diversidade territorial na área fronteiriça de mato grosso ... · para a diversidade econômica e...
TRANSCRIPT
Diversidade territorial na área fronteiriça de
Mato Grosso e Bolívia1
Tereza Cristina Cardoso de Souza Higa2
Introdução
A zona de fronteira entre o estado de Mato Grosso-Brasil e o Departamento de
Santa Cruz-Bolívia é considerada, neste trabalho, como a extensão de terras de
aproximadamente 300 km de largura, tendo por eixo a linha limítrofe que separa o
território brasileiro do boliviano, e delimita, para cada país, uma faixa de 150 km de
largura. Essa imensa área é marcada por expressiva diversidade de paisagens,
resultantes dos diferentes processos de ocupação e de busca de sustentação de suas
comunidades, que geraram estruturas produtivas com características específicas,
ditadas, de um lado, pela sua herança sociocultural e, do outro, pela lógica do
desenvolvimento capitalista que, de forma seletiva e desigual, tem permeado esse
espaço.
Nessa perspectiva, as especificidades produtivas locais e seus agentes produtores,
de natureza estatal ou privada, têm se articulado em complexas relações de poder e
força, definindo diferentes territorialidades. Especificamente, na zona de fronteira que
envolve Mato Grosso-Brasil e a Bolívia, essas diferenças de cunho territorial ganham
contornos especiais, evidenciando a distância econômica e de modelo organizacional de
Estado adotado pelos dois países vizinhos.
Essas condições e características foram constatadas na pesquisa que subsidiou o
presente trabalho, realizada nos anos de 2003 e 2004, ao longo da zona de fronteira em
foco. Na ocasião, foram feitas observações e levantados dados e informações
socioeconômicos e culturais que permitiram a análise sobre a diversidade territorial e as
condições de vida da população ali instalada.
Assim, resumidamente, os objetivos perseguidos nesta investigação foram:
levantar e analisar os principais aspectos que caracterizam a diversidade territorial na
zona de fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia; discutir os fatores que têm contribuído
para a diversidade econômica e social nesse espaço territorial; e apontar e discutir os
principais fatores relacionados à dinâmica populacional nessa mesma área.
1 Pesquisa financiada pelo CNPq. 2 Professora do Programa de Pós-graduação em Geografia – UFMT. Coordenadora do Grupo de Estudos Regionais Sul-Americanos – G-ERSA. Doutora em Geografia.
No território brasileiro, na área fronteiriça de Mato Grosso, foram considerados,
para este estudo, os municípios de Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda, e Vila
Bela da Santíssima Trindade, em cujas sedes municipais, juntamente com alguns
povoados foram feitas observações e levantados dados. Na Bolívia foram consideradas a
província de Angel Sandoval, que corresponde a uma única seção municipal com sede
na cidade fronteiriça de San Matias, e a província de Velasco, com suas três seções
municipais: San Ignácio de Velasco, San Miguel, e San Rafael.
Assim, embora os trabalhos, particularmente os realizados no território boliviano,
tenham se concentrado ao longo da rodovia que liga Cuiabá à cidade de Santa Cruz de
la Sierra foram percorridas, também, algumas estradas secundárias, e feitas incursões a
diversos povoados localizados nas proximidades do eixo rodoviário citado.
No transcorrer da pesquisa foram realizadas entrevistas e visitas a organismos do
governo, instituições religiosas, comerciais e a outras entidades de atuação na área da
fronteira entre os dois países. Além disso, foram efetuadas várias observações de cunho
econômico e sociocultural de singular importância para o processo de identificação e
caracterização dos antigos e novos territórios em formação na área focalizada.
Em razão da grande extensão da faixa territorial sob investigação, das dificuldades
de acesso à região e da diversidade econômica e cultural existente entre o Brasil e a
Bolívia, as análises aqui apresentadas precisam ser consideradas de forma diferenciada.
Para a área de fronteira brasileira, no estado de Mato Grosso, em virtude das maiores
facilidades de deslocamento decorrentes da existência de melhor infra-estrutura de
transportes, da maior disponibilidade de dados estatísticos e dos menores custos
operacionais no processo de deslocamento, puderam ser feitos levantamentos mais
completos e uniformes, o que possibilitou extrapolar com maior segurança os resultados
obtidos e as análises efetuadas.
Já na área da fronteira boliviana, devido às dificuldades de acesso, as observações
e entrevistas realizadas foram limitadas às áreas ao longo da rodovia Cuiabá- Santa
Cruz de la Sierra, e às cidades e comunidades situadas nas suas proximidades. Assim,
para a obtenção dos dados, as análises aqui apresentadas não podem ser extrapoladas
para toda a área da faixa de fronteira boliviana, particularmente a incidente na área da
Amazônia.
A área de fronteira
A linha limítrofe entre o Brasil e a Bolívia, com extensão total aproximada de
3.420 km, é resultado de vários acordos diplomáticos que ocorreram entre a segunda
metade do século XIX e meados do século XX. Assim, o processo completo de
definição das fronteiras entre os dois países, que levou à delimitação vigente, foi
estabelecido pelo Tratado de Amizade, Limites, Navegação e Extradição, de 1867; pelo
Tratado de Petrópolis, de 1903; pelo Tratado de Natal, de 1928; e pelas Notas
Reversais de Roboré, de 1958.
Especificamente, a linha limítrofe entre Mato Grosso e a Bolívia totaliza cerca de
730 km de extensão, dos quais quase 450 km, correspondentes ao trecho central da linha
divisória entre os dois países, são constituídos de linhas secas, e 280 km, distribuídos
nas duas extremidades da linha divisória, são delimitados por corpos d’água.
No lado mato-grossense, na condição de municípios lindeiros, ou seja, dispostos
especificamente ao longo da linha limítrofe, encontram-se: Cáceres, Porto Esperidião,
Vila Bela da Santíssima Trindade e Comodoro. No lado boliviano, o limite com Mato
Grosso se dá pelo Departamento de Santa Cruz, encontrando-se ao longo da linha
internacional a seção municipal única da Província de Angel Sandoval, e uma das três
seções municipais de Velasco, o município de San Ignácio de Velasco. Ressalta-se que
a pesquisa não cobriu toda a área dos municípios lindeiros, tampouco se restringiu a
eles, tendo sido incluídos outros, de ambos os lados, que não são lindeiros, mas que se
encontram nas respectivas faixas de fronteira.
O principal acesso rodoviário que conecta Mato Grosso à Bolívia se dá pela
rodovia Cuiabá-Santa Cruz de la Sierra, com percurso total de, aproximadamente, 1.000
km. Em território brasileiro, essa rodovia passa pela cidade de Cáceres, localizada a 200
km de Cuiabá, terminando 90 km depois, na região de Corixa, junto ao marco de divisa
internacional com a Bolívia, situado a 10 km da cidade de San Matias, capital da
província de Angel Sandoval.
Além dessa rodovia, duas outras de caráter oficial, embora secundárias, também
cortam a linha de fronteira. Uma sai da cidade de Porto Espiridião, situada nas
proximidades da fronteira, passando pelo povoado de Fortuna, ainda no Brasil, e
cortando a linha da divisa nas proximidades do povoado de San Vicente na Bolívia. A
outra via parte da cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, e chega a San Ignácio de
Velasco, capital da Província de Velasco.
De um modo geral, a linha limítrofe entre os dois países, particularmente o trecho
definido por linhas secas, está inserido em área de cerrado, predominantemente, com
árvores esparsas e tapete graminoso, onde facilmente são feitos caminhos alternativos
entre as pequenas comunidades locais e entre as sedes de fazendas próximas. A rigor,
esse tipo de vegetação se constitui em fator adicional que facilita o ir e vir de pessoas ao
longo da faixa de fronteira, principalmente dos trabalhadores rurais, que buscam
oportunidade de trabalho nas fazendas locais, em especial do lado brasileiro.
Embora haja, na linha de divisa, um número considerável de marcos de
identificação da fronteira, esses são, ainda, insuficientes para os transeuntes
identificarem onde termina e começa o território de cada um dos países, o que tem
contribuído para que brasileiros e bolivianos perpassem a linha limítrofe, muitas vezes
sem se dar conta de que se encontram no outro país.
O fluxo de pessoas na fronteira envolve outros interesses, além da busca por
trabalho. Assim, detectou-se na pesquisa um movimento de mão dupla desses
indivíduos ao longo da faixa, com vistas a alcançar objetivos diversos, tais como, entre
outros, o estabelecimento de relações comerciais, práticas religiosas, a participação em
festejos, a procura por serviços diversos, principalmente de assistência médico-
hospitalar, o desenvolvimento de atividades agropecuárias e visitas a familiares. Foram
obtidas, também, informações imprecisas sobre a ocorrência de fluxos, ao longo da
linha de fronteira, voltados para o tráfico de drogas, de armas, passagem de roubo de
carros e fuga de foragidos.
Com relação à questão criminal, particularmente no que tange a Mato Grosso é
importante destacar que o sistema de segurança na fronteira é precário, contando com
um baixo número de funcionários para fiscalizar e orientar os fluxos ao longo de uma
faixa de, aproximadamente, 730 km de extensão.
Em termos gerais, cabe analisar a dinâmica territorial ao longo da faixa de
fronteira, o que requer observações que extrapolem a linha de limite internacional e suas
imediações, e se estenda por toda a área que, de alguma forma, mantenha relações e
exerça ou sofra influência do país vizinho.
Assim, torna-se importante distinguirem-se limites de fronteiras. Para Martin
(1992, p. 47), “[...] o limite é reconhecido como linha e não pode, portanto, ser habitada,
ao contrário da fronteira que ocupando uma faixa, constitui uma zona, muitas vezes
bastante povoada onde os habitantes de Estados vizinhos podem desenvolver intenso
intercâmbio”.
Machado (2005) afirma que “a palavra limite, de origem latina, foi criada para
designar o fim daquilo que mantém coesa uma unidade político-territorial, ou seja, sua
ligação interna”. De acordo com a autora, as diferenças entre limite e fronteiras são
essenciais:
A fronteira está orientada ‘para fora’ (forças centrífugas), enquanto os limites estão orientados ‘para dentro’ (forças centrípetas). Enquanto a fronteira é considerada
uma fonte de perigo ou ameaça porque pode desenvolver interesses distintos aos do governo central, o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo central, não tendo vida própria e nem mesmo existência material, é um polígono.
Nesta perspectiva, a faixa de fronteira de Mato Grosso-Brasil e Bolívia tem como
eixo de referência a linha limítrofe entre os dois países, a qual, do ponto de vista e
jurídico-estatal, separa as estruturas organizacionais que regem a vida e os processos
produtivos das duas sociedades vizinhas, conduzindo-as a caminhos e condições de vida
muito diferentes entre si.
Assim, na faixa de fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia, em decorrência do
vigor da economia brasileira e das especificidades político-administrativas vigentes,
observa-se um forte dinamismo nos diferentes setores produtivos locais, caracterizados
por fluxos crescentes de comércio e demais serviços, que impõem a necessidade de
melhorias na logística de transportes e a expansão da infra-estrutura física operacional
local. Desse dinamismo têm brotado novos poderes socioeconômicos e, como
conseqüência, novas territorialidades têm sido concretizadas pela criação de municípios,
pela definição de espaços de atuação empresarial e, lamentavelmente, pela restrição das
áreas das comunidades tradicionais.
No lado boliviano, as seculares adversidades vividas nos campos econômicos e
político-administrativos mantiveram quase sem alterações a faixa de fronteira, onde são
encontrados territórios pouco diferenciados, estruturados pela tradição das comunidades
locais. Destaca-se que essas comunidades se encontram continuamente enfraquecidas
pelas dificuldades econômicas em que vivem e pela dependência crescente dos pólos
regionais próximos, representados por Cuiabá e Cáceres, no Brasil, e por Santa Cruz de
la Sierra, na Bolívia.
Diversidade econômica e social
Via de regra, cruzar uma faixa de fronteira internacional e, progressivamente,
adentrar no outro país significa deparar-se com realidades diferenciadas, manifestas em
inúmeros aspectos socioculturais e, muitas vezes, econômicos também. Estas
diferenças, particularmente as de caráter sociocultural, representam a identidade de cada
grupo local, que traduzem seus valores, tradições, crenças e modos de vida específicos.
O conjunto dessas características, que são transmitidas de geração a geração,
individualiza um povo, uma comunidade, garantindo o seu reconhecimento diante de
outros.
Dessa forma, a transmissão de conhecimentos e tradições representa uma das
principais vias de caracterização, manutenção e identificação de um povo, confirmando
o que expressou Claval (2003, p.73):
Une société ne peut se maintenir que si elle parvient à sés membres la nourriture et les biens matériels indispensables à l’existence, et assurer l’ordre, la paix civile et la sécurité. Elle doit répondre aux aspirations spituelles, pourvoir à la transmisson de acquis culturels et à la permanence de institutions.
No âmbito de uma faixa de fronteira, dependendo da proximidade e intensidade
dos contatos com as comunidades do país vizinho, pode ser que certos grupos
apresentem certo relaxamento ou menor rigor nas características específicas de
identidade herdada dos antepassados. Essa situação pode ser explicada pelos constantes
contatos mantidos pelas populações dos países contíguos, desencadeando processos
interativos que influenciam e modificam os tradicionais hábitos vigentes.
No que tange à faixa de fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia, os contatos
seculares estabelecidos pelas comunidades que vivem nas proximidades da linha
limítrofe contribuíram para a convergência de muitas práticas sociais, mas, em termos
gerais, as diferenças sobrepõem-se aos pontos comuns, particularmente no que diz
respeito às condições de vida e formas de organização social.
As relações entre as diferentes comunidades instaladas ao longo da zona
fronteiriça que ora analisamos remontam à presença dos primeiros colonizadores
europeus. Essas relações, nem sempre pacíficas e cordiais, foram praticadas por antigos
povos indígenas que habitaram as planícies chaquenhas, pantaneiras e amazônicas, onde
hoje se encontra a linha limítrofe entre os dois países. Com o avanço de portugueses e
espanhóis sobre essa área, e o conseqüente estabelecimento das primeiras definições dos
limites internacionais, foram também constituídas as primeiras barreiras oficiais às
relações até então firmadas entre as comunidades vizinhas. Dentre essas medidas,
destaca-se a implantação de fortes militares no século XVIII.
As medidas de defesa e de proteção das fronteiras portuguesas e espanholas,
embora tenham dificultado os fluxos até então existentes, não os impediu totalmente,
permanecendo algumas práticas comerciais, como a compra e venda de gado e o
comércio clandestino de ouro.
É importante destacar também, que em alguns momentos o fluxo transfronteiriço
foi desejável e incitado oficialmente, a exemplo das medidas implementadas pelo
capitão general Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, governador da
capitania de Mato Grosso, na segunda metade do século XVIII. Esse administrador
incentivou a migração de famílias de índios chiquitano para o Brasil, como forma de
acelerar a ocupação e o crescimento do povoado de Villa Maria de Paraguay, atual
cidade de Cáceres, fundada em 1778.
Ressalte-se que as relações transfronteiriças fomentadas pelos governos não
ocorreram em função do desejo de aproximação e integração entre os dois países,
porém, sobretudo, por interesses de ambas as partes, cujo objetivo maior era a expansão
territorial e o reconhecimento dos limites estabelecidos que demarcassem a separação
entre um e outro país.
Em termos econômicos, as diferenças presentes na faixa de fronteira entre Mato
Grosso e a Bolívia são significativas. No território mato-grossense, que envolve 22
municípios, segundo demonstra o Quadro 1, dos quais alguns são abrangidos apenas
parcialmente, o padrão de ocupação é bastante diversificado e compreende diferentes
níveis de emprego tecnológico, variando da pecuária extensiva à agricultura voltada
para o mercado exportador, a qual utiliza tecnologia sofisticada.
N° Município N° Município
1 Araputanga 12 Mirassol d’Oeste
2 Cáceres 13 Nova Lacerda
3 Campos de Júlio 14 Poconé
4 Comodoro 15 Pontes e Lacerda
5 Conquista d’Oeste 16 Porto Espiridião
6 Curvelânica 17 Reserva do Cabaçal
7 Figueirópolis d’Oeste 18 Rio Branco
8 Glória d’Oeste 19 Salto do céu
9 Indiavaí 20 São José dos Quatro Marcos
10 Jauru 21 Vale São Domingos
11 Lambari d’Oeste 22 Vila Bela da Santíssima Trindade
Quadro 1: Municípios de Mato Grosso, integrantes da faixa de fronteira brasileira com a Bolívia-2004 Fonte: Mato Grosso, SEPLAN, 2004
Assim, em Mato Grosso, no trecho Sul e Centro-Sul da zona de fronteira,
correspondendo à área do pantanal, a principal atividade econômica rural consiste na
pecuária extensiva, praticada geralmente em grandes propriedades com abundância de
pastos nativos. Nesses espaços, a densidade demográfica no meio rural é muito baixa, e
a maior parte da população trabalha nas fazendas. Há também, nas proximidades das
cidades sedes de municípios e junto às comunidades, pequenas propriedades ocupadas
por famílias que praticam a agricultura de subsistência. Entre esses pequenos
proprietários há aqueles que são artesãos, pescadores, vendedores ambulantes e
trabalhadores que executam serviços sazonais nas fazendas e cidades próximas. Essa
região engloba dois municípios: Poconé e Cáceres.
Com relação às condições socioeconômicas da área pantaneira brasileira, Souza-
Higa e Higa (2002, p.94) afirmam:
[...] a região pantaneira é ainda uma área periférica no processo econômico mato-grossense e brasileiro, desempenhando o papel de área pastoril sem grandes investimentos que possam promover sua transformação em região produtiva e, portanto, com possibilidades de propiciar melhores condições de vida para os pequenos produtores e trabalhadores rurais.
Na área central da faixa de fronteira são encontrados 17 municípios, dos quais 14
apresentam pequenas extensões territoriais, e três são de tamanho médio a grande, cujas
atividades econômicas estão voltadas para a pecuária leiteira e de corte, desenvolvida de
forma semi-intensiva. Desenvolvem-se também produção agrícola de subsistência e, em
menor proporção, áreas de cultivo comercial.
No setor Norte da faixa de fronteira mato-grossense, com três municípios,
predominam aquelas localidades com grandes extensões, cinco ao todo, onde
prevalecem atividades de cultivos comerciais com vistas à exportação. Dentre os
produtos cultivados destaca-se a soja, produzida com emprego de tecnologia moderna.
Das cidades localizadas na faixa de fronteira, a mais populosa e economicamente
mais dinâmica é Cáceres, que em 2000 contava com uma população total de 85.500
habitantes (IBGE, 2000). Cáceres é cortada pela rodovia que liga Cuiabá a Santa Cruz
de la Sierra e, a partir desta, dirige-se a La Paz e aos portos do Pacífico do Sul do Peru e
Norte do Chile. Sua localização fronteiriça, sua proximidade da linha limítrofe entre os
dois países e sua condição de centro mediano de serviços regionais conferem-lhe a
posição de pólo de influência regional, com o qual as cidades e povoados bolivianos da
fronteira mantêm uma estreita relação. Ressalte-se que os setores de saúde, educação e
comércio de Cáceres se encontram relativamente bem estruturados.
É importante frisar que a distância dessa cidade até a linha de fronteira é de 90
km em estrada asfaltada, e que as cidades bolivianas, localizadas ao longo da fronteira,
e cujos contatos com Cáceres são mais intensos, são: San Mathias, que se encontra a
100 km; San Ignácio de Velasco, localizada a 380 km; e San Rafael e San Miguel,
situadas a cerca de 420 km de Cáceres. As rodovias que permitem o acesso a esses
municípios, embora não se encontrem asfaltadas, mantêm razoáveis condições de
tráfego, contribuindo para garantir, durante todo o ano, um fluxo intenso de comércio
entre Cáceres e as cidades e povoados bolivianos próximos, a cujas localidades são
vendidos gêneros alimentícios, vestuário, produtos de higiene e limpeza, medicamentos
e produtos veterinários entre outros.
Há também, por parte da população boliviana que vive nas cidades e povoados da
fronteira, a procura por serviços da área de saúde e, secundariamente, de educação na
cidade de Cáceres. Um aspecto facilitador dessas relações de aproximação das
populações dos dois países liga-se ao fato de não se exigirem documentação e protocolo
de identificação de migrantes nas proximidades imediatas da linha fronteira.
Assim, em Mato Grosso, os migrantes que entram pela cidade boliviana de San
Mathias em direção a Cáceres só precisam apresentar documentos para regularizar sua
situação no país se ultrapassarem os limites desse município. Essa medida garante-lhes,
sem maiores burocracias, acesso a um importante número de serviços disponíveis, que
inexistem ou são precários nas cidades fronteiriças, a exemplo do atendimento médico e
ambulatorial, educação e comércio em geral, entre outros.
Vila Bela da Santíssima Trindade e Pontes e Lacerda, com 12.880 e 41.370
habitantes, respectivamente, são também procuradas por habitantes de San Igmácio de
Velasco, San Miguel, San Rafael e povoados próximos. Aquelas cidades, apesar das
condições precárias das estradas que lhes dão acesso e de oferecerem bem menos
atrativos, se comparados aos oferecidos por Cáceres, conseguem atrair migrantes pelo
fato de se encontrarem mais próximas dos referidos municípios bolivianos.
Constata-se, além disso, a presença de migrantes no meio rural de Vila Bela da
Santíssima Trindade, Pontes e Lacerda e, sobretudo, de Cáceres. Entre esses grupos,
quase todos provenientes da própria faixa de fronteira boliviana, são encontrados
prioritariamente homens, que se dedicam ao trabalho rural como “peões de gado” nas
fazendas locais. Foi observada ainda a presença de mulheres, que comumente assumem
o trabalho de cozinheiras nas sedes dessas propriedades ou em galpões montados para
abrigar os trabalhadores, contratados em geral para atividades sazonais.
Às vezes se encontram também famílias inteiras de bolivianos que migram para
Mato Grosso, especialmente para a faixa de fronteira, em busca de melhores condições
de vida e de oportunidade de trabalho no campo. Algumas famílias chegam a fixar
residência no Brasil na condição de moradores das fazendas onde trabalham ou, ainda,
na condição de posseiros ou pequenos sitiantes. É comum a participação de mulheres e
crianças no trabalho conseguido pelo chefe da família.
Apesar da convivência aparentemente pacífica, têm-se observado algumas
manifestações de preconceito com relação a esses migrantes, cuja maioria descende de
índios, normalmente dos chiquitano. Assim, é comum ouvir-se de brasileiros o emprego
do termo pejorativo “bugres ou bugrada” ao se referirem aos bolivianos.
Esse fenômeno migratório para a área da fronteira não é recente, havendo registro
desse movimento em vários momentos da história, destacando-se o ocorrido por ocasião
da guerra do Chaco, quando dezenas de convocados para a luta, índios e descendentes
de índios chiquitano buscaram refúgio na faixa limítrofe brasileira, onde muitos deles, e
mesmo alguns índios mais velhos, permanecem até os dias atuais.
No momento, o processo migratório continua a ocorrer, mas a maioria dos
migrantes não fixa residência no Brasil. Em geral, conseguem nas grandes fazendas da
fronteira trabalhos sazonais como diaristas ou empreiteiros, retornando em seguida para
sua terra, guardando a perspectiva de voltarem ao Brasil no ano seguinte para
novamente tentar a sorte. Dessa forma, esse deslocamento ocorre motivado pela
possibilidade de obtenção de trabalho, que possibilita ao migrante viver com mais
dignidade.
Nesses termos, concorda-se com Becker (1997. p. 335), para quem “[...] a
mobilidade da força de trabalho pode ser percebida como determinada pelas
necessidades do capital. Tais necessidades irão se refletir em diferenciadas e alternativas
formas espaciais de fluxos migratórios, centrífugos ou centrípetos”.
A faixa de fronteira boliviana com Mato Grosso apresenta relativa uniformidade
em termos econômicos, pois se trata, em toda a sua extensão, de uma área pobre, na
qual predominam a agricultura de subsistência e a intensa exploração de madeira,
voltada para exportação e comercialização, em sua maioria em toras, e sem nenhum
valor agregado.
No território boliviano, conforme evidenciado no Quadro 2, quatro municípios
integram essa zona de fronteira, os quais fazem parte das províncias de Velasco e de
Angel Sandoval, ambas pertencentes ao Departamento de Santa Cruz.
N° Municípios
Província de Angel Sandoval
1 San Matías
Província de Velasco
2 San Ignacio de Velasco
3 San Miguel
4 San Rafael
Quadro 2: Municípios bolivianos do Departamento de Santa Cruz, integrantes da faixa de fronteira com Mato Grosso-Brasil Fonte: Bolívia, INE / MDSP / COSUDE (1999)
Na província de Angel Sandoval, cuja capital é San Mathias, a situação da
população, urbana e rural, é em geral muito precária, não havendo perspectivas de
melhoras em termos imediatos. A cidade tem como principal atividade o comércio de
poucos produtos importados, principalmente da Ásia, representados por roupas,
brinquedos e pequenos eletrodomésticos. Para sua exposição e venda, a mercadoria é
organizada em pequenas áreas cobertas com telhas de amianto ou lona, e mobiliadas de
maneira rústica e improvisada, quase sempre ocupando a parte da frente da casa do
comerciante, sendo comum acomodar os produtos diretamente no chão da tenda
comercial.
Segundo o relato de alguns moradores, há cerca de 20 anos essa atividade era
mais intensa e lucrativa, pois atraía interessados em várias cidades mato-grossenses,
como Cáceres e Cuiabá. No entanto, nos últimos 15 anos, o interesse pelos produtos
importados comercializados em San Matias foi gradativamente diminuindo, acarretando
sérias dificuldades os comerciantes locais.
A rigor, esse desinteresse de consumidores brasileiros decresceu em ritmo
concomitante ao processo de abertura comercial do Brasil e à proliferação do comércio
ambulante nas ruas e praças das cidades do país, a exemplo do que ocorreu nesses dois
municípios de Mato Grosso, entre outros da região.
O meio rural da província de Angel Sandoval é majoritariamente formado por
grandes propriedades, muitas das quais pertencentes a brasileiros, e nas quais em geral é
desenvolvida a pecuária de corte em sistema extensivo. A agricultura praticada nessa
província é de subsistência, não se destacando nenhum produto por seu valor comercial.
Assim, a produção é quase que totalmente consumida na própria unidade produtora, e
apenas uma pequena parte chega às feiras e vendas da cidade de San Mathias e de
pequenos povoados locais. Os produtos cultivados normalmente são a mandioca, o
milho, a abóbora, a batata, a melancia e a banana. Com exceção desses, os demais
produtos alimentícios, particularmente os industrializados, como biscoitos, doces e
enlatados, vêm de outras partes da Bolívia e dos países vizinhos, especialmente do
Brasil.
Do território brasileiro advêm ainda a importação e a comercialização de produtos
médicos veterinários; ferramentas para uso rural, como enxadas, facões, machados e
foices; produtos para construção civil, como tubulações e torneiras, além de outros.
Situação muito parecida é encontrada na província de Velasco e suas três seções,
nas quais, em termos produtivos, destacam-se a produção e a comercialização de
madeira, que consiste em importante fonte de renda para parte de seus habitantes. Ali a
agricultura, a exemplo da província de Angel Sandoval, é de subsistência, cultivando-se
os mesmos tipos de produtos.
É importante frisar que, diferentemente de Angel Sadoval, cujo território está
totalmente dentro do Chaco, a província de Velasco distribui-se em três domínios
biogeográficos distintos. As terras centrais e do Sudeste encontram-se no Chaco, as
terras do Norte estão na Amazônia, e as partes Sudeste e Centro-Oeste distribuem-se em
áreas de cerrado e cerradão. É exatamente das áreas de floresta amazônica e de cerradão
que é retirada a madeira para o comércio.
Nessas duas províncias, a população total, que em 2001 era de 69.775 habitantes,
é predominantemente de origem indígena e vive em sua maioria no meio rural. Assim,
em 2001, foram contabilizados 31.672 moradores em áreas urbanas e 38.463 na zona
rural (INE, 2001). Parte significativa dessa população rural vive organizada em
comunidades rurais com número variável de famílias, em geral entre 15 e 80 famílias,
tendo-se constatado uma comunidade em San Ignácio com cerca de 150 famílias.
Muitas dessas comunidades estão envolvidas em projetos que visam a melhoria
das condições de vida da população a partir do incremento das atividades produtivas
locais. Dentre as iniciativas, destacam-se as oriundas de parcerias estabelecidas entre as
prefeituras e a Igreja Católica e que têm estimulado e apoiado a prática agrícola e da
pecuária com a adoção de técnicas de manejo adequadas para a área.
Ressalte-se que, com exceção da área amazônica e a do setor Sudeste, próximo ao
rio Paraguai, significativa parte da área da faixa de fronteira boliviana com Mato Grosso
é muito seca, apresentando índices pluviométricos inferiores a 1.000 mm, embora em
alguns pontos esse nível gire em torno de 750 mm anuais e chegue a atingir valores até
mais baixos. Essas condições dificultam ainda mais o cultivo da terra e o sustento das
famílias, aumentando a significância dos projetos implantados na área para os pequenos
produtores.
Dentre as medidas adotadas pelo governo, particularmente as referentes àquelas
direcionadas à busca de meios estratégicos para se conviver com a aridez climática, está
a construção de pequenos açudes, perfuração de poços e utilização de sementes híbridas
mais resistentes.
Na fronteira boliviana com Mato Grosso encontra-se um número considerável de
fazendas de brasileiros, cujos proprietários, quase que em sua totalidade, vivem no
Brasil. Trata-se em geral de grandes propriedades, cuja área total comumente é superior
a 1.000 ha, onde se desenvolve a atividade de criação de gado em sistema extensivo,
predominantemente. É importante informar que essas áreas se distribuem por toda a
região reconhecida como oriente boliviano, principalmente nas áreas de produção e
expansão da soja localizadas nas proximidades de Santa Cruz de la Sierra e da ferrovia
que a liga a Corumbá.
As funções desempenhadas pelos brasileiros que vivem ou transitam na faixa de
fronteira boliviana são bastante diversificadas. No meio rural desempenham, entre
outras, as funções de tratoristas, mecânicos e administradores de fazenda. Nas áreas
urbanas o leque de opções de trabalho é mais amplo, tendo-se constatado que muitos se
dedicam ao comércio, não só como vendedores, mas, sobretudo, como comerciantes das
mais diferentes áreas: ferramentas agrícolas, sementes, calçados, roupas, restaurantes e
outros. Há igualmente profissionais de áreas específicas, como geólogos, engenheiros e
agrônomos, que sazonalmente prestam serviços a empresas, principalmente as
brasileiras, instaladas no país. A maior parte dos brasileiros que atuam na faixa de
fronteira concentra-se nas cidades de San Mathias e San Ignácio de Velasco.
Destaca-se ademais a presença de vendedores brasileiros ambulantes que fazem o
comércio de pequenos produtos em pequenas quantidades, percorrendo diversos
povoados. Esse tipo de atividade, de ampla aceitação na área da fronteira, é feito sob a
recíproca confiança entre clientes e comerciantes, tanto que estes, que normalmente
dispõe de uma camioneta ou um caminhão, entregam os produtos na ida e recebem o
dinheiro, dias depois, na volta.
Na área da fronteira boliviana destaca-se também a grande potencialidade turística
representada pelo pantanal e, sobretudo, pelo patrimônio arquitetônico e cultural das
Missões Jesuíticas de San Ignácio de Velasco, San Rafael, San Miguel, e Santana.
Infelizmente, a falta de infra-estrutura para o acesso a essas localidades e para a
recepção de visitas turísticas, além da pouca divulgação desse patrimônio, não tem
contribuído para atrair visitantes, o que oportunizaria o ingresso de recursos financeiros
na área.
Diversidade territorial
As políticas dirigidas pelos governos boliviano e brasileiro para as faixas de
fronteira, respectivamente, Departamento de Santa Cruz e Mato Grosso, desencadearam
processos ocupacionais próprios, dando lugar à estruturação de territórios diferenciados,
marcados por peculiaridades produtivas e socioculturais. A esses fatores somam-se as
formas específicas de relações de caráter intra e intercomunidades, oportunizadas pela
teia de redes de que dispõem.
Nessa perspectiva, concorda-se com Haesbaert (2002, p.121), que faz a seguinte
afirmação:
[...] o território é o produto de uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugado e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados. Esta relação varia muito, por exemplo, conforme as classes sociais, os grupos culturais e as escalas geográficas que estivermos analisando.
Com relação ao papel das políticas estatais na formação territorial, é importante
frisar que a ausência delas consiste, também, em fator de conformação territorial, cuja
definição é dada, via de regra, pelo isolamento, que garante a manutenção de práticas
tradicionais. Dessa forma, em função da ação seletiva ou excludente de programas e
políticas governamentais, pode-se ter, a exemplo da faixa de fronteira boliviana e
brasileira em análise, a formação de territórios com estruturas praticamente opostas.
Assim, encontra-se do lado brasileiro uma multiplicidade de territórios, muitos
dos quais com características bem definidas e cuja base principal é dada pelo
dinamismo econômico e pelas especificidades produtivas. Já na área boliviana, constata-
se certa tendência à uniformização, com a formação de territórios de limites pouco
precisos, tendo como principais características a manutenção de antigas tradições e certo
distanciamento de muitos aspectos da modernidade. Em outras palavras, transitar pelo
território de fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia é confrontar diferentes
temporalidades.
Diante disso, acata-se o que diz Lima (2000, p. 64), que escreveu: “As
diferenciações entre os lugares e, precisamente, as existentes nos territórios, nos deixam
claro que por não ocorrer uma uniformização temporal as malhas técnicas não elaboram
uma redução do lapso do tempo, porque cada lugar tem seu exato tempo”.
Na fronteira boliviana destacam-se duas características de fundamental
importância na estruturação dos territórios locais, representadas pela herança indígena e
pela influência das Missões Jesuíticas. A rigor, aquela permeia toda a área que limita a
Bolívia com Mato Grosso, da mesma forma que a fé católica introduzida pelos jesuítas
no final do século XVII.
Contudo, há uma área específica, reconhecida como Missional, envolvendo as
cidades de San Ignácio de Velasco, San Rafael e San Miguel e mais o povoado de Santa
Ana, onde foram construídas as reduções e erguidas igrejas mantidas até os dias atuais.
Dentre estas, a de San Rafael, San Miguel, e Santa Ana, em razão de seu valor histórico,
arquitetônico e cultural, foram, em 12 de dezembro de 1990, declaradas Patrimônio
Cultural da Humanidade.
Do ponto de vista administrativo, três dessas antigas reduções jesuíticas, San
Ignácio de Velasco, San Rafael e San Miguel, correspondem na atualidade a sedes de
seções da Província de Velasco, sendo Santa Ana um cantão da primeira seção que
corresponde a San Ignácio de Velasco. Essas unidades territoriais apresentam
características muito próximas entre si, embora San Ignácio de Velasco, por ser a capital
provincial, disponha de melhor infra-estrutura e de maior número de habitantes.
Além dos cantões, que correspondem, aproximadamente, aos distritos brasileiros,
são encontradas ao longo da faixa de fronteira boliviana dezenas de comunidades nas
quais muitos aspectos da organização social e econômica se assemelham uns aos outros.
Assim, a população, de origem predominantemente indígena, dedica-se às práticas de
subsistência, e sazonalmente consegue trabalho nas fazendas da redondeza ou dedica-se
ao corte de madeira. Um traço comum a praticamente todos os povoados é a fé na
religião católica, e a participação nas festas da igreja.
A religiosidade, a etnia e as dificuldades econômicas são, portanto, os principais
fatores que proporcionam certa homogeneidade aos territórios da área limítrofe
boliviana. Com relação aos valores religiosos predominantes nessas comunidades,
chama-se atenção para a afirmação do “Plan Missiones de Chiquitos” (2004, p. 32):
El cristianismo chiquitano de la época reduccional permanece aún en la mentalidad y en las manifestaciones culturales de las actuales familias chiquitanas y alcanza su máxima expresión en las fiestas patronales y durante la semana santa. Esta continuidad de la fe cristiana entre los actuales chiquitanos, que transmite de generación en generación, es el mayor signo visible del éxito de la evangelización jesuítico indígena.
Observa-se que, nessa região, os preceitos religiosos, a arte, a economia, a
pobreza e muitos outros elementos são fatores que se mesclam, ocultam, e ao mesmo
tempo expõem os arranjos territoriais locais, nos quais unidade e diversidade mantêm
linhas tênues de separação, conduzindo a territórios pouco diferenciados.
Considerações finais
A realização desta pesquisa permitiu constatar a forma diferenciada de
manutenção e surgimento de novas territorialidades na faixa de fronteira entre Mato
Grosso e a Bolívia, identificando-se os principais fatores que interferem nesse processo,
e as principais características que os identificam.
A área correspondente ao território mato-grossense apresenta, na atualidade, um
dinamismo socioeconômico intenso em sua porção central e Norte, desencadeado pelas
políticas econômicas nacionais que, nos últimos 30 anos, estimularam a interiorização
da economia e da população, colocando o Estado, inclusive sua faixa de fronteira Norte,
no circuito das exportações nacionais.
As modificações e o incremento produtivo a que foi submetida grande parte da
faixa de fronteira mato-grossense são evidenciados pela intensificação dos sistemas de
comunicações em toda a área, à instalação de grandes unidades produtivas,
particularmente no meio rural, ao surgimento de novas cidades, à ampliação do setor de
serviços e à criação de novas unidades municipais.
Todo esse contexto propiciou a formação de novas territorialidades, concretizadas
não só pelas 22 unidades municipais existentes, a maior parte criada nas últimas duas
décadas, mas também, sobretudo, pelas dezenas de novas formas de domínio e controle
econômico estabelecidas na área. As alterações geradas foram apoiadas pelo processo
de expansão do sistema produtivo, principalmente de exportação, que modificou,
reduziu e extinguiu parte das antigas territorialidades, principalmente a dos grupos
tradicionais.
Contrariamente, na Bolívia, observa-se certa homogeneidade em função da
presença de territórios pouco diferenciados, que atestam o isolamento e o pouco
destaque dessa área para o conjunto nacional.
Referências
BECKER, Olga Maria Schild. Mobilidade espacial da população: conceitos, tipologia, contextos. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L. (Org.). Explorações geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 319-367
CLAVAL, Paul. Géogrphie culturelle. Prmand Colin / S.E.J.E.R, 2003.
HAESBAERT, Rogério. Territórios alternativos. São Paulo: Contexto, 2002.
IBGE. Censo Demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.
INE. Bolivia: Población total por censo, área y sexo según Departamento, censos de 1992 y 2001. Disponível em: <http://www.ine.gov.bo>. Acesso em: 10 jul. 2005.
LIMA, Dário de Araújo. A gênese do diálogo e a questão das redes. In: SOUZA, A. J. de; SOUZA, E. B. C. de; MAGNONI JÚNIOR, L. (Org.). Paisagem Território Região: em busca da identidade. Cascavel: Edunoeste, 2000. p. 57-75.
MACHADO, Lia Osório. Limites, fronteiras e redes. Disponível em: <http://www.igeo.ufrj.br/fronteiras/pesquisa/fronteira/p02pub001.htm>. Acesso em: 10 jul. 2005.
MARTIN, André Roberto. Fronteiras e nações. São Paulo: Contexto, 1992.
PLAN MISIONES. Plan de Hehabilitación Integral de las Misiones jesuíticas de Chiquitos. Santa Cruz: La hoguera editoria – Agencia Española de Cooperación Internacional, 2004.
SOUZA-HIGA, Tereza Cristina Cardoso de; HIGA, Nilton Tocicazu. Pantanal Mato-Grossense: aspectos fundiários e dinâmica populacional no município de Barão de Melgaço. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, Cuiabá, v. 60, p. 83-95, 2002.