dixon, paul - os contos de machado de assim - mais do que sonha a filosofia

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  • 5/11/2018 DIXON, Paul - Os Contos de Machado de Assim - Mais Do Que Sonha a Filosofia

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    Paul Dixonolc~iio MachadianftVo lume 6

    OS CONTOS DE MACHADO DE ASSIS:MAIS DO QUE SONHA AFILOSOFIA

    . . . ..>> Movimento. . . .

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    I I1I'III ..

    C a p o. Is abel de Azevedo Appel

    R~slloPe ter Pe l lc nsMariano Soares

    Para Barbaro tnossafilha, Elizabeth.

    1992Direltos desta edi~iio reservados aE d it om Mo v im e nt oR u e B an co Ingles 252 - Pone ( 0 5 1) 2 3 3 .- 7 64 5Morro Santa Teresa90840-600 - Porto A legre - RS - Brasil

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    sUMAruoNota 9Introducso 101. A lei da laranja: "0 espelho" , 182. A lei das estrelas duplas: "Uns braces" 293. A lei da sorte grande: "Jogo do bicho" 364. A lei da homeopatia: "Cantiga de esponsais" 445. A lei das duas cabecas: "Missa do galo" 516. A lei dos escravos: "A causa secreta" .............. S87. A lei das batatas: "Bvolucao" 698. A lei do lapso: uA igreja do diabo" 819. A lei do pequeno saldo: "Nolte de a lmirante" 9010. A lei do livro falho: "A chinela turca" 99Epflogo 108Textos Citados 110

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    I

    NOTA

    A maior parte deste livro foi escri ta em Porto Alegre , depois de umsemestre de s er vi ce c om o p ro fe ss or v is it an te pelo programa Fulbright naUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Desejo agradecer aoDepartamento d e L fn gu as e Literaturas Estrangeiras da Purdue Universitya l icenca concedida para 0 proj eto . Tambem agradeco ao Institute deLetras d a UFRGS haver continuado a oferecer-me urn escri t6rio e variesoutros recursos, depois de tenninada minha designa~o oficial. Emparticular, f ico grato ao Prof. Paulo Gick por ter sido 6timo anfitriao paraa minha famil ia durante nossa estada no Brasi l, e ao Prof. Vfl son Leffa ,do Centro de Lingii(s tica Aplicada, pelo usc de seu computador.

    Na prepara~o do livre, urn fator indispensavel foi a revisio domanuscrito por varios colegas: Beatriz Amorim, Cristina Campos,Antonio Augusto Furtado, Eduardo Ostergren, Myriam Ramsey eDonalda Schuler. 0 trabalho nao foi facil, e fico muito agradecido pors ua d il ig en cia . F iz era m t od o 0 p o ss fv e l; s e restarem e rr os , s ao meus e s6meus,Uma versso preliminar do capitulo I foi publicada em ingles narevista Rom an c e Q ua te rl y; 0 capitulo II apareceu em versao preliminarnas Aetas do primeiro congresso da Associacao Internacional deLusi ta n is ta s ( Po i ri er , 1 988 ).Em varies lugares, traduzi citaes para 0 portugues, Julgueidesnecessario avisa-lo em cada case, porque a lingua original ISevidentena lista de textos citados ,

    Paul Dixon

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    1NTRODU~AO

    Os contos de M achado de Assis t~ m s id o m uito elo gia do s, masp ou co e stu da do s. R ec on he ce -s e q ue 0 grau d e perfei~o alcancad o no sc on to s m ac ha di an os n ao e m enor do que 0do s ro mances (Cunha 23,M ay ers be rg, M ig uel P ereira 2 55 -5 7, M o is es 8 , Montello 23). E cos tumesituar 0 co ntis ta b ras ileiro n a co mp an hia d e M au pass an t, P oe , J am es e o soutros m es tr es m u nd ia is d o g en er o ( Ca va lh eir o 2 6- 28 ; C un ha 24: Gomes ,..Apresentacao" 6: Nist 6). Porem a analise do s relatos n ao p as sa deart igos avulsos, e algumas introducdes a antologias. Ate agora, nenhumliv ro d e c rf tic a l ite ra ria s e d ed ic ou p re fe re nc ia lm en te a os c on to s. A fir mois to de boa fe, nao po rque creio que este fato em si possa dar m aiscred ito a es te liv ro , m as porque 0 ach o um tan to m is terio so . Q uan doM achado d e A ss is 6 cons iderado 0 p ri m ei ro g ra nd e c on ti st a b ra si le ir o;~~do mui to dos seus contos ja foram consagrados como obras-primas,rguais em valor ou ate s up erio res ao s m elh ores ro man ces ; q ua nd o jae xis te u m n ur ne ro g ra nd e d e l iv ro s d ed ic ad os h analise d os r om an ce s, n aoe facil en t en der a falta d e u m liv ro analftico sobre 08 contos .

    D ev e ta mbe m pa re cer e stran bo a algu ns q ue 0 a uto r d es te liv re s eja~ tr an ~e ir o, se Ii .~ 6 p o rt en to obrigado a abordar 0 ass unto d e u rn p onto d evista distante.no q ue d iz r es pe it o a c or l oc al , Iic ultu ra e a l in g ua . S e ri amui to mais 1 6g ic o q ue 0 trabalho fosse realizado pa r um a pessoa maisco nhec ed ora d o m un do d o au to r,. Po r outro lado , ha c er ta ju st ic a p oe tic s n es ta a no m alia , p or qu e e mm uito s as pecto s o s co nto s m ach ad ian os s ao u ma g lo rifica~ o d o estra nh oe d o in es perad o - d as sin gu lares o co rren cias , d os lap ses e d as e xc urs desm ilag ro sas , U rn se ntid o d e m is terio p en etra gran de p arte c ia obra deM ach ad o d e A ss ls , N o entan to , ha um a d i fe re n ca basica e n tr e Ma c ha d oe o s e scrito res n orm alm ente class ifica do s co mo au to res fan ta stico s,m a ra vi lh os os , o u d e m is te rio , E nq ua nto , p ar a a m a io ria d es te s, 0 terrened o m is te rio t en de a se r ambiente, aquilo qu e rodeia os personagens, para

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    Machado 0 rein o m arav ilho so es ta d en tro d os m es mo s. A frase d o co nto"A c au sa s ec re ta ", q ue c ar ac te ri za 0 c ora< ;a o h um an e co mo urn "p oco d em is te ri os " ( 2:5 13 ), b em p od eri a s er vi r c om o re su m o d e q ua se toda a o b ramachadiana .

    Q u er o c om u ni ca r 0 m es mo s en tid o d e m ar av ilh a p era nt e 0 rnundoque resiste k explicacao, ao usar 0 subtftulo "m ais do que sonha afilosofia", A frase e de uro comentario contido n o c on to "A c ar to rn an te ",que po r sua vez a lude a urn d ra m a d e S ha ke sp ea re :

    " Ha m le t o bs er va a H or ac io que M m ais cousas no ceu e na terra doque so nha a no ssa filo so fia". E m a m esrna explica9io que d av a a belaRita ao moco Cami lo, numa sexta-fei ra de novembro de 1869, quandoe st e r ia d ela , p er t er id o n a v es pe ra c on su lta r u m a c ar to m an te ; a d if er en cae qu e 0 f az ia p o r o u tr as p al av ra s. [ .. .1e la , s em s ab er q ue tr ad uz ia H am le te m v u lg ar , disse-lhe que havia rnuita cous a m i s t er i o sa e verdadeira nestemundo" (2:717~78).E n otav el q ue a "co usa m is terio sa e v erd ad eira" n o co nto D aO e acartom ante, po is ela acaba sendo exposta com o apenas um a agudaobservadora, sem capacidade psfquica, 0 verdadeiro misterio n o c on to ea m entalidade d e C am ilo , que ~ sed uzid a po r SUBS p r6pr i as e s peranca s ,passando em poucos m inuto s de urn estado de agnosticism o a um ac on dic ao d e c re du lid ad e p er ig os a. P ara M a ch ad o, 0 "rnundo " o nd e ha:" mu ita c o us a m ar av ilh os a" I Sa a lm a.

    Co m 0 s ub tf tu lo t ar nb em d es ej o s ug er ir u m a c rf ti ca a c er ta filosofia,Propoe-se a existencia de urn s istem a d e p en sam en to cu jo sonhos s a oe xc es siv am en te I im it ad os . D e u m m o do g er al , c re io q ue n os c on to s ha ur np ro jeto im plfcito d e m ostrar a s fraq uezas d e tal filo so fia, d e s ug erir q ue"M mais cousas no ceu e na terra". Se tivessemos que identificar ur nsis tem a d e p en sa ro en to co mo alv o das crftic as d e M ach ad o d e A ssis, 0m ais o bv io s er ia a e sc ol a r ea li sta , N o e ns ai o .. A n ov a g er a9 io ", M a ch ad od eix a b ern cla ra a s ua an tip atia ao realis mo , ch am an do a es co la "a m aisf ra gi l d e t od as , p o rq ue I Sa n eg ac ;i io m e sm a d o p ri nc fp io da a rt e" ( 3 :8 1 3) ,e c ritican do s ua in ab ilid ad e d e d istin guir en tre a "realid ad e, s eg un do aa rte ,e a r ea li da de , s eg un do a n atu re za " ( 3:8 13 ). Q ue m c on he ce a f am o sac rf ti ca d o r om a nc e 0 prima Basilio d e E c; a de Q ue ir os , s ab e q ue a s f alh asque M achado encontra no rom ance nlio sao apenas 08 d efeito s d ec on ce pc ao e d es em p en ho d o a ut or , m as ta m be rn o s d ef eit os d o m o vim e nt or e al is ta , C r it ic a 0 a sp ec to " im p la ca ve l, c on se qi ie nt e, 1 6g ic o" da escola(3 :904). c om o t am b em " aq ue la r ep ro d uc ao f ot og ra fi ca e s er vi l das cousasmfnimas e ignobeis" (3:904) e a acumulacao de detalhes , que ele chama

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    de " inventar io" (3:904) . A principal falha identif icada no romance e queos personagens sao t racados de uma mane ira exte rior e material ; sendoque nao se revelam suas paixoes, remorsos ou consciencias, sao mais"t{teres" do que pessoas morais (3:905) . Tal defei to ele atr ibui at e eertoponto a Eca, pois menciona uma obra de Balzac, outro discfpulo dorealismo, cuja caracterizacao e mais humana e profunda. Mas admire queum a parte da culpa e tambem da escola, seduzida como e p el o a sp ec toobjet ivo e documental das coisas. Reconhecendo que "alguma coisa h:tnoRealismo que pode ser colhido em proveito da imaginaao e d .a arte"(3:912) , em nome da imaginacao e c ia arte rejeita os aspectos fundarnen-tais do movimento. 0 compromisso para com a realidade e 0 que rests:"Voltemos as olhos para a realidade, mas excluarnos 0 Realisrno, assimnao sacrificaremos a verdade estetica" (3:913).

    Se adversa rio mais 6bvio do autor era 0 movimento realista, naoera unico, nem talvez 0 principal . Bri to Broca (33-43) , Barretto Filho(Introducao 83-84~ 95-96, 121-22) e Roberto Schwarz (63-72), porexemplo, discutern sua antipatia ou pelo menos ambivalencia pelaRepub lica do Brasi l, como tambem 0 vinculo entre a republica e 0realismo, Creio que os aspec tos menos agradave is, t anto do rea lismocomo da republica, sao apenas areas mais aparentes de urn corpo deide ias mais abarcador - l inhas de frente, por assim dizer, de urn exerci to. ideolog ico , 0 cen tro deste exerc ito seria a filosof ia posi tivi sta, comoelaborada por Auguste Comte, cuja influencia no Brasil do seculo passadoesta bern documentada num Iivro de Ivan Lins; seria ela que dariadireyao, fmpeto e forca as var ias brigadas.

    Ao inves de dar uma exposicao extensa do positivismo, 0que parecedesnecessario Dum livro deste tipo, Iimitar-me-e i a mencionar alguns.aspectos essenciais do pensamento de Comte, que terao per tinencia parao estudo da obra machadiana:

    i

    1. Amblcao enc lc lopedica . Segundo Cornie, a finalidade dopositivismo e ap licar urn unico metodo c ientffi co ao conhecimento detodos os fenomenos - "resumir num s6 corpo de dout rina homogsnea 0conjunto de conhecimentos adquiridos, relatives a s diferentes ordens defenernenos naturais" (Curso 25). A filosofia visava abranger tanto asciencias naturals, ass im como as abs tratas e as hurnanas.

    2. Objetivldade. 0 positivismo adrnitia 0 papel epistemol6gico dosujei to , mas favorecia a objet ividade. Uma das quinze leis do positivismo

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    de Comte ordenava "Subordinar as construcdes subjetivas aos materiaisobjetivos (Aristoteles, Leibniz, Kant)" (Catec ismo 201). Outra leiafirmava que "As imagens interio res sao sempre menos v ivas e menosnftidas que as impressdes exteriores" (Cateclsmo 201).

    3. Linearidade. Os fenomenos no seu aspecto dinamico eramsubordinados a uma sequencia inalteravel. Por exemplo, Comte escreveuque "cada ramo de nossos conhec imentos [ ... 1passa sucessivamente portres estados his t6ricos diferentes: estado teologico ou flctfcio, estadometa ffsico ou abstra to, estado cient ffico ou posi tive" (Curso 10), edeclarou que tal processo e "uma grande lei fundamental" (Curso 9), quetoda a intel igencia humana obedece "por uma necess idade invar iavel"(Curso 9).

    4. Hierarquia. J a me nc io n am o s a s ub o rd in ac ao da subjetividade aobjet ividade pete pensamento posit ivis ta, Na lei do processo do conheci-mento, e claro que a etapa cientffica e superior a s outras. Da s q ui nz e leisj:i rnencionadas (Catecismo 201-02), uma hierarquia des te t ipo existe, ouexplicitarnente ou implicitamente, ern dez.

    5. Dogma. Nos pr6prios termos de Cornte, 0 posit ivismo era urndogma. Note-se 0 seu Catecismo positivlsta, cuj as partes incluem"Exp1ica~ao do culto", "Explicacso do dogma", e "Hist6ria geral darel igiao", todas referentes 80 pr6prio positivismo. 0 tom geral dodiscurso de Comte e evangelico, tratando de verdades indiscutfveis e auto-evidentes.

    A visao do posit ivismo, entao, e a de uma un ica igrej a verdade irada humanidade, cuja divulga~ao esta segura e cujos princfpios terao queser reiv indicados mais cedo ou mais tarde . 0 movimento esta destinadoa veneer: "Sua progressao posit iva rnostra-se, enf irn, capaz de satis fazera todas as exigencias [ ... ] nao s6 quanto ao futuro, mas tambem quantaao presente. [ ... ] Por toda parte 0 relat ive cede irrevogavelmente aoabsolute, e 0 altrufsmo tende a dominar 0 egofsmo, ao passo que umarnarcha sistematica substitui uma evolu~ao espontanea. Em uma palavra,a Humanidade substitui definitivamente Deus, sem esquecer jamais seusservices prestados" (Catecismo 302).

    Nossa gerar;ao, acostumada a grandes doses de diivida metddica,ter ia dif iculdade, talvez, em compreender como uma pessoa intel igentepoder ia aceitar afirmacfies tao arrogantes. Mas 0 Zeitge is t era outro na

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    s eg un d a r ne ta de do s ec ul o p as sa do , e 0 positivismo era ~ principalcorrente daquele ambiente intelectual, Pretendendo mostrar, entao, 0queoutros ja mostraram (Brayner, Labirin to 113; Fitz 43; Meyer 104; Moog209; Muricy; Schiller, Plenitude 68): que naquele contexto Machado deAssis foi urn adversario, e sua voz artfs tica represents urna oposicao, Aoexarninarrnos os contos, veremos uma refutacao dos aspectos identificadoscom 0 positivismo; 0 d is cu rs o m a ch ad ia no s at ir iz ar a 0 pensamentoenc ic loped ico dest ruira as h iera rquias, glo rificara a alinearidade e 0subjetivismo, e pr ocla rna ra as verdades relativas. Ha ve ra um a r ei vi nd ic a-c;ao do misterio, da s "cousas no ceu ens terra" com as quais a filosofiavigente nao era capaz de sonhar ,

    Todo 0pensador tern urna teoria, mesmo quando cri tica uma teoriaalheia. Espero poder dernonstrar que nos contos de Machado 0que FlavioLoureiro Chaves (54-55) descobre em Q u in ca s B or ba : que a teoriaimplfcitae a antecipaeao, em muitos aspectos, da fenomenologia, A maiorpar te da evidencia para esta afirmacao necessariarnente sera adiada ate aana li se dos contos indiv idual s. Porem cumpre agora deIinear algumasi d ei as ba si c as da fenomenologia, mostrando como e uma teoria adequadaao combate do positivismo. Mencionarei algumas nocoes do fil6sofofrances Maurice Merleau-Ponty, porque na sua versao da fenomenologiaparece haver uma afinidade com a mentalidade do eontista brasileiro.Verernos que. nos cinco aspectos de Cornte, 0 pensamento de Merleau-Ponty e justa mente 0 contrario:

    1. Critica ao pensamento enciclopedico. A versao do mundo deMerleau-Ponty e caracterizada pela fal ta essencial de continuidade ou detotal idade, cujo locus e a propria co nscien cia d o ho mem . E u sou um aparte in tegra l do mundo; pore rn, s6 posso ter consciencia do mundo sedeixo de ter consciencia de rnirn mesrno. A c on sc ie nc ia s er np re tern urn"ponto cego": " A qu il a q u e e1anao ve, e aquilo que ne la prepara a vi saodo resto (como a retina e cega no ponto onde irradiam as fibras quepermitiriio a visao). Aqullo qu e ela nao ve, e aquilo que faz com que elaveja" (V is {v e l 225 ).

    :: -I,I'i)

    2. Intersubjetlvidade. Para Merleau-Ponty, 0 mundo objetivo e"inseparavel da subjetividade e da intersubjetividade" (Fenomenologla17). 0 sujeito observador, fazendo parte do mundo objetivo, tern umacumpl ic idade com a obje tiv idade . 0 mundo e engajado na subjetividadeatraves do corpo do sujeito: "0 corpo pr6prio esta no rnundo como 0

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    coracflo no organismo: ele mantem continuamente em vida 0 espetaculovisfvel, ele 0 anima e 0 autre interiormente, forma com el e urn sistema"( Fe no m en o lo g ia 2 1 0) .

    3. Circularidade . Segundo 0 f i losof o f rances, 0 corpo par ticipa dofenomeno de "ser no mundo", um sistema de dois lades - 0 do sujeitoque sente, e 0 objeto sensfvel. A consciencia do corpo, que e urn fatorfundamental da existencia, e um processo em que "0 corpo Be surpreendeele mesmo do exterior , ao exercer uma func;.ao de conhecimento"(Fenomenologia 105). Tal inte r-relacso ent re os do is "lados" do corpovivido e essencial, e essencialmente circular.

    4 . O r le n ta c a o n a o -h l er d rqu ic a . A objetividade njlo pode ser superiora sub jet ividade, no pensamento de Merleau-Ponty , porque, como javimos, as dois se interpenetram e se comprometem. 0 fi16sofo cri tica 0conceito tradicional da linguagem, em que a palavra e secundaria aopensamento: "a linguagem nao esta a service do sentido e contudo Diogoverns 0 sentido, Niio existe subordinacao entre uma e outre" (Sinais120). A palavra nao deixa de ser instrumento, mas nao e passiva, pois .acaba determinando ate certo ponto 0 pensamento, sendo "um a linguagem /conquistadora que nos [introduz] em pe rs pe c ti v as e st ra nge ir as , em ve z denos confirmar a s n o ss as " (Sinais 112). '

    5. Cetlcismo. 0 f il6sofo frances nega a possibi lidade de umaresposta absoluta aos desaf ios do mundo ou dobomem, declarando: "se:aforcoso reconhecer nao se r possfvel resolver 0problema do h om em , n aoe po ss fv e l s en s e d e sc re v er 0 homem como problema" (Sinais 307) . Paraele, 0mundo e a razfio s a o misterios por defini

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    fe no m en o lo g ia 6 a jm plica~o m utua de sujeito e objeto , 6 mais quen at ur al q u e p on to d e v is ta . d e st e e st ud o a pre se nte a lg o d e fe no m en ol o-g ic o ta m be m , E m b ora r es erv o a 0 P9 1i o de r ec orr er a o ut ra s t eo ri as q ua nd op are ce re m p ert in en te s e i nt ere ss an te s, a cr ed it o q ue a m e to d ol og ia d es tees tu do e a teo ria q ue a info nna sao em p rincfpio fen om eno l6g icas, N aop re te nd o m e a te r rig id am en te a e sq uem a s c om p re en siv os, se nile seguirco m flexib ilid ad e o s p Iano s g erais. Po r 'exem plo , segu nd o 0 teor icof en om e no I 6g ic o R om a n I ng ar de n , a e x pe ri en c ia e st et ic a, e p ar i m p li ca ci ioa a tiv id ad e c rftic a, c on siste e m c be ga r II . percepcao de um "centro dec ri sta li za ~o ",., u m p on to d e e nf oq ue ao redor d o qual se reunem e seh arm o niz am a s q ualid ad es e ste tic as e m v ario s e stra to s (F olk 1 48 -5 0).I ng ard en id en ti fi es e st es e st ra to s c om o 1 ) 0 e stra to s on ora , 2 ) 0 estratod a s u n id a de s d e s ig n if ic ay a o, 3 ) estrato dO B a s pe c to s e s qu ema ti z ado s ,e 4) 0 e st ra to d o s o b je to s r ep re se nt ad o s ( Sc h il le r, Palavra 12).

    Co n si de ro m u it o v a li d a a i d ei a d e i d en ti fi ca r c en tr es d e c ri st al iz ac aoq ue u ni fi qu em q ua li da de s e st eti ca s e m v ari es n fv ei s, Porem, nao vejo an ec essid ad e d e se gu ir o s e on ce ito s e sp ec ffic os d e I ng ard en q ua nto a osr es pe ct iv o s e st ra to s , Primeiro, Da o creio que seja o brigat6 ria um ah arm o nia en tre to do s o s e stra to s e m to da s as o bra s. S eg un do , 0 esquemad e I ng ar de n p are ce u rn ta nt o a rb it ra rio , D o na ld a S ch ill er, p o r e xe m plo ,n ota q ue 0 esqu em a d e In gard en po deria d ar m ais aten~ iio ao n fv el d a' e s tr u tu r a n a rr a ti v a (Palavra 1 3). M aria L uiz a R am o s ere q u e I ng a rd e nd ev ia t er r ec oa he ci do u rn e st ra to o ti co , q ue s er ia e sp ec ia hn en te r el ev an tea p o es ia ( 43 .- 44 )~A c r ed i to q u e a s e st ra to s percebidos c om o i m p or ta n te svariam de ohm em obra; po rtanto d eve haver eerto pragm atism o nap ra tic a c rftic a, A ssim , a ce ito a leo na d e I ng ard en n o se u a sp ecto g era l,m as n ao ao p6 d a le tra . Q ua nd o fo r n ec esssrio n o c ase d e o utra s teo ria s,p re te nd o a d ot ar i gu a l a ti tu d e,

    - A c r{ ti~ 'fe no m en oI 6g ic a t em sid o c ha ma da "cntica da consciencia' '(Magliola 19-27): V en do a co nd iy ao d o auto r co mo "u m ser no m un do ",varies c rfti ccs sededicam a descobri r a p ec u li ar id a de d e st a c o ns ci en c iano -mundo,s~u 'aspecto distinto e ind iv id ual para cada autor. Ta lconsc ienc i a ISes t ri t amente llterdria; n a o im p o rt am a s d ad o s b io g ra fi co s,qu e p o d er ia m p ro p o rc io n ar a c ar ac te ri za ci io da c on sc ie nc la h is t6 ri ca ep es so a l. E s ta s o u tr as c o ns id e ra 9 0e s s a o c olo ca da s "e ntre p are nte se s" en i l o pertencem ao estudo (R am os 9-11). 0 que im porta s a o o s d ad ostextuais, q ue s ao o s u ni co s capazes d e r en de r e nte nd im e nt o d a conscienciad o auto r co mo tal. E xam inand o os tex tos de um detenn inad o au tor, 0c rftic o 'fe no m en ol6 gie o e nc on tra p ad rd es re pe tid os e d istrib ufd os n osv ar ie s n fv eis d e s ig ni fi ca do ( M ag li ol a 4 6-5 5) , q ue t en de m a d ar u m a i de ia

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    recisa da m a ne ira p ar ti cu la r p el a q ua l a c on sc ie nc ia d o a ut o r e n :am 0~ un do 0 c on ju nto d este s p ad ro es revel a u m a e sp ec ie d e m a ro a r eg is tra dado pr o je to l i te r sr io d o auto r - uma e ss en c ia qu e in fo rm s e t oma coerentea obra escrita com o um todo . . . ' . - eSegundo a concepcso fenomenologica, a atividade c?tlea naoi nt ei ra m en te s ub je ti va n em i nt ei ra m e nt e o b !e ti va , A _ o nt ol og ia d o te xto ec om o a s it ua ya o da partitura musical, q ue n ao ISre ali za da c om ~ um a o b rad e m usica enq uanto nao M execu920 por parte de .um m ~lco ou umg ro po d e rm is ico s. D a m esm a fo rm a, t e xt o I it er a ri o em Sl 6 B?meD~eu m a o br a l ite ra ri a d o rm e nte o u p o te nc ia l. A re al iz ac lio da obra ht~m~ac on si ste n o e nc on tr o e nt re 0 t ex to , q u e f or :n ec e, ~uem a da ex~nenclae st et ic a, e o leitor, q u e c o nt ri bu i c om s ua i m agm ac ao , s eu ~Onh .e cl rn ~n ~o ,e sua cap acid ad e an alftica p ara a fo rm acao d e u ma expen~ncla.est ticaco erente (Ram os 19-22). Segundo esta v isso , ,enm o, a c n h ~ e _ 0c om p lem e nt o n a tu ra l d o t ex to l it er dr io , s en d o r eg t st ro d e uma r e al iz a ci loda obra pela leitu ra. . 'Na m inha leitu ra dos con to s d e Machado d~ ASSIS, encontrocoerencia ao identi f icar de z "le is" d o Mundo macbad la t; -o. E m bo ra e ~d acapitulo d es te liv ro se ja predominanternente uma analise d e urn U nico

    0 m anifestaco es d as m esm as leis em o utro s co nto s, e A sco n to, menc lon i' T~~ d _v ez es f ac o r efe re nc ia s a os ro m an ce s. Q u er o d em o n st ra ~ q ue e st es p a ro es~ - acid en tais m as que assum ern um a im po rtsncia fundam ental porna o sao. '. d I' rt afo rca da repeticso . C ham o estes pad rfies repetid os e eis ~m pa e pa~fazer referencia ironica ao posit ivismo. Usar 0 v o ca bu l~ no d o p ro pri o. . . d ve r s ar i o" e um d o s p ro c ed i m en to s c o ns ag ra d os da sa~lra,e e coerentea . t m achad iano Ha iron ia v isto que as leis do M undo deco m proJe 0 ., ,M a ch ad o d e A ss is n o rm a lm e nt e s a o "anti-le is" q ue, em v ez d e ClfCUDS-crever e e xp lic ar, c ria m u rn e sp ac o p ara 0 misterio, N o e nt an to , e talv.ezp a ra d ox a lm e n te , e st e i m p ul se caotico parece ser a ch av e q ue no s pe_?IDtee nc on tra r a c oe re nc ia . A s leis. p or e stra nh as q ue p are ca m se r II . no cao d eu m s is te m a d et erm i na do po r regras , na o d eixam de ~r regras que ~o s

    't u ni da de d o s c on to s e o s v fn cu lo s q ue e xis te m e ntr e vanespernu em ver a 'odasn{ d ig nificad o. A lei prin cipal d o co nto m ach ad ian o, em qu e tveis e s , m inh blfas o utra s le is s e e nc on tra m re su m id as , e a lei d os ca, o s 0 quos .As sim , p e rs e gu i ndo 0 c ao s, p od em o s c om ec ar a d esc oh nr u rn c osm o s,

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    1,1,Ii, I

    ",.::

    I-A LEI DA LA RA NJA : "0 ESPELHO". Como parte de um a empresa anaUtica , a t i~o de Machado de Assis

    munas vezes recorre M tecnicas fo~is do duplo e da simetria (Dale,Hughes 27-2?). Estes recursos perrrutem ao autor dissecar ou desdobraryan~s conceltos, a tim de examinar suas contradi~Oes, polaridades eten.soes., Esta, tendencia se evidencia especialmente DOS contos, onde 0estilo ,dlgresSiVO do romancista esta q uas e au sen te, e onde a arquitetumnar_rahvR ~ portanto ma~s evidente. Como Salvatore D'Onofrio ja~mal~u , a .forma~narrat iva dos con tos muitas vezes esta baseada noprinc fpio damversao. em que a antecipa9io criada no le i tor e transfer-mada em se u complemento ou 0se u oposto (13-38).0 conto "0 espelho"(Papeis avu lsos , 1882), cujo subtltulo e "esboco de um a nova teoria daa lma humana=, e urn born exemplo de tal procedimenlo.

    Em urn de seus nfveis, a narrativa apresenta 0que Trismo da Cunhd' u aeno~a uma aventura da consciencia"(25), que e chamada "a alma"do conto. Como observa David Haberly, " '0 espelho" e a exposicao maiscompleta de ~m ~odelo encontrado em varias obras , nag quais "Machado~efin~ ca~ in div td uo como urn b in cm io " ( 74 -7 5) , consistindo numaIdenhdade ~tema e noutra externa. Discutindo a alma, 0 narrador docon to, Jacobina , declara que cada pessoa possui duas a lmas, em vez deU I n a :

    "Em primeiro Ingar, nao M um a 56 alma, ha duas .-Duas? . .. '. ;._ Nad a men os que duas almas. Cada criatura humana traz consigo:uma que ol~a de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro. Aa lma ~xtenor ~e se r urn e sp frito , U rn tluido, urn homem, mui tos~omens, u~ objeto, u~ operacao, Ha casos, por exemplo, em que urnsimples botao de camrsa e a alma exterior de uma pessoa: . ., - e asslmtambem a .P

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    e nti ~e s s ep ara da s: a s d u as " alm as ", I st o d em o n st ra a t en dfl nc ia a na lft ic aq u e I d en ti fi qu e i n o i nf cl o.AI~m des ta tendencia dis juntiva, porem, M achad o dem onstra ate nd en cia d e fu nd i~ o s c on ce ito s se pa ra do s, T al m o vim en to s in te tic o s e

    re ve l~ q ua nd o c on ti nu am o s a n os sa l ei tu ra d a te ori a d e J ac ob in a:E s~ cl~ ro que 0 o ffc io d essa se gu nd a a lm a e t ra ns m it ir a v id a,

    com o a pnm eira; ~ duas com pletam 0 ho mem , q ue e , metaf is icamentef al an do , u m a ~ ar an J~ . Q u em p er de u m a da s m e ta d e s, p er de n a tu ra lm e n tem eta ?e ~ e ~ls te nC la j' e casos M ,nao raros, em que a perda d a alm ae xt eri or im p li ca a d a e xi st en ci a i nt eir a, " (2 :3 46 )

    Podem 5.erse.! ' a~das a s d ua s a lm a s p ara fi ns a na ht ic os , m a s t am b emem c er to .s en t~ d o s ao i ns ep a ra v ei s, A c o ns ci en ci a d e pe n de d a c o ex is te n ci ac ia a lm a m ten or e d a ex te rio r, ta l c om o a v ia bilid ad e d a la ra nja d ep en detan to ~ cases com o d a f ru ta n el a c on ti da , E i s, e n ta ~ , um a le i d o rnundomachadiano, a "lei da laranja": 0 objeto e 0 sujeito dependem um dooutro, como afruta e a casca.. . "0 ~ lho" na o e 0 t1nico conto a d em o ns tr ar 0 funcionamento dale i c ia l,a ra tlja . "~ x c ath ed ra " se baseia quase na mesrna meta fora,

    F ulg en ci o, u rn r ac io na l fa na ti co , e sta c on ve nc id o d e q ue "0 e ss en c ia l d afruta [el 0 rn io lo , D ao a c asc a" (2 :4 59 ). R eso lv e c asa r u rn s ob rin ho e u m a. a fil ha da m e di ~t~ u m a e st ra te gi a " pro fu nd ar ne nte c art es ia na " ( 2:4 60 ):c o n~ o ca r o s . dO lsjovens a um a s er ie de l i< ;:oe s ,que comecara co m nocdesg er ai s , do u ni ve rs e ~ g ra d ua lr ne n te l ev ar a I I "a n al is e d o s am or , d as c au sa s,n~sldades e efe1tos"(2:459) . 0 p la no te rn 0 resultado d ese ja do , e ep ar. cl al m en te _ p or c au sa d as l i< ;:O e s.P or em , m a is d ec is iv as q ue a s i de ia sl e clOnada s s a o a s s e ns a

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    Escher das maos que se desenham uma a outra: "os nfveis que or-dinariamente s a o vistas num senti do h ierarq uico - aqu ele que desenha eaquele que 6 desenhado - Be invertem, criando uma Hierarquia En-rolada" (689). A ideia do desenho nos devolve a uma da a metaforas maisempregadas para descrever a consci sncia empfriea: a do instrumentop on tu d o, i m pr im i nd o -s e na mente. Voitando agora so modelo deMachado, qu e co nsiste em u ma alma orientada para dentro e outra para. fora, poderfamos dizer , em termos da analogia do instrumento pontudo,que agora temos dois implementos de inscr iyiio, em vez de sO um. A almainterior Be escreve na exterior, e a alma exte rior se escreve na inte rior,como no desenbo de Escher. As interayOes humanas estiio sujeitas acondi~o paradoxa l em que os se res, iguaImente aptos a controlar e paraserem controlados, existem num unico circuito. 0 paradoxa ajuda aexplicar , talvez, por que estamos sujei tos a desencontros e guerras; porque podem ocorrer batidas de carros quando cada urn tenta evitar 0outro,ou po r que pessoas muito ed ucad as s e c ho cam , em bo ra cad a u ma queriadar prefersncia a outra.

    Oconto "0 espelho" examina urn desses 1a908 esttanbos, que resulta. da impJicayao mutua d a s consciencias, 0 conto comeca com um a vista da sreuni5es freqiientes de urn grupo de cinco homens, "resolvendo,amigavelmente , os mais a rduos problemas do universe" (2:345). Urnmembro do grupo - Jacobina, que resulta ser 0narrador d e u m a a ne do tai nt er ca la d a - e d if er en te d o s o u tr os , p o is embora escute com entusiasmo,constantemente se r ec u sa a c o nt ri bu ir a palestra: "

    "Rigorosamente eram quat ro que falavam.mas havia na sa la urnquinto persenagem, calado, pensando, cochilaado, cuj a esp6rtula nodebate nao passava de um ou outro resmungo de aprova~o. Esse homemtinha a mesma i d ad e d o s c ompa n he ir o s, entre q ua re nta e cinqiienta anos,era provinciano, capitalista, inteligente, n a o sem instru~o, e, ao queparece, astuto e caustico. Nao discutia nunca" (2:345).

    Para tomar emprestada a terminologia que ele mesmo in t roduziu ,podemos dizer que Jacobina esta iaclinado a debil itar a "alma inter ior",na o se deixando falar durante os debates. Insiste em ser, quase porcomplete, receptor de informayao em vez de produtor. Em termosciberneticos, Jacobina parece estar tentando "alisar" 0 1890enrolado deret roacao em que Be encontra - tentando tornar a interayao com osa mig os m a is lin ea r do que circular.

    Descobrimos que Jacobina apresenta boas razces para mante r-socalado. A alma surge como 0 assunto da palestra, e 0 participante tao

    j,"

    22

    ,: 1li'"

    calado surpreende os outros por comecar uma longa exposi~Q. S~ fala,no entanto, com a condiyao de que os outros prometam o~v~r~ ... Jcalados" (2:346). Vemos que Jacobina ainda esta te~tando ~lDunulC aretroayao, mas que agora age num sentido conttirio. Obngando os

    1 rmanecer ca l ados ele agora esta debilit ando a "almac o e ga s ape'exter ior" ern vez da "alma interior". . .A narrayiio de Jacobina, tratando de uma expe?encla .pessoal.explica por que precise impor resistencia no cfrculo de mfiuenclas entreele e as outras pessoas. E historia de urn laco que se tornou estranho, ouque saiu das medidas de controle. daConta que muitos anos antes, foi nomeado alferes na guarnacional, algo que era uma honra consideravel para urn hornem de suaposiyao e idade: d"Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acaba~a de ser n~mea ~alferes da guarda nacional. Na o imaginam 0 a co ~ te clm en to ( ue Isl0 fO~Minha m a e ficou tao orgulhosa! tao contenle. Chamavaem nossa casa. . . Name 0 sel l alferes . Primos e tios, foi tudo uma alegna smcera e p~ra. fvila, note-se bern, houve alguns despeitados. [... J Em_compensar;ao, ivemuitas pessoas que ficaram satisfeitas ~m !o.mea~o; e a prova e quetodo 0 fardaroento m e foi dado p or a m ig os (2.347).Aqui vemos uma situayiio em que 0nfvel de retroa~o esta bern alta.A alma interior comecou 0 ciclo, tomando-se alferes. Dal, todos os queo rodeiam constituindo a alma exterior, reagem. Alguns respondem

    t. amente mas a maioria reage bern favoravelmente, refot9ando aneg a IV , dao ainforma9a o inicial da alma interior. 0 fato de que os arnigosJacobina sua farda de alferes sugere q~e eles_jliampli~ca.:am a ~en~gemoriginal. Agora, fardado, 0jovern proJeta a mfonna

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    ,I".: J

    Na c a s a , tanto vis i tantes como escravos demonstram a m e sm a e fu sa oc i a , tia MareolinaJ cr iando u rn l ac o d e r et ro a 9i io c uj a i nt en si fi ca ~a :o ec on ti nu a e a ce ba modif icando a "a lm a i nt er io r" d e J aCObi na :

    "0 certo is qu e todas e ss as c o is a s, c ar in h os , a te n~ 5e s, o b s~ ui os ,fizeram em mim um a transform a~o , que 0 natural sen tim ento d em o cid ad e a ju do u e c om p le to u. [ ... ] 0alferes eliminou 0h om em . D u ra nt ealg un s d ias a s d uas n atu rez as eq uilib rara m-se; m as na o tardou que apr imi t iva ~esse A o u tr a; f ic ou -m e uma parte m in im a d e h um a ni da de oAconteceu en tao q ue a alm a ex terio r, q ue e ra dantes 0 sol, 0 ar, 0 campo,os o lh os d as mocas, mudou a n a tu re z a, e passou a ser a cortesia e osrapap~ c ia casa, tudo 0 que m e falav a d o po sto , nada do que falava dohom em , A lln ica parte do cidadao que ficou com igo fo i aquele quee nte nd ia C Om 0 exercfcio c ia patente: a o ut ra d is pe rs ou -s e n o ar e nopassado" (2:348).o "la~o estranho" do jovem Jacobina, entao , co nsiste nesteparadoxo: ele na o e s6 im p re ss io na nt e c om o ta OlWm i mp re ssi on av el; n ao

    is s6 s en sa cio na I c om o s en s{ ve ! a s reJa

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    ",

    capacidade, atraves da introspeccso, de a homem ser 0 seu proprioe sp elh o, c ur an do -s e a s i m e sm o .

    Oconto IStfpico da fascinayao m a ch ad ia na p elo r el ati ve , c on ti ng en tee amb fg u o. Em conseq i lenc ia, M quem qu is e ss e ma rca r o u tr e p o nt o paravaries leitores (Brayner, "Canto" 16-17 ; Coutinho 91; Miguel Perei ra222-23; Moog 202) que encaram 0 autor brasi le iro como um amargopessimista , Porem outros reconhecerao que esta visao relat iv is ts sugerea c ap ac id ad e d e a da pta ~o e m f ac e d e u ma re alid ad e ric am ea te complex a,talvez a~ uma regulagem precisa que se aproxima do ideal. LufsFernand o V id al tern m uo ao resumir 0 tema central dos coates deMachado: "to absoluto e s 1 0 e st at ic o, 1 0 i nc onm ov ib le , l a negacicn de lavida; en cambio, 10 relativo es 10 movil, l a dialectica de 10 humane"(133).Iacobina, com sua sensibilidade a retrcacao e com sua capacidadede modificar seu pr6prio modo de operacao em resposta aos sinais deerro, demonstra qu e a relat iv idade pode significar a vi ta lidade de auto-correcso, 0 que Vidal chama "la perfectibilidad humana, 5610alcanzablepor.la asce tica moderaciony la duda met6d ica" (133) .

    A dialetica interior/exterior tern side uma constante em nossadiscussso do co n to aM agora. Embora 0modelo teorico nao seja 0mesmode Machado, e freqiiente se recorrer A m e sm a dialetica para referir-se aa sp ec to s lite ra rio s, f or ma e c on te ud o. A te a go ra confesso q ue m e d eix eiseduzir quase por completo pelo conteudo da obra, por seu aspectointerior, e ni o p o r a sp ec to s f or m al s ou " ex te rio re s" . M a s t am b em s ou u rnm ecan is me d e au to co rrecao e na o p oss o term inar se m o bs erv ar aq ueleoutro lado do conto. Segundo Dirce Cortes Riedel, 0 conto combina 0discurso filos6fico com 0 discurso sobre a arte (99). Tendo trat ado domyel filosofico, pretendo ago ra to ear no o utro nfvel,

    Num a rt ig o s o br e Dom Casmurro, A na L uc ia G az ella d e G arciat ra ta d o a sp e ct o a u to - re fl ex iv e c ia fi~o machad iana, c ia m an eir a c om oa obra tende arevelar SUBS estruturas e procedimentos textuais dentro c iaac;io narrativa. Segundo e la , a o br a e espelho da pr6pria obra ("Espelho"71-78), Mal poderfamos esperar que urn conto i ntitu la do " 0 espelho"f os se e xc ec ao d es ta r eg ra de a ut o- re fe re nc ia , e de fato na o e . N o c on toencontramos uma auto-reproducdo entre contetido e forma, a estrutura emgeral do conto reproduzindo a situagao represen tada , e vice-versa.

    "0 espelho" e urn exemplo perfeito do chamado con to. intercaladc(Mayersberg) . Como ja fo i ind icado, a histor ia ex terior narra 0encontrode urn grupo de palestrantes, e as eventos que seguem 0 mon61ogo deJacobina. 0 interior trata da filosofia des te sabre a conscisncia, definindo-

    26

    a como a conflu~ncia d e "d uas alm as" , e demonstrando a t eo ri a c or n um aanedo: ::~ conc!ntrica do conto, em que urn .cemi:rio.exterior leva

    t ~ '0n arrativ e q ue en tao v olta ao cen srlo extenor, reproduza ou ro cenan , ..,.,., e to em que, 1 e ta propria narra~ao wtenor. r. 0 m om no momento crucla , di te do espelho na suaJacobina, numa apIica~~ da autotderaratd~-:b~~ _ a original, e a dofarda de alferes. Temos lmagens up as e a 1helho que par forca ser ia invert ida e complementar , : e ndo 0 esp~ e~~ t r I D ' ediario responsavel pela duplica~o. Esta coloca~ao 6 compa. vo tn e ~ . . im agern de Jacobina ea itua a o do pr6prio conto. Primeiro verno~ uma 1s ~ estes falam c om e nt uS la sm o , m a s a qu el e 5 6 e sc ut a.seus co1 le gas, em qU~mo cen:irio depois da narracao intercalada, vemosAo vo ta rmos ao m. t os outros, 'tua

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    D' . A pos iyao de !8CQbina como narrador 6 id!ntica a de um autorA l~ge-~ a.ump ub li co , m as a u m p ub lic o e uj a r ea s:a o i me di ata e v ed ad a .arreira imposta ent~ 0 remetente e 0 receptor is semelbante ao afas-

    !amento natural que existe entre 0 autor e 0 seu le i tor criado pelo feTtOconto "0 lho"d '. ' " o.espe 0 esperta 0 Interesse, na o s6 p or s ua a na li se dosparadoxes da consci8ncia humana, como tambem pela riqueza dediscurso em nfve l metali tenlrio. Ohm que espelba sua propria fo.nna:e~conto tam~~ ~menta sobre a escritura em geral, sugeiindo sua fun980como uma atividade hermetica em que 0 autor en's ..,.~ 6 . "It . .. . 0.... pr pna a maex e~or , e sugenndo , talvez , ate um a fun

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    gico e social, analisando os processes e efeitos da opressao. Tanto D.Seve~a COmoInaicio sao oprimidos pela presenca aUloritairia de Borges.Os dois recorrem A fantasia como manei ra de i ludi r esse vexame, e cadaum encont ra no outro 0 sonho mais dispomvel. Em ainda outro nfvel, 0conto apresenta uma crf tica ao ohjet ivismo posit ivis ts, vigente naquelae p o c a . Em vez da separa~o ngida entre 0 sujei to observador e 0 ohjetoobservado, como postularia 0 positivismo, vemos uma sihla

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    no sentido de set idealistas demais pam 0mundo real. Ela recusou muitosp o ss fv ei s m a ri do s , p o r nao achar em nenhum a perfei~o desej ada, Ele sefez padre, mas nao progrediu no sacerdocio, desprezando as necessidadesp oh tic as . A o s e c on hec er em , eada um r ec on he ce no outro a perfei~odesejada. Porem a pr6pria o b s es s ao i d ea li st a i m p o ss ib il it a 0casamento.

    A estetica d e M ach ad o d e A ss is fo ge < l a s s em e lh an ea s o bv ia s, E m" Un s b ra ce s" , p or e xe m plo , a d if er en ca fundamental de sexo entre Inacioe D. Severina cria uma construcao mais sutil que muitos cases em que bau m a e qu iv al en ci a v is ua l e ntr e o s d up lio ad os , N a te rm in olo gia d e RobertRogers (4), os personagens em "Uns braces" s a o duplos "Iatentes"(latent) e nao "patentes" (manifest). Contribui a sutileza do t ra tamentotambem 0 fato de qu e a consciencia dos personagens des ta identidade e,quando mais, incompleta, Alfredo Bosi ve no conto a demonstracfio deu m a r eg ra g er al de d es en co ntr o e ntr e o s s er es , 0 " d es nf ve l d o s pares e anecessaria disparidade de s e us d e st in o s " (454). Tal visao, natura lmente ,favorece a percepcso de diferencas no paradoxo da duplicacao. Por outrolade, s a o notaveis as sernelhancas e correlacdes entre os personagens,como se eles compartilhassem 0mesmo destine. Ja rnencionamos 0 fatode qu e ambos s a o oprimidos pelo advogado, Borges. Este grita, reclaman-do a desa tencao de ambos. D irig in do -s e a In ac io , d iz: " On de anda quenunca ouve 0 qu e lbe digo? [ .. . J E tal so no p es ad o e c on tfn uo . D e manhii"6 0 qu e se ve: primeiro que acorde e preciso quebrar-lhe os ossos"(2:490). E mais ta rde, queixando-se de D. Severina, diz quase a mesmacoisa; "Que e que voce tern? [ ... ] Parece que ca em casa anda tudodormindo! D e ix em e st ar , que eu sei de urn born remedio para t irar 0sonoaos dorminhocos" (2:493).

    Ambos p ar ec er n t er m e do de Borges, e Dao podem estar a vontadeem sua presence. Inacio, por exemplo, "ia comendo devagarinho, nlioousando levantar os olbos -do prato" (2:491). e Severina "apaziguava-ocom des c u lp a s [ . .. J e f az ia -lh e c ar in ho s, a m e do que eles podiam irrita-lomais" (2:493). 0 desconforto des dois e aumentado por urn forte sensode escrupulos. No caso de Inacio, "A educaeao qu e tivera nao Ihepermitia encarar os braces logo abertamente" (2:492), e no de Sever ina,imaginar que Inacio estava olhando-a "trouxe-lhe uma compl icacaomoral" (2:493). Esta complicacao moral em ambos fez com que Imido"sorrate iramente olhasse" (2:492) os braces de Severina; esta, por suavez, "mirava por baixo dos olhos os gestos de Inacio" (2:493).

    Imido e urn rapaz "ma l vestido" (2:490), e Severina usa mangascur tas porque "gas tara todos os vestidos de mangas compridas" (2:491) .

    32

    :1 Porem, tanto D. Severina como Inacio possuem, se Dio beleza: pelomenos uma gra

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    'I"

    desconfie de algo, se v~ COm "a cara fechada e 0 xaile que cobria osbraces tao bonitos" (2:496). Quando Inacio quer se despedir dela 0advogado I h e i n fo rms que e la " Es ta I a para 0 quarto. co m m uita d ord ecabeca" (2:496).

    Dando u m p as so da s e xt rem id a de s p ar a 0centro do conto, verifica-m o s a rn en ya o do v ex am e o u a ca nh am e nt o d os p ro ta go nis ta s, D iz -s e queInac io, ao repara r nos braces da mulher , "afastava os olhos, vexado"(2:492). Nesta parte h t1 tam bem a passagem ja ci tada, sobre a e du ca c aodo rapaz que nao lhe pennite olhar a senhora francamente. Por sua vez ,depois do beijo Sever ina se sente "vexada e medrosa" (2:496) . Depois 0" ve xa me fi co u e c re sc eu " (2:496).

    Ain~ mais um passo adentro, encontramos no enredo ou 0 escape,ou 0 desejo de escapar, No caso de In acio , ~ um desejo nao realizado:"Deixe estar, - pensou ele ur n dia - fujo daqui e nao vol to mais"(2:492); "Von-me embora , repet ia ele na rua como nos primeiros dias"(2:494). No caso da D. Severina, chega a ser urn ato executado: "'taodepressa cumpria 0ges to [do beijo], como fugiu ate Aporta" (2:496) .

    Ade~trando-nos a inda urn pouco mais, podemos ver que cada pessoase v e obrigada a guardar um segredo que the causa irri ta~o e confusao.o de Inacio ~, naturalmente, a sua paixso pela mulher do advogado:"Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua trocava de-esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e nao via mulher, aolonge ou so perto, que lha nao trouxesse Amemor i a " (2:494). 0 segredoguardado pela D. S ev er in a ~ 0 da realidade do beijo: "ela na o acabava decre r que fizesse aqui lo; [ ... J inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse,estava confusa, irritada, aborrecida, mal consigo e mal com ele" (2:396).Ao chegarmos quase 80 cumulo do enredo, descobrimos que cada urn dosprotagonistas aparece no sonho do outro. P ri m ei ro I na ci o e 0 objeto dosonho da mu lh er : . .S ev e ri na s en ti u b at er -l he 0 co ra~ o co m v eernencia erecuou, Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhandoc~m ela" (2:495) . Como sabemos, a intui~iio de Sever ina e correta: "Quenao possamos ver os sonhos uns dos out ros! D. Severin a ter-se-i s vi stoa si mesma na imaginagao do rapaz; ter-se- ia vis to diante da rede, r i sonhae parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas maos, leva-las ao peito,cruzando al i os braces, os famosos braces" (2:~95-96). Neste motive,talvez nao h aj a a s im e tr ia perfeita que parece existir em outros motives.o sonho em que aparece Severina, pois, comeea na primeira parte doenredo e nao na segunda, Se p en sam o s, p o rem , que este sonho continua

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    depois e portanto per tence tambem i\ segunda parte, a simetria ainda seconserva. .o be ijo, em que "a s mesmas bocas u n ir am - s e n a im ag in a cf io e foradela" (2:496). IS0 motivo que une os dois "braces" do enredo. Assimcomo no beijo ha urn encontro de sonhos, de destinos, e de labios, hatambem um encontro, em outro nfvel, de dois membros narratives,identicos mas opostos. 0 conce ito do duplo, assim, atinge varies nfveisde significado. H a u ma d up lic aca o de caracterfsticas nos protagonis tasSeverina e Inacio, como ja se explicou. Mas tambem uma duplicacaoentre os dois lados cia narracao. Bste isomorfismo entre a forma emensagem sugere ainda outre tipo de s6sia - a forma do conto e duplodo conteudo,"e 0 conteudo duplo d a f or m a.

    "Uns braces" parace ser um tftulo perfe ito, pois a imagem encerravar ies s ignificados salientes no conto. Os braces sugerem a identidade ea nao identidade, a simetria e a oposicao. Sugerem a reciprocidadeparadoxal c ia came, que Merleau-Ponty, num ensaio intitulado "0entrelacamento, 0quiasma", identifi ca como a capac idade de sent ir, e asimultanea capacidade de ser senti do: "no 'toear ' acabamos de encontrar[ .. . ] um verdadeiro tocar 0 tocar, quando minha mao di reit a toea a m a oesquerda apalpando as coisas, pelo qual 0 'sujei to que toea' passa ao nfveldO tocado" (Vis(vel 130). Quiasma corporal , os braces ofe recem umamisteriosa atrayao na sua mater ia intercalada. 0 narrador menciona estaimportante regiso do "entre": Inacio "Cbegava a casa e nao se ia embora.Os braces de D. Severina fechavam-lhe urn parenteses no meio do Iongoe fastidioso perfodo da vida que levava, e essa ora~o intercalada traz iauma ideia original e profunda, inventada pelo ceu unicamente para ele"(2:494). Os braces, entao. sugerem no seu "entre" 0 maravilhosoencontro, 0entrelacamento de sujeito e objeto, sonho e realidade, vontadee vontade, des tino e destino. 0 mister io das relacoes humanas e fechadoe resumido numa "ideia profunda" entre os bracos e (entre parenteses)por um beijo maravilhoso,

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    m- A LEI DA S OR TE G RA ND E:" JO G O DO B IeR O "

    o m und o d e M achad o d e A ssis nao e, ex atam ente, u rn m un do d eord em e progresso. C re io q ue a ordem tern se u Ingar, c omo tambem 0progresso, M a s M a ch ad o se diferencia d e seus contempor i lneos , positivis-tas, pa~ quem ordem e progresso tern uma relacso estreita, 0 mundom a o h ad ia no t am b em nao 6 de desordem e r egre s so ; Dao ex i s te de te rmin i s -m o, nem pelo Iado o tim ista nem pelo lado pessim ista , C om o paradesm entir ta is program as rigid am ente lineares d e causa e efeito asm : m do s f ic t{ ~i os c ri ad o s p or M a ch ad o i nv ert em a s e le m en to s d a f6 m :u la .D a? -nos m .~ tas v ezes ordem e regresso , o u d esordem e pro gresso ,ab~do a visao d o m u nd o, dando Iugar apropriado a s contingencias e aosacidentes ,

    o mundo e ta nto ca usa l c om o c asu al. Y ig or am a o rd em e 0azar emterrenos d ife re nt es . O s s er es h um a no s, m o vld os p eZ a v on ta de , carac;eri-z am - se p e la je num m undo ordenado , au pelo desespero dos sonhosfrustrados. 0s uje lt o, p o rta nto , t en de a c rl ar a rb it ra rle da de n o m ei o dao ~d ~m : e o rd em n o m ei o d a a rb it ra ri ed ad e. P o de rn o s c h am a r e st e p ad ra od a lel.d a so rte g rand e", citan do um a p as sa ge m d e D am C as mu rr o qu ee xe ~p hfic a b ern 0 fe no m en o. B en to S an tia go re co rre a m eta fo ra d al o te ri a p a ra d e s cr ev e r 0 c as am e nto d e s eu s p ais : " se a fe li cid ad e c on ju ga lp o d e s:r c om p ara da a so rte g ra nd e, e le s a tira ra m n o b ilh ete c orn prad ode sociedade" (1:816). Nossas metaforas slio modelos Com o s q ua isco nstrufm os um a v isao d o m un do (Lako ff 3-13, 41-44). A e sc olh a d ametafora d a l o. te ri a, p a ra S an ti ag o , e compensacao p si co 1 6g ic a q u e c ri aurn ~u n~o ~ s co mo do . T en do fracassad o seu p r6 prio casam ento , ser-Ibe-:a d i ff ci l e sc o lh e r um a metafora qu e caracterizasse a felicidadeco nju gal co mo u rn sis tem a d e causas e efeito s. S e 0 c asa m en to fo ss e ac on stru cso d e u m a c asa , p or e xe mp lo , 0 n arra do r te ria q ue e xam in ar asfalh~ q ue c on tri bu {~ em p ara 0 d e sr no ro n am e n to d o ediffcio, T eri a q ue~ xa mm ar s ua s p ro p ri as f al ha s. C o nc eb en do a fe lic id ad e c on ju ga l c om o jo go d o acaso , e m uito m ais facil exp licar a falta de ~xito com suae sp os a. A fe li cid ad e m a tri m on ia l e em grande parte um a questao d e

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    d ed ic a~ o, e sfo rc o e fid elid ad e, N ilo d eix a d e se r u m a q ue stiio d e so rte ,ta mb em , T en do fa lh ad o n o c asa m en to , 0 n arra do r d e D om C asm urr op re fe re e nf at iz ar e m s eu m o d el e m e ta fo ri co 0a sp ec to a rb it ra rio , fo ra d es u a i n fl u en c ia e r es p ons e bi li d a de .N o m esm o rom ance se v ~, tam bem , 0 o u tr o la do da le i d a so rteg ra nd e. N um so nh o, B en tin ho v e P ad ua , 0 fu tu ro s og ro , "e nx ug an do o so lh os e m ira nd o u m triste b ilh ete d e lo te ria " q ue "s afra b ra nco . T in ha 0m im ero 4 00 4. D is se [ ... ] q ue e sta sim etria d e a lg arism o s e ra m iste rio sae bela, e prov av elm ente a ro d a andara m al; era im po ssfvel que naod ev esse te r a so rte g ra nd e" (1 :8 75 ). B en efic ia rio e v ftim a d o a za r, P ad ua(o u p elo m e no s 0 Padua s on ha do ) n ao d eix a d e t er e sp era nc as D um g ra nd efutu ro , e gostaria de pensar que 0 p ro gre sso d ep en de sse m a is d e leisi m ut av ei s q ue d o a ca so . P or ta nt o, n a p r6 pr ia lo te ri a, f ix a s ua s e sp er an ca sno equilfb rio geom etrico do s algarism os, im pondo urn sen tid o ded et en ni ni sm o m a te m at ic o e ate j us ti ca p oe ti ca s ob re u m a s it ua ca o d e p uroazar . o acaso e t em a p re di le to n a o b ra c on tfs tic a d e M a ch ad o . " Pri m as d eS ap uc aia !", e xe mp lo e xce le nte , c on ta v arie s e nc on tro s c asu ais e ntre 0narrador e um a m ulher casad a, que nam ora d e longe com os o lho s. 0n arra do r c om e ca a im a gi na -l a c om 0n o m e d e A d ri an a, e re so lv e fa ze r- lh eas co rtes n o p r6 xim o en co ntro .P orem , q uand o v e, n ao p od e segu i-la ,p orq ue 6 o brig ad o a p asse ar c om u m as p rim as d e S ap uc aia q ue c be ga ra md e v isita . A m ald ico a sua t r u 1 so rte , n a fo rm a ffsica das p rim as. M a istarde, 0 n arr ad o r d es co bre q ue a mulhe r fugiu com urn de s eu s am i go s ,C on hec en do -a p esso alm en te , ch eg a a sa be r q ue se u n om e rea l e 0mesrnoqu e im agin av a. C om 0 tem po , A driana destr6 i a v id a do am igo . N aop o de nd o s e s ep ar ar d a m u lh er , 0am ig o a ce it a s ua d e sg ra ca f il os o fi cam e n-te, dizendo, "comprei urn b il he te d e loteria, e [...1 tirei urn escorpiao"(2 :4 22 ). V en do a m is eria d o a mig o, 0 n ar ra do r a be nc oa , a fin al , a s p ri m asd e S ap uc aia . " Hi st or ia c on iu m ", c ujo n arra do r e alfinete, e a l eg o r ia s ob reo p ap el d a so rte n a as cen sa o e n o d ec lfn io so ciais. 0 alfin ete, e sc olh id op or a ca so e ntre to do s o s co m pa nh eiro s n a c aix a d e c ostu ra , p assa d e u m ac la sse p ara a o utra q ua nd o a d on a, h um ild e m u ca ma , 0 u sa p ar a p re nd eru ma ro sa n o v estid o d e um a m O 8 r ica. D epo is d o b aile , a m oca da a ro sad e presente a u rn rap az,. e jo gs 0 a lfin ete n a ru a c om in diferen ca, E lep assa a p erten cer ain da a o utra classe, ao cair na co pa d o ch ap eu d e urnh om em q ue p assa va , "D . P au la " d em o nstra 0 f a s cf n io pe la s co inc idenc i asp ou co p ro va veis. N o c on to , u m a v iiiv a te nta a fa sta r a so brin ha c asa da d e

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    u ma p aix so p or o utro h om em , N o p ro cesso , d esc ob re q ue 0 o u tr o h om emIS tilh o d e u m a ntig o am an te, de seu t empo d e c as ad a,A s v e.z es ~ s c on to s d em o ns tr am a qu el a m is tu ra e ntre o s c ap ri ch os d o

    acaso e as i lusoes progmrruHicas dos personagens. Em "Frei Simao" parexemplo, 0protagonis ta e vftima c ia crueldade do pai, mas tambem r ia rn aso~e . Em suajuventude, S i m 1 i o 6 s ep ar ad o A f o rc a c ia amada Helena pelop at q ue d esap ro va a b aix a p osiy ao so cial c ia m092. A lg um te m po d ep oi sto m a co ~ec im en to a tra ves d o p ai q ue ela m orreu , F az -se p ad re, e v ario ~anos mats tarde recebe ordens para pregar e m c erta cidade, La descobrH elen a, que fo i o brigad a a casar co m u m ro ceiro , E la m orre do cheque:ausad o pe~o enco ntro . N o leito de su a morte, F rei S im ao ex cla ma ,Mor :o o dla n~ o a h u~ dad :" ( 2 : 152). Com justica 0 protagonistapoderia ter odiado 0 pal, a a rb lt ra ri ed ad e d a vida, ou talvez 0 destino.M as tendo como alvo de seu 6dio a humanidade, Frei S im a o e fe ru a u rns alto d a fe, b us ca il 6g ic a p el a re gra g era l, p ol s s ua m is eri a n ao t ern n ad aa ver com a humanidade inteira, Em "0 programa", 0jovem Romualdotern g rand es planes para su a vida: I iterarura, polft ica, e r iqueza (pelocasa.mer :to com u~ a moca abastada). Aplica-se com grande energia aTeahz:aga? dos projetos, F er n:m .d ~ , am ig o sem grandes ideias, se apegaao pnmeiro, vendo suas possIbIlIdades e esperando s ubi r j un t o com ele.Romualdo, porern, ac~ba n~o conse~indo nada do que plane java;Fernandes , po t uma sene de c l rcuns tAnc la s fortuitas, termina sendo rico.O conto m ostra bern aquela inversao de va l ores: ordern e regresso( Romu al do ), e d e so rd em e progresso (Fernandes).. ~ vis

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    causando maier par ticipacdo do jogo, 0 que causa maier retroacso, em i ti o r p a rt ic ip a c; .a o , e m a i er r et ro a c; .a o , ate que se e rie u m a s itu a~ iio f orade controle.

    Na sua intera~o com 0 m ecanis me a rb itra rio d o jo go , C am ilo n aoresiste a tendencia de atribuir qualidades de controle Aloteria. Veem-sen ele v ar ia s a pr ox im a co es f ala ze s:

    1)Aformula do sucesso, Depois de acertar no macaco na primeiratentativa. Camilo "tornou ao macaco, duas, tres, quatro vezes, mas 0a ni ma l, m e io -h om em , f alh ou A s esperancas do primeiro dia" (2:1.124) .o protagonists emprega uma tecnica de exito provado em sistemasrelat ivamente controlados, como no mundo dos negocios, da polft ica oudo esporte , A repeti~o do s atos s uc ed id os n o passado, porem, na o ternn e nh um a v a n ta g em nosjogos de puro azar, em que cada novo lance ternuma existencia independente, sern hlstoria e sem futuro. Ao acertar noleaD no fim do conto, Camilo sugere a cobra para certo menino: "Isto delhe indicar 0 bicho que nao dera, em vez do leao, que dera, nao fo icalculo nem pervers idade; foi talvez confusao" (2:1.129) . Sejam quaisforem os motives de Camilo, fica evidente que nunca abandona a crencana poss ibil idade de repetir sucessos do passado, apos tando nos mesmosbichos .

    2) Irfluencia pessoal. 0 jogo do bicho e um a derivacao nao-autor izada da Ioter ia oficial , Mesmo assim, Carnilo crS que a intimidadecom 0 bicheiro pede melhorar suns chances. Recorre a uma praticaconsagrada para consolidar a relaciio: "Camilo resolveu batizar 0 f ilho,e escolheu parapadrinho nada menos que 0 pr6prio sujeito que Thevendiabichos, 0 banqueiro cer to", Pede. "Compadre, quando for a aguja, diga"(2: 1.125) e 0 bicheiro The explica com gargalhadas que nao podea di vi nh ar . A in da a ss im , continua d a nd o c re d it o a s sugestdes do cornpadre,o que indica que "0 protagonists confunde os terrenos em que ha vantagensna intimidade, e os em que as contatos pessoais na o valem absolutamentenada,

    3) ~s palpi tes. Camilo na o "queria it pelos palpi tes no s jornais,como faziam alguns amigos. [ ... ] De uma feita, para provar 0 erro,concordou em aceitar urn palplte, comprou no gate, e ganhou" (2: 1.124).A i nd a d e sc o nf ia da s d ic as n o s jomais, M as ~ d iffcil en t en der p or q ue , jaque Camilo aceita "indicacdesque pareciam vir do ceu, como urn dito de

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    ~ . bra?'"crianea de rea: 'Maroae. por que e que a senhora n~o ~oga na co .(2:1.124) . Jogando bisca com a esposa, descobre smars da .cobra e do

    (2'1 126)' vendo urn acidente na rna, aposta no bicho com 0m.acaco . , b~mirnero do carro ( 2: L 127); "entrava por urna rua com as olhos no c ao ,clava quarenta, sessenta, oHenta passes, erguia repentinamente os 0!h0s ~fitava a primeira casa ~ direita ou ~ esquerda , tomava 0 mimero e ia daliao bicho correspondente" (2:1.127). Tais prat ioas revela.m que, p~raCamilo, a loter ia nao e urn jogo de casualidade, mas um sistema regidopor a lguma forca mister iosa, mas apia a ser descoberta.

    4) A persistencia. Sabe-se que a perslstencia tern grande efeito noss istemas de regras detenninadas. A g u a mole em pedra dura, etc.Seguindo os conselhos de seu compadre, a bicheiro, "eu nao ~ss~ darconselhos, m as quero erer que voce , compadre, nao te~ paclencla. nomesmo bicho, nao joga com certa cons ti incia. Troca muito. E por 1550que poucas vezes tern acertado" (2:.1.125_). Avaliando seu. desempenho~Camilo concorda : "mo sem perslstencla, que era facil desacertar( 2 :1 .126) e finalmente resolve fixar-se no leao. Quer erer, apesar danatureza independente de cada novo sorteio, que as op~6es se esgotam nodecorrer do jogo, como acontece num baralho de car tas.

    5) A personl f icasao- Talvez um a parte da atra

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    I"Cerca das d ua s h or as , e sta nd o A m es a ci a r ep ar tic ao , a c op ia r u rn

    g ra ve d o cum en to , C am il o i a c al cu la nd o o s n tl m er os e d es cr en d o da sorte,o documento tinha algarism os ; ele erro u-o s m uita vez, po r causa doatro pelo em q ue un s e o utro s T he a nd av am no cereb ro . A tro ca era facil;o s seus v inham m ais vezes ao papel que as do do eum ento o riginal. E 0pi or ISque ele nao d ava po r is so , escrev ia leao em vez d e transcrever as oma exam < l a s t on el ad as d e p ol vo ra ( 2: 1 .1 27 ). Logo . q u an d o d e se o br ehav er acertad o n o jo go , C am ilo " deix ou cair a p en a, e a tin ta inu tilizo ua copia quase acabada" (2:1.127). 0 protagonista cria p ro j et os d e te r-minados no m eio d o cao s, e eao s no m e io d e p ro je to s d et er m in ad o s.E cl aro q ue a s ub je tiv id ad e d e C am ilo te rn g ra nd e in fl ue nc ia e m s uaen trega ao jo go . M as, co mo s em pre, p recis am os reco nh ecer tam ben i 0Iu gar d o o bjeto no m od ele machadiano do m undo, A intersubjetividade,a br ac o e nt re 0 s uj ei to e 0 m und o, ch eg a a s er, m uitas v ezes , cum plici-d ad e. C am ilo s e e mp en ha e m r en de r-s e a o j o go . Mas , po r SU8. vez, 0jogop ar ec e fa ze r u rn e sfo rc o p ara a co lh er 0 p ob re jo ga do r. N a tr aje t6 ri a d eCam ilo com o jogador, M dois m om entos eruciais - 0 d o p ri m ei ros ort ei o, e 0 q ue 're pr es en ta ria u ma p er da to ta l d e s ete ce nto s m il- re is , eq ue s er ia s ua ultima t en ta ti v e: . .S e DaO t ir ar q ua nt ia g ro ss a q ue a ni me , n ii oc om p ro r na is " (2: 1.126) . C om o q ue m q uis es se c ap ri ch ar p ara c on se gu iro u m anter u rn cliente im po rtante, a s ane faz qu estao d e co op erar nestesm om en to s. D an do jus t.am en te no prim eiro so rteio e no ultim o, 0 jogod es me nt e s ua p ro pr ia a rb itra rie da de , c ria nd o a im pr es sa o d e u rn s is te maab erto e fecbad o co m cb av e d e o uro ,

    N es sa u ltim a te nta tiv a, C am ilo g an ha a pe na s e en to e c in co m il -r eis ,Se u prejufzo ainda e de quase seiscentos m i l- re is , m a is qu e seu sa la r io ded oi s m es es . C on sid er an do is so , e im pr es si on an te a fe li cid ad e d e n os sov en ce do r. P ar a f es te ja r 0 a co nt eci me nto , c om pr a u m r ic o p as te liio , u magarrafa d e vinho do Po rto , e urn go stoso pud im , "em que hav ia escrito,com letras de m assa branca este v iva etem o: 'Viva a e sp er an ca l '"( 2: L 1 28 ). C om pr a p or c in qiie nta m il -r eis u rn b ro ch e p ar a J oa nin ha . D au ma bo a g orjeta e u m bo m co ns elho ao m en in o qu e en trega a refeiciio ,e e ntra p ara c as a, fe li z c ia vida, "com os em brulhos e a alm a nas m aos etrin ta e o ito m il-reis na alg ib eira" (2 :1 .1 29). C am ilo e 0 ' ' 'inveteradof az ed o r d e f ez in ha s" (M ag al ha es 2 40 ). S ua v it 6r ia c er ta rn en te e ir~nica,pois o s lucros nem se co mparam com o s gas tos . M as a alegria que sentee ta o a ute nti ca c om o a d e q ua lq uer p es so a. A le gr ia e sp er an co sa , a le gr iate na z, a le gr ia q ue c on stitu i s ua p ro pr ia r az iio d e s er e na o q ue r s ab er d osfates. "Carnilo tinha f e . A fe abala montanhas" (2: 1.124), A f6 abala a

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    I"' r ea lid ad e. " ]o go d o b ic ho " e u~ analise persp icaz ~ arb itraried ad e em

    1 - a s e s peranc a s humanss 0 conto critica os enganos e assu a re a< ;ao com yo-" ~ "f ala eia s a q ue 0 racio c!n .io es Ui s ujeito . M as tam bem ~ ao d el~ a d e secelogio h eterna esperanca d o sec hum ane, a sua ~pacld ad e t:lm osa d ef ab ri ca r a lg un s m om en to s d e f el ic id ad e, sejam qtuuS focem as clccunsUin-cias.

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    I: :

    IV - A LEI DA HOMEOPATIA:"CANTIGA DE ESPONSAIS"

    . ~m a .das co~tantes da obra de Machado de Assis e 0 discurso~etal .l te~np - a l i nguagem que, enquanto se refere a urn mundo real aulmagma?O, refere-~ tambem ao pr6prio me io a rt fs ti co . Tal auto-referencia pode t er d imen s ao g e ne ri ca , tratando da literatura em gerald d i . ,oupo e ser ISCU~O _mms .especffico em que a obra revela seus p r6priosprocessos de cnacao (DIxon, "Auto-referencia" 35) . Como ja se viu ametaficelo nos conto.s machadianos se revela muitas vezes implieitame;te,par mel~ de uma linguagem figurada, e sendo assim uma expressaosec~d~na. As vezes, porem, como no caso de "Cantiga de esponsais"(H_lSt~Tla: se"! data, 1884), a auto-referencia chega a ser explfcita e acnacao Iiteraria aparece no primeiro plano tematico c ia obra.? tCt~lo do. canto e fundamental no estabelecimento do discursometahte~,?o, pois sua referencia IS dupla. Por urn lado, "Cantiga deesponsais se r:fere. a composicao musical D a O desejada pelo protagonista,o mestre ~oma? Pires. Por o~tro lado, t itulo anuncia que 0 propriocont.o e a Cant lga de ':1'0nsal s". Este inte rcambio de textos musica is eesc~tos tem amplo apoio na tradi~o li tera ria. Teria iniciado com textosantigos como os.Sa lmos e as ~tares de Salomao na Bfblia e as cantigasde amor, de amigo e de escamio e de maldizer na tradi980 portuguesaobras que eram autenticamente musicals mas cujas melodias se perderamat ra~es dos anos. Hoj e nao nos parece estranho designar com um titulomusical qu~l~uer texto que tenha urn minimo de lir ismo. Sendo "Cantiga~e esponsai s um" text~ deste tipo (Tri stao c ia Cunha, 25, charna-o depoema em pr

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    .,

    mu si co v B u n s r ec em - ca sa do s na ja ne la d os fund os c ia casa c ia v iz in ha , An oi va , m u lt o contente, cantarola a to a. M estre R om iio r ec on he ce n om om ento d e m orrer q ue as no tas q ue ela canta sao ju stam en te as que elev in h a b u sc an d o p o r t an to t em p o . A bela frase mus i cal pe r tence DaO aqueleque ded ico u sua v id a a sua producao , m as aquela que a encontrouespoataneamente e p o r a ci de nt e,

    N a re ali da de s ao envolvidas no conto, c om o em o u tr as o b ra s (Dixon,Dreams 88 -91 ), d u a s t eo r ia s ci a c ri ay a o a rt fs ti ca r ep re s en t ad a s, r es p ec ti v a-m ente, por M estre R om iio e pela noi va da c as a v iz in h a. 0 concei toa ss o ci ad o a o m e st re e 0m e sm o d o s re ali sta s o u p aro as ia no s b ra si le iro s d ofim d o s ec ulo 1 9. V e-s e n el e u m a f ort e i nfl ue nc ia d a f il os of ia p os it iv is ts .Nao se c Ia p or ae aso a e sco lh a de ur n homem c omo r ep r es e nt an t e destaestetica , p ois a te oria lig ad a a o re ge nte tern asp ec to s m asc ulin es o u atemachis tas . A criayao e co nc eb id a c om o u ma o bra e m seu sen ti d o lite ra l- urn trabalho realizad o p elo esfo rco , A insp irayao d o m dsico e c omo"u rn p assaro q ue ac ab a d e se r p reso , e fo rce ja p or tra nsp or as p are de s d ag ai ol a" ( 2: 38 8 ). E n co n tr ar o s e le m en to s ju st os e u ma q ue sta o d e I utar, d et ei m ar : " A lg um as n o ta s c he ga ram a l ig ar -s e; [0 mestre] escreveu-as; obrade um a fo lha d e papel, njio m ais. Teim ou no d ia seguinte, dez d iasd ep ois , v in te v ez es d ura nt e 0 tem po d e casad o" (2:388 ). C rier e um aespecie d e caca, em q ue 0 a rtista d om in a alg o fu gitiv e. R om ao se sen tet ri st e, " po r n ao t er p o di do fi xa r n o p a p el a s en sa ca o d e f el ic id a de e xt in ta "(2:388, minha 8nfase).

    Sem pre que se m encio na no conto , a co mposicao e chamada 0"canto esponsalfcio". 0 contraste co m 0 titu lo d o co nto e impor tante,p orq ue a fo rm a d o tftu lo d o rm isico e ma is e ru d it a, a ca d em i ca , g ra nd il o-q ile nte . H a aq ui u ma a sso cia ciio co m a tendencia a ca d em i st a d o s p o et asparnasianos, V 8-s e u m a preferencia pelo I ad o t ec n ic o da c ri a9 ao n o farod e m e st re Romao depender s em p re d e s eu i ns tru m en to , 0 crave, para 0tr ab al ho c ria do r, O ut ro in stru m en to im p re sc in df ve l p ara 0 nnlsico e 0lapis au a caneta qu e, d e aco rd o co m San dra M . G ilbert e Su san G ubar,s imboliza Ii. f al ic a v is ao p at ri ar ca l c ia cria~o com o um a form a deautoridade, paternidade e dornfnio (3-6). Segundo elas (7), urn aspectotfpico d o c o nc ei to patriarcal d a c ri a~ o 6 a v is ao d a o bra d e arte co mopropr iedade doautor, um a especie de patrimouio qu e 0autor deixa a s eu sherdei ros , 0pu blico , e q ue assegura a co atinuacao d e seu no me e d e suam em oria. A o reco nhecer qu e v ai m orrer, m estre R om iio tern 0 mesmop en sam en to : ."E en tso tev e um a id 6ia singu lar: - rem atar a o bra ag ora,fo ss ec om o f os se ; q ua lq ue r c ou sa s erv ia , u rn a v ez q ue d eix as se u rn p ou co

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    d e alm a n a terra " (2 :3 88 ). V en do o s rec em -c asad os. ~ m estre re pe .te 0mesmo c on ce it o : . .Aque le s chegarn, disse ele, eu sato, Cornporei aom e no s e st e c an to q ue e le s p od er1 io to ea r" (~:3~8). . _ .E nfim a ideia do m estre quan to II cnacao artfstica nao difere dam a io ri a d o s' c o nt em p orl in eo s d e M a ch ad o d e A ss is . U rn e xe m plo c on ~re toe f re qi ie nt em e n te c it ad o d e st a i de ia e a "P ro fissao d ~ fe " d e O lav o B ila c,qu e co mpara a p ro jeto d o p oeta ao t ra ba lh o d o o u nv es :

    Invejo 0o u ri ve s q u an d o e sc re v o:Imi to 0 amo rC om que ele, em ouro, 0 alto relevoPaz d e u m a flo r. (23)

    o p ro je to d o o u ri ve s sugere um a arte d ura , d e t ra ba lh o d uro e habilidoso,q ue p erd ura atra ve s d os tem p os e g aran te a m em o ria d o artista . T al. e N 8v isao p ositiv ists v ig en te n o am b ie nte d o fi~ do seculo , e tal .8 VIsa ofrustrada de mestre Romao. Embor a haja poucas .refer8nclas. aos"casadinhos" da ca sa v iz in ha , esta s n ao d eix am d e su ge nr o ut~ te on a d aprodu

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    .1 A passagem re ve la q ue 0 seg re do d a o rig in alid ad e e d a arte , das"co usa s n un ca a ntes c an ta da s n em sab id as", esta no in co nsciente d oa r t i s t a e n ao na sua d im ensao racio nal, Para qu e surja d o inconsciente, ep rec i se concen tra r- s e em alg o q ue na o seja 0 objetivo a rtfs tic o, N o ca sod a n oiv a, a e r a s e su rg e q ua nd o e la e sta "em b eb id a n o o lh ar d o m arid o".E u m a le i d e m o vim en to s in direto s, u ma le i h om eo pa tic a: p ara a ch ar A ,e n ec es sa ri o e sta r p ro cu ra nd o Z .

    . A c ri ad o ra d a m e lo di a e m u lh er e se us u nic os in stru me nto s sao asc o rd a s v o ca is da boca. Se a caneta su gere 0 d esejo fa lico e a e ste tic ap at ri arc a1 d a e sc ri tu ra , a b oc a e e mb lem a d o 6 rg ao fem in in e, da visaoartfsticamatriarcal e da orientacao pam a expressao oral. De fato, amu lh er p a re c e ter "p arid o" a m elo dia, d e certa f or m a. T er ia a bs or vi do ,in co ns ci en te m en te a tra ve s d o q ui nt al , a s t en ta ti va s p ro d uz id as n o c ra vo d omestre, T eo ria p assad o u ma esp ec ie d e g esta ~o , em q ue a lin ha m elo die sse au mentasse e se co mp letasse em seu sub co nsciente. A o "d ar h luz" afra se c om p le ta , p are ce a pe na s c um p rir c om a v o nta de da p r6 p ri a m u si ca ,d eix an do -a e sca pa r e sp on ta ne am en te , n o m o me nto e m q ue b em q ueira .o asp ec to estilfstic o ta mb em te rn su a im p ortan cia n esta te oria d acria~o . N otam os q ue a m oca "co meco u a can taro lar a t oa ". C o n se gu iuc ri ar u m a f rase su blim e q uan do p arec ia n ilo d ar a m en or im p ortan cia aoque cantav a. A B m ensagens profundas sao co municad as po r m eio d ee xp re ss o es j oc o sa s e b an ai s.

    A i de la d e " ca nt ar ol ar a toa" e fundamental a c om pr ee ns ao d o e st il od e M achad o d e A ssis em sua fase m adura, C om o assinala J. Mattosoc am a ra (8 1-9 4), ta nt o DOS c on to s C Om o n os ro m an ce s, 0 d is cu rs o t en d ea s er l iv re , e sp on ta ne o, c he io das d iv a ga ~5 es e d is fl ue nc ia s q u e c ar ac te ri -za m a c om un ic aeiio o ra l, C he ga a te a se r u rn "c an tar d esa fin ad o" o u u rnestilo "co m o s .6 brio s", co mo d iz 0 n arra do r B ra s C ub as (1 :5 83 ). Osn ar ra d or es f re qi ie nt em e n te m e n os pr ez am s ua p ro p ri a expressao. QuandoB en to San tiago , po r ex em plo , fala d e seu "escru pulo [ ... J d e e sc r ev e rum a ideia , nao a hav endo m ais banal na terra" (1:875). ele cria ain dao ut ra b an ali da de , p ais e triv ia l a po ntar a p r6 pria triv ia lid ad e. M as e stab an alid ad e o u fa lta d e g rav id ad e n o e stilo p are ce te r u rn efeito c on trario- 0 de r es sa it ar 0 pad er expressiv e d e certas d eclaracd es, A "id eiabanal" d e San tiago , po r exem plo , 6 qu e "u rn d os o ffcio s d o ho mem efechar e ap ertar m uitas v ezes o s o lho s av er se co ntinua pela no ite v elhao SOMa truncado da n o it e m o c a" ( 1: 87 6 ). 0 pensamento, qu e resum e o sg ra nd es p ro blem as ex isten cia is d o h om em ao m esm o te mp o q ue e xa min a

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    u ma d as p rin cip als m an eira s d e c om ba te r 0 problema, e su blim e e D aoba n a t B IS tanto m en os b an al p or h av er sido c ar ac te ri za d o c om o tal.

    A c an tig a d e e sp on sa is , e nts o, n ao e 0 canto esponsalfcio d e m e st reR oIn io . C om o su gere 0p ro pr io ti tu lo d o c on to , e u m a c om p os ic ao m e no sg rav e e m en os academica, E o "cantarolar A t oa " d e u m a m o ca c as ad in ha ,um a frase justa e pro fu nd a enco ntrad a ao acaso , sem ser d iretam entep ro cu ra da . A o m esm o tem po a ca ntig a d e e sp on sa is ISu ma d efin ic fio d at eo ria m a ch ad ia na d e c ria ci io , c he ga nd o a d es cr ev er a sp ec to s i m po rta nt esd e s eu p ro je to a rt fs tic o, E ta mb em a p ro pria "C an tig a d e esp on sa is",d efin i~ o e ste tic a d o c on to , d en tro d o p ro prio c on to .o p ad ra o a qu i id en tific ad o, e m q ue o s re su lta do s sa o o btid os 5 6 d eesg uelh a, nao p od eria ser cham ad o um a lei se aparecesse un icam en ten esse c on to . V erific am o s, p orem , q ue su a a plic a~ o 6 m uito m ais g eral,

    A inda d en tro d a ternatica da cria~o artfstica, a m esrna regrafun cio na n o co nto "U rn h om em celebre". 0 pro tago nista , P estan a, ficace le bre p or su as p olc as, a s q ua is co m po e e sp on ta ne am en te , se rn lh es d arim p ort an ci a. P ore m , e m s eu v erd ad ei ro d es ej o, 0d e c om p or m d sic a m aisse ri a, p erm a ne ce f ru st ra do . E m " Urn e rr ad io ", E li sa ri o d em o ns tr a g ra nd eta le nt o p oe ti co d ur an te o s ja nta re s , o s b ail es , e o s e nc on tro s c om a m ig os .M as q uan do e o bri ga do a e sc re ve r a lg o p ara s er p ub lic ad o , e xt in gu e-s ea vocacao poetics.

    A lei d a hom eopatia v ai alem dos assuntos esteticos, chegand o are fe rir-se a os a ne lo s, a os e sfo rc os e a s rea liz ac oe s d e u rn m o do g era l. 0c on to "0 e nfe rm eiro " m o stra c om o o s re su ltad os p od em ser c on tra rie s A sa~5es que as ocasio nam . P roc6pio , enferm eiro d e urn velho doenteabu siv o e antip atico , ch ega a assassina-lo , perd end o 0 co ntro le ee sg an ad o-o d ep ois d e ser a gre did o p elo p ac ie nte, U m a se man a d ep ois, enom eado herd eiro universal d o defunto . Em "G aleria postum a",Benjam im acaba sendo consid erado um a pessoa fechad a, ri'g id a ea ntip atic a p elo s a mig os d e se u tio . 0 q ue d ete rm in a e sta o pin iiio e d e fa tou m a to d e c arid ad e. B en jam im n ao lh es p erm ite le r u m a serie d e' r etrato sesc rito s, e nc dn trad os en tre o s p ap eis d o tio m o rto , p orq ue o s retra to s n aol he s ao f av o ra v ei s,

    Q uando os con tos tratam d e assun to s de arnor, a m esm a regra dec on tra ried ad e v ig ora. E m "C on fisso es d e u ma v iu va m o ca ", E rn flio fa za s c ort es a u m a s en ho ra c as ad a, Q u an te m a is re sis te nc ia e la o fe re ce , m a isa ssfd uo e le se to rn a. A o m o rre r 0 m a rid o , a v iu va m o str a s ua d is po ni bil i-d ad e a o ra pa z, E ste , p ore m, ja n ao se in te re ssa m ais. E m "M aria C ora ",u rn p reten de nte to rn a m ed id as h ero ic as p ara c on se gu ir 0 am or de um a

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    m u lh er se pa ra da d e se u m arid o. T en do -se a ssse gu ra do q ue 0 e st ad o c iv i lda mulhe r is um im ped im en ta abso lu to p ara q ue ela se v eja aberta a seuam ort e que ela n ia guarda nenh um carinh o pelo m arid o infiel ele Bea lis ta n o. e x erc it o fe de ra l n o R io G ra nd e d o S ui. e nc on tra 0ma ri do e nt rea s tro pa s reb el d es n a g ue rra c iv il e 0 m ata e m c om b ate. V olta nd o a lg umtempo d ep ois a sua amada, d esc ob re -a d e lu to . M a ria C ora th e d ec la raq ue jam ais p od eria a ma r 0 b om em q ue m ato u seu m arid o.

    N o co nto "L in ha reta e Iinh a curv a", T ito se ap aix on a po r E milia ,m as esta the e M tio p ou ca aten fJiio qu e n em 0 reco nhece q uan do seen co ntram o utra v ez d ep ois d e a lg un s a no s, N a p re se nca d ela e d e o utro sa mig os, T ito d ec la ra q ue j4 p erd eu a c ap ac id ad e d e am ar , A m oca achaof ens iva tal afirm a~o e reso lve ensinar-lhe um a li~o , fazendo -oen am orar-se d ela e en tao Iancand o-lh e em ro sto sua d eclara~o aud az,Emflia acaba apaixonada por ele, e e le p e nn an e ce insensfvel. Porem,quando a amor dela e revelado por acidente, declara se u amor, e propoecasam ento . Q uando ped em um a explicacilo de seu co mpo rtam entoinco nsisten te, T ita d iz q ue "nio tend o alcancad o nad a cam in han do emIinha retas, pro curo u v er se alca nc av a a caminho po r l in h a c ur va . A svezes 60 caminho mais curto" (2:151).

    E is urn bom resum o d este aspecto d o m undo m achad iano , em quea c on ce nt ra ca o d ire ta d o s e sfo rc os v al e m e no s q ue a a pro xi m ac do o blf qu a.P ara q ue m d is ser q ue e sta ~ o utra m an ifesta fJiio d o p essim is mo d o a uto r,p od e-s e re sp on de r q ue , p el o c on tra rio , a visao ch eg a a ser a M o t im ista e mc ert o s en ti do . T al consciencia do m und o po de co rresponder a um a cum- cu ra h om eo pa tic a - d o e xc essiv o sim plis mo p ositiv ista, d o h um an ism oq ue e m su a v isa o e xa ge ra da da c ap ac id ad e h um an a ch eg a a se r A s vezesmenos que hum ana. A fin al , a fo rm ula~o m ach ad ian a d este p arad oxoh um an e .n io ~ ta o d ista nte d e o utra d ec la rac do em qu e nao ha nada dep essim ism o : "Q ue m ac har su a v id a p erd e-le -a: e q ue m p erd er a su a vida[ . . . J acha-la-a" (Mat. 10:39). .

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    v .;_A L EI D AS D UA S C AB E

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    D csta an alise, N o m u nd o d e M a ch ad o, 0 s uje it o t en d e d t nd ec is ao e adllvida, porque m ulta s v ez es a r ea ll da de lh e oferece hipoteses mutuamen tee x cl u sl va s , mas l gua lmen te conv inc en t es . A s v ez es 0 "su jeito " a q ue m er e fi r o ISpe r sonagem, A s vezes 60 le ito r, e ~ v ezes os d ois.

    D e no m in ar ei c om o a " le i d as du as c ab e ca s" este p a d r i io , f az e ndor ef er en ci a a o r om a n ce Esad e Jaw (1 : 1 . 07 1-7 2) . C ert a v ez A ir es v is it aFlora, e esta lhe mostra varies desenhos seus, A ire s d esc ob re o utrotrab alh o q ue F lo ra n ao q ue ria lh e m o stra r, u m re tra to d up le , d os ro sto sd e P ed ro e Paulo. "Dua s c a be c as " qu e 6 0 t it ul o d o capftu lo , r e fe r e- s e aodesenho , 1 I. p re se nc a o bje tiv a d o s r ap az es n a a tr ay ao c on tr ad it or ia , c om otam bem k situ a9io m en tal e em ocio nal da m u lh er, I gu al m en te a tra fd apelo s do is hom ens, F lo ra possu i (po r gro tesca que a im agem po ssap ar ec er ) " d ua s c ab e ca s" .

    A qu i as o py oes apresentad as sao p esso as. Po rem , g eralm en te emM ach ad o as atra3 es sao id eias e p od em ser av aliad as, teo ricam en te,c om o fa lsa s o u v erd ad eiras, P od em o s u sar 0 te rm o " am b ig iii da de " p ar areferir-nos a su ge stso d e d ua s o u m a is id eia s, m u tu am en te e xclu siv as,m as cujo a po io p el a i nf or m ae do d is po n fv e l p ar ec e s er igual ( R immon 10 -1 7 ). U s ar no s 0 t erm o " am b iv al en ci a" p ar a d en om i na r a re ay ao d u vi do sao u in de cisa d o su je ito d ia nte d e u rn fe no m en o a mb fg uo .

    Certas construcfies reflexiv as d em ons tram , d e m aneira bemc om p ac ta , 0 mecan i smo da ambigiiidade. Uma frase como "Mar ia e Rosase olharam" e ambtgua, pois ha duas possfveis "leituras": 1) qu e elas seolharam mutuamen te ; ou 2) quecada um a olhou para si ( ta lv ez n oe sp elh o), se m o lh ar a o utra . As du a s i n te rp r et a co e s s a o exclus ivas; na oexiste a~ o qu e" co mbin e o s d o is s en ti do s. A in fo nn a 8o d ad a na ofavorece nenhuma da s hip6teses em pa rt ic u la r. P o rt an t o, a amb iv a le n ci aqu an to ao sign ificad o d a frase e um a reayao apro priada po r parte doobservador .o exemplo d ev e m o stra r cla ra m en te , ta mb em , q ue a a mb ig ilid ad edepende da escassez de dad os - d a vagu id ad e, Seria facil "reso lv er" aambigf i idade da frase, ad icio nand o alg uns d etalhes co ntex tuais. Av ag uid ad e em si na o e am b ig ii id a de , c om o 0 concei to esta d e fi ni d o a q ui .A e xp re ss ao v ag a se c ara cte riz a p ela fa lta d e p on t o s d e re fe re nc ia , U m afrase c omo w E seu" e b ern v ag a e a s p os sf ve is re fe re nt es s a o i nf in it o s. Aa mb ig flid ad e te rn , d e c erta fo rm a, ex cesso d e p on to s d e re fe re nc ia . N ocase da frase so bre M aria e R osa, po r exem plo , existem apenas do isr ef e re n te s , P o r em creio q ue a v ag ui da de s em p re a co m pa nh a a s e xp re ss oe s

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    am b ig ua s; se mp re e sta n a v iz in ha nc a, p orq ue a mb ig ilid ad e d ep en de d af al ta d e c o nt ex te .o padrfio id en titic ad o n os ro m an ce s d e M a ch ad o d e A ssi s n ao d eix ad e te e i m po rtk ncia n os c on to s. N o cap itu lo 1 0, v ere mo s q ue u ma p arte d oconto " A c h in el a t ur ca ", a a v en tu ra f an ta st ic a d o p ro t ag o ni st a, e ambfguae m su a o nto lo gia . au e sonho , ou leitu ra em que a participa~o daimagina

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    ! ,

    a o a fi rm a r q u e 0 0 trata d e "a lv ora da s e r6 tic as" e "so nh os e qu tv oc os d o. " . . "ineceu que giram e m to m o u m a o o utro , p ro vo ca m-se , e nv olv em -se ,a fa st am -s e" e " na o c he ga m a a tra ve ss ar a s f ro nt ei ra s da r ev e la ca o " ( 25 -2 6). U m a a tm o sfe ra m iste rio sa 6 es ta be le cid a d esd e a p rim eira fra se d orelate , em que 0 a arra dc r-p ro teg on ista N og ue ira d iz, "N un es p ud ee nten de r a c on ve rsac ao q ue tiv e c om u ma sen ho ra, hli a no s, co ntav a e ud ezessete, ela trinta" (2 :60 5). 0 am biente d a o bra refo rca a atm osferad uv id osa , p orq ue to da a a ~o Be p assa n as tre va s d e q ua se m eia -n oite , AIin gu ag em d a c on versa cd o e m si n ao 6 a mb ig ua , p ois c on siste n aq ue lasb an alid ad es q ue d ua s p esso as n ao m u ito I ntim as e mp re ga m p ara m a nte rurn d ialo go , 0 q ue 6 en igm atico 6 0 contexte ci a conversa, 0 m o tiv o p ortrlis d ela , P or q ue a D ona C on cei~ o se to rn a tao lo qu az bern tard e nu rn an oite d e N atal? A v ag uid ad e te rn g ra nd e papel no co nto , p ais o s m otiv osn un ea m en cio na m ex plic ita m en te , N o e nta nto , 0 leiter na o deb ts d ef or m ul ar a h ip ot es e d e q ue C o nc ei ed o q ue r s ed u zi r Nogueira . Esta parecese r a~esma ideia qu e persegue Nog ue ir a d u ra nt e a entrevis la . Porem, nod ec orre r d o e nc on tro , v aria s a ~5 es ep al av ra s d eb il it am e c on tra di ze messa : hip6 tese, causando ' a fo rm ulacdo d e um a segunda, a d e queC o nc ei ~o e stl i a pe na s p as sa nd o 0 tem po , ten tan do ser s im patica o ud im in uir su a so lid ao . A s d dv id as d e N og ue ira sa o ta m be m se ntid as p elole i to r .

    A h ip 6te se d e q ue Conceicao que r r ea li za r u rn e nc on tr o r om a nt ic ose apoia em varies p onto s d e evidencia, 0 narrad or n os in fo rm a q ue 0escriv ao M en eses, m arid o d e C on ceicso , d orm e co m o utra m ulh er um av ez po r sem ana.' "C on cei~ o p ad ecera, a p rin cfp io , co m a ex isten cia d ac om b orca : m as, a fin al, re sig na ra -se , a co stu m ara -se , e a cab ou a eh an doq ue era m u ito d ire ito " (2 :6 06 ). S e a d on a da casa v iv e to do s as d ias co ma id eia d a in fi de li da de d o e sp os o, e r az oa ve l q ue e la c on si de re a gir d es sam an eira . T alv ez e ste ja d e a co rd o co m 0p ro ce di m en to d o m a rid o p o rq uee la t am b em s e c om p orts (o u d ese ja c om p or ta r- se ) a ss im ,o m om en to p ar ec e p ro p fc io p ar a tal e nc o nt ro am o ro s o. 0estudanteN o g ue ir a e sp e ra ameia-noite, para ir A m issa do galo com urn am igo . 0

    m arid o estli co m o utra m ulher: "Tinha tres ch av es a po rta: um a estav aco m 0 escriv ao , [N og ueira} lev aria o utra , a terceira ficav a em casa"( 2: 60 6). A m a e d a d on a da casa, q ue m ora co m ela, esta d on nin do .o m od o d e v estir d a m ulh er su gere um d esejo d e m aier in tim id ad eco m 0 rapaz, Esta d e "ro up ao b ra nc o, m al a pa nh ad o n a c in tu ra " (2 :6 07 ).A s m angas d esabo to ad as pennitem a N ogueira v er-lhe "m etade d osb ra ce s, m u ito c la ro s, e m en os m a gro s d o q ue se p od eria su per" (2 :6 08 ).

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    o r ou p ao d e ix a 0 r ap a z d is ti ng u ir , " a f ur ta , 0 b ic o d a s c h in el as " ( 2: 60 9 ).D eve ser pouca com um este traje na presence d e N ogueira, po is eleafirm a "n aq ue le m o m en to [ ... ] a im p re ssso q ue tiv e fo i g ran de " (2 :6 08 )., .Embor a 0 corpo da m u lh er e ste ja b em c ob erto , 0 usa de roupa m arsin tim a c ha ma a Ilten~o d o e stu da nte p ara se u c orp o. R ep etid as v ez es e ms ua n arra

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    a dd ltera s, ela te m o utro s m o tiv es p or n ao q uere r c ha mar a ate n~ o d e su amie.~, .

    :,Niio hit ddvida de qu e 0 efeito de tudo isto IS N o gu ei ra fi ca re fetiv am ea te sed uzid o, p elo m en os n a im ag in ay ao : "e la , q ue era ap en assim plitica , fico u lin da , fico u lin dfssim a" (2 :6 10 ). P ore m, 0 possfvelenco ntro nao v ai m ais lo nge, Segun do Jo hn N ist, tS p o rq u e N o g ue ir a eing~nuo e nao percebe os sinais da m ulher (16-17). M as a m eu verN o gu ei ra p erm a ne ce c on fu se p orq ue o s s ln ais e m s i sl io c on tra di tc rio s.A B evidencias da a p rox i rn a ya o amorosa da m u lh er s lio mitigadas po ro utro s fato re s q ue p are cem d esd iz er a p rim eira b ip 6te se, ta nto p ara 0p ro ta go ni sta , c om o p ar a 0 leitor.

    E nquanto espera a m eia-no ite , N ogu eira la u ma o bra altam en teromJintica, O s I r e s mosque te lros . S eg un do D irc e C o rt es R ie de l (1 04 -0 5) ,e ste d et al he i nt ert ex tu al c ri a u m a h om o lo gi a d up la e ntr e 0 l iv ro d e D uma se 0 co nto d e M achad o: um a e p os it iv a, p oi s a m e nta lid ad e d e N o gu eirae sta t ao c he ia d e s en sib il id ad e c om o 0 ro m an ce q ue Ii;a o u tr a e negativae iro nica , p orq ue N og ueira n ao re aliz a av en tu ra n en bu ma . N otam o s q ueN ogu eira esta d esco nfiad o d e su a p r6pria natu reza ro man tica, e d e suate nd en cia d e c ri ar f an ta sia s. R ev el a q ue " es ta va c om p le ta m en te e brio d eD um as", quand o C onceicao entro u na sala , Sua prim eira im pressao d amulhe r e que "tin ha u mar d e v isao ro mJintica, nao d isparatad a co m 0meu l iv r o d e a v en t ur as "( 2 :6 07 ).

    Como ja Be vlu, a co nv ers a d a mulher esta l iv re d e p ro va s concretasda in te ny ao d e sed uz ir, D ev em o s ad m itir a p ossib ilid ad e d e q ue 0 receiode pe r tu r ba r 0 s on o le ve da m a e seja v erd ad ei ro m o tiv o p ara e la q ue re rfa la r b aix o, o u a te p or estar n erv osa. 0 la de m ais cu id ad oso d e N og ue irad ev e a ch ar q ue C o nc ei ca o e S t a se m ostrand o um po uco m ais am ig av el d oqu e 0 n orm al, ta lv ez po r cau sa da n oite d e N ata l. D ev e p erg un ta r-seta m be m s e n ao . e st ar ia q ue re nd o u rn p ou co d e c om p an hi a d esi nt er es sa da ,C o m o ja .d is se m os , o s a ss un to s d a p ale stra p od em t er s id o c alc ul ad o s p ar acriar u ma atm osfera d e in tim id ad e e suscetib ilid ad e. Po r o utro lad o,alguns assuntos pod em parecer irnpr6prio s se a inten~o dela fosserealm ente a de sed uz i r . S eria u m t an to i nc o ng ru o , p or ex em p lo , fa la r"

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    ) . ' t. ,; ;'

    VI - A LEI DOS FSCRAVOS:"A CAUSA SECRETA"

    A p ri m ei ra v is ta , " A'c au sa s ec re ta " (Vdrias his/arias, 1986) p a re c eser produto tfp ico de fim de seculo , R etrato grafico d e urn caso dec om p ort am e nto s or did o e a be rra nte , 0 relate