divulgando a física pela internet: relato de uma experiência

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9 Física na Escola, v. 1, n. 1, 2000 N em bem a rede mundial de computadores (WWW) che- gou ao Brasil e nossos depar- tamentos de física já estavam crian- do e lançando suas páginas (home pages). O objetivo dessas páginas, na- turalmente, era divulgar o trabalho de cada departamento e fornecer in- formações sobre os cursos oferecidos, além de um ou outro serviço extra. Alguns professores ou funcionários assumiram cargos de gerenciador (webmaster), acumulando tarefas de programador de HTML, designer, gerente de servi- dor, enfim, tudo que fos- se necessário para man- ter a página no ciberes- paço. Como era de se esperar, a qua- lidade dessas páginas, tanto técnica quanto artística, varria um espectro que ia do aceitável ao lamentável. Eu mesmo fui um desses desbravadores, no início de 1997, armado com um tutorial de HTML ‘puxado’ do site da PUC e alguns “gifs” que mostravam bobagens como envelopes engolindo cartas e um pedreiro movendo terra com uma pá. Não demorou muito para que eu descobrisse, usando um programinha CGI de contagens de acesso, que ninguém estava lendo nossa página. Nem mesmo meus colegas de departamento. Creio que esse tipo de constatação deve ter atingido, simultaneamente, muitos de meus companheiros webmasters no resto do Brasil, pois boa parte das páginas de departamento deixaram de ser atualizadas desde 1998. Se ninguém lê o que a gente escreve, para que escrever? Na esperança de manter os sinais vitais de nossa página resolvi, no fi- nal de 1997, promover uma mudança radical no estilo, no enfoque e no vi- sual do projeto todo 1 . Mantive os ser- viços já existentes, mas deixei-os agrupados em um conjunto de links laterais 2 . Todo o resto da página pas- sou a dirigir-se a um hipotético pú- blico composto de professores e alu- nos de física, principalmente do ensino médio. Várias seções foram criadas na tentativa de atrair e captu- rar a atenção desse público [veja Quadro 1]. O objetivo principal era criar uma página, em português, acessível e agra- dável aos nossos colegas e alunos do secundário. Outra estratégia foi mu- dar radicalmente as palavras-chave no cabeçalho da página com o objetivo de desviar para nosso lado os meca- nismos de busca da rede. Desse modo, algum estudante procurando por “Fei- ras de Ciências”, por exemplo, no Cadê ou no RadarUol, deveria ser apontado para nosso endereço na WWW. Pouco a pouco, fui verificando que essas táticas estavam funcionan- do razoavelmente. Meu contador de acesso passou a exibir números me- nos constrangedores, embora ainda baixos, no início. Outras providências foram tomadas na busca de divulgar a página. Enviei correspondência ele- trônica a todos os colégios do Brasil cujo endereço pude conseguir. Até hoje nenhum me respondeu. Solicitei algu- ma recomendação dos redatores das José Evangelista Moreira Departamento de Física da UFC e-mail: [email protected] A Internet possui um vasto potencial para divulgar ciência, mas, como veremos neste arti- go, é necessário mais do que ‘um computador à mão e uma idéia na cabeça’ para conseguir- mos atrair a atenção do público para o que dese- jamos mostrar. Descobri, usando um programinha CGI de contagens de acesso, que ninguém estava lendo nossa página... nem mesmo meus colegas de departamento... Divulgando a Física na Internet

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9Física na Escola, v. 1, n. 1, 2000

Nem bem a rede mundial decomputadores (WWW) che-gou ao Brasil e nossos depar-

tamentos de física já estavam crian-do e lançando suas páginas (homepages). O objetivo dessas páginas, na-turalmente, era divulgar o trabalhode cada departamento e fornecer in-formações sobre os cursos oferecidos,além de um ou outro serviço extra.Alguns professores ou funcionáriosassumiram cargos degerenciador (webmaster),acumulando tarefas deprogramador de HTML,designer, gerente de servi-dor, enfim, tudo que fos-se necessário para man-ter a página no ciberes-paço. Como era de se esperar, a qua-lidade dessas páginas, tanto técnicaquanto artística, varria um espectroque ia do aceitável ao lamentável. Eumesmo fui um desses desbravadores,no início de 1997, armado com umtutorial de HTML ‘puxado’ do site daPUC e alguns “gifs” que mostravambobagens como envelopes engolindocartas e um pedreiro movendo terracom uma pá. Não demorou muitopara que eu descobrisse, usando umprograminha CGI de contagens deacesso, que ninguém estava lendonossa página. Nem mesmo meuscolegas de departamento. Creio queesse tipo de constatação deve teratingido, simultaneamente, muitos demeus companheiros webmasters noresto do Brasil, pois boa parte daspáginas de departamento deixaram deser atualizadas desde 1998. Seninguém lê o que a gente escreve, paraque escrever?

Na esperança de manter os sinaisvitais de nossa página resolvi, no fi-nal de 1997, promover uma mudançaradical no estilo, no enfoque e no vi-sual do projeto todo1. Mantive os ser-viços já existentes, mas deixei-osagrupados em um conjunto de linkslaterais2. Todo o resto da página pas-sou a dirigir-se a um hipotético pú-blico composto de professores e alu-nos de física, principalmente do ensino

médio. Váriasseções foramcriadas natentativa deatrair e captu-rar a atençãodesse público[veja Quadro

1]. O objetivo principal era criar umapágina, em português, acessível e agra-dável aos nossos colegas e alunos dosecundário. Outra estratégia foi mu-dar radicalmente as palavras-chaveno cabeçalho da página com o objetivode desviar para nosso lado os meca-nismos de busca da rede. Desse modo,algum estudante procurando por “Fei-ras de Ciências”, por exemplo, no Cadêou no RadarUol, deveria ser apontadopara nosso endereço na WWW.

Pouco a pouco, fui verificandoque essas táticas estavam funcionan-do razoavelmente. Meu contador deacesso passou a exibir números me-nos constrangedores, embora aindabaixos, no início. Outras providênciasforam tomadas na busca de divulgara página. Enviei correspondência ele-trônica a todos os colégios do Brasilcujo endereço pude conseguir. Até hojenenhum me respondeu. Solicitei algu-ma recomendação dos redatores das

José Evangelista MoreiraDepartamento de Física da UFCe-mail: [email protected]

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A Internet possui um vasto potencial paradivulgar ciência, mas, como veremos neste arti-go, é necessário mais do que ‘um computadorà mão e uma idéia na cabeça’ para conseguir-mos atrair a atenção do público para o que dese-jamos mostrar.

Descobri, usando umprograminha CGI de

contagens de acesso, queninguém estava lendo nossapágina... nem mesmo meuscolegas de departamento...

Divulgando a Física na Internet

10 Física na Escola, v. 1, n. 1, 2000

seções sobre Internet em várias revis-tas nacionais. Ninguém me atendeu.Só recentemente fomos elogiados emnota da Galileu, revista de divulgaçãocientífica da Editora Globo. Tal friezana receptividade da mídia pode serfrustrante, mas através de artigoslidos na Physics Teacher, na PhysicsToday3 e outras semelhantes, constateique, mesmo nos países ricos, a tarefade divulgar uma ciência como a física,considerada árida e tediosa por noveentre dez cibernautas (ou mais), nãoé trivial.

No segundo semestre de 1998,detectei um razoável aumento no nú-mero de acessos como mostra a Figu-ra 1. Pelo teor das cartas eletrônicasrecebidas na época, deu para descon-fiar que esse aumento se devia, emparte, à chegada da safra de feiras deciências nos colégios brasileiros. Emresposta a esses sinais, o número deexperiências su-geridas foi am-pliado, incre-mentando algu-mas que pare-ciam fazer su-cesso. No anoseguinte, o nú-mero de acessoscontinuou acrescer lentamente até atingir, no se-gundo semestre, uma média em tornode 300 acessos por dia. Esse númerocai durante as férias e atinge valoresmáximos em meados do segundo se-mestre. De lá para cá, essa média temse mantido, indicando uma possívelsaturação.

Como fazer para aumentar nos-

so público? Alguns colegas sugeriramcriar uma versão em inglês. É umaboa sugestão mas, com o tamanhoatual do projeto, implicaria em umtrabalho volumoso. Outra possibili-dade seria oferecer serviços de maiorimpacto nos colégios. Poderia ser cria-do, por exemplo, um serviço de ajudaa candidatos ao vestibular ou olim-píadas de física. Apesar de recear ofe-recer esses serviços sem a indispen-sável colaboração de meus atarefadoscolegas, fiz um teste disponibilizandouma ficha de inscrição a ser preen-chida e submetida por professores defísica do ensino médio que estivessempreparando esses candidatos. O mo-delo de ficha ficou disponível durantealguns meses na página mas, lamen-tavelmente, o número de inscriçõesrecebidas foi pífio. Estamos tentandoentender a razão desse inesperado fra-casso e pretendemos reformular o

projeto todo, logo queesse entendimento foralcançado (se for). Éclaro que temos expli-cações-tentativas paraesse fenômeno, todasbaseadas na fragilidadede nosso ensino secun-dário, mas nenhumapode ser considerada

como uma reflexão apurada dos fa-tos.

Valeu a pena o esforço de criar emanter essa página? Valeu, a julgarpelo entusiasmo manifestado emmuitas cartas eletrônicas que recebo(veja Quadro 2). O teor dessa corres-pondência fornece boas pistas sobrenosso público. Pouca gente escreve

para criticar negativamente: quemnão gosta não perde tempo em de-mostrar isso. Muitos estudantes es-crevem pedindo ajuda em tarefasescolares. Normalmente, recusamosdar esse tipo de ajuda, mas indicamosalgum bom livro-texto. Alguns cor-respondentes dão sugestões valiosase outros fazem comentários sobre al-gum ponto específico da página. Co-mo nosso objetivo principal édivulgar a física (não pretendemosensinar, isso se faz na sala de aula),temos obtido algum sucesso e, certa-mente, adquirimos alguma experiên-cia nesse mister. Pessoalmente, apren-di a regra de ouro: nunca subestimesua audiência. Pode contar que semprehá alguém bastante interessado e

Quadro 1. Seções permanentes.

Sugestões para Feiras de Ciências

Sugestões de projetos que envolvam,de preferência, material simples e fácilde ser obtido. Descreve-se o projeto,faz-se uma rápida análise do conteúdofísico e dá-se algumas dicas de comoapresentar o projeto.

Tintim por Tintim

Conceitos de física apresentados,tanto quanto possível, sem utilizarmuita matemática e jargão técnico.

Eis a Questão

Questões e problemas interessantescom respostas comentadas.

Seções Especiais

Onde são abordados temas maisamplos de física e tecnologia. Além deum tratamento relativamente detalha-do do tema, procura-se salientar aspec-tos históricos e humanos relacionadosao tema.

O Grilo

Seção de variedades que surgiu apartir de um jornalzinho informativoda Biblioteca Setorial. Curiosamente, éuma das seções mais festejadas da pá-gina.

Olimpíadas de Física

Notícias sobre Olimpíadas locais,nacionais e internacionais. Textos deprovas, algumas com soluções.

Figura 1. Média mensal do número de acessos diários.

Nunca subestime suaaudiência. Pode contar quesempre há alguém bastanteinteressado e perspicaz paraler com cuidado e atenção o

que você escreve. E parareclamar se você escrever

alguma besteira...

Divulgando a Física na Internet

11Física na Escola, v. 1, n. 1, 2000

Achei esta página fan-tás-ti-ca. Aindanão deu tempo de ver todas as experiên-cias, mas salvei o endereço em favoritose pretendo navegar por todas, imprimi-las e mostrar aos meus alunos que sãoestudantes de rede pública, não com-pram livros que contenham essas infor-mações e nem têm Internet. Portanto,tudo o que eu acho de interessante, comoé o caso desta, levo pra que eles saiamdo lugar comum e tenham novas infor-mações científicas e divertidas. Obrigada.Marilise Stival - Curitiba - PR

Enfim, eu encontrei um site de físicaque agrada estudantes secundaristas,universitários, graduandos em física,professores, pesquisadores e curiosos. Osite é super dinâmico e muito bem feito.Adorei o simulador de raios catódicos eas experiências. Sou aluno do curso defísica da Universidade Federal do E.S eestou muito satisfeito com o trabalhode vocês, espero por outras novidades.Alexsandro F. Fuzari - Cariacica - ES

Quero parabenizá-los pela iniciativa decriação de uma página que realmente sejade utilidade pública. Sou professor de fí-sica de 2º grau, estamos promovendo umafeira de ciências e, com certeza, esta páginanos ajudou muito. Em nossas bancadasde trabalho vamos por um agradecimentoespecial à UFC. Mandarei fotos.Valden Rocha - Rio Branco - AC

Adorei a página. Muito instrutiva e

professor e ao aluno uma forma muitofácil de reproduzir um experimento. Oaluno também tem a oportunidade dese aprofundar no assunto em outraspartes do site. Adorei as novidades. Járeproduzi várias e todas foram muitodivertidas e até usarei em minhas aulasde física no colégio em que trabalho noRio de Janeiro, Colégio Santo Inácio. As-sim que puder mandarei algumas novi-dades para vocês. Parabéns a todos.Sérgio T. da Silva - Rio de janeiro - RJ

Gostaria de elogiar toda a página,realmente um trabalho muito bonito.Gostaria de dizer que as questões pro-postas, além de não serem triviais, sãomuito interessantes, o que faz quem nãogosta de física ver como ela é maravi-lhosa e quem, como eu, já gostava, per-ceber que ela é ilimitada como o própriouniverso.René F. de Mendonça Filho - Salvador - BA

Sou bióloga e gosto muito de ficarinteirada com outras disciplinas que meajudem a não ficar na mesmice dos meusconteúdos, quando de repente... encon-tro vocês! Estou encantada, estão de pa-rabéns!!! Tenho em particular um modode analisar as coisas que poderia definircomo: difícil é fazer fácil. Mostrar paraos meus alunos que as coisas não sãotão complicadas, ou melhor, que podemser desmistificadas. Este site está me dan-do mil idéias.Lorena Santos - Natal - RN

Quadro 2. Cartas de fãs (seguindo Álvaro Moreyra, “as amargas, não”).

perspicaz para ler com cuidado e aten-ção o que você escreve. E para recla-mar se você escrever alguma besteira.O que é muito bom, pois, com essetipo de ajuda, você aperfeiçoa seuestilo e aprende a evitar falhas comunsna preparação de textos para um pú-blico tão diversificado.

divertida, o que nos faz ficar horas a fiolendo, fazendo os testes, as experiências,com muito prazer e, o que é melhor ain-da, aprendendo. Continuem assim, é bomnos “iludir” mais com esses ensinamentosda óptica. Um grande abraço.João Batista - São Paulo - SP

Sou professor de física para o ensinomédio e fundamental em Porto Alegre.Gostaria de ter permissão para poder co-piar os textos sobre a eletricidade naatmosfera e poder distribuir para os meusalunos. Isto é possível? Se for possível, ounão, favor enviar resposta ainda nestasemana. Um abraço.Luiz Carlos Gomes - Porto Alegre - RS

Faz algum tempo estava à procura deum endereço na Internet que falasse defísica e que fosse realmente interessante,não somente mostrando o lugar comum,mas inovando, fazendo-nos sentir aquele“ar de criatividade” naquilo que lemos.Parabéns, vocês têm uma excelente páginae que eu pretendo divulgar e visitar muitase muitas vezes. Sou professor de física noColégio Etapa e faço parte da equipe detreinadores para os alunos de olimpíadade física, prometo enviar em breve algu-ma humilde sugestão que possa ajudar atornar esta página cada vez melhor (vaiser difícil eu realizar tal tarefa). Um abraço.Victor Roberto Reiss

Olá pessoal. Parabéns pela iniciativa dosite. A qualidade é incrível e possibilita ao

Por fim, meu conselho a quemestiver pensando em lançar algumacoisa desse tipo na Internet. Formeuma boa equipe, com vários talentos,gente que saiba escrever com clareza,bons ilustradores e bons programa-dores. Embora nosso tipo de públiconão seja muito exigente quanto à qua-

lidade visual da página,vale a pena tentar manterum mínimo de organiza-ção. Não encha sua páginade efeitos visuais inúteis,tipo animações em Java,sons desnecessários e figu-ras enormes que levam ho-ras para descarregar natela. O essencial é ter umcontexto rico e agradávelde ser lido, contendo o má-ximo possível de informa-

ções sobre ciência e tecnologia etentando esclarecer conceitos básicos.Sua página nunca vai ter tanto suces-so quanto uma página sobre os poké-mon mas se for bem aproveitada poralgum estudante do ensino médio jácompensou o trabalho.

Figura 2. Capa de Outubro/1999. Essa capa é renovadamensalmente.

Referências e Notas1. http://www. fisica.ufc.br.2. O leitor pode achar estranho o uso

da primeira pessoa do singular nesse relato.Não é falta de modéstia. É, simplesmente, aexpressão dos fatos. A página é, literalmente,trabalho de uma pessoa. Meus colegas estãopor demais ocupados produzindo artigos erelatórios ao CNPq e não têm tempo nemsequer de ler a página, quanto mais decolaborar com ela.

3. Communicating Physics to thePublic - Special Issue - Physics Today,Novembro de 1990, p. 23

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