docÊncia universitÁria: da sala de aula À extensÃo · analisar a prática pedagógica de...

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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: DA SALA DE AULA À EXTENSÃO O painel traz a diversidade de práticas pedagógicas dos docentes universitários, explorando problemáticas pouco investigadas no ensino superior a partir de três pesquisas. O primeiro trabalho é parte de uma tese de doutorado concluída. Nela são analisados aspectos das figurações do tempo presentes no fazer das práticas pedagógicas, particularmente na aula universitária. O segundo estudo, é parte de pesquisa concluída com professores de duas universidades: uma pública de Pernambuco e uma universidade privada confessional da Bahia. O propósito foi investigar que lugar a arte cinematográfica tem ocupado na prática pedagógica em sala de aula e na vida de professores universitários, assim como analisar quais valores culturais estão sendo construídos com estudantes universitários a partir de atividades com cinema em sala de aula. O terceiro trabalho é parte de uma tese de doutorado concluída, cujo objetivo foi analisar a prática pedagógica de docentes universitários para além da sala de aula, ou seja, pela via dos projetos de extensão buscando identificar e analisar as concepções, metodologias, dificuldades e tensões presentes no desenvolvimento de tais projetos implementados em escolas públicas de educação básica da região. A investigação foi realizada em uma universidade federal no Vale do Jequitinhonha. Os artigos que compõem o painel, oriundos de pesquisas empíricas, desenvolvem reflexões teórico- analíticas relativas à docência universitária em diferentes perspectivas e contextos: da sala de aula à extensão universitária. Assim constituído, o Painel analisa e coloca em questão, desafios e tensões relativos à prática docente nos dias atuais, em suas configurações, características e singularidades, tomando como referência os três eixos que estruturam a docência universitária: o ensino, a pesquisa e a extensão. Palavras-Chave: Temporalidades da Aula , Docência e Cinema, Extensão Universitária XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1374 ISSN 2177-336X

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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: DA SALA DE AULA À EXTENSÃO

O painel traz a diversidade de práticas pedagógicas dos docentes universitários,

explorando problemáticas pouco investigadas no ensino superior a partir de três

pesquisas. O primeiro trabalho é parte de uma tese de doutorado concluída. Nela são

analisados aspectos das figurações do tempo presentes no fazer das práticas

pedagógicas, particularmente na aula universitária. O segundo estudo, é parte de

pesquisa concluída com professores de duas universidades: uma pública de Pernambuco

e uma universidade privada confessional da Bahia. O propósito foi investigar que lugar

a arte cinematográfica tem ocupado na prática pedagógica em sala de aula e na vida de

professores universitários, assim como analisar quais valores culturais estão sendo

construídos com estudantes universitários a partir de atividades com cinema em sala de

aula. O terceiro trabalho é parte de uma tese de doutorado concluída, cujo objetivo foi

analisar a prática pedagógica de docentes universitários para além da sala de aula, ou

seja, pela via dos projetos de extensão buscando identificar e analisar as concepções,

metodologias, dificuldades e tensões presentes no desenvolvimento de tais projetos

implementados em escolas públicas de educação básica da região. A investigação foi

realizada em uma universidade federal no Vale do Jequitinhonha. Os artigos que

compõem o painel, oriundos de pesquisas empíricas, desenvolvem reflexões teórico-

analíticas relativas à docência universitária em diferentes perspectivas e contextos: da

sala de aula à extensão universitária. Assim constituído, o Painel analisa e coloca em

questão, desafios e tensões relativos à prática docente nos dias atuais, em suas

configurações, características e singularidades, tomando como referência os três eixos

que estruturam a docência universitária: o ensino, a pesquisa e a extensão.

Palavras-Chave: Temporalidades da Aula , Docência e Cinema, Extensão Universitária

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1374ISSN 2177-336X

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É TANTO TEMPO PARA VOCÊS E TANTO TEMPO PARA MIM:

FIGURAÇÕES DO TEMPO NA AULA UNIVERSITÁRIA

BARBOZA, Maria das Graças Auxiliadora Fidelis (Universidade

Católica do Salvador/Ba)

TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro (Universidade Federal de Minas Gerais)

RESUMO São muitos os tempos dentro do tempo da aula. Dessa arquitetura temporal da docência

universitária, a pesquisa analisou alguns de seus traçados, em suas durações e rítmicas.

Nesse horizonte são analisados aspectos das figurações do tempo presentes no fazer das

práticas pedagógicas, particularmente na(s) aula(s) universitária(s). Trata-se de uma

pesquisa qualitativa realizada em uma universidade privada brasileira, a partir de

observações de aulas e de entrevistas semidiretivas com oito docentes das áreas de

Educação, Saúde, Ciências Exatas e Direito, entre 2009 a 2011. No plano conceptual e

metodológico do estudo, o estudo opera com pressupostos teóricos da Sociologia da

Educação e da Sociologia do Tempo. Quanto aos tempos dos docentes universitários, se

inscrevem nas temporalidades das instituições universitárias, histórica e socialmente

construídas. Trata-se, ainda, de vivências inscritas nas temporalidades constitutivas das

interações sociais entre docentes e discentes, sendo elas reguladas pelos currículos,

pelas agendas, pelos calendários e horários nos quais se destacam os períodos

destinados às aulas, à sala de aula, que apresentam as durações mais longas e constantes

nos tempos cotidianos acadêmicos. De outra parte, o fato de as aulas serem

temporalidades construídas no desenrolar das interações pedagógicas entre sujeitos

socioculturais, tais encontros contém elementos de determinação e regulação - a

dimensão instituída dos tempos acadêmicos - tanto quanto envolvem indeterminação e

imprevisibilidade – a dimensão instituinte dos tempos, originada nas práticas

individuais e coletivas destes sujeitos, conforme Teixeira (1998).

Palavras-chave:Docência universitária; Figurações do tempo da aula; Aula universitária.

INTRODUÇÃO

São muitos os tempos dentro do tempo da aula. Dessas temporalidades, em suas

durações e rítmicas, destacamos neste trabalho alguns aspectos, a partir de observações

de aulas e de entrevistas semiestruturadas realizadas com docentes de uma universidade

privada confessional no Brasili. Dessa arquitetura temporal da docência, salientamos

alguns de seus traçados na prática docente universitária.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada em uma universidade privada

confessional no Brasil, através de observações de aulas e de entrevistas semidiretivas

com oito docentes das áreas de Educação, Saúde, Ciências Exatas e Direito, entre 2009

a 2011.

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Alguns pressupostos teóricos

A pesquisa realizada sustentou-se em alguns pressupostos teóricos extraídos do

que se denomina uma Sociologia do Tempo, projeto intelectual que, segundo Torre

(1992), pretende “sociologizar o tempo e temporalizar as relações sociais”. Assim

sendo, alguns referenciais teóricos foram considerados. O primeiro deles, conforme

Teixeira (1998, p. 376) é o de que os tempos vividos pelos docentes nas instituições

universitárias, como nas demais instituições educacionais, são socialmente construídos.

A noção de tempo e as formas de determinação e cômputo temporais são criações das

culturas. Têm um caráter histórico-temporal, uma vez que foram construídos por longas

cadeias de gerações humanas. No mundo ocidental, em particular, e nas instituições

educacionais, resultam das configurações sócio-históricas que circunscrevem as

estruturas temporais da modernidade, do mundo mercantil, e da implantação do modelo

burocrático-organizacional do ensino.

Este pressuposto dá origem a um segundo que se refere às relações de trabalho em

contextos capitalistas nos quais os trabalhadores vendem seu tempo sob a forma de

assalariamento. Em se tratando de uma universidade privada confessional, na qual a

grande maioria dos professores não têm regimes de trabalho, constituindo seus contratos

laborais e respectivos salários tendo como base o número de aulas que ministram por

semana, os chamados professores aulistas, a situação é precária, na maior parte das

instituições. Nestes casos, o tempo das aulas, a duração das aulas, a carga horária da

disciplina torna-se ainda mais crucial, pois trata-se de um regime de trabalho e de níveis

de salários direta e restritamente associados ao número de aulas que o docente

administra semanalmente. Sendo assim, a aula representa não apenas uma atividade

pedagógica, mas o salário e seus correlatos: o nível e qualidade de vida dos professores

dessas instituições de ensino superior - IES. Mais ou menos aulas, um maior ou menor

número de aulas, de turmas e disciplinas por semana, repercute diretamente em um

maior ou menor montante de salário.

Passando a outro tipo de consideração teórica, outra ideia é de que a experiência

do tempo dos professores do Ensino Superior, tanto quanto de outros níveis de ensino,

associa-se à experiência temporal dos jovens e adultos estudantes. É impossível separar

as temporalidades presentes nas dinâmicas das vidas dos docentes e discentes. Ainda

conforme Teixeira (1998), as vivencias temporais de educadores e educandos estão em

permanente reciprocidade, se constituindo mutuamente. Daí o apelo da professora para

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que os acadêmicos terminassem a atividade em grupo e a “reação” do jovem aluno para

que ela esperasse um pouco mais, como na epígrafe acima. Seria impossível pensar um

tempo de professor sem que exista um tempo do jovem e adulto, alunos, na aula

universitária. Um remete ao outro, sendo ambos, tempos de direito: do direito à

educação, como também do direito à juventude e à adultez, temporalidades da vida e da

formação humana, de construção de identidades individuais e coletivas, presente e

futuras. Novas e antigas gerações co-habitam e dialogam nas universidades, nas

instituições de Ensino Superior, tempos e espaços nos quais a aula tem uma grande

proeminência. Os períodos destinados às aulas, à sala de aula, são os mais longos dos

tempos cotidianos educacionais, até mesmo no mundo acadêmico-universitário.

Há, também, um outro suposto a considerar: mesmo que fragmentados pelos

calendários e horários, nas rotinas das instituições educacionais, os períodos destinados

às aulas, à sala de aula, são os mais longos e constantes. E são, sobretudo, tempos

relacionais, reiterando o primeiro pressuposto e desdobrando-o. Na maior parte de seus

períodos na universidade, professores e jovens e adultos estudantes estão nos territórios

das salas de aula: lócus privilegiado de interações, de entendimentos e

desentendimentos, de tensões, de conflitos, de encontros e desencontros, de dificuldades

e alegrias, de elaboração e reelaboração de conhecimentos. É esse o elemento fundante

do tempo das aulas, do tempo nas aulas e seu pressuposto analítico: aulas são interações

entre professores e alunos e entre os próprios estudantes em sua convivência cotidiana

nas instituições educacionais.

Dito isso, nos tempos cotidianos que observamos nas salas de aulas e

considerando o que os próprios professores universitários, sujeitos da pesquisa

relataram sobre os tempos/temporalidades inscritas em suas aulas, o que foi constatado?

Quais são as figurações do tempo da aula universitária? Passemos a esse plano analítico,

analisando alguns aspectos, questões e traços característicos das figurações desses

tempos da prática pedagógica dos sujeitos da pesquisa, professores e professoras

universitários, sem qualquer pretensão de esgotá-los em sua riqueza e complexidade.

Uma questão complicada: “administrar o tempo”

Bom, essa questão é complicada realmente, uma das mais complicadas de se

administrar o tempo, porque isso varia muito de currículo, de turma para

turma, do dia da aula... do horário se é o primeiro, se é o último, tudo

interfere. Têm algumas turmas onde a participação é maior, em outras

turmas, a participação é menor... Quando a participação é menor, o tempo

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corre mais rápido, né? (Entrevista, Professor Lucas, Curso de Direito,

Disciplina: Ciência Política, dezembro/2010).

Questão complicada, segundo seu adjetivo, esta fala do professor Lucas nos

remete a Oser & Baeriswyl (2001), quando afirmam que o tempo utilizado na

aprendizagem é influenciado pelo contexto, na intensidade de tais processos; sendo

assim, não pode ser medido apenas pelo relógio. Isto porque é muito mais complexo,

não cabe nas horas do relógio ou no tempo cronológico, pois nos períodos das aulas

estão implicados vários elementos: do currículo, do horário das aulas, do turno – manhã,

tarde e noite – nos calendários escolares e dias da semana, períodos nos quais se alteram

a disposição do professor, a disposição da turma, além das diversas rítmicas dos sujeitos

relativas aos processos de construção e elaboração dos conhecimentos a serem

aprendidos e ensinados, entre os aspectos mencionados e não mencionados por este

autores, visíveis nas aulas.

O professor Lucas reconhece a dificuldade que representa a regulação do tempo

em sala de aula, também porque reconhece que há o tempo kairós, conforme expressão

dos gregos, que diferentemente do tempo como khronos, escapa e se distingue dos

tempos dos relógios, horários e calendários. Esta é a razão pela qual Lucas percebe que

embora as divisões e datações sejam definidas em termos quantitativos, considerando o

que se vive, se sente e se faz nos diversos períodos de tempo, ainda que eles tenham a

mesma duração mensurável em horas, tais períodos temporais contém um teor

qualitativo: por essa razão aulas de 45 minutos, parecem muito maiores ou muito

menores, em termos de sua duração temporal, dependendo de aspectos como a

participação dos estudantes.

Esta ideia é que está contida na percepção de Lucas ao dizer que “Quando a

participação é menor, o tempo corre mais rápido”. As cadências rítmicas do tempo da

aula, que podem ser sentidas como prolongadas ou encurtadas, evidenciam que a

depender das intervenções dos estudantes, dependendo do que acontece na aula, a

percepção de sua duração e de sua rítmica por parte dos sujeitos docentes e discentes,

pode ser vista como maior ou menor.

O tempo da aula também traz dificuldades, segundo a percepção do professor

Lucas, porque não é linear, não é homogêneo. Ele se diferencia internamente, porque há

momentos distintos em seu interior. Nesse sentido, o início da aula se diferencia de sua

finalização, como também de seu período de desenvolvimento propriamente dito, entre

o início e o final daquele período de aula. Isto foi possível ver muito claramente ao

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observarmos as aulas de Lucas, pois os registros do Diário de Campo mostram que

quando o tempo da aula vai findando, o professor Lucas começa a falar mais

compassado, mais baixo, como se estivesse se despedindo. Ou mesmo, como se já

houvesse um certo cansaço de sua parte e dos estudantes, como é possível supor.

A duração e cadência rítmica da aula torna esse período de encontro entre

docentes e discentes não apenas difícil, mas também complexo, pode-se dizer. Nesses

períodos, nessas ocasiões, de uma aula, os docentes ficam obrigados a administrar o

tempo da aula, outra formulação de Lucas. Parte dessa administração temporal é feita

através da divisão interna dos períodos de tempo no interior de uma mesma aula. Essa

questão ganha relevo e leva a preocupações tal como a de concluir o período da aula

conforme os horários estabelecidos pela instituição universitária, como se observa não

somente neste relato de Lucas, mas de outros sujeitos da pesquisa. Esta é também a

preocupação do Prof. Augusto. Ele relata:

Eu faço assim: vez por outra eu peço, por favor, se for uma aula expositiva

para que eu não fale demais, para que eu não canse a turma. Eu digo:

“Quando for tal hora, faltando uns minutos me avise...” Nós ordenamos o

tempo, fazemos isso. Outras vezes fazemos isso quando é um tema que

apresentamos conjuntamente. Eu digo: “Olha, é tanto tempo pra vocês, tanto

tempo para mim”. Eu preciso também manifestar algumas coisas também,

que é da competência daquele que está mediando os nossos debates. Então,

normalmente a gente divide o tempo em 3 tempos, em 3 momentos, não mais

do que isso. (Entrevista, professor Augusto, Curso de Enfermagem,

Disciplina: Antropologia Filosófica, dezembro/2010)

Na mesma direção de Lucas, apontando as dificuldades presentes na complexa

arquitetura temporal da aula universitária e reafirmando a questão de administrar o

tempo, que vai sendo dividido, distribuído, cadenciado, ordenado, esse relato do Prof.

Augusto é revelador. É notória sua preocupação com o término do período da aula, por

exemplo, a ponto de o docente pedir aos estudantes que o avisem a respeito, reiterando

que há tempos/períodos/durações divisões dentro do tempo das aulas.

Além do problema da divisão do período da aula entre diversas atividades e seus

respectivos rituais, Augusto enfatiza uma outra dimensão das figurações temporais da

aula, trazendo mais uma vez a rítmica das interações sociais no interior dos tempos

existentes nos períodos das aulas, quando ele acentua que uma parte do tempo é para os

estudantes e outra é para ele. Novamente vêm à baila as interações presentes na aula,

melhor dizendo, as temporalidades implicadas nos períodos das aulas que envolvem, na

expressão de Augusto, tanto uma parte dos tempos para ele, professor e outra para os

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estudantes, como também os próprios estudantes o auxiliam na ordenação destes

tempos.

As colocações acima revelam que os atores sociais, docentes e estudantes

convivem com uma espacialidade e uma temporalidade que sincronizam suas tarefas,

seus papeis, convivências, relações, (TEIXEIRA, 1998) em uma rítmica diferenciada

revelando a diversidade rítmico-temporal que vai tendo modificações e nuances, vai

sendo ajustada de acordo com o ritmo do professor ou da turma.

Essa divisão do tempo das aulas, qual seja a distribuição do período dos períodos

conforme as atividades que devem ser desenvolvidas é sempre relativa ao andamento

rítmico dos estudantes e tem algo mais a ser considerado, pois não se trata de uma

questão meramente quantitativa ou cronológica. Sobre isso foram importantes outros

relatos dos entrevistados, entre eles o da Profa. Betânia, do Curso de Direito.

Uma questão relativa: “As aulas da noite...”

Essa questão do tempo na sala de aula é muito relativa (...) As aulas da

noite são mais dinâmicas e produtivas, pois a maioria dos estudantes

que trabalha, tem mais experiência e maturidade (...) Em relação à

turma do matutino as aulas são mais agitadas, pouco produtivas, pois

necessito de tempo para acalmá-los, para explicar o assunto.” (...) Eu

costumo fazer assim: logo no início eu dedico dez minutos, às vezes

quinze minutos não importa, mas eu pergunto em todas as minhas

aulas: quem tem revista Veja, Isto É, Carta Capital, Caros Amigos?

(...)Então é isso, meus alunos sabem que nas minhas aulas, antes de

entrar na aula, se discute alguma coisa. Acabou o debate, agora vamos

ao nosso tema de hoje. E aí, vou fazendo a exposição. (Entrevista,

professora Betânia, Curso de Direito, Disciplina: Psicologia,

novembro/2010).

Algumas dimensões centrais das temporalidades inscritas na aula ressaltam neste

relato de Betânia. O primeiro é o que ela entende como uma demarcação relativa do

tempo. Trata-se, aqui, de uma dimensão fundamental: não são iguais, não são os

mesmos, não são simétricos e nem mensuráveis em métricas exatas as temporalidades

de uma aula. Suas figurações variam muito, inclusive conforme os turnos escolares:

matutino, vespertino, noturno, turnos nos quais variam não somente os períodos de um

dia, como também varia o perfil dos estudantes de cada um desses turnos.

Um segundo aspecto enfatizado por Betânia é a divisão ou a distribuição do

período das aulas, cuja duração é parcelada em dois momentos que se interpenetram e

se complementam. Um destinado a discutir assuntos do cotidiano e o outro, voltado para

o conteúdo da aula propriamente dito. Mesmo fragmentados, os períodos mais longos

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são destinados à exposição do assunto. No pouco tempo destinado para a conversa

informal o ritmo da aula é mais dinâmico, favorece a integração e a participação ativa

dos estudantes, oportunizando um clima mais descontraído entre a turma e a professora,

como foi possível observar no andamento de suas aulas. No primeiro momento, a

professora parece querer se aproximar do nível de informação e atualização dos

estudantes. Esse tempo de troca, de descontração, não está contemplado na hora/aula,

como subjaz na fala de Betânia quando diz: “(...) meus alunos sabem que nas minhas

aulas antes de entrar na aula (grifo nosso) se discute alguma coisa. (...) agora nós vamos

ao nosso tema (...) vou fazendo a exposição”. Esta colocação revela que a aula

expositiva é o principal momento de trabalho com os estudantes e, sendo assim, ela

deverá aproveitá-lo, uma vez que configura o tempo destinado para o processo de

ensinar e aprender.

Assim distribuídos e apresentados por Betânia, fica também evidente que o

tempo das aulas tem como base as interações sociais ali mediadas pela problemática dos

conteúdos disciplinares que deverão ser ensinados e aprendidos nos tempos das aulas.

Para além desses aspectos e observando algo mais das figurações do tempo da

aula universitária, há outras dimensões a examinar, tal como segue.

“O momento de hoje não é o mesmo de amanhã”

No Curso de Relações Humanas a gente tem que fechar no mesmo dia,

porque o mais importante dele é essa avaliação, essa integração pra fechar

cada técnica em um dia. (...) Não dá pra você dividir pra gente continuar na

próxima aula, porque o momento de hoje não é o mesmo de amanhã. (...) A

desvantagem é essa redução do tempo, porque, na verdade, você não vai até

final de dezembro, porque a universidade não tem um calendário só de prova

final. (...) Eu tive que rever os conteúdos para poder administrar isso, porque

eu dava muito mais conteúdo, também eu não vou atropelar o trabalho que

faço que é uma questão do processo de aprendizagem que não é só de

conteúdo porque, depois que você adquire habilidades, os conteúdos você

aprende em qualquer lugar. (Extrato de entrevista com a Profa. Professora

Fábia. Curso de Pedagogia, Disciplina: Relações Humanas, agosto/2011.)

Este relato da Profa. Fabia contém uma clara referência à maneira como ela

administra seu tempo em sala de aula e evidenciam também as significações que a

professora incorpora a seu trabalho, fazendo observações relevantes sobre a forma como

vivencia sua experiência de tempo acadêmico/escolar e apontando as vantagens e

desvantagens com as mudanças no calendário universitário. São tempos que se põem,

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contrapõem e repõem, modulando e matizando a experiência temporal da professora

Fábia no contexto universitário.

Retomando a coreografia da aula tal qual descrita por Barboza (2013), a

professora vê-se na condição de habituar as estudantes aos ritmos considerados

adequados e planejados para a tarefa. Para tanto, ensina não somente a aproveitar

melhor o tempo na sala de aula, como também a habituar-se à sua dinâmica de aula.

Nesse caso, as estudantes têm que dançar conforme a música, ou seja, no ritmo da

professora, que acentua a necessidade de sintonia de ritmo das estudantes no tempo da

aula. Embora reconheça que cada um tem um ritmo, ela precisa cumprir o que foi

planejado. Ao constatar que nem todas as estudantes entram no ritmo esperado, apela

para sua autoridade professoral. Essas atitudes contradizem o seu discurso de respeitar o

ritmo de cada um.

Embora a professora não determine inicialmente o tempo previsto para a tarefa,

ela previu um tempo limite que se submete aos imperativos temporais dos horários da

aula designados por ela para a realização da tarefa. Chamou-nos a atenção o fato de a

professora repreender as estudantes que cumpriram a tarefa “fora do tempo” previsto.

Essa atitude reforça a prevalência imperativa dos relógios e horários escolares que não

permite que a tarefa seja realizada apressadamente ou vagarosamente. Aceleração,

rapidez, calma, lentidão são algumas variações nos ritmos dos estudantes que a

professora busca sincronizar e ajustar ao tempo provocando seu apelo à turma: “Pronto!

Acabaram! Andem rápido! Podemos começar! Estão atrasando!” Olhando o registro

dos horários na sequência didática descrita, percebe-se que há uma cadência, um ritmo,

uma temporalidade que a professora valoriza e quer que seja cumprida, ainda que sejam

visíveis as diferenças rítmicas entre as estudantes. (BARBOZA, 2015).

O fato de as aulas serem temporalidades construídas nas interações sociais,

interações entre sujeitos socioculturais, traz aos encontros presenciais graus de

determinação, mas também de indeterminação, de imprevisibilidade e isso explica a

necessidade de a professora estar ininterruptamente criando estratégias de inserção no

tempo das aulas, mantendo as estudantes, justamente, no “estado de estudante” na

expressão de MacLaren (1992). Com isso, evita que elas entrem no “estado de esquina

de rua”, tal qual este autor classificou. Nas aulas observadas e, de modo geral, no ensino

superior, o “estado de rua” é menos frequente do que na educação básica. Talvez por

agregar jovens adultos e adultos trabalhadores com outros interesses e níveis de

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responsabilidades, a aula universitária é uma espacialidade em que predomina o status

de estudante.

Retomando a fala da professora, observa-se que a desvantagem do tempo fica

por conta das mudanças de calendário acadêmico e se origina do controle

organizacional, especialmente, de sua estrutura técnico-econômica. Este é o caso das

universidades privadas, que exigem dos docentes além da rapidez, a previsibilidade dos

resultados para atender-se às exigências do aluno dito cliente. Sendo assim, os docentes

deverão adequar ao paradigma quantitativo e produtivo e à rapidez rítmico-temporal que

os ordenamentos burocráticos e temporais tanto refletem quanto asseguram.

“Apesar da formalidade da Universidade…”

Passando a um outro plano analítico, nas figurações do tempo das aulas estão

contidas as dimensões instituída e instituinte das práticas e processos sociais, assim

como outras temporalidades e espacialidades da vida social. Embora existam

ordenamentos temporais rígidos, pré-estabelecidos e normatizados nos calendários e

horários, nos currículos, nas durações dos semestres e anos letivos, das séries e períodos

curriculares e outros ordenamentos temporais na organização burocrática universitária,

os sujeitos sociais docentes e discentes reinventam, transgridem, refazem o instituído

em práticas instituintes individuais e coletivas. O relato da Profa. Sandra é claro quanto

a este aspecto. Ela narra em sua entrevista:

Apesar da formalidade da Universidade, de todos, eu acho, que tem o horário

da aula e tal, mas interessante, a gente combina muito. Por exemplo, se a

gente vai dar uma aula de quatro horas seguidas, nós sempre negociamos o

momento, o primeiro momento para atividades físicas. E se a gente não tem

intervalo, que humanamente também quatro horas de relógio a gente entende

que é um exagero, mas sempre combinando de ter ou não ter intervalo e sair

mais cedo. Isso aí depende muito do que o grupo também vai decidir. Hoje,

por exemplo, a gente estendeu um pouco mais, porque a gente combinou até

doze e meia o horário da nossa aula. A gente se estendeu um pouquinho, mas,

às vezes, a gente fica menos. Então, é muito flexível, depende do conteúdo,

depende da dinâmica do dia, depende do calor do debate. Então, o outro

debate foi bem acalorado, tivemos vários momentos na aula, então,

terminamos passando um pouquinho mais do tempo até, mais do que as

quatro horas previstas.

Estamos, assim, diante de elementos da coreografia de ensino que não se

limitam aos modos de ação e interação pedagógica, mas se estendem à dimensão

rítmico-temporal. Como viemos discutindo ao longo deste estudo, a aula possui uma

temporalidade e uma espacialidade instituídas, isto é, aquelas determinadas pelo

calendário/tempo acadêmico (ou ano/semestre letivo), mas, também, as que seus

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sujeitos, em sua ação, fazem, como pode ser visto nas aulas encenadas pela professora

Sandra. Elas nunca iniciavam nem terminavam no horário previsto, evidenciando que há

um tempo ideal, instituído no calendário acadêmico e um tempo real. Ao mesmo tempo

em que reconhecem e asseguram cumprir o horário estabelecido pela instituição, esses

atores sociais são capazes de recriá-lo, fazendo acontecer o seu próprio tempo e as

maneiras de experienciá-lo.

A padronização e regulação dos tempos escolares não estão instituídos para

sempre, sofrem variações, acompanham a rítmica das mudanças dos interesses e atuação

dos atores sociais no interior da instituição universitária, acompanham as formulações

das políticas públicas do ensino superior e desafiam os docentes a trocar o “chip”

(ZABALZA, 2004). Essas variações se estendem nas interações sociais dos contextos

escolares imersos em movimentos e cadeias históricas de amplo alcance e longa

duração, mas também na cotidianidade, que faz acontecer e negar versões locais e

particulares dos ritmos burocrático-organizacionais, como bem ressalta Teixeira (1998).

Para essa autora, as estruturas rítmico-temporais instituídas só se realizam se os atores

sociais as atualizam em suas práticas sociais individuais e coletivas no cotidiano dos

tempos institucionais.

Na condição de docentes, vivemos condicionados pelos imperativos temporais

dos calendários escolar e acadêmico, que nos acompanham ao longo do ano letivo e

direcionam e determinam todos os demais tempos, inclusive o tempo de lazer. Assim,

nos ensinaram que a vida escolar é regida pelos calendários e, quanto melhor o

professor gerenciar o tempo da aula, maiores possibilidades terão os estudantes de

aprender (PUENTES e AQUINO, 2008). Diante dessa ideia, como não entender o

controle do tempo destinado à aula? Como desconsiderar a desmotivação e o

desinteresse das estudantes também pressionadas pelo calendário acadêmico e pela

agenda de trabalho? Como desconhecer as particularidades temporais de cada um desses

atores sociais?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sala de aula apresenta uma rítmica própria. Compõe-se de cadências rítmicas

reveladas nas interações sociais, em práticas, rituais e relações próprias da conveniência

pedagógica entre atores sociais docentes e estudantes. Tempos em parte instituídos e

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homogêneos e, em parte irregulares, construídos mediante a ação cotidiana de seus

sujeitos no interior da sala de aula.

Vivendo sob as estruturas e dinâmicas temporais da vida moderna, assentada na

lógica de um tempo mercantil, assentado em relações sociais de assalariamento, os

professores do Ensino Superior, como os demais, não fogem à regra. Vivem premidos

por calendários, relógios, agendas, horários; dias letivos. Vivem observando os

imperativos temporais que os acompanham em todo o tempo e lugar. Co-habitam uma

variedade de tempos nos quais sobressaem os conviventes nos territórios das

Instituições de Ensino Superior, nas quais vendem seu tempo de trabalho: tempo

planejado; tempo da aula; tempo pedagógico; tempo acadêmico; tempo de aprender e

ensinar; tempo necessário; tempo atribuído tempo ocupado; tempos interstícios, entre

muitos outros tempos estudados por Teixeira (1998), Richardson (1997) e Puentes e

Aquino (2008). Calendários, horários, turnos, períodos, fazem da escola e da

universidade um espaço de convivência de variados tempos sob a hegemonia do tempo

mercantil, da produtividade, como pode ser visto nos períodos de sala de aula dos

professores pesquisados.

A questão do tempo nas instituições privadas de ensino superior tem

particularidades, a começar pelo fato de que, sendo aulistas, a grande maioria dos

docentes, os montantes salariais vão depender diretamente do número de aulas, de

disciplinas, de carga horária e de turmas que eles assumem mensalmente como no

episódio da professora que faltou três aulas consecutivas no período que observávamos

suas aulas.

Em se tratando de uma universidade privada, a exigência e controle do tempo é

maior, seja da parte da instituição, seja da parte dos estudantes. Isso se deve em parte à

expansão e à modernização das instituições de ensino superior privado que, nas últimas

décadas no Brasil, fez-se mediante a incorporação dos parâmetros da produção, da

tecnologia educacional, que se traduzem, em sua essência, no paradigma do tempo da

produtividade (TEIXEIRA, 1998). Neste contexto, o tempo do trabalho docente também

foi mercantilizado. No ensino superior privado o salário do professor é proporcional ao

número de turmas e de horas/aula assumidos. Esse aspecto é crucial, visto que muitas

vezes, tal como nas escolas de Educação Básica do Fundamental II e Ensino Médio, os

professores das IES privadas são obrigados a assumirem uma extensa carga horária, um

grande número de aulas, turmas, turnos e disciplinas para obterem um rendimento

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13

mínimo mensal, com profundas e nefastas implicações sobre suas vidas, sobre a

qualidade de suas vidas e de seu trabalho.

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1386ISSN 2177-336X

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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: O CINEMA INTERROGA A PRÁTICA

PEDAGÓGICA

SILVA, Josaniel Vieira da (Universidade Federal de Pernambuco)i

MANSO, Haydenée Gomes Soares (Universidade Federal de Minas Gerais)ii

RESUMO

A necessidade de se repensar a relação do Cinema com a prática pedagógica,

particularmente, com o uso dessa arte na aula universitária, exige o alargamento da

compreensão sobre as diferentes linguagens e cultura, e sobre contextos e condição

docente. Este trabalho é parte de uma pesquisa de natureza qualitativa e exploratória,

cujo objetivo foi conhecer e analisar o lugar que a arte cinematográfica tem ocupado na

prática pedagógica em sala de aula e na vida dos nossos professores/as universitários,

questionando que valores culturais estão sendo construídos com nossos estudantes

universitários a partir de atividades relacionadas a cinema. Constatamos uma lacuna

quando se trata das experiências de docentes universitários no âmbito do consumo cultural,

se considerarmos a importância não somente dos laços que devem unir educação e cultura,

como, também, o papel do professor como mediador dos processos formativos dos

educandos. Esse fato nos mobilizou para um aprofundamento investigativo. A pesquisa foi

realizada entre 2011 e 2014 em duas universidades brasileiras: uma pública e outra

privada confessional. Para tanto, foi elaborado e aplicado um questionário com professores

dos cursos de Licenciatura em História, Geografia, Matemática, Pedagogia, Licenciatura

em Computação, Ciências Biológicas e Letras. Os docentes pesquisados pontuam, sobre o

cinema, expectativas educacionais bastante ambiciosas. Entretanto, reservam um papel

modesto para os filmes em suas práticas em sala de aula. Os professores revelaram

dificuldades materiais e apoio institucional no desenvolvimento de atividades que alterem

papéis tradicionais de professores e estudantes. Concluímos que o encontro do cinema com

a educação na aula universitária é de fundamental importância, uma vez que pode

provocar uma leitura crítica da realidade social na qual esses sujeitos estão inseridos,

modificar culturas, propor políticas e ideologias diferenciadas ao espectador, de modo

que convoque outro olhar sobre a sétima arte.

Palavras-chave: Cinema; Sala de Aula universitária; Práticas pedagógicas e culturais.

INTRODUÇÃO

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A necessidade de se repensar a relação do Cinema com a prática pedagógica,

particularmente, com o uso dessa arte na aula universitária, exige o alargamento da

compreensão sobre as diferentes linguagens e cultura, assim como a compreensão sobre

os diferentes contextos e condição docente. Nesse horizonte, estudos sinalizam para a

complexidade e multirreferencialidade que caracterizam a prática, incluindo a formação

docente, os saberes, as condições de trabalho e o atual perfil dos estudantes, etc. Sobre a

relação cinema e educação, Fresquet (2010 p. 1), afirma que não é um campo, mas

“trata-se de uma aproximação de potência pedagógica incomensurável”.

Vivemos um período educativo de transição caracterizado pela existência de

dificuldades e exigências de natureza diversa, em que desenvolver novas competências,

saber usar as linguagens artístico-culturais, recursos das tecnologias da informação,

aprender a lidar melhor com as emoções, mover-se da autonomia para a

interdependência, estabelecer objetivos de vida, relações interpessoais, são apenas

algumas das aquisições esperadas do estudante e, por conseguinte, de seus

professores/as no ensino superior. (BASTOS, 1998).

Nesse sentido, cabe indagar: que lugar a arte cinematográfica tem ocupado nas

práticas educativas? E na vida dos nossos/as professores/as universitários? Que valores

culturais estão sendo construídos com nossos estudantes universitários?

Buscando entender essa(s) complexa(s) questão(ões), pesquisadores do campo da

pedagogia universitária se deparam inevitavelmente com a necessidade de abordar aspectos

relacionados às diferentes formas de ser e de atuar como docente na atualidade a partir dos

desafios das tecnologias da informação e comunicação, bem como da adoção de diferentes

linguagens artísticas.

A arte, tal como a docência, ao mesmo tempo que é condicionada pelo tempo e

espaço que habita, busca superar esse condicionamento à medida que envolve a criação

e incita a ação reflexiva, tornando-se necessária ao sujeito que a constrói e que a aprecia

como possibilidade. Para Barboza (2015), ensinar exige arte, estética, uma boa dose de

intuição, uma grande dose de conhecimento, de observação, de dedicação, de

imaginação, de técnica e objetividade. Como bem expressou Paulo Freire em seu livro

Pedagogia da autonomia (1996, p. 26-29), no qual destaca dois tópicos: “Ensinar exige

rigorosidade metódica”, ao mesmo tempo que Ensinar exige estética.

São desafios que vem gerando tensões no corpo docente, que esperam encontrar

na academia ambiente favorável à produção do conhecimento, assim como um

modelo/perfil de estudante universitário nem sempre compatível com aquele real que

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tem diante de si na sala de aula. Algumas investigações ─ ao buscarem explicações para

os processos constitutivos da práxis pedagógica ─ não avançam na discussão sobre os

processos produtores e práticas culturais dos docentes e sua relação com o cotidiano da

sala de aula universitária.

A esse respeito, Kenski (1996), chama a atenção ao afirmar que pertencemos a

uma geração alfabética cuja aprendizagem se fez/faz por meio do texto escrito, da

leitura do livro, do artigo. Segundo a autora, somos analfabetos para a leitura das

imagens, dos sons, uma vez que nossa alfabetização é parcial e não total, ou seja,

sabemos ler apenas os textos e não imagens, sons, movimentos.

Ampliamos essa constatação para uma lacuna quando se trata das experiências de

docentes universitários no âmbito do consumo cultural se considerarmos a importância não

somente dos laços que devem unir educação, arte/cultura, como, também, o papel do

professor como mediador dos processos formativos dos educandos. Isso nos mobilizou a

aprofundar em nossa investigação.

Assim, este trabalho resulta de parte de uma pesquisaii concluída, cujo objetivo

foi conhecer, caracterizar e analisar como ocorrem as relações e práticas de

professores(as) universitários com o cinema, buscando traçar, inicialmente, um breve

perfil dos sujeitos participantes, assim como saber de que maneira o cinema faz ou não

parte de suas vivências profissionais e de sua prática pedagógica em sala de aula. A

intenção foi analisar atividades com cinema ─ um dos mais emblemáticos produtos

culturais das sociedades contemporâneas ─, desenvolvidas pelos docentes universitários em

sua vida profissional. A pesquisa foi realizada entre 2011 e 2014 em duas universidades:

uma pública em Pernambuco e outra privada confessional/comunitária na Bahia. Para

tanto, foi elaborado e aplicado um questionário com professores dos cursos de Licenciaturas

(História, Geografia, Matemática, Pedagogia, e Licenciatura em Computação, Ciências

Biológicas e Letras), que será discutido nas seções que se seguem.

Docência, Cinema e educação: uma relação necessária.

A introdução do cinema/filme na educação data dos anos 20. Todavia, na aula

universitária pelas mãos dos professores/as, é recente. Ganha visibilidade a partir da

década de 1990, visto, inicialmente, como momento de lazer e entretenimento. Aos

poucos, vai convocando os docentes e provocando outro olhar sobre essa arte e sua

relação com o processo de ensino e aprendizagem tradicionalmente pautado na

exposição.

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Pensar a relação do cinema com a prática pedagógica, particularmente, com o

uso dessa arte na aula universitária pelos docentes, é de fundamental importância, pois,

podem ser utilizados como recurso para uma leitura crítica da realidade social onde

estes sujeitos estão inseridos. Como um veículo de comunicação de massa, o

cinema pode, entre outros aspectos, modificar culturas,

propor políticas e ideologias diferenciadas ao espectador, podendo despertar outro olhar

sobre essa arte.

O cinema, para Morin (2006), apresenta uma “linguagem poética e literária que

nos leva diretamente ao caráter mais original da condição humana.” Nesse sentido,

podemos entender que assistir a filmes é uma prática social tão importante do ponto de

vista da formação cultural e educacional das pessoas, quanto à leitura de obras

literárias, antropológicas, filosóficas, sociológicas etc. Para esse autor, o romance e o

cinema nos oferecem o que é invisível nas ciências humanas, que ocultam ou dissolvem

os caracteres existenciais, subjetivos, afetivos do ser humano. Assim, as práticas

pedagógicas com filmes apontam um outro modo de ver a educação.

Educar o olhar é reconhecer que o cinema traz para a sala de aula imagens, cores,

som, movimento, entretenimento aguçando a curiosidade, a imaginação, a fantasia. Traz,

também, o mundo, o cotidiano, a realidade, e, com isso, as alegrias e tristezas, a beleza, os

afetos e desafetos, os conflitos, as harmonias, os amores e os desamores. Nesse sentido, o/a

professor/a que decide trabalhar com o cinema na sala de aula deve ter claros os objetivos que

almeja atingir e a forma como vai conduzir a discussão: para aspectos meramente superficiais

que denotam uma visão ingênua do mundo, para uma reflexão mais crítica da sociedade.

Assim entendido, o cinema não deve ser visto apenas como lazer, voltado para

o consumo de massa, fonte de lucro ou que reforça a passividade do espectador. Na

expressão de Tardif (2003, p.42), “Aprender a ver cinema é realizar esse rito de

passagem do espectador passivo para o espectador crítico".

Como a educação do olhar, a leitura e a alfabetização imagética se constituem

em um desafio e mais uma responsabilidade da escola. Dessa forma, na vida dos

professores universitários nos interrogamos e buscamos compreender algo mais acerca

de seus encontros ou mesmo de seus desencontros com o cinema ontem e hoje.

De acordo com Teixeira (2013), por uma razão e outra, nos tempos e espaços

de suas vidas cotidianas, na sala de aula, em suas residências, nas salas de cinema,

diante da televisão, em qualquer lugar, docentes e discentes se encontram com as

imagens em movimento, com o audiovisual, com o cinema. Mas não somente os

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docentes têm o cinema diante de si, pois que o cinema também os observa, olha os

professores e os descobre inteiramente humanos. Apreende-os, compreende-os, captura-

os em sua humana condição. A história filmada penetra em suas alegrias e dores,

angústias e satisfações, venturas e desventuras. Toca em suas dificuldades e realizações,

nos sabores e dissabores do ofício de mestre. O cinema olha os professores abrindo-se

aos limites e potencialidades da docência, de forma atenta, sensível, cuidadosa.

Conhecer um pouco sobre os professores universitários, suas práticas

pedagógicas e as formas pelas quais o cinema nelas se faz presente, é importante. Essa

análise pode contribuir na compreensão de suas visões e concepções, os saberes e

fazeres docentes acerca dessa arte em sua prática e em sala de aula.

Dos sujeitos implicados na pesquisa ao traçado metodológico

Por meio de um instrumento de coleta de dados on -line e presencial, foi aplicado

– em docentes de duas Instituições de Ensino Superior ̶ IES ─ um questionário com

questões abertas e fechadas, caracterizando uma pesquisa exploratória. O questionário

foi estruturado a partir de três eixos, a saber: O cinema de cada um (a); O cinema vai à

universidade; Professores no cinema e professores fazendo cinema.

O primeiro eixo buscou analisar como o cinema está inserido nas histórias e

vidas pessoais de professores/as investigados/as, como, também, a presença ou possível

ausência do cinema na vida pessoal dos docentes, visto que ambas não podem ser

separadas. O segundo vértice procurou identificar e categorizar os projetos, trabalhos e

atividades que envolvem cinema e educação. O terceiro eixo de análise articulado aos

anteriores buscou analisar e compreender quais os sentidos e significados os professores

atribuem à docência propriamente dita, bem como as dificuldades, as tensões, tendo o

cinema como um recurso mobilizador dessa discussão.

Neste artigo, optamos por trabalhar parcialmente o primeiro e o terceiro eixo

apresentando sucintamente uma breve caracterização dos atores implicados na pesquisa,

avançando um pouco mais para a relação da prática pedagógica com o cinema.

Com essa perspectiva, a pesquisa foi desenvolvida junto aos docentes de uma

universidade pública e uma universidade privada/confessional brasileira entre 2011 e

2014. Considerando o seu cunho qualitativo e exploratório, não foi previsto um número

mínimo de respondente. Interessava-nos a variedade de cursos, de formação, idade dos

atores participantes da pesquisa, etc.

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Devido às especificidades de cada instituição, faz-se necessário um breve

contexto de cada uma das universidades participantes da pesquisa.

Começando pela universidade privada/confessional, o questionário foi aplicado

por meio de um contato direto com professores/as. Participaram 15 docentes, que atuam

em diferentes cursos de licenciatura: Matemática, História, Geografia e Pedagogia, com

idade que varia entre 40 a 45 anos (20%); entre 46 e 50 anos (33%); com idade acima de

55 anos (47%); sendo 73% do sexo feminino e 27%, masculino. Essa considerável

predominância do sexo feminino dentre os sujeitos pesquisados (a) confirma que, nessa

instituição, a profissão docente continua sendo majoritariamente feminina, principalmente

quando se trata de cursos de Licenciatura. Desses docentes, apenas 25% possuem

titulação stricto sensu ─ mestrado, e apenas um professor possui doutorado, o que

denota a necessidade urgente de se investir na qualificação e desenvolvimento

profissional.

No que diz respeito à cor, 47% se declararam pardos, 33%, brancos e 20%,

negros. Quanto ao tempo no magistério superior, 33% dos (as) professores (as) lecionam de

10 a 20 anos, seguidos por 47% docentes de 21 a 30, e 20% que estão nessa profissão há

mais de 30 anos. A análise dos dados demonstrou que a maioria dos professores

pesquisados, 67%, exerce a docência há mais de vinte anos, indicando que há um vinculo

duradouro com a instituição e vivência, ao mesmo tempo, em universidades públicas e

privadas, assim como outras funções concomitantes a do magistério. Dos respondentes,

apenas 20% possuem regime de trabalho que varia entre 20 e 40 horas semanais, e 80%

estão na condição de “horista” nessa instituição. De modo geral, a maioria trabalha em três

turnos em instituições e locais diferentes.

Com relação ao quesito: o cinema na vida pessoal dos docentes pesquisados,

100% afirmaram assistir a filmes com frequência distinta, desses: 26% veem

semanalmente; 40%, quinzenalmente; 13%, diariamente e 20%, raramente. A maioria,

47%, prefere assistir em casa. A preferência pelo gênero também diversifica entre:

drama, documentário e histórico, comédia, e somente um respondeu policial, indicando

a diversidade de gosto dos/as professores/as. Quanto à frequência com que trabalha o

cinema em sala de aula, 33% responderam que sempre; 47%, algumas vezes, e 13%

raramente. Segundo suas respostas, a média é um filme por unidade, ou um por

semestre.

Quanto à regularidade, os dados coletados demonstram que a maior parte dos

professores realiza trabalhos e atividades com cinema ao menos duas vezes a cada

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semestre letivo, ou quatro vezes por ano escolar, além de ações realizadas

individualmente ou por um grupo de docentes, sendo difícil a apuração dessa

frequência.

Prosseguindo com a universidade pública, responderam ao questionário 17

professores/as dos variados cursos de licenciaturas: Matemática, Ciências Biológicas,

História, Letras, Pedagogia e Computação. Entre os participantes, 23,5% é do gênero

masculino, e 76,5%, do gênero feminino. Em relação à faixa etária, situa-se entre 26 e

55 anos, sendo a maioria dos sujeitos, 64,6%, nas faixas entre 41 e 55 anos, e 17,8%

entre 26 e 40 anos de idade.

Em relação à pertença étnico racial, 23,5% se declararam pardos; 64,7%,

brancos e 5,9%, negros/afrodescendentes. Os que se declararam da etnia indígena foram

5.9% dos participantes. Nesse quesito, também há predominância do sexo feminino

dentre os sujeitos pesquisados. Quanto ao tempo de atuação, na docência no ensino

superior, varia de cinco a 25 anos, em média. No que tange à formação acadêmico-

profissional dos pesquisados, 17,6% possuem Especialização e Mestrado; 23,5%,

Especialização e Doutorado; 29,4%, só Mestrado; 29,5% possuem as três pós

graduações (Especialização, Mestrado e Doutorado).

Na universidade pública, as aulas são oferecidas nos turnos: matutino, vespertino

e noturno. Nesse último turno, concentra-se a maioria dos cursos de Licenciaturas. A

jornada de trabalho dos docentes distribui-se entre 20 e 40 horas semanais com

predominância de 40 horas.

Com relação ao cinema na vida pessoal dos docentes, 100% afirmaram assistir a

filmes, embora 31,5% não marcaram a frequência com que assistem. Dos 68,5% que

responderam: 1,7% veem diariamente; 8,2%, semanalmente; 47,5%, quinzenalmente;

3,5%, mensalmente; 7,6%, raramente. Desses respondentes, 64,8% preferem assistir a

filmes em casa; 35,2%, em sala de cinema.

A preferência pelo gênero também diversifica entre: drama, documentário e

histórico, comédia, e somente um respondeu policial, indicando a diversidade de gosto

dos professores. Quanto à frequência com que trabalha o cinema em sala de aula, 29,4%

responderam que sempre; 47,1%, algumas vezes, e 11,8%, raramente; 5,8 % não

responderam a frequência. Segundo suas respostas, à média é trabalhar um filme por

unidade ou um por semestre.

Quanto à regularidade, de um modo geral, a maior parte dos professores realiza

trabalhos e atividades com cinema a cada dois meses, (17,6%); raramente, 23,5%,

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semestralmente, 23,5%; englobando mensalmente, 23,5%. Um percentual de 11,9% não

indicou a regularidade. De acordo com os sujeitos pesquisados, 52,9% trabalham com o

cinema em sala de aula para introduzir e/ou desenvolver um conteúdo, ou quando

querem variar; 17,6% usam o cinema quando vão finalizar um conteúdo especifico;

5,9% afirmaram não haver um momento especifico. Como vemos, trata-se de um

momento particular no seu planejamento. Embora os índices revelados de docentes que

afirmam assistir a filmes semanalmente sejam significativos, essa experiência parece

não se estender a sua prática pedagógica.

De qualquer modo, tanto na universidade privada/confessional quanto na pública,

percebe-se que o cinema começa a fazer parte das estratégias metodológicas dos/as

professores/as em sala de aula, seja para introduzir um conteúdo (especifico 100%), seja

para desenvolver no decorrer do assunto ou até mesmo para finalizar. De acordo com

suas respostas, não há, necessariamente, um momento especifico. Os motivos para

trabalhar o cinema vão desde o conhecimento de um filme, outras vezes para atender a

solicitação e/ou indicação dos estudantes, como, também, para variar as atividades em

sala. Talvez por essa razão, conversemos sempre entre nós, professores/as sobre o

cinema na aula universitária.

Em artigo publicado na revista Presença Pedagógica, as autoras Teixeira e

Barboza (2013), com o objetivo de incentivar o cinema na sala de aula, fazem a

indicação de cem filmes para docentes que poderão trabalhar na sala de aula. No caso

particularmente desta pesquisa, cabe indagar: Quais seriam os bons filmes para

aprimorarmos nossa formação profissional e nossa docência? Quais seriam os filmes

mais adequados para trabalhar com estudantes universitários? Que critérios adotar? Que

filmes escolher?

De limites e possibilidades: o cinema na aula universitária

A pesquisa revelou que, embora os docentes apresentem alguns

limites/dificuldades para trabalhar o cinema em sala de aula, eles reconhecem que esse

artefato pode oferecer férteis possibilidades educativas, horizontes possíveis de

trabalhos em parceria, para o bem-viver e o bem-educar a conviver, uma aprendizagem

coletiva e colaborativa.

No que tange aos limites, além da falta de recursos audiovisuais e espaço físico

adequado, conforme revelados no questionário, a própria concepção que os docentes

têm sobre o uso do cinema na sala de aula e sua importância na formação do cidadão

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crítico, até mesmo as dificuldades de diferentes ordens para frequentar o cinema. No

caso da universidade privada/confessional, a predominância de professores horistas foi

um dos fatores dificultadores que alegaram a falta de tempo para diversificar as

atividades em detrimento do cumprimento do programa. Outro problema apontado no

questionário aplicado nas universidades pesquisadas diz respeito às questões básicas, como

insuficiência de equipamentos e manutenção ineficiente, falta de espaço físico adequado,

falta de apoio técnico para orientação do uso dos recursos DVD, TV, Datashow, recursos

esses que alterem de alguma forma os papéis tradicionais de professores e estudantes

Para que essa questão seja equacionada, é necessário, em primeiro lugar, que

gestores reconheçam que as condições materiais da universidade impactam fortemente o

desempenho de aprendizagem dos estudantes e, por conseguinte, a prática pedagógica,

importante fator de qualidade na educação.

Os participantes da pesquisa destacaram que, de modo geral, os filmes provocam

algumas mudanças acerca do modo de pensar, encarar e discutir uma temática atual

junto aos estudantes universitários. Graças ao seu aspecto ilustrativo, ajuda na

assimilação dos conteúdos mais difíceis de serem abordados apenas por meio de debates

e leitura de textos. Acreditam ainda que a imagem é fundamental para despertar a

reflexão e a possibilidade de elaboração de análises.

No que diz respeito ao uso do cinema propriamente dito, não deve ser visto

apenas como lazer, voltado para o consumo de massa, fonte de lucro ou que reforça a

passividade do espectador.

Avançando nessa discussão, Duarte (2002) afirma que a arte cinematográfica

exige o entendimento de que:

Diferente da escrita, cuja compreensão pressupõe domínio pleno de códigos e

estruturas gramaticais convencionados. A linguagem do cinema está ao

alcance de todos e não precisa ser ensinada, sobretudo em comunidades

audiovisuais...(...) o cinema se utiliza para dar sentido às suas narrativas

aprimora nossa competência para ver e nos permite usufruir melhor e mais

prazerosamente a experiência com filmes. (p.38).

Mais recentemente, com os resultados desta pesquisa, vimos tentando

compreender um pouco mais sobre a presença do cinema na sala de aula universitária,

sua diversidade de mensagens, o fascínio que as imagens provocam nos sujeitos, assim

como a relação de seu uso com a condição docente. Uma condição que, na expressão de

Teixeira (2013), se instaura na relação docente/discente e que se desenvolve nos

cenários da materialidade, da cultura e da institucionalidade da escola, que se

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inscrevem, por sua vez, nos processos, estruturas e dinâmicas sócio-históricas mais

amplas.

Para a autora , a condição docente se concretiza no exercício do trabalho de

ensinar e aprender e de aprender ensinando – o labor educativo ̶ que se associa não

somente aos processos de formação de professores (as), mas, sobretudo às condições

objetivas e subjetivas, materiais e simbólicas das escolas e do exercício da docência,

destacando-se as condições laborais sob as quais o trabalho docente se realiza.

Mais especificamente, propomos uma discussão das relações entre Educação e

Cinema, para além da utilização de filmes como recurso didático ou de modo

meramente instrucional. Buscamos o cinema que participa da história não apenas como

técnica, mas como arte e ideologia, como linguagem e fruição estética, um cinema que

interroga ao mesmo tempo que contempla e encanta a vida humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cinema, o entendemos e o buscamos, por acreditar que o olhar

cinematográfico enriquece o nosso olhar sobre a educação, o processo de ensino e

aprendizagem, a relação arte e ciência. Tal como a literatura, a pintura, a música, ele

pode ser um meio de os docentes explorar os problemas vivenciados no cotidiano da

sala de aula, como também, aqueles mais complexos do nosso tempo e da nossa

existência, expondo e interrogando a realidade em que nós, os docentes, vivemos,

impedindo que ela nos obscureça e nos submeta.

Os resultados da investigação sinalizam que os docentes pesquisados colocam

sobre o cinema expectativas educacionais bastante ambiciosas. Entretanto, reservam um

papel modesto para os filmes em suas práticas em sala de aula. Os professores revelaram

dificuldades materiais e apoio institucional no desenvolvimento de atividades que alterem

papéis tradicionais de professores e estudantes.

Os professores universitários pesquisados e nós, formadores de futuros

profissionais, devemos buscar o cinema que nos interrogue, que nos leve a refletir, que

favoreça novas formas de viver e habitar o mundo, outro mundo, possível e necessário,

um horizonte possível.

Acreditamos que a aula universitária pode abordar o cinema como objeto de

conhecimento, meio de comunicação e expressão de pensamentos e sentimentos,

entrelaçando arte/estética/ensino. Nossa hipótese é que o docente sabendo fazer uso do

cinema com criatividade, suas aulas podem tornar-se mais atrativas e incitar os alunos a

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se colocarem como sujeitos históricos, construtores do conhecimento, produtores de

cultura.

Pensar outras possibilidades para a prática pedagógica em relação aos usos do

cinema na aula universitária significa também pensar práticas pedagógicas estéticas,

sensíveis e bem informadas que possam transformar os espaços físicos das salas de aula

expandindo-se para outros espaços culturais.

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DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: PARA ALÉM DA SALA DE AULA

COSTA, Maria do Perpétuo Socorro de Lima (Universidade Federal dos

Vales do Jequitinhonha e Mucuri)

RESUMO

No exercício de suas atividades profissionais na universidade, o/a professor/a amplia o

espectro da docência incluindo também as ações de pesquisa e extensão. A partir da

articulação dessas funções no âmbito universitário, apresentamos esse trabalho, parte de

uma tese de doutorado concluída, cujo objetivo foi analisar a prática pedagógica de

docentes universitários para além da sala de aula, ou seja, pela via dos projetos de

extensão. A investigação foi realizada em uma universidade federal situada no Vale do

Jequitinhonha, através de observação e entrevistas, tendo como objetivo geral identificar

e analisar em projetos de extensão realizados pelas professoras, as concepções, as

metodologias, as dificuldades e tensões presentes no desenvolvimento de tais projetos

oriundos da área de saúde e implementados em escolas públicas de educação básica da

região. Como referencial teórico, utilizamos Paulo Freire por meio do livro:

Comunicação ou Extensão? (2011) que, mediante ao variado “campo associativo” da

extensão nos levam a concluir que a relação significativa de extensão sugere “formação,

aprender/ensinar-ensinar/aprender, planejar juntos, observar o que as crianças precisam,

perceber, pensar/refletir, educar e educar-se, ação e reflexão, relação entre universidade

e escolas”. Essas reflexões vão ao encontro dos saberes e fazeres da docência, da sala de

aula à extensão “além dos muros universitários”, que articuladas, são interfaces de um

mesmo fazer. Presentes em suas práticas pedagógicas diminuem a distância entre

universidade e escolas, por meio da interação dialógica, articulando ensino, pesquisa e

extensão.

Palavras-chave: Docência universitária; Sala de aula; Extensão universitária

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INTRODUÇÃO

A extensão como prática pedagógica no exercício da docência pode ser um dos

elementos na constituição profissional do docente universitário brasileiro. No exercício

da docência no ensino superior, o/a professor/a amplia o espectro de suas funções,

incluindo também as ações de pesquisa e extensão. De “extensão eventista inorgânica à

extensão processual orgânica” (REIS, 1994), a extensão foi se ressignificando nos

fazeres e saberes acadêmicos dos docentes ao longo de décadas. Assim a prática

pedagógica docente no ensino superior, extrapola a sala de aula pela via dos projetos de

extensão em articulação com diversos setores sociais, entre eles escolas públicas de

educação básica. É nesse contexto que apresentamos esse trabalho como resultado de

uma investigação que centrou-se nas configurações de projetos de extensão da

UFVJM/Diamantina em escolas de educação básica, indagando acerca dos modos pelos

quais neles se apresentam as relações universidade-escola e práticas pedagógicas da

docência universitária de extensão, ou seja: que tipo de relação professores/as da

universidade desenvolvem com os profissionais da escola? Até que ponto elas se

aproximam de relações dialógicas, de relações extensionistas e/ou até que ponto

revelam outras dinâmicas e configurações? Quais dificuldades e tensões vão se

constituindo no desenvolvimento dos projetos de extensão da UFVJM em escolas, numa

dimensão pedagógica que extrapola os muros da universidade?

Essas questões foram desenvolvidas a partir de relatos dos atores da educação

superior – professores/as e bolsistas de projetos de extensão, respectivamente e de

atores de escolas de educação básica – professores/as, pedagogas e diretores/as - que

participam desses projetos de extensão em escolas da educação básica, pertencentes ao

sistema público de ensino da cidade de Diamantina, município de Minas Gerais/Brasil.

Quanto ao objetivo geral da investigação, buscamos identificar e analisar concepções,

atividades, dificuldades e tensões, bem como as interações universidade e escola

presentes em projetos de extensão UFVJM em escolas públicas de educação básica de

Diamantina, por meio de relatos de seus protagonistas e de formulações de Paulo Freire

sobre extensão e comunicação.

A universidade, constituída no tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, além

de ser um local de trabalho, deverá desempenhar suas responsabilidades sociais, que se

caracterizam por uma multiplicidade de relações socioculturais, históricas e políticas,

inscritas na sua própria dinâmica como organização escolar. Consideramos a escola,

espaço também marcado por relações socioculturais, históricas e políticas, inscritas na

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sua própria dinâmica, como um dos espaços fundamentais para que a universidade

cumpra uma de suas funções sociais: interação com a sociedade.

A problemática dos projetos de extensão e das questões de pesquisa foram

situadas no quadro geral do contexto sócio histórico do Vale do Jequitinhonha e dos

percursos das práticas de extensão na universidade brasileira nessa região. Quanto à

ênfase em procedimentos qualitativos de cunho sócio histórico, foi uma opção, tendo

em vista os propósitos e questões da pesquisa e o trabalho com relatos de práticas

sociais de extensão em escolas.

A Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri/Campus

Diamantina (UFVJM/Diamantina) foi escolhida como unidade de análise por ser uma

universidade, que marca o início da implantação do ensino superior público e gratuito

nos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, regiões de Minas Gerais, na qual é possível

perceber uma certa preocupação quanto às relações entre a universidade e a comunidade

local e regional, que dão origem às ações de extensão.

Elegemos Paulo Freire como referência central para a discussão das dimensões

das interações entre universidade e escola e demais questões de estudo, a partir dos

fundamentos que apresenta em seu livro “Comunicação e Extensão” (2011), uma vez

que esses contribuem de forma significativa para a compreensão dos modos de interação

e como isso interfere expressivamente no “pensar” e no “fazer” extensão universitária, e

na determinação das intencionalidades da ação de extensão no contexto da docência

universitária. Para a elaboração desse artigo, utilizo o material empírico produzido em

minha tese de doutoradoiii

constituído por dois estudos de caso, nos quais as professoras

universitárias narram suas histórias na docência e, com isso, significam e ressignificam

concepções, dificuldades e tensões quanto à extensão universitária, vividas por elas, ao

longo de sua profissão.

A docência se desdobra na extensão: o “Projeto de Análise da Aceitabilidade de

Frutas por Crianças e Busca de Melhoria de Qualidade de Vida.”

O primeiro caso analisado se refere ao projeto de extensão intitulado: “Projeto

Análise da Aceitabilidade de Frutas por Crianças e Busca de Melhoria de Qualidade de

Vida” vinculado ao Programa Escolas Promotoras de Saúde. Este Programa articula três

Projetos de Extensão desenvolvidos entre 01 de agosto de 2011 e julho de 2014, tais

projetos se dirigiam as escolas básicas de Diamantina, a fim de atender suas demandas e

necessidades. De acordo com a coordenadora do projeto, houve um movimento de

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articulação desse programa com ações desenvolvidas pelos postos de saúde, creches e

escolas públicas municipais de educação infantil, bem como com ações desenvolvidas

com escolas da rede estadual.

No que concerne à dificuldades e tensões presentes nas relações e práticas

presentes ao longo da realização do Projeto, foco deste artigo, algumas se destacam,

sendo que é sabido que a extensão universitária é uma das formas de se criar vínculos e

diálogos entre a universidade e a sociedade. Entretanto, tais relações não são simples e

podem conter dificuldades e tensões, tanto quanto limites e desafios vindos de ambas as

partes, seja em termos mais amplos e gerais, seja no desenvolvimento de ações entre

ambas. Sendo assim, ao longo das relações e práticas que constituíram o

desenvolvimento desse Projeto “há dificuldades e tensões que identificamos e buscamos

compreender.

Em outras palavras, processos e práticas sociais estão sempre inscritos nas

dinâmicas das relações sociais, no caso do projeto em análise, dinâmicas institucionais

da UFVJM/Diamantina e da Escola Estadual Sempre-vivaiv

, cada uma com seu público

e atores sociais específicos, cenas e cenários de entendimentos e interações, mas

também de dificuldades e tensões.

Quanto às dificuldades entende-se como qualquer tipo de entrave, de empecilho,

de problemas que complicam, prejudicam, que embaraçam ou impedem a realização de

algo tal qual desejado ou esperado. Diferentemente, embora ambas estejam associados,

constituindo-se mutuamente, as tensões são aqui entendidas como pontos de fricção, de

atrito, de desentendimento ou de desajustes, que envolvem diferentes concepções,

interesses, modos de ver e de agir. Considera-se, ainda, que dificuldades podem tornar-

se e provocar tensões, tanto quanto tensões podem se tornar dificuldades no interior de

processos e práticas sociais.

No primeiro nível de análise, interno à UFVJM, algumas dificuldades e tensões

ficaram claras nos relatos da coordenadora do Projeto do Curso de Nutrição. Os tipos de

dificuldades e as tensões em que resultam, estão associados a fatores da organização

interna da UFVJM/Diamantina e da própria universidade pública brasileira, dentre eles:

a organização do trabalho e da carreira dos/as professores/as destas instituições; os

ordenamentos relativos às atividades complementares dos estudantes de graduação;

aspectos relativos à articulação e comunicação interna entre setores e instâncias da

universidade e problemas pertinentes à materialidade da própria instituição

universitária, envolvendo equipamentos e vários tipos de recursos materiais disponíveis

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para os projetos de extensão. Esses níveis de organização e de problemas, por sua vez,

estão em grande parte relacionados ao lugar da extensão na vida universitária, à sua

importância, à sua maior ou menor desvalorização no conjunto das funções e

responsabilidades sociais da universidade que envolvem, formalmente, o tripé da

pesquisa, ensino e extensão. No segundo nível das dificuldades e tensões, elencadas

pela coordenadora, concernentes aos encaminhamentos do Projeto em sua realização na

escola, um aspecto relevante foi ressaltado: a avaliação do trabalho realizado. Segundo a

professora, a avaliação efetuada pela UFVJM sobre os projetos de extensão se resume

na apresentação de um relatório escrito ao final do trabalho, que deverá ser

encaminhado à Pró Reitoria de Extensão e Cultura, acerca dos benefícios e objetivos

alcançados. Para a coordenadora, contudo, isso não é suficiente para avaliar as ações de

extensão desenvolvidas, pois a PROEXC não dá o retorno para que saibam se podem

melhorar ou não quanto aos mesmos.

Observando as atividades deste projeto, relativo à aceitabilidade das frutas, a

equipe da UFVJM coordenada por uma professora, atuou principalmente na esfera do

conhecimento, da transmissão de informações levadas às crianças sobre os alimentos,

falando inclusive de coisas que elas já sabiam, segundo a própria coordenadora. Prática

coerente com a própria concepção que traziam consigo no sentido do entendimento da

extensão como levar o conhecimento da universidade para a escola. No entanto, a

questão estava em outro lugar: dos quereres, da vontade, do gosto já formado naquelas

crianças. Esse cenário indica que há um grande caminho a percorrer, sendo um deles, o

da avaliação dos projetos de modo contínuo e substantivo, analisando os entraves à sua

execução, numa interação dialógica entre os atores neles envolvidos.

Um outro ponto a salientar, no elenco das tensões do Projeto no nível de seu

encaminhamento na escola, é a dificuldade de comunicar com as escolas o que será

desenvolvido por meio do Projeto, bem como da dificuldade das escolas entenderem os

limites dos estágios, das pesquisas e da extensão. Além disso, os atores da escola

deixam clara sua insatisfação quanto ao foco do Projeto, quanto ao período de seu início

e finalização e aos problemas que traz para a dinâmica da escola, o que nos remete à

constatação de que a universidade tem problemas para entender e apreender as

complexidades que cercam a organização da escola, o que nos leva a pensar que há

dificuldades mútuas, o difícil caminho não somente de uma comunicação clara, mas,

sobretudo, os desafios da construção de uma interação dialógica nas ações de extensão.

Se há dificuldade de comunicação entre universidade e escolas, como proceder

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para que a interação dialógica ocorra de fato? E a quem caberia “trabalhar”, “tecer”,

“construir”, instaurar”, “favorecer”, “conquistar” essa verdadeira comunicação entre os

atores, entre os parceiros nos projetos de extensão? Esse não deveria ser um esforço

sobretudo da universidade, que extrapola os formulários de avaliação e a formalização

dos projetos, posto que a questão do entendimento mútuo, da comunicação é central no

desenrolar das práticas e relações sociais do dia a dia dos projetos? Retomando Freire,

o autor argumenta que se não há diálogo, reflexão, comunicação, caímos nos slogans,

nos comunicados, nos depósitos, no dirigismo. E ao pensar nas dificuldades, quanto à

comunicação, é preciso que se instaure na aprendizagem dessa dialogicidade, a criação

de uma nova atitude dialógica, no âmbito da relação dos dois sujeitos em comunicação:

a universidade e escolas. E se existe o propósito de interagir com a sociedade por parte

da universidade, é preciso considerar, na perspectiva freiriana (2011, p.87), que “o

sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a coparticipação de

outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um “penso”, mas um

“pensamos”.” Assim, é o pensando junto com e não para com que estabelece o

“penso” e não o contrário. Seguindo com Freire, a “coparticipação dos sujeitos no ato de

pensar se dá na comunicação”.

Por isso, um “projeto pronto”, na expressão usada pelas professoras da escola, ao

se referirem ao Projeto em estudo, ideia que a coordenadora reitera, irá inibir, prejudicar

e pode inviabilizar uma comunicação entre as partes, entre um sujeito e outro. A

comunicação verdadeira, segundo Freire (2011), não pode estar na exclusiva

transferência do conhecimento de um sujeito – UFVJM/Diamantina – a outro – escolas

de educação básica – mas na coparticipação das significações no ato de compreender,

inclusive porque na comunicação inexiste sujeitos passivos. Nesse segundo plano de

análise, relativo às dificuldades e tensões oriundas do encaminhamento do projeto,

algumas delas apareceram mais claramente nos relatos das profissionais da Escola

Estadual Sempre-viva ouvidas na pesquisa. Estas foram agrupadas em três ordens de

questões.

No que toca ao funcionamento interno à escola, entre outros, dois problemas

sobressaíram. Um deles refere-se ao excesso de projetos que a escola tem sido obrigada

a desenvolver, conforme determinações da Secretaria de Estado da Educação, como

salientado pela diretora. O outro diz respeito às responsabilidades da escola quanto ao

aprendizado das crianças, adolescentes e jovens, seu público. Alfabetizar, ensinar os

conteúdos disciplinares a contento, sobretudo em tempos de avaliações externas

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estandartizadas, como as que imperam hoje sobre as instituições escolares, são

elementos que tensionam o dia a dia da escola, de seus profissionais, de seu público.

Não pode haver perda de tempo, conforme ouvimos da diretora. Esse é o cenário no

qual os projetos da universidade chegam ao território da escola. E, no caso em estudo,

um Projeto que chegou “pronto”, ideia a ser destacada, tendo em vista o que este fato

representa nas relações da universidade e escola, indo em sentido oposto ao da

coparticipação, ao da extensão como prática social dialógica na acepção freiriana. Essa

tensão está claramente colocada pela diretora e a especialista em educação da escola e

as próprias professoras também argumentam que a Universidade precisa da escola,

assim como a escola precisa da universidade, mas elas, aquelas educadoras, entendem

que os projetos deveriam ser construídos junto com elas e eles, a equipe da Escola.

Essa visão é unânime na equipe da Escola, além de recorrente nas falas: “a universidade

está lá, e nós estamos aqui”. Não existe uma interação entre ambas, uma das razões

pelas quais ela entende que “o projeto deveria ser montado dentro da escola”. Ademais,

é possível supor que se os projetos de extensão forem planejados junto com a escola,

suas atividades e práticas poderão ser outras, terão outros significados e importância

para a escola, seus profissionais e seu público, podendo até mesmo configurar-se em

bases dialógicas, do planejamento à finalização do trabalho, ou seja, da execução da

proposta. Em outros termos, se para a Escola esse diálogo é central, também para a

universidade o é, pois até mesmo numa perspectiva extensionista, no sentido da

transmissão de conhecimentos, num trabalho conjunto, tais conhecimentos ganhariam

outros significados e importância para a escola e seu público.

Finalizando, vê-se que uma parte das dificuldades e tensões relativas à

realização do Projeto “Análise da aceitabilidade de frutas por crianças e busca de

melhoria da qualidade de vida” é da ordem da comunicação, das interações entre

universidade e escola, tornando-se imprescindível promover a interação dialógica para

que novos e futuros trabalhos de extensão sejam mais profícuos.

Questões para a docência universitária na atividade de extensão: o “Projeto

Educação em Saúde - Uso Racional de Medicamentos.”

Esse projeto teve origem em uma pesquisa de mestrado do Programa Saúde,

Sociedade e Ambiente (SASA), intitulada “Inquérito populacional e análise estimativa

da distribuição espacial da automedicação infantil em municípios do Vale do

Jequitinhonha, Minas Gerais”, mediante edital de Extensão em Interface com a

Pesquisa. Esse projeto de extensão foi desenvolvido por uma professora do Curso de

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Farmácia, a partir do referido inquérito populacional, realizado por meio da aplicação de

questionários sobre automedicação infantil, em 22 municípios do Vale do Jequitinhonha.

Por meio da pesquisa, constatou-se que as mães tinham muitas dúvidas quanto

ao uso correto de medicamentos e armazenamento e, assim partir desses resultados,

consideraram pertinente discutir e compartilhar com a comunidade a questão dos riscos

e benefícios dos medicamentos, já que esses temas estavam presentes em seu cotidiano.

O Projeto foi desenvolvido com estudantes de duas escolas públicas de educação básica

de Diamantina. Na Escola Estadual das Catadoras e na Escola Estadual Chica da Silva,

as atividades foram desenvolvidas entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro

semestre de 2014, sob a responsabilidade do Curso de Farmácia da

UFVJM/Diamantina.

Assim, da sala de aula à extensão universitária, o Projeto levado às escolas se

configurou a partir da problemática central: „podemos tomar medicamentos sem

orientação e receita médica‟? Com esse Projeto, os atores sociais da universidade,

buscaram por meio da extensão, compartilhar seus conhecimentos e os resultados da

pesquisa realizada. Esses elementos que deram origem ao Projeto e a ideia de se

conversar com a comunidade sobre riscos e benefícios dos medicamentos indicam

práticas pedagógicas de integração entre pesquisa e extensão, tal como observado no

Projeto dos Alimentos, evidenciando que em ambos os casos, a extensão não somente se

articulou à pesquisa, como também nasceu delas.

Assim como no primeiro caso, algumas questões são pertinentes nas relações e

práticas desenvolvidas pelos docentes universitários neste projeto sobre medicamentos.

Destacam-se algumas delas, constituindo-se questões para se analisar a docência

universitária na atividade de extensão.

Tal como no projeto do Curso de Nutrição, procuramos extrair dos relatos da

coordenadora do Projeto do Curso de Farmácia da UFVJM/Diamantina e dos

profissionais da escola as dificuldades e tensões presentes no desenvolvimento do

Projeto “Uso Racional de Medicamentos”. Assim, em um primeiro nível de análise,

foram identificadas as dificuldades geradoras de tensões associadas aos ordenamentos

internos da extensão universitária na UFVJM/Diamantina. No segundo nível analítico,

são apresentadas as dificuldades e tensões relativas ao encaminhamento do Projeto no

interior da Escola Estadual Chica da Silva.

No primeiro nível de análise das dificuldades e tensões pode-se elencar um

conjunto variado de questões, dentre elas, destacamos, a questão do currículo, como

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apontado pela coordenadora. Para Marília, a extensão deveria ser uma disciplina

obrigatória na matriz curricular dos Cursos de Graduação da UFVJM, mas não somente

a extensão, como também certas temáticas do universo das organizações, das culturas e

outros assuntos necessários à formação profissional dos acadêmicos. Ainda no que diz

respeito à matriz curricular, a coordenadora apontou o problema do excessivo número

de horas destinadas ao ensino, em detrimento da carga horária de extensão e pesquisa.

Ela avalia que aí se situam as dificuldades para os estudantes dos cursos da área da

saúde que teriam que conciliar pesquisa, ensino e extensão, além de insistir em

temáticas que deviam estar na formação dos estudantes, reiterando a mesma tensão

constatada no Projeto dos alimentos do Curso de Nutrição. Trata-se da desvalorização

da extensão no tripé ensino-pesquisa-extensão, segundo Marília, na conjuntura atual

“poucas universidades têm em suas matrizes curriculares os 10% de creditação

curricular da extensão universitária”. Assim como Maria Luiza, coordenadora do

Projeto dos alimentos, Marília também considera necessário registrar as horas de

extensão universitária, garantindo na matriz curricular os 10% de creditação.

Por outro lado, o baixo investimento de recursos na extensão e a precária

infraestrutura são também considerados fatores de sua desvalorização e aparecem, tal

como nos relatos sobre o Projeto de alimentos, como um ponto de tensão. A falta de

transporte e os trâmites burocráticos para a aquisição do material necessário aos projetos

foram apontados pela coordenadora como entraves para o desenvolvimento das ações de

extensão. Para a coordenadora falta repensar na universidade esta interlocução entre

ensino, pesquisa e extensão.

Entre as dificuldades apontadas pela coordenadora, há questões em comum com

o Projeto do Curso de Nutrição, entre eles, o problema da falta de material. Trata-se de

uma questão interna à UFVJM que se relaciona, também, com as instruções normativas

de sua divisão de compras e licitação. Acrescentando novos elementos às tensões

existentes neste nível de análise, dos ordenamentos e dinâmicas internas à UFVJM, a

coordenadora levanta um outro tipo de problema, concernente tanto à atuação da

universidade internamente, com desdobramentos na escola: a questão da

interdisciplinaridade, do diálogo e à coparticipação articulada de diversos/as

professores/as e áreas nos projetos nas escolas. Marília pondera: [...] “é uma atividade

que pode ser multiprofissional, porque tem hora que vai Odonto, tem hora que vai a

Farmácia, não! Vamos unir os cursos pra então mover essa ação dentro da escola‟, eu

acho que deveria repensar isso”. (Entrevista com professora em 10/06/2014)

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No segundo nível de análise, que toca aos encaminhamentos do Projeto no

interior da escola propriamente, dificuldades e tensões inscritas no desenrolar do Projeto

dos medicamentos na escola, articula ordenamentos internos à escola, à cultura e tempos

escolares e as atividades do cotidiano escolar (incluindo os aspectos das exigências da

Secretaria Estadual de Educação, às atividades, metodologia, etc) aos encaminhamentos

do Projeto no dia a dia da escola.

Uma primeira ordem de aspectos a considerar diz respeito à interação entre

universidade e escolas. Conforme a coordenadora, “há falta de representatividade das

escolas de educação básica dentro da universidade”. Junto disso, há também uma

concepção de superioridade da universidade, ideia a ser desconstruída, conforme suas

palavras, sendo este um dos fatores produtor do distanciamento existentes entre ambas.

Ainda sobre a distância universidade-escola ou escola-universidade, a coordenadora

considera que é preciso que o Projeto Político Pedagógico da escola tenha como meta a

interação entre escola e universidade, que possa ter parcerias sistemáticas e regulares

entre a UFVJM e as atividades de extensão, ensino e pesquisa. A interação entre escolas

e universidade é imprescindível, segundo a coordenadora, pois para ela, seria necessário

que a universidade “conversasse, discutisse como os projetos deveriam ser elaborados

para as escolas, trazendo essas pessoas para dentro da universidade, “para conhecer a

Farmácia, a Odonto, a Fisioterapia, todos esses/as professores/as”. Pensando essa

proximidade necessária entre a universidade e a escola, a coordenadora traz outros

elementos à sua argumentação, no sentido dos saberes distintos e complementares que

ambas possuem, a serem postos em diálogo, pois “nós estamos num território de

saberes diferentes, tão importantes quanto, só que ainda eles não descobriram o que

juntos faríamos melhor. “Tem que ter o saber das partes, porque a escola tem muita

experiência, ela tem uma história construída com o universo dela, das quais nós não

temos”, relata a coordenadora. É notória a sensibilidade e a perspectiva de Marília, seja

em sua atenção para com as questões da cultura da escola e com a necessidade de

conhecê-la; seja quanto ao seu respeito e consideração com os conhecimentos outros, da

escola e seus sujeitos; seja quanto à autoria dos trabalhos que deveriam ser uma

coautoria, uma interação entre os sujeitos da universidade e da escola, horizontalmente

situados; seja no que concerne ao aprender com a extensão, a aprender com a escola e

não somente ensinar, como visto anteriormente. Esses elementos, entre outros, parecem

aproximar a perspectiva dessa coordenadora de algumas das preocupações de Freire no

sentido da extensão como prática social dialógica, de comunicação.

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Completando o quadro das dificuldades e tensões do desenrolar do Projeto “Uso

racional de alimentos”, a coordenadora coloca a questão da avaliação dos trabalhos, que

para o diretor e professora da escola está muito associado ao problema do que eles

consideram o retorno dos resultados do Projeto para a escola. A esse respeito, a

coordenadora considera que é necessário fazer uma avaliação dos projetos de extensão,

tanto por parte da universidade quanto por parte da escola, “com o objetivo de avaliar os

pontos fortes e frágeis da extensão universitária”. Esta mesma consideração foi feita

pela coordenadora do projeto do Curso de Nutrição. Ela considera que a avaliação dos

projetos realizados é um fator preponderante para que as ações de extensão possam ser

re-planejadas. Coordenadoras e bolsistas de ambos os projetos consideram que quanto à

avaliação a pró reitoria ainda não criou mecanismos de comunicação entre os relatórios

dos projetos e o feedback entre PROEXC e coordenadores dos projetos, pois conforme

relatado anteriormente, não há um retorno após a entrega dos relatórios pela

coordenação. Ambos Projetos insistem na ideia de que é necessário “pontuar quais

foram suas dificuldades, o que foram os pontos fracos e os pontos fortes. Quanto ao

feedback por parte da escola, a coordenadora é de opinião que deveria ser criada uma

ferramenta de avaliação para escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A universidade tem sido palco de análises e debates que destacam seja o

ensino, seja a pesquisa, seja a extensão. Essa “tríade” faz do exercício da docência na

vida universitária o lócus de saberes e fazeres, na formação de novos profissionais e

cidadãos do país, nas mais variadas áreas do conhecimento, processos sempre inscritos

nas dinâmicas sócio históricas das sociedades

Ao buscar nos relatos dos/as atores sociais da universidade as concepções que

norteiam suas ideias, atividades e práticas de extensão, observamos a complexidade, as

ambiguidades e os matizes que as permeiam. Embora em grande parte do que vimos e

ouvimos a concepção e práticas de extensionismo predomine, há lampejos de

dialogicidade e de princípios propostos por Freire, no que toca à ação de extensão como

comunicação construída entre sujeitos de saberes, de direitos, de ação, capazes de

interrogar e de reinventar o mundo por oposição a seres sobre os quais se depositam os

conteúdos extensionistas tal como nas práticas de educação bancária, na expressão

freiriana.

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Embora teoricamente se reconheça a importância da extensão em si mesma,

muitas vezes ela é entendida e a observamos como se fosse um complemento das

atividades de ensino e da pesquisa, sendo desvalorizada no interior mesmo da

universidade e nos percursos e carreiras acadêmicas e de pesquisa.

A investigação nos levou a inferir que há um grande esforço dos coordenadores e

bolsistas da universidade para imprimir um novo caráter às ações de extensão,

entretanto, muitos fatores impactam negativamente esse caminhar. Entre eles, destacam-

se, do ponto de vista da universidade as dificuldades relativas à desvalorização da

extensão no tripé ensino-pesquisa-extensão, o que está associado à falta de

flexibilização da matriz curricular; a falta de creditação curricular; a desvalorização da

extensão da pontuação para o plano de carreira universitária; a falta de recursos

financeiros para desenvolvimentos dos projetos. Do ponto de vista da escola, os

entraves já são outros, tal como a regulação do ensino pela via da gestão de resultados;

os rígidos tempos, horários, calendários, currículos e cultura da escola; o excessivo

número de projetos dos quais nem se sabe os sentidos e os resultados.

No entanto, à medida que estas ações extensionistas vão avançando no âmbito da

escola e universidade, percebemos que a extensão começa a tomar um sentido ambíguo,

uma mistura de extensão e comunicação. Sendo ambíguo, contém elementos e sentidos

que se misturam, se completam ou que se opõem. Sendo ambígua e não linear,

encontramos uma variedade de situações e significações que podem estar contidos nas

ações de extensão, tais como: “diálogo, planejamento, adaptações de atividades,

interação entre bolsista e professoras, coordenador e gestor”; o “sentir que houve

conhecimento”; “a vontade de estender por um período mais longo as ações de

extensão”; “a necessidade de dar retorno e resultados para a escola”; “a necessidade de

planejar e trocar ideias de acordo com as necessidades imediatas das turmas”; “a

vontade de levar este sujeito para dentro da universidade”; o propósito de aprender com

a escola”; “ a preocupação com o conhecer a escola, conhecer a cultura da escola”; “o

entendimento da extensão como podendo ser uma via de mão dupla entre universidade e

sociedade”. Mediante esse variado “campo associativo”, a relação significativa de

extensão sugere “formação, aprender/ensinar-ensinar/aprender, planejar juntos, observar

o que as crianças precisam, perceber, pensar/refletir, educar e educar-se, ação e reflexão,

relação entre universidade e escolas”. Nesse sentido, a extensão trouxe outros olhares

não percebidos dentro da sala de aula. Sair da sala de aula, extrapolar os muros da

universidade é reconhecer outros espaços de interação entre universidade e escolas, é

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perceber que as práticas pedagógicas da docência além da sala de aula se constrói ao

longo de sua profissão.

REFERÊNCIAS

COSTA, Maria P. Socorro L. Projetos de Extensão da UFVJM –Diamantina/MG em

escolas de educação básica: ações, concepções e desafios. Tese de Doutorado.

UFMG: 2015

FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011

FORPROEX. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas

Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária (1987-2012)

REIS, Renato Hilário. A extensão universitária na relação universidade-população:

a contribuição do Campus Avançado Médio Araguaia –Programa Integrado de

Saúde Comunitária. Dissertação de Mestrado. UNB, 1988.

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI:

Relatório Institucional da Pró Reitoria de Extensão e Cultura: 2005 a 2014.

i Este trabalho tem origem e constitui pequena parte de tese de doutorado em Educação realizado na Universidade de

Lisboa, Intitulada A Aula Universitária: figurações das Coreografias de Ensino, sob a orientação da Profa. Dra.

Manoela Esteves – U.L e co-orientada pela Profa. Dra. Inês A.Castro Teixeira – UFMG. i Prof. Universidade de Pernambuco, doutorando em educação/FaE-UFMG.

ii Estudante de Pedagogia, bolsista de Iniciação Científica do CNPq.

iii Esta pesquisa é parte do projeto “Enredos da vida, telas da docência: os professores e o

cinema”, realizado mediante apoio de Edital Universal do CNPq (2011/2014) iii

Este trabalho tem origem e constitui pequena parte de tese de doutorado em Educação realizado

na

Universidade Federal de Minas Gerais, intitulada Projetos de Extensão da UFVJM –Diamantina/MG em

escolas de educação básica: ações, concepções e desafios, sendo orientadora a Prof. Drª. Inês Assunção

de Castro Teixeira e co-orientador o Prof. Dr. João Valdir Alves de Souza. iv Foram designados nomes fictícios às escolas e atores sociais participantes da pesquisa.

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