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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO
ORIENTADOR: Prof. WILLIAM ROCHA
Rio de Janeiro 2016
ARTUR JOSÉ VIEIRA DE SOSUA
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2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO
Rio de Janeiro 2016
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos o s professores que ajudaram
na minha formação, a minha família por estar
sempre ao meu lado.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a Deus e toda a minha família, em especial meu pai e minha mãe
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RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo o estudo acerca da reparação
por danos morais nos casos de abandono afetivo, tema este pouco presente na
jurisprudência moderna. Discute-se aqui a possibilidade ou não de se
“monetarizar” o afeto e valorizar os danos causados pela ausência deste,
cumprindo destacar, neste contexto, que o abandono afetivo nada tem a ver
com a ausência de amor, mas, sim, com o descumprimento de um dever legal
e moral de convivência existente em uma relação paterno-materno-filial, da
qual resultam a afetividade e o zelo para com a criança. Tem-se que o cerne da
questão a ser colocado em pauta, alcança, além dos deveres dos genitores
para com sua prole, a dignidade do filho, que, uma vez violada pelo abandono
afetivo de seus genitores ou de um destes, importa em sofrimento psíquico e
emocional e em prejuízo ao patrimônio moral da prole afetivamente
abandonada, ensejando, desta forma, indenização a ser suportada pelo
progenitor ausente.
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METODOLOGIA
Com a finalidade de construção do presente trabalho de monografia,
foi realizada a leitura de livros, pesquisa a atuais entendimentos dos tribunais
com a leitura de jurisprudência atualizada, leitura de jornais, revistas.
Deve-se destacar principalmente a utilização, por exemplo, da obra
de CAVALIERI FILHO, 2008, onde consegui vasta base para o presente
trabalho, bem como decisões dos tribunais, conforme será exposto nesta obra.
Somados a estes meios de pesquisa, o trabalho encontra-se
fundamentado no Código Civil Brasileiro e Constituição Federal.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................08
CAPÍTULO I - A FAMÍLIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO...................10
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAISNO DIREITO DE
FAMÍLIA............................................................................................................ 13
CAPÍTULO III - DA RESPONSABILIDADE CIVIL............................................ 18
CAPÍTULO IV- INDENIZAÇÃO NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO...... 25
CONCLUSÃO ............................................................................. 32
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................................................................35
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INTRODUÇÃO
Atualmente, vivemos em um contexto familiar, que possui uma
definição muito mais ampla que antigamente, sendo certo que, ao se falar em
família, logo surge a ideia de afeto entre as pessoas. Contudo, dessas relações
também nascem conflitos de diferentes ordens, podendo estar vinculados, por
exemplo, ao abandono afetivo ou à falta de assistência material, que importam
no descumprimento de deveres referentes ao poder familiar consagrado no
Código Civil Brasileiro, na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da
Criança e Adolescente.
A Constituição Federal de 1988 deu um novo conceito à família e
elevou a dignidade da pessoa humana ao topo dos direitos fundamentais, as
relações familiares sofreram um fenômeno chamado de “despatrimonialização”.
Como conseqüência desta evolução começaram a surgir novas
demandas relacionadas a possíveis violações à dignidade da pessoa humana,
sobretudo na esfera afetiva das instituições familiares. Atualmente, sob o
fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana, muitos filhos vêm
buscando o Poder Judiciário, com o intuito de serem reparados civilmente por
seus genitores pelos danos psíquicos e emocionais causados pela privação do
afeto e do convívio na sua formação, o que influi diretamente no homem
perante a sociedade e, por conseguinte, na esfera jurídica.
Existem aqueles que se manifestam favoravelmente às reparações
pecuniárias. Para esta corrente, deve haver indenização pelo dano moral
provocado pela conduta omissiva do pai, ou mãe, em cumprir o dever de
convivência familiar, tendo em vista que o descumprimento deste dever
prejudica, ou, até mesmo, impossibilita, o desenvolvimento intelectual,
emocional e social da criança.
Existem, ainda, aqueles que defendem que a questão do abandono
afetivo na filiação encontra solução dentro do próprio direito de família, com a
destituição do poder familiar. Esta corrente entende não ser possível a
reparação pecuniária nos casos de abandono afetivo, sob o argumento de que
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não é viável quantificar o amor, bem assim que a reparação pecuniária neste
caso estaria “monetarizando” o amor e “mercatilizando” as relações familiares.
Discute-se no presente estudo, portanto, a responsabilidade civil nos
casos do abandono afetivo, quando comprovado o dano aos direitos de
personalidade do filho, à sua dignidade enquanto pessoa humana, entre outros
danos.
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CAPÍTULO I
A FAMÍLIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Segundo PLÁCIDO E SILVA (2001), o termo “família” é derivado do
latim família, de famel (escravo, doméstico), e que, em sentido restrito, é
geralmente tido como a sociedade conjugal, ou seja, se constitui, desde logo,
pelo casamento e compreende simplesmente os cônjuges e sua progênie. Por
sua vez, o Direito Civil compreende ser a reunião de pessoas ligadas entre si
pelo vínculo de consanguinidade, de afinidade ou de parentesco, até os limites
prefixados em lei.
Releva notar que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, a
família, por imposição do Estado e sobretudo da Igreja, deveria,
necessariamente, ser constituída através do casamento, posto que para o
cristianismo, as únicas relações afetivas aceitáveis eram aquelas decorrentes
do casamento entre um homem e uma mulher, com o nítido interesse na
procriação. Deste modo, o legislador do Código Civil de 1916, conferiu
juridicidade tão somente ao casamento, identificando o conceito de família
como relação decorrente do casamento.
Irrefutável que o instituto da família, sempre esteve presente como
modo de organização da sociedade. Todavia, ao longo do tempo, seu conceito
foi sendo modificado em face da constante necessidade de adequação aos
moldes da evolução social.
Neste sentido, CHAVES e ROSENVALD (2012) citando RODRIGO
DA CUNHA PEREIRA, afirma que família se trata de “uma estrutura psíquica e
que possibilita ao ser humano estabelecer-se como sujeito e desenvolver
relações na polis”.
Atrelada à evolução da sociedade, a família vem mudando suas
concepções, adaptando-se aos valores vigentes de cada época, e,
consequentemente, não se submetendo a pensamentos e ideias
ultrapassadas. A família, portanto, tem a necessidade de acompanhar os
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avanços técnico-científicos e a natural evolução filosófica do homem (CHAVES
e ROSENVALD, 2012, p.41).
Observa-se que o homem do século XXI em nada se assemelha
com a figura patriarcal e exclusiva do chefe de família de antes. Verifica-se, na
sociedade contemporânea, a reestruturação da família, na qual a mulher
compartilha com o homem os afazeres domésticos e os cuidados com as
crianças.
Cumpre destacar, ainda, que a referência da família contemporânea
não está mais pautada nos laços patrimoniais como outrora, mas em uma
concepção ética, solidária e, sobretudo, afetiva. Neste sentido, CHAVES e
ROSENVALD concluem:
“Composta por seres humanos, decorre, por conseguinte, uma
mutabilidade inexorável na compreensão da família, apresentando-se sob
tantas e diversas formas, quantas forem as possibilidades de se relacionar, ou
melhor, de expressar amor, afeto. A família, enfim, não traz consigo a
pretensão da inalterabilidade conceitual. As revés, seus elementos fundantes
variam de acordo com os valores e ideias predominantes em cada momento
histórico. (2012, p.41)”
Observa-se que o homem do século XXI em nada se assemelha
com a figura patriarcal e exclusiva do chefe de família de antes. Verifica-se, na
sociedade contemporânea, a reestruturação da família, na qual a mulher
compartilha com o homem os afazeres domésticos e os cuidados com as
crianças. Constata-se, ainda, que na nova configuração de família, aquele que
educa não precisa ser necessariamente o genitor biológico e, com a adoção e
a reprodução medicamente assistida, não há obrigatoriamente vínculo genético
entre pai e filho, verificando-se, inclusive, a tutela das relações homoafetivas.
Note-se, que o contexto histórico, político, social, econômico e
cultural influenciaram o Poder Constituinte à época da sua formulação, sendo
enfatizados o afeto e a dignidade da pessoa humana nas relações familiares.
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Neste aspecto, pode-se afirmar, portanto, que o Direito Civil, e logo o
Direito de Família, possui forte influência da Constituição, tendo em vista que o
ser possui maior valorização que o ter. Ressalte-se, ainda, que o ordenamento
jurídico estimula a convivência saudável e a afeição entre os familiares.
Assim sendo, as relações familiares passaram a privilegiar a
dignidade de cada partícipe e a afeição espontânea entre eles, sendo possível
reconhecer que se constitucionalizou o modelo de família eudemonista e
igualitária, com maior espaço para a afetividade e a realização de cada pessoa
que integra a entidade familiar (DIAS, 2009, p. 67).
Neste aspecto, pode-se afirmar, portanto, que o Direito Civil, e logo o
Direito de Família, possui forte influência da Constituição, tendo em vista que o
ser possui maior valorização que o ter. Ressalte-se, ainda, que o ordenamento
jurídico estimula a convivência saudável e a afeição entre os familiares.
Assim sendo, as relações familiares passaram a privilegiar a
dignidade de cada partícipe e a afeição espontânea entre eles, sendo possível
reconhecer que se constitucionalizou o modelo de família eudemonista e
igualitária, com maior espaço para a afetividade e a realização de cada pessoa
que integra a entidade familiar (DIAS, 2009, p. 67).
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CAPÍTULO II
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO DIREITO DE FAMÍLIA
2.1- Princípios Constitucionais
O Direito de Família, no Brasil, prima pela proteção aos direitos
fundamentais, aos valores da dignidade humana e aos valores da família como
base da sociedade, sendo possível elencar os princípios fundamentais do
Direito de Família como sendo:
2.1.1- Princípio de proteção e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,
III/CF):
O ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito tem como
preceito fundamental a dignidade da pessoa humana, sendo certo que este
preceito é presente nas Declarações Internacionais de Direitos do Homem.
À luz da Constituição Federal de 1988, a família pode ser entendida
como instrumento para a valorização da personalidade e a promoção do
desenvolvimento material, social e emocional de cada um dos membros que a
constituem.
2.1.2- Princípio da solidariedade familiar (artigo 3º, I/CF):
A solidariedade somente passou a ser reconhecida como um
princípio fundamental com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo
artigo 3º, inciso I, estabelece como objetivo fundamental da República
Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
No âmbito familiar o princípio da solidariedade rege as relações
entre os membros da família, devendo ser exercido entre os cônjuges ou
companheiros, bem assim pelos pais em face dos filhos, cumprindo registrar
que na Constituição Federal, em seu capítulo destinado à família, o princípio da
solidariedade se faz presente no dever do Estado, da sociedade e da própria
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família, de proteção ao grupo familiar (artigo 226), às pessoas idosas (artigo
230) e à criança e ao adolescente (artigo 227).
2.1.3- Princípio da paternidade responsável (artigo 226, §7º/CF):
Este princípio está assegurado em diversos diplomas jurídicos, quais
sejam, no artigo 226, §7º da Constituição Federal, ao estabelecer que
"Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas"; no §2º do artigo 1.565 e no inciso IV do artigo 1.566 do Código Civil,
bem como nos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº
8.069/90.
O princípio da paternidade responsável implica no planejamento
familiar responsável, que observe o dever de garantir a criação do filho dentro
de um ambiente que assegure todos os direitos da criança e do adolescente,
bem assim implica na responsabilidade dos pais não apenas pelo alimento do
filho, mas, também, na sua presença e no seu compromisso com a formação e
desenvolvimento saudável deste.
2.1.4- Princípio da igualdade entre os filhos (artigo 227, §6º/CF):
A Constituição Federal, em seu artigo 227, §6º, dispõe que "Os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os
mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.", sendo certo que o objetivo deste
dispositivo é o fim das discriminações em relação à pessoa do filho, em face do
tipo de vínculo existente com este.
A partir da Constituição Federal de 1988, terão os mesmos direitos
todos os filhos, cuja filiação se funda em vínculo natural ou civil, seja por
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adoção, por reprodução assistida ou posse de estado de filho,
independentemente da origem da filiação, se matrimonial ou extramatrimonial.
2.1.5- Princípio da igualdade entre os cônjuges e companheiros (artigo
226, §5º/CF):
À luz deste Princípio, na sociedade conjugal formada pelo
casamento ou pela união estável (artigo 226, § 3º e artigo 5º, I, da Constituição
Federal), cônjuges ou companheiros têm reconhecida a sua igualdade,
deixando de existir, portanto, a ideologia da família patriarcal e machista. A
partir do Princípio da igualdade entre os cônjuges e companheiros, estes se
equiparam em direitos e deveres em face da família.
2.1.6- Princípio da convivência familiar (artigo 227, caput/CF):
Tal princípio específico do Direito de Família está contemplado
expressamente no artigo 227, caput da Constituição Federal de 1988. Neste
dispositivo constitucional o direito fundamental à convivência familiar e
comunitária está assegurado tanto quanto o direito à vida e à dignidade.
Releva notar que, antes, a família era composta por aqueles que
habitavam o mesmo teto, sem considerar os laços de parentesco, sendo que,
atualmente, é considerada família aquela que está unida por meio de laços
afetivos. Nesse diapasão, leciona Marcos Duarte que a família é o meio apto a
munir a criança, constantemente, física, psicológica, afetiva e seguramente,
durante o período de seu desenvolvimento.
Ainda, aduz que:
“a vida em família é essencial é essencial para qualquer criança. É no seio familiar que ela deve encontrar seu equilíbrio, adaptando-se, pouco a pouco ao mundo exterior. Ela precisa de ajuda para abranger e organizar seus pensamentos e percepções”. (DUARTE, 2011, p.63).
Cabe ressaltar que tal princípio não se aplica exclusivamente aos
pais, mas também guarda relação com os direitos dos avós de manterem
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contato com seus netos. Ainda que fisicamente distante, os membros da família
mantém a referência ao ambiente comum familiar e por isso, a participação dos
membros torna-se essencial para o desenvolvimento dos netos.
2.2.- PRINCÍPIOS NÃO CONSTITUCIONAIS
2.2.1- Princípio da não intervenção ou da liberdade:
Dispõe o artigo 1.513 do Código Civil que "É defeso a qualquer
pessoa de direito público ou de direito privado interferir na comunhão de vida
instituída pela família", consagrando, o referido dispositivo, o Princípio da não
intervenção ou da liberdade, no âmbito do Direito de Família.
Segundo este Princípio, não pode o Estado ou um ente privado
interferir nas relações de família, o que não significa dizer que o Estado não
tenha o dever de garantir à família, e à cada um de seus membros, a
assistência a que têm direito, sendo certo que "esse princípio deve ser lido e
ponderado perante outros princípios, como no caso do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente" (TARTUCE, 2012, p. 1036).
2.2.2- Princípio da Afetividade:
Dentre os princípios supramencionados, convém destacar o princípio
da afetividade que atua como norteador do Direito de Família, a partir da
vigência da Constituição Federal de 1988.
Justamente nessa linha é a lição de Gustavo Tepedino:
“Altera-se o conceito de unidade familiar, antes delineado como
aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no
casamento, para um conceito flexível e instrumental, que tem
em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores
com seus filhos – tendo por origem não apenas o casamento –
e inteiramente voltado para a realização espiritual e o
desenvolvimento da personalidade de seus membros.” (1997).
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Sob esta perspectiva, o direito de família passou a ter amparo em
novos princípios que estabeleceram uma nova ordem familiar. A intenção do
legislador foi de tornar o direito de família mais humano, ou seja, a ser
compreendido a partir da perspectiva do afeto existente entre os seus
membros.
Na legislação constitucional, a prevalência do afeto nas relações
familiares não se encontra expressa, mas se verifica por meio da interpretação
dos artigos 226, §3º, §6º; 227, caput e §1º. Quanto à legislação
infraconstitucional, verifica-se tal princípio a partir da leitura do artigo 28, §3º do
Estatuto da Criança e do Adolescente ao se referir à colocação do menor em
família substituta, uma vez que na apreciação do pedido leva-se em conta o
grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar
ou minorar as consequências decorrentes da medida.
Cabe ainda, mencionar importante distinção feita por Paulo Lôbo em
relação à afetividade (princípio) e o afeto (fato psicológico ou anímico),
exemplificando com o dever imposto aos pais em relação aos seus filhos, e
vice-versa, no primeiro caso, ainda que, objetivamente, haja falta de afeição ou
de amor entre os familiares. E, no caso da relação entre os cônjuges ou entre
os companheiros, o princípio da afetividade será considerado enquanto houver
afetividade real, eis que esta é pressuposto da convivência (LÔBO, 2007).
Logo, quanto aos cônjuges ou companheiros, a entidade familiar
somente se manterá e subsistirá enquanto e tão somente houver afeto entre o
casal. Já em relação aos vínculos de paternidade e maternidade, ainda que
haja desafeição entre pais e filhos, deve-se entender pela impossibilidade da
desconstituição do vínculo devido à própria noção de indisponibilidade do
estado de filiação (GAMA, 2008).
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CAPÍTULO III
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1- Conceito de Responsabiliade Civil
A ordem jurídica tem como principal objetivo reprimir o ilícito e
proteger o lícito. Desta forma, são estabelecidos deveres jurídicos que
correspondem a comandos dirigidos a inteligência e vontade dos indivíduos
que acarretam em obrigações.
Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a violação de tais deveres jurídicos
configura ilícito que, quase sempre, acarreta dano para outrem, ensejando um
novo dever jurídico, qual seja, o de reparação do dano. Aduz ainda, que há
assim um dever jurídico originário cuja violação gera um dever jurídico
sucessivo, que é o de indenizar o prejuízo (CAVALIARI FILHO, 2008).
Nesse contexto, emerge a noção de responsabilidade civil como
sendo um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente
da violação de um dever jurídico originário. Pode-se dizer, portanto, que toda
conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a
outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.
Igualmente, deve-se destacar o entendimento que define a
responsabilidade civil como a:
“aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.” (NETO, 2004, p. 34).
Deve-se registrar, por fim, o pensamento de Caio Mário da Silva
Pereira, que se desliga completamente da discussão entre responsabilidade
civil objetiva e subjetiva:
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“a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina à reparação a sua incidência na pessoa do causador do dano. Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil.” (NETO, 2004, p. 35).
Assim, independentemente da posição adotada, o principal objetivo
da responsabilidade civil é o de, tanto quanto possível, repor a vítima à
situação anterior à lesão. Isso se faz através da fixação de indenização em
proporção ao dano.
3.2- Espécies de Responsabilidade Civil
3.2.1- Responsabilidade Contratual e Extracontratual
Uma das principais divisões doutrinárias acerca da responsabilidade
civil é aquela referente à existência ou não de um instrumento contratual
regendo a relação jurídica entre as partes. Trata-se, portanto, da presença ou
ausência de um contrato que determinará se a responsabilidade civil, por sua
vez, será contratual ou extracontratual.
Neste aspecto, é possível definir a responsabilidade civil contratual
como aquela correspondente à relação jurídica obrigacional decorrente de um
contrato, enquanto que a responsabilidade civil extracontratual é aquela
referente à obrigação imposta por preceito geral ou pela própria lei.
Saliente-se, todavia, que tanto em uma quanto em outra há a
violação de um dever jurídico preexistente.
3.2.2- Responsabilidade Subjetiva e Objetiva
Outra relevante subdivisão acerca do tema está fundada na ideia de
culpa. Esta – em sentido amplo, representando culpa e dolo - em harmonia
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com a teoria clássica, bem como em consonância com o artigo 186 do Código
Civil, seria o principal pressuposto da responsabilidade civil subjetiva.
Nesta, a vítima só obterá a reparação do dano se conseguir provar a
culpa do agente. No entanto, há hipóteses em que não se faz necessária a
prova da culpa, bastando a demonstração inequívoca do dano para que reste
caracterizado o dever de indenizar. Esta hipótese corresponde à
responsabilidade civil objetiva, sendo possível citar como exemplo a relação
consumerista, na qual o consumidor é, evidentemente, a parte mais vulnerável.
3.3- Pressupostos da Responsabilidade Civil Subjetiva
O artigo 186 do Código Civil define os requisitos para que seja
configurado o ilícito, quais sejam, a conduta culposa do agente, o nexo causal
e o dano. Assim, a partir do momento em que alguém, mediante conduta
culposa, viola o direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato
ilícito do qual decorre o dever de indenizar, consoante o artigo 927 do Código
Civil.
3.3.1- A Conduta Culposa
Como um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
subjetiva, aponta-se a conduta culposa, que, na definição de Sérgio Cavalieri,
constitui-se “o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de
uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas.” (CAVALIERI
FILHO, 2008, p.24).
Contudo, para que exista a possibilidade de punição do agente
infrator pela sua conduta culposa, por ação ou por omissão, é necessário
haver, por parte deste, capacidade psíquica de compreender que suas ações
são reprováveis. É o que se chama de imputabilidade, pressupondo não só da
culpa em sentido amplo, como da própria responsabilidade.
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Em sentido amplo, portanto, a culpa é todo aquele comportamento
contrário ao direito, seja intencional (dolo) ou não (culpa) e, em que pese a
distinção entre os institutos seja eminentemente hermenêutica, uma vez o
agente violador responde igualmente pelas consequências de suas condutas,
tem-se como pertinente o estabelecimento de sua principal diferença:
No dolo: “a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige a
concretização de um resultado antijurídico”, enquanto que na culpa em sentido
estrito, “a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia
dos padrões socialmente adequados.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p.30).
3.3.2- O Nexo Causal
O segundo pressuposto da responsabilidade subjetiva, nos termos
do artigo 186 do Código Civil, o nexo causal é elemento indispensável em
qualquer espécie de responsabilidade civil, posto que constitui-se como a
relação de causa e efeito que deve existir entre a conduta e o resultado, de
modo a possibilitar a devida responsabilização do agente.
Cumpre mencionar, que o Direito Civil Brasileiro adotou como teoria
do nexo causal aquela denominada de “causalidade adequada”, que afirma ser
preciso distinguir, com ponderação e razoabilidade a causa efetiva que originou
aquele resultado.
A assertiva acima é feita com base na comparação de sistemas.
Explique-se: embora o Código Civil não possua regra expressa disciplinando o
nexo causal, por conta do estatuto civilista de 1916, mais precisamente pelo
disposto no artigo 1060 daquele código, a doutrina mais abalizada acerca do
tema sustenta que a teoria da causa adequada é a que prevalece na esfera
civil.
Assim sendo, exceto nos casos em que houver fato exclusivo da
vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior, hipóteses estas expressas
de exclusão de nexo de causal, será o agente responsabilizado pela sua
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conduta, na medida de suas proporções, observando-se sempre a relação
causa-efeito, de modo que a imputação não se faça de forma injusta, contrária
ao direito.
3.3.3- O Dano
Ainda na análise dos pressupostos da responsabilidade subjetiva,
tem fundamental papel o dano, que, na lição de Sérgio Cavalieri Filho seria o
grande vilão da responsabilidade civil, posto que:
“não haveria que se falar em indenização, nem ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem dano. (...) Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.” (CAVALIERI FILHO, 2008, p.;70/7).
O dano, nesse viés, é conceituado como sendo a subtração de um
bem jurídico, seja ele patrimonial seja ele moral (direito à imagem, honra,
liberdade, etc) e sua liquidação, de acordo com o disposto no artigo 944 do
Código Civil, se mede pela sua extensão.
Assim, a indenização pelo dano, é norteada pelo importante princípio
da restitutio in integrum, segundo o qual se busca, na medida em que for
possível, restabelecer à vítima a situação existente anterior ao fato danoso.
Deve-se, para tanto, tentar alcançar a maior similitude quanto ao status quo
ante, de forma a remediar a vítima da melhor e mais justa maneira.
3.3.4- Exclusão de Ilicitude
Não obstante a presença inequívoca dos três pressupostos da
responsabilidade civil subjetiva, há hipóteses em que a ilicitude não restará
caracterizada, eis que nem todo ato danoso é ilícito, bem como nem todo ato
ilícito é danoso. Em assim sendo, é preciso a combinação entre os institutos do
dano e da ilicitude para que haja o dever de indenizar.
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Assim dispõe o artigo 927 do Código Civil, aduzindo,
expressamente, que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Por sua vez, as causas de exclusão de ilicitude estão elencadas no
artigo 188 do Código Civil, prevendo situações nas quais, conquanto a conduta
seja causadora do dano, a mesma não é violadora da norma jurídica. A atitude,
dessa forma, é pautada de acordo com a lei, sendo lícita, portanto.
Enumera-se, assim, como não constituindo ato ilícito, àqueles
praticados no exercício regular de um direito (atuação do direito de acordo com
o seu fim econômico, social, boa-fé e bons costumes), legítima defesa (uso
moderado dos meios necessários para repetir uma injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem) ou em estado de necessidade (destruição
ou deterioramento de coisa alheia, ou lesão em pessoa, a fim de remover
perigo iminente).
Com a exceção dessas hipóteses, havendo a existência cumulativa
dos pressupostos de conduta culposa, nexo causal e dano, impõe-se ao agente
infrator o a obrigação de indenizar a vítima nas proporções da lesão
ocasionada.
3.4- A Responsabilidade Civil no Âmbito Familiar
Como bem visto, a responsabilidade civil no Direito de Família é
subjetiva, exigindo para sua configuração comportamento culposo ou doloso,
de tal sorte que só se pode pleitear ressarcimento, se comprovado que o
chamado a indenizar agiu com culpa ou dolo.
Destaque que, ainda é necessária a demonstração do nexo de
causalidade entre o agir com culpa ou dolo e o dano.
Cumpre ressaltar que, apesar de historicamente a jurisprudência não
consagrar a tese de indenização no Direito de Família com fundamento no
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afeto e nos laços parentais, sem se dar valor econômico às relações de família,
atualmente é perceptível uma mudança de paradigma. Note-se que, na
atualidade, o patrimônio moral passa a ter valor materializado em dinheiro e,
desta forma, a jurisprudência, seguindo os passos da doutrina, tem forçando o
legislador a positivar na legislação o conteúdo desse direito.
Outrossim, como bem visto, a responsabilidade civil consiste na
efetivação da reparação do dano em relação a um sujeito passivo da relação
jurídica que se forma. Ainda, o Código Civil a partir do artigo 927 prescreve o
dever de reparar o prejuízo a quem por ato ilícito causar dano a outrem; o
artigo 186 reporta-se à ilicitude derivada da ação ou omissão voluntária de
quem, por negligência ou imprudência, causar dano material ou moral a
outrem.
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CAPÍTULO IV
INDENIZAÇÃO NOS CASOS DE ABANDONO AFETIVO
A questão aqui proposta é demais sensível, sendo tema de
calorosos debates na doutrina e na, ainda escassa, jurisprudência. Sendo
assim, com base em todos os apontamentos e contornos jurídicos até aqui
expostos, passar-se-á à justificativa que enseja a reparação por danos morais
por abandono afetivo nas relações paterno-materno-filial.
Notável neste campo, discutido até agora, da evolução jurídica na
seara familiar, é a evolução do liame constitutivo das relações familiares.
Diversamente dos tempos remotos, quando o interesse da união se dava pela
perpetuação da espécie e aumento patrimonial, as famílias da atualidade se
constituem por laços de afeto, afinidade e solidariedade e são esses laços que
unem pais e filhos.
Sendo assim, o afeto enquanto elo de ligação entre os membros de
uma comunidade familiar agrega valor jurídico.
Nesse sentido, enquanto valor jurídico, o afeto reúne elementos que
vão para além do amor entre pais e filhos e das demonstrações de carinho,
sendo possível vislumbrá-lo na exata medida do reconhecimento da igualdade
existente entre os filhos, independentemente da sua origem, e, principalmente,
no cuidado, no zelo e na atenção dispensados a cada filho, reconhecendo-os
como pessoas em formação e detentoras de dignidade e direitos.
Sob este aspecto, verifica-se a possibilidade de reparação por danos
morais pelo fato de ser inadmissível que pais deixem seus próprios filhos ao
desamparo emocional e moral. Por outro lado, sem considerar o princípio da
dignidade da pessoa humana, do dever de cuidado e respeito ao infante,
existem opiniões contrárias, acreditando-se que essa espécie de abandono é
admissível, na medida em que ninguém está obrigado a amar a outrem, ainda
que esse outrem seja seu próprio filho.
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Tal posição afigura-se equivocada, uma vez que o dever de
reparação civil não advém da inexistência de manifestação de amor dos pais
para com seus filhos.
Com toda certeza, não se pode obrigar ninguém a amar a outrem.
Por outro lado, a escolha da paternidade-maternidade é livre e deve ser
responsável, de modo a conceder aos filhos todos os subsídios imateriais
necessários ao desenvolvimento e formação saudáveis, conforme bem elucida
Giselda Maria Fernandes Hironaka:
“O sistema jurídico não pode exigir de ninguém demonstrações de amor e carinho, porquanto não seja disto que se trate, mais sim, de uma situação em que o que se cobra dos pais é o correto desempenho de suas funções para o pleno desenvolvimento de seus filhos. Até porque, durante muito tempo, muitos pais deixaram de demonstrar afeto, amor e carinho para com seus filhos, mas cumpriram a função de autoridade (com ou sem autoritarismo) que lhes cabia e que permitiu que os filhos se adequassem socialmente. (HIRONAKA, 2002).
Portanto, o que se reclama é o exercício de uma autoridade parental
responsável, sob pena de constituir-se em abandono afetivo.
4.1- O Dever e a Responsabilidade dos pais para com seus filhos
Os pais possuem em relação aos filhos, segundo o princípio da
parentalidade responsável, o dever de assistência material, intelectual e
afetiva. Igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente institui que é dever
de quem detém o poder familiar, bem como de toda a sociedade, a
manutenção e proteção dos direitos relativos às crianças e adolescentes.
A legislação em comento prevê a responsabilidade, dentre outras a
civil, com a possibilidade de fixação de indenização por danos morais, por
exemplo, em casos de abandono afetivo.
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Vale mencionar que a responsabilidade civil só restará configurada
se observada a presença de seus requisitos, quais sejam a conduta culposa, o
nexo causal e o dano.
Entretanto, diferentemente ocorre com a detecção da conduta
culposa. Explica-se: embora na paternidade e nas relações conjugais haja a
determinação legal de cumprimento de deveres, em relação aos filhos não há
um pacto, como nas relações conjugais, de previsibilidade de prestação e
contraprestação afetiva e obrigacional. (FREITAS, 2010).
Contudo, quando não o fazem, torna-se possível a imposição de
indenização, tendo em vista que a obrigação do afeto é essencial ao
desenvolvimento da criança. Não se alega que seja imprescindível manter os
pais habitando a mesma residência, ou obrigá-los a ter envolvimento afetivo
contra a sua própria natureza, mas é de fundamental valor a manutenção dos
vínculos com os filhos, já que a ausência deste pode causar prejuízos muitas
vezes mais profundos e incuráveis do que qualquer ataque físico ao ser
humano em constituição. (COSTA, 2013).
Os casos de responsabilização por abandono afetivo ainda não são
pacíficos na doutrina e na jurisprudência, sendo que o próprio Superior
Tribunal de Justiça decidiu que “não cabe ao judiciário condenar alguém ao
pagamento de indenização por desamor.” (FREITAS, 2010, p. 98).
4.2- Decisões Judiciais
O primeiro julgado, que confirma os argumentos levantados no
presente estudo, vem da Comarca de Capão da Canoa do Rio Grande do Sul,
proferido pelo juiz Mário Romano Maggioni do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS) nos autos do processo nº 141/1030012032-0, em 15 de
setembro de 2003.
Os fundamentos articulados pelo Juiz, ao proferir a sentença que
condenou o pai a indenizar a filha por abandono afetivo em R$ 48.000,00
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(quarenta e oito mil reais), atentaram-se à norma inserida na Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X e ao artigo 22 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), bem como à amplitude da função paterna.
“De se salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22 da Lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que a grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicaram amor e carinho; assim também em relação aos criminosos. De outra parte, se a inclusão no SPC dá margem à indenização por danos morais, pois viola a honra e a imagem, quanto mais a rejeição do pai. (TJTRS, 2003).
Assevera o magistrado que ao Judiciário não incumbe coagir
ninguém a ser pai, lembrando ainda que existem vários recursos para se evitar
a paternidade, mas aquele que optou por sê-lo deverá desempenhar bem a sua
função, sob pena de ser-lhe imputado o necessário dever de reparação acaso
incorra na prática de atos que venha a causar danos aos filhos:
“Por óbvio que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai. No entanto, aquele que optou por ser pai – e é o caso do autor – deve se desincumbir de sua função, sob pena de reparar os danos causados aos filhos. Nunca é demais salientar os inúmeros recursos para se evitar a paternidade (vasectomia, preservativos, etc.). Ou seja, aquele que não quer ser pai deve se precaver. Não se pode atribuir a terceiros a paternidade. Aquele, desprecavido, que deu origem ao filho deve assumir a função paterna não apenas ao plano ideal, mas legalmente. Assim, não estamos diante de amores platônicos, mas sim de amor indispensável ao desenvolvimento da criança. (TJRJ, 2003).
O segundo julgado provém da Comarca de São Paulo, nos autos de
nº01.036747-0, em decisão proferida pelo juiz Luis Fernando Cirillo do Tribunal
de Justiça de São Paulo (TJSP), em 05 de junho de 2004.
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À época, o julgador condenou o pai a indenizar a filha na importância
de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), explicitando de início que não lhe parecia
razoável um filho pleitear em juízo indenização contra o pai por danos morais:
“Efetivamente, em princípio não se afigura razoável que um filho pleiteie em Juízo indenização por dano moral porque não teria recebido afeto de seu pai, de quem sua mãe se separou ainda na infância do autor.” (TJSP, 2004).
Por outro lado, o magistrado pondera:
“Não se pode rejeitar a possibilidade de pagamento de indenização do dão decorrente da falta de afeto simplesmente pela consideração de que o verdadeiro afeto não tem preço, porque também não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra, a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens (TJSP, 2004).
Nessa linha de raciocínio, o magistrado afirma que “a paternidade
não gera apenas deveres de assistência material e que, além da guarda,
portanto, independente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em
sua companhia.” (TJSP, 2004).
Uma decisão de grande repercussão provém do extinto Tribunal de
Alçada de Minas Gerais (TAMG), através do voto proferido pelo relator Unias
Silva, nos autos da apelação cível nº 408.550-5 datada de 01 de abril de 2004,
condenando o pai ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 44.000,00
(quarenta e quatro mil reais). Tendo assim se pronunciado:
“A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quanto a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana,
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magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave. (TAMG, 2004).
Extrai-se ainda do bojo do referido acórdão, a aplicação do princípio
da dignidade da pessoa humana como fundamento para aplicabilidade da
reparação por danos morais:
“A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito a convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.” (TAMG, 2004).
O pai do menor impetrou recurso especial para o Superior Tribunal
de Justiça, cujo número é o 757.411/MG, o qual foi conhecido e provido.
Entretanto, houve um voto não favorável ao recorrente, por entender cabível a
reparação por danos morais decorrente do abandono afetivo. Assim, explicitou
o voto do ministro Barros Monteiro:
“O Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou o réu a pagar 44 mil reais por entender configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua dignidade, bem como por reconhecer a conduta ilícita do genitor ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e afeto com o filho, deixando assim de preservar os laços de paternidade. Esses fatos são incontroversos. Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanha-lo e de dar-lhe o necessário afeto.” (STJ, 2005).
Nesse sentido, o ministro votou pela improcedência do recurso e
finaliza:
“Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a condita ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo. Considero, pois, ser devida a indenização por
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dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso.” (STJ, 2005).
É claramente aduzido das decisões supramencionadas que os
julgadores, ao darem provimento às ações de responsabilidade civil por danos
morais nas relações filiais têm como objeto principal o abandono afetivo, se
norteando, sobretudo, pelo princípio da dignidade humana e pelo direito do filho
à convivência familiar.
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CONCLUSÃO
É certo que há algum tempo, era difícil imaginar que seria possível
relacionar os termos “dano moral” e “direito de família”. Hoje, a mutação da
sociedade perante a instituição familiar gerou uma série de novos
questionamentos e demandas, dentre elas a possibilidade da indenização
pecuniária por danos morais nos casos de abandono afetivo materno-paterno-
filial.
Assim, estando o abandono afetivo na filiação em pauta, logo surge
a discussão acerca da existência ou não do dano moral causado ao filho em
razão da ação omissiva quanto ao cumprimento dos encargos decorrentes do
poder familiar bem como a omissão afetiva de um ou de ambos os genitores
para com seu descendente. Convém ressaltar, aqui, que o que enseja a
responsabilidade civil com indenização pecuniária não é a falta de afeto por si
só, mas o descumprimento do dever jurídico da convivência com o filho.
É oportuno apontar a importância de se questionar se este tipo de
indenização seria capaz de suprir qualquer tipo de omissão de cunho
emocional dos pais para com seus filhos. Contudo, deve-se ter em mente que
em situações extremas, de profundo dano e abalo psicológico comprovado, os
seus causadores teriam de ser responsabilizados de alguma forma e o
caminho encontrado no atual ordenamento jurídico brasileiro é o da
responsabilidade civil.
Existe intensa crítica na doutrina e na jurisprudência no tocante à
aplicabilidade da reparação civil por danos morais no âmbito das relações
familiares, sobretudo nos casos de abandono afetivo parental, ao fundamento
que tal instituto deveria ficar restrito à esfera puramente civil.
Logo, inadmitir de plano a aplicação da reparação por danos morais
no âmbito familiar é confirmar a violação de um direito e dar vazão a que atos
semelhantes sejam praticados, é ceifar pela raiz a pretensão daquele que
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sofreu o dano, e supriu todos os pressupostos da responsabilidade civil
exigidos pela lei.
Desta forma, havendo violação dos direitos da personalidade,
mesmo que no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a
possibilidade de reparação por dano moral que, mesmo expressa em pecúnia,
não busca, nesse caso, qualquer vantagem patrimonial em benefício da vítima,
revelando-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa
recebida, que em sua essência é de fato irreparável, atuando ao mesmo tempo
como medida educativa (e consequentemente preventiva), uma vez que
representa uma sanção aplicada ao ofensor.
Casos de responsabilidade civil no âmbito familiar merecem maior
cautela e prudência ao juízo competente, principalmente quando versa sobre a
relação paterno-materno-filial, pois em um dos vértices está um indivíduo
visível e reconhecidamente mais fraco, que necessita de cuidados, atenção e
afeto, por sua peculiar condição de hipossuficiência e de pessoa em
desenvolvimento.
A reparação por danos morais na seara familiar não se trata,
efetivamente, de uma banalização ou de uma monetarização das relações de
afeto, mas do reconhecimento, valorização e respeito ao indivíduo enquanto
pessoa humana detentora de direitos, sobretudo, de dignidade.
Cabe esclarecer que a reparação por danos morais nos casos de
abandono afetivo não se resumem à pecúnia, busca-se para além disso a
conscientização social e familiar.
Por outro lado, essa reparação não pode servir de enriquecimento
desmedido do ofendido, uma vez que não é isso que se busca em uma ação
de responsabilidade civil por abandono afetivo, nem o empobrecimento do
ofensor. O que se busca, na verdade, é seu caráter punitivo mas também o
educativo e preventivo.
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Não se pode perder de vista, entretanto, que o Poder Judiciário hoje
sofre com a chamada “indústria do dano moral”, que acaba por inflar a justiça
com ações ajuizadas visando à satisfação financeira do autor que, de forma
oportunista, busca uma forma de se beneficiar em face de outrem.
Assim sendo, é de extrema importância a análise individualizada do
caso concreto, evitando, assim, a banalização do efetivo dano moral, a
monetarização do afeto e o retrocesso da evolução histórica da instituição
familiar.
Ponderadas as considerações até aqui expendidas, infere-se que
mais pesquisas com este foco devem ser elaboradas, a fim de se manter a
discussão sempre aquecida e atual, buscando novos entendimentos e
argumentos que consigam melhor definir e solucionar uma questão tão
subjetiva quanto o afeto, ou a falta dele, entre seres humanos inseridos em um
contexto familiar.
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