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ISSN 1982 - 0283 DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Ano XXIII - Boletim 10 - JUNHO 2013

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Page 1: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

ISSN 1982 - 0283

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ano XXIII - Boletim 10 - JUNHO 2013

Page 2: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................................................................... 3

Rosa Helena Mendonça

Introdução .............................................................................................................................. 4

Lívia Fraga Vieira

Texto 1 - A profissão docente na Educação Infantil ................................................................ 8

Dalila Andrade Oliveira

Texto 2 - O perfil das professoras e educadoras da Educação Infantil no Brasil .................... 16

Lívia Maria Fraga Vieira

Texto 3: Professoras da Educação Infantil: formação, identidade e profissionalização .........28

Isabel de Oliveira e Silva

Page 3: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

3

ApresentAção

DocênciA nA eDucAção infAntil

1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).

A publicação Salto para o Futuro comple-

menta as edições televisivas do programa

de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este

aspecto não significa, no entanto, uma sim-

ples dependência entre as duas versões. Ao

contrário, os leitores e os telespectadores

– professores e gestores da Educação Bási-

ca, em sua maioria, além de estudantes de

cursos de formação de professores, de Fa-

culdades de Pedagogia e de diferentes licen-

ciaturas – poderão perceber que existe uma

interlocução entre textos e programas, pre-

servadas as especificidades dessas formas

distintas de apresentar e debater temáticas

variadas no campo da educação. Na página

eletrônica do programa, encontrarão ainda

outras funcionalidades que compõem uma

rede de conhecimentos e significados que se

efetiva nos diversos usos desses recursos nas

escolas e nas instituições de formação. Os

textos que integram cada edição temática,

além de constituírem material de pesquisa e

estudo para professores, servem também de

base para a produção dos programas.

A edição 10 de 2013 traz como tema Docên-

cia na Educação Infantil e conta com a con-

sultoria de Lívia Fraga Vieira, professora da

graduação e pós-graduação da Faculdade de

Educação da Universidade Federal de Minas

Gerais - UFMG.

Os textos que integram essa publicação são:

1. A profissão docente na Educação Infan-

til

2. O perfil das professoras e educadoras

da Educação Infantil no Brasil

3. Professoras da Educação Infantil: for-

mação, identidade e profissionaliza-

ção

Boa Leitura!

Rosa Helena Mendonça1

Page 4: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

4

A estruturação da força de trabalho na Edu-

cação Infantil reflete a estruturação histó-

rica dos serviços voltados para o cuidado e

a educação da criança pequena, os quais se

relacionam com as tradições e as inovações

socioculturais e com os modelos de orga-

nização das políticas sociais. Tais modelos

estabelecem relação com as concepções do

papel do Estado, da família e da sociedade na

provisão de serviços de atenção à infância,

no âmbito das políticas educacionais e as-

sistenciais. Assim é que o entendimento da

docência na Educação Infantil requer uma

abordagem histórica das políticas de aten-

dimento e das legislações concernentes. No

Brasil, as políticas que visaram à expansão

da oferta de creches e pré-escolas iniciadas

no final dos anos 1970, articuladas com as

mudanças sociodemográficas das famílias,

com a crescente inserção das mulheres no

mercado de trabalho e com as demandas so-

ciais por atendimento, conformaram deter-

minado padrão dominante de organização

dos serviços voltados para as crianças pe-

quenas, baseado em precárias condições de

trabalho e precário profissionalismo (VIEI-

RA, 1999; ROSEMBERG, 1999; 2002).

Em estudo comparado entre os 30 países2

vinculados à Organização para a Cooperação

e o Desenvolvimento Econômicos - OCDE,

Peter Moss (2006) mostrou que os modelos

de organização dos serviços e do trabalho,

a sua dependência administrativa e as suas

origens históricas acarretam implicações

em relação à formação, aos salários, às con-

dições de trabalho e ao status profissional

dos trabalhadores envolvidos. O autor ar-

gumenta que a formação dos trabalhadores

e a estrutura da força de trabalho na área

não estão separadas dos entendimentos,

das concepções sobre o trabalho e sobre os

trabalhadores que se ocupam diretamente

do cuidado e educação nas instituições de

Educação Infantil. Em última instância, isso

também não está separado das concepções

1 Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição temática.

2 Austrália, Áustria, Bélgica (comunidade flamenga), Brasil, Bulgária, Coreia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estônia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Lituânia, Malásia, Malta, México, Noruega, Polônia, Portugal, República Eslovaca, Turquia.

DocênciA nA eDucAção infAntil

INTRODUÇÃO

Lívia Fraga Vieira 1

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sobre a pequena infância e sobre as próprias

instituições de Educação Infantil, onde o tra-

balho exercido se aproxima do trabalho no

âmbito privado do domicílio familiar.

A descentralização da gestão das políticas

educativas no Brasil, por meio da munici-

palização, enseja enorme diversidade na or-

ganização dos sistemas e redes municipais

de ensino. Os diferentes arranjos das polí-

ticas municipais observados evidenciam a

existência de uma multiplicidade de profis-

sionais com status e formação/qualificação

diferenciados, bem como variadas moda-

lidades de relações de emprego e trabalho.

No setor público municipal, é possível veri-

ficar a criação de novos postos de trabalho

fora da carreira do magistério público, com

salários menores e menores oportunidades

de progressão pelas características da carrei-

ra pública (VIEIRA e SOUZA, 2010).

De forma mais acentuada que nas demais

etapas da educação básica, a Educação In-

fantil constitui-se como um locus por exce-

lência de diversidade de formas de compo-

sição e organização do trabalho docente.

Colaboram para isso os processos e origens

históricas das instituições de Educação In-

fantil, o legado das políticas de assistência

social e de educação, a composição nos mu-

nicípios de instituições públicas e privadas

(organizações comunitárias, filantrópicas

etc.), a presença, em muitas redes, de uma

estrutura dual na composição do corpo do-

cente – professores pertencentes à carreira

do magistério e auxiliares de sala vinculados

aos chamados quadros da carreira civil –,

além da diversidade de terminologias e de-

nominações dos grupos e profissionais que

atuam na Educação Infantil (VIEIRA & SILVA,

2009).

Estudos baseados em estatísticas produzidas

por órgãos oficiais também mostraram que,

no contexto da educação básica, é na Educa-

ção Infantil que estão concentradas as maio-

res proporções dos docentes que recebem

os salários mais baixos e os que praticam as

mais extensas jornadas de trabalho sema-

nais na unidade educacional (BRASIL, 2007;

GATTI & BARRETO, 2009; VIEIRA & SOUZA,

2010; OLIVEIRA & VIEIRA, 2010; VIEIRA & OLI-

VEIRA, 2011).

TEXTOS DA EDIÇÃO TEMÁTICA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL3

Esta edição temática tem por objetivo discutir aspectos históricos da constituição do campo profis-

sional da Educação Infantil no Brasil: creches, escolas maternais e jardins de infância; políticas de

3 Os textos desta publicação eletrônica são referenciais para o desenvolvimento dos assuntos abordados na edição temática Docência na Educação Infantil, com veiculação no programa Salto para o Futuro/TV Escola nos dias 10 e 12 de junho de 2013.

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assistência social; políticas de educação; legislação e políticas públicas: o dever do Estado, o direito

da criança e o município; os profissionais da Educação Infantil no Brasil: heterogeneidade e desi-

gualdades, perfil sociodemográfico, formação inicial e continuada, ingresso, carreira, remuneração,

emprego e condições de trabalho, participação e organização dos sujeitos; as especificidades da do-

cência na Educação Infantil; características do trabalho docente: cuidar e educar; condição docente

e identidades; principais tensões no campo educacional e perspectivas.

TEXTO 1: A PROFISSÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

No primeiro texto da edição temática, são apresentados e discutidos os desafios que se colo-

cam para o atendimento à Educação Infantil que deve ser ofertada em creches e pré-escolas,

em especial no que se refere à definição de qual é o profissional que atuará nesta etapa da

educação, qual deve ser a sua formação e em que condições ele deverá trabalhar.

TEXTO 2: O PERFIL DAS PROFESSORAS E EDUCADORAS DA EDUCAÇÃO

INFANTIL NO BRASIL

O segundo texto da edição temática apresenta o perfil e alguns aspectos das condições de tra-

balho dos sujeitos docentes na Educação Infantil no Brasil, baseados em informações do Censo

Escolar de 2011 e na pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – TDEBB.

TEXTO 3: PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL: FORMAÇÃO,

IDENTIDADE E PROFISSIONALIZAÇÃO

O terceiro texto da edição temática analisa a formação profissional e a construção das identi-

dades dos professores e professoras da Educação Infantil, que devem ser elementos centrais

das políticas e práticas em Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. INEP. Sinopse Estatística do Professor

da Educação Básica. Brasília, 2009. Disponível

em: <http//www.inep.gov.br>

CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar:

questões sobre o perfil do profissional da

educação infantil. In: BRASIL. Ministério da

Educação e do Desporto. SEF/DPE/COEDI. Por

uma política de formação do profissional de

educação infantil. Brasília, 1994.

CAMPOS, Roselane. Trabalho docente e for-

mação de professores da educação infantil.

VII Seminário da REDESTRADO “Nuevas regu-

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laciones en América Latina”, Buenos Aires,

2008. Anais... (CD-ROM).

GATTI, B. A. (coord.); BARRETO, E. S. Profes-

sores do Brasil: impasses e desafios. Brasilia:

UNESCO, 2009.

MOSS, Peter. Structures, understandings and

discourses: possibilities for re-envisioning

the early childhood worker. Contemporary

issues in early childhood, v. 7, n. 1, 2006.

OLIVEIRA, Dalila A.; VIEIRA, Lívia M. F. Tra-

balho docente na educação básica no Brasil.

Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2010. 80

p. (Relatório de pesquisa). Disponível em:

<http://www.trabalhodocente.net.br>

PINTO, Mércia F. N. O trabalho docente na

educação infantil pública em Belo Horizonte.

Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Fa-

culdade de Educação, UFMG, 2009.

ROSEMBERG, Fúlvia. Expansão da educação

infantil e processos de exclusão. Cadernos de

Pesquisa, São Paulo, n. 107, p. 7-40, jul. 1999.

SILVA, Isabel O. Profissionais da educação in-

fantil: formação e construção de identida-

des. São Paulo: Cortez Ed., 2001.

SOUZA, Ângelo R.; GOUVEIA, Andréa B.;

SOUZA, Gizele. Os professores da Educação

Infantil no Brasil: perfil e demandas. Anais

do XV ENDIPE. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

TARDIF, M. e LESSARD, C. O trabalho docen-

te: elementos para uma teoria da docência

como profissão. 3ª ed. Petrópolis/RJ: Vozes,

2007.

VIEIRA, Lívia M. F.; OLIVEIRA, Dalila A. Os su-

jeitos docentes da educação infantil no Brasil:

formação, carreira e condições de trabalho.

Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2011. 30

p. (Relatório de pesquisa).

VIEIRA, Lívia Fraga e SOUZA, Gizele de. Tra-

balho e emprego na educação infantil no

Brasil: segmentações e desigualdades. Edu-

car em Revista. Curitiba/PR, n. especial, p.

119-139, 2010.

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TEXTO 1

A profissão Docente nA eDucAção infAntil Dalila Andrade Oliveira1

A Educação Infantil, compreendendo o aten-

dimento às crianças de 0 a 5 anos em cre-

ches e pré-escolas, como parte constitutiva

da educação básica, tem se tornado, cada

vez mais, um desafio a ser enfrentado pelo

Estado como um todo e pelos gestores mu-

nicipais, especialmente. Com as alterações

recentes sofridas pela Constituição Federal

no seu artigo 208, resultantes da nova re-

dação dada pela Emenda Constitucional n.

59/2009, a educação ofertada em creches e

pré-escolas teve sua inclusão entre os deve-

res do Estado, estabelecendo a obrigatorie-

dade escolar entre 4 e 17 anos. A partir dessa

mudança, novos desafios se colocam para o

atendimento a essa etapa da educação bási-

ca, de responsabilidade primeira dos muni-

cípios, considerando a ampliação do direito

à educação da infância. Dentre esses, a de-

finição de qual é o profissional que atuará

na Educação Infantil e em que condições ele

deverá trabalhar e como deve ser formado.

Desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-

ção Nacional (Lei nº 9.394/96) que a Educa-

ção Infantil, abrangendo o atendimento em

creches e pré-escolas, foi incluída ao siste-

ma escolar como primeira etapa da Educa-

ção Básica. Tal inclusão representou uma

mudança radical na compreensão do atendi-

mento à infância, que passou a ser caracteri-

zado como educacional, devendo, portanto,

seguir as diretrizes e normas da educação.

Essa mesma Lei estabeleceu o prazo de três

anos, a partir de sua publicação, para que

as creches e pré-escolas se integrassem ao

sistema de ensino.

Dez anos depois, a Emenda Constitucional

nº 53/2006 e sua consequente regulamenta-

ção, por meio da Lei nº 11.494/2007, amplia-

ram para todas as etapas da Educação Básica

a sistemática de financiamento, antes restri-

ta ao Ensino Fundamental, criando o Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-

cação Básica e de Valorização dos Profissio-

nais da Educação (FUNDEB), que passou a

contemplar essa etapa da educação básica,

portanto, garantindo o financiamento da

educação de 0 a 5 anos.

1 Professora do Programa de Pós-Graduação e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado). Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Pesquisadora do CNPq e da FAPEMIG (PPM).

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A ampliação desse direito tem resultado em

maior atenção das políticas educacionais à

Educação Infantil, fato recente na história

do país. Concebida como assistência por

longo período, a Educação Infantil se de-

senvolveu de forma periférica ao sistema

escolar, como lugar de guarda, ou mesmo

relegada à informalidade, à filantropia, ao

voluntariado e a arranjos domésticos. Essa

experiência marcou profundamente esta

etapa da educação básica, imprimindo de-

terminadas identidades a esse trabalho que,

ainda hoje, mais de 15 anos depois de essa

etapa ser incluída no sistema educacional,

ainda persistem. A Educação Infantil sofre

de indefinição em relação a importantes

aspectos de sua organização, de seus obje-

tivos e de suas funções. O debate é comple-

xo, envolvendo concepções de infância e de

educação que permitem pensar esta etapa

da educação básica para além do arremedo

da forma escolar clássica, do currículo disci-

plinar e da educação como ensino e apren-

dizagem.

Muitas têm sido as iniciativas nessa direção.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil e as Diretrizes Curricula-

res Nacionais Gerais para a Educação Básica

são exemplos de esforços no sentido de se

definirem os objetivos e a função desta eta-

pa da educação básica. Contudo, são muitas

as imprecisões que persistem na Educação

Infantil, sob as quais residem desigualdades

e injustiças que precisam ser corrigidas.

Recentemente, a Câmara de Educação Bási-

ca do Conselho Nacional de Educação ela-

borou o Parecer nº 17/2012, com a finalida-

de de “orientar os sistemas de ensino e as

instituições de Educação Infantil quanto aos

aspectos fundamentais para a organização

e funcionamento dessa etapa educacional,

entre os quais se destacam: a carga horá-

ria, a jornada de atendimento, a organiza-

ção e enturmação, o material pedagógico, a

avaliação e a formação dos profissionais da

Educação Infantil” (Brasil, 2012).

É afirmado, no referido parecer: “Alguns sis-

temas de ensino defendem que na creche

podem trabalhar profissionais não docentes

coordenando os grupos infantis – auxiliares

de desenvolvimento infantil, técnicos em

desenvolvimento infantil, recreacionistas,

monitores, pajens e outras denominações –,

dado que a função desses profissionais não

seria a de ensinar para crianças, mas a de

socializá-las, garantir seu bem-estar”.

A pesquisa Trabalho Docente na Educação

Básica no Brasil realizou um survey2 entre

2 Pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que contou com apoio do Ministério da Educação – MEC, em projeto institucional de cooperação técnica com a Secretaria de Educação Básica – SEB. O trabalho foi realizado em conjunto com oito grupos de pesquisa dos sete estados pesquisados, a saber: GESTRADO/UFMG, GESTRADO/UFPA, GETEPE/UFRN, NEDESC/UFG, NEPE/UFES, NUPE/UFPR, GEDUC/UEM-PR, GEPETO/UFSC.

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os anos 2009 e 2010, em sete estados bra-

sileiros, sendo eles: Minas Gerais, Espírito

Santo, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Pará e

Rio Grande do Norte, em que pela primei-

ra vez se buscou realizar um estudo sobre

a docência na educação básica, compreen-

dendo suas três etapas. Foram considera-

dos sujeitos docentes, nessa pesquisa, os

trabalhadores que realizam atividades que

se relacionam diretamente com o processo

de ensino, sendo compreendidos aí os pro-

fessores e outros profissionais que exercem

atividade de docência. Por meio desta pes-

quisa, buscou-se conhecer uma diversidade

de sujeitos que atuam na educação básica,

realizando a docência, e que muitas vezes

não aparecem nas estatísticas educacionais,

nos planos de cargos e carreira e nas polí-

ticas públicas educacionais. Foi encontrada,

sobretudo na Educação Infantil, uma varia-

da lista de nomenclaturas para designar o

profissional que atua na educação das crian-

ças pequenas.

O objetivo da pesquisa foi analisar o traba-

lho docente nas suas dimensões constituti-

vas, identificando seus atores, o que fazem e

em que condições é realizado o trabalho nas

instituições de Educação Básica de redes pú-

blicas municipais e estaduais e, no caso da

Educação Infantil, em instituições convenia-

das com o poder público. Os resultados do

survey referentes às condições de realização

da docência na Educação Infantil permitem

considerá-las como bastante preocupantes

no conjunto do magistério público, em que

já não são satisfatórias no geral.

A partir de 8.795 entrevistas com docentes

em unidades educacionais nos sete men-

cionados estados brasileiros, utilizando-se

de um questionário com 85 questões e que

contém 319 variáveis, foi traçado o perfil so-

cioeconômico e cultural dos docentes em

exercício na Educação Básica no Brasil. Bus-

cou-se conhecer a divisão técnica do traba-

lho nas unidades educacionais, a emergên-

cia de postos, cargos e funções derivados de

novas exigências e atribuições, bem como

as atividades desenvolvidas pelos docentes.

Procurou-se, ainda, conhecer as condições

de trabalho dos docentes: os meios físicos,

os equipamentos disponíveis, os recursos

pedagógicos, entre outros fatores que inter-

ferem diretamente na realização do traba-

lho docente. Foram coletadas informações

sobre a formação inicial e continuada dos

docentes, o acesso à literatura específica

das áreas de atuação, às tecnologias e a ou-

tros bens culturais para o desenvolvimento

de seu trabalho. As formas de contratação,

as condições salariais e de carreira nas dife-

rentes redes de ensino foram também obje-

to de investigação.

Os dados do survey informam que os piores

vínculos empregatícios (contratos vulnerá-

veis, falta de estabilidade), os mais baixos

salários e as mais precárias condições de

trabalho encontram-se na Educação Infan-

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til. Além disso, é também na Educação In-

fantil que se observa o maior percentual de

profissionais que não detêm habilitação em

nível superior. Merece destaque, ainda, a

observação de que tais condições são ainda

menos favoráveis nas instituições educacio-

nais conveniadas.

OS DESAFIOS PARA A

PROFISSIONALIZAÇÃO DA

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO

INFANTIL

Esses dados de realidade evidenciam alguns

desafios presentes para o exercício da do-

cência na Educação Infantil em creches e

pré-escolas públicas ou conveniadas pelo

poder público que necessitam ser urgen-

temente enfrentados para que o direito à

educação de qualidade seja efetivado. A já

referida Emenda Constitucional n. 53, que

incluiu a Educação Infantil como um direi-

to, inserindo-a como etapa da educação bá-

sica com financiamento pelo Fundeb, o que

podemos considerar um avanço, por outro

lado, resultou em mudanças, no que se refe-

re aos profissionais da educação básica, que

pouco contribuem na direção de maior pro-

fissionalização.

O artigo 61 da LDB no 9.394/96, que na sua

primeira redação estabelecia a exigência de

formação em nível superior para atuação

docente na educação básica, sofreu altera-

ção a partir da Lei no 12.014/2009 que, com

a finalidade de discriminar as categorias de

trabalhadores que devem ser considerados

profissionais da educação, modifica o referi-

do artigo, estabelecendo:

Art. 1o: O art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, passa a vigorar com a

seguinte redação:

Art. 61: Consideram-se profissionais da

educação escolar básica os que, nela es-

tando em efetivo exercício e tendo sido

formados em cursos reconhecidos, são:

I – professores habilitados em nível mé-

dio ou superior para a docência na edu-

cação infantil e nos ensinos fundamen-

tal e médio (BRASIL, 2009).

Dessa forma, a legislação brasileira passou a

considerar que, para atuar na educação bá-

sica, incluindo aí a educação infantil como

sua primeira etapa, pode-se obter formação

em nível médio, sendo dispensável a forma-

ção superior. Essa medida reforça o que tem

sido a prática de muitos gestores munici-

pais: a de optarem por contratarem profis-

sionais de formação de nível médio, com sa-

lários inferiores aos que são pleiteados pelos

profissionais de nível superior. Essa prática

assenta-se, em geral, na justificativa de que

para cuidar de criança pequena não é neces-

sária a formação de nível superior, contri-

buindo para uma ideia de que a Educação

Infantil pode ser exercida de forma amado-

ra, por qualquer pessoa que se disponha a

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fazê-lo, sem a necessidade de uma prepara-

ção específica. Em última instância, não pre-

cisa ser profissional para atuar na educação

da infância.

Se a discussão sobre a profissionalização do-

cente já é complexa quando se refere à edu-

cação escolar propriamente dita, mais ainda

se torna quando se trata da Educação Infan-

til. É que a noção de profissionalização apli-

cada à educação sempre foi ambígua, o uso

do termo profissionalização na educação

sempre esteve vinculado ao quadro concei-

tual da sociologia americana das profissões,

onde a profissionalização supõe não somen-

te a prática do ofício em tempo pleno, mas

também um estatuto legal que reconhece a

qualificação dos seus membros como uma

formação específica e a existência de asso-

ciações profissionais (Savoie, 2009).

O que constitui o grupo ou corpo profissio-

nal é justamente o sentimento de perten-

cimento comum, que começa mesmo an-

tes do ingresso no local de trabalho, já no

processo de formação, sendo então a pro-

fissionalização dependente da formação.

Esse sentimento de pertencimento comum

encontra alguns obstáculos no domínio da

educação, por exemplo, a fisionomia dos do-

centes do Ensino Médio é bastante distinta

daquela dos que atuam nos anos iniciais do

Ensino Fundamental e mais ainda na Educa-

ção Infantil e, mesmo na Educação Infantil,

entre os que trabalham em creches e os que

atuam na pré-escola.

Esta questão nuclear na discussão da pro-

fissão docente, que se refere aos aspectos

relativos à identidade desses profissionais,

aparece com maior evidência na Educação

Infantil e tem relação com a concepção de

infância e de educação vigentes. A identida-

de docente tem sido amplamente discutida

na atualidade, em razão das mudanças ocor-

ridas na educação a partir das últimas déca-

das do século XX. São muitos os estudos que

tratam desse tema em distintas realidades2.

No Brasil, são muitos os fatores que têm le-

vado à discussão de uma identidade docen-

te engendrada pelos recentes processos de

reforma educacional que trouxeram a des-

centralização administrativa, pedagógica e

financeira para o âmbito escolar. A ênfase

no trabalho coletivo, a instituição legal da

gestão democrática nas escolas públicas e a

flexibilidade curricular foram fatores que re-

sultaram em maior autonomia docente, ao

mesmo tempo em que têm levado à intensi-

ficação do trabalho e maior responsabiliza-

ção pelo sucesso e fracasso escolar (Oliveira,

2004; Assunção e Oliveira, 2009).

Contudo, é a partir da inclusão da Educação

Infantil definitivamente como uma etapa da

educação básica, compreendendo inclusive

3 Arroyo (1985); Apple (1995); Costa (1995); Hypolito (1997); Hargreaves (1998); Nóvoa (2000); Contreras (2002); Tardif e Lessard (2004); Tenti Fanfani (2007), entre outros.

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as creches, ou seja, a educação das crianças

de 0 a 3 anos, que a questão da identidade

docente passa a ser uma discussão de pri-

meira ordem e que conduz à luta por maior

profissionalização. Tal medida obriga a que

se pense o profissional da educação básica

em um contexto mais complexo de ativida-

des, responsabilidades e competências, que

envolvem desde o cuidado e a atenção no

processo educativo presentes na Educação

Infantil até a fragmentação da grade disci-

plinar própria do Ensi-

no Médio. O contraste

entre essas duas pon-

tas da educação básica

é tão grande que difi-

culta pensar a possi-

bilidade de um grupo

homogêneo que possa

constituir-se um corpo

profissional. Tais difi-

culdades refletem-se na

definição dos currícu-

los e diretrizes para a formação de profes-

sores. Contudo, se a formação é compreen-

dida como base do processo constitutivo da

profissionalização, é necessário considerar

esses aspectos na redefinição dos cursos e

projetos de formação docente.

Os desafios para a formação inicial docen-

te para atuar na educação básica são mui-

tos e exigentes, o que requer discutir pro-

fundamente e reconhecer as identidades

presentes nesse suposto grupo homogêneo

que, na realidade, apresenta complexidades

muitas vezes ignoradas. Conhecer as distin-

ções entre esses profissionais, seus saberes

e fazeres, seus vínculos e sentimentos de

pertencimento institucional, as exigências

que lhes são postas, as responsabilidades e

os constrangimentos aos quais estão expos-

tos são condições essenciais para se pensar

a adequação curricular da formação, que

deverá promover a porta de entrada para o

exercício docente. Porém, a formação não

é suficiente para defi-

nir a profissionalização

docente, é necessário

considerar outros fato-

res que interferem na

identidade profissional

dos que atuam na edu-

cação básica.

A formação dos profis-

sionais que atuam na

Educação Infantil apre-

senta-se como o mais urgente e polêmico

dos desafios a serem enfrentados. As espe-

cificidades da Educação Infantil, envolvendo

no processo educativo o cuidado e a aten-

ção, conforme já mencionado, acrescidas

ainda à informalidade e aos arranjos presen-

tes nos processos de trabalho nas creches e

pré-escolas, fruto do descaso de séculos com

que essa etapa da educação conviveu, obri-

gam a revisão dos padrões usuais de forma-

ção docente, que têm na figura tradicional

do professor que ministra uma disciplina,

A formação dos

profissionais que

atuam na Educação

Infantil apresenta-se

como o mais urgente e

polêmico dos desafios a

serem enfrentados.

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14

com seus conteúdos distribuídos em aulas

de 50 minutos, o modelo de profissional a

ser perseguido.

Como afirma o Parecer nº 17/2012: “Igual-

mente as instituições incumbidas da forma-

ção inicial e continuada dos professores de

Educação Infantil devem rever os currículos

dos cursos de preparação para o magistério,

para atender aos requisitos colocados pelo

ordenamento legal e pela concepção técni-

ca que tem se consolidado a partir de pes-

quisas sobre o desenvolvimento e a aprendi-

zagem de bebês e crianças menores de seis

anos em ambientes de educação coletiva”

(Brasil, 2012).

É necessário enfrentar as resistências e con-

ceber a atuação docente distinta da tradi-

cional grade de disciplinas, romper com a

ideia de que para cuidar das crianças peque-

nas não é necessário ter formação específi-

ca, sendo algo natural da gênese feminina o

cuidado e a atenção. Não é sem razão que

a feminização do magistério é muito mais

presente na Educação Infantil e que, à me-

dida que se avança na educação básica, au-

menta a presença do sexo masculino entre

os profissionais, ou seja, os homens estão

mais presentes na segunda fase do Ensino

Fundamental e no Ensino Médio como pro-

fessores.

A profissionalização do magistério pode ser

compreendida como um processo de cons-

trução histórica, que varia com o contexto

socioeconômico e cultural ao qual está sub-

metida. Definir os tipos de formação e es-

pecialização, de carreira e de remuneração

para um determinado grupo social que vem

crescendo e consolidando-se, com a entra-

da da Educação Infantil como uma etapa da

educação básica e um direito conquistado,

é uma tarefa presente da qual não podemos

fugir.

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16

texto 2

o perfil DAs professorAs e eDucADorAs DA eDucA-ção infAntil no BrAsil

Lívia Maria Fraga Vieira1

Para o melhor entendimento sobre os desa-

fios da formação e do trabalho docente na

Educação Infantil, é necessário considerar a

história mais recente da expansão da oferta

dessas instituições e seu processo de inte-

gração no sistema educacional.

De modo geral, a expansão da Educação

Infantil no Brasil, ocorrida a partir do final

dos anos 1970, acompanhou as tendências

dos grandes municípios brasileiros no pe-

ríodo. Ao lado das classes pré-escolares e

de alguns jardins de infância que se mul-

tiplicaram ao longo da década de 1960 sob

responsabilidade das Secretarias de Estado

da Educação (Vieira, 2010), outras modali-

dades de oferta de pré-escolas foram sendo

criadas a partir de meados dos anos 1970,

por meio de programas apoiados pelo Mi-

nistério da Educação1 e pela antiga Legião

Brasileira de Assistência Social – LBA, órgão

do Ministério da Previdência e Assistência

Social, que existiu até 1995. Impulsionados

pelos movimentos sociais por creches que

emergiam nos centros urbanos, no contexto

das lutas pelas liberdades democráticas em

um Brasil que ainda vivia sob a égide de um

regime político autoritário, esses programas

tinham o propósito de atender às crianças

dos meios populares, cujo acesso à Educa-

ção Infantil era extremamente deficitário.

Ao lado da atuação tradicional das Secreta-

rias de Educação, esses novos programas fo-

ram implantados em espaços improvisados,

emprestados de igrejas, de obras sociais, de

clubes esportivos, ou alugados, e em cre-

ches comunitárias. As mulheres que se ocu-

pavam da educação dessas crianças quase

sempre não possuíam formação pedagógi-

ca, e no caso das creches/pré-escolas comu-

nitárias, conveniadas com a LBA ou outros

órgãos públicos da assistência social das di-

ferentes esferas federativas, apresentavam

baixa escolaridade, de ensino fundamental

1 Professora da graduação e pós-graduação da Faculdade de Educação da UFMG. Consultora da edição temática.

2 Criado em 1981, o Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, do Ministério da Educação, contou com a atuação decisiva do antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização, o MOBRAL, para a implantação de classes pré-escolares em parceria com as prefeituras municipais, nas quais trabalhavam as “monitoras”, professoras ou estagiárias, sem vínculos formais de trabalho.

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completo ou incompleto. Eram chamadas

de “monitoras”, “pajens”, “crecheiras”. Os

vínculos de trabalho eram precários, prati-

camente inexistentes, e a remuneração era

incerta. Essa realidade foi estudada nas in-

vestigações que começavam a surgir nos pro-

gramas de pós-graduação na década de 1980,

sobretudo da região do Sudeste brasileiro, e

em alguns estudos empreendidos no âmbito

de algumas administrações municipais.

A partir de meados da década de 19903,

acentua-se o processo de municipalização

da educação pré-escolar, cuja oferta era

principalmente organizada pelas Secretarias

de Estado de Educação. Observou-se, desde

então, o crescimento das pré-escolas a car-

go dos municípios, sendo que a presença

do atendimento às crianças de 0 a 3 anos

predominava nas creches conveniadas com

o poder público das diferentes instâncias fe-

derativas. Contávamos, nesse período, com

informações muito frágeis sobre o perfil, a

formação e as condições de trabalho das

professoras e outros sujeitos que se ocupa-

vam diretamente da gestão das unidades e

da educação das crianças, seja na oferta pú-

blica, seja na privada.

O quadro histórico brevemente descrito

vem sofrendo modificações relevantes nas

duas últimas décadas, com avanços que se

refletem na legislação educacional. Obser-

vamos um processo de profissionalização

da Educação Infantil, exigência das socie-

dades contemporâneas, pois cada vez mais

temos a presença de crianças pequenas que

são cuidadas e educadas em espaços não do-

mésticos e que precisam contar com adul-

tos especializados, o que condiciona novos

modos de socialização da infância, trazidos

pelas mudanças na organização das famílias

e nas próprias concepções da criança, como

sujeito de direitos (Dandurand, 1994; Mollo-

Bouvier, 2005).

Esse campo de trabalho – educar e cuidar de

crianças pequenas em instituições educa-

cionais coletivas fora do espaço doméstico

– apresenta algumas características que de-

vem ser consideradas no processo de cons-

trução da profissão docente na área:

• é um campo de trabalho de mulheres, onde

mais recentemente começamos a observar

a presença de alguns homens ocupando

funções de professores ou educadores. No

Brasil, 97% das funções docentes que atu-

am nessa etapa do ensino são exercidas

por mulheres (Brasil, INEP, 2011). Na cre-

che, são 98%, e na pré-escola 96%. Já na

educação básica, a presença de mulheres

responde pelo percentual de 81%.

• sofre a influência de fatores econômico-

culturais da divisão sexual do trabalho

3 Na região Nordeste esse processo se inicia nos anos 1980.

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na esfera pública e privada, que tendem

a “naturalizar” o trabalho no contexto da

Educação Infantil, sobretudo nas creches,

e a emprestar-lhe menor valor no merca-

do de empregos, pois a criação, o cuida-

do e a educação das crianças é histórica e

culturalmente tarefa de mulheres, ligada

à reprodução da vida;

• alimenta-se do conhecimento e dos dis-

cursos relativos à socialização, à educa-

ção e ao desenvolvimento infantil que evi-

denciam, por um lado, a complexidade da

formação requerida e do trabalho na área

e, por outro lado, conflitam com o senso

comum da naturalização, cuja adoção é

conveniente para empregadores públicos

e privados, no sentido de baratear o custo

do trab alho.

Temos que considerar, igualmente, o papel

das instituições de formação de professores/

as, bem como da pesquisa e dos movimen-

tos sociais na construção das identidades

profissionais e na difusão de conhecimentos

sistematizados sobre o cuidado e a educa-

ção de crianças pequenas nas instituições

educacionais. A organização social e sin-

dical das trabalhadoras na área é também

elemento que condiciona a construção da

profissão docente na Educação Infantil.

Tais elementos, brevemente citados, con-

correm para engendrar um perfil da docên-

cia na Educação Infantil brasileira nos dias

atuais, que carrega consigo as característi-

cas sociais e as desigualdades da inserção

feminina nas atividades econômicas (Brus-

chini, 2007).

A legislação brasileira sobre a educação na-

cional estabeleceu elementos que definem

algumas características do/a trabalhador/a e

do trabalho na área, que deveriam ser aten-

didas. Ao definir que os docentes na educa-

ção básica devem ter formação superior em

cursos de licenciatura, sendo que a forma-

ção mínima para os que atuam na Educação

Infantil e nos anos iniciais do Ensino Funda-

mental é a de nível médio, na modalidade

Normal (art. 62, LDB, 1996), ensejou a inter-

pretação de que o profissional da Educação

Infantil é o docente, o professor.

A Constituição Federal, ao reconhecer a

autonomia dos municípios para organizar

sistemas próprios de ensino, e ao definir

a prioridade municipal para com a oferta

de Educação Infantil e Ensino Fundamen-

tal, instaurou a necessidade de atuação de

Conselhos Municipais de Educação na regu-

lamentação da oferta pública e privada de

Educação Infantil, ao lado dos Conselhos

Estaduais, em consonância com a legisla-

ção nacional e as diretrizes normativas do

Conselho Nacional. Com isso, algumas con-

dições e critérios de atendimento foram es-

tabelecidos, visando ao bem-estar das crian-

ças, das famílias e dos profissionais, sob o

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impulso de parâmetros e indicadores de

qualidade, de padrões mínimos da educação

básica, bem como de diretrizes curriculares

emanadas do Governo Federal (Brasil, PNE,

2001; Brasil/MEC, 1995, 2006 e 2009; Brasil/

CNE, 2009a, 2009b e 2010).

Mesmo com tais definições, que resulta-

ram de embates e negociações, envolvendo

governos, conselhos de educação, o Mi-

nistério Público, movimentos sociais, or-

ganismos internacionais e especialistas, a

realidade nos mostra que estamos diante

de muitos desafios para a valorização pro-

fissional na área.

A oferta de Educação Infantil cresceu signi-

ficativamente nos últimos 20 anos no Brasil,

configurando um locus de trabalho em ex-

pansão, a cargo, principalmente, das secre-

tarias municipais de educação. O Censo Es-

colar de 2011 informou o total de 6.980.052

matrículas, sendo 2.298.707 em creches

(63,6% municipais) e 4.681.345 em pré-esco-

las (74,6% municipais).

O perfil e alguns aspectos das condições de

trabalho dos sujeitos docentes na Educação

Infantil no Brasil são apresentados a seguir,

baseados em informações do Censo Escolar

de 2011, produzido pelo Instituto de Estu-

dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixei-

ra – INEP, do Ministério da Educação, e em

informações da pesquisa Trabalho Docente

na Educação Básica no Brasil - TDEBB4 (2010),

coordenada pelo Grupo de Estudos sobre

Política Educacional e Trabalho Docente -

GESTRADO/UFMG.

Um estudo divulgado recentemente sobre

professores no Brasil (Gatti e Barreto, 2009)

mostrou que, no âmbito da educação bási-

ca, a Educação Infantil concentra os profes-

sores mais jovens, mulheres, não brancas e

com menor escolaridade. A pesquisa TDEBB

(2010) e as informações sobre professores do

INEP (2011) evidenciaram, também, que nes-

sa etapa da educação básica concentram-se

as maiores frequências dos que trabalham

em uma única unidade educacional e que

cumprem mais longas jornadas de trabalho

diárias em uma mesma unidade. É nela que

são encontradas as maiores frequências dos

que auferem remuneração mais baixa, na

faixa de 1 a 2 salários mínimos mensais, em

relação aos docentes das outras etapas da

educação básica, cruzando-se as variáveis:

formação, vínculo de trabalho e jornada se-

manal.

4 Na amostra de 35 municípios de sete estados brasileiros – Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina – foram entrevistados, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2009, 8.795 sujeitos docentes, sendo 1.838 da educação infantil: 1.544 das redes municipais, 283 das unidades educacionais conveniadas, 11 da rede estadual. Aos sujeitos docentes foi solicitado que respondessem às perguntas sempre em referência à unidade educacional em que foram entrevistados, caso trabalhassem em mais de uma unidade.

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O INEP informou a presença de 408.739 pessoas

ocupando funções docentes5 em creches e pré-

escolas brasileiras em 2011, nas instituições de

ensino públicas e privadas – particulares, filan-

trópicas, comunitárias e confessionais.

As redes pú blicas e privadas de educação

básica no Brasil somaram 2.045.350 funções

docentes e, desse total, 20% encontravam-

se na Educação Infantil: creches com 163.148

funções docentes e pré-escolas com 265.000.

Na Tabela 1, podemos visualizar a distri-

buição percentual das funções docentes na

Educação Infantil, de acordo com algumas

variáveis.

5 Não estão incluídos os auxiliares de Educação Infantil. O Censo Escolar 2010 apresentou três categorias de função docente: regência de classe (docente), apoio à Educação Infantil (auxiliar) e responsabilidade por desenvolver atividades complementares (monitor/a). As/os auxiliares correspondem a 28% do corpo docente da Educação Infantil, sendo 45% da creche e 13% da pré-escola. Apresentam uma distribuição etária semelhante à das/os docentes, mas concentram um maior número nas faixas de idade menores: 20% das/os auxiliares têm até 24 anos. Cor/raça é uma característica que exige um tratamento diferenciado, pois a comparação entre funções é distorcida pelo alto número de ‘não declaração’, todavia, constatamos que 47% se declararam brancas, 22%, pardas e 25% não declararam. Quase metade (45%) das/os auxiliares possui apenas o Ensino Médio regular e 31% têm a formação em Ensino Médio Normal/magistério. 13% têm formação em curso superior, sendo que metade (50%) não é formada na área educacional voltada para as crianças pequenas. Em instituições de Educação Infantil privadas, são 27% do corpo docente, enquanto que nas instituições municipais são 29%. Nas comunitárias, confessionais e filantrópicas, o percentual de auxiliares fica em torno dos 35%, percentual maior do que o das particulares (23%). Nas unidades da zona urbana, formam 30% do conjunto de sujeitos docentes, enquanto que, nas unidades da zona rural, formam apenas 11%.

Fonte: INEP, Sinopse estatística da educação básica, 2011.*O percentual se refere ao total dos que possuem curso superior.

Tabela 1 - Funções docentes na educação básica e na Educação Infantil (creche e pré-escola)

no Brasil e respectiva distribuição percentual segundo sexo, idade, raça/cor e formação, 2011.

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Veja-se, conforme a Tabela 1, que em rela-

ção à educação básica, na Educação Infan-

til e, sobretudo, nas creches, temos maior

presença de professorado mais jovem, o que

pode indicar também que são profissionais

em início de carreira: 58% com as idades

que variam de 24 a 40 anos.

Embora não sejam significativas as dife-

renças em relação à raça/cor, encontramos

maiores frequências de pessoas que se de-

claram pretas/pardas na Educação Infantil,

sobretudo na pré-escola. É alto o percentual

dos que não declararam raça/cor.

Quanto à formação, na creche encontramos

menor frequência de respondentes com en-

sino superior (56%), menos 3% em relação

às respondentes da pré-escola.

É preocupante notar que do percentual

que possui formação superior na Educação

Infantil (57%), 15% possui curso superior

sem licenciatura. Destaca-se também, nas

creches, a presença significativa (9%) de

profissionais que possuem apenas a forma-

ção inicial de nível médio, sem formação

pedagógica em Magistério, e mais 2% com

apenas Ensino Fundamental. Isto indica a

necessidade de que os municípios não recru-

tem, por meio de concursos ou contratos,

pessoas sem formação pedagógica, descum-

prindo assim a legislação educacional con-

cernente. No cômputo da Educação Infantil,

somando-se a situação das profissionais que

possuem formação superior sem licenciatu-

ra, temos ainda no Brasil percentual elevado

de professoras leigas (24%), realidade que

exige políticas corretivas.

Mas a formação na Educação Infantil apre-

sentou importantes avanços, quando com-

parada à situação encontrada dez anos an-

tes. Em 2001, de acordo com o Censo Escolar,

apenas 12,7% das profissionais que atuavam

nas creches e 24,7% em pré-escolas possu-

íam formação superior. Havia percentual

expressivo nas creches, 18%, com formação

em nível de Ensino Fundamental completo

ou incompleto.

Em relação à formação continuada, chama

atenção o baixo percentual de respondentes

que realizaram algum curso específico para

trabalhar em creches ou pré-escolas. O Cen-

so Escolar de 2011 solicitou que o/a respon-

dente informasse somente a realização de

cursos específicos com carga horária míni-

ma de 40 horas.

As informações coletadas na pesquisa TDE-

BB agregam outras dimensões que nos per-

mitem, de forma inédita, conhecer melhor

o perfil dos sujeitos docentes na Educação

Infantil no Brasil, como também comparar

situações de trabalho em creches/pré-esco-

las municipais e conveniadas com o poder

público, revelando um quadro de importan-

tes disparidades.

Dos respondentes da Educação Infantil que

participaram desta pesquisa, em 2009, 98%

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são mulheres, com idade média de 38 anos.

Metade delas (51%) se considera branca. A

maioria (52%) é casada e 69% possuem fi-

lhos, sendo que, entre estas, 44% têm 2

filhos. A média da renda familiar informa-

da foi de R$ 2.178,00, sendo que 35% de-

clararam ter como renda familiar de 2 a 4

salários mínimos. Nesse período, o salário

mínino tinha o valor de R$ 465,00. Entre as

respondentes, 37% declararam ser o princi-

pal provedor da ren-

da familiar.

Em relação à escola-

ridade, observam-se

diferenças acentua-

das entre as docentes

que atuam em insti-

tuições de Educação

Infantil conveniadas

com o poder público

municipal e aquelas

que trabalham em

instituições públicas municipais. Nessas úl-

timas estão as docentes com níveis de es-

colaridade mais elevados. Na rede munici-

pal, 57% dos sujeitos docentes das creches e

70% da pré-escola possuem curso superior.

Em ambas as modalidades, 36% informaram

ter feito algum curso de pós-graduação. Na

rede conveniada, o percentual de docentes

com formação superior é significativamen-

te menor: 32% e 47%, respectivamente. Nes-

sa rede, apenas 15% das professoras da pré-

escola possuem curso de pós-graduação.

Ressalte-se que entre todas as respondentes

com formação em pós-graduação, mais de

90% realizaram curso de especialização,

pós-graduação lato sensu, o que se deu pre-

dominantemente em instituições de ensino

superior privadas. Em relação à formação

superior inicial, 61% frequentaram institui-

ções de ensino particulares.

O percentual ainda elevado de docentes na

Educação Infantil que

não possuem forma-

ção superior reforça

as desigualdades nas

situações de trabalho

e emprego, pois a for-

mação agrega valor à

remuneração.

Os dados da pesquisa

TDEBB demonstram

também diferenças

expressivas entre as

condições de trabalho e emprego na rede

pública municipal e conveniada. Registra-

se, na rede municipal, percentual de 66%

de respondentes que fazem parte do regime

estatutário e que ingressaram no trabalho

por meio de concurso público. Nas conve-

niadas, prevalece o vínculo celetista, como

mostrado na Tabela 2, onde se visualiza si-

tuação dos docentes conforme vínculo tra-

balhista. Observa-se, também, percentual

significativo de temporários atuando na

Educação Infantil.

O percentual ainda elevado

de docentes na Educação

Infantil que não possuem

formação superior reforça

as desigualdades nas

situações de trabalho

e emprego, pois a

formação agrega valor à

remuneração.

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Tabela 2 – Percentual de tipo de vínculo empregatício ou contrato de trabalho dos sujeitos do-

centes da Educação Infantil, municipal e conveniada, 2009

É preocupante o fato de 50% das pessoas

que trabalham nas redes municipais afirma-

rem não estar contempladas em um plano

de cargos e salários, e não pertencer a uma

carreira profissional pública.

No que tange à jornada de trabalho, verifi-

ca-se que a maioria das docentes que traba-

lham na rede conveniada, 93% em creches

e 89% em pré-escolas, atua em apenas uma

unidade educacional. Isso se explica em fun-

ção da carga horária semanal de trabalho

mais frequentemente informada, compre-

endida entre 30 e 40 horas. Para essa carga

horária, o rendimento bruto mensal das res-

pondentes é de 1 a 2 salários mínimos (R$

465,01 a R$ 930,00, no período da pesquisa).

Na rede municipal, um número significati-

vo de docentes afirma trabalhar em mais

de uma instituição, 21% em creches e 38%

em pré-escolas. A carga horária semanal in-

formada, relativa à unidade educacional em

que foram entrevistadas, foi de 20 a 25 horas

e o salário mensal referente de até 2 salários

mínimos.

As condições de trabalho na Educação In-

fantil parecem gerar problemas de saúde,

pois quase um terço (27%) das respondentes

declararam ter-se afastado das atividades

docentes por motivo de licença médica nos

últimos 24 meses. Entre os motivos para tal

destacam-se o estresse (9%) e depressão, an-

siedade e nervosismo (13%).

Não é sem razão que, ao serem inquiridas

sobre “o que seria importante para melho-

rar o trabalho docente”, são três as respos-

tas que sobressaíram. Em primeiro lugar,

com a maior frequência, foi a de “receber

melhor remuneração”, tal como os respon-

dentes das outras etapas da educação básica

participantes da pesquisa TDEBB. Em segui-

da, destacam-se “receber mais capacitação

para as atividades que exerce” e “diminuir o

número de alunos/crianças por turma”. Tais

respostas denotam que a formação inicial é

insuficiente ou inadequada para o trabalho,

sobretudo em creches, onde se observou

maior frequência dessa resposta. E sugerem

o desejo de vir a desenvolver um trabalho de

Tipo de vínculo ou contrato de trabalho

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melhor qualidade com as crianças, em gru-

pos menores, o que permitiria uma atenção

mais individualizada e melhores condições

de trabalho. Tais respostas indicam forte de-

manda por formação continuada.

Um aspecto a ser considerado na constitui-

ção da profissão e da identidade docente

na Educação Infantil é a participação nas

associações sindicais. Apurou-se que 38%

das respondentes são filiadas a sindicatos,

e dentre estas 20% afirmaram participar ati-

vamente das reuniões, movimentos e even-

tos promovidos pela entidade sindical. A fi-

liação sindical é diferenciada se se trata de

creches/pré-escola conveniada, municipal

ou particular. Vieira e Souza (2010), a par-

tir de pesquisa realizada em Belo Horizonte,

mostraram que as docentes da rede muni-

cipal se reportam ao Sindicato de Trabalha-

dores da Educação; na rede conveniada, a

relação é com o sindicato que reúne cate-

gorias de trabalhadores que atuam na área

da assistência social, sendo que os da rede

particular se relacionam com sindicato pró-

prio de professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Moss (2006) argumenta que a formação

das trabalhadoras e a estrutura da força de

trabalho não estão separadas dos entendi-

mentos, das concepções sobre o trabalho e

sobre as trabalhadoras que se ocupam dire-

tamente do cuidado e educação nas insti-

tuições de Educação Infantil. Sendo majori-

tariamente trabalhadoras, as hierarquias de

gênero presentes no mercado de trabalho,

bem como as características e objetivos do

trabalho na Educação Infantil, são elemen-

tos na constituição da posição e do status

profissional na área. Nesse sentido, concor-

damos com Emílio Tenti Fanfani (2011), para

quem a profissão docente é uma construção

histórica, depende da sociedade, das con-

cepções vigentes sobre a escola e o trabalho

docente, do protagonismo dos trabalhado-

res da educação.

No Brasil, nós observamos que existem situ-

ações diversificadas e desiguais de trabalho

e emprego, em redes municipais e privadas

de Educação Infantil. As situações são tam-

bém desiguais se se trata da creche ou da

pré-escola. O surgimento de novos sujeitos

e de novos cargos/funções, em razão, sobre-

tudo, da inserção de crianças de 0 a 3 anos

nas creches, nos sistemas de ensino, contri-

buem para um quadro de fragmentação, o

que reitera a precarização e desigualdades.

As informações da pesquisa TDEBB relativas

ao cargo/função ocupado na unidade educa-

cional ilustram essa fragmentação. Os car-

gos e funções mais frequentes se referiram

a educador infantil e professor, conforme a

Tabela 3.

Page 25: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

25

Tabela 3 – Percentual de sujeitos docentes em relação ao cargo/função que ocupam nas cre-

ches e pré-escolas, municipais e conveniadas, 2009.

Outros cargos/funções foram citados, tais

como: assistente de Educação Infantil, auxi-

liar, babá, cuidador.

Estamos, portanto, diante de uma realida-

de fortemente segmentada em relação aos

cargos e funções existentes, em relação à

remuneração, às carreiras, aos vínculos tra-

balhistas e condições de trabalho.

Por outro lado, deve-se compreender que o

campo profissional é dinâmico e nele se as-

sistem a mudanças significativas relativas à

formação dos sujeitos docentes, à organiza-

ção dos trabalhadores na área, à construção

de novas identidades docentes, em busca de

reconhecimento e valorização.

Diante de políticas municipais que insistem

na criação de novas/os “profissionais” como

as/os auxiliares de Educação Infantil, por

exemplo, recrutados e/ou concursados sem

exigência de formação pedagógica, em car-

reiras paralelas desvalorizadas, defendemos

que se deve insistir na concepção constitu-

cional da Educação Infantil, que inclui não

somente o direito de acesso, mas a garan-

tia de uma educação de qualidade, na qual

deve ser considerada a existência de infra-

estrutura adequada, de proposta pedagógi-

ca de acordo com as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil, com a

presença de profissional docente tendo for-

mação inicial e oportunidades de formação

continuada. E na qual a remuneração deve

ser o piso nacional salarial profissional (BRA-

SIL, 2008), no âmbito da carreira do magisté-

rio público (BRASIL/CNE, 2009b).

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Remuneração dos Profissionais do Magisté-

rio da Educação Básica Pública, em confor-

midade com o artigo 6º da Lei nº 11.738, de

16 de julho de 2008, e com base nos artigos

206 e 211 da Constituição Federal, nos arti-

gos 8º, § 1º, e 67 da Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, e no artigo 40 da Lei nº

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Page 28: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

28

texto 3

professorAs DA eDucAção infAntil: formAção, iDentiDADe e profissionAlizAção

Isabel de Oliveira e Silva 1

A implementação das políticas públicas para

assegurar a Educação Infantil em creches

e pré-escolas para a maioria das crianças

constitui-se ainda em desafio para toda a

sociedade. No enfrentamento deste desafio,

tanto no que se refere às políticas quanto

às práticas dos professores e professoras,

as pesquisas têm sido importantes, contri-

buindo para um maior entendimento dos

diversos aspectos relacionados ao tema.

Dentre os aspectos mais relevantes para a

implementação de políticas que incorporem

os avanços dos conhecimentos científicos

produzidos sobre a criança, a infância e a

Educação Infantil no Brasil e no mundo, está

a questão da formação dos professores(as)

para esta etapa da educação básica. É por

isto que procuraremos refletir a respeito da

formação e identidade profissionais na Edu-

cação Infantil, consideradas elementos fun-

damentais para o desenvolvimento de uma

educação de qualidade.

O DEBATE SOBRE A

PROFISSIONALIZAÇÃO NA ÁREA

DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Os estudos sobre a Educação Infantil, mais

especificamente aqueles que tratam dos

(as) profissionais que atuam ou que virão

a atuar nessa etapa da educação básica,

têm ressaltado a especificidade do traba-

lho com crianças de zero até seis anos de

idade em instituições educativas. Enfatiza-

se a necessidade de construir um projeto

educativo, entendido como um conjunto de

ações, situações e experiências com e para

as crianças pequenas, que favoreça o seu

desenvolvimento global e sua participação

na cultura. Assim, a brincadeira, a explora-

ção do mundo à sua volta, a interação com

adultos e crianças em um ambiente seguro

e aconchegante configuram um complexo

espaço/lugar-tempo de experiências e rela-

ções a serem coordenadas pela professora

ou professor (OLIVEIRA, 1995). Os estudos da

1 Doutora em Educação e professora da Universidade Federal de Minas Gerais.

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área vêm perseguindo uma maior compre-

ensão da natureza das ações de cuidado e

educação de crianças pequenas em institui-

ções educacionais, de seus objetivos e das

formas de organização e funcionamento

que melhor atendam aos interesses e ne-

cessidades das crianças e de suas famílias.

Tem-se buscado superar a separação que,

historicamente, marcou o atendimento à

criança pequena no Brasil entre, por um

lado, a creche, concebida como espaço de

cuidados, e, por outro, a pré-escola, vista

como espaço de educação e de preparação

para o Ensino Fundamental. Especialmente

no trabalho com os bebês e crianças até os

3 anos de idade e nas instituições de aten-

dimento em período integral, identificava-

se a predominância da ideia de que a cre-

che e suas profissionais exerciam a função

de substitutas da família e da mãe. Em boa

parte dos casos, as pessoas responsáveis

pelas crianças nas creches e também em

pré-escolas não contavam com formação

profissional adequada para a função que de-

veriam exercer: cuidar e educar crianças em

espaços coletivos (HADDAD, 1991).

Os estudos e pesquisas sobre a criança de 0

até os 6 anos de idade e sobre a Educação

Infantil têm procurado demonstrar a impor-

tância de se considerar esse período da vida

como um tempo de vivências e de desen-

volvimento contínuo. Assim, as propostas

de atendimento para as crianças dessa faixa

etária em instituições educacionais devem

seguir um eixo que articule cuidado e edu-

cação como práticas integradas na atuação

dos (as) professores (as) e nas experiências

das crianças, onde se enfatizam as intera-

ções e as brincadeiras (Brasil, 2009).

A definição do(a) professor(a) como o(a)

profissional adequado(a) para atuar com

bebês e crianças pequenas é uma etapa

importante no processo de constituição da

identidade da Educação Infantil, mas não é

suficiente. É preciso dar conteúdo ao que se

entende por professor ou professora de bebês

e crianças pequenas. As referências a esse

respeito estão em construção e estão base-

adas na ideia de que esse trabalho é uma

atividade educacional. No entanto, o aten-

dimento à faixa etária de 0 a 3 anos e em

período integral ainda é associado, dentro

e fora dos círculos educacionais, à dimen-

são de assistência, embora, em geral, se

reconheça o caráter educativo das relações

entre os adultos e as crianças em qualquer

situação ou contexto.

A literatura da área e os instrumentos nor-

mativos (BRASIL, 2009) são claros quanto

à necessidade de não haver separação en-

tre cuidado e educação, mesmo que, ainda

hoje, permaneçam representações e práti-

cas que tratam de forma segmentada essas

ações. Em algumas creches e pré-escolas

encontram-se ainda práticas que atribuem

à professora ou professor a função de pla-

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nejamento e desenvolvimento das ativida-

des pedagógicas e a outro(a) profissional

– os auxiliares –, na maioria dos casos sem

formação como professor(a), os cuidados fí-

sicos, como banho e troca de fraldas, dentre

outros.

Outra forma de tratar separadamente essas

dimensões do atendimento às crianças pe-

quenas é a existência, ainda atualmente, de

instituições que não construíram propostas

pedagógicas adequadas para as crianças pe-

quenas, estruturando as rotinas das crian-

ças a partir das necessidades de cuidados

físicos, deixando de oportunizar a elas as

múltiplas experiências que podem favorecer

seu desenvolvimento, bem-estar e vivência

plena do tempo de infância.

Além disso, encontramos práticas de Educa-

ção Infantil – especialmente com as crianças

maiores, entre 4 e 5 anos – que se dedicam

a realizar atividades tidas como preparató-

rias para o Ensino Fundamental, constituin-

do-se, muitas vezes, de situações pouco ou

nada significativas para as crianças. Essas

práticas fundamentam-se em uma visão da

Educação Infantil e do trabalho do profes-

sor ou professora restritos às funções de

construção/transmissão de conhecimentos.

Além disso, evidenciam uma concepção de

criança que pouco a considera em seu mo-

mento atual, com suas necessidades e capa-

cidades de participação e expressão.

No processo de constituição da área da Edu-

cação Infantil como um segmento da edu-

cação básica, tem-se procurado construir

outras referências que indicam a comple-

xidade das ações de cuidado onde quer que

elas aconteçam, na medida em que o desen-

volvimento físico, cognitivo, afetivo, social e

cultural das crianças é percebido como um

processo único, marcado por diferentes di-

mensões que acontecem no interior das re-

lações entre os adultos e as crianças e entre

as crianças. Nessa perspectiva, cuidado pas-

sa a ser considerado como a ajuda à criança

para que ela possa desenvolver-se como ser hu-

mano (MARANHÃO, 2000), integrando, por-

tanto, o conjunto de relações das quais as

crianças participam, sob a responsabilidade

de adultos familiares ou profissionais.

IDENTIDADES PROFISSIONAIS

E FORMAÇÃO DOS(AS)

PROFESSORES (AS) DA EDUCAÇÃO

INFANTIL

No processo de construção do atendimento

às crianças desde os primeiros meses de vida

até os seis anos de idade como uma prática

educacional, constitui-se não apenas a iden-

tidade da própria instituição, mas também a

identidade da criança que a frequüenta e a

dos(as) adultos(as) que dela se ocupam nes-

se espaço (HADDAD, 1991; SILVA, 2004).

Page 31: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

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A formação profissional e a construção das

identidades dos professores e professoras

da Educação Infantil constituem-se em ele-

mentos centrais das políticas e práticas em

Educação Infantil. Essa questão envolve tan-

to a formação e a habilitação profissional

quanto as condições de trabalho e a carreira

profissional nas redes de ensino que ofere-

cem essa etapa da educação.

Na medida em que

houve uma amplia-

ção das matrículas e

que os debates e os

estudos sobre a Edu-

cação Infantil foram

se aprofundando, a

integração entre as

funções de cuidar e

educar consolidou-

se, no plano teórico

e legal, como o eixo

sobre o qual a prá-

tica de professores

e professoras deve

estruturar-se. No entanto, sabemos que, em

geral, a profissão professor(a) estruturou-se

com maior ênfase nos aspectos cognitivos

e de construção/transmissão de conheci-

mentos para crianças a partir dos 7 anos de

idade. Portanto, tem-se procurado pensar a

formação de um novo perfil profissional que

incorpore essas novas concepções sobre a

qualidade do atendimento à criança peque-

na (CAMPOS, 1994). Ou seja, uma compreen-

são alargada das funções da instituição de

Educação Infantil que compreenda o tempo

da infância como um tempo de participação

e de produção de cultura e as crianças como

capazes de se expressarem por meio de dife-

rentes linguagens.

As identidades profissionais, no en-

tanto, não se alteram de uma hora para

outra. Elas são construídas nas relações so-

ciais, em um proces-

so de identificação,

de diferenciação e

de reconhecimento

recíproco entre os

diversos segmentos

que atuam na área.

Nessa direção, so-

bretudo quando se

trata da identidade

coletiva – no caso,

a profissional – as

relações internas e

externas às institui-

ções em que se tra-

balha exercem importante papel na cons-

trução das formas pelas quais as pessoas

concebem suas funções, se reconhecem e se

valorizam. Por conseguinte, tais percepções

se refletem também, em alguma medida, na

forma pela qual os (as) profissionais são vis-

tos (as) por outros grupos e indivíduos.

Assim, não se pode falar em identidades

prontas e acabadas. Os contextos e as rela-

Os contextos e as relações

dos quais os/as profissionais

da Educação Infantil

participam são dinâmicos

e sofrem transformações

decorrentes de mudanças

sociais, culturais, históricas

e também no plano das

normas que regem as

relações de trabalho.

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ções dos quais os/as profissionais da Edu-

cação Infantil participam são dinâmicos e

sofrem transformações decorrentes de mu-

danças sociais, culturais, históricas e tam-

bém no plano das normas que regem as re-

lações de trabalho. Além disso, os processos

de construção de identidades ocorrem em

um universo marcado por relações de na-

turezas distintas: as relações adulto-criança

na sociedade como um todo, as relações

adulto-criança na família, as relações adul-

to-criança no contexto institucional, as rela-

ções entre profissional da Educação Infantil

e as famílias/mães das crianças, as relações

entre profissional da Educação Infantil e

professores e professoras dos demais níveis

de ensino, bem como com o Poder Público.

No desempenho de suas funções, as(os) pro-

fissionais que atuam com crianças muito

pequenas, especialmente com os bebês, mo-

bilizam saberes e habilidades pessoais e pro-

fissionais para a realização de sua prática.

No entanto, ao longo de nossa história, tais

saberes e práticas não foram reconhecidos

como parte de uma prática profissional, o

que torna difícil a delimitação de uma iden-

tidade profissional. Como fatores que difi-

cultam essa delimitação destaca-se o fato de

ser recente na nossa cultura a ideia de que

é possível compartilhar com instituições

educacionais a educação e os cuidados da

criança dessa faixa de idade. Além disso, por

tratar-se de crianças ainda muito pequenas,

as atividades desenvolvidas na instituição de

Educação Infantil em muito se assemelham

àquelas desenvolvidas na família, tornando

tênues os limites entre esses dois ambientes

(CERISARA, 1996; SILVA, 2004, 2007).

No espaço coletivo, as relações entre pro-

fessoras (es) e crianças, embora fortemente

marcadas por conteúdo afetivo e também

orientadas por valores, não expressam rela-

ções de parentesco, mas constituem a prá-

tica profissional dos adultos que cuidam e

educam crianças oriundas de diferentes

contextos familiares.

O FAZER PROFISSIONAL NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

O aprofundamento dos estudos sobre as

especificidades da condição humana nos

primeiros anos de vida e também sobre a

complexidade das ações que envolvem o cui-

dado e educação das crianças em ambientes

coletivos indicam a necessidade de melhor

definição sobre o que caracteriza a prática

profissional na Educação Infantil.

Por um lado, ser professor ou professora da

Educação Infantil significa estar ao lado do

conjunto dos professores e professoras dos

nossos sistemas de ensino como categoria

profissional única. Por outro, cada etapa da

educação escolar exigirá de seus profissio-

nais a mobilização de saberes, competências,

habilidades e disponibilidades específicas.

As práticas profissionais caracterizam-se

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pela articulação entre as finalidades sociais

da etapa da educação a que se referem com

as necessidades e demandas dos sujeitos –

crianças, adolescentes ou adultos atendidos.

No caso da Educação Infantil, sua finalidade

é o compartilhamento do cuidado e da edu-

cação das crianças até os 6 anos de idade

com as famílias e a comunidade. Isso impli-

ca o desenvolvimento de ações fundamenta-

das em conhecimento aprofundado sobre a

criança e seu meio, sobre a sociedade, sobre

o papel das interações entre adultos e crian-

ças, entre as crianças e entre estas e o am-

biente natural e social, para o seu bem-estar,

desenvolvimento e participação na cultura.

A dimensão de cuidados físicos presentes na

prática com as crianças pequenas deman-

dará dos professores e professoras o desen-

volvimento de habilidades para lidar com o

corpo da criança, para assegurar a higiene,

o bem-estar, uma percepção positiva de si

mesma, além de condições adequadas para

a alimentação e a segurança. Com os bem

pequenos, isto implica em trocar fraldas,

dar banho quando este estiver previsto na

rotina da instituição, oferecer e criar condi-

ções para a alimentação saudável, cuidar do

espaço físico para que as crianças estejam

em segurança, dentre outros aspectos.

A realização de tais ações envolve uma in-

tensa relação afetiva entre os adultos e as

crianças. Nessas interações, professores e

professoras devem proporcionar às crianças

oportunidade de autoconhecimento, seja

em relação ao próprio corpo, seja no que se

refere a suas preferências em termos estéti-

cos e de conforto e bem-estar. Essas ações

supõem que os professores e professoras

aprendam a melhor maneira de cuidar do

corpo da criança e, além disso, disponham-

se pessoalmente a esse contato próximo e

delicado com bebês, meninos e meninas.

Como forma privilegiada de as crianças cria-

rem e participarem da cultura, bem como

de proporcionar um desenvolvimento so-

cioafetivo saudável, a brincadeira integra as

experiências na Educação Infantil como um

eixo estruturante do trabalho de professores

e professoras. É preciso conhecer os fun-

damentos históricos, psicológicos, sociais

e culturais do brincar e da brincadeira nas

diferentes culturas. Envolver-se nas brinca-

deiras com as crianças exige dos professores

e professoras uma disponibilidade para co-

locar-se em interação por meio dessa lingua-

gem, que envolve o próprio corpo, a mobili-

zação de energia e abertura para entrar na

referência das crianças. Como educador ou

educadora, compete a esse (a) profissional

organizar o espaço, o tempo e os recursos

para que a brincadeira aconteça no ambien-

te da instituição de Educação Infantil.

O cuidado e a educação das crianças peque-

nas envolvem também a ampliação das ex-

periências e conhecimentos das crianças a

respeito de si mesmas, do seu grupo social,

Page 34: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

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das possibilidades de explicação da realida-

de próxima e distante, o desenvolvimento do

desejo de aprender, de conhecer, de indagar

sobre o mundo, das capacidades de criação

e apreciação artísticas. Tudo isto envolve

conhecimentos gerais e específicos, habili-

dades e disponibilidades para aprender tam-

bém por parte dos professores e professoras

ao longo de sua vida profissional.

Outro importante elemento da prática pro-

fissional na Educação Infantil refere-se à

relação entre as instituições de Educação

Infantil e as famílias das crianças. No plano

legal e da produção teórica, não há dúvidas

sobre o reconhecimento de que a Educação

Infantil é direito da criança e deve se orga-

nizar como um atendimento educacional.

Essa concepção, no entanto, não deixa de

considerar o benefício que o atendimento

em creches significa para as famílias, espe-

cialmente para as mães, que podem com-

partilhar o cuidado e educação dos filhos

pequenos com a instituição educacional

(CAMPOS et al., 1995). Esta observação é

importante porque é frequente a oposição

entre direito da criança e necessidades da

família. As famílias – pais, mães e outros

responsáveis pelas crianças – fazem parte

do universo de relações dos professores e

professoras, na medida em que cada um(a)

assume responsabilidades específicas que

devem ser complementares.

É recente em nossa cultura o entendimento

de que é legítimo que as famílias comparti-

lhem com instituições educacionais o cui-

dado e a educação das crianças desde bem

pequenas. Ainda prevalece um imaginário

de que somente a família e a mãe devem

ocupar-se dos cuidados e educação dos be-

bês e crianças nos primeiros anos de vida.

Essa forma de entender os papéis dos pais

e, especialmente das mães, costuma gerar

conflitos internos à família e, não raro, des-

ta em relação à instituição e às/aos profis-

sionais da Educação Infantil.

É importante que os professores e professo-

ras sejam capazes de mediar essa passagem

da criança de uma vivência exclusiva no

ambiente familiar, para um espaço coletivo.

Essa mediação deve ocupar-se tanto dos sig-

nificados dessa ampliação de experiências

para as crianças quanto para as famílias, es-

pecialmente as mães, que costumam sentir-

se culpadas por não dedicarem atenção em

tempo integral aos filhos e filhas pequenos.

Os professores e professoras que cotidiana-

mente estarão em contato com as crianças

e com seus responsáveis podem contribuir

para que essa vivência torne-se um momen-

to positivo na vida da criança, o que inclui

ajudar seus responsáveis a construírem re-

ferências positivas a respeito da instituição

de Educação Infantil e das experiências que

as crianças vivenciarão nesse espaço.

Além disso, o cuidado e a educação crian-

ças nos primeiros anos de vida envolvem

ações fortemente enraizadas nas práti-

cas culturais das famílias – e também dos

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professores e professoras – orientadas por

valores que definem o que é melhor para a

criança, tanto em termos de cuidados físicos

quanto no que se refere aos comportamen-

tos, ao acesso a informações, dentre outros

aspectos. Essa diversidade de formas de agir

se fará presente no cotidiano da Educação

Infantil. Reconhecer, respeitar as diferenças

e encontrar soluções compartilhadas com

as famílias fazem parte das atribuições dos

professores e das professoras que trabalham

com bebês e crianças pequenas.

Finalmente, é importante destacar a dispo-

nibilidade requerida do(a) profissional da

Educação Infantil em colocar-se nesse am-

biente também como sujeito de aprendiza-

gens. Cumpre desenvolver aguçado senso

de observação e capacidade de escuta das

crianças, cujo conhecimento é condição sem

a qual não será possível atender aos interes-

ses, necessidades e capacidades dos bebês,

dos meninos e das meninas que cotidiana-

mente se encontram na instituição de Edu-

cação Infantil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho

Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB

nº 05, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as

Diretrizes Curriculares para a Educação In-

fantil. Diário Oficial da União, Brasília, 18 dez.

2009.

CAMPOS, M. M., ROSEMBERG, F. e FERREIRA,

I. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São Pau-

lo: Cortez/Fundação Carlos Chagas, 1995 (2ª

edição).

CERISARA, A. B. A construção da identidade

das profissionais da educação infantil: entre

o feminino e o profissional, São Paulo: USP/

Faculdade de Educação, 1996 (Tese de Dou-

torado).

HADDAD, L.. A creche em busca de identidade.

São Paulo: Loyola, 1991.

MARANHÃO, D. G. O cuidado como elo entre

saúde e educação. Cadernos de Pesquisa, São

Paulo, n. 111, dez. 2000.

OLIVEIRA, Z. M. R. (org.). Educação Infantil:

muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1995.

SILVA, I. O. Profissionais de creche no coração

da cidade: a luta pelo reconhecimento pro-

fissional em Belo Horizonte. Belo Horizonte:

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de doutorado).

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fantil: dilemas e tensões. In: Anais da 30ª Reu-

nião Anual da Anped, 2007, Caxambu - MG.

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Page 36: DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - Alex · CAMPOS, Maria Malta. Educar e cuidar: questões sobre o perfil do profissional da educação infantil. In: BRASIL. Ministério da Educação

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Presidência da República

Ministério da Educação

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