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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.628 DISTRITO FEDERAL RELATOR :MIN. TEORI ZAVASCKI REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO EMENTA: CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. REPARTIÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DA CIDE-COMBUSTÍVEIS. ART. 159, III, DA CF. APURAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO. ART. 1º-A DA LEI 10.336/01, CUJA PARTE FINAL DETERMINA A DEDUAÇÃO DAS PARCELAS DESVINCULADAS, NOS TERMOS DO ART. 76 DO ADCT. SUPERVENIÊNCIA DA EC 93/16. A DRU, NO FORMATO ATUAL, NÃO IMPLICA ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO FEDERATIVA DOS RECURSOS ARRECADADOS. CAUTELAR DEFERIDA. 1. A Desvinculação das Receitas da União – DRU, instituto que sucedeu o Fundo Social de Emergência (criado pela Emenda Constitucional de Revisão 4/94, nos arts. 71 e 72 do ADCT) e o Fundo de Estabilização Fiscal (criado por meio da EC 10/96), é um mecanismo financeiro cujo escopo é neutralizar temporariamente a vinculação de parte da arrecadação tributária a suas finalidades originárias. 2. As redações atribuídas ao longo do tempo ao caput do art. 76 do ADCT estabeleceram que diferentes percentuais da arrecadação deveriam ser desvinculados “de órgão, fundo ou despesa”, sem jamais se referir à destinação federativa. O § 1º do art. 76 do ADCT, hoje revogado pela EC 93/16, continha norma de valor auxiliar, que explicitava que a DRU não interferia com a base de cálculo das transferências intergovernamentais a Estados e Distrito Federal. A sua supressão, pela EC 93/16, não pode induzir a um raciocínio – tirado à contrario sensu – segundo o qual estaria autorizada a dedução da DRU do montante a ser transferido aos demais entes federados. 3. Ao determinar a dedução das parcelas referentes à DRU do Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 12252634.

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MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.628 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI

REQTE.(S) :GOVERNADOR DO ESTADO DO ACRE PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO ACRE INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO. REPARTIÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DA CIDE-COMBUSTÍVEIS. ART. 159, III, DA CF. APURAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO. ART. 1º-A DA LEI 10.336/01, CUJA PARTE FINAL DETERMINA A DEDUAÇÃO DAS PARCELAS DESVINCULADAS, NOS TERMOS DO ART. 76 DO ADCT. SUPERVENIÊNCIA DA EC 93/16. A DRU, NO FORMATO ATUAL, NÃO IMPLICA ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO FEDERATIVA DOS RECURSOS ARRECADADOS. CAUTELAR DEFERIDA.

1. A Desvinculação das Receitas da União – DRU, instituto que sucedeu o Fundo Social de Emergência (criado pela Emenda Constitucional de Revisão 4/94, nos arts. 71 e 72 do ADCT) e o Fundo de Estabilização Fiscal (criado por meio da EC 10/96), é um mecanismo financeiro cujo escopo é neutralizar temporariamente a vinculação de parte da arrecadação tributária a suas finalidades originárias.

2. As redações atribuídas ao longo do tempo ao caput do art. 76 do ADCT estabeleceram que diferentes percentuais da arrecadação deveriam ser desvinculados “de órgão, fundo ou despesa”, sem jamais se referir à destinação federativa. O § 1º do art. 76 do ADCT, hoje revogado pela EC 93/16, continha norma de valor auxiliar, que explicitava que a DRU não interferia com a base de cálculo das transferências intergovernamentais a Estados e Distrito Federal. A sua supressão, pela EC 93/16, não pode induzir a um raciocínio – tirado à contrario sensu – segundo o qual estaria autorizada a dedução da DRU do montante a ser transferido aos demais entes federados.

3. Ao determinar a dedução das parcelas referentes à DRU do

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montante a ser repartido com Estados e Distrito Federal, o comando veiculado na parte final do art. 1º-A da Lei 10.336/01 incorre em aparente contraste com o art. 159, III, da CF e, consequentemente, com o equilíbrio federativo que ele objetiva consolidar. Presença de risco de dano financeiro a Estados-membros e Distrito Federal, acentuado pelo cenário de crise econômica, a dificultar o cumprimento de metas de responsabilidade fiscal pelas unidades federadas.

4. Cautelar deferida, ad referendum do Plenário, para suspender, até o julgamento definitivo da presente ação direta, a eficácia da parte final do art. 1º-A da Lei 10.336/01, na redação conferida pela Lei 10.866/04, no que determina a dedução da “parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” do montante a ser repartido com Estados e Distrito Federal na forma do art. 159, III, da CF.

DECISÃO: 1. Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de cautelar, proposta pelo Governador do Estado do Acre, tendo por objeto os seguintes dispositivos: (a) art. 1-A, caput, da Lei 10.336/01, com redação determinada pelo art. 10.866/04, no tocante à sua parte final, que fixa que o percentual da CIDE-combustíveis a ser entregue aos Estados-membros e ao Distrito Federal deverá ser deduzido dos “valores previstos no art. 8º desta Lei e a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”; e (b) art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, na redação conferida pela Emenda Constitucional 93/16.

A inicial pontua, a título introdutório, que o federalismo financeiro estabelecido na Constituição Federal de 1988 contempla modelo de repartição de receitas de lógica cooperativa, que se articula, entre outras formas, por uma dinâmica distributiva segundo o produto arrecadado. Explica que dentro dessa plataforma entes federativos podem ser beneficiários de rendas tributárias recolhidas por outras pessoas estatais, constituindo o repasse desses valores verdadeira obrigação constitucional, destinada a atender o projeto de erradicação de desigualdades sociais e econômicas. Caso particular de distribuição de

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rendas segundo o produto, na modalidade direta, seria o do art. 159, III, da CF, que determina que a União entregue 29% do produto de arrecadação da CIDE-combustíveis a Estados e Distrito Federal.

Alega-se que, a despeito da clara determinação constitucional, o repasse não estaria sendo cumprido no percentual determinado. Isso porque o art. 1º-A da Lei 10.336/01, com redação dada pela Lei 10.866/04, teria excluído da base de cálculo da transferência a parcela objeto de desvinculação por força do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê o instituto da Desvinculação das Receitas da União. Com a vigência da EC 93/16, a nova redação do art. 76, caput, do ADCT, teria ampliado a incidência da DRU para o equivalente a 30% da arrecadação da União referente às contribuições sociais, às contribuições de intervenção no domínio econômico – incluindo a CIDE-combustíveis – e às taxas. Além de ampliar a abrangência da DRU, a emenda constitucional em questão teria revogado o antigo § 1º do art. 76 do ADCT, que ressalvaria a incidência do instituto sobre as transferências constitucionais.

O requerente averba que, com as alterações promovidas pela EC 93/16, ao invés de entregar 29% das rendas arrecadadas a título da CIDE-combustíveis, a União estaria disponibilizando aos Estados e ao DF apenas 20,3%, conforme documentação fornecida pelo Tesouro Nacional instruída juntamente com a inicial. Além de resultar em repasse expressivamente menor àquele determinado pelo art. 159, III, da CF, a aplicação do art. 1º-A da Lei 10.336/01 acarretaria violação ao próprio pacto federativo e aos seus consectários, (art. 3º, III; 60, § 4º, I; 160; 161, II; e 170, VII), frustrando a realização de seus objetivos de cooperação. Pondera-se que, para reverter o quadro, “a melhor forma de conformar o texto do art. 76 do ADCT ao comando inserto no art. 159, III, da CF é entendendo que as transferências obrigatórias do produto da arrecadação da Cide-Combustíveis para os entes da federação devem ser feitas antes da desvinculação, daí necessária a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto por essa Suprema Corte” (fl. 11).

Além de apontar essa inconstitucionalidade material, o requerente

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também argumenta haver vício formal no texto do art. 1º-A da Lei 10.336/01. Aduz que o art. 161, III, da CF teria atribuído à legislação complementar a competência para dispor sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, dentre eles aqueles referentes às contribuições de intervenção no domínio econômico. À lei ordinária cumpriria dispor somente sobre os critérios de distribuição de arrecadação. Porém, sob o pretexto de estabelecer critérios de distribuição, o art. 1-A e §§ da Lei 10.336/01 teria veiculado verdadeiras normas de entrega, em nítida afronta ao art. 161, III, da CF. Tendo em vista isso, a inicial postula seja declarada também a inconstitucionalidade formal, com efeitos ex tunc, da expressão “deduzidos o valores previstos no art. 8º desta Lei e a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”, do 1º-A, da Lei 10.336/01.

Por último, buscando impedir que a nova redação do art. 76 do ADCT, conferida pela EC 93/16, venha a ser interpretada em detrimento dos Estados e do Distrito Federal, a inicial requer seja fixada declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, para estabelecer que esse dispositivo de emenda constitucional não permite, a pretexto de desvincular, reduzir o montante a ser repassado aos Estados e ao Distrito Federal por força dos arts. 159, III, e 160 da CF.

Depois de enfatizar a plausibilidade das razões acima reportadas, a inicial acusa a presença de elementos de perigo com a demora na satisfação judicial do pedido. Assevera, nesse sentido, que em decorrência da aplicação inconstitucional atribuída pela União ao art. 76 do ADCT em conjunto com o art. 1-A da Lei 10.336/01, as expectativas iniciais formuladas pela Secretaria Estadual de Receita de repasse da CIDE-combustíveis para o exercício de 2016 , da ordem de R$ 8.824.141,37 (oito milhões, oitocentos e vinte e quatro mil, cento e quarenta e um reais e trinta e sete centavos), teriam sido reduzidas para apenas R$ 7.099.985,30 (sete milhões, noventa e nove mil, novecentos e oitenta e cinco reais e trinta centavos). A perpetuação do prejuízo gerado pela redução do repasse devido, iniciado em outubro do ano de 2016, poderia comprometer os serviços públicos locais futuramente.

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Com respaldo nesses fundamentos, o requerente formulou os seguintes pedidos: (a) concessão monocrática de medida liminar, ad referendum do Plenário, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.868/99, para suspender imediatamente a “eficácia do art. 1º-A, caput, da Lei 10.336, de 2001, parte final – expressão ‘e a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias’, com redação dada pela Lei 10.866, de 2004, eivado de inconstitucionalidade material, bem como dar declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ao art. 76 do ADCT, com redação conferida pela EC 93/96, de modo que reste fulminada a hipótese interpretativa do texto do referido artigo que permita à União deduzir, das transferências obrigatórias aos Estados e Distrito Federal – referentes à Cide-combustíveis – a parcela de desvinculação de órgão, fundo ou despesa da arrecadação da União” (…) “determinando que a União entregue ao Estado do Acre (gerando extensão aos demais Estados e Distrito Federal, ante a perda da eficácia da norma), nos moldes como impõe o art. 159, III, da CF/88, o total de 29% do produto da arrecadação da Cide-combustíveis”; (b) concessão monocrática de medida liminar, ad referendum do Plenário, para suspender imediatamente a “eficácia do art. 1º-A, caput, da Lei 10.336, de 2001, parte final – expressão ‘deduzidos os valores previstos no art. 8º desta Lei e a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias’, com redação dada pela Lei 10.866, de 2004, eivado de inconstitucionalidade formal, bem como dar declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ao art. 76 do ADCT, com redação conferida pela EC 93/96, de modo que reste fulminada a hipótese interpretativa do texto do referido artigo que permita à União deduzir, das transferências obrigatórias aos Estados e Distrito Federal – referentes à Cide-combustíveis – a parcela de desvinculação de órgão, fundo ou despesa da arrecadação da União” (…) “determinando que a União entregue ao Estado do Acre (gerando extensão aos demais Estados e Distrito Federal, ante a perda da eficácia da norma), nos moldes como impõe o art. 159, III, da CF/88, o total de 29% do produto da arrecadação da Cide-combustíveis”; ou, sucessivamente, (c) determinação para que a União proceda ao depósito em juízo dos valores em disputa, tanto no que se refere ao trimestre vencido em setembro de 2016 , quanto

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no tocante aos vincendos, até o julgamento final; e (d) por fim, o reconhecimento da procedência dos pedidos, para que se proclame em definitivo a inconstitucionalidade formal e material do art. 1º-A da Lei 10.336/01, parte final, com redação dada pela Lei 10.866/04, e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto do art. 76 do ADCT.

Em 30/11/16, imprimi ao caso o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, tendo em vista a relevância da matéria suscitada (DJe de 1/12/16). Mas, em 6/12/16, o requerente apresentou petição ressaltando uma vez mais os graves prejuízos ocasionados pela retração das transferências relativas à CIDE-combustíveis, postulando a reconsideração do encaminhamento dado ao caso, no intuito de que fosse aplicado à espécie o rito do art. 10, § 3º, da Lei 9.868/99, com deferimento da medida cautelar ad referendum do Plenário ou a submissão do caso diretamente ao Plenário, ante a excepcional urgência.

Na sequência, vieram aos autos duas petições (Pets./STF 67.778/16 e 70.094/16), subscritas por quase todos os Estados da Federação e pelo Distrito Federal. Dizendo-se igualmente prejudicados pela metodologia de cálculo aplicada pela União às transferências da CIDE-combustíveis, os demais entes federados se associaram aos fundamentos e pedidos formulados na presente ação direta de inconstitucionalidade, requerendo sua admissão no processo, na condição de amici curiae, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99.

Em 16/12/16, a Advogada-Geral da União apresentou manifestação em que suscita, preliminarmente, a incompatibilidade do requerimento de depósito em juízo com a natureza objetiva do processo, e, quanto ao pedido de suspensão de eficácia das normas atacadas, afirmou estarem ausentes os requisitos necessários. Salientou, nesse sentido, que a metodologia de cálculo impugnada pela inicial vem sendo observada desde a edição da Lei 10.866/04, isto é, há mais de 12 (doze) anos. Juntou, em abono dessa afirmação, documentação proveniente do Tesouro Nacional.

Especificamente quanto à plausibilidade do pedido, observou o

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seguinte:

“(...) com a promulgação da Emenda Constitucional nº 93/16, tem-se a prorrogação do prazo de vigência da desvinculação de receitas de contribuições sociais e de contribuições de intervenção no domínio econômico até o exercício de 2023; o aumento do percentual de 20% para 30%; a extinção de exceções anteriormente previstas, com a revogação dos §§ 1º e 2º do artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; bem como a retroatividade dos efeitos da norma a 1º de janeiro de 2016, prevista no artigo 3º da citada emenda constitucional.

Em outras palavras, a redação atual do artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e as demais normas constitucionais que disciplinam a repartição de receitas da União permitem que o percentual da desvinculação incida quase sobre a totalidade do produto da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, de modo que as posteriores repartições de receita – inclusive os percentuais de transferências obrigatórias – serão calculadas sobre a parcela não atingida pela desvinculação. Note-se que, quando o legislador constituinte pretendeu excluir da desvinculação a base de cálculo das transferências obrigatórias, o fez de forma expressa nos parágrafos do próprio artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

Após, vieram-me os autos conclusos, para apreciação do pedido de reconsideração.

2. A plausibilidade das alegações ensaiadas na inicial realmente reclama a antecipação de diligências. Entre os diversos projetos de justiça encampados no texto da Constituição Federal de 1988, talvez o mais ambicioso deles tenha sido o de conferir maior dimensão à arquitetura federativa do Estado brasileiro. Nenhuma outra Carta jamais empregou fôlego semelhante nessa empreitada. A CF/88 ofereceu aos entes

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subnacionais pródigas garantias financeiras das suas intenções, dotando-lhes não somente de fontes de arrecadação próprias, como de direitos a determinadas receitas, a serem compulsoriamente transferidas pela União, como aquelas do art. 20, § 1º, referentes à exploração de recursos naturais, e as situadas entre os arts. 157 a 159, de origem tributária. Enquanto as receitas vinculadas ao art. 20, § 1º, da CF estão lastreadas a uma noção compensatória, aquelas de origem tributária carregam propósitos distributivos, constituindo parte inegociável da linguagem de cooperação do pacto federativo brasileiro.

Embora promissor, o modelo cooperativo de repartição de rendas segundo o produto arrecadado (art. 157 a 159) logo mostrou alguns pontos de vulnerabilidade, sendo o principal deles a sua falta de conexão com a espécie tributária das contribuições. Afinal, apenas a arrecadação obtida com impostos era partilhada entre os entes federados em geral. Como a instituição de contribuições, em geral, é prerrogativa de um dos entes federados – a União – a utilização intensiva dessa figura poderia acarretar uma indesejável concentração de recursos. Foi o que sucedeu no final do século passado e na primeira década dos anos 2000, quando a base impositiva formada por contribuições foi largamente expandida, sem contrapartida em termos de repartição para os entes subnacionais.

Após muitas críticas a esse panorama de concentração de receitas sob o domínio da União – e ao resultado contraproducente que ele gerava, em termos de promoção da isonomia – veio à luz a Emenda Constituição 42/03, que pela primeira vez determinou que o produto de uma contribuição (a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico relativa às atividades de Importação ou Comercialização de Petróleo e seus Derivados, Gás Natural e seus Derivados e Álcool Combustível – CIDE) fosse objeto de compartilhamento, tal como acontece com os impostos.

A inovação foi positivada no seguinte dispositivo constitucional:

Art. 159. (...)III – do produto da arrecadação da contribuição de

intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º,

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vinte e cinco por cento para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

O dispositivo sofreu alteração já no ano seguinte, com a EC 44/04, que ampliou a parcela a ser transferida:

Art. 159. (...)III – do produto da arrecadação da contribuição de

intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.

A finalidade das EC´42/03 e 44/04 é evidente: corrigir uma trajetória de polarização da arrecadação tributária, redistribuindo parte da receita obtida com a CIDE-combustíveis com os demais entes federados.

A distribuição desse montante foi disciplinada no mesmo ano de 2004, na forma da Lei 10.866 – que alterou a legislação relativa à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível, a Lei 10.336/01 – para nela incluir os arts. 1º-A e 1º-B, tendo o primeiro deles estabelecido a seguinte metodologia de cálculo do montante a ser entregue aos Estados e ao Distrito Federal:

Art. 1º-A. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal, para ser aplicado, obrigatoriamente, no financiamento de programas de infra-estrutura de transportes, o percentual a que se refere o art. 159, III, da Constituição Federal, calculado sobre a arrecadação da contribuição prevista no art. 1º desta Lei, inclusive os respectivos adicionais, juros e multas moratórias cobrados, administrativa ou judicialmente, deduzidos os valores previstos no art. 8º desta Lei e a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais

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Transitórias.

A parte final desse dispositivo é a que acarretou o presente dissídio. Ela contém determinação para que sejam deduzidas duas grandezas do valor a ser transferido a Estados e DF: (a) os valores previstos no art. 8º da mesma lei regulamentadora da CIDE, que dizem respeito a deduções legais viabilizadas para evitar a sobretaxação dos produtos tributados; e (b) a parcela correspondente à Desvinculação das Receitas da União, prevista no art. 76 do ADCT da CF/88. O argumento mais entusiasticamente sustentado ao longo da ação direta em exame trabalha com a ideia de que esta última parcela, relativa à DRU, não poderia ser excluída da base de cálculo da repartição da CIDE-combustíveis de modo algum, porque semelhante operação – definida por lei – estaria a subtrair parte dos recursos que materializariam a autonomia financeira dos Estados e do DF, rompendo a rede de sustentação do federalismo cooperativo da CF/88.

3. A tese está aparentemente servida de razão. Como se sabe, a Desvinculação das Receitas da União – DRU, instituto que sucedeu o Fundo Social de Emergência (criado pela Emenda Constitucional de Revisão 4/94, nos arts. 71 e 72 do ADCT) e o Fundo de Estabilização Fiscal (criado por meio da EC 10/96), é um mecanismo financeiro cujo escopo está em neutralizar temporariamente a vinculação de parte da arrecadação tributária a suas finalidades originárias. Trata-se de uma estratégia normativa que tem angariado alguma crítica da doutrina, porque o seu objetivo – a desafetação de parte das receitas estatais – é visto por alguns como francamente incompatível com a identidade impositiva de certas espécies tributárias, como é o caso das contribuições.

Até o momento, porém, essas impugnações não ganharam eco dentro da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, que tem placitado a legitimidade do instituto, em termos amplos:

EMENTA: 1. TRIBUTO. Contribuição social. Art. 76 do ADCT. Emenda Constitucional nº 27/2000. Desvinculação de

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20% do produto da arrecadação. Admissibilidade. Inexistência de ofensa a cláusula pétrea. Negado seguimento ao recurso. Não é inconstitucional a desvinculação de parte da arrecadação de contribuição social, levada a efeito por emenda constitucional.(RE 537610, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, Dje de 18/12/09)

Não se pode negar que se trata de um instrumento dotado de alguma heterodoxia, mas que acaba se revelando decisivo para, em certos momentos e sob certas circunstâncias, viabilizar o desempenho de uma autoridade mínima do Poder Executivo sobre a gestão do orçamento. Seja como for, o fato é que a finalidade da DRU está em operar o desligamento do vínculo finalístico que existe entre a arrecadação das contribuições e a destinação do seu produto, tendo em vista o interesse público a ser atendido. Assim, ilustrativamente, se determinada contribuição social se destina a financiar o ensino público, a incidência da DRU irá possibilitar o remanejamento de parte do que arrecadado inicialmente com esse propósito, permitindo seu aproveitamento em outras necessidades públicas.

Este Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de averbar, aliás, que o acionamento da DRU produz consequências pontuais sobre a os recursos em poder do Estado, possibilitando a sua livre utilização. Todavia, não altera o título sob o qual os recursos foram arrecadados, isto é, não transfigura a essência da espécie tributária que deu origem às rendas tributárias. Assim, o fato de parte do estoque de recursos arrecadado mediante contribuições sociais poder ser direcionado para outras finalidades não atrai o regime impositivo dos impostos para essa parcela, nem determina que deva ser ela repartida segundo as normas dos arts. 157 a 159 da CF.

Foi o que restou julgado no seguinte precedente:

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – RECEITAS – DESVINCULAÇÃO – ARTIGO 76 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES

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ADI 5628 MC / DF

CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS – EMENDAS CONSTITUCIONAIS Nº 27, DE 2000 E Nº 42, DE 2003 – MODIFICAÇÃO NA APURAÇÃO DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. A desvinculação parcial da receita da União, constante do artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, não transforma as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico em impostos, alterando a essência daquelas, ausente qualquer implicação quanto à apuração do Fundo de Participação dos Municípios. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.925/DF, em que fui designado redator para o acórdão. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil.(RE 793564 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 12/08/2014, Dje de 01/10/14)

Nada leva a crer, também, que a desarticulação promovida pela incidência da DRU tenha aptidão para redirecionar recursos primitivamente destinados a Estados e Distrito Federal – por força das Emendas Constitucionais 42/03 e 44/04 – novamente em direção ao erário federal. Isso não parece derivar diretamente da redação que o caput do art. 76 do ADCT teve ao longo do tempo (nas EC´s 42/03; 56/07; 68/11; e 93/16), como também não parece ser consequência indireta extraível do texto que o § 1º do art. 76 do ADCT já ostentou. Eis as sucessivas redações conferidas ao art. 76 do ADCT:

EC 42/03:Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no

período de 2003 a 2007, vinte por cento da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

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§ 1º. O disposto no caput deste artigo não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios na forma dos arts. 153, § 5º; 157, I; 158, I e II; e 159, I, a e b; e II, da Constituição, bem como a base de cálculo das destinações a que se refere o art. 159, I, c, da Constituição.

EC 56/07:Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, até 31

de dezembro de 2011, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

§ 1º. O disposto no caput deste artigo não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios na forma dos arts. 153, § 5º; 157, I; 158, I e II; e 159, I, a e b; e II, da Constituição, bem como a base de cálculo das destinações a que se refere o art. 159, I, c, da Constituição.

EC 68/11:Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até

31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

§ 1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal.

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal.

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§ 3° Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo

EC 93/16 Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até

31 de dezembro de 2023, 30% (trinta por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral da Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data.

§1º. (Revogado). § 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a

arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal.

§ 3° (Revogado)

Em todas essas redações, posteriores à previsão de rateio da CIDE-combustíveis, o caput do art. 76 do ADCT estabeleceu que diferentes percentuais da arrecadação deveriam ser desvinculados “de órgão, fundo ou despesa”, sem jamais se referir à destinação federativa. A diferença está em que, até a EC 93/16, o art. 76 do ADCT continha uma norma auxiliar, hospedada no § 1º, que explicitava que a DRU não interferia com a base de cálculo das transferências intergovernamentais a Estados e Distrito Federal. Esta norma, contudo, desdobra conteúdo meramente expletivo. A sua supressão, pela EC 93/16, jamais poderia induzir a um raciocínio – tirado à contrario sensu – segundo o qual estaria autorizada a dedução da DRU do montante a ser transferido aos demais entes federados.

Conclusão semelhante, sustentada a partir da aplicação pura e simples do art. 1º §-A da Lei 10.366/01, constituiria um ato de confronto com o que é ditado expressamente pelo art. 159, III, da CF, ignorando os pressupostos de cooperação que informam o federalismo fiscal encampado pela CF /88. Aqui cumpre fazer uma observação importante: o atípico expediente da DRU até poderia acarretar a redução dos valores

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a serem transferidos por imposição constitucional aos entes subnacionais, desde que deixasse isso explícito em algum dispositivo de dignidade constitucional. Fato é, porém, que ao se referir à “arrecadação da União relativa (…) às contribuições de intervenção no domínio econômico”, o caput do art. 76 do ADCT sequer insinua que, além da desafetação finalística, a DRU deva provocar consequências sobre a matriz constitucional de repartição de recursos.

Essa consequência, que, segundo os demonstrativos instruídos com a inicial, aparentemente tem sido considerada pelo Tesouro Nacional após a vigência da EC 93/16, só poderia resultar da combinação de duas premissas: (a) a de que a revogação do § 1º do art. 76 do ADCT altera a base de cálculo da DRU, nela inserindo as transferências intergovernamentais de amparo constitucional; e (b) a de que a previsão legal do art. 1º-A da Lei 10.336/01 seria suficiente para limitar o repasse a ser feito a Estados e DF por força do art. 159, III, da CF. Entretanto, ambas as premissas são equivocadas. A primeira delas resulta de uma interpretação arbitrária do art. 76 do ADCT, que não se coaduna com as demais disposições que garantem o acesso dos entes subnacionais aos recursos provenientes da arrecadação da CIDE-combustíveis. Essa interpretação desconsidera, aliás, que a EC 93/16 estendeu pela primeira vez o mecanismo da DRU a Estados, DF e Municípios (arts. 76-A e 76-B do ADCT), e, quanto a eles, previu expressamente que a desvinculação não afeta as transferências constitucionais de natureza obrigatória (art. 76-A, II e IV; e art. 76-B, III). A segunda premissa ignora por completo que a competência da União para instituir a CIDE-combustíveis jamais poderia cometer a ela a autoridade para decidir, à revelia da Constituição Federal, qual o percentual a ser transferido para Estados e Distrito Federal. Ninguém põe em dúvida que a União monopoliza a autoridade para definir os elementos impositivos da CIDE-combustíveis (art. 149, caput, CF), podendo inclusive dispor sobre a alíquota do tributo mediante simples ato de seu Poder Executivo, nos termos do art. 177, § 4º, “b”, da CF, tal como fez recentemente, por meio do Decreto 7.764/12, que zerou a alíquota. Mas, embora o legislador infraconstitucional federal tenha

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competência para dosar a carga tributária e os efeitos extrafiscais relativos à CIDE-combustíveis, não lhe cabe reverter o endereço federativo assinalado ao tributo após a sua efetiva arrecadação.

Tudo isso parecer abonar enfaticamente a plausibilidade do pedido de declaração de inconstitucionalidade material da parte final do art. 1º-A da Lei 10.336/01, que determina seja deduzida dos repasses a Estados e DF “a parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Pelo que se infere da argumentação deduzida na inicial, esse dispositivo tem dado causa a um verdadeiro extravio federativo de boa parte da parcela da CIDE-combustíveis que deveria ser repartida com Estados e DF por força do art. 159, III, da CF. Mas, para reverter a aparente lesão ao equilíbrio federativo, não parece ser necessário conferir qualquer diretriz interpretativa em relação à redação conferida ao art. 76, caput, do ADCT pela EC 93/16, pois, como visto, o seu conteúdo não comporta qualquer mensagem normativa pertinente à base de cálculo das transferências constitucionais obrigatórias, mas tão somente à destinação material da parcela de recursos (71%) que cabe à própria União.

4. Em relação à outra tese endossada na inicial, relativa à suposta inconstitucionalidade formal de parte maior do art. 1º-A da Lei 10.336/01, não é possível deduzir a mesma carga de plausibilidade. A determinação para que sejam ressalvados, dos repasses referentes à CIDE-combustíveis, as deduções realizadas com fundamento no art. 8º da Lei 10.336/01 parece estar inserida dentro da margem de conformação legal titularizada pelo legislador federal, que tem competência para a instituição do referido tributo (art. 177, § 4º, da CF), cuja disciplina não reclama legislação complementar.

Afinal, as deduções viabilizadas pelo art. 8º da Lei 10.336/01 (“O contribuinte poderá, ainda, deduzir o valor da Cide, pago na importação ou na comercialização, no mercado interno, dos valores da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidos na comercialização, no mercado interno, dos produtos referidos no art. 5º, até o limite de, respectivamente”) correspondem a

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modalidades ordinárias de incentivos fiscais. Aplica-se, por analogia, o entendimento recentemente sufragado pelo Plenário desse Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 705.423, Rel. Min. Edson Fachin, em que se fixou a tese de que “É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades”. Realmente, não se pode, sob o pretexto de “congelar” os repasses financeiros devidos aos entes subnacionais em determinado nível, subtrair a competência legislativa da União para dosar eventuais estratégias de desoneração.

5. Em suma, a Desvinculação das Receitas da União – DRU é instituto vocacionado a desconectar temporariamente parte da receita arrecadada pelo Fisco do atendimento da programação originalmente prevista, em prol de um mínimo de flexibilidade orçamentária. Todavia, na ausência de comando constitucional explícito em sentido contrário, esse efeito disruptivo opera-se tão somente em relação à finalidade material dos recursos atingidos pela DRU, não repercutindo na destinação federativa que eles eventualmente venham a ter por força de regras de repartição. No caso da CIDE-combustíveis, é possível dizer, em etapa cognitiva antecipada, que a regra do art. 159, III, da CF não parece ser relativizada pelo enunciado do art. 76, caput, do ADCT, na redação conferida pela EC 93/16. Assim, ao determinar a dedução das parcelas referentes à DRU do montante a ser repartido com Estados e Distrito Federal, o comando veiculado na parte final do art. 1º-A da Lei 10.336/01 incorre em aparente contraste com o art. 159, III, da CF e, consequentemente, com o equilíbrio federativo que ele objetiva consolidar.

A aplicação dessa metodologia de cálculo tem implicações financeiras graves para o equilíbrio federativo, que, segundo afirmado pelo requerente (Pet./STF 69.638/16, fl. 2) pode superar os R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), se consideradas as perdas

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sofridas pelo conjunto dos Estados-membros e DF apenas no mês de outubro de 2016. O perigo de dano, em proporções assim dilatadas, é ainda mais pronunciado no cenário de recessão econômica atualmente instalado no país, que tem dificultado o cumprimento de metas de responsabilidade fiscal pelas unidades federadas. A manutenção dos repasses devidos a título de arrecadação da CIDE-combustíveis em patamares aparentemente inferiores aos determinados pelo art. 159, III, da CF, tem potencial de agudizar ainda mais a crítica situação experimentada por Estados-membros país afora, o que comprova o risco de dano irreparável na espécie. O fato, mencionado na manifestação da Advogada-Geral da União, de que a metodologia de cálculo das transferências obrigatórias da CIDE-combustíveis se manteve a mesma após a EC 93/16 não afasta a presença dos riscos com a demora processual. Pelo contrário, o prejuízo a ser suportado pelos Estados e Distrito Federal com a aplicação elástica da DRU aumentou significativamente, já que a parcela a ser desvinculada foi alçada a um patamar maior, equivalente a 30% das contribuições arrecadadas.

6. Com a proximidade do período de recesso judiciário, e a consequente inviabilidade de submissão célere do caso à apreciação do Plenário, também fica configurada situação de urgência excepcional, que autoriza a atuação monocrática, ad referendum do Plenário, nos termos do art. 21, V, do RISTF.

7. Ante o exposto, com amparo no art. 21, V, do RISTF, defiro o pedido de medida cautelar, ad referendum do Plenário, para suspender, até o julgamento definitivo da presente ação direta, a eficácia da parte final do art. 1º-A da Lei 10.336/01, na redação conferida pela Lei 10.866/04, no que determina a dedução da “parcela desvinculada nos termos do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” do montante a ser repartido com Estados e Distrito Federal na forma do art. 159, III, da CF.

Acolho, ainda, o pedido de admissão na qualidade de amici curiae formulado pelos demais Estados-membros nas Pets.STF 69.778/16 e

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70.094/16, devendo a Secretaria proceder aos registros na autuação.Publique-se. Intime-se.Brasília, 19 de dezembro de 2016.

Ministro TEORI ZAVASCKI

RelatorDocumento assinado digitalmente

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