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stava apoiada em um pilar próximo ao altar, observando uma rosa

branca que acabara de colher de um arbusto. A valquíria já não se lem-

brava qual foi a última vez em que esperou tanto para alguma coisa.

Contou estar há quatro horas desde que acordou à espera das anciãs desper-

tarem de sua meditação aparentemente infinita. Do jeito que demoram, não me sur-

preende a necessidade de regar Yggdrasil quando acordam, pensou Zero. Podia ser a

Valquíria do Infinito, mas isso não significava que poderia esperar para sempre.

Apesar de não estar contente com sua situação, evitou expor suas opiniões.

Sorm estava de olho em cada movimento em que ela pensasse em fazer, tudo por

causa do confronto anterior. Tinha que admitir, foi divertido abalar a fé da jovem

norna, mas tudo que era bom acabava depressa.

Zero sentia as nornas perfurando-a com seus olhares desconfiados e afiados

como navalhas. Evitou pensar muito naquilo; afinal já estava acostumada com os

olhares de julgamento, os quais a perseguiam por onde quer que fosse.

Seja nos picos congelados de Niflheim, ou nas fornalhas celestiais em Muspe-

lheim, os olhares e dizeres eram sempre os mesmos: reprovação.

Na realidade, aquilo não importava para a valquíria. Desde que nasceu, alcan-

çou todos os objetivos que desejou e até os que nem ao menos sonhou. O sucesso

e o poder estavam em seu sangue. Era uma guerreira, uma valquíria, e agora, era

uma deusa. O que mais poderia pedir?

Jogou a rosa no altar e, de repente, uma das anciãs acordou, como se o som

que a flor fez ao cair no chão a tivesse a despertado. Logo em seguida, as outras

duas nornas acordaram de sua meditação intensa.

Um turbilhão de jovens mulheres tomou conta do altar. As nornas comuns se

reuniam ao redor das anciãs, fazendo perguntas, trazendo alimentos e água para

elas.

A Valquíria do Infinito sequer saiu do lugar. Esperou o tumulto diminuir, ou

ao menos aquela foi a sua intenção. De dentro da roda, uma voz serena e firme

chamou por ela. Seguiu até o altar e parou em frente às tão estimadas Primeiras

Nornas. Estavam lado a lado, sentadas no chão frio de pedra do altar.

— Estávamos à sua espera — falou a anciã do meio. Tinha cabelos curtos, ne-

gros como a noite. Parecia ser muito jovem, por volta dos dezessete anos. Enver-

gava um vestido de seda branco, o mesmo que as suas irmãs trajavam. Um colar

E

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de ouro branco pendia de seu pescoço, e em seu braço esquerdo, diversos brace-

letes brilhavam.

— E agora está diante de nós — a mulher sentada à direita continuou. Possuía

o mesmo rosto que a jovem do meio, mas parecia mais velha. Seus cabelos grisa-

lhos chegavam-lhe na metade das costas, onde estavam presos por um círculo

dourado empoeirado. — O que você deseja, Valquíria do Infinito? Pelo que Urd

nos lembra, Skuld já lhe disse uma vez que não consegue ver seu futuro.

— Preciso que me respondam algumas perguntas — Zero respondeu, num

tom seco.

— Nunca houve qualquer resposta para você — a terceira anciã se pronunciou.

Como suas irmãs, possuía o mesmo rosto, entretanto era muito mais velha, re-

pleta de rugas e flácida. Seus cabelos brancos estendiam-se até o chão, e todas as

suas joias ou estavam enferrujadas, ou extremamente empoeiradas.

— Não há respostas para você — disse a norna de cabelos grisalhos, como se

quisesse acabar a conversa naquele momento.

— Não haverá quaisquer respostas para você — pronunciou a anciã de cabelos

curtos. — Eu, Skuld, a Senhora do Futuro, não consigo enxergar o seu destino. Uma

névoa densa e maligna impede-me.

— Seu passado é desconhecido. Eu, Urd, a Guardiã do Passado, não consigo vê-

lo — a velha norna murmurou, numa voz tão fraca que parecia definhar.

— Você só não pode fugir do seu presente, Valquíria. Eu posso te observar,

não importa onde você estiver.

— Fico muito mais tranquila ao saber que sou vigiada por uma norna que nada

pode me dizer — respondeu com escárnio à Vigia do Presente, Verdandi. —

Poupe-me de suas falsas preocupações.

— Nos preocupamos com todos os seres vivos no cosmo. Esta é a nossa natu-

reza e nosso dever. Foi assim desde que chegamos e sempre será quando todos

se forem — disse Urd, lembrando a valquíria das reais intenções das Senhoras do

Destino.

As Nornas não nasceram junto ao universo. Chegaram depois, ninguém soube

de onde. Instalaram-se sob às raízes de Yggdrasil, e espalharam pelos Nove Mun-

dos que podiam enxergar o destino do universo. A curiosidade foi tamanha, que

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até Odin, o Pai de Todos fora se consultar com as Primeiras, onde Skuld, a Senhora

do Futuro, revelara a ele que a era de ouro dos deuses estava prestes a acabar.

Algum tempo se passou, e embora ninguém acreditasse, a profecia se concre-

tizou. De Jotunheim, um turbilhão de gigantes surgiu, prontos para profanar e

destruir os mundos que deviam sua lealdade aos deuses.

A era em que todos os deuses eram amados e respeitados por todos acabara

naquele dia. Apenas quatro dos Nove Mundos permaneceram sob o controle dos

Deuses. E foi a partir daquela época que todos passaram a acreditar nas profecias

das Nornas.

— Segundo vocês mesmas, eu não pertenço ao cosmo. Sou uma aberração,

algo que surgiu de outro lugar, de onde vocês nem sequer sabem — disse a val-

quíria. Subiu ao altar onde as anciãs estavam e continuou, enquanto encarava

uma a uma. — Você, Urd, diz não encontrar o início de minha vida. Não conhece

o começo do meu destino. Por quê?

A mais velha das anciãs ficou em silêncio. Sequer encarava a valquíria nos

olhos, como se tivesse medo. Zero continuou:

— Ah, Verdandi. A Vigia do Presente, a responsável por levar os vivos do pas-

sado para o futuro. Me responda como irá fazer isso, se não sabe de onde eu vim

e para onde vou.

— Pare com isso, Zero. Fazer tais questionamentos não irá solucionar os seus

problemas. — Skuld pediu, enquanto se levantava. Sentia as pernas tremerem

após tanto tempo sentada. — Nosso dever é profetizar o destino de quem nos

pede para tal, mas você...

— É impossível. Entenda isso e siga em frente — Verdandi se levantou e em

seguida, ajudou Urd a fazer o mesmo. — Isso é tudo, Valquíria do Infinito.

As três nornas anciãs puseram-se a caminho. Tinham muito o que fazer. Regar

as raízes de Yggdrasil não era tarefa fácil, muito menos dar conselhos às jovens

nornas. E mesmo após todo o trabalho, voltariam a meditar, presas em um sono

em que jamais descansam.

Vendo as três mulheres descendo o altar, Zero exclamou:

— Eu ainda não terminei com você, Skuld. As outras podem ir regar sua pre-

ciosa árvore.

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Sem questionar, Skuld ficou, após ter certeza que suas irmãs estavam bem com

aquilo. Olhou para Zero, que observava as jovens nornas colhendo maçãs.

— Acabei de lhe falar. Seu destino não pode ser...

— Eu não viajei até aqui para saber do meu destino — interrompeu a Senhora

do Futuro. — Você realmente achou que perderia meu tempo vindo até aqui para

ouvir a mesma resposta de cem anos atrás? Por enquanto, não me tornei uma

tola.

Sentiu o silêncio cair, pesado. As nornas se entreolharam, esperando quem te-

ria a coragem de continuar a conversa. E, com muita hesitação, Verdandi pôs-se

a falar:

— Muitas são as vezes em que as pessoas não se conformam com o destino

que lhes é dado. Por isso tendem a voltar para descobrir se algo possa ter mu-

dado.

— O que faria uma mulher sem destino num lugar como esse? Irei me confor-

mar com o quê? Com aquilo que não possuo? Espero que perceba o quão idiota

você está parecendo — Zero riu, enquanto retirava um punhal da bota. Passou a

brincar com o objeto, girando-o na mão.

— Então diga o que quer saber — a norna anciã encarava fixamente o punhal

nas mãos da valquíria. A sensação de não saber o que poderia acontecer era an-

gustiante para Skuld, a qual sempre pôde ver o futuro de tudo e todos. Sentia-se

ameaçada, e nada podia fazer a não ser torcer para que Zero fosse sensata em não

utilizar a violência.

— Os homens de Midgard brigam por territórios e se matam em nome dos

deuses. Conte-me quando entrarão em guerra novamente.

— Não entrarão em guerra novamente tão cedo. Contudo, haverá uma batalha

em um pequeno vilarejo daqui a duas semanas.

— Espero que tenha ótimos guerreiros para recrutar. Valhalla precisa de ho-

mens e mulheres capazes de lutar — ou mandarei todos para Helheim para que va-

guem em um mar de ossos. — Vê, querida Skuld, foi simples, não é?

— Apenas isso? Temi ter que lhe dizer coisas mais desafiadoras. Se finalizamos

por aqui, tomarei meu caminho, e espero que tome o seu também — sorriu, girou

nos calcanhares e preparou-se para ir embora.

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Sentiu algo roçar-lhe a bochecha esquerda, e quando verificou, percebeu estar

sangrando. À sua frente, o punhal cravado no chão, e quando voltou a olhar para

Zero, observou um vil sorriso em seu rosto.

— O que foi isso?! Ousa ameaçar-me com armas em minha própria casa?! —

Vociferou para Zero, que apenas revirou os olhos. — Eu deveria ordenar...

Sentiu mais uma vez algo roçar seu rosto, e em seguida, alguma coisa fria en-

costar no seu pescoço. A Valquíria do Infinito já não estava mais no altar, mas sim

apontando-lhe um novo punhal.

— Sou uma deusa agora, Skuld. Trate-me como tal — pressionou a lâmina no

pescoço da norna. Um pequeno filete de sangue escorreu. — Não ouse pensar

que pode me deter. Aconselho a não chamar suas nornas, ou não terá tempo para

meditar, já que estará ocupada demais cavando covas e chorando pelas suas ir-

mãs.

— O que você quer então? Apenas diga e vá embora.

Zero sorriu, deu dois tapas no ombro da anciã e guardou o punhal.

— Preciso que me diga tudo sobre o futuro de um certo alguém...

— E quem seria? Diga logo para acabarmos com isso!

Zero vestia um pequeno sorriso debochado:

— Alguém muito especial. Você verá.

***

— Eu tenho medo, papai.

— Não há o que temer, meu filho. Thor está comemorando as nossas conquis-

tas, batendo com seu martelo! — O homem abraçava seu filho, dando-lhe con-

forto em relação aos raios e trovões incessantes.

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— Agora você precisa ir dormir, Bore. O dia será longo amanhã — de um canto

escuro da pequena cabana, surgiu uma mulher. Seus cabelos ruivos eram raspa-

dos do lado direito e trançados no lado esquerdo, chegando até metade de suas

costas. Seus olhos azuis brilhavam à luz da fogueira no centro da cabana. —

Deixe-me a sós com seu pai.

— Deixe o garoto ficar mais um pouco, Yertha.

— Não, Devar. Já passou da hora — abraçou o homem por trás. Devar era um

homem robusto, com um longo emaranhado de pelos negros no rosto e uma vo-

lumosa cabeleira da mesma cor. Uma cicatriz cortava sua bochecha direita verti-

calmente. — Agora vá, Bore.

O garoto olhou para sua mãe, e após um breve momento de reclamações, obe-

deceu ao pedido.

Deitou e se encolheu em sua cama de palha, tentando não dar ouvidos aos

sons tenebrosos do exterior, e também aos barulhos e gemidos de seus pais.

A tempestade não parecia querer ceder tão cedo, e mesmo após seus pais se

silenciarem e caírem no sono, a chuva não cessou, e os trovões continuaram a

atormentar.

Sem conseguir dormir, o rapaz se levantou e correu até a porta de casa. Obser-

vava atentamente o céu, negro e repleto de nuvens, as quais apareciam nitida-

mente quando o céu se esbranquiçava devido à luz de um raio.

Raio.

Em seguida, o estrondo do trovão.

Bore estremeceu, mas não recuou. Permaneceu à porta, olhando para o extenso

breu. Nunca gostou da tempestade, sempre preferiu as estrelas que ornavam os

céus com seus brilhos. Todas as noites desejava poder ter a sua própria estrela,

embora soubesse que não conseguiria.

Raio. Trovão.

Agora nem ao menos estremeceu. Estava firme, não sentia mais medo. Poderia

enfim falar para seu pai que o estrondo do martelo de Thor não lhe amedrontava

mais. Tal pensamento não se manteve com o rapaz por muito tempo.

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O céu clareou e, no meio das nuvens, viu uma silhueta. Sentiu um calafrio

descer-lhe a espinha. Recuou, mas ainda manteve a cabeça para fora, na espe-

rança de ver novamente a aparição. Foi em vão.

Numa mistura de decepção e medo, Bore resolveu voltar para a cama. Con-

tudo, foi impedido quando ouviu o soar de um berrante de guerra. Inimigos.

— Mãe! Pai! É um ataque!

Ao ouvir a palavra ataque, seu pai saltou da cama como se fosse um gato. Não

demorou nada para que vestisse alguma roupa e agarrasse seu machado e es-

cudo.

Sua mãe levantou ainda mais rápido, como se fosse um dos raios que avistara

nos céus. Ajudou seu pai a se ajeitar, e após um beijo de despedida, deixou-o

seguir para a batalha.

— Também quero lutar, mãe! — O rapaz exclamou, colocando as mãos em um

machado próximo à porta. — Vou provar meu valor para o pai e para os deuses!

— Temos que fugir daqui, Bore — arrancou o machado da mão do jovem e o

colocou em sua cintura. A mulher envergava um gibão verde escuro, e calças e

botas de couro. Deu um punhal para o filho. — Use isto para se defender.

— Sou um homem feito, mãe! Quero um machado — protestou o rapaz, mas

sua mãe não lhe deu ouvidos.

Juntaram peles e um punhado de comida e teriam fugido a tempo se três ho-

mens não tivessem invadido sua casa. Barbudos e de rostos quadrados, os ho-

mens carregavam machados e vestiam nada além de calças e botas de couro.

— Vejam a sorte que temos. Acabamos de achar um par de tetas que valem a

pena foder — disse o homem com uma barba marrom que lhe chegava até o peito

e uma careca brilhante por estar molhada. — Pena estar vestida como um ho-

mem.

— Não é como ela fosse continuar vestida, meu irmão — resmungou o se-

gundo invasor, torcendo a trança negra que era seu cabelo.

— Tem um garotinho aqui também.

— Eu não sou um garotinho! — Bore avançou no pescoço do terceiro homem,

um magricela, sem barba alguma, não que isso significasse que o homem fosse

mais fraco. Soltou-se das garras do garoto e o arremessou contra a parede.

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— Além de ser um garotinho, quer morrer cedo — o magricela comentou, se-

guindo em direção ao jovem caído.

— Termine com o garoto e venha se divertir com a gente, Umber — convocou

o homem de trança negra, enquanto acariciava os seios da mulher por cima do

gibão. — Veja como ela fica excitada. Deve estar toda molhada — deslizou a mão

pelo corpo de Yertha, descendo até suas partes íntimas.

Assim que a mão do invasor alcançou seu objetivo, Yertha agiu. Rápida e efi-

ciente, a mulher utilizou o machado em sua cintura para cortar a mão que lhe

assediava. O homem agonizou e recuou, tropeçou em uma banqueta e caiu sobre

a fogueira ainda acesa.

Barba marrom, vendo seu irmão gritar, sacou o machado e avançou contra a

guerreira com um golpe vertical, a fim de acertar a cabeça. A mulher rolou para

o lado, evitou o golpe e, em seguida, golpeou o joelho do invasor com o machado,

obrigando-o a cair.

Sem perder tempo e ignorando o garoto, Umber tornou sua atenção para

Yertha e arremeteu contra a mulher, executando uma investida horizontal.

Yertha previu o movimento simples e, após se abaixar, projetou-se contra o

homem, com força suficiente para que o derrubasse. Umber grunhia, apalpando

o chão à procura do machado que deixou cair. Quando o encontrou, enfiou a

arma na costela da guerreira, que berrou ao cair para o lado.

— Deixe minha mãe em paz, desgraçado! — Rugiu Bore, agarrando-se nas

costas de Umber, que passou a se debater na tentativa de derrubar o rapaz.

— Me solta, garoto — agarrou Bore pelos cabelos e o arremessou ao chão. —

Agora você vai morrer! — Sem qualquer cerimônia, partiu o crânio do garoto.

Embora seu ferimento lhe castigava com a dor, ver seu filho ser morto daquela

forma apunhalou-a ainda mais forte.

— Não!! Por quê?! Que os deuses o amaldiçoem, maldito — Yertha rugiu o

mais alto que seu ferimento lhe permitiu.

— Ainda está viva? — Questionou, claramente surpreso. — Você é uma mu-

lher forte, sabia? Veja o que fez com meus irmãos. Queimou Heidar e provavel-

mente aleijou Bhor. Estou até com pena de matar uma guerreira tão incrível como

você. — Umber, após uma boa risada, sacou o machado preso na cabeça de Bore

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e o colocou no pescoço da mulher. — Quais são suas últimas palavras? Se quiser,

posso rezar aos deuses mais tarde para que a levem para Valhalla.

— Que Nidhogg devore sua carne, seu maldito — num movimento preciso, a

mulher acertou a cabeça do invasor com uma pedra retirada da fogueira, fa-

zendo-o cambalear para trás. Rapidamente, Yertha se jogou por cima de Umber,

mas dessa vez o socou. Uma vez, duas, três vezes, até seu punho estar banhado

no sangue do inimigo.

Deixou-se cair sobre o corpo de Umber. Sentia-se cansada e pesada. Quando

ouviu o gemido do homem chamado Bhor, suspirou e revirou os olhos, mas no

fim, foi até lá.

— Por favor, não me mate — implorou para Yertha, que permanecia de pé ao

seu lado, machado em mãos. — Eu imploro!

Sem dizer uma única palavra, arremessou o machado contra a cabeça do inva-

sor.

Yertha ainda conseguia ouvir o som da batalha no vilarejo. Sabia que viriam

mais homens ali e que ela não tinha condições de enfrentá-los. Juntou todas as

coisas que conseguiu e, antes de ir, foi até o corpo de seu filho, Bore.

— Que os deuses tenham sido bons e o tenham levado para Valhalla, meu

querido.

Foi embora, sem sequer olhar para trás.

***

A Valquíria via tudo de cima, sentada na beira de um penhasco. Uma tempes-

tade castigava o lugar com raios constantes e poderosos, mas mesmo com todos

os estrondos, ainda conseguia ouvir o som do aço.

Homens adentravam uma vila com seus machados em mão, prontos para sa-

quear e estuprar quem encontrassem pelo caminho. Aquela era uma das leis na-

turais dos homens, e Zero estava ciente.

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Contudo, era isso que os tornava tão perigosos e formidáveis em combate. Foi

por isso que Odin ordenou a construção de Valhalla, para que pudesse reunir um

exército poderoso capaz de enfrentar os perigosos gigantes.

Quando jovem, Zero fora para sua primeira caçada com suas irmãs valquírias,

e na ocasião, todas elas pareciam fascinadas com o modo de batalha dos homens.

Nunca entendera porque tamanha fascinação, mas concordava que o povo de

Midgard era naturalmente um povo guerreiro.

Preciso de bons guerreiros, mas tudo que vejo são homens desajeitados queimando uma

vila qualquer, pensou Zero, que apesar de ter se tornado uma deusa, ainda preci-

sava ajudar suas irmãs. Nunca reclamou, gostava de recrutar homens com os

quais pudesse combater mais tarde. Entretanto, acreditava que não seria naquele

dia que conseguiria guerreiros dignos para Valhalla.

A valquíria xingou baixinho a Senhora do Futuro. Poderia ter lhe dito quando

aconteceria a próxima grande batalha, não uma invasão desajeitada como aquela

que estava presenciando. Entediada com a falta do que fazer na situação, resol-

veu descer em direção ao vilarejo.

Na entrada da vila, arqueiros mortos com cortes no pescoço; haviam sido pe-

gos de surpresa. As cabanas de palha queimavam, e o cheiro que elas exalavam

se misturavam com o de terra molhada e o de cadáveres. Homens dançavam a

dança do aço sob o céu negro, e Zero caminhava por entre a batalha com tranqui-

lidade. Não era como se não pudessem vê-la, só estavam ocupados demais ma-

tando a própria raça para se preocupar com outros.

Quanto mais andava por entre os corpos e cabanas incendiados, com menos

vontade pensava em levar quaisquer um daqueles homens. Era um trabalho

porco e ruim. Seriam facilmente engolidos pelas forças de Jotunheim, da mesma

forma que o exército de elfos foi há dois séculos, quando os gigantes invadiram

Alfheim e os escravizaram.

Sentou em uma mureta e ficou observando a matança acontecer. Viu um rapaz

rasgando o peito de um robusto guerreiro com seu machado. Também presen-

ciou um arqueiro acertar uma flecha no olho de um velho que corria em sua di-

reção. Porém, o que mais lhe chamou a atenção, foi a lâmina que lhe encostou às

costas.

No primeiro momento, Zero ficou surpresa. Poucos segundos depois, soltou

uma risada abafada, a qual recebeu uma reprimenda:

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— Que tipo de guerreiro resolve se sentar no meio de uma batalha? — Ouviu

uma voz suave, mas firme, perguntar. Pressionou a lâmina nas costas da valquí-

ria. — Responda-me, quem é você. Nunca vi nada parecido com essa vestimenta.

A valquíria nada disse, apenas se levantou, a lâmina nunca lhe desgrudando

das costas.

— Responda à pergunta! Senão terei de rasgar suas costas.

Sem dar qualquer chance de reação, Zero girou e bateu com seu bracelete na

lâmina, saindo da frente da espada. A mulher era habilidosa, e quando percebeu

a reação da valquíria, se abaixou e aplicou uma rasteira, a qual Zero desviou ao

dar uma pirueta para trás.

— Fiquei esperando por um segundo ataque com a espada — a Valquíria do

Infinito comentou, ao apontar para a lâmina. — É o que todos fazem.

— Qual o seu objetivo? Por que invadir nosso vilarejo?! — A mulher rugiu,

com seus cabelos ruivos e trançados caídos sobre seu rosto. Tinha um corte perto

da costela, onde seu gibão verde estava rasgado e manchado de sangue.

— Estou só observando. Por acaso me pareço com uma assassina para você?

Não estou nem com manchas de sangue. Já você...

— Não finja se preocupar comigo! Este corte não é nada em comparação ao

que vocês fizeram com o meu lar.

— Veja bem. Eu não estou nem aí para o que estão fazendo com o seu precioso

lar — disse à mulher, e em seguida, desembainhou a espada. — Mas estou inte-

ressada em você, e por isso, gostaria de uma dança.

Deixando-se levar, a mulher avançou, e aplicou um golpe em direção ao pes-

coço de Zero. A valquíria apenas levantou a espada, bloqueando a investida.

— Terá que fazer um pouquinho mais do que isso — brincou com a mulher.

— Tem técnica, mas lhe falta um pouco de força.

A ruiva rosnou e recuou quando percebeu não conseguir ganhar da valquíria

na força apenas.

— Quem é você?!

— Vamos, mulher. Mostre-me do que é capaz! — Pulou sobre a ruiva com três

ataques seguidos, os quais quase não foram defendidos. — Está muito rápido

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para você? — Continuou a atacar, sempre aumentando a velocidade em cada es-

tocada. Não demorou muito para que acertasse o ferimento da mulher, cortando-

a ainda mais profundamente.

A mulher caiu de joelhos, e devido à dor, largou a espada. Gemia, mas mesmo

assim, nunca desviou o olhar da valquíria.

— Quem... é você?

— E isso realmente importa agora?

A ruiva vomitou.

— Acho que não.

— Lutou bem, mulher. Vamos, diga seu nome — Zero perguntou, encostando

a espada no pescoço da mulher.

— Yertha Rakjar...

— Lembrarei de dizer quão boa foi a dança com Yertha Rakjar! Não se preo-

cupe, dançaremos novamente — levantou a espada. — Bem-vinda a Vallhalla,

Yertha Rakjar.

***

Dois guardas comemoravam a volta de Zero quando a viram no fim da ponte

arco-íris. Com suas lanças elevadas, gritavam para que os homens responsáveis

pelos portões o abrissem para deixá-la passar.

A valquíria finalmente chegara a Asgard depois de uma longa jornada até a

Fonte de Urd e Midgard. Colhera todo o conhecimento necessário, além de alguns

poucos guerreiros para Valhalla. Tinha certeza que Odin ficaria grato.

Apesar de a noite reinar naquele momento, tudo estava quase tão claro quanto

o dia, pois a lua cheia comandava os céus.

A cidade era dividida em duas áreas: a primeira área, dedicada a população,

era predominantemente feita de casas de pedra, algumas tão altas quanto torres.

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Uma espaçosa praça ficava situada no centro da cidade, onde aesir podiam ter

seus momentos de lazer e socialização. Grandes árvores decoravam a praça, e

alguns bancos que ficavam sob a sombra delas serviam como local de descanso e

apreciação da paisagem.

Enquanto que a primeira área abrigava basicamente toda a população de As-

gard, a segunda área, situada no ponto mais alto da cidade, era onde se localizava

o palácio de Odin e Valhalla; e era para lá que Zero seguia.

Por todos os lugares em que a valquíria passava, sentia olhares desagradáveis

em sua direção. Ela não culpava ninguém de tais atos, afinal, todas aquelas pes-

soas queriam estar na mesma situação: fazer parte do conselho de Odin. Só de

pensar que uma simples valquíria havia se tornado tão importante, aflorava os

piores pensamentos na mente da população.

Continuou seu caminho pela praça, passando devagar pelo grande fluxo de

pessoas no local. Aquele sempre foi um lugar muito movimentado, pois era onde

aconteciam diversos festivais para a agradar a todos com música e dança. Na-

quele momento, ocorria o Festival dos Vanir, uma comemoração dedicada aos

deuses da fertilidade, reis de Vanaheim.

As pessoas dançavam e bebiam à vontade enquanto tudo que Zero fazia era

atravessar a quase impenetrável multidão. Por vezes, bêbados a esbarravam, ou-

tros até a convocavam para dançar, pelo menos até perceberem com quem esta-

vam falando.

Afogam o tédio na bebida enquanto poderiam estar se preparando para lutar, a val-

quíria criticava a população em sua mente. Não gostava de ter que criar um exér-

cito de forasteiros quando poderiam muito bem treinar seus próprios guerreiros,

ao invés de deixar a população se embebedar com festivais inúteis.

Tambores rufavam, criando uma melodia incomoda que se juntava aos gritos

e risadas dos festeiros. Zero teve de agradecer ao cosmo quando se distanciou o

suficiente da praça, onde conseguia ouvir apenas minimamente a multidão.

Avançou por algumas vielas, onde encontrou um gato negro dormindo no pa-

rapeito de uma janela alta. Um homem estava sentado em uma cadeira em frente

à sua casa, cantando uma suave canção, desconhecida para Zero, a qual não deu

nenhuma atenção.

Logo, se viu na base da escadaria direcionada a Valhalla. Degraus de mármore

e corrimãos de ouro eram o que constituía aquela longa monstruosidade. No seu

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topo, uma gigantesca construção, muito parecida com um castelo, se erguia im-

ponente, toda feita de mármore, com portas de ouro maciço. Duas valquírias

guardavam o local, com lanças e escudo em mãos. Envergavam armaduras bran-

cas completas, com uma espada dourada gravada no peitoral e capas vermelhas

como sangue.

Quando tiveram o vislumbre da Valquíria do Infinito, ambas se ajoelharam, e

apenas se ergueram quando Zero ordenou.

— Bem-vinda de volta, senhora — uma das valquírias declarou ao abrir a ma-

ciça porta de ouro. Zero apenas acenou com a cabeça, sorriu, e seguiu para o

Grande Salão.

Antes mesmo de adentrar o salão, a Valquíria do Infinito já conseguia ouvir o

barulho de música e de festa. Era um costume festejar todos as noites após um

longo dia de treinamento árduo de batalha. Tal ação era uma espécie de recom-

pensa por tamanha dedicação aos treinamentos em Valhalla.

Uma quantidade surreal de mesas estava disposta lado a lado, onde todos os

guerreiros de Valhalla saciavam sua sede e fome. Pilares sustentavam o teto de

mármore, enquanto tochas se agarravam neles para iluminar todo o local.

Duas mulheres faziam sua refeição em um estrado no fundo do salão, num

lugar de destaque. Ambas bebiam alegremente e por algumas vezes paravam a

música para propor qualquer tipo de brinde, o qual era sempre respondido com

muita alegria, e ainda mais cerveja.

No entanto, tudo mudou quando Zero adentrou o Grande Salão. A música

cessou instantaneamente e toda a bebedeira parou quando a viram caminhar por

entre os guerreiros, em direção ao estrado.

O silêncio era incômodo, mesmo ela sabendo que tal ação não era feita por

desafeto, mas sim por respeito. Ouviu um berro de boas-vindas abafado do meio

da multidão, e foi o suficiente para a festa continuar, desta vez com todos gri-

tando seu nome e lhe desejando boas-vindas.

Estou finalmente em casa, disse a si mesma, alegre. Todos os pensamentos ruins

que adquiria durante a passagem por Asgard sempre eram rasgados e queimados

de sua mente quando chegava em Valhalla. Aquele lugar era a sua casa, seu

mundo, e onde encontraria as suas irmãs para dividir novas histórias.

Assim que se aproximou do estrado, uma das mulheres que lá estavam excla-

mou, chamando sua atenção:

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— Finalmente nos agraciou com sua presença, Zero!

— O dever não quer me deixar em paz, Sigrdrifa — respondeu à mulher. Sigr-

drifa possuía cabelos negros como a noite, que pendiam até metade de suas cos-

tas, e olhos azuis tão claros que por vezes pareciam brancos. Envergava uma ar-

madura escamada negra, com um berrante branco gravado no peitoral, o qual

representava a sua alcunha. — Às vezes gostaria de poder ficar deitada como

Freya no Jardim dos Deuses.

— E qual seria a graça disso? — Dessa vez quem se pronunciou foi a valquíria

ao lado de Sigrdrifa. Seus olhos eram enevoados devido à cegueira. Os cabelos

lhe chegavam até os ombros e eram brancos como a neve. A mulher trajava uma

armadura prateada, e em seu peitoral, carregava um olho negro. Após beber um

gole da cerveja em seu copo, continuou. — Deixe Freya para lá e nos conte das

suas jornadas. Aposto que tem muitas coisas para contar, afinal ficou bastante

tempo fora. Vamos, sente-se conosco!

Não esperou que insistissem. Zero puxou uma cadeira e sentou-se à mesa

junto de suas duas outras irmãs. Sigrdrifa encheu seu copo, apenas para acabar

com ele num único gole.

— Surpreende-me em saber que são necessárias duas valquírias para exercer

minha função — deu uma risada, enchendo o copo mais uma vez. Na sua despe-

dida, deixou as próprias valquírias sozinhas para decidir quem as lideraria du-

rante sua ausência. Chamou aquilo de ‘liberdade de escolha’ e acreditou pia-

mente ter feito a coisa certa.

— Você fala como se fosse fácil controlar esses homens de Midgard. São ani-

mais, que só pensam em matar, comer e fazer sexo. Skögul quase precisou matar

alguns deles.

Zero encarou sua irmã de cabelos brancos.

— Isso é verdade, Skögul?

— Sim, quase causaram uma guerra dentro dos salões de Valhalla. Não pode-

mos deixá-los tão soltos assim, Zero. Precisamos controlá-los.

— Você fala como se pudessem ser controlados — encheu mais uma vez o

copo, mas dessa vez não bebeu. — Skögul, me diga, a quantas caçadas em Mid-

gard você já foi? — Questionou, alisando o bocal do copo. Carregava um sorriso

de escárnio no rosto, o qual sempre vestia não importasse a ocasião, e que todos

odiavam.

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— Nenhuma — respondeu a valquíria cega. Sentia-se constrangida ao fornecer

a informação e ainda mais perturbada por ter que enfrentar o humor de Zero

quando usava seu sorriso infame.

— Exato, irmã. Se você tivesse a experiência que eu e Sigrdrifa tem em caçadas,

saberia muito bem da impossibilidade de controlar esses guerreiros — concluiu

Zero. Depois agarrou o copo de cerveja e deu mais um gole. — Além disso, por

que acha que Odin quer tanto eles para seu exército?

— Porque são ótimos guerreiros, como você mesma está dizendo.

Zero riu, e Sigrdrifa a seguiu.

— Estou começando a questionar a decisão de nossas irmãs ao escolhê-la para

as liderar na minha ausência — sorriu novamente para Skögul, para provocá-la.

— Vou lhe mostrar o real motivo, minha irmãzinha — bateu com força o copo de

madeira na mesa, atraindo a atenção de todos no salão.

— O que ela vai fazer? — Perguntou Skogul, mas tudo que sua irmã fez foi

menear a cabeça e pedir para que esperasse.

— Vejo que estão aproveitando a festa — começou a falar, se levantando da

cadeira. — Porém tenho notícias importantes a dar para todos. Acabei de ficar

sabendo que os gigantes irão atacar Asgard nesta madrugada!

Antes mesmo de poder terminar seu discurso, os homens começaram a se ma-

nifestar.

— Vamos destruí-los!

— Dê suas ordens, Ceifadora da Guerra! Mataremos todos em nosso caminho!

— A seguiremos até o fim de nossas vidas!

E o tumulto continuou. Os guerreiros rugiam e os berrantes soavam. Espadas,

machados e lanças eram erguidas junto a bebidas, e o batuque dos tambores fo-

ram substituídos por batidas em escudos.

— Mas os gigantes não irão atacar, irmã — disse Skögul, confusa.

Zero apenas revirou os olhos, depois tomou mais cerveja. Vendo sua irmã ir-

ritada, Sigrdrifa resolveu chamar atenção:

— Isso é óbvio, Skögul. Será que além de cega é burra?

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— Deixe-a — ordenou Zero, enquanto voltava a se sentar. Embora estivesse

com pouca paciência, ainda tinha o necessário para ensinar Skögul. — Percebeu

como se tornaram ainda mais ativos quando falei que iriam guerrear logo? Per-

cebeu a ausência do medo da morte? Odin os escolheu pois adoram a nós mais

do que a própria vida, e estão dispostos a se sacrificar pelas nossas vontades.

— Claro, a proficiência em batalha deles é um bônus muito útil — Sigrdrifa

complementou. — Graças a todos esses motivos, temos o exército perfeito.

— Quase perfeito. Ainda são muito inconstantes. Precisam de mais treina-

mento.

— Tem razão, Zero.

A música continuou, e a bebedeira também. Alguns bárbaros se divertiam em

uma competição de xingamentos. Zero tinha que concordar, os homens eram

muito criativos na hora de inventar palavras de baixo calão.

Riu um bocado junto de Sigrdrifa, sempre fazendo comentários relacionados

as novas palavras que aprendiam com os guerreiros. Após alguns minutos de

diversão, percebeu um certo desânimo por parte de sua irmã cega.

— Ficou em silêncio de repente, Skögul — comentou a Valquíria do Infinito,

enchendo o copo de cerveja e oferecendo para suas irmãs.

— Percebi que preciso aprender muita coisa ainda, irmã. Obrigada por abrir

meus olhos e destruir meus achismos e incertezas — levantou e se ajoelhou em

frente a Zero. — Peço-lhe sua benção antes de me retirar para meus aposentos.

— Que o cosmo lhe proteja, irmã — apoiou a mão no ombro de Skogul, que

levantou após sentir o toque.

— Obrigada mais uma vez, Zero.

Após a saída da valquíria cega, Sigrdrifa não se conteve.

— Ela é tão estranha, não acha? Todas as vezes em que a questionamos, ela

procura desviar de alguma maneira, geralmente fugindo do local como fez agora.

— Nem todos agem sem pensar como você, irmã. Alguns precisam refletir so-

bre cada ação realizada em suas vidas — deixou-se esparramar na cadeira.

— Nem sempre há tempo para pensar — revelou a valquíria dos cabelos ne-

gros, num tom soturno.

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Zero nada disse. Ateve-se a apenas matar seu caneco de cerveja. Após um mo-

mento de silêncio entre as irmãs, Sigrdrifa resolveu se pronunciar:

— Agora que estamos a sós, me conte o sobre o que aconteceu na Fonte de

Urd.

— Passei a maior parte do tempo esperando a boa vontade das Nornas — disse

à irmã num tom monótono. — Pelo menos quando fui atendida consegui as in-

formações que buscava.

— Está falando dos homens que trouxe de Midgard? Sinceramente, achei que

viriam em maior número. Acredito ter sido a caçada mais humilde de todos os

tempos.

— É verdade, não haviam homens de qualidade — Zero não se orgulhava da

última caçada. Três homens realmente era o menor número de recrutados por

uma valquíria. A dona da marca anterior de oito recrutados era da infame val-

quíria Vadana, A Fracassada, a qual era alvo de piadas justamente devido a sua

ineficiência nas caçadas. — Contudo, há uma mulher dentre os três, irmã, que

aposto estar à par do nosso melhor guerreiro.

Sigrdrifa riu.

— Você está apenas tentando esconder o seu fracasso com uma desculpa ma-

luca. Ou talvez já esteja bêbada — puxou o copo das mãos de Zero, apenas para

enchê-lo mais uma vez. — Deixe as piadas para Loki, minha irmã.

— Diga-me quando me ouviu contar alguma piada, Sigrdrifa — questionou

Zero num tom cortante, sua expressão tornando-se fria e sombria subitamente.

Um silêncio caiu novamente sobre ambas as mulheres. Encaravam-se com fri-

eza, estudando a expressão facial e os simples movimentos que faziam. Está pon-

derando sobre o assunto. Ainda está duvidando do que eu disse, pensou Zero. Conhecia

muito bem sua irmã valquíria, e sabia quando algo não a convencia.

— Estou vendo que não acredita em mim, irmã. Talvez acreditará em seus

próprios olhos, então?

— Talvez — levantou-se, sem antes terminar de beber a cerveja em seu copo.

— Encontre-me no pátio, levarei Ognar para batalhar.

— Se assim lhe aprouver — Zero respondeu, sorrindo como sempre.

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***

— Ela ainda não acordou, Eir?

— O ferimento na costela dela estava pior do que aparentava. A pobre mulher

sofreu demais antes de você chegar, Zero — a valquíria chamada Eir respondeu.

Possuía longos cabelos vermelhos trançados, e olhos cor de avelã. Trajava um

vestido de seda branco, tão longo que sua barra se arrastava no chão, e usava um

brilhante colar de prata no pescoço. — O dano emocional nesta mulher...

— Não estou aqui para saber se ela estava triste ou não antes de morrer —

interrompeu-a de forma seca e pouco amigável. — Preciso que ela acorde agora.

Consegue fazer isso?

Eir suspirou.

— Ela irá acordar quando estiver pronta, Zero. Não apresse o procedimento.

Agora se me der licença, preciso ir analisar os outros dois que você trouxe.

— Vá em paz, irmã.

Quando Eir a deixou, Zero se dirigiu à cama onde Yertha dormia, serena, e se

sentou. Observava a mulher atentamente. Envergava nada além de um vestido

de linho, e seus cabelos ruivos, diferentes de quando Zero a encontrou pela pri-

meira vez, eram um emaranhado de fios vermelhos, livres de qualquer trança.

— Isso é hora para ficar dormindo, mulher? — Resmungou. Teria que explicar

para Sigrdrifa que a mulher está fraca demais para lutar, e provavelmente se tor-

naria alvo de piadas devido a isso.

Começou a questionar a afirmação que fez para sua irmã. A mulher realmente

era muito habilidosa, mas vendo-a deitada num sono tão profundo criava uma

dúvida em relação ao seu verdadeiro poder.

Zero chegou naquela conclusão ao comparar com quando Ognar foi trazido

para Valhalla. Sua irmã Sigrdrifa precisou cortar a cabeça do homem para poder

trazê-lo, e quando chegou, foram necessárias duas valquírias para conter sua fe-

licidade por chegar no Grande Salão.

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Ao observar o poder de Ognar, Odin presenteou sua irmã com uma nova es-

pada, armadura, e uma alcunha: Incitadora de Vitórias. Naquela época, Zero era

apenas uma simples valquíria, adorada por poucos, desprezada por muitos, e ver

sua irmã adquirir tamanha fama por causa de um único feito fez Zero a invejar,

mas também lhe deu alguma esperança de enfim ser notada por Odin.

Muito tempo se passou desde então, e a Valquíria teve que fazer muito mais do

que tirar a sorte grande com um guerreiro de Midgard. Treinou com dedicação,

caçou milhares de guerreiros para o exército de Odin, matou todos aqueles que

ficaram em seu caminho; fez tudo o que deveria ter feito para se tornar a melhor,

para ser o que é hoje e, se fosse necessário, faria tudo de novo sem qualquer he-

sitação.

Mesmo após todo o árduo caminho que trilhou, estava ali, sentada em uma

cama duvidando de suas próprias afirmações. Por que duvidar agora? Nunca errei,

maldição. Não será hoje que estarei errada, xingou a si mesma. Contudo, mesmo pen-

sando dessa forma, ainda não poderia fazer nada em relação ao sono profundo

de Yertha.

— Acorde, vamos... — balançou a mulher, mas de nada adiantou. Ao perceber

o resultado de sua tentativa, Zero levantou num pulo, irritada, e se dirigiu à sa-

ída.

Seguiu a passos largos pelos compridos corredores feitos de mármores e ouro

de Valhalla. Tochas de aço agarravam-se nas paredes, com as chamas a tremelu-

zir. Quando chegou em uma intersecção, virou à direita, e após mais alguns mi-

nutos de caminhada, virou à esquerda, dando de cara com um espaçoso pátio.

Algumas árvores se erguiam nos cantos do local, dando um pouco de cor para

o lugar predominantemente cinza e morto. Alvos para treinamento de arco fica-

vam ao norte, onde uma jovem valquíria atirava uma flecha contra o alvo, er-

rando-o de forma vergonhosa.

Ao leste, algumas valquírias sentavam-se sobre árvores para apreciar uma boa

leitura. Certa vez, Zero perguntou o motivo de ler em um pátio de treinamento,

onde claramente era difícil de se concentrar de forma eficaz. A resposta que re-

cebeu foi convincente o suficiente; a responderam dizendo que liam sobre técni-

cas de batalha e que poderiam assim, auxiliar facilmente quem precisasse.

Ao oeste da entrada estavam bonecos de palha utilizados para treinamento

corpo a corpo. Sigrdrifa e Ognar praticavam com espadas e escudos, enquanto

mais algumas valquírias as assistiam.

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O guerreiro desferiu um golpe contra a cabeça de Sigrdrifa, que desviou com

maestria e se abaixou, aplicando uma rasteira no homem. O golpe acertou em

cheio Ognar, fazendo-o despencar no chão, e terminando a luta.

— Parece-me que você adora levar rasteiras, Ognar — provocou Sigrdrifa ao

embainhar a espada. — Este já é o terceiro combate em que eu o venço com uma.

— Tive que deixá-la vencer para não passar vergonha na frente da Valquíria do

Infinito — o guerreiro riu. — Além disso, quais são as chances de os gigantes

tentarem aplicar uma rasteira? É muito mais fácil que queiram me esmagar.

Sigrdrifa soltou um riso abafado e meneou a cabeça.

— Talvez você esteja certo, mas se por algum infortúnio do destino, eu ou até

mesmo Zero, minha irmã, nos tornemos contra os deuses e Valhalla?

— Então a seguirei, grande Sigrdrifa! — Exclamou, levantando a espada para

o alto. Em seguida, tornou a olhar para Zero. — E quanto a você, senhora Zero,

creio que teria de eliminá-la.

Zero riu, entretanto, o mesmo não aconteceu com Sigrdrifa, que apenas o

olhou com insatisfação.

— Escute-me, Ognar. Você serve Valhalla e não apenas a mim. Sendo assim, se

por algum motivo extraordinário eu...

— Ele não parece ser tão burro assim, irmã — interrompeu a mulher e colocou

a mão direita em seu ombro. — Acredito que ele tenha entendido a mensagem, a

qual ele nem deveria se preocupar pois tal situação é apenas fruto de sua imagi-

nação.

— Você mesma afirmou certa vez que tudo poderia acontecer nessa guerra,

Zero.

— Mas traição cometida por uma valquíria é algo que jamais irá acontecer —

Zero apertou o ombro de sua irmã com força, mas manteve o sorriso sereno e

irritante. — Espero que tenha entendido, Incitadora.

Um silêncio incômodo caiu entre os três, e tudo que podia ser ouvido era o

som de flechas deixando o arco e acertando palha.

Zero conseguia perceber a confusão no rosto de Sigrdrifa e de seu pupilo,

como se perguntassem a ela com seus olhares como ela poderia ter tanta certeza.

Se soubessem tudo que sei... a ignorância realmente é uma benção dos deuses, refletiu.

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— Agora vamos discutir o real motivo da minha vinda, irmã — começou Zero,

largando o ombro da valquíria. Sigrdrifa relaxou e moveu o ombro, demons-

trando com uma careta que aparentemente a ação de Zero tinha sido dolorida. —

Não será possível organizar o embate. A guerreira a qual lhe falei ainda está pas-

sando pelo processo de recuperação.

— Uma pena, senhora. Creio que seria um bom combate, afinal esta mulher

foi muito elogiada por você — lamentou Ognar, enquanto embainhava a espada.

Sigrdrifa riu e respondeu num tom ácido:

— Pensei que ela era uma guerreira inabalável, pela forma como você a enal-

teceu, mas pelo visto, é apenas uma humana comum. Meu guerreiro poderia aca-

bar rapidamente com ela.

— Você pode até ganhar num embate entre nossos protegidos e pupilos, irmã,

mas no fim, o que importa é que eu a venço num combate direto — retrucou,

num tom venenoso e ainda mais ácido que o de Sigrdrifa, e em seguida, deu um

sorriso zombeteiro. — Agora, com sua licença, preciso informar Odin sobre os

resultados da caçada.

A Valquíria do Infinito girou nos calcanhares e seguiu em direção à saída do

pátio. Ognar, pasmo com a resposta de Zero, ficou sem palavras por um bom

tempo, e quando elas voltaram, pôs-se a falar:

— Você sempre me disse que nunca perdeu para ninguém.

— E quem disse que ela é ninguém? — Sigrdrifa rosnou irritada, enquanto via

Zero caminhando lentamente pelo pátio.

***

Mesmo que Valhalla estivesse em uma das áreas mais altas de Asgard, o palácio

de Odin estava situado num ponto ainda mais alto, e, portanto, obrigava Zero a

subir as tão odiosas escadarias.

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Se existia uma coisa que Zero odiava em todos os Nove Mundos, eram esca-

das, e Asgard possuía várias delas. Este era um dos motivos pelo qual a valquíria

preferia permanecer em constante viagem. Ela trocaria todos os degraus de már-

mores por montanhas se fosse necessário.

A valquíria subia rumo ao Palácio de Odin: uma construção gigantesca de es-

trutura diversificada, ora feita de ouro, ora de vidro. Duas torres erguiam-se atrás

do palácio, onde se localizavam os aposentos do lorde de Asgard e de seu filho,

Thor.

Como qualquer outra construção importante da cidade, dois guardas prote-

giam a entrada. E assim quando avistaram Zero, começaram a se mobilizar para

abrir todos os portões e para cumprimentá-la à altura.

Ela parecia sempre despertar o medo no coração de quem quer que a presen-

ciasse. Bastava apenas um simples olhar para ter sua entrada garantida nos luga-

res que desejasse e receber a melhor hospitalidade possível. E não poderia ser

diferente, tendo em vista a reputação da mulher.

Zero ainda lembrava do monótono dia em Vanaheim. Seu dever era apenas tra-

tar de assuntos simples com Freya, mas acabou tendo certos desentendimentos

com a Vanir, o que acarretou numa briga séria entre ambas, e uma punição por

Odin.

Quando fora libertada, Zero descobriu que passaram a tratá-la como uma re-

belde indisciplinada. Sabia que depois do conflito com Freya, sua vida não seria

a mesma, mas o tratamento externo lhe pareceu extremo. No fim de tudo, acabou

se isolando ainda mais, e aprendeu a apreciar sua solidão e exclusão.

Após vagar por alguns corredores do castelo, a valquíria se deparou com mais

uma enorme porta feita de ouro. Não havia ninguém vigiando e, portanto, aden-

trou sem qualquer cerimônia.

No fundo da pequena sala, um homem, possuidor de uma respeitável barba

branca e um tapa-olho no lado esquerdo do rosto, estava sentado em uma ca-

deira, lendo um grosso livro com uma capa de couro. Zero, ao entrar na sala,

fechou a porta atrás de si, e o barulho acabou chamando a atenção do homem.

— Esperava ver você mais cedo — o homem comentou, voltando seu olhar

para o livro.

— Precisei verificar como as coisas andavam em Valhalla, e isso acabou to-

mando mais tempo do que o necessário.

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— Claro que tomou — suspirou, fechando o livro com uma pancada. — Ao

invés de vir reportar imediatamente os resultados da viagem, preferiu brincar

com Sigrdrifa. Sinceramente, Zero, às vezes pergunto-me o porquê de aturá-la

por tanto tempo.

A Valquíria do Infinito permaneceu em silêncio.

— Nada a declarar? Pois bem, me fale então sobre o resultado pífio de sua

última caçada, e me dê um motivo para não a trancafiá-la novamente nas mas-

morras de Valhalla.

— Não há nada a dizer em relação à caçada, senhor Odin. Acredito que já lhe

contaram tudo sobre o meu suposto fracasso — recostou-se na porta e cruzou os

braços.

— Suposto? Você roubou o título de Fracassada da pobre Vadana ao voltar com

apenas três guerreiros. Diga-me onde isso não é um fracasso.

Odin tinha razão. E seria difícil argumentar de forma coerente com o Pai de

Todos. Zero havia, em tese, realmente fracassado ao trazer um número ridículo

de guerreiros para Valhalla. Entretanto, parecia que ninguém conseguia recordar

a natureza da valquíria: a qualidade antes de quantidade. Sentiu-se decepcionada

por nem o próprio Pai embrar disso, mesmo assim, se preocupou em respondê-

lo.

— É verdade, pai. Eu poderia ter trazido o maldito vilarejo inteiro, mas por

algum motivo totalmente idiota, eu trouxe apenas três — revirou os olhos. Estava

irritada e sentia um calor subir-lhe à cabeça. — Poupe-nos disso. Escolhi os três

com o maior potencial, pois o restante parecia-me um bando de bonecos de palha.

Se não está satisfeito, avise-me para que eu possa trazer quinhentos idiotas que

serão apenas peso morto no campo de batalha.

Odin se levantou num pulo, furioso com a resposta da valquíria.

— Bancando a espertinha, não é? Devido a esse seu comportamento, eu deve-

ria lhe jogar nas masmorras para pensar nas suas ações. Contudo, não importa

quantas punições físicas eu a lance, você continua sendo essa valquíria indisci-

plinada.

— Aprendi com o melhor — Zero sorriu, numa tentativa de animar a situação.

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— Sim, e é por isso que sei exatamente o tipo de punição que darei a você —

voltou a se sentar na cadeira. — A partir de hoje, você está fora da supervisão de

Valhalla. Passarei o cargo para Sigrdrifa.

— O quê?! Ficou louco?

— Não. Finalmente aprendi a não cometer o mesmo erro. Sigrdrifa é capaz de

controlar os guerreiros de Valhalla. Muito melhor do que você.

Desencostando-se da porta, Zero foi até a mesa de Odin e se apoiou, seus olhos

esmeralda o encarando.

— O que raios vou fazer, então?

— Você é uma deusa, faça o que quiser, desde que respeite os limites de seus

semelhantes — Odin levantou e apontou para a porta do aposento. — Agora,

Zero, preciso finalizar a minha leitura e não gostaria de ser incomodado.

— Mas, vocês deuses não fazem nada aqui dentro.

— Então faça a mesma coisa. Eu simplesmente não ligo para o que você fará,

apenas me deixe.

Sem mais nenhuma vontade de reclamar, Zero deixou o local. A valquíria pa-

recia enfurecida, sentia o sangue borbulhar. Ela tinha certeza de que poderia ser

capaz de matar qualquer um a aparecer em sua frente, portanto, ficou aliviada

quando ninguém surgiu, já estava encrencada demais com Odin.

Entretanto, ao deixar o Palácio de Odin para trás e (troquei a oração de lugar)

parar para refletir, toda a sua raiva se esvaiu e, no lugar da expressão carrancuda,

um sorriso claro e malicioso brotou em seu rosto.

***

Nos corredores de Valhalla, a valquíria cega seguia bamboleando até as salas

de descanso onde sua irmã trabalhava incessantemente. Eir estava ao lado da

cama, e observava a jovem guerreira inconsciente.

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Entrou na pequena sala como uma sombra, e Eir só a percebera quando a sen-

tiu tocar no ombro. A sala estava escura, e Skögul sentia o calor da vela que ilu-

minava o local. Ouvia a respiração calma de sua irmã, e outra quase imperceptí-

vel, do guerreiro vigiado por Eir.

O silêncio perdurou por mais algum tempo. Skögul gostava, pois era quando

tudo estava calmo que conseguia sentir tudo ao seu redor por completo. Con-

tudo, tudo que é bom precisa de um fim, e foi o que ela fez ao quebrar o silêncio:

— Por que ela ainda dorme?

— Ela parece ainda procurar por seu lugar em Midgard, quando na verdade,

deveria se entregar para Valhalla — Eir suspirou. Estava confusa, jamais tinha

visto alguém dormir por tanto tempo após a chegada em Valhalla. — Isso não faz

sentido. Os humanos são persuadidos desde crianças para adorarem Odin e mor-

rer com honra, para que consigam vir para cá. Mas ela...

— Ela não quer vir? Talvez não queira deixar a família para trás.

— Eu apenas receio que ela possa nunca voltar se continuar por muito tempo

assim.

De forma suave, Skögul sentou na cama e começou a tatear a mulher. Queria

saber como era sua aparência, e não apenas ouvir sua respiração e sentir o seu

calor.

— Por que diz isso, Eir? — Perguntou a cega, descansando as mãos no colo.

— Ficar entre a vida e a morte é como passear pelo Caos. E ela já está passe-

ando por tempo demais.

Deixaram o silêncio dominar mais uma vez. Nenhuma das duas sabia o que

falar e, além disso, não era como se fossem melhores amigas. Skögul sempre pre-

feriu o silêncio à popularidade, portanto nunca teve muitas companheiras para

partilhar experiências ou treinar suas habilidades em conversa fiada.

Ficou impressionada quando foi eleita para ajudar a supervisionar Valhalla na

ausência de Zero, não apenas devido ao fato de todas votarem para escolhê-la,

mas também por saber que ajudaria de alguma forma a Valquíria do Infinito, a qual

sempre foi um modelo a ser seguido para ela.

E foi por tal motivo que veio até Yertha. Queria entender o que Zero vira de

tão extraordinário na mulher, afinal essa era a única explicação para o suposto

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fiasco na caçada. No entanto, tudo que conseguia ver era uma mulher fraca, va-

gando pelo mar negro do Caos. Zero precisa ter visto algo nela. Ela jamais fez algo

sem um motivo por trás.

A vela estava no fim, e o pequeno quarto se tornava a cada momento mais

escuro. Eir se levantou e, sem dizer uma única palavra, deixou o local, provavel-

mente em busca de mais velas. Skögul ficou ali, imóvel, pensando.

Não soube quanto tempo se passou quando começou a ouvir passos, mas

quando o som cessou, ouviu o tilintar de aço, e sentiu uma forte presença. Zero

está aqui.

Embora soubesse quem era, nem sequer se manifestou. A Valquíria do Infinito

fez o mesmo, ambas apreciando aquele momento de paz. Aquele breve momento

lhe remeteu à quando conheceu Zero. Ficou paralisada com a presença da val-

quíria e a mesma não fez nada para lhe ajudar, ficando apenas a encarando com

um sorriso sarcástico no rosto. Dessa vez, não estava nem ao menos paralisada,

e Zero não sorria. Skögul só queria manter a calmaria que flutuava pelo ambiente.

— Está aqui há muito tempo, irmã? — Perguntou Zero, quebrando o silêncio.

— Onde está Eir?

— Foi à procura de velas.

— Ela é a primeira guerreira que vejo estar em conflito em relação a Valhalla,

sabia? Já vivi mais do que consigo me lembrar, mas nenhuma pessoa me lembra

de possuir esta tamanha vontade de voltar às desgraças de Midgard.

A expressão de Zero tornou-se sombria subitamente, de uma forma jamais

sentida por Skögul. Conseguia até mesmo sentir a melancolia emanar de cada

palavra dita pela mulher.

— Ela lutou comigo antes de trazê-la para cá. Ao olhar nos olhos dela, percebi

que no fundo, ela sabia quem eu era, mas mesmo assim, lutou como se não qui-

sesse morrer naquele momento.

Agora eu entendo, pensou a valquíria cega, foi a determinação dessa mulher que

atraiu Zero. Finalmente conseguiu entender o motivo por trás da caçada medíocre

de sua irmã, mas ainda se perguntava: tudo isso valeu a pena no fim?

Talvez soubesse a resposta, e não precisaria ir muito longe para tê-la. Bastava

prestar atenção em Zero, para perceber sua melancolia. Até mesmo ela parecia

saber do erro cometido.

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A valquíria cega suspirou.

— Você está bem? Sinto uma tristeza tão densa e profunda, que acredito até

conseguir apalpá-la.

— Sua perspicácia sempre me impressionou, Skögul, mas não se preocupe,

estou bem — afagou os cabelos brancos da valquíria cega.

— Eir está demorando com as velas — retirou a mão que lhe afagava os cabelos

gentilmente. Apesar da calma, nunca gostou que lhe fizessem aquilo. — Talvez

eu devesse procurá-la.

— Se lhe aprouver, minha irmã. Faça o que quiser — Zero respondeu num tom

monótono, dando de ombros.

Skögul se ergueu com calma, suas pernas um pouco dormentes após tanto

tempo sentada. Olhou para onde imaginava estar Zero, mas errou-a por alguns

centímetros.

— Se ela possui tal força de vontade, tenho certeza que ela sobreviverá e virá

até nós — seguiu em direção à saída a passos curtos.

— Ou talvez, minha irmã — murmurou a Skögul —, ela jamais venha.

***

O último resquício de luz desapareceu quando a vela finalmente derreteu por

completo. Na escuridão do aposento, a Valquíria do Infinito estava debruçada so-

bre a cama, e sussurrava nos ouvidos da guerreira de cabelos vermelhos.

Ninguém a ouviu, além de Yertha.

E no fim, Zero voltou a sorrir.

***

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Sentada frente à uma lareira apagada, Skadi, a Senhora de Gelo e rainha de Ni-

flheim, ponderava sobre a recente proposta do cavaleiro vermelho, que tremia

feito uma gelatina devido ao frio intenso.

Tqir odiava com todas as suas forças o inverno, e quando ficou sabendo que

precisaria ir até Niflheim para conseguir entrar em contato com seu antigo par-

ceiro, torturou seu pobre cavalo com palavras de baixo calão. E o fez até ser abor-

dado por gigantes de gelo, criaturas horrendas e disformes, cobertas de uma

grossa camada de neve e carne congelada.

Não conseguiu se comunicar com os benditos monstros; afinal, quem ainda

tentava aprender a língua deles? O cavaleiro vermelho então fora levado para o

Palácio do Inverno, a morada da soberana do mundo congelado, sem saber ao

certo o que fizera de errado.

Por sorte, apesar de Skadi ser uma gigante, não era uma aberração como os

outros. Seus cabelos estendiam-se até o fim de suas costas, como uma cascata de

fios azuis. Seu rosto era fino, de queixo esbelto e um nariz pequeno como um

botão.

O cavaleiro vermelho nunca havia visto a Senhora de Gelo pessoalmente, e em-

bora todas as histórias relatassem que ela possuía uma beleza descomunal, jamais

imaginou ser no mesmo nível o qual presenciava naquele momento.

Quando Skadi abriu sua delicada boca para se comunicar com Tqir, o homem

agradeceu ainda mais aos deuses por ouvir a gigante falar a língua comum,

mesmo que o conteúdo não tenha sido dos mais amigáveis.

Demorou um bocado para convencê-la a não o matar. A gigante parecia estar

determinada a empalar sua cabeça para que fizesse companhia aos outros ani-

mais na parede. Após muito implorar, conseguiu com que ela ao menos conver-

sasse normalmente, apesar do constante beijo de uma lâmina em seu pescoço.

Agora, permanecia sentado no congelante piso de uma pequena sala, com suas

mãos acorrentadas à sua frente. A corrente responsável pela sua prisão estava

amarrada a uma grossa coluna, a qual o homem não sabia identificar se seria de

pedra ou gelo. Ao lado da lareira, havia uma cadeira velha de madeira, quase

totalmente coberta de neve.

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Esperava a decisão de Skadi, ou que ela ao menos acendesse a maldita lareira

que tanto encarava. A Senhora de Gelo trajava um colete couro e uma saia de pele

de urso cosida. Sobre o colete, um grosso casaco de pele e pelos. Para os pés,

calçava uma bota de cano alto de couro. Com toda aquela roupa, não admirava

Tqir o fato da gigante não sentir o frio que ele sentia.

Depois de um longo e tortuoso período de silêncio, o qual Tqir sofreu inces-

santemente quando sentiu sua bunda congelar, a rainha de Niflheim resolveu se

manifestar:

— Mesmo estando acorrentado em meu castelo, você ainda deseja fazer este

tipo de proposta? Esclareça-me, Cavaleiro Lagarto, por que eu deveria libertar Si-

egfried? — Olhou para Tqir por cima do ombro. — Ou melhor, por que eu deve-

ria libertar você?

— Veja bem, vossa majestade — o cavaleiro vermelho começou, tentando se

ajeitar numa posição confortável, algo que parecia se tornar cada vez mais difícil.

— A senhora precisa de apoio para persuadir os Filhos da Névoa, e eu, preciso de

Siegfried. Não acha ser uma troca justa? Dois míseros prisioneiros por um exér-

cito de aberrações assassinas?

— Você fala como se tivesse certeza absoluta de que conseguiria trazê-los até

mim. Entretanto, parece ter esquecido de quem são.

Como se fosse possível, resmungou para si mesmo. O cavaleiro vermelho já teve

suas desavenças com o grupo de humanos nascidos em Niflheim autodenomina-

dos de Filhos da Névoa.

Até os dias atuais, ninguém sabe ao certo como surgiram, ou o verdadeiro sig-

nificado do nome de sua tribo. A única coisa conhecida sobre eles é o seu método

de execução, o qual matam sem serem vistos, pois há sempre uma estranha névoa

que os encoberta.

Os “malditos enevoados” como Tqir os costumava chamar, atacaram-no en-

quanto faziam sua travessia por Niflheim, em direção a Midgard. O cavaleiro ver-

melho jamais esqueceu quando sentiu a névoa fechar seus pulmões e a morte

quase lhe beijar o rosto. Se os lobos protetores de Niflheim não tivessem apare-

cido, estaria provavelmente vagando por aquele maldito reino dos mortos que

Hel comandava.

Percebendo o silêncio de Tqir, a rainha de gelo continuou:

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— Supomos então, que eu aceite sua proposta, cavaleiro vermelho. Por que

tem tanta certeza de que eu preciso da ajuda dos Filhos da Névoa?

— Porque só eles sabem a localização do Niflungar, o anel mágico capaz de lhe

fornecer poderes diretos sobre tudo o que há em Niflheim — levantou-se e se

aproximou o máximo que a corrente permitiu, com um esboço de sorriso no

rosto. — É um artefato digno a uma rainha, não acha? Além disso, devo lhe ad-

vertir de que vossa majestade irá precisar dele em breve, se quiser continuar viva.

Furiosa, Skadi virou para o homem e plantou um tapa em seu rosto, seus olhos

azuis brilhando de raiva.

— Cuidado com o que diz, cavaleiro — voltou a se virar para a lareira, como

se nunca tivesse sequer explodido de raiva. — Toma-me por uma fraca? Odin

pode mandar seu exército inteiro. Os aniquilarei todos nessas montanhas de neve

e morte.

O Cavaleiro Lagarto soltou uma gargalhada, a qual ecoou por um bom tempo

pelas paredes congeladas.

— Posso saber o que tanto lhe diverte?

— Claro, majestade — Tqir sorriu. — Odin não irá mandar exército algum para

cá.

— Então não devo me preocupar em adquirir o Niflungar tão cedo, logo posso

me livrar de você.

— Nada disso — balançou o dedo indicador em negação. — A senhora preci-

sará do anel imediatamente. Quem está vindo aí, não é um exército, mas sim algo

muito pior.

— Poupe-me de todo o suspense, cavaleiro! Quem poderia ser pior que um

exército inteiro de guerreiros sanguinários?!

— Ora, minha rainha, não é óbvio? — Questionou, sarcasmo em sua fala. — A

Valquíria do Infinito.

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FICHA TÉCNICA

Roteiro │ DIOGO ZIMMERMANN

Ilustrações │ GULZRUS

Revisão │ GUSTAVO SIMAS

Upload │ NOVELAND

@NoveLandOficial

Facebook.com/novelandBR

noveland.com.br

Os tempos de colégio são difíceis... Mas são mais

difíceis ainda quando se estuda na Ninjin Gakuen! Num

colégio onde loucuras e seres fantásticos aguardam

atrás de cada porta, não poderia ser diferente... E ainda

por cima o diretor é um Coelho!

O que será que aguarda nossos estudantes?

Autor(a): Ninjin Squad

Ilustração: Anderson William

Gêneros: Comédia, Non-sense, Aventura

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