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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA TRANSAÇÃO PENAL MARIA IZABEL MONTEIRO PINTO Orientador Prof. JEAN ALVES Rio de Janeiro 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TRANSAÇÃO PENAL

MARIA IZABEL MONTEIRO PINTO

Orientador

Prof. JEAN ALVES

Rio de Janeiro

2015

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

TRANSAÇÃO PENAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada

como requisito parcial para obtenção do grau de especialista

em DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL

Por: . Maria Izabel Monteiro Pinto

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AGRADECIMENTOS

A DEUS por me dar forças e coragem para

prosseguir.

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DEDICATÓRIA

DEDICO AOS MEUS DOIS NETOS Matheus e

Arthur e ao meu genro Humberto que me auxilia

nessa árdua tarefa de formatação deste trabalho.

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RESUMO

A presente monografia apresenta como objeto de estudo o instituto da medida

despenalizadora da transação penal.

A monografia em tela tem como finalidade a pesquisa acerca do instituto da

transação penal, as hipóteses de cabimento e análise sobre a natureza discricionária

da transação penal.

Ao Ministério Público é conferido a possibilidade de usar do poder discricionário

para a aplicação do instituto da transação penal, uma vez que a Constituição de 1988

em seu artigo 98, inciso I, dispõe dessa possibilidade.

Sendo assim, o Ministério Público tem a discricionariedade como instrumento

para compor conflitos em um acordo entre o interessado e o Estado, porque o Estado é

o detentor do Jus Puniendi , e sendo feito o acordo da transação penal temos como

conseqüência o desafogamento do judiciário que é o grande propósito dos Juizados

Especiais Criminais.

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METODOLOGIA

A metodologia aplicada para a elaboração da presente monografia foi a

pesquisa em livros doutrinários, Constituição de 1988, Código Penal e a Lei 9.099 de

1995 que trata dos Juizados Especiais Criminais.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Da Transação Penal 11

1.1 _ Conceito 11

1.2 _ Proposta do Ministério Público 13

1.3 _ Natureza Jurídica da Transação Penal 17

CAPÍTULO II - Dos Juizados Especiais Criminais - Lei 9099 de 1995 20

2.1 _ Origem Legislativa 20

2.2 _ Definição das infrações de menor potencial ofensivo 23

2.3 _ Princípios Informadores 28

2.4 _ Competência 33

2.4.1 _ Das contravenções penais 33

2.4.2. Dos crimes com pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou

não com multa 34

CAPÍTULO III - Situações onde a transação penal é acolhida 36

3.1 _ Transação Penal na esfera privada 36

3.2 _ Transação Penal no código de trânsito brasileiro 40

3.3 _ Transação Penal nos crimes ambientais 43

3.4 _ Quanto ao descumprimento da transação penal 45

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CAPÍTULO IV - A eficácia da transação Penal diante do poder discricionário do Ministério Público

48

4.1 _ Noções acerca do poder discricionário do Ministério Público 48

4.2 _ Transação Penal : Poder discricionário ou direito subjetivo 49

CONCLUSÃO 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 53

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INTRODUÇÃO

A presente monografia propõe um estudo sobre a eficácia da transação penal

abordando a função discricionária do Ministério Público .

Dentre as funções institucionais do Ministério Público está a de exercer,

privativamente, a ação penal pública incondicionada, conforme dispõe o artigo 129,

Inciso I, da CRFB de 1988. Consiste, em um poder-dever deste órgão com base na

obrigatoriedade amparado em lei, em contraposição ao princípio da oportunidade e

conveniência que norteia a ação penal de natureza privada.

No entanto, a mesma Constituição ao criar os Juizados Especiais no âmbito

criminal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, reconheceu a alternativa

de, em determinadas hipóteses previstas na Lei 9.099 de 1995, especialmente no

artigo 76, do titular do jus puniendi amenizar a obrigatoriedade quanto ao início ou

prosseguimento da persecução penal, por meio do instituto da transação penal.

A proposta do Ministério Público, ainda informalmente, deve ser submetida à

discussão com a parte interessada, ou seja, suposto autor do fato.

A transação penal é um poder discricionário do Ministério Público ou um direito

subjetivo do suposto autor do fato?

A presente monografia entende como hipótese da questão apresentada, que a

transação penal trata-se de um poder discricionário atribuído ao dominus litis.

Objetiva-se com essa pesquisa esclarecer os principais pontos relacionados ao

cabimento da transação penal.

No estudo em tela utiliza-se a pesquisa bibliográfica como metodologia de

estudo, assim como as leis e leitura em artigos encontrados na internet.

Elaborada em quatro capítulos onde será exposto o tema objeto do presente

estudo.

Capítulo primeiro aborda o instituto da transação penal, apresentando seu

conceito, como se dá a proposta pelo Ministério Público e sua natureza jurídica.

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Neste primeiro capítulo será exposto ainda a análise dos Juizados Especiais

Criminais, buscando levantar a sua origem legislativa, a definição das infrações de

menor potencial ofensivo, os princípios informadores e sua competência.

No capítulo segundo explica-se a análise dos Juizados Especiais Criminais,

buscando levantar a sua origem legislativa, a definição das infrações de menor

potencial ofensivo, os princípios norteadores e sua competência.

No terceiro capítulo analisa-se a possibilidade da aplicação da transação penal

nas diversas leis nacionais. Será abordada a transação penal na esfera privada, no

Código de Trânsito Brasileiro, nos crimes ambientais e também analisar os reflexos do

descumprimento do instituto da transação penal.

No capítulo quarto aborda-se a transação penal buscando identificar o instituto

da transação penal como um poder discricionário do Ministério Público ou direito

subjetivo do suposto autor do fato.

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CAPÍTULO I

DA TRANSAÇÃO PENAL

Este capítulo explica o instituto da transação penal, apresentando seu conceito,

como se dá a elaboração da proposta pelo Ministério Público e sua natureza jurídica.

1.1. Conceito

Affonso Fraga citado por Figueira Junior conceitua a transação da seguinte

forma:

Transação penal corresponde em vernáculo ao vocábulo latino

transactio, que deriva de transigire, verbo que denota

ambiguidade. formado da partícula e preposição trans, que

significa além de, e de agere, que significa conduzir. Assim, na

locução lacial, além de significar transpassar, transpor certos

limites, passar além, transigire significava o último grau da ação, a

sua terminação ou transformação. A transação, substituindo o

estado de luta pelo de paz, é da maior utilidade as partes que,

mercê dela, libertam-se das despesas avultadas necessárias ao

custeio da lide, dos dissabores e incômodos que determina, das

inimizades capitais que engendra e finalmente da incerteza do

seu êxito que, como todo desconhecido é o tormento contínuo de

quem litiga.1

1 FRAGA, Affonso apud FIGUEIRA JUNIOR. Joel Dias. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 570

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No entender de Sérgio Turra Sobrane:

O instituto da transação penal consiste no ato jurídico pelo qual o

Ministério Público e o autor do delito, atendidos os requisitos

legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões

recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela

prática de fato típico, mediante o cumprimento de uma pena

consensualmente ajustada, que não seja, frise-se, privativa de

liberdade.2

Conforme Cezar Roberto Bitencourt:

A aquiescência pessoal do autor da infração integra a própria

essência do ato: estará transigindo com a sua liberdade, que

passará a sofrer restrições. A autodisciplina e o senso de

responsabilidade que fundamentam a transação, exigem o

comprometimento moral e emocional do autor. 3

Explica Afrânio da Silva Jardim que:

[...] quando Ministério Público apresenta em juízo a proposta de

aplicação de pena não privativa de liberdade (transação penal),

está, na verdade, exercendo ação penal, pois deverá, ainda que

de maneira informal e oral, fazer uma imputação ao autor do fato

2 SOBRANE,SERGIO TURRA. TRANSAÇÃO PENAL. SÃO PAULO: 2001. P75 3 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva:: p.543

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e pedir a aplicação de uma pena, embora esta aplicação imediata

fique na dependência do assentimento do réu. Segundo o autor,

entendendo o fenômeno processual dessa forma, fica mais fácil

compreender como o juiz está autorizado a aplicar a pena aceita

pelo réu. 4

João Francisco de Assis discordando do autor retro, entende que a finalidade

da transação penal não é exatamente estabelecer uma pena, como acontece na ação

clássica, o que se busca é promover uma medida consensual entre as partes, evitando

assim, por fim ao processo penal condenatório.5

1.2. Proposta do Ministério Público

Dentre as funções institucionais do Ministério Público está prevista o exercício

privativo da ação penal pública incondicionada CRFB/88. art. 129. 1). Trata-se de um

poder-dever do órgão Ministerial baseado na obrigatoriedade ou legalidade,

contraposição ao princípio da oportunidade ou conveniência que norteia a ação penal

de natureza privada.

Entretanto, a Constituição Federal ao dispor sobre os Juizados Especiais no

âmbito criminal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, abriu a

possibilidade de hipóteses específicas limitadas (art. 76), o titular do jus puniend

atenuar a obrigatoriedade quanto ao início ou prosseguimento da persecução penal,

através da transação.

A proposta do Ministério Público, ainda informalmente, deve ser submetida à

4 JARDIM. Afrânio Silva . Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense. 2008P100 5 ASSIS, João Francisco de. Juizados Especiais Criminais: justiça penal consensual e medidas despenalizadoras.

Curitiba: Juruá, 2005. p.101

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discussão com a parte interessada6 para que se chegue a um consenso, à

convergência de vontades, a um tempo que satisfaça ambos, isto é, uma transação.

Ato contínuo será submetida a controle jurisdicional, no sentido de ser ou não

homologada pelo Juiz de Direito.

Ressalte-se, de outra parte, que a não homologação do acordo pelo Juiz

deverá ser estritamente legal, ou seja, obedecer ao princípio da legalidade, e só deverá

ocorrer se presentes os requisitos que impedem que estão expressos no artigo 76,§ 2º,

da Lei 9.099 de 1995. Nesse sentido:

-- condenação por sentença definitiva, à pena privativa de liberdade,

pela prática de crime.

Para melhor entendimento desse requisito que impede que seja feita proposta

de transação penal é necessário definir a sentença definitiva. Sendo assim, o artigo 82

do CPP dispõe que:

Art. 82: Se, não obstante a conexão ou continência forem instaurados

processos diferentes, a autoridade da jurisdição prevalente deverá

avocar os processos que corram perante os outros juízos, salvo se já

estiverem com sentença definitiva, Neste caso, a unidade dos

processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou

unificação das penas.

Já é pacífico na jurisprudência que não é necessário o trânsito em julgado da

decisão monocrática. Ou seja, a sentença definitiva não deve ser entendida como

decisão em relação a qual já se operou o trânsito em julgado. É esta a inferência que

se pode extrair, por exemplo, do disposto no artigo 593, l, do CPP7, quando trata de

decisão pendente de recurso.

6 SUPOSTO AUTOR DO FATO OU SUSPEITO 7 ART. 593 _ Caberá apelação no prazo de cinco (5) dias: das sentenças definitivas de condenação ou absolvição

proferidas por juiz singular:

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Nesse contexto, Júlio Fabbrini Mirabete explica que:

A reunião de processos, para decisão conjunta pela autoridade de

jurisdição prevalente, só é viável até a prolação da sentença, que se

reputa "definitiva", como quer o artigo 82 do CPP, quando já não possa

ser alterada em primeiro grau8.

Diante do entendimento do autor supracitado, por meio do conceito de

sentença definitiva já pacificada na doutrina processual penal, é irrelevante a

ocorrência ou não do trânsito em julgado da sentença para que se reconheça a

impossibilidade de transação penal.

Ainda segundo o ilustre doutrinador Mirabete:

Quando a Lei dos Juizados Especiais Criminais usa a expressão

sentença definitiva, está se referindo à decisão definitiva de mérito

que já adquiriu a estabilidade da coisa julgada, sob pena de lesão

ao princípio do estado de inocência. 9

Entretanto, a análise do artigo 76, § 2º, não aceita nenhuma dúvida, ou seja, a

sentença condenatória que reconheceu a prática contravenção penal ou, embora

reconhecendo a existência de crime, impõe pena de multa ou restritiva de direitos, sob

o aspecto objetivo não impede a proposta de transação.

Em sentido contrário, Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly

ensinam que, "que a condenação anterior pela prática de crime à pena privativa da

liberdade só impedirá a proposta de transação se não tiver sido cumprida ou julgada

extinta há mais de cinco anos, por força da aplicação analógica do artigo 64, I, do

Código Penal".

8 MIRABETE, Julio Fabbrini,OP. CIT, P 86 9 IDEM,P. 87

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Dispõe o referido artigo que:

Artigo 64: Para efeito de reincidência:

I _ não prevalece a condenação anterior, se entre a data do

cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver

decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado

o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se

não ocorrer revogação.

A transação penal deverá representar relevante instrumento de prevenção

geral e ressocialização, evitando a aplicação de penas privativas de liberdade. O

Estado, no entanto, não pode demonstrar complacência com indivíduo que, de

maneira inconseqüente e reiterada, volta delinquir. Por esse motivo, o mesmo agente

não poderá ser beneficiado dentro de um período de cinco anos, mais de uma vez, com

as medidas despenalizadoras.

A proposta de transação penal, com a cumulação de restrição de direitos, é

medida que, para ser adotada, deve preencher na sua totalidade aqueles critérios de

necessidade e suficiência. No entanto, impõe sanção especial sem os efeitos

decorrentes de uma sentença penal condenatória; por outra lado, submete o autor do

fato a restrições de direitos, que, uma vez desrespeitadas, a instauração do processo e

prolação da sentença penal, com todas as conseqüências daí emergentes.

Tanto a transação como a suspensão do processo são institutos com os quais

o legislador procurou atenuar as conseqüências jurídicas dos ilícitos penais e se

fundam num juízo de suficiência, que não prescinde da verificação da biografia do

possível beneficiário.

A decisão que negar a homologação ao acordo será passível de inconformismo

com a utilização do recurso de apelação, previsto excepcionalmente para esta decisão

interlocutória, nos termos do artigo 75, § 5º, da Lei 9.099 de 1995.

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1.3. Natureza Jurídica da Transação Penal

Com base nas regras constitucionais, a Lei 9.099 de 1995 mitigou os princípios

da obrigatoriedade e da legalidade, seja pela possibilidade de aplicação imediata da

sanção especial, não privativa de liberdade, na fase preliminar (artigo 72) e mesmo

depois de instaurada a instância penal (artigo 81), seja pela adoção da suspensão

condicional do processo, sempre por intermédio de proposta do Ministério Público 10 e,

como conseqüência, com a anuência das partes.

Nesse sentido, ensina Ada Pellegrini Grinover:

Ao verificar o procedimento a ser aplicado nesta fase preliminar,

com a aplicação imediata de pena, sem que, para tanto, seja

instaurado o devido processo legal, inafastável a preocupação

com eventual lesão ao princípio do NULLA POENA SINE

JUDICIUM. Inicia-se, em contrapartida, uma perquirição quanto à

natureza desta proposta e da própria medida dela resultante 11.

Destaca-se que, se a medida cumulada com a proposta do Promotor de

Justiça, submetida à transação e posterior homologação judicial, for considerada

sanção penal em sentido estrito 12, se deve buscar como razoável critério de

interpretação, alguma forma de equiparação da indigitada proposta à denúncia, como

meio de se assegurar uma forma especialíssima de procedimento legal e o

conseqüente resguardo do devido processo legal.

10 Consenso e transação 11 Multa e restrição de direitos 12 Na exposição de motivos que acompanhou o projeto 1.480/89, está consignado, expressamente, que: a sanção

tem natureza penal, mas sem reflexos na reincidência... (GRINOVER, ada pellegrini.Novas tendências do direito

processual de acordo com a constituição de 1988. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 407

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Nesse sentido, quanto a sentença homologatória da transação penal, terá que

seguir a ordem de natureza condenatória, Assim, é importante que tanto na proposta

quanto na transação propriamente dita, seja sinalizada a capitulação delitiva a ser dada

pelo Ministério Público, para que o suspeito possa tecer um juízo de prelibação quanto

à viabilidade de sua aceitação.

Sobre a natureza jurídica da decisão que homologa a transação penal, Luiz

Cláudio Silva e Franklyn Alves Silva entende que:

Trata-se de sentença condenatória própria, pois não obstante

tratar-se de uma composição de pena proposta pelo

representante do Ministério Público e aceita pelo autor do fato,

tem conteúdo condenatório, pois é imposta uma pena que deverá

ser cumprida pelo autor do fato, sob pena de execução penal.

O fato de a sentença que homologa a transação penal não produzir os efeitos

secundários da sentença penal condenatória comum, tais como o lançamento do nome

do réu no rol dos culpados, reincidência , bem como efeito civil, não impede que seus

efeitos primários sejam produzidos, pois ao autor do fato é imposto o cumprimento de

uma pena restritiva de direito, prestação de serviços à comunidade, fornecimento de

cesta básica e/ou multa 13.

No entender de Afrânio da Silva Jardim o Ministério Público, ao oferecer

proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, está exercendo a ação

penal, ainda que de maneira informal 14.

13 SILVA, LUIZ CLAÚDIO; SILVA, FRANKLYN ROGER ALVES. MANUAL DE PROCESSO E PRÁTICA PENAL. RIO DE JANEIRO: FORENSE, 2009, P. 116. 14 JARDIM, Afrânio Silva. Os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade nos juizados especiais criminais, boletim do instituto brasileiro de ciências criminais 04(48):04, novembro de 1996.

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No entendimento de Ada Pellegrinni Grinover:

A transação penal possui natureza jurídica mista, ou seja, tem natureza

processual e penal ou material. Processual, porque a aplicação imediata de pena

alternativa produz efeitos diretos dentro da fase preliminar (impedindo a sua

instauração) ou do processo ( extinguindo-o) e, penal, porque a transação afasta a

pretensão punitiva estatal original 15.

Vale ressaltar que, a legislação processual em determinadas situações, adquiri

caráter de lei substantiva. Dessa forma, verifica-se a presença de normas processuais

penais materiais16, que admitem natureza jurídica mista às normas que produzem de

forma dupla efeitos penais e processuais.

Conforme argumentos extraídos dos ilustres doutrinadores supracitados,

entendem que a natureza jurídica da transação penal, configura-se como sendo de

algumas modalidades.Deste modo, podemos perceber que a natureza jurídica da

sentença que homologa a transação penal assume posição ora condenatória, sentença

meramente homologatória e ainda também declaratória.

15 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. op. cit. p.45 16 JUNIOR, Joel Dias Figueira; LOPES, Maurício Antonio ribeiro. op. cit. p. 616

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CAPÍTULO II

DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Este capítulo analisa a evolução dos Juizados Especiais, a definição das

infrações de menor potencial ofensivo, os princípios informadores e sua competência.

2.1. Origem Legislativa

A evolução dos Juizados Especiais iniciou-se no início do ano de 1980,

através dos Conselhos de Conciliação e arbitramento, modelo aprovados pelos

magistrados do Estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, esses órgãos não possuíam

reconhecimento legalizado, ou seja, não configuravam um papel na jurisdição. No

entanto, tal modelo foi considerado bastante vantajoso, conseguindo efetuar uma

quantidade considerável de conciliação, o que motivou a sua regulamentação.

Nesse contexto, a Lei Federal nº 7.244/84 foi criada regulamentando os

Juizados de Pequenas Causas para julgar processos de menor monta (até 20 salários

mínimos). Apresentava como critério, a fixação da competência dos Juizados

considerando o valor da causa.

Com o bom aproveitamento dos Juizados Especiais de Pequenas, esses

órgãos foram rapidamente implantados em todo o Brasil. Os indivíduos através da

mídia descobriram que o acesso a prestação jurisdicional poderia ser célere e

econômica.

Explica Luís Felipe Salomão que:

A estrutura era precária,com carência material e de pessoal,

sendo que o juiz, via de regra,acumulava outras funções na

justiça comum. Ainda assim, enfrentando vários problemas

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estruturais, os Juizados de Pequenas Causas sempre foram

citados como exemplos de boa administração de justiça.17

Através do advento da Constituição de 1988, foi determinada a criação dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais com base em seu artigo 98, Inciso I, da

CRFB/88, que dispõe:

"A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e nos Estados

criarão:"

I - juizados especiais, providos por juízes togados e leigos,

competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de

causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de

menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e

sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a

transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de

primeiro grau;

Diante da previsão do dispositivo retro, verifica-se uma grande evolução na

busca pelo maior acesso a justiça. Seja no âmbito criminal ou cível, configuram um

modo de resolução de conflito célere. Especificamente no que se refere a matéria

criminal, os juizados deram fim ao inquérito policial para os crimes de menor potencial

ofensivo.

Nesse contexto, o Estado de Santa Catarina criou os Juizados Especiais

Cíveis, regulamentando seu funcionamento e prevendo as questões de menor

potencial. Seguindo esse passo, o Estado do Mato Grosso de Sul também criou seus

Juizados Especiais Criminais, entendendo a questão de exclusividade da União.

Para regular o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, foram propostos seis

projetos na Câmara Federal, sendo o de conteúdo criminal, teve como autor o então

17 Salomão, Luís Felipe. ROTEIRO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 31.

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deputado Michel Temer, oriundo de proposta da Associação Paulista dos Magistrados

(APAMAGIS) e do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Na justificativa do então deputado Michel Temer ao apresentar o Projeto de Lei

1.480, em 16.02.1989, salientou-se que :

A norma constitucional que determina a criação de juizados

especiais para as denominadas infrações penais de menor

potencial ofensivo, com características fundamentais que indica,

obedece à imperiosa necessidade de o sistema processual penal

brasileiro abrir-se às posições e tendências contemporâneas, que

exigem sejam os procedimentos adequados à concreta efetivação

da normalidade.18

Ada Pellegrini Grinover entende que a Lei nº9.099/95 trouxe medidas

despenalizadoras, no seguinte contexto:

A Lei 9.099/95 não cuidou de nenhum processo de

descriminalização, isto é, não retirou o caráter ilícito de nenhuma

infração penal. Mas disciplinou, isso sim, quatro medidas

despenalizadoras (que são medidas penais ou processuais

alternativas que procuram evitar a pena de prisão): 1ª) nas

infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou

pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a

punibilidade (art.74, parágrafo único); 2º) não havendo

composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a

lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou

multa, transação penal, art.76); 3º) as lesões corporais culposas

ou leves passaram a exigir representação da vítima (art.88); 4º) os

18 DIÁRIO DO CONGRESSO (Seção I), terça-feira,10.07.1990, p. 8.426.

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23

crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a

suspensão condicional do processo(art.89). O que há de comum,

pelo menos no que tange a três desses institutos

despenalizadores, é o consenso ( a conciliação).19

Nesse sentido, foi definitivamente instalado um novo sistema consensual,

bastante diferente do então utilizado para os delitos de menor potencial ofensivo.

Promovendo assim, de forma mais célere, o acesso a justiça.

2.2. Definições Das Infrações De Menor Potencial Ofensivo

Nos termos do artigo 61 da Lei nº 9.099/95:

art.61. Consideram-se infrações penais de menor potencial

ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os

crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois)

anos, cumulada ou não com multa.

No entanto, passaram a ser de menor potencial ofensivo:

a) todos os crimes a que a lei comine pena privativa de liberdade ( reclusão ou

detenção) máxima não superior a dois anos, independentemente de ser ou não

cumulada com multa;

b) todas as contravenções penais, qualquer que seja o seu procedimento,

especial ou não.

19 GRINOVER, Ada Pellegrini et al; Juizados Especiais Criminais:comentários à Lei 9.099/95. 4. ed. rev. atual. de acordo com a Lei 10.259. São Paulo:Revista dos Tribunais,2002, p.38.

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24

O fato de o crime ser submetido a procedimento especial também não deixa de

ser, por isso, de menor potencial ofensivo. Destaca-se que a condição do réu não influi

na competência do juizado. A infração não deixará de ser considerada de menor

potencial ofensivo só porque,por exemplo: o réu é reincidente. Nesse caso, não terá

direito à transação penal ou à suspensão condicional do processo, mas o rito

continuará sendo o da Lei dos Juizados Especiais, ou seja, o procedimento

sumaríssimo.

Ressalta-se que, não se aplica o rito a Lei nº 9.099/95 aos seguintes casos:

a) crimes militares (art. 90-A da Lei 9.099/95;

b) crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher,

independentemente da pena máxima cominada ao delito (art.41 da Lei nº11.340/2006):

assim, ainda tratando-se de lesão corporal leve ou culposa praticadas no ambiente

doméstico ou familiar contra a mulher são inaplicáveis tanto o procedimento

sumaríssimo quanto os benefícios despenalizadores da Lei nº 9.099/95, quer sejam, a

transação penal e suspensão condicional do processo. Ilustra-se o estudo em tela com

as jurisprudências a seguir apresentadas:

TJ-RS - Mandado de Segurança MS 70055802490 RS (TJ-RS)

Data de publicação: 27/08/2013

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLÊNCIA DOMESTICA. VIAS DE FATO.

CONTRAVENÇÃO PENAL. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099 /95. INTELIGÊNCIA

DO ARTIGO 41 DA LEI MARIA DA PENHA . O art. 41 Lei 11.340 /06 deve receber

interpretação extensiva, no sentido de que não se aplicam as disposições da Lei 9.099

/95 às infrações penais praticadas no âmbito da violênciadoméstica ou familiar,

compreendendo-se tanto o crime como a contravenção penal. E isso ocorre porque a

legislação em tela visa proteger a integridade física e psíquica da mulher, coibindo-se

a violência doméstica e familiar, fazendo-se com que fatos considerados até o advento

da Lei 11.340 /06 de pequena ofensividade não mais sejam levados aos Juizados

Especiais Criminais, tendo em vista a relevância da proteção dada à mulher.

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25

CONCESSÃO DA SEGURANÇA. LIMINAR RATIFICADA. POR MAIORIA. (Mandado

de Segurança Nº 70055802490, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Francesco Conti, Julgado em 21/08/2013)

TJ-DF - Peticao PET 20140020222768 DF 0022417-87.2014.8.07.0000 (TJ-DF)

Data de publicação: 01/12/2014

Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO

PENAL DE VIAS DE FATO COMETIDOS SOB O CONTEXTO DA VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. APLICAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 41 DA

LEI Nº 11.340/2006 EM CONSONÂNCIA À NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ

A PROTEÇAO À MULHER. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE. 1. Segundo atual

posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4424, o art. 41 da

Lei 11.340/06 veda a adoção do procedimento previsto na Lei nº 9.099/95 aos crimes

praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, também está

alcançada a proibição de se aplicar a Lei dos Juizados Especiais a contravenção penal

ocorrida no âmbito familiar. 2. Reclamação julgada procedente para cassar a decisão.

TJ-PA - HABEAS CORPUS HC 201330000170 PA (TJ-PA)

c) quando não for encontrado o réu para ser citado (art.66, parágrafo único, da Lei nº

9.099/95): o fato de o réu não ser encontrado para ser citado só impede a aplicação do

rito sumaríssimo, devendo ser aplicado, então, o procedimento sumário previsto no

CPP. Não obstante, os benefícios despenalizadores podem ser concedidos ao acusado

que, após a citação por edital, compareça a juízo para responder a demanda, como a

transação penal (art.76 da Lei nº 9.099/95) e a suspensão condicional do processo

(art.80 da Lei nº 9.099/95);

O doutrinador Júlio Fabrinni Mirabete ressalta que a LEI 10.259/01 ampliou o conceito

de infrações de menor potencial ofensivo:

Com a nova definição, ficou derrogado, em parte, o art. 61 da Lei

9.099/95. Em primeiro lugar, houve derrogação tácita nos termos

do art. 2º, § 1º, da LICC, pois a lei posterior de mesmo nível

hierárquico conceitua de forma diversa o objeto, ou seja,

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"infrações de menor potencial ofensivo". Ainda que assim não

fosse, por ressaltar a lei nova que o referido conceito é restrito ao

âmbito da Justiça Federal, é patente que a derrogação ocorre por

aplicação do princípio constitucional da isonomia previsto no art.

5º, caput, da Constituição Federal. Não se pode admitir

diferenciação no tratamento penal para a mesma espécie de

infração penal apenas em decorrência da competência para julgá-

la. Inadmissível, por exemplo, que o autor do crime de desacato

contra autoridade federal tenha direito público subjetivo ao

instituto da transação penal, benefício negado ao agente do

mesmo ilícito contra funcionário estadual.20

d) impossibilidade de formulação da denúncia oral, em razão da complexidade ou

circunstância do caso, conforme dispõe o art. 77, §2º, da Lei nº 9.099/95;

e) concurso material, formal ou crime continuado, quando a soma das penas máximas

cominadas, no concurso material, ultrapassar 2 anos, ou quando, nas hipóteses de

concurso formal e crime continuado, a soma da pena máxima cominada, com o

acréscimo legal obrigatório, em seu quantum máximo, também ultrapassar 2 anos.

Ressalta-se que a Lei nº11.313/06, além de alterar a redação do art.61 da Lei nº

9.099/95, modificou a redação do art. 60, caput, desta lei e lhe acrescentou um

parágrafo único, nos seguintes termos:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por

juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a

conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de

menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e

continência.

Parágrafo único: Na reunião de processos, perante o juízo

comum ou tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de

20 MIRABETE, Julio Fabrinni. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. São Paulo: Atlas, 2002, p.26.

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conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação

penal e da composição dos danos civis.

Com base nos dispositivos legais supracitados, havendo conexão ou

continência entre uma infração de menor potencial ofensivo e outra de maior gravidade,

cessa a competência do Juizado Especial Criminal, devendo o processo correr no

Juízo Comum ou do Júri, sem prejuízo da possibilidade de concessão de transação

penal e da composição dos danos civis neste último Juízo, que pode ser o Juízo

Comum ou do Tribunal do Júri. O doutrinador Luiz Flávio Gomes, expressa que:

No juízo Comum ou do Júri não se deve, de plano, propor

denúncia ou queixa quanto à infração de menor potencial

ofensivo, mas apenas em relação à infração de maior gravidade

e, simultaneamente, fazer proposta de transação para a infração

de menor potencial ofensivo, ou fundamentar a recusa de

proposta de transação, com base nas causas impeditivas da

transação, constantes do art. 76 da Lei nº 9.099/95; caso não haja

transação ou composição dos danos civis, em caso de ação

privada ou pública condicionada à representação, deve a parte

autora aditar a peça acusatória, pode fazê-lo oralmente,

reduzindo-se tudo a termo, para dela constar a infração de menor

potencial ofensivo.

Na hipótese de concurso material entre infrações de menor potencial ofensivo,

em que a soma das penas mínimas delas ultrapasse dois anos, a competência do

Juizado Especial Criminal também cessa, devendo o processo correr no Juízo Comum

ou do Júri, cujo rito será ordinário, sumário ou especial, a depender do caso, mas sem

prejuízo também da possibilidade de transação e da composição dos danos civis, antes

da propositura da ação penal.

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2.3. Princípios Informadores

Nos Juizados Especiais Criminais, os processos serão orientados pelos

seguintes princípios: princípio da oralidade, princípio da informalidade, princípio da

economia processual e o princípio da celeridade.De acordo com os ilustres

doutrinadores Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly tais regras buscam:

A reparação do dano causado e alternativas para a substituição

das penas privativas de liberdade, bastante aplicadas, que

segundo com tendência para as modernas teorias de

descriminalização e restrita tutela Estatal nas relações humanas,

em nítida reação a um direito penal excessivamente

intervencionista, emocional, já que editado na época de

acontecimentos emergentes, no entanto, isolados, e simbólico, já

que não corresponde à efetiva concretização de um mínimo

anseio de paz social.21

O princípio da oralidade consiste em ser os atos praticados oralmente, ou seja,

é recomendado que prevaleça o uso da palavra falada, pois essa forma é a mais

condizente com a rapidez esperada nesta seara processual.

O princípio da informalidade significa que, dentro da lei, poderá haver dispensa

de algum requisito formal, desde que, essa supressão não acarrete prejuízos e nem

comprometa o interesse jurídico tutelado.

O princípio da economia processual, significa, a tentativa de poupar,

economizar e não desperdiçar tempo no trânsito do processo, bem como nos

respectivos atos processuais.

21 DEMERECIAN, Pedro Henrique;MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 32.

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O princípio de celeridade tem por objetivo viabilizar o rápido e efetivo resultado

de forma mais rápida. É um cumprimento mais eficaz aplicado a esse procedimento de

natureza sumaríssima.

A Lei n.º 9.099/95 que regulamentou os Juizados Especiais Criminais expressa

em seu art.62 que o processo deve se orientar pelos princípios supracitados. Destaca-

se como a mais nítida manifestação da informalidade a audiência preliminar, art. 72, no

qual o autor do fato, vítima e representante do Ministério Público estarão reunidos e,

sem quaisquer regras preestabelecidas, serão esclarecidos pelo Magistrado, num

primeiro momento, acerca da possibilidade da composição de danos, que

determinadas hipóteses acarretará a extinção da punibilidade e, num segundo

momento, será aberto espaço à formulação da proposta do Ministério Público, em torno

do qual será possível uma informal discussão, objetivando a transação.

Nesse momento, o Ministério Público poderá condescender no seu poder-dever

de instaurar a instância penal e o autor do fato poderá aceitar a aplicação imediata de

uma sanção especial, mesmo sem a comprovação da culpabilidade, com regras de

conduta de caráter inflitivo, mas despidas de censura ético-jurídica.

Contundo, é necessário verificar o alcance do princípio da informalidade, para

que, em nome desta, não venham a ser sacrificadas as garantias maiores do acusado

no processo penal.

Como salienta o doutrinador Cândido Rangel Dinamarco:

A grande discricionariedade deixada ao aplicador do sistema

exige, porém, a sua familiaridade com as diretrizes básicas do

processo das pequenas causas, ao lado de sólida visão dos

princípios do direito processual, que constituirão o seu norte. Ele

dará aos atos do processo as formas que convierem em cada

caso, sempre atento ao escopo de cada um, e atendidas as

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exigências de segurança das partes, sua igualdade e amplas

possibilidades de participação em contraditório.22

Observe-se, portanto, que não estará o Juiz isento de observar um mínimo de

formalidades essenciais para a prática de determinados atos processuais, de modo a

resguardar os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido

processo legal.

No mesmo contexto da informalidade, ou seja,buscando dar celeridade ao

procedimento das infrações de menor potencial ofensivo, a Lei n.º 9.099/95 adotou

expressamente o princípio da economia processual onde se busca ao aproveitamento

dos atos praticados, desde que alcançados seus objetivos e resguardadas as garantias

fundamentais do cidadão.

A Constituição Federal determinou como regra, a publicidade dos atos

processuais, excetuando sua realização de forma limitada, quando a defesa da

intimidade ou o interesse social assim o exigirem, conforme dispõe o art. 5º, inciso LX,

CRFB/88. Essa regra de publicidade, que tem uma justificação eminentemente política,

manifestando-se como autêntica conquista do pensamento liberal, deve ser

compreendida, no entanto, no aspecto substancial e não apenas formal. O inciso LX

do art.5º da CRFB/88 dispõe que: " a lei só poderá restringir a publicidade dos atos

processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

No entender do doutrinador Rogério Lauria Tucci, se manifesta escrevendo

que:

Essa regra, além de imprescindível ao devido processo legal, é

também determinante, em regra, da regularidade dos atos

processais, pois garante ao interessado um "iter procedimental

22 DINAMARCO, Cândido Rangel. MANUAL DAS PEQUENAS CAUSAS. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 53.

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escorreito de qualquer vício", atendendo à indeclinável aspiração

de uma justiça transparente.23

O Juiz não exerce dentro do processo qualquer compromisso pessoal, o

processo não lhe pertence e nem pode ser encarado unicamente como instrumento

para sua realização pessoal. Essa atividade estatal que nele se desenvolve tem por

destinatário a própria sociedade, que exige a excelência dos serviços. A maneira mais

adequada para resguardar esse direito é por meio da publicidade dos julgamentos, que

só é atingida no processo oral.

A publicidade da atividade jurisdicional, no entanto, não pode significar que um

julgamento realizado nesses termos estará sujeito ao clamor público.

Além dos mencionados princípios, sempre que possível, objetivar-se-á a

reparação dos danos sofridos pela vítima, como determina o artigos 72 e 74 da Lei nº

9.099/95, e a aplicação de pena não privativa de liberdade, como expressa os artigos

72 e 76 da Lei n.º 9.099/95.

ART. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do

Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o

responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz

esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da

aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não

privativa de liberdade.

ART. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e,

homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia

de título a ser executado no Juízo Civil competente.

ART. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de

ação penal pública incondicionada, não sendo caso de

arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação

23 TUCCI, Rogério Lauria. DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 239.

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imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser

especificada na proposta.

Destaca-se ainda que, a Lei nº 9.099/95 não estabeleceu qualquer medida

descriminalizadora, uma vez que, não excluiu o caráter ilícito da infração penal.O que

a lei em questão fez, foi promover quatro medidas despenalizadoras, ou seja,

alternativas que objetivam não aplicar a pena privativa de liberdade. Essas medidas se

caracterizam da seguinte forma:

a) com a composição civil dos danos ocorrerá a extinção da da punibilidade;

b) se não houver a composição civil dos danos ou se tratar de ação penal

pública incondicionada, a lei prevê a possibilidade de aplicação de pena alternativa,

restritiva ou multa. A transação penal consiste em concessões mútuas entre as partes

e os partícipes e será dirigida por Juiz ou conciliador;

c) as lesões corporais culposas ou leves passaram a exigir a representação da

vítima, conforme dispõe o artigo 88 da Lei n.º 9.099/95, é uma medida despenalizadora

no sentido de que, ao condicionar-se a ação penal à representação, dificulta-se a

aplicação da pena privativa de liberdade, pois se o ofendido não representar é

impossível a instauração da ação penal, por falta de procedibilidade da ação penal. A

renúncia ou a decadência do direito de representação leva à extinção da punibilidade;

d) suspensão condicional do processo, como dispõe o artigo 89 da Lei n.º

9.099/95, nos crimes em que a pena mínima não seja superior a um ano, será admitida

a suspensão condicional do processo, sob determinadas condições e durante certo

período de prova. Se expirar o período de prova sem que tenha havido a revogação do

benefício, será declarada a extinção da punibilidade.

2.4. Competência

Em relação aos Juizados Especiais Criminais, o primeiro critério de fixação da

competência se dá em razão da natureza do delito, ou seja, as infrações de menor

potencial ofensivo.

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O artigo 61 da Lei n.º 9.099/95, define as infrações penais de menor potencial

ofensivo.

ART. 61. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo,

para os efeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a

que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos,

cumulada ou não co multa.

A Lei Federal respeitando a competência da União para legislar sobre Direito

Penal e Processual Penal, definiu quais são as infrações de menor potencial ofensivo,

como mencionado no artigo supracitado.

2.4.1. Das Contravenções Penais

Damásio Evangelista de Jesus explica que :

O art.61 da Lei nº 9.099/95 disciplina a conceituação de crimes de

menor potencial ofensivo para efeito da competência dos

Juizados Especiais Criminais. O art. 94 do Estatuto do Idoso

disciplina a espécie de procedimento aplicável ao processo e não

as infrações de menor potencial ofensivo. Temos, pois,

disposições sobre temas diversos, cada uma impondo regras

sobre institutos diferentes, sendo incabível a aplicação do

princípio da proporcionalidade.24

24 JESUS, Damásio evangelista de. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. 10º ED. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p.14.

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O que primeiramente pode-se analisar e extrair do artigo da lei citada, tal como

expresso, é que qualquer contravenção penal, seja qual for a quantidade de pena

cominada em abstrato, estão sujeitas ao Juizado.

2.4.2. Dos crimes com pena máxima não superior a dois anos, cumulada

ou não com multa

Quanto aos crimes, estão abrangidos todos aqueles cuja pena máxima não

ultrapassar dois anos, apenados com detenção ou com reclusão, já que a lei não

diferenciou a qualidade da pena.

A cumulação da pena prisional com multa, por seu turno, não tem mais

relevância para os fins de conceituar a questão da infração penal de menor potencial

ofensivo, conforme a atual redação do art.61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais,

dada pela Lei n.º 11.313/2006.

Destaca-se que, a regra penal não prevê de forma expressa o máximo e o

mínimo da pena, utilizando-se de expressões como um terço, um sexto, o dobro, a

metade etc.

Na parte geral do Código Penal, dentre outras, encontramos as seguintes

causas de aumento e diminuição: a figura tentada do crime, prevista no art. 14, inciso II

e parágrafo único; no estado de necessidade, quando era razoável exigir-se o sacrifício

do direito ameaçado (art.24, § 2º do CP); a semi-imputabilidade (art.26, § único do CP).

Já na parte especial, em meio a outras hipóteses: lesão corporal culposa agravada

pelas circunstâncias do § 7º do art. 129 do CP ou privilegiada pelas condições do § 4º

do mesmo artigo; omissão de socorro, quando se verifica o resultado morte ou de lesão

corporal de natureza grave (art. 135, parágrafo único).

No que se refere a tentativa, para efeito de inserção ou não na competência

dos Juizados Especiais Criminais, observa-se que a redução a ser considerada deve

ser mínima, uma vez que, o máximo da pena em abstrato cominada para um crime

tentado. O mesmo raciocínio deve ser aplicado às demais causas.

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Quanto as agravantes, estas não são consideradas, uma vez que, não

aumentam a pena além do máximo. Entretanto, as atenuantes devem ser verificadas

no ato da elaboração da proposta de transação, por estabelecer a redução do limite

máximo da pena cominada em abstrato.

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CAPÍTULO III

SITUAÇÕES ONDE A TRANSAÇÃO PENAL É

ACOLHIDA

Este capítulo analisa a possibilidade da aplicação da transação penal nas

diversas leis nacionais. Será abordada a transação penal na esfera privada, no Código

de Trânsito Brasileiro, nos crimes ambientais e também analisar os reflexos do

descumprimento do instituto.

3.1. Transação Penal Na Esfera Privada

Parte da doutrina entende não ser possível considerar o oferecimento de

proposta de transação penal para infrações de caráter exclusivamente privada, ou seja,

para os delitos cuja persecução penal somente se procede mediante queixa. Destaca-

se inicialmente, que o próprio artigo 76 da Lei nº 9.099 de 1995, quando cuida da

transação, refere-se, exclusivamente, à ação penal pública incondicionada ou

condicionada à representação.

Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly explicam que não é possível a

transação penal no âmbito privado pelo seguinte motivo:

A transação é medida despenalizadora consubstanciada na

mitigação da legalidade ou obrigatoriedade do poder-dever de

instaurar a ação penal. Ora, como é cediço, para os delitos de

alçada exclusivamente privada cabe ao ofendido, ou quem

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legalmente o represente, a seu talante, dentro da mais absoluta

discricionariedade, propor ou não a queixa.25

Os autores citando Frederico Marques ainda argumentam que, a ação penal,

nessa hipótese, é dispositiva. Nunca se objetivou ao ofendido a possibilidade de acordo

e conciliação com o autor do fato, o que fica evidente pelos institutos da renúncia,

perdão, perempção e pela conciliação de que trata o artigo 520 do CPP.26

Júlio Fabbrini Mirabete também entendendo pela não aplicação da ação penal

na esfera privada, argumenta que:

O ofendido somente é titular do jus persequendi in judicio, que é

apenas dar início a persecução penal, e, por isso, não entende

possível que ele proponha a aplicação de uma pena, pois

permitiria à vítima transacionar sobre sanção penal, sendo que o

titular do jus puniendi é o Estado.27

Dessa forma, os autores supracitados não entendem ser correto atribuir ao

Ministério Público o poder de dispor de um direito de ação do qual ele não é titular e

para cuja propositura não tem legitimidade.

Também de entendimento contrário a transação penal na iniciativa privada,

Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly ensina que:

25 DEMERECIAN, Pedro Henrique; MALULY, JORGE Assaf, op.cit, p. 452 26 MARQUES,Frederico apud DEMERECIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf, op. 27 MIRABETE, Júlio Fabbrini,JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: comentários, jurisprudência, legislação. 3. ed. São Paulo, Atlas, 1998, p. 88

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O legislador não previu o oferecimento de proposta por parte do

querelante, porque este não é detentor do jus puniendi estatal e

também porque na ação de natureza privada devem ser

observados os princípios da oportunidade e disponibilidade, sem

qualquer mitigação, ou seja, apenas ao ofendido cabe o exame da

conveniência da propositura e prosseguimento da ação penal,

sem quaisquer limites.28

A proposta, de outro lado, está intimamente ligada à discricionariedade

controlada ou regulada, deferida excepcionalmente ao Ministério Público.

Em sentido contrário, Ada Pellegrini ensina que:

O legislador se restringindo às ações públicas porque

possivelmente [...] tal ato de disponibilidade parcial se coadunaria

com os poderes do substituto processual , que em nome próprio

defende o interesse público à persecução penal, ou seja,os

poderes da vítima e do Ministério Público se confundiriam. Os

mesmos autores prevêem tal possibilidade quando da idéia de

que a vitíma não estaria apenas em juízo em busca da reparação

de seus danos civis, mas também, de uma punição penal do

ofensor, pelo que, então, não seria plausível dar à vitíma somente

duas alternativas imediatas:

[..[ apresentar queixa, para o exercício da ação penal, como

substituto processual, ou quedar-se inerte, não dando margem à

persecussão penal (renunciando).29

28 DEMERECIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf, op. cit. p. 453. 29 GRINOVER, Ada Pellegrini, JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: COMENTÁRIOS À LEI 9.099 DE 26.09.1995. ED. REV. ATUAL. E AMPL. SÃO PAULO: RT, 2005, P. 150

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Assim como a autora retro, os tribunais apresentam decisões favoráveis a

transação penal na esfera privada, como se verifica nos julgados abaixo:

HABEAS CORPUS. LEI 9.279/96. CRIME DE

CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO PENAL PRIVADA.

TRANSAÇÃO PENAL. CABIMENTO. ORDEM

CONCEDIDA.

1. Enquanto resposta penal, a transação penal disciplinada no

artigo 76 da Lei nº 9.099 de 1995 não encontra óbice de

incidência no artigo 61 do mesmo Diploma, devendo, como de

fato deve, aplicar-se aos crimes apurados mediante procedimento

especial, e ainda que mediante ação penal exclusivamente

privada ( Precedente da Corte). Ordem concedida para assegurar

a aplicação da transação penal no processo em que se apura

crime de concorrência desleal.

A Lei nº 9.099 de 1995 aplica-se aos crimes sujeitos a

procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos

autorizadores, permitindo a transação penal e a suspensão

condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa

exclusivamente privada. ( STJ .Confl. Comp. 30164/MG, Rel. Min.

Gilson Dipp, em 13.12.01)

.

É possível a transação penal privada, se o autor fato satisfaz os

requisitos legais. A transação penal é instituto inovador e que

deve ser prestigiado pelo Judiciário independentemente da

legitimidade ativa para a ação ou a sua titularidade ou da vontade

do querelante ou do Ministério Público. (Turma Recursal de Belo

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Horizonte, Rec. 10078, Rel. Juiz Eli Lucas de Mendonça, em

30.09.98).

Nesse contexto, ainda que se admita a incidência da medida despenalizadora

do artigo 76 da Lei nº 9.099 de 1995 na ação penal privada, por analogia in bonan

partem, como destacam os julgados supracitados, não incumbiria ao Ministério Público

propô-las, mas sim ao querelante, que é o único que pode voluntariamente dispor da

ação, como o seu titular.

3.2. Transação Penal no Código de Trânsito Brasileiro

Com o objetivo de atender critérios próprios do legislador de prevenção geral e

de mitigação da obrigatoriedade da ação penal, o Código de Trânsito Brasileiro, no

parágrafo único do artigo 291 ( redação dada pela Lei nº 11.705/08), admite a

transação penal ao crime de lesão corporal culposa na direção de automotor (artigo

303 da Lei nº 9.503/97 ( Lei do Código de Trânsito Brasileiro), exceto se praticado sob

a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine

dependência; se decorrer de participação, em via pública, de corrida, disputa ou

competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de

veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; ou, ainda, se o

motorista estiver imprimindo ao seu veículo uma velocidade superior à máxima

permitida para a via em 50 Km/h).

Assim, preceitua o artigo 291 do Código de Trânsito Brasileiro que:

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos

automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas

gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este

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Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099

de 1995, no que couber.

§ 1º. Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o

disposto nos artigos 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099 de 1995, exceto

se o agente estiver:

I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância

psicoativa que determine dependência;

II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição

automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em

manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade

competente;

III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a

via em 50 Km/h.

§ 2º. Nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, deverá ser

instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal.

A expressa previsão de aplicação das medidas despenalizadoras da Lei nº

9.099 de 1995, que são a transação penal e suspensão condicional do processo, para

o crime de lesão corporal culposa de trânsito é desnecessária, porque a atual redação

do artigo 61 da Lei nº 9.099 de 1995 considera infração penal de menor potencial

ofensivo os crimes a que a Lei comine pena máxima não superior a dois anos,

cumulada ou não com multa, e esse delito culposo de trânsito não é apenado com uma

sanção superior a dois anos, inserindo-se, assim, no conceito de infração penal de

menor potencial ofensivo. Conseqüentemente, está sujeito à competência do Juizado

Especial Criminal, à elaboração do termo circunstanciado e ao procedimento

sumaríssimo, que é o procedimento adotado pelo referido Juizado.

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Nesse sentido, argumenta Cezar Roberto Bitencourt:

Por isso, como a composição cível prevista no artigo 291,

parágrafo único, do CTB não tem nenhuma vedação

constitucional e, ainda, ratifica uma política de valorização da

vítima, que fora iniciada com a Lei nº9.099/95, com ótimos

resultados, aplaudimos o acerto dessa cominação legal, mesmo

que as infrações relacionadas no dispositivo em exame não se

caracterizem como de menor potencial ofensivo.30

A regra em comento na hipótese do parágrafo único do artigo 303 do CTB, ou

seja, quando ocorrer o aumento de um terço da pena, pela verificação de quaisquer

das situações previstas no parágrafo único do 302 do CTB ( homicídio culposo). Nesse

caso, por não se tratar mais de infração penal de menor potencial ofensivo, se fará uma

investigação prévia no âmbito de um inquérito policial, e não temo circunstanciado, e

não se aplicará, o procedimento sumaríssimo da Lei nº 9.099 de 1995. Concluído o

inquérito, será designada a audiência preliminar e, restando infrutíferas a transação

penal e a conciliação, será dada a oportunidade para o Ministério Público oferecer a

denúncia escrita, seguindo-se, no mais, o procedimento comum sumário (artigo 531 do

CPP).

Também não se aplicará a transação penal, a composição cível e a suspensão

condicional do processo, nos termos do § 1º do artigo 291 do CTB que dispõe:

Quando o delito de lesão corporal de trânsito for praticado sob a

influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que

determine dependência; se decorrer de participação, em via

pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de

exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo

30 BITENCOURT. Cezar Roberto. NOVAS PENAS ALTERNATIVAS. Análise Político-Criminal da Lei nº 9.714/98. São Paulo. Saraiva. 1999, p. 188

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automotor, não autorizada pela autoridade competente; ou se o

motorista estiver imprimindo ao seu veículo uma velocidade

superior à máxima permitida para a via em 50 Km/h.

Nessas hipóteses de exclusão do rito sumaríssimo da Lei 9.099 de 1995,

deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal ( § 2º do

artigo 291 do CTB ).

Os demais tipos penais, incluindo-se os crimes de embriaguez ao volante e de

participação em competição não autorizada, para os quais o Código de Trânsito

Brasileiro preveja pena máxima não superior a dois anos, seguirão, por força do artigo

61 da Lei nº 9.099 de 1995, os comandos da Lei dos Juizados Especiais Criminais.

3.3 Transação Penal nos Crimes Ambientais

Assim como a Lei dos Juizados Especiais Criminais, a Lei dos crimes

ambientais também dá preferência à reparação do dano causado pela infração. Nesse

contexto, ampliou o rol das penas alternativas à privação da liberdade e alterou

parcialmente as medidas despenalizadoras já conhecidas, ou seja, a transação penal e

a suspensão condicional do processo.

No sistema da Lei nº 9.099/95, o Ministério Público poderá propor a transação

penal em toda as contravenções e nos crimes cuja pena máxima não exceda dois

anos, desde que o autor da infração:

a) não tenha sido condenado, pela prática de crime, à pena privativa de

liberdade, por sentença definitiva;

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b) não tenha se beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela

aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

c) seus antecedentes, a conduta social e a personalidade, bem como os

motivos e as circunstâncias da infração, demonstrem necessidade e suficiente da

adoção da medida do artigo 76, § 2º e incisos da Lei nº 9.099/95.

O artigo 27 da Lei de crimes ambientais ( Lei nº 9.605/98), além de todos esses

requisitos objetivos e subjetivos, condiciona a proposta de transação à prévia

composição do dano ambiental, ou seja, a existência de acordo entre o Ministério

Público e o infrator, que, uma vez homologado judicialmente, valerá como título

executivo judicial ( artigo 74 da Lei nº 9.099/95). Destaca-se não há necessidade da

reparação efetiva nesse momento, basta a existência de acordo nesse sentido.

A legislação, no entanto, não prevê a designação de audiência para a tentativa

de conciliação. Pedro Henrique Demecian e Jorge Assaf Maluly, entendem, "que é a

hipótese de se aplicar extensivamente a Lei dos Juizados Especiais Criminais, pois

não se exige que o acordo quanto à composição dos danos seja realizado perante o

juiz, basta que seja submetido à homologação".31

Se, por um lado, o legislador através da aplicação da transação penal buscou

atenuar as conseqüências jurídicas dos ilícitos penais, jamais deixou de aferir o juízo

de suficiência, que leva em conta a biografia do possível beneficiário e, mais do que

isso, principalmente na lei, as conseqüências do dano provocado.

A aplicação indiscriminada do instituto, mesmo quando se tratar de dano de

média monta, representará, para a sociedade, uma fonte adicional de indiferença

àquelas vulneram seus valores mais relevantes. Além disso, transformará esta espécie

de medida despenalizadora em um mero instrumento a serviço da reparação do dano.

De todo modo, a teor do artigo 27 da Lei de crimes ambientais,para esse

crimes de menor potencial ofensivo, a proposta de transação penal somente poderá ser

formulada pelo Ministério Público desde que tenha havido a prévia composição do

dano ambiental, de que trata o artigo 74 Lei dos Juizados, salvo em caso de

31 DEMERECIAN, Pedro Henrique e MALULY, Jorge Assaf. op. cit. p. 49

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comprovada impossibilidade. Dessa forma, a lei dos crimes ambientais introduziu mais

um requisito impeditivo para a transação penal.

3.4 Quanto ao Descumprimento da Transação Penal

Controvérsias giram em torno das conseqüências do descumprimento da pena

alternativa aceita pelo autor do fato e homologada pelo juiz. Várias correntes se

firmaram na tentativa de equacionar a questão:

a) não cumprida a transação penal, a pena restritiva de direitos imposta

converte-se em privativa de liberdade ( LEP, artigo 181,§1º, alínea c);

b) o descumprimento do acordo conduz à sua execução tão somente, é esta a

posição do STJ ( Superior Tribunal de Justiça);

c) descumprido o acordo, não pode ser iniciada a ação penal, nem tampouco

convertida a pena alternativa em pena privativa de liberdade, esse é o entendimento do

doutrinador Damásio de Jesus;

d) não sendo cumprida a pena restritiva de direitos, deve ser proposta a ação

penal, posição do STF ( Supremo Tribunal Federal).

Súmula vinculante 35 do STF dispõe que:

" A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei

9.099/95 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas

cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao

Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante

oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial."

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O Superior Tribunal de Justiça sustenta que a homologação da transação penal

se dá por sentença condenatória e que faz coisa julgada formal e material, impedindo a

instauração da ação penal no caso de descumprimento da transação, cabendo

somente a execução do acordo.

Conforme o doutrinador Damásio Evangelista de Jesus, entende que:

No caso de descumprimento da transação, é impossível a

conversão da pena alternativa em privativa de liberdade e

tampouco se pode dar início ou retomada da ação penal, pois não

há previsão legal para tanto. Mas, mesmo que fosse possível,

ficaria sem efeitos reais a transação, pois não teria um fim em si

mesma: feito o acordo, em nada importaria seu

descumprimento.32

Para o doutrinador Miguel da Silva Junior:

A finalidade do modelo consensual da justiça é principalmente a

reparação dos danos e a aplicação da pena não privativa de

liberdade, sobretudo porque não há assunção de culpa e

processo condenatório na aceitação. Impedida, pois, a conversão

por esses motivos. Bem assim, caberia ao juiz tão-somente

revogar a decisão homologatória, restando ao Ministério Público

32 JESUS, Damásio Evangelista de. op. cit. p. 76

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propor a ação penal ou requerer as diligências necessárias, vez

que já havia formado a opinio delicti.33

Um dos princípios orientadores dos Juizados Especiais Criminais é justamente

a não aplicação de pena privativa de liberdade. Pretendeu-se a instalação de um novo

modelo de justiça criminal, baseado no consenso, com forte cunho despenalizador e

ressocializador, afastando-se a incidência da pena privativa de liberdade, sobretudo a

de curta duração, em virtude de seus comprovados malefícios. Também não se extrai

do artigo 98, I, da CRFB/88, qualquer referência à possibilidade daquela conversão.

33 JUNIOR, Miguel da Silva Lei 9.099/95: descumprimento da pena imediata no estado democrático de direito. São Paulo: RT, 2000, p.550.

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CAPÍTULO IV

A Eficácia Da Transação Penal Diante Do Poder

Discricionário

4.1. Noções Acerca do Poder Discricionário

É o poder que confere ao administrador a capacidade de decidir sobre qual a

medida mais adequada à Administração, o que lhe permite valorar e escolher o

comportamento mais oportuno e conveniente à gestão dos interesses coletivos.

Assim como ocorre com o poder vinculado, a lei também traz requisitos para a

validade dos atos discricionários. Assim, a norma faculta à autoridade pública a

liberdade de optar entre diversas condutas, podendo, pois, deliberar acerca da

execução do ato, podendo até mesmo deixar de praticá-lo se assim o exigir o bem

comum.

A discricionariedade, apesar de estabelecer uma certa liberdade de ação para

o gestor público, não se constitui como um poder incondicionado, mas, ao contrário,

encontra limites fixados expressamente em lei. Ao violar tais preceitos, a autoridade

pública ultrapassa a discricionariedade e ingressa no âmbito da arbitrariedade,

tornando a sua atuação passível de sanções cíveis, administrativas ou criminais. Em

razão disso, os atos discricionários também são suscetíveis ao controle judicial quanto

aos aspectos de legalidade da conduta do agente público. Ao Judiciário é vedado,

apenas, imiscuir-se no exame da oportunidade e conveniência, ou seja, mérito do ato

administrativo, pois, neste caso, ter-se-ia a interferência de uma função estatal sobre

outra, o que violaria frontalmente a autonomia dos Poderes, consagrada pela

Constituição Federal de 1988 em seu artigo2º.

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4.2. Transação Penal: Poder Discricionário ou Direito Subjetivo

Uma das questões mais debatidas desde a edição da Lei 9.099 de 1995,

relaciona-se com a transação penal e a proposta do órgão do Ministério Público.

Entre as funções institucionais do Ministério Público está a de exercer,

privativamente, a ação penal pública. Trata-se, na realidade, de um poder-dever do

órgão ministerial, baseado na obrigatoriedade ou, mais corretamente, na legalidade,

em contraposição da oportunidade. No entanto, o constituinte ao dispor sobre os

Juizados Especiais, abriu a possibilidade de em determinadas hipóteses, o titular da

ação penal atenuar a obrigatoriedade quanto ao início ( oferecimento da transação

penal) ou prosseguimento da ação para propor a suspensão condicional do processo

nos casos cabíveis deste instituto despenalizador.

Dessa forma, na audiência preliminar, tentada a composição dos danos, passa-

se à proposta do Ministério Público e tem de aplicar-se, imediatamente, uma sanção

especial não privativa da liberdade, ou seja, multa ou restrição de direitos. A referida

proposta deve ser discutida informalmente com o suposto autor do fato, para que se

atinja a convergência de vontades, o consenso, a própria transação, que,

posteriormente, será submetida a controle judicial quanto à sua legalidade.

Nesse sentido, em face da necessidade de acordo entre as partes e

considerando que a ação penal é privativa do Ministério Público, não sendo possível o

juiz substituir-se ao titular da ação penal, transacionando com o suposto autor do fato.

O Promotor de Justiça, como titular da ação penal, quando busca uma transação penal,

abre mão de um poder que detém privativamente, isto é, o de oferecer a denúncia.

Nesse contexto, o Ministério Público abre mão de seu dever de oferecer a denúncia e

o réu aceita o instituto despenalizador.

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Entendendo a transação penal um direito subjetivo ensina Marcellus Polastri

Lima que:

Estando presentes todos os requisitos impostos pela lei, o

Ministério Público deve oferecer a proposta de transação, em

obediência ao princípio da obrigatoriedade da ação penal; caso

isso não ocorra, o agente poderá provocar tal proposta.34

Com o mesmo entendimento, André Nicolitt explica que:

Não havendo nenhum impedimento e o Ministério Público, ao

invés de oferecer a proposta de transação, opte por oferecer a

denúncia, esta deve ser de pronto rejeitada pelo juiz, por lhe faltar

justa causa.35

Entende-se, portanto, que o Ministério Público deve propor o instituto

despenalizador previsto na Lei 9.099/95, no seu artigo 76, da transação penal,

cumpridos todos os requisitos subjetivos objetivos nas demandas criminais.

34 IMA. Marcellus Polastri. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA FORMA DAS LEIS 10.259/01, 10.455/02 E 10.741/03.RIO DE JANEIRO: Lumen Iuris, 2005,p.87 35 NICOLITT,André Luiz. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - TEMAS CONTROVERTIDOS. 2.ED. rIO DE jANEIRO: lUMEN iURIS, 2004, P.65.

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CONCLUSÃO

Diante de todo conteúdo apresentado, afirma-se que a transação penal

configura um ato jurídico através do qual tanto o autor do delito como o Ministério

Público pautados nos requisitos legais, e na presença do juiz, concordam em mútuas

concessões com o objetivo de extinguir o processo, por intermédio de uma pena

executada de forma consensual diferente da pena privativa de liberdade.

O Ministério Público baseado no cumprimento dos pressupostos legais,

atenderá aos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, ou seja, substituir a pena

privativa de liberdade por uma iniciativa de transação penal.

A Lei nº 9.099/95 reconhece a discricionariedade ao Ministério Público, mas

questiona-se na doutrina se o Ministério Público tem esse poder discricionário de forma

ilimitada, uma vez que, depende do entendimento de cada Promotor de Justiça.No

entanto, no que se refere a defesa, a mitigação do Princípio da obrigatoriedade é a

mais correta, porque em determinadas hipóteses, no mínimo não será exercitada a

ação, ou o processo poderá sofrer suspensão, sem que seja aplicada a pena.

Ao aplicar a pena baseado na transação penal aceita pelo réu, não se fere o

Princípio do Devido Processo Legal, como uma parte da doutrina afirma.

Quanto a natureza jurídica da transação penal, é possível entendê-la como

uma sentença condenatória própria, uma vez que, mesmo se tratando de uma

composição de pena de iniciativa do Ministério Público e aceita pelo réu, possui caráter

condenatório, por ser aplicada uma pena obrigatoriamente cumprida pelo réu, sob pena

de execução penal.

O instituto da transação penal deve ser admitido na ação penal privativa do

ofendido, tendo em vista seu interesse, não só na reparação civil como também na

imposição da pena ao infrator.

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Por lei, a proposta de transação penal só pode partir do Ministério Público ou

pelo ofendido, quando não for a hipótese de arquivamento do termo circunstanciado.

Atendidas as condições para a proposta de transação penal, se o Promotor de Justiça

não tiver tal iniciativa, o magistrado não poderá oferecê-la, de ofício, cabendo a ele

apenas utilizar analogicamente a norma contida no artigo 28 do CPP.

Tal poder não é função do magistrado no sistema acusatório.Dessa forma, ao

propor a transação penal, o Ministério Público, pratica uma modalidade de ação

diferenciada. Uma vez que, ao ter a iniciativa da transação penal, ele obrigatoriamente

faz uma imputação ao autor do delito, ou seja, fazer um juízo de tipicidade, o que de

certa forma resulta numa ação penal.

Destaca-se que ao ser descumprida a transação penal aceita pelo réu, não

caberá retornar o curso do processo terminado através do oferecimento de denúncia

ou queixa-crime. No entanto, o magistrado não deve condicionar a homologação da

transação penal ao cumprimento da pena imposta ao autor do fato, pois não sendo

cumprida a pena, importará a sua execução pelo órgão jurisdicional competente.

Ocorre que, na prática, alguns juízes têm condicionado tanto a homologação da

composição do dano civil como da transação penal, somente após o cumprimento da

obrigação assumida ou da pena imposta, impedindo assim a extinção do processo

criminal instaurado contra o autor do fato, causando, destarte, prejuízo ao mesmo.

A discricionariedade é uma especialidade do Ministério Público, no entanto,

alguns doutrinadores entendem que o juiz poderia ter a competência para elaborar a

transação penal, o que aboliria o poder discricionário do Ministério Público.

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