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Entrevista com o Prof. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, 2014

A entrevista com o Prof. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, patrono da AKB e homenageado no encontro a ser realizado em agosto deste ano, foi realizada no dia 11/7/2014, na residncia do professor, em So Paulo. A entrevista foi conduzida por Giuliano Contento de Oliveira, professor do IE/Unicamp e membro da atual diretoria da AKB. O trabalho de transcrio contou com a imprescindvel colaborao de Paulo Jos Whitaker Wolf, atualmente mestrando em economia no IE/Unicamp.

As poucas passagens entre colchetes constantes ao longo da entrevista foram introduzidas pelo entrevistador, no processo de edio do material, para facilitar o entendimento.

Por que o Professor resolveu estudar Economia?

Essa uma histria que tem mais acasos... Como sempre na vida da gente, no ? At para respeitar a viso de Keynes a respeito da incerteza. H mais acasos do que escolhas.

Em geral, as pessoas, na sua formao de indivduo contemporneo, entendem que elas fazem escolhas, que elas decidem o seu destino. No caso de minha vida de estudante, eu fui seminarista dos jesutas e quando eu sa do seminrio eu no tinha ideia exatamente do que eu iria fazer. Quando eu voltei para o [Colgio] So Lus, o Padre Vtor Gialluisi, que era diretor da Faculdade de Economia, perguntou-me: - por que voc vai fazer Direito?" (Meu pai queria que eu fizesse direito). - O Brasil no precisa mais de bacharis", dizia ele. "- O Brasil precisa de tcnicos, de economistas", sustentava. E eu, at por uma questo de comodidade, porque o vestibular para direito tinha latim e eu tinha um domnio muito grande do latim, do portugus... Era latim, portugus e uma lngua estrangeira. Ento, eu resolvi fazer o curso de direito. Mas, logo no segundo ano, eu achei que, na verdade eu e Joo Manuel [Cardoso de Mello] achamos que no era o caso e fizemos o vestibular para Cincias Sociais. No curso de Cincias Sociais, ns fizemos um curso muito bom de Economia, durante os quatro anos.

Naquela poca, ns tentamos, depois de formados, fazer um curso da FIPE [Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas], que na poca era IPE [Instituto de Pesquisas Econmicas], mas no era possvel para quem no tinha graduao em Economia. Eram muito acanhadas as Universidades brasileiras. Ns chegamos a fazer algumas cadeiras na [Rua Dr.] Vila Nova. A faculdade de economia era vizinha da faculdade de filosofia. Ns fomos falar com Miguel Colasuonno, que acabou de morrer, mas ele disse que no era possvel, que era necessrio ter graduao em economia. Ento, veio o curso da CEPAL [Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe] para c. Foi o primeiro curso que a CEPAL iria oferecer em So Paulo, patrocinado pela prefeitura de So Paulo. E ns nos inscrevemos no curso e fomos aceitos. Era um curso intensivo, passvamos o dia inteiro l e tnhamos que estudar noite. Era um curso muito difcil e muito cansativo tambm.

Quando terminou o curso da CEPAL, o Zeferino [Vaz] tinha sado de Braslia e ido para a Unicamp. Ento, ele convidou o Fausto Castilho, que acabou saindo por um perodo e, depois, voltou para a Unicamp, e o Fausto nos convidou para formar o Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, o IFCH. O Departamento de Economia e Planejamento Econmico, o DEPE, foi o embrio do IFCH. Um pouco antes, eu havia comeado a dar aulas de Introduo Economia na Pontifcia Universidade Catlica [de So Paulo], e eu no tinha graduao em Economia. Eu tinha apenas o ttulo da CEPAL, um ttulo de ps-graduao. Naquela poca, o sistema de ps-graduao no era to formal e eles aceitavam esse ttulo como credencial para lecionar. Nunca tive carteira de economista. Sou economista honorrio do Conselho Regional de Economia. Enfim, foi essa a histria.

Essa trajetria tem muito a ver com as circunstncias. Por que o Zeferino nos convidou? Primeiro, porque ele queria criar um departamento de Cincias Humanas, que inclusse economia, que fosse diferente do que o que a USP tinha, tanto na Economia como nas Cincias Sociais. Ele queria fazer uma coisa, digamos assim, mais ecumnica, com uma integrao entre as Cincias Sociais, Filosofia e Economia. E foi esse o esprito de criao do IFCH. Ns ramos muito jovens, todo mundo tinha sido cassado, no havia gente. Por isso que eu digo que o acaso joga um papel enorme, pois no tinha gente para ele convocar, gente com um mnimo de formao. Ento, ns fomos para l e ele acabou confiando em ns. E no s confiando, ele nos protegeu muito naquele momento de eventuais arremetidas do governo militar. Ns tivemos episdios muito engraados l. Ele nos levou, eu e o Joo Manuel, em uma comemorao do Golpe de 1964, no dia 31 de maro, e publicamente ele nos defendeu, porque eles achavam que ns ramos comunistas (o que eles tinham um pouco de razo)... (risos). Mas ele nos defendeu ali e conseguimos levar aquilo um pouco aos "trancos e barrancos", inclusive com distenses internas, que eram ruins para o andamento do Instituto, o que culminou, infelizmente, com a nossa sada do IFCH. E, ento, ns criamos o Instituto de Economia. Eu sinto muito isso, realmente sinto, porque eu achava importante a troca de experincias, de pontos de vista. Alm disso, ns tnhamos uma formao sociolgica, antropolgica, muito fortes. Mas, infelizmente, s vezes os motivos mais mesquinhos acabam prevalecendo sobre o que realmente interessa. E, a, ns nos separamos e fomos para o Instituto de Economia a partir de 1986. Ento, se eu posso contar a voc a sucesso de incidentes e acasos na minha vida, assim.

Mas, de alguma maneira, o Instituto de Economia da Unicamp herdou essa abordagem integradora e plural. Certamente, uma das origens justamente essa...

Exato. O acaso. Como dizia Ulysses Guimares sobre a Poltica: - A Poltica como a nuvem: cada hora ela est em uma forma diferente.. Ento, aquilo foi acontecendo, pela ao das pessoas. E, depois, chegaram os "chilenos". Alguns um pouco antes do golpe, outros um pouco depois... A [Maria da] Conceio [Tavares] acho que um pouco antes, depois vieram o [Carlos] Lessa, o [Antnio Barros de] Castro, o [Carlos] Alonso [Barbosa de Oliveira], o [Jos Carlos de Souza] Braga. E assim ns fomos, na verdade, formando um grupo de gente que tinha mais ou menos a mesma viso sobre as coisas. Ns, ento, escolhemos uma linha de investigao, de discusso, a partir da ideia central - que ns herdamos em boa parte do Celso Furtado - que discutir o Brasil, fazer a crtica das teorias da CEPAL e retomar os autores que ns considervamos relevantes para o entendimento do capitalismo. Voc testemunha que ns buscamos inspirao em [Karl] Marx, em [John Maynard] Keynes, em [Joseph] Schumpeter. E, depois, em seus descendentes. Era, no fundo, o debate sobre a morfologia e a dinmica de uma economia perifrica vista como uma dimenso da economia capitalista. Ento, as pessoas perguntam: - Vocs eram desenvolvimentistas?. No sei. Se voc incluir nessa epgrafe essa definio, ns somos. Mas, na verdade, ns estvamos mais preocupados em discutir, em rediscutir, na verdade, a estrutura e a dinmica dessa economia perifrica capitalista.

No com rtulos, mas com contedo...

Sim, exatamente.

Nas suas primeiras obras, muito evidente a presena, seno hegemnica, preponderante de Karl Marx. Em que momento o Professor teve contato com as ideias de J. M. Keynes e qual foi a sua reao em relao a elas?

Essa histria do Keynes muito interessante porque em "Conversas com Economistas [Brasileiros]", a Conceio disse que aprendeu a ler Keynes comigo. Ela tem essa generosidade. No foi bem isso, porque ns lemos juntos. Na verdade, eu j havia lido o livro do [Ral] Prebisch - "Introduo a Keynes" - na faculdade de Direito, para escapar de algumas aulas mais chatas do curso. Eu no tenho nenhuma certeza de que havia compreendido bem, na sua integridade. Mas, simplesmente, a leitura despertou-me alguma curiosidade sobre a peculiaridade desse pensador. Iria falar desse economista, mas Keynes no era um economista. Keynes era um homem pblico, um pensador, um economista muito peculiar, digamos.

Ento, quando ns fomos para Campinas, a Conceio chegou e ns estvamos fazendo nossas teses de doutoramento. Eu estava fazendo Valor e Capitalismo, o Joo Manuel Capitalismo Tardio. E logo depois de terminar, eu me dediquei [ leitura das obras de Keynes]. Na verdade, eu e Luis Antnio de Oliveira Lima, que foi meu companheiro de leitura da Teoria Geral [do Emprego do Juro e da Moeda] e, depois, do Tratado sobre a Moeda e dos outros livros. Ns ficamos fascinados com o radicalismo de Keynes, que ele queria esconder. Na verdade, ele [Keynes] gostaria de ser considerado menos radical do que ele realmente foi na anlise do funcionamento do capitalismo. E ns ficamos fascinados com a qualidade, sobretudo da anlise da economia capitalista como uma economia monetria, isto , a ideia de uma economia monetria da produo.

Logo depois - isso foi nos anos 1980 -, surgiu o volume 29 [dos Collected Writtings of John Maynard Keynes], um dos trabalhos preparatrios da Teoria Geral. Nesse trabalho sobre economia monetria da produo, a diferena entre a economia empresarial e a economia cooperativa ou economia de salrio real mostra que, quando Keynes foi buscar os fundamentos que sustentam a Teoria Geral, ele estava muito ancorado em dois autores, fundamentalmente em [Alfred] Marshall e em Marx. Ele dizia que Marx tinha, digamos, "a pregnant observation", que era a ideia do D-M-D'. Agora, o resto ele dizia ser algo talmdico. Eu no gosto disso. Claro, Marx era alemo, Keynes era ingls. Keynes tinha uma forte influncia platnica, havia lido todos os clssicos, o que visvel na obra dele. Ento, ns em Campinas - a Conceio, eu, o Luciano [Coutinho], o prprio Joo Manuel, que tinha uma certa distncia em relao a Keynes e, depois, ficou cada vez mais impressionado com ele como intelectual, pela amplitude das questes das que ele tratava -, tnhamos uma leitura de Keynes que no era usual aqui no Brasil, porque a leitura usual era a