmente aceita por Ele, mas começamos a introduzir a Geração de Opções, e a

colega indagou sobre o plano de saúde, o que fez com que Ela expressasse

novamente sua pretensão de que Ele a ajudasse nesse quesito. Relatou que o plano

custava duzentos reais, mas qualquer quantia que Ele pudesse oferecer seria muito

bem recebida por Ela. Agradecemos sua participação e pedimos que aguardasse

enquanto conversávamos com Ele.

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A conversa com seu Defensor foi esclarecedora o suficiente para

encorajá-lo a assumir compromisso. Até então, Ele sentia-se inseguro até mesmo

em confirmar a manutenção dos quinhentos reais, em função da instabilidade de sua

atividade profissional. No entanto, a possibilidade do uso de uma porcentagem do

salário mínimo como parâmetro, gerou nele a confiança necessária para abrir-se à

negociação.

Abordamos o assunto do plano de saúde. Informamos que o custo da

mensalidade era de duzentos reais, e que Ela gostaria que Ele a ajudasse nessa

despesa. Indagamos o que Ele acreditava que poderia fazer. Considerou o valor

integral e, como era bom em matemática, concluiu que seria um aumento de

quarenta por cento. Refletiu um pouco e assumiu que, em alguns meses do ano, em

virtude da sazonalidade do seu trabalho, teria dificuldade em arcar com esse valor,

mas estava disposto a aceitar.

Novamente, a aceitação dele em pagar integralmente o plano de saúde

do filho seria uma proposta facilmente aceita por Ela, mas outra vez aplicamos a

Geração de Opções.

Perguntei em quais meses e por que Ele teria dificuldade em depositar os

duzentos reais a mais? E Ele respondeu que, principalmente nos meses de férias, as

pessoas não o procuravam para terem aulas de computação e, por isso, sua renda

caía muito. Os demais meses Ele classificava em bons e médios.

Confirmei sua segurança em arcar com os setecentos reais nos meses

bons, e, para avançar um pouco mais na questão da comunicação, perguntei se, no

caso de ficar estabelecido formalmente os quinhentos reais, e o que excedesse a

isso fosse oferecido de maneira informal, Ele teria dificuldade em comunicar-se

diretamente com Ela, para entrega desse valor. Respondeu que não teria problema

algum em que se estabelecesse uma comunicação entre eles, e que Ele poderia

tomar a iniciativa.

Pedimos então, que enquanto aguardava conversarmos com Ela,

tomando como base os quinhentos reais, e como topo os setecentos,

compreendendo este intervalo, verificasse o valor que seria possível oferecer nos

meses que não fossem bons.

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Retomamos com Ela. Informamos que foi feita abordagem do plano de

saúde, e que em razão da sazonalidade do trabalho dele, Ele se sentia inseguro de

assumir formalmente compromisso com valor superior aos quinhentos reais.

Também para elaborar a questão da comunicação com Ela, indagamos se Ela se

sentiria incomodada, no caso dele ter a possibilidade de oferecer alguma quantia a

mais, ainda que informalmente, já que Ela acenara com a possível aceitação da

manutenção dos quinhentos reais, se Ele se comunicasse com Ela para a entrega

desse valor? Ela respondeu que se fosse diretamente com Ela, não teria problema,

desde que não envolvesse o filho, estaria tudo bem. Poderia ser pelo interfone ou

pelo telefone. Ela não via nenhum mal nisso.

Constatada a abertura à comunicação de ambas as partes, voltamos a

Ele.

Construímos juntos um gráfico, para melhor compreensão das

possibilidades dele: nos meses de férias (Janeiro, Fevereiro e Julho) Ele manteria os

quinhentos reais; nos meses considerados bons (Março, Abril, Maio, Setembro,

Outubro e Dezembro) depositaria setecentos reais; e nos médios (Junho, Agosto e

Novembro) o depósito seria de seiscentos reais. Além disso, assegurou estar pronto

para firmar tal compromisso formalmente.

Chamou-me a atenção, como indicativo do interesse dele em oferecer o

seu máximo, o fato de dezembro ser considerado um péssimo mês para Ele, mas

ainda assim, porque é o mês do Natal, fazer questão de depositar setecentos reais.

Desta vez, pedimos que enquanto esperava nossa conversa com Ela,

calculasse a relação entre os valores apresentados e a porcentagem do salário

mínimo, para, no caso de chegarem a um consenso, serem incluídos no acordo.

Na individual com Ela, testamos sua receptividade à proposta dele de

variar a quantia do depósito conforme a oscilação da sua renda, e Ela se mostrou

favorável. Decidimos então, que estavam maduros para a sessão conjunta.

Nessa sessão, apenas fomentamos o diálogo, com perguntas e

solicitações, quase como deixas para que falassem um com o outro. Começamos

pedindo a Ele que apresentasse sua proposta a Ela. Ele mostrou o gráfico e

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esclareceu os pontos. Ela acompanhou tudo atentamente, e ao final da explicação,

declarou sua concordância.

Pedimos então, que Ela comentasse sobre a disposição da filha. Ela

afirmou para Ele que tanto a moça quanto Ela estavam dispostas a declarar que não

havia dívida nenhuma, principalmente com a Faculdade, já que a moça já tinha anos

de formada e que, para isso, Ela e a filha tinham feito um empréstimo em oito vezes,

que também já fora saldado. Ele não sabia disso e declarou que, quando fora preso,

a dívida era essa, e foi parcelada em três vezes, e Ele já pagara toda. Vendeu até o

carro para isso. Informa que foram três depósitos judiciais, e pergunta se Ela não foi

ao Banco do Brasil receber? Ela lembra de ter ido ao Banco do Brasil somente uma

vez... não sabe se foi mais vezes. Ele diz que este dinheiro era especificamente para

pagar a faculdade, e que ela e a filha não precisavam ter passado pelas dificuldades

que Ela descreveu. Ela diz que não foi informada e nem sabe se recebeu e gastou

com outras necessidades dos filhos, porque pensava que era o dinheiro para o

sustento deles, já que não lhe disseram nada sobre ser especificamente para o

pagamento da faculdade, ou se nem o recebeu. Ele aventa a hipótese do dinheiro

estar depositado em juízo até hoje. Os dois ficam perplexos com essa possibilidade.

Mas, a comunicação está fluindo. No princípio, tímida. Cheia de buracos e

silêncio. Porém, aos poucos, vai tomando ritmo, tornando-se encadeada, e

assumindo um tom mais natural.

Os dois acertam de combinar com a filha todas as ações necessárias para

solucionarem a situação do outro processo, e fechamos assim. Passamos à redação

do acordo.

Enquanto a colega vai para o computador para redigir o termo,

permaneço à mesa um pouco mais, apenas como ponto de apoio, para que não se

vejam de repente sozinhos, e não se esvazie o diálogo. Solto uma palavra aqui, uma

sentença ali, um menear de cabeça. Percebendo que o diálogo já se firmou o

suficiente para prescindir da minha presença, sob o pretexto de necessidade de

auxílio, minha colega me chama. Peço licença, retiro-me da mesa e vou juntar-me a

ela. A comunicação continua.

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De longe, eu os observo. Ele fala mais que Ela. Está preocupado e

interessado em ajudar, e sugere: Vai ver isso no Banco, não deixa de ver não. O

dinheiro pode estar lá. Ela concorda e assegura: Não, não vou deixar não. Eu vou

ver isso.

Continuam dialogando em torno do mesmo assunto. De repente, salta aos

meus ouvidos um pedaço de conversa:

Ela – “... Vai competir com a equipe dele!”

Ele – “É mesmo?! Quando?”

Ela – “Ainda não marcaram a data. Eles estão decidindo.”

Ele – “Quando marcarem você me fala! É uma competição entre

portadores de síndrome de down?”

Ela – “Não. Competição comum. Ele é o único com síndrome de down.”

Ele – “Que bacana! Quando marcarem a data você me fala!”

Aqui se confirma a tese de Christopher Moore de que o Mediador deve

testar as hipóteses. Corrigir a rota e enquadrar este como um Conflito de Interesses

foi, sem dúvida, a decisão mais acertada que tivemos. Mas tê-lo considerado por

algum tempo como um Conflito de Relacionamento, nos permitiu visitar caminhos

que, indubitavelmente, não teríamos percorrido, se viéssemos direto ao ponto, e

assim, ampliar a abrangência do impacto positivo que o procedimento de Mediação

pôde causar na vida e relacionamento dos envolvidos.

A questão dos alimentos foi tratada e os Mediandos alcançaram um

acordo satisfatório para todos.

A comunicação, que antes inexistia, começa a restabelecer-se

gradualmente.

E a convivência saiu da pauta. Decidiu-se que a questão não seria mais

tratada e que se encerraria a discussão sobre o tema. Todavia, o Silêncio, porque

contem dentro de si o tempo necessário para decantar sentimentos e emoções, e

fazer surgir ideias e percepções novas, é uma ferramenta movedora, capaz de

romper impasses e abrir caminhos inesperados.

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A utilização da Classificação do Conflito funcionou, não apenas como um

mapa estático, mas, em tempos contemporâneos, como se usa um GPS: a todo

tempo atualizando a rota e guiando-nos por novos caminhos, que nos levassem ao

nosso destino final. Esta experiência nos proporcionou, como afirma Moore, pelo

método de tentativa e erro, que fossemos adequando melhor nossas intervenções à

configuração que o conflito apresentava a cada momento, num processo dinâmico e

vivo.

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IV CONCLUSÃO

No início dessa pesquisa, a questão que se apresentou, e sobre a qual foi

feita uma reflexão, era, tendo como enfoque central a Classificação do Conflito

segundo Christopher Moore, analisar a possível influência de seu emprego no

procedimento de Mediação.

Pretendeu-se, a partir da classificação dos tipos e identificação das

intervenções propostas por Moore para cada tipo de Conflito, estudar quais

ferramentas disponíveis ao Mediador, se mostrariam mais adequadas a estas

intervenções, objetivando estabelecer a relação entre os tipos de conflito e o

procedimento adotado em mediação.

A pesquisa teórica foi fundamentada, prioritariamente, em duas bases

bibliográficas, quais sejam, “O Processo de Mediação” de Christopher Moore e “O

Manual de Mediação de 2016”, do CNJ, apoiando o pensamento defendido por um,

na prática proposta pelo outro. Cruzando dados conceituais e procedimentais e

constatando convergências.

Começando pela identificação do tipo de conflito segundo sua motivação

e origem e a subsequente análise das intervenções sugeridas ao Mediador por

Moore, foi realizado um estudo minucioso das ferramentas elencadas no Manual,

partindo dos efeitos causados por seu uso e apontados na definição de cada

ferramenta, a fim de verificar a correspondência com as intervenções indicadas.

Foi explorada, amplamente, essa correspondência e constatou-se a

complementaridade entre seus elementos, pois, se classificar o conflito tomando

como referência sua causa enfocada na origem, o emprego das ferramentas

objetivava resultados, fechando um ciclo de efetiva atuação.

Desenvolvida a reflexão, para que se pudesse responder ao problema,

confirmando a hipótese formulada de que, ao identificar o tipo de conflito, o mediador

pode optar pela utilização das ferramentas mais adequadas ao seu tratamento,

considerou-se que faltava apenas uma vivência.

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Assim, foi realizada uma aplicação prática do arcabouço teórico adquirido,

e empregar o recurso objeto de nosso estudo em um caso concreto.

O experimento se deu em parceria com outra Mediadora, o que ampliou

consideravelmente as percepções e possibilidades de intervenção. E revelou-se uma

oportunidade única de comprovar empiricamente o conceito defendido por

Christopher Moore de que o trabalho do Mediador se desenvolve por testagem de

hipóteses, por meio de tentativa e erro.

Foi necessário redirecionar o procedimento algumas vezes, mas o recurso

da Classificação do Conflito funcionou como parâmetro, sinalizando a direção. As

trajetórias percorridas compuseram um conjunto dinâmico e interdependente, que

expressou um processo integral em que até aquelas aparentemente equivocadas, e

que não tiveram continuidade, contribuíram para a expansão de resultados.

A investigação foi concluída, atestando a eficiência do recurso e

ressaltando a relevância do seu uso, para a realização de uma prática mais efetiva e

consciente do Mediador.

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BIBLIOGRAFIA

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ed. São Paulo: Ed. Dasheditora, 2014. AZEVEDO, A. G.; et al. Manual de Mediação Judicial 2016. 6ª ed. Brasília: CNJ,

2016. FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como Chegar ao Sim: A negociação de

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FOLGER, Joseph. Op. cit. PASSANI, A. G., CORRÊA, M. G., BASTOS, S. Resolução e Conflitos para Representantes de Empresa. 1ª ed. UnB: 2014.

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Mediación em Alemania: Mediación Familar y Comercial. Editor Siegfried Rapp. Redação original: Waltraud Ulshöfer, Dorothee Martins Pinheiro. Tradução: Marion

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierarquia_de_necessidades_de_Maslow, acessado em 18 set. 2018. MOORE, C. W. O Processo de Mediação: Estratégias Práticas para a Resolução

de Conflitos. Tradução de Magda França Lopes. 2ª ed. Porto Alegre: Ed. ArTmed,

1998. URY, W. Como Chegar ao Sim com Você Mesmo. Tradução: Afonso Celso da

Cunha, 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Sextante, 2015.