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Page 1: DO SENSÍVEL, POESIA · DO SENSÍVEL, POESIA (outros modos de grafar o mundo) Editora Milfontes Vitória, 2019. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser

DO

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SÍVE

L, PO

ESIA

ANTONIO CARLOS QUEIROZ FILHO

P e s q u i s a d o r - A r t i s t a . Professor Efetivo no Curso de Geografia e Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado e Doutorado) - PPGG e no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU, ambos da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Líder do Grupo de Pesquisa RASURAS - Geografias Marginais (Linguagem, Poética, Movimento) e do GRAFIAS - Laboratório de Geografia Criativa.

https://rasuraspesquisa.weebly.com/

https://artegrafias.weebly.com

Queiroz Filho nos convida a pensar uma geografia criativa, que alargue conceitos e amplie possibilidades. O convite final é para habitar as palavras, grafadas e que ao mesmo tempo grafam o espaço, que também é corpo, que é presença e experiência. Temas recorrentes de sua trajetória, como imaginação espacial, corporeidade, poesia, dança, experiência e linguagem, ganham força neste novo livro em sua radicalização e reverberações para a paisagem, o lugar e o habitar. “Modos outro(a)(s) de...” pensar suas geografias. [...] Talvez por isso a insistência nos “modos outro(a)(s) de...” expressos nas páginas deste livro como escrita-corpóreo-sensível e como invenção: lugar do ordinário tanto quanto do extraordinário. No instante do corpo no mundo, que enfrenta agenciamentos maquínicos e dança enquanto habita a cidade. [...] Aos leitores, está feito o convite para habitar esta linguagem, fruir esta escrita como experiência. O livro pode ser uma janela, vista como enquadramento, ou pode ser a abertura para se propelir, seja ao céu, à terra ou ao mar. Entretanto, para ser sincero, não penso que será um movimento unívoco: o próprio devir provocará o deslocamento que nos lança ao lancinante jogo da linguagem. Esta não é translúcida, mas repleta de dobras e sombras. Jogo de insinuar, de desdizer e de ocultar, às vezes mais do que de mostrar.

do Prefácio, por Eduardo Marandola Jr.

A geografia presente neste livro é uma geografia do sentir e ela se mostra pelo cinema, pela cidade, pela paisagem, pela poesia, pelo corpo. Carlos Queiroz traz nas ranhuras de suas palavras um texto sensível intercalado por poemas que reúnem textos ditos em palestras em diversas ocasiões por este Brasil. O poeta e o geógrafo se entrecruzam no texto, dando ao leitor a possibilidade de se aproximar de uma geografia criativa que se abre para o mundo com sensibilidade. [...] O autor busca a companhia de Bachelard, Deleuze e Guattari, Manoel de Barros, Jorge Larrosa, Jacques Rancière e tantos outros para conversar com as palavras. E isto ele faz bem. Suas conversas sempre contêm uma ou mais perguntas e instigam o leitor a pensar, a fazer mais perguntas e deixar a angústia penetrar em seu espírito. Por vezes, dá pistas conceituais ao fazer trocadilhos de palavras já ditas em frases por outros autores, por palavras que dão sentido à sua fala. É assim que suas palavras nos conduzem na direção do seu pensamento. Suas palavras habitam poemas.

do Prefácio,por Virgínia de Lima Palhares

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ISBN: 978-85-94353-76-4

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Copyright © 2019, Antonio Carlos Queiroz Filho.Copyright © 2019, Editora Milfontes.Av. Adalberto Simão Nader, 1065/ 302, República, Vitória - ES, 29070-053.Compra direta e fale conosco: https://editoramilfontes.com.brDistribuição nacional em: [email protected]

Editor ChefeBruno César Nascimento

Conselho EditorialProf. Dr. Alexandre de Sá Avelar (UFU)

Prof. Dr. Arnaldo Pinto Júnior (UNICAMP) Prof. Dr. Arthur Lima de Ávila (UFRGS)

Prof. Dr. Cristiano P. Alencar Arrais (UFG) Prof. Dr. Diogo da Silva Roiz (UEMS)

Prof. Dr. Eurico José Gomes Dias (Universidade do Porto) Prof. Dr. Fábio Franzini (UNIFESP)

Prof. Dr. Hans Urich Gumbrecht (Stanford University) Profª. Drª. Helena Miranda Mollo (UFOP)

Prof. Dr. Josemar Machado de Oliveira (UFES) Prof. Dr. Júlio Bentivoglio (UFES)

Prof. Dr. Jurandir Malerba (UFRGS) Profª. Drª. Karina Anhezini (UNESP - França)

Profª. Drª. Maria Beatriz Nader (UFES) Prof. Dr. Marcelo de Mello Rangel (UFOP)

Profª. Drª. Rebeca Gontijo (UFRRJ) Prof. Dr. Ricardo Marques de Mello (UNESPAR)

Prof. Dr. Thiago Lima Nicodemo (Unicamp) Prof. Dr. Valdei Lopes de Araújo (UFOP)

Profª. Drª Verónica Tozzi (Univerdidad de Buenos Aires)

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Antonio Carlos Queiroz Filho

DO SENSÍVEL, POESIA(outros modos de grafar o mundo)

Editora MilfontesVitória, 2019

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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação digital) sem a

permissão prévia da editora.

RevisãoHerbert Farias

CapaImagem da capa:

FissurasBruno César Nascimento - Aspectos

Projeto Gráfico e EditoraçãoBruno César Nascimento

Impressão e AcabamentoGM Gráfica e Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Q3s QUEIROZ FILHO, Antonio Carlos. Do sensível, poesia: outros modos de grafar o mundo/ Antonio Carlos Queiroz Filho. Vitória: Editora Milfontes, 2019. 200 p.: 20 cm.: il.

ISBN: 978-85-94353-76-4

1. Poética 2. Linguagem 3. Experiência I. Queiroz Filho, Antonio Carlos II. Título.

CDD 910.01

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Não há revolta intelectual que não seja também, de alguma forma, uma revolta linguística, uma revolta no modo de nos relacionarmos com a linguagem e com o que ela nomeia. Ou seja, que não há outro modo de “pensar de outro modo” que não seja, também, “ler de outro modo” e “escrever de outro modo”.

Jorge Larrosa

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SumárioPrefácio .............................................................................................. 11

Apresentação .................................................................................... 19

Prólogo | Notas poéticas sem finalidade alguma ........................23

Além do horizonte | paisagem como estado de alma ................37Além do horizonte .........................................................................39Um sentido de paisagem ...............................................................45Eric Dardel em O Homem e a Terra: ........................................ 52Jean-Marc Besse em Ver a Terra: .............................................. 53Paisagem: linguagem-alma .........................................................55O aspecto da paisagem a partir da linguagem cinematográfica .55Da paisagem como estado de alma ............................................ 56

Interstício Um | notas poéticas sem finalidade alguma .............69

O que se vê, ouve e sente | paisagem e lugar como o chão de grafias impuras ............................................................................................77

Exercício de paisagem: fingir e saber que fingiu ..........................79O que vem primeiro: o lugar ou a paisagem? ............................ 79Primeiro: sobre o reflexo e a aparência: .................................... 81O mundo manifesta-se pelos agenciamentos ............................ 88A paisagem como estética/enunciação e lugar como política da expressão ........................................................................................89O desafio do trabalho de campo no contexto das geografias menores ..........................................................................................97

Interstício Dois | notas poéticas sem finalidade alguma .........101

Pensamentos fugidios | grafias de um corpo como poesia ......109Folha quase em branco .................................................................111Diferença como polifonia e não como sinfonia ...........................113Gramática desafinada ..................................................................117

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Primeira ....................................................................................... 124Segunda ....................................................................................... 126Lugar de poesia ..............................................................................127Fazer encontrar (ou política dos afetos) ......................................131

Interstício Três | notas poéticas sem finalidade alguma ..........135

Ver de ouvir, ou | o que faz grafar-cidade .................................143O que se diz e como se diz de onde se vê .................................. 145

Rodrigo (Interrompe e muda alguma pessoa de posição ou lugar) ...145Rodrigo (Sem interromper, muda alguma pessoa de posição ou lugar) ................................................................................................146Rodrigo (Sem interromper, muda alguma pessoa de posição ou lugar) ................................................................................................146Rodrigo (Sem interromper, muda alguma pessoa de posição ou lugar) ................................................................................................146Rodrigo (Interrompe, pede a alguém para mudar outra pessoa de posição ou lugar) ..............................................................................147Rodrigo (Sem interromper, pede a alguém para mudar outra pessoa de posição ou lugar) .........................................................................148Rodrigo (Sem interromper, pede que alguém mude outra pessoa de posição ou lugar) ..............................................................................149Rodrigo (Sem interromper, pede para alguém mudar outra pessoa de posição ou lugar) ..............................................................................150Rodrigo (O próprio Rodrigo performará o “sentir” com o cheiro de Canela) .............................................................................................151

Antes de dizer, sentir .....................................................................153Rodrigo (Indicar alguém para performar com a banana)............155Rodrigo (Indicar alguém para performar com uma camisa – a ser vestida como calça) ...........................................................................156Carlos (Perguntar a cor da meia do Rodrigo - Pedir para apagar as luzes e perguntar sobre a cor da roupa dos professores) .............162Rodrigo (Colocar as pessoas no “mapa”: mãos) ............................163Rodrigo (Colocar as pessoas no “mapa”: pés) ...............................164Rodrigo (Colocar as pessoas no “mapa”: cabeça) .........................165

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Depois de sentir, dizer ...................................................................167Rodrigo (Organizar o “mapa”) ......................................................168

Interstício Quatro | notas poéticas sem finalidade alguma .....169

Habitar as palavras | experiência de uma grafia poética do espaço ..............................................................................................177

José Luiz Pardo, 1996. .......................................................... 179

Habitar como um “estado de presença” ......................................181

Habitar como um “estado de experiência” .................................183

Habitar como um “protocolo corporal poético” .........................187

Epílogo .............................................................................................. 195

Referências: ...................................................................................... 197

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Prefáciopor

Eduardo Marandola Jr. e

Virgínia de Lima Palhares

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Por

Eduardo Marandola Jr.

Da ampla janela envidraçada deste quarto de hotel contemplo o mar cintilante de uma manhã primaveril de Maceió. Os livros me dizem que se trata do Oceano Atlântico, aquele nascido da deriva continental que criou nossa orfandade.

Este mar é verde, azul, anil e até borrado de terra-lama, mas pela manhã ele é dourado. Espumante na proximidade do olhar, dourado em sua tonalidade.

Da janela, que enquadra, me sinto preso-limitado e ao mesmo tempo focado. Se me projeto pela abertura, sinto a vastidão da linha da costa e busco o ponto de fuga que se alinha no horizonte. Em vão. Solto no espaço, o olhar oscila, entre céu, terra e mar.

Qual delas é a escritura mais efetiva? A fluidez aquosa e oscilante da água, a dispersão e compressão do ar ou a solidez entre fissuras e compactações da terra?

Pergunta inútil, a não ser que nos permita o movimento, a derivação e o tensionamento sem pretensão de solução. Afinal, essas escrituras expressam “modos de”... de que?

Esta é uma das forças de “Do sensível, poesia (outros modos de grafar o mundo)”: pensar e colocar em movimento estes “modos de...” (a inclusão das reticências se fez necessária a partir daqui) em tensão com a linguagem, pela linguagem, para a linguagem. Nele, o geógrafo Antonio Carlos Queiroz Filho, faz isso pela poesia e pela sensibilidade em direção a um

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outro modo de pensar e fazer a geografia. Esta se converte em devir, em entendimento, em sentir, em movimento. Poesia.

Tão importante para isso quanto os “modos de...” é a ideia de “outro(a)(s)”…, que são muito(a)(s). “Outro(a)(s)...” “modos de...” pensar, ler, dizer, grafar, experienciar, ouvir… Ou, talvez, “modos outro(a)(s) de...”, trazendo para o modo a tonalidade da ação que não busca a diferenciação, mas celebrar a diferença.

Diferenças que aproximam e separam, que abrem e limitam, que derivam e territorializam. Diferenças que em suas potências, se tornam fugidias, expressas em corporeidades, na paisagem, no lugar.

Mas talvez o que Queiroz Filho queira seja tirar as vírgulas: “Diferenças fugidias expressas em corporeidades paisagens e lugares.” Será? Fiquei na dúvida ao ler em voz alta. Parece agora uma avenida pavimentada sem qualquer textura ou ranhura. Poderia ser a vírgula uma pausa, uma oscilação, uma resistência? Os limites entre a diferenciação objetificante e a diferença criadora é tênue, e sensível.

Talvez por isso a insistência nos “modos outro(a)(s) de...” expressos nas páginas deste livro como escrita-corpóreo-sensível e como invenção: lugar do ordinário tanto quanto do extraordinário. No instante do corpo no mundo, que enfrenta agenciamentos maquínicos e dança enquanto habita a cidade.

Queiroz Filho nos convida a pensar uma geografia criativa, que alargue conceitos e amplie possibilidades. O convite final é para habitar as palavras, grafadas e que ao mesmo tempo grafam o espaço, que também é corpo, que é presença e experiência.

Temas recorrentes de sua trajetória, como imaginação espacial, corporeidade, poesia, dança, experiência e linguagem,

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ganham força neste novo livro em sua radicalização e reverberações para a paisagem, o lugar e o habitar. “Modos outro(a)(s) de...” pensar suas geografias.

Aos leitores, está feito o convite para habitar esta linguagem, fruir esta escrita como experiência. O livro pode ser uma janela, vista como enquadramento, ou pode ser a abertura para se propelir, seja ao céu, à terra ou ao mar. Entretanto, para ser sincero, não penso que será um movimento unívoco: o próprio devir provocará o deslocamento que nos lança ao lancinante jogo da linguagem.

Esta não é translúcida, mas repleta de dobras e sombras. Jogo de insinuar, de desdizer e de ocultar, às vezes mais do que de mostrar. Assumo que estou na primavera em uma região que não a reconhece como tal. O que está posto e o que está deslocado pela linguagem?

Nela, no entanto, como nos provoca Queiroz Filho em seu epílogo, não há salvação, mas pulsação e re-existência, afinal, “Por vezes as palavras escapam / E o gesto toma conta da minha linguagem”.

Qual o seu gesto agora?

Cruz das Almas, Maceió, Primavera de 2019.

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Por

Virgínia de Lima Palhares

Inicio as palavras sobre o livro Do Sensível, Poesia atravessada pela sensibilidade do autor. Este livro é o reflexo de um fazer geográfico com arte. Ele significa mais um passo na longa caminhada daqueles que veem a geografia de uma forma diferente. Os caminhos vão se abrindo para se entender o mundo pela experiência, pela poética, para se pensar outras geografias possíveis.

A geografia presente neste livro é uma geografia do sentir e ela se mostra pelo cinema, pela cidade, pela paisagem, pela poesia, pelo corpo. Carlos Queiroz traz nas ranhuras de suas palavras um texto sensível intercalado por poemas que reúnem textos ditos em palestras em diversas ocasiões por este Brasil. O poeta e o geógrafo se entrecruzam no texto, dando ao leitor a possibilidade de se aproximar de uma geografia criativa que se abre para o mundo com sensibilidade.

O autor busca a companhia de Bachelard, Deleuze e Guattari, Manoel de Barros, Jorge Larrosa, Jacques Rancière e tantos outros para conversar com as palavras. E isto ele faz bem. Suas conversas sempre contêm uma ou mais perguntas e instigam o leitor a pensar, a fazer mais perguntas e deixar a angústia penetrar em seu espírito. Por vezes, dá pistas conceituais ao fazer trocadilhos de palavras já ditas em frases por outros autores, por palavras que dão sentido à sua fala. É assim que suas palavras nos conduzem na direção do seu pensamento. Suas palavras habitam poemas. A inclusão da poesia em vários momentos do texto traz uma docilidade à conversa geográfica e dá uma certa intimidade com o pensamento do autor.

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O cinema como linguagem é uma marca na trajetória geográfica de Carlos Queiroz. Com ele, aprendi a ler o filme para além do que a trama nos revela, apresentada pela imagem e pelos personagens. Uma viagem extraordinária, A vila e Apocalipse Now são alvo de uma conversa envolvendo a paisagem como construção e não como um conceito dado, pronto. É pensar uma paisagem sensível, como “estado de alma,” como o autor se refere a essa categoria geográfica. Esse modo de ver a paisagem é possível pela experiência. Viver a experiência geográfica é incorporar uma geografia das invisibilidades, pequena, que o autor traz em diálogo com Wencesláo Oliveira; é pensar e experienciar o corpo no mundo. E Carlos Queiroz fez isso muito bem com a dança. Ele desviou o olhar para os pés que param, que passam, para os passos em direção a um devir. Pelos pés, há um desejo de tensionar uma geografia que precisa ser desvestida para se tornar potência em seu fazer geográfico. Tudo é um modo de ver, de sentir. A dança, com seus movimentos, tão presente em Carlos Queiroz, “converte palavras em corpo” criando um “balé das palavras” pelo corpo na paisagem. Ou seria no lugar? A dança só tem sentido com o outro, para dar abertura para uma grafia de mundo pelo corpo a se mapear ou a se deixar mapear. O movimento do corpo, sempre apoiado no chão pelos pés, num vai e vem, num devaneio bachelardiano, na expectativa do porvir nos leva a pensar “Para quem serve a Geografia? Serve?”

Este é um livro que nos convida a pensar e fazer uma geografia sensível. A poesia, a dança, o cinema, por que não dizer as artes em geral, “servem para aumentar o mundo,” como Manoel de Barros dizia em O Livro sobre Nada. Carlos Queiroz nos encoraja a fazer uma geografia melhor, do ordinário, do sensível. Fazer geografia é respirar, é grafar saberes.

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2019

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ApresentaçãoParte Um

Este livro é composto por textos escritos na ocasião de algumas palestras, às quais fui convidado para falar de questões sobre corpo, imagem, linguagem, experiência e arte. Parti então desses “locais” com o intuito de propor, fazer e encontrar paisagens, lugares e espaços outros, para fazer pensar um modo de grafia de mundo (geografia) que tenho buscado realizar. Geografia esta que se assume como algo da “ordem” do sensível e do poético. Grafia, portanto, contingente, perene, duvidosa, vacilante, frágil, incompleta. Grafia que busca mais a pergunta e menos a resposta, mais a reticência e menos a afirmação eterna, etérea e soberana. Grafia de rastejos e lampejos. De querenças intermináveis e talvez até mesmo infundadas, mas verdadeiras como constituintes de um sujeito que sente e se permite sentir. Geografia pelo movimento que parte de um interior em ebulição: vapor de desejos, sublimação de afetos. Grafia feita por mãos trêmulas e pés descalços, meandrada por poemas sem finalidade alguma, como uma espécie de “anteparo” diante das práticas outorgantes de uma autoridade qualquer. Eles são um afago, uma partilha, um abraço acolhedor que ofereço, pois é pela poesia que busco “esticar o horizonte” desse fazer geográfico ainda tão esquisso. Sim, este é um livro de rascunhos, de rabiscos, de palavras-pensamentos-imagens inacabadas. Não se pretende ficar pronto, a não ser pela continuidade daqueles que o tomem para si e façam, a partir daí, os próprios caminhos. E foi nessas andanças e piruetas que me deparei com a potência

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imaginativa e poética de Jorge Larrosa, que eu poderia indicar como a principal força operando meus escritos nos últimos anos. Seus apontamentos sobre o saber e a linguagem da experiência e os processos de emancipação do pensamento a partir daí são, sem dúvida, um estímulo perene. Eis a minha grafia como produção intelectual: uma insubordinada diluição fronteiriça. Não cabe aqui, portanto, o intento de assentar definições a partir de uma dada razão técnico-científica. Geografia aqui não quer ser a “boa e correta” Geografia. É, pois, uma Geografia que se grafa na medida da impureza e da liberdade como busca, processo e consequência. Não espero, sem dúvida, chegar a um suposto “modo de fazer”. Quero apenas, nesse caminho, poder contar com trocas frutíferas e vindouras. E este livro é exatamente isso...

Parte Dois

Começo esse movimento com um PREÂMBULO poético composto por três poemas. Nessa mesma medida foram escritos os “INTERSTÍCIOS”, que são o conjunto de poemas que intercalam os “capítulos”. O primeiro deles, intitulado ALÉM DO HORIZONTE | paisagem como estado de alma, propõe pensar um sentido de paisagem no contexto dos estudos geográficos assentados na perspectiva pós-estruturalista de linguagem. Busca, nesse sentido, pensar paisagem como “estado de alma” a partir da análise fílmica como constituinte de uma imaginação espacial. Em seguida, O QUE SE VÊ, OUVE E SENTE | paisagem e lugar como o chão de grafias impuras, busca entender a paisagem não como primado da expressão, mas como atributo do sensível, propondo pensar paisagem e lugar como categorias indissociáveis. Para isso, delineia-se um procedimento analítico a partir da articulação das reflexões sobre a “tetravalência do agenciamento” (Deleuze; Guattari)

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e a “partilha do sensível” (Jacques Rancière). Isso significa, portanto, uma ampliação do conceito, e consequentemente, uma ampliação da capacidade explicativa e imaginativa da própria Geografia. Já PENSAMENTOS FUGIDIOS | grafar na escala de um corpo-poesia propõe-se pensar a cidade para além da perspectiva funcionalista e mecanicista. As principais marcas do viver citadino contemporâneo e seus principais paradoxos passam a servir como “matéria de poesia”. A poesia entra em cena para prestar sua companhia, por sinal bastante solidária nesse processo. Eis então um pensar-a-cidade que funciona como fazer-poema: cidade-poesia. E assim nascem as reflexões que assumem a poética como constituintes. Do mesmo modo, VER DE OUVIR, ou | o que faz grafar-cidade busca discutir o “olhar a cidade” diante de determinada trama estético-política, pelo que lhe foi permitido ver-se daquela forma. Então, ocorre que, ao olhar “para a cidade”, ou melhor, para uma “cena urbana”, vejo uma ordem discursiva manifesta, os sintomas. Quer-se, a partir da estética do grotesco, apontar para um pensar-dizer balizado pela poética de Manoel de Barros e pela ética deleuziana, provocando uma rasura dos sentidos e, portanto, da própria imagem da cidade. Na sequência, HABITAR AS PALAVRAS | experiência de uma grafia poética do espaço-corpo versa sobre o habitar como resistência ao alheamento do outro, assumindo esse outro como constituinte de nós mesmos. “Nós mesmos” não é algo pronto, mas como atualidade e momento, o agora que já não é mais. Habitar como um vir a ser perenizado, portanto, não a coisa dada, aparência superficial e sedutora da estabilidade pré-fabricada, individualista e apática. Contrariamente, habitar como “produto direto do coração” que é, sobretudo, relacional. Findo do mesmo modo que comecei, com um EPÍLOGO poético sem finalidade alguma, a não ser provocar elãs afetivos. E este livro é exatamente isso...