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Apresentação
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A prática educativa pressupõe correlação de fatores determinantes das ações dos
sujeitos, em sua história pessoal, familiar e social, vinculando-as a condições políticas,
históricas e culturais. O psicólogo educacional, no exercício de sua profissão, vem
trabalhar em prol da prevenção e da promoção da saúde do sujeito, tanto na perspectiva
individual quanto nas suas relações sociais, o que marca sua presença na Educação.
Segundo Figueiredo (1996), o objeto da Psicologia se constitui no avesso do
sujeito pleno, no furo do sujeito epistêmico, racional, que tem garantias de certeza e
verdade. Assim, cabe à Psicologia partir da experiência imediata do sujeito, para buscar
as condições, possibilidades e sentido obscuros para as ações, relações e experiências
subjetivas dos sujeitos.
O Conselho Federal de Psicologia expõe que a psicologia educacional atua no
âmbito da Educação, nas instituições de educação formal ou informal, com o propósito
de compreender os comportamentos dos educandos e educadores no processo de ensino-
aprendizagem, nas relações interpessoais e nos processos intrapessoais, abordando as
dimensões política, econômica, social e cultural. Entender, pesquisar a dimensão social
e cultural da Educação é também tarefa do Psicólogo, uma vez que o sujeito se constitui
na relação com o outro.
Não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real. (Oliveira, 2000:24).
A escola tem o papel de criar um espaço de renovação, de construção de
conhecimento contínuo e progressivo, uma vez que é pela aquisição do saber que as
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pessoas poderão descobrir novas perspectivas e caminhos diferentes para o social e para
si. A Educação muito tem discutido a formação desse sujeito ativo, que constrói seu
conhecimento e conquista a autonomia. Morin (1995) contribui expondo que a
complexidade, relação necessária entre as várias variáveis, que constitui e contribui para
formação do sujeito, abre uma aresta para os educadores pensarem e trilharem o
caminho educacional sem recortes reducionistas.
Já há três anos, trabalhando numa escola particular em Diamantina, foi possível
perceber que existem alguns fatores relevantes no dia-a-dia do processo de ensino,
aprendizagem e formação desses alunos que estão repetindo, as séries sistematicamente.
As turmas de 7ª e 8° séries do Ensino Fundamental vêm sendo alvo de muita
preocupação e de intervenções, uma vez que estes adolescentes estão apresentando
comportamentos e atitudes que assustam. Um apelido é motivo de agressão física, uma
dúvida sofre gozação, ter um celular vai significar pertencer ao grupo, não ter o tênis da
moda e de marca determina a exclusão, ou seja, o lugar para as diferenças não existe. A
dificuldade de estabelecer laços de amizade e até uma relação saudável é tão marcante
nestes grupos que, em alguns momentos, deixam dúvida se realmente são grupos.
Na complexidade de fatores que envolvem a formação e a construção de
identidade de um adolescente está a sociedade atual. A cultura pós-moderma aponta
para esse sujeito a necessidade de construir sua autonomia e, ao mesmo tempo, cria
imperativos e modelos a serem consumidos com a ilusão de sucesso.
É nesta perspectiva que esse trabalho pretende pesquisar a relação entre a cultura
do sucesso e a constituição da identidade dos alunos, de 13 e 14 anos de classe média
alta, estudantes do ensino particular de Diamantina.
Selecionamos uma escola conveniada à Rede Pitágoras de Ensino na cidade de
Diamantina e recortamos a faixa etária de13 e 14 anos, final do ciclo do Ensino
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Fundamental. É visível que esses alunos estão fascinados com as ofertas da cultura de
sucesso e consumo, dizem que estudam no “Pitágoras”, desfilam de uniforme pelas
ruas, discriminam e não se relacionam com alunos que não pertencem a sua “tribo”.
Neste trabalho, pretendeu-se fazer um estudo analisando se a cultura do sucesso
pode influenciar a construção da identidade dos adolescentes, alunos da Rede Pitágoras
de Diamantina, ou seja, pesquisar se realmente questões da educação escolar
estabelecem relações com o contexto atual da cultura de sucesso. Fica definido como
objetivo geral: analisar se a cultura do sucesso influencia o processo de constituição de
identidade de alunos de 13 e 14 anos da rede Pitágoras de Diamantina.
Para tanto foi necessário delimitar nosso objeto de estudo, uma vez que o
Colégio possui hoje 452 alunos matriculados. Os alunos selecionados como sujeitos
para pesquisa são adolescentes de 13 e 14 anos, das 7ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental.
Com o objetivo de estruturar nosso pensamento e pesquisa foi necessário recorrer a
alguns teóricos que publicaram, estudam e pesquisam nosso tema.
Inicialmente, encontramos muitas dificuldades para delimitar o objeto e os objetivos
da pesquisa, pois pensávamos em pesquisar os efeitos do momento atual e real na vida
das pessoas. Partindo desta questão, chegamos à pós modernidade, momento bastante
discutido, difícil de conceituar por suas características, nomenclaturas e velocidade.
Após leituras, orientações, levantamentos bibliográficos e observação da prática escolar,
recortamos a cultura do sucesso e a construção da identidade de adolescentes no espaço
escolar.
Assim, partimos do estudo da sociedade pós moderna com seus imperativos de
sucesso para entender as transformações no ser adolescente da atualidade.
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O contexto para discutir a cultura do sucesso e sua relação com a construção da
identidade de jovens, dentro do ambiente escolar, começava a ser demarcado. O
crescimento econômico do capitalismo industrial, os padrões, as mercadorias e o
adoecimento estavam sendo produzidos.
A fim de definir a cultura do sucesso buscamos as discussões feitas por Guy
Debord em A sociedade do espetáculo e Baudrillard em a Transparência do mal. É
necessário saber, entender e pesquisar o movimento da sociedade atual, que Debord
chama de espetáculo, império da imagem, para entendermos a transgressão e a
vulnerabilidade, apontada por Baudrillard e vivenciada pelos homens. Parece vivermos
num mundo sem padrões, mas que, ao mesmo tempo, exige o enquadramento dentro da
imagem, do consumir, do ter para parecer ser sucesso.
Realmente, parece não existirem padrões, mas essa cultura faz o adolescente
acreditar em um modelo imaginário, efêmero, que não é real, por isso muda a cada
tempo.
Buscamos, também, autores como Goffman em Estigma e Stuart Hall, para
discutir o efeito desta cultura do sucesso na vida, identidade de adolescentes da classe
média de Diamantina, estudantes da rede privada de ensino. Knobel e Aberastury
trouxeram contribuições para entendermos a adolescência e os fenômenos ligados a essa
fase. Knobel (1981) expõe que seria anormal a presença de um equilíbrio estável
durante a etapa da adolescência. Essa etapa se faz como processo de desequilíbrios e
instabilidades necessárias, uma vez que propicia o estabelecimento do ser adolescente:
identidade e corpo restabelecido.
O adolescente, como todo ser humano, não vive isolado. As realidades sociais e
culturais de seus pais, escola e sociedade são os parâmetros para seu processo de
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desenvolvimento, saída do mundo infantil. Assim a vivência da adolescência,
necessariamente, perpassa uma pluralidade de identificações.
Nesta perspectiva, faz-se necessário pensar e pesquisar sobre o contexto escolar,
a cultura da instituição escola e a ação dos educadores, a fim de estabelecer relação
entre esse espaço e a construção da identidade de jovens. Dayrell (1996) expõe que a
escola é uma instituição sócio-cultural que busca interferir na ação de seus sujeitos,
reproduzindo o velho ou construindo a possibilidade do novo. Porém, Piaget (1998)
explicita que a grande questão na educação dos adolescentes das sociedades dita
civilizadas seria o grau crescente de liberdade e de autonomia adquirido por eles em seu
processo de desenvolvimento.
A cultura escolar, segundo Gómez (2001), se configura como um cruzamento de
culturas que constrói seu espaço e ação a partir deste emaranhado de determinações:
social, institucional, acadêmica e experiencial. Assim, a cultura da escola se faz na
complexidade de atores, ações e fenômenos, permeados pela sociedade pós-moderna.
Os sujeitos em formação que transitam nesse espaço se constituem em uma rede de
significados e significantes.
Assim posto, estruturamos nosso referencial teórico em três capítulos:
No capítulo I buscamos caracterizar este momento, analisando o conjunto de
experiências, vivenciadas pelos homem, e suas interferências no jeito de ser e agir.
Analisamos a força dos produtos, mercadorias consumiveis, na sociedade atual e como
o sucesso parece estar diretamente ligado ao consumo dos modelos e marcas, símbolos
ilusórios de poder no mundo das aparências.
No capítulo II, localizamos a escola como espaço educativo, social e cultural de
grande relevância na formação do adolescente. Buscamos verificar qual a cultura das
escolas e do colégio lócus desta pesquisa, sua proposta e contribuições na formação dos
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jovens. Aqui, descrevemos a relação entre os atores educacionais e a educação efetiva
da escola como espaço de trocas entre os adolescentes no periodo de constituição de
suas identidades.
A adolescência e a construção de identidade foram tratados no Capítulo III, pois
entendemos que a identidade é um aspecto indissociável à vivência da adolescência, e
que seria impossível caracterizar a juventude sem abordar sua busca por padrões
identificatórios. Pretendemos, neste momento, tecer associação entre esta construção do
adolescente, as características do mundo moderno e as preferências dos jovens e seu
grupo, hoje, na cultura em que o sucesso tem se apresentado vinculado ao consumo e à
aparência.
Nos Capítulo IV, V e VI apresentamos questões relativas à investigação:
No Capítulo IV traçamos o lócus de investigação, através da caracterização da
escola onde a pesquisa se realizou. Buscamos as origens do colégio, seu
desenvolvimento durante os 70 anos de existência e as mudanças a partir do convênio
com a Rede Pitágoras de Ensino.
No Capítulo V, descrevemos a metodologia utilizada no processo de
investigação. Apresentamos as sujeitos participantes da pesquisa, descrevemos as
procedimentos e instrumentos de coleta de dados que subsídiaram a busca de
informações e interação da pesquisadora com as adolescentes e escola.
Já no Capítulo VI, apresentamos e discutimos os dados coletados na
investigação. Nesse momento descrevemos nossas observações e reproduzimos a
representação do adolescente sobre seu mundo, sua leitura da escola, de si mesmo e das
construções possíveis na constituição de sua identidade.
Nas considerações finais, não concluimos, começamos a vislumbrar que
certezas, verdades e generalizações não são um campo aceitável pela Ciência nem pelos
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adolescentes, objeto de nosso estudo, pesquisa e investigação. Assim, ouso dizer que as
marcas da cultura do sucesso se fazem presentes na vida dos adolescentes, mas como
cada traço marca o adolescer é tarefa do jovem descrever. Nos casos pesquisados, cada
aluno se define de forma particular e única, mas todos concordam que a escola onde
estudam, apesar de fazer parte da sociedade, somente tem sido, na maioria das vezes,
um bom cenário para se encontraram, se olharem e até se espelharem.
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Referencial Teórico
Capítulo I
1. A cultura do sucesso: pós modernidade e sociedade do espetáculo
E há tempos nem os santos têm ao certo A medida da maldade E há tempos são os jovens que adoecem E há tempos o encanto está ausente E há ferrugem nos sorrisos Só o acaso estende os braços A quem procura abrigo e proteção. (Há tempos, Renato Russo/Marcelo Bonfá /Dado Villa-Lobos)
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1.1. A Pós Modernidade e a Cultura do Sucesso
Analisando correntes/teorias/movimentos ditos pós-modernos, conclui-se que o
que chamamos "pós-moderno" corresponde a um período em que as conseqüências da
modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. A
condição pós-moderna não tem a ver só com as mudanças que se verificam no mundo
do trabalho ou da política. Tem a ver, também, com uma certa confusão, relacionada
com valores, práticas culturais e formas de conhecimento cuja racionalidade damos,
normalmente, por adquirida, e que, hoje em dia, são questionadas por estilos de vida
emergentes no seio de populações de recém-chegados, ou pelas exigências de
reconhecimento por parte de grupos tradicionalmente minoritários Do ponto de vista
filosófico, por exemplo, grande parte da confusão referida deriva da proliferação da
ambigüidade e da falta de consenso face ao que deve ser considerado bom e verdadeiro.
Assim, qualificam este cenário confuso como “pós-moral”: as nossas tarefas éticas
aumentam, ao mesmo tempo em que diminuem os recursos simbólicos e os critérios
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seguros para as levar a cabo; aumentam as situações em que temos de fazer opções
morais, e diminui a credibilidade dos princípios universais que, tradicionalmente,
orientavam essas opções.
Segundo Berman (1997), a modernidade consiste no conjunto de experiências
vitais de tempo, de espaço, de si mesma e do outro, das possibilidades e perigos da vida
– compartilhado por homens e mulheres em todo o mundo. Essa experiência vem
jogando as pessoas num turbilhão de desintegração e mudanças sucessivas, fazendo-as
sentirem-se perdidas, diante de um fantasma contraditório.
Assim, para Berman (1997), o pós-moderno tem algo de moderno, mas de forma
exagerada, como o individualismo, a ausência de valores, a diversidade cultural, a
diversidade religiosa, a qualidade tecnológica, grande quantidade de informações, a
velocidade, erotização, solidão e exacerbado consumismo. Toda essa avalanche acaba
por dessubstancializar os sujeitos, pois vivemos num mundo supercriado, de signos e de
consumo, o imperativo do ter é o que seduz e veste esse suposto sujeito ou, na verdade,
assujeitado.
Hoje, a pós-modernidade, com todos os seus imperativos de sucesso e consumo,
parece adoecer o homem, influenciar no processo de desenvolvimento e de
aprendizagem de crianças e adolescentes que não atendem ao modelo padronizado pelo
social. A Psicologia, como área do saber que se coloca na saúde e na educação,
visualiza a necessidade urgente de pensar e de pesquisar como a cultura da atualidade
pode influenciar nos processos educacionais desses jovens.
Silva Mello (1967) antecipou as interferências da pós-modernidade na vida e na
saúde dos homens, quando dizia que a saúde parece que se transformou em qualquer
coisa de instável, de pouco segura, que a todo o momento precisa ser corrigida,
acertada, defendida.
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Hoje, vivemos pensando na doença, procurando-a dentro de nós, dominados pelos elementos negativos da saúde. Mudou-se o panorama, principalmente porque foi alterado o ângulo de visão em que o observávamos. (MELLO, 1967:48).
Na cultura contemporânea a velocidade das informações e possibilidades de
opções promovem uma absurda necessidade de decisões e a exigência de que essas
sejam cada vez mais rápidas e precisas. A questão que se coloca é: como o sujeito pode
usufruir as “maravilhas” que a contemporaneidade nos coloca, entrando num turbilhão
de necessidades e de exigências mercadológicas sem perder sua subjetividade, sofrer e
adoecer? A resposta a essa questão significa pensar em como atender aos apelos sociais
e a necessidade de qualificações que o mercado profissional mundial exige, mantendo a
capacidade crítica de tomada de decisões e o equilíbrio psíquico.
Temos, então, nesse quadro, a proliferação crescente de produtos como
medicamentos e de tratamentos alternativos que se colocam cada um podendo mais do
que outro. A questão é que tudo é apresentado como solução aos problemas do viver dos
homens com eles mesmos e entre si. Esta é a estratégia publicitária, a mídia moderna
que segundo Baudrillard (1996) tem em si uma potência viral e sua virulência é
contagiosa. Homem é exigido que se torne empresário e escravo de sua própria
aparência.
A sociedade atual criou um discurso da verdade que revela a intolerância com os
limites e leis, é uma verdade que não aceita a frustração e a falta inerente ao ser
humano, então cria, neste contexto, saídas violentas como a toxicomania, agressividade,
suicídio, hipocondria, depressão e outras. Nesse contexto, muitas doenças têm-se
tornado mais freqüentes e mais mortais, devido ao excesso de tensão e de agitação
condicionada pela maior rapidez e intensidade da vida pós-moderna. Contudo, os
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sujeitos têm-se sentido desamparados, infelizes nesse mundo tecnológico que não cede
espaço para circularem a imaginação, a subjetividade, o simbólico.
Segundo Baudrillard (1996), não existe espaço para a subjetividade, para os
sentimentos e emoções. O homem passa a ser visto como um ser criado pelas
necessidades impostas pela cultura do sucesso e do consumo e que, privado de suas
defesas, torna-se eminentemente vulnerável à ciência e à técnica, assim como, privado
de suas paixões, ele se apresenta disponível à Psicologia e às terapias. Por fim, privado
de seu afeto e de suas doenças, está à mercê da Medicina. Seguindo estes pensamentos,
Silva Mello, ainda em 1967, escreve que as neuroses são em grande parte resultantes da
vida social, uma defesa ou adaptação às novas condições de existência.
As características da pós-modernidade estão interferindo de forma decisiva nas
relações dos homens, na sua saúde e nos processos educacionais, uma vez que é
crescente o numero de casos de adoecimentos e sofrimentos sem causas biofísicas
aparentes, o que abre condições para hipotetizarmos que as causas são de outra ordem:
sociais, morais, culturais e psíquicas. Exigem desse homem um padrão relacional e
comportamental que vai de encontro com características do mundo atual e quando esse
não responde a alienação, o lugar de fracasso e da doença é o que lhe resta.
Porém, consideramos que é preciso estar atento ao que isso significa no contexto
contemporâneo, em que percebemos elementos marcantes num mundo globalizado, que
se convencionou chamar de “nova ordem social”.
Há uma grande controvérsia na definição da contemporaneidade. Por muitos ela é
chamada de pós-modernidade, por outros, é entendida como um período de transição e,
ainda, por outros tantos, como extensão da modernidade. Mas, seja qual for a
denominação utilizada, em termos gerais, facilmente percebemos a grande velocidade
em que as coisas acontecem e como somos introduzidos nelas através da veiculação da
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informação. Isso nos coloca em tempo real em vários lugares e, também, nos retrata a
face cruel do mundo. Não podemos negar que nos mais variados setores, isto tudo
promove mudanças cotidianas fantásticas em nossas vidas e em nossas idéias,
parecendo, às vezes, nos retirar o direito ao sonho.
Na verdade, percebe-se um afrouxamento dos limites que marcavam as disciplinas
no pensamento moderno, com os conceitos se transportando de um saber ao outro e as
grandes linhas de demarcação perdendo a nitidez como, por exemplo, nas disciplinas
acadêmicas, nos “estranhos” objetos, constituindo novas problemáticas e recortes
inéditos no real da prática de pesquisa e ensino. A interdisciplinaridade, no entanto,
leva-nos ao erro de pressupormos uma identidade de objeto teórico entre diferentes
saberes, o que implicou perda da especificidade de cada conhecimento e um
afrouxamento conceitual.
Não se pode pensar a psicanálise dissociada da cultura. A cultura é o outro do
sujeito, ou seja, é o que possibilita sua constituição. Na cultura contemporânea a
velocidade das informações e possibilidades de opções promovem uma absurda
necessidade de decisões e a exigência de que essas sejam cada vez mais rápidas e
precisas. Ora, quando falamos de decisões, estamos falando de desejo, de inconsciente,
de prazer, portanto, de significantes do campo do sujeito, logo, da psicanálise.
Embora muitos problemas sejam semelhantes em pessoas dos diferentes segmentos
da sociedade, na verdade são singulares e vão variar seus arranjos incrivelmente. Não
há, seja qual for o arranjo social predominante do momento histórico, como impedir que
cada pessoa veja o seu mundo e o de outros de uma maneira própria e que viva cada
experiência de forma diferente de qualquer outra pessoa, atribuindo-lhe valor de modo
único. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de
descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.(FREUD,1930:103)
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Freud (1930), coloca que cada sujeito busca, no mundo, meios de realizar
desejos, mesmo que tenha que adapta-lo a suas pretenções. Porém é sabido que fazer
escolhas é correr risco, e que as experiências vivenciadas na busca de p’razer e
felicidade tem um preço, ou seja, na economia psiquica o ganho é fruto de uma batalha
contra o sofrimento, decepções e frustrações. Existem muitos caminhos que podem levar
à felicidade passível de ser atingida pelos homens, mas nenhuma que o faça com toda
segurança.(FREUD,1930:104)
Joel Birman (1996) coloca que o que se impõe na experiência psicanalítica não
é um ideal de cura, mas a finalidade de uma subjetivação para o sujeito, que seria
regulada no registro da ética. Assim, Freud pôde enunciar o que há de trágico na
condição do sujeito. É na cultura que o mal-estar do sujeito se impõe como estrutural,
quando as oposições e os impasses entre a pulsão e a cultura atingem seu cume.
O mal-estar na civilização é uma leitura da modernidade, realizada pelo discurso
freudiano, sendo, pois, a contrapartida psicanalítica para a interpretação da própria
modernidade e dos impasses do ideal iluminista de conquista da felicidade humana, pela
mediação da ciência e dos ideais da justiça social, que caracterizam o projeto moderno
do ocidente.
Como resgatar esse sujeito na pós-modernidade, uma vez que há uma ideologia
inserida na mídia que ilude o sujeito, que tenta vender uma imagem da cultura do ter,
que tampona o desejo de ser? Então, como ser sujeito, fazer ciência, escrever
cientificamente, estando dentro de um processo de educação que sufoca e não permite
que o desejo apareça? Inês Lemos, em seminário sobre Educação, Memória e Pós-
Modernidade1, propõe que os educadores façam uma reflexão sobre o pós-moderno, que
estabeleçam uma posição critica sobre aquilo que lêem, que se impliquem naquilo que o
1 Seminário apresentado na Universidade Presidente Antônio Carlos- UNIPAC no curso de Mestrado em Educação e Sociedade, em setembro de 2004.
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capitalismo tenta passar como verdade para nossas crianças. A luta contra as verdades
criadas pela mídia, a fim de resgatar o sujeito que vive massacrado pelas exigências da
pós-modernidade, é constante. Nesta perspectiva, a professora aponta para a
necessidade de se resgatar o tabu, para construção do superego, instância essencial,
segundo Freud, para a vida em sociedade. Esse resgate vai permitir a inserção do sujeito
na ordem do desejo, na falta, no simbólico, no limite, na repressão, no recalque.A
responsabilidade de educar os filhos recai sobre os pais, uma vez que, educar é, por
limite, reprimir, castrar e apontar a falta, o que permite a civilização. Assim, educar é
também permitir que a falta apareça sem a necessidade sufocante de tamponá-la, é
conviver com as lacunas, é deixar espaço para o desejo, é evitar a imposição do ter,
oferecida pelo capitalismo.
1.2.Cultura do sucesso na Sociedade do Espetáculo
Debord (1972), ao escrever sobre a sociedade do espetáculo, desloca o foco de
pesquisa e a polemização das questões econômicas e sociais, discutidas por Marx, na
emergência do capitalismo industrial para a cultura e a vida cotidiana das pessoas.
Entender e questionar o que a sociedade, tanto capitalista quanto socialista, estava
produzindo na vida das pessoas era urgente na emergência da sociedade
contemporânea.Segundo a pesquisadora Belloni (2003), Debord prenuncia o século
XXI, povoado de máquinas “inteligentes” que perturbam a subjetividade humana
(p.130).
Na sociedade pós-moderna, é possível dizer de uma degradação do ser, do não
espaço para a subjetividade, diferença e para o particular em função do ter, do consumo,
do fetichismo da mercadoria. Já na sociedade do espetáculo, caminha-se para o parecer,
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quando a imagem toma conta da vida social. Belloni (2003) expõe que nessa evolução
houve um empobrecimento da vida cotidiana, fragmentando a subjetividade.
Na sociedade do espetáculo, o ser é substituído pela imagem, cria através das
relações sociais e da mídia o espaço das falsas consciências da ilusão padronizada, de
um modelo de vida que é produzido pela sociedade da imagem dominante: o sucesso,
aquilo que eu pareço ser, o que é exigido como belo e bom pela sociedade do
espetáculo. A sociedade do espetáculo produz sucesso na medida em que cria
necessidades, que a mídia divulga como imperativos dos modelos padronizados. O ser
vive na ilusão do parecer. Se me enquadro na imagem de sucesso, faço parte dessa
cultura de sucessos.
A indústria fabrica os produtos e mercadorias que os sujeitos imaginam e
acreditam necessitar para serem aceitos no convívio social. O desejo pelo sucesso, pela
inclusão, fica maior ou mais forte que a subjetividade, que o próprio projeto de vida.
Assim, o sujeito, vítima do espetáculo das imagens sociais de sucesso, abre mão de seus
desejos inconscientes, aquilo que é particular e que faz parte de sua própria história de
vida, para alienar-se aos objetos contemplativos de imagem, espetáculo e sucesso.
A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto que os seus próprios gestos já não são seus, mas dum outro que lhes representa. (DEBORD, 1972:26)
A sociedade do espetáculo seria aquela que vive do que aparenta ser, da criação
ideológica dos meios de comunicação. É o espetáculo em si que ilude e convence,
segundo Chiavenato (2004), através de luz, cores, cenografia e presença central de uma
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personalidade simbólica da ideologia, o homem é seduzido e seus comportamentos,
sentimentos e relacionamentos padronizados.
Nesse contexto social, não vai existir espaço para aquilo que é diferente do
espetáculo, não há possibilidade de sucesso pela via subjetiva, do desejo de ser,
inconsciente. A sociedade do espetáculo vem propor uma estreita relação entre o
consumo e o sucesso. Como o que impera no espetáculo é a imagem, a possibilidade de
ser, de investir no sujeito é suprimida pelas exigências do mercado que privilegia o ter,
a mercadoria e o produto como bens que proporcionam a felicidade e o sucesso, uma
vez que a imagem, a aparência e os atributos que vão dominar a vida social do sujeito.
Quando a vida é modelada no padrão do parecer, vem o sucesso, pois a vida está
seguindo as exigências pós-modernas dos espetáculos.
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar generalizado do ter em parecer, de que todo o ter efetivo deve tirar o seu prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo toda a realidade individual tornou-se social, diretamente dependente do poderio social, por ele moldado. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer. (DEBORD,1972:17)
O espetáculo impõe ao homem uma incapacidade crítica diante dos fatos, ou
seja, faz com que a sociedade acredite que o sucesso está ligado ao produto e à
aparência, que seguir o modelo, imitar, é ser símbolo do espetáculo e,
consequentemente, ser aceito pelo grupo social. As coisas passam a ser o que
aparentam. E aparentam ser pela imagem que transmitem. (CHIAVENATO,2004:78)
É nesse sentido que se pode dizer que a sociedade do espetáculo não reconhece a
qualidade, a relação, a experiência, as diferenças, a essência na vida dos sujeitos, sua
concepção de felicidade, bem-estar e saúde; reafirma o quantitativo do econômico, do
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consumo, da produção e da mercadoria, assim como a quantidade de tributos
imaginários que ilustram a aparência e apontam para uma sensação de sucesso.
A sociedade do espetáculo faz referência tanto à sociedade capitalista como
comunista, a questão central está na imagem e como ela é utilizada em cada um desses
sistemas. No capitalismo, o espetáculo é a outra face do dinheiro(DEBORD,1972:40),
que é a moradia do sucesso. A ditadura da mercadoria não deixa escolha à massa. A
violência simbólica do espetáculo se materializa na alienação, no enquadramento do
padrão estabelecido pelo espetáculo das imagens bem sucedidas de consumo e sucesso
através da aparência.
Já nos países socialistas, o espetáculo se apresenta no modelo de poder que o
homem, dotado da ideologia da imagem soberana, reúne atributos capazes de alienar o
povo. A massa vê como verdade real aquilo que é transmitido ideologicamente a fim de
aliená-la na imagem de igualdade. Segundo Belloni (2003), na falta de mercadoria a
consumir consome-se a imagem do líder.
Assim, fica claro que, na sociedade do espetáculo, a forma de agir é sempre
ideológica, a realidade social está deformada pela ideologia, o modelo social real não
existe pois, automaticamente, com a vivência, é deformado pela ideologia do
espetáculo.
O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na sua plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é materialmente a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem. (DEBORD,1972:203)
O homem está vivendo um isolamento, está separado do Outro, que o faz sujeito
de si mesmo, pois vive a aparência, a imagem e, não, sua própria história de vida
marcada de subjetividade, fracassos, sucessos, sofrimentos e realizações de desejos
inconscientes. Assim, qual espaço o adolescente terá para construção de sua identidade?
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Como construir uma identidade autônoma se a ideologia do espetáculo já possui o
modelo?
Por fim, é importante ressaltar que a necessidade de atender as demandas, de
está na vitrine, de consumir o modelo, de ter sucesso vem apontando ao adolescente um
grande esforço psicossocial. Muitas vezes, a necessidade de vivenciar experiência
prazerosas leva o adolescente a ultrapassar seus limites e escolher padrões que não
condizem com seus conteúdos interiorizados. Caracterizamos esse processo como
adoecimento, a busca desenfreada para possuir uma imagem, mesmo que ilusória, mas
prazerosa e condizente com a sociedade pós moderna. Assim nosso entendimento de
saúde e doença perpassa um viés psicossocial de entendimento do que seria uma
condição saudável de vida e busca de prazer.
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Capítulo II
2. A Cultura Escolar: os atores da Educação
Depois de vinte anos na escola Não é difícil aprender Todas as manhas do seu jogo sujo Não é assim que tem que ser (Geração Coca-Cola, Renato Russo)
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2.1. A Escola como Espaço Intercultural
A escola configura-se como um dos espaços educativos na vida dos
adolescentes. Além desse presencia-se a família, a sociedade, a mídia, contribuindo na
formação da personalidade dos jovens. É sabido que no convívio, nas relações e nas
trocas afetivas e psico-sociais, as crianças internalizam padrões de comportamento,
normas e valores próprios de sua realidade sócio-cultural. A criança, mesmo antes de
nascer já é carregada de um imaginário criado por seus familiares, que acabam
construindo um lugar, seu papel, dentro do grupo familiar.
Sendo a escola uma instituição social, a ela cabe, também, a educação integral
das crianças e adolescentes. Nesse espaço são transmitidas ideologias que estão
disponíveis na sociedade, junto aos conteúdos, os adolescentes internalizam uma
maneira peculiar de relação que a própria cultura escolar estabelece.
A cultura escolar seria então o conjunto de normas, valores, conteúdos,
princípios, objetivos, metas, projetos e ações do grupo de educadores e da própria
instituição, ou seja, o resultado da construção social, contingente às condições
materiais, sociais e espirituais que dominam um espaço e um tempo. (GÓMEZ,
20
2001:17) A cultura de um espaço educativo poderá ser em sua essência e ação diferente
de outras instituições, pois uma proposta educacional, o projeto político pedagógico e a
efetivação prática, no dia a dia escolar do trabalho educativo, são realizados por pessoas
com história sócio-cultural e educacional também diferentes. Assim, cada realidade
educacional irá subjetivar suas ações de maneira particular, ou seja, mesmo pertencendo
a uma rede de escolas com mesmo projeto pedagógico, o colégio onde a pesquisa se
realiza interpreta e efetiva sua prática educacional de acordo com sua cultura escolar.
Segundo Gómez (2001), a Educação pode ser entendida como um complexo
processo de enculturação, ou seja, momento dinâmico no qual o homem adquire
crenças, tradições e costumes da sociedade em que vive. Já a escola pode ser vista como
espaço de cruzamento de culturas, intercâmbio de diferentes condutas que coexistem no
cotidiano escolar. Esse processo de trocas, tensões, restrições e construções podem
provocar efeitos na vida dos adolescentes, produção de novos significados para uma
juventude em formação.
É evidente que os estudantes aprendem muito mais e muito menos, em todo caso algo diferente, do que lhes é ensinado intencionalmente no currículo explícito. Tanto os intercâmbios acadêmicos como os intercâmbios pessoais ou as relações institucionais se encontram mediatizados pela complexa rede de culturas que se inter-relacionam neste espaço artificial, e que constituem uma rica e espessa teia de significados e de expectativas por onde transita cada sujeito em formação, precisamente no período mais ativo na construção de seus significados e de sua identidade. (GOMEZ, 2001:18).
No espaço escolar, convivem um complexo cultural que, no cotidiano
educacional, constrói suas próprias características, buscando para isso elementos
institucionais, pedagógicos e sociais. A escola precisa refletir constantemente sobre sua
prática educativa e sobre os elementos constitutivos de sua cultura e ação, pois esses
mecanismos exercem influência sobre a formação de identidade dos adolescentes.
21
O cruzamento cultural, presente na escola, é permeado por determinação da
sociedade pós-moderna, ou seja, a cultura escolar não está isenta das influências da vida
pós-moderna. Assim, a pretensão educativa de formar futuras gerações requer a
compreensão dos aspectos que compõem o cenário educacional e social.
Dentre as diferentes culturas que compõem esse complexo cruzamento, Gómez
(2001) descreve: a cultura crítica, a cultura social, a cultura institucional, a cultura
experiencial e a cultura acadêmica.
Na sociedade pós-moderna marcada pelo imediatismo das imagens e pela crença
nas verdades aparentes, produzidas na valorização do espetáculo, do que pode ser visto
como sucesso, a escola incorpora funções diversas: a instrução, a socialização e a
educação crítica.(GÓMEZ, 2001: 261).
As funções assumidas pela escola e as conduções dos procedimentos educativos
decorrentes destas responsabilidades são fruto desse cruzamento intercultural presente
no espaço educacional. É na equalização das ações entre ao atores da prática educativa
que a escola poderá cumprir e agir na construção das identidades dos adolescentes.
A escola, tendo função socializadora, não estará isenta dos intercâmbios de nossa
sociedade. O contexto político e econômico que vivenciamos na sociedade atual se
fazem presentes como ideologia e são evidenciados na atuação dos educadores, o que
inevitavelmente se presentifica na formação dos adolescentes, por traços identificatórios.
A função instrutiva é, para muitos, a finalidade explícita da Educação e, segundo
Piaget (1998), é, também, a responsável pelo maior enculturamento dentro do processo
educativo, pois acaba por impor verdades e conceitos intelectuais historicamente
construídos em outras realidades culturais e que não a do aluno.
22
É preciso ensinar os alunos a pensar, e é impossível aprender a pensar sob um regime autoritário. Pensar é procurar por si mesmo, é criticar livremente e é demonstrar de maneira autônoma. O pensamento supõe, portanto, o livre jogo das funções intelectuais e não o trabalho sob coerção e a repetição verbal. (PIAGET, 1998:154).
É preciso ressaltar que a cultura intelectual faz parte do processo de
desenvolvimento do ser humano e é na escola que se pode viver e desfrutar de sua
riqueza, porém é necessário cuidado para não transmiti-la como verdade incontestável.
Na perspectiva da função educativa da escola, presentifica-se o real resultado das
opções morais, valores, regras, crenças, críticas e reflexões que os atores das instituições
escolares estabeleceram como seus princípios educativos para a formação humana dos
seus alunos adolescentes.
Quando falamos de escola particular ressaltamos a liberdade para definição das
propostas no âmbito pedagógico e ideológico. Essas propostas constituem práticas de
ensino, aprendizagem e socialização coerentes com as crenças da instituição sobre a
Educação. Pode-se falar em identidade própria nas escolas particulares, porém sempre
pensando que o próprio deve contemplar as diferenças presentes nesse espaço.
A incidência real dos fatores identificados como requisitos do funcionamento eficaz das instituições escolares somente pode ser determinada e compreendida na análise de sua específica intervenção em cada contexto singular, em cada cenário particular de interação entre os indivíduos, as estruturas organizativas, as expectativas coletivas e os propósitos educativos e curriculares combinados. ( GÓMEZ,2001:154)
Sendo assim, a cultura escolar é também determinada e traçada pelos educadores
que efetivam a ação educacional dentro das instituições escolares e, mais, como a escola
está desenvolvendo suas funções diante dos seus alunos dependerá da ação dos atores,
professores, coordenadores, diretores e funcionários da escola. Assim, a ação dos
educadores é ponto decisivo da cultura escolar que, por sua vez, é determinante na
constituição da identidade dos adolescentes, seus alunos.
23
2.2. A Ação dos educadores e a cultura da escola
A cultura escolar está diretamente relacionada à ação dos educadores. Para falar
do espaço escolar faz-se necessário entendermos a realidade educacional desse espaço.
Caracterizamos como educador todos os participantes das ações dentro de uma escola,
do diretor, coordenadores, psicólogos, professores, porteiros, cantineiros e secretários.
Educadores, neste sentido, refere-se a pessoas capazes de proporcionar espaços de
transformação humana e aquisição e produção de saber.
A escola, que na atualidade atende desde idades tão precoces o desenvolvimento das novas gerações, deve assumir funções e desempenhar papéis que anteriormente estavam reservados à vida familiar. Assim, pois, a transmissão dos conteúdos da cultura crítica como sua concretização em costumes, hábitos ou formas de interação e atuação também começa a ser acompanhada na escola de uma importante carga afetiva que condiciona sua aquisição e sua utilização posterior. (GÓMEZ,2001:136)
No colégio pesquisado, foi possível observar que, historicamente, a escola vem
de uma tradição rigída herdada dos anos 40, quando ainda funcionava como internato,
dirigido pela igreja católica. Esse rigor está não apenas em seu regimento interno mas,
sobretudo, na condução que se faz cumprir pelo diretor das regras estabelecidas.
No ano 1996, quando incorporado à Rede Pitágoras de Ensino, o Colégio
identifica sua imagem de melhor escola da região a marca de qualidade de ensino da
Rede Pitágoras. Neste momento, a missão do colégio passa a ser muito mais ensinar
conteúdos com eficácia e êxito do que formar integralmente seus alunos, apesar de ser
objetivo descrito em seu projeto pedagógico.
Na entrevista com o diretor e com a coordenadora do Ensino Fundamental do
colégio, realizada como parte de uma pesquisa desenvolvida paralelamente a revisão do
referencial teórico, percebemos a preocupação e a necessidade de pensar o adolescente
24
como sujeito em formação, que vive momento de construção de conceitos e
consolidação dos valores, padrões e ideologias, principalmente por meio dos exemplos
vivênciados. Acreditam eles que, no espaço intercultural da escola, a marca dos atores
escolares deve ser coerente com os conteúdos ensinados e com a ética da convivência
com o diferente, mesmo que a família e a sociedade façam e pensem de outra maneira.
A fim de esclarecer questionamentos realizamos uma pesquisa, anterior a coleta
de dados do presente trabalho, que nos proporcionou obter dados sobre a perspectiva do
professor no contexto e sua contribuição na formação dos adolescentes alunos. Nos
diálogos com os atores-professores, percebemos grande dificuldade em efetivar o
discurso da formação integral dos adolescentes. Os professores queixam que o material
didático, que vem pronto da rede Pitágoras, exige que o processo de ensino
aprendizagem não tenha intervalo. Para conclui-lo, os professores não podem parar
conteúdos proposto no material para discutir projetos necessários à formação paralela
dos adolescentes. A professora de Matemática alega perceber a necessidade de intervir e
esclarecer questões dos alunos, o que requer diálogo e tempo, porém, às vezes, se sente
constrangida e presionada pelo tempo e pela necessidade de fechar todos os tópicos do
material didático.
Analisando a perspectiva dos professores, foi possível observar a marca da
cultura do sucesso, da pós-modernidade, interferindo e determinado suas ações e
planejamentos. A velocidade massacrando a qualidade das relações e valores humanos.
Questionando sobre a cultura do espaço educativo, percebemos a qualidade do trabalho
de ensinar, mas vislumbramos a necessidade de atingir os adolescentes com valores e
padrões de vida mais reflexivos.
Se a escola, segundo Gómez (2001), é o espaço de intercâmbio das diferentes
condutas, conceitos e padrões, todo ato educativo de ensino-aprendizagem configura-se
25
como tentativa de formação integral humanizadora, mesmo que o foco da ação dos
educadores esteja no conteúdo e não na pessoa do adolescente aprendiz.
Não se pode esquecer que educadores são lideres da instituição escola e, como
centro de condução, tornam-se, também, exemplo a ser identificado, o que
inevitavelmente marca a cultura da escola e a formação dos alunos adolescentes.
Assim, analisar a ação dos educadores na construção da cultura do espaço escolar
não é tarefa fácil, pois a Educação pressupõe respeito as diferenças e garantia da
convivência de todos. Integralizar ou univerzalizar a cultura do colégio em questão, seria
negligenciar esse principio educacional e adotar uma postura homogenizadora e
superficial. Neste sentido, a escola está culturalmente construindo e desconstruindo a sua
identidade escolar, nas crises, reuniões, entrada de novos alunos e professores, nas
influências das famílias e até da mídia. Afirmaria, então, que pode-se falar da escola
como espaço intercultural, marcado por diferentes padrões culturais, inclusive o da
imagem produzida na sociedade do espetáculo, o do sucesso e a do respeito aos valores
humanos.
26
Capítulo III
3. Adolescência e identidade diante da cultura do sucesso
Hoje eu sei que quem me deu a idéia De uma nova consciência e juventude, está em casa guardado por Deus Contando vil metal Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, tudo que fizemos Ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais (Como nossos pais, Belchior)
_____________________________________________________________
3.1. Adolescência e Identidade
O Brasil é responsável por cerca de 50 % da população jovem do continente
latino-americano. Isso significa, segundo as Nações Unidas, alto número de pessoas
disponíveis ao ingresso no mercado de trabalho, características biológicas específicas e
traços culturais marcantes.
No ano de 1985, as Nações Unidas comemoraram o Ano Internacional da
Juventude e produziram um referencial que estabelecia orientações para que os países
construissem bases para políticas de juventude.
Conceituar adolescência é uma tarefa difícil, começando pelas nomenclaturas:,
puberdade, adolescência, jovens e juventude.
Todos esses nomes fazem referência a uma fase do desenvolvimento do sujeito.
A juventude é considerada comumente como a etapa da vida que vai desde a puberdade
até a independência da família de origem e a entrada nas responsabilidades do mundo
adulto: autonomia econômica, formação de sua própria família, constituição de um lar.
27
Nesta fase, podem-se perceber características marcantes. É o momento do
despertar para os desejos sexuais, da contestação a leis e normas, da ressignificação da
personalidade, de consolidação da identidade, de transformações e maturação do corpo.
No corpo, o sujeito vive uma verdadeira metamorfose, com desenvolvimento dos órgãos,
principalmente os sexuais, o que faz aflorar a sexualidade e a busca pela realização de
seus desejos. Na adolescência o homem e a mulher estão, do ponto de vista biológico e
fisiológico, prontos para reprodução, para a relação sexual, porém, na perspectiva sócio-
psiquica, questões ainda precisam ser consolidadas.
(...) a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações objeto-parentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece, mediante o uso dos elementos biofísico em desenvolvimento à sua disposição e que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil. (ABERASTURY; KNOBEL, 1981:26).
Na adolescência observa-se uma separação dos sujeitos dos pais. Mudanças
biológicas impõem ao jovem estabelecer vínculos amorosos que permitam a procriação
e satisfação de desejos sexuais. Segundo Knobel (1981), um desprendimento útil que
facilitará ao adolescente o exercício da maturidade e da genitalidade adulta.
Quanto à lei e às normas, a adolescência é um tempo em que o desligamento da
autoridade dos pais deve ser conquistado e que o caminho costuma ser a oposição às leis
e normas estabelecidas e defendidas pela família. Esse processo faz parte do
desenvolvimento e da constituição da identidade. A criança precisa conquistar sua
autonomia, passar de um grupo etário a outro e, para isso, o desligamento da tutela
paterna é essencial. O filho, lançando mão dos referenciais, valores e normas de sua
família, muitas vezes representada pelo pai, que segundo a Psicanálise é o representante
da lei, constrói seus próprios ideais de vida. Neste momento esse adolescente, descobre
que pode ver muito além do olhar de seus pais, exige a liberdade e perde a segurança.
28
Na construção da identidade os jovens buscam os traços identificados na relação
com familiares e amigos, apesar de oporem-se a sua história educacional, os elementos
que estruturam seu eu vêm dessas relações.
É assim como aparecem relações fantasiadas com professores, heróis reais e imaginários, companheiros mais velhos, que adquirem características parentais, e podem começar a estabelecer relações que nesse momento satisfazem mais. (ABERASTURY; KNOBEL,1981:57)
Segundo Levisky (1998), a autoridade é necessária para dar referências e limites
claros aos indivíduos. No entanto, parece estar sendo confundida com autoritarismo,
abuso de poder e desordem. Os pais se mostram frágeis diante das mudanças mundiais,
e os jovens não estão capacitados, ainda, para assumirem responsabilidades da vida
adulta.
Pode-se dizer que a adolescência é um tempo de transição e construção no qual o
sujeito por estar inseguro, buscando padrões, está também vulnerável às ofertas do
mundo. É nesse momento que a família deve se apresentar como protagonista na
constituição da identidade. Segundo Levisky, (1998) é a partir da família e das
experiências emocionais, vivenciadas nas relações com os pais, que são introjetados os
modelos de identificação, porém, ao longo da vida, inclusive na adolescência, outras
interações vão sendo vivenciadas, o que influenciará na identidade do adulto.
Como canta Elis Regina, seduzida por Belchior na teia do tempo, os jovens
tentam tecer um ser autônomo, dono de si, num novo mundo, com novas idéias, uma
juventude que foi enganada pela aparência. A nova juventude não tem nada de inédito,
pois, inconscientemente, introjeta traços de suas vivências familiares, além de estarem
em constante mudança, uma vez que são seres sociais que não podem deixar de captar
as transformações de seu tempo.
29
Considerando que os indivíduos são seres sociais, que em dado momento de suas
vidas são inseridos na vida coletiva, inicialmente a família, a construção de sua
identidade carrega e agrega, a todo momento, aspectos de suas ações sociais.
A identidade, plenamente unificada, completa, segura e coerente, é uma ilusão.
Ao eu (identidade introjetada a partir das relações primárias) são integrados traços de
uma estrutura social em seu tempo e espaço. Na construção da identidade, o jovem
agrega ao eu aspectos de suas experiências e relações, socializadas no momento sócio-
histórico vivenciado por ele.
Castells (2001) entende por identidade a fonte de significados e experiências de
um povo, o processo de construção de significados com base nos cruzamentos culturais.
Ela se constitui por meio da individuação e introjetação de aspectos vivenciados e
experienciados pelas relações sociais.
Segundo Hall (2003), a fragmentação das paisagens culturais, no final do século
XX, está transformando, também, nossas identidades pessoais, abalando a idéia que
construímos sobre nós, sobre o próprio sujeito, como ser integrado.
Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (HALL, 2003:9)
Neste sentido o autor propõe três concepções de identidade:
a) – sujeito do iluminismo;
b) – sujeito sociológico;
c) – sujeito pós-moderno.
O sujeito do iluminismo caracteriza uma concepção do indivíduo centrado,
unificado, dotado de razão, com alta consciência de si. Um ser individual que nasce
e desenvolve com sua essência, sem mudanças. O eu representa sua identidade
30
autônoma, dona de si, que independente do contexto social, das emoções e
subjetividade se desenvolve através de sua energia interior, sempre centrada na
razão.
O sujeito sociológico, ao contrário, já constitui sua identidade na relação e troca
entre o interior e os valores, sentidos e símbolos representados pela cultura. Assim,
para a Sociologia, a identidade tem uma parte interna que chamamos de eu, porém
esse núcleo interno interage com o externo, com a sociedade que o sujeito vive e,
neste contexto social de traços o exterior, a experiência sócio-cultural oferecem
características ao eu, o que constituirá a identidade das pessoas. A identidade, nessa
concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre
o mundo pessoal e o mundo público. (HALL, 2003:11)
Pode-se pensar a identidade dos sujeitos diante do mundo pós-moderno e, mais
especificamente, diante de uma cultura que exige e expõe um modelo para o sucesso que
muda rapidamente. Esse processo produz um sujeito que não tem uma identidade fixa,
permanente, uma pessoa que vive a instabilidade da pós-modernidade.
A identidade é móvel e fragmentada pelas transformações e velocidade dos padrões sociais. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidade que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL, 2003:13).
3.2.Identidade do sucesso
Segundo Stuart Hall (2003), o conceito de identidade envolve a transitoriedade
do conceito ligado ao iluminismo para o nível sociológico e, posteriormente, ligado
ao sujeito pós-moderno.
31
Desde sempre, o sujeito humano constitui-se no seu tempo e espaço conforme
costumes e cultura deste momento vivido. É sabido que na pós-modernidade vive-se
o descentração do sujeito, formando um homem individual com uma identidade
peculiar. O autor afirma que a modernidade liberta o homem das tradições e
estruturas estáveis de seu passado.
A identidade passa a ser pensada dentro das relações sociais, construídas ao
longo do tempo, através de processos inconscientes e não inatos, que recorrem a
movimentos culturais e sociais para se sustentarem. A identidade constitui-se a
partir de referências de desejo até chegar à aceitação social de pertencer ao grupo e
viver não no coletivo, mas segundo suas regras, pois o sentimento de aceitação e de
reconhecimento necessita, pelo menos temporariamente, ser satisfeito.
As sociedades da modernidade tardia são caracterizadas pela “diferença”; elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeito” – isto é, identidades – para os indivíduos. (HALL, 2003:17)
O adolescente acredita que será feliz se consumir aquilo que seu grupo escolhe,
que seu eu deve seguir os padrões do adolescente pós-moderno e não de suas
origens, crenças e conceitos próprios. O padrão de escolha é caracterizado pelas
marcas da pós-modernidade.
Nesse contexto, a juventude está estruturando sua identidade. Entre uma
identificação e outra os jovens vão tentando moldar um estilo, construir suas idéias e
posicionamento diante das coisas do mundo.
Vivendo a pós-modernidade, no momento de construção de sua identidade, o
adolescente também sofre suas conseqüências, para estabelecer seus regras.
Segundo Goffman (1980), a sociedade estabelece meios de categorizar as pessoas,
32
aspectos e atributos que permitem mapear sua identidade. Isso pode incluir ou não o
adolescente no padrão estabelecido, neste determinado momento sócio-cultural.
A sociedade atual, dominada pela imagem, pela aparência, pelo parecer belo,
exige dos adolescentes parecer ter, consumir os padrões criados e recriados nas
relações. Goffman (1980) acredita haver dois tipos de identidade social: aquela
chamada identidade social virtual e a identidade social real. A identidade virtual é o
que se imagina ser, são categorias pré-concebidas em que os adolescentes precisam
consumir para ter sucesso, para ser em aceitos pelo grupo.
A identidade real diz do eu, da realidade, dos atributos e características que
fazem parte do indivíduo, daquilo que o sujeito demonstra realmente possuir.
Sugeriu-se inicialmente que poderia haver uma discrepância entre a identidade virtual e a identidade real de um indivíduo. Quando conhecida ou manifesta, essa discrepância estraga a sua identidade social; ela tem como efeito afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo. (GOFFMAN,1980:28)
É possível afirmar que existe um vácuo entre o que é a identidade do adolescente
e aquela que ele sonha ter e acaba por acreditar ter. Esse intervalo entre o real e o
imaginário está sendo ocupado pelas ofertas do mundo pós-moderno, o que acaba
por criar identidade de aparência.
A identidade de sucesso desejada e necessária ao adolescente que sonha ser
aceito, pertencer ao grupo, é uma identidade muitas vezes virtual, diz daquilo que os
jovens acreditam ter e ser, mas, na verdade, corresponde a uma imagem transmitida
pelo social e consumida pelo processo de identificação na juventude. A identidade,
então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à
estrutura.(HALL, 2003:12)
33
Com isso, pode-se dizer que os jovens, na pós-modernidade, têm dificuldades de
constituírem uma identidade consolidada e fixa. As identidades são momentâneas e
se confundem com processos identificatórios. A cada momento ele cria um desejo,
uma verdade, um produto que pode responder por sua identidade.
Os adolescentes, vivendo uma instabilidade, acabam por identificar-se com as
ofertas dos grupos sócio-culturais. Na necessidade de incluírem-se, serem aceitos e
pertencerem ao grupo, os jovens compram as idéias oferecidas e disponíveis na
sociedade. Assim, introjetam a verdade de que tendo os materiais, os bens de
consumo disponíveis no mercado serão indivíduos respeitados, felizes e com
sucesso.
Por fim, é sabido que, segundo Debord (1972) a sociedade vive no mundo das
imagens, das aparências, do espetáculo. O essencial é parecer ter, os jovens não
precisam ter uma identidade coesa e fundada em princípios, mas, sim, se
apresentarem com um ser de sucesso, transmitindo essa imagem.
34
Objetivos
Objetivo geral
Analisar se a cultura do sucesso influência o processo de constituição da identidade de
alunos de 13 e 14 anos da rede particular de Diamantina.
Objetivos específicos
Verificar se a proposta do Colégio D. institui a cultura do sucesso.
Observar se existe influência da sociedade do espetáculo com a construção da identidade
dos adolescentes do Colégio D.
35
Capítulo IV
4. O Colégio D. como lócus para investigação
_____________________________________________________________
A escolha da instituição onde se desenvolveu a pesquisa seguiu os critérios de ser
uma escola particular, com alunos cursando o Ensino Fundamental e localizada na
cidade de Diamantina, uma vez que se pretendia pesquisar alunos da classe média alta
no espaço escolar. A partir destas condições, pré selecionamos uma escola na cidade que
se enquadrou nos parâmetros da pesquisa.
O Colégio selecionado foi criado em 23 de novembro de 1933, pela Sociedade
Anônima Ginásio Diamantinense, e começou a funcionar em 15 de março de 1934, com
autorização federal, após fiscalização preliminar, ocorrida em 10 de março de 1934. Seu
primeiro diretor foi o Cônego Raimundo de Almeida.
Posteriormente, em 1939, foi o Colégio encampado pela Mitra Arquidiocesana
de Diamantina, conforme um acordo celebrado com a Sociedade Anônima Ginásio
Diamantinense.A partir de então, criou-se o internato para rapazes, visando atender à
necessidade educativa de muitas famílias do interior de Minas. O Ginásio tornava-se o
pólo de estudos do centro – norte de Minas. O internato esteve em atividade até 1970.
Segundo fontes documentais, o primeiro curso a funcionar no Colégio foi o
antigo ginasial, hoje, equivalente às quatro últimas séries do Ensino Fundamental. Com
o Decreto nº 1917, de 17 de março de 1943, foi autorizado o funcionamento do Ensino
Médio, já com a direção do padre José Pedro Costa.
Segundo arquivos históricos, em 1945, foi criada e aprovada a Escola Técnica de
Comércio, sob a direção de padre Celso de Carvalho. O curso Técnico de Contabilidade
encerrou-se em 1990. Em 1985, sob a direção do professor Célio Hugo Alves Pereira,
36
foi autorizado e teve início o curso Técnico de Enfermagem que, em convênio com a
CODEVALE e com a participação de diversos municípios do Vale do Jequitinhonha,
formou três turmas, beneficiando a região.
No ano de 1986, começaram a funcionar as turmas do Pré – escolar (Educação
Infantil) e as de primeira à quarta série do Ensino Fundamental. Já em 1996, o Colégio
integrou-se à Rede Pitágoras, constituindo um marco de qualidade em Educação. Ao
filiar-se à Rede Pitágoras adotou seu projeto pedagógico, ou seja, iniciou-se um
processo de parceria também na filosofia educacional do sistema Pitágoras.
O Pitágoras foi criado em 1966 e, na década de 90, inaugurou a Rede Pitágoras
com o objetivo de ampliar a área de abrangência, além de garantir a consistência de
princípios, a clareza e a autonomia da ação pedagógica nas escolas integradas.
Juntamente com essa expansão, foi elaborado um documento que se caracterizou como
o projeto político pedagógico da rede Pitágoras. Assim, a missão educacional
pressupunha crença na vida, crença na capacidade do homem compreender a realidade e
nela atuar, tornando-se melhor e primando pela qualidade de vida de toda a sociedade.
No ano de 2005 o Pitágoras revisou e atualizou o Projeto Pedagógico, buscando
alternativas para viabilizar o trabalho educacional das escolas. O século XXI aponta
para o cenário educacional um novo paradigma de sociedade, o que implica uma
renovação no sistema de educação escolar. Assim, a Rede Pitágoras ampliou seu
escopo, acrescentando o componente empreendedorismo e ética em sua proposta
curricular.
Neste sentido é, pois, responsabilidade desta escola, como instituição
educacional, entender o passado, viver o presente e vislumbrar o futuro para afirmar,
com coragem e lucidez, os valores que fundamentam a vida, criando condições para que
as pessoas se desenvolvam integralmente.
37
Segundo o projeto pedagógico Pitágoras (2005) onde quer que haja uma escola
Pitágoras existe:
A vitalidade que propicia renovação constante em busca da qualidade.
A sensibilidade que percebe os mais delicados sentimentos.
A ternura que acolhe amorosamente todas as pessoas.
A sabedoria que revela o caminho da verdade.
A firmeza que rejeita o que é contra a vida, com corações livres de ódios e
ressentimentos.
Uma sociedade fundada na liberdade, na justiça e na solidariedade.
Independente do tempo de permanência de uma criança e/ou adolescente nas
escolas Pitágoras trabalha-se para que essas aprendam a necessidade do
questionamento; a alegria da descoberta; o valor da crítica conseqüente; a coragem da
denúncia e o poder da ação.
Sendo assim, os objetivos da Rede Pitágoras de acordo com o projeto
pedagógico (2005), que passaram a ser também do Colégio, são:
1. Alto desempenho dos alunos e melhoramento das instituições.
2. Competência da força de trabalho.
3. Comprometimento com a realidade social.
4. Relações de parceria.
5. Competência em gestão.
Quando se analisa a proposta pedagógica da rede Pitágoras, pode-se perceber a
ênfase em formar um aluno de sucesso, uma criança e adolescente que seja capaz de
identificar e utilizar todas as oportunidades do mundo competitivo, assim como gerar
conhecimento como forma de autonomia, competência e sucesso no mercado de
trabalho. Neste momento, faz-se necessário pesquisar como esse projeto pedagógico se
38
relaciona com a ideologia da sociedade atual, na qual a cultura impõe o sucesso. É
importante observar, criteriosamente, as crianças e adolescentes educados na rede, nesta
sociedade e com essa cultura.
Existe relação desta proposta educacional com a cultura do sucesso e a
constituição da identidade dos adolescentes?
Esta proposta educacional da Rede Pitágoras vem mostrar uma preocupação com
a formação integral do adolescente, pensando na complexidade subjetiva do sujeito,
formando a justiça, a verdade, a sensibilidade, a competência e a importância das
relações interpessoais respeitosa. Porém, em se tratando de rede, cada escola efetiva os
objetivos de acordo com sua cultura escolar. È, neste momento, que questões aparecem.
As escolas conveniadas precisam colocar em prática e vivenciar no dia-a dia essa
construção.
O Colégio trabalha com alunos de 7 a 18 anos, alunos desde a 1ª série do Ensino
Fundamental até ao 3° ano do Ensino Médio, na sua maioria filhos da classe média alta,
que pagaram mensalidade de R$ 237,55 no Ensino Fundamental e de R$ 284,60 no
Ensino Médio no ano de 2005. Hoje, o Colégio é a única instituição de ensino privado
de Diamantina que oferece atendimento desde as séries iniciais do Ensino Fundamental
até o Ensino Médio.
A tabela mostra o crescimento de matriculas, a partir de 2000.
COLÉGIO D. QUADRO DE
MATRÍCULAS
2000 - 2001 - 2002 - 2003 - 2004 –2005 SÉRIE 2000 2001 2002 2003 2004 2005
3º P. 7 1ª 7 18 13 14 22 12 2ª 17 8 24 16 12 22 3ª 11 19 10 22 15 16 4ª 15 11 30 16 23 16 ST 57 56 77 68 72 66
39
5ª I 23 27 35 28 32 26 5ª II 20 27 28 22 6ª 25 39 23 35 28 36 6ªII 22 27 7ª 31 33 23 23 25 29 7ªII 21 23 29 8ªI 29 34 39 22 40 37 8ª 24 ST 128 160 163 183 152 178 1º I 22 27 32 29 35 32 1º II 23 25 30 28 33 32 2º I 24 38 41 36 30 38 2º II 24 34 29 37 3º I 50 26 24 25 39 37 3º II 29 26 26 34 35 ST 143 145 153 178 200 211 TOTAL 328 361 393 429 423 452
40
Capítulo V
5. Metodologia: coletando construções
_____________________________________________________________________________________
Pesquisar envolve atividades que permitirão estudo, descrição, desenvolvimento e
análise de situações tidas como problema. Segundo Goldenberg (2001), pesquisa
qualitativa consiste em coletar dados que propiciarão a descrição detalhada de situações,
sociedades, culturas, fatos, crises, relações e experiências, com o objetivo de
compreender os indivíduos em seus próprios termos.
A pesquisa deve sempre ser fiel ao progresso da ciência com rigor. Segundo Santos
(2003), até o século XIX a Ciência era dominada pela racionalidade, pela padronização e
pela objetividade. O paradigma científico, até então, era baseado em uma metodologia
positivista de ciência e pesquisa. Para compreender seriam necessários procedimentos
lógicos estruturados que proporcionavam a quantificação, medição e controle de todas as
variáveis. Sendo assim, o que não é quantificavel é cientificamente irrelevante, em
segundo lugar, o método cientifico assenta na redução da complexidade. (SANTOS,
2003:28)
O rigor no paradigma dominante da ciência2 faz referência às medidas e despreza o
lugar das qualidades, das diferenças e das irregularidades e exceções. Assim, neste
modelo, os pressupostos, quando comprovados, apontam para leis e verdades universais
e absolutas.
Já no século XIX, emerge o modelo de racionalidade nas ciências sociais, ou seja,
passa a ser possível fazer ciência com as questões sociais. Esse conhecimento cientifico
se estabelece, obedecendo a regras metodológicas e princípios epistemológicos. As
2 Termo utilizado por Santos (2003), para se referir ao modelo quantitativo de pesquisa, das ciências naturais.
41
ciências sociais nasceram para ser empíricas (SANTOS,2003:33), uma vez que o
modelo que a ciência social deveria seguir eram aqueles estabelecidos pelo paradigma
dominante, universalmente reconhecido, não havendo espaço para qualificar os
fenômenos sociais, subjetivos e humanísticos.
Com isso, pode-se dizer que se rompem, no século XXI, as fronteiras entre as
pesquisas na ciência natural e na ciência social, a distinção entre corpo e alma - Física e
Psicologia - deixa de ter sentido, os objetos de pesquisa acabam por fundir ciências.
Hoje é possível ir muito além da mecânica quântica. Enquanto esta introduziu a consciência no ato do conhecimento, nós temos hoje de introduzir no próprio objeto do conhecimento, sabendo que, com isso, a distinção sujeito objeto sofrerá uma transformação radical. (...) O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções. (SANTOS, 2003: 62,64)
Reconhecendo e acreditando na relevância da análise qualitativa dentro das
pesquisas sociais, este estudo, diante de seu objeto, adolescentes de 13 e 14 anos, e seus
objetivos, recorrerá ao estudo de caso, à entrevista em profundidade e à observação
como instrumentos de coleta de dados, tendo como referencial a representação das
categorias, apresentadas pelos adolescentes durante, o estudo de caso.
O estudo de caso propicia a análise detalhada, profunda que permitirá uma
exploração intensa do caso, com o objetivo de apreender a totalidade do ser em sua
complexidade. Isso possibilitará ao pesquisador acesso ao contexto social e subjetivo do
sujeito, além da análise da relação entre a realidade, o social e o subjetivo, o que seria
impossível no modelo positivista das análises estatísticas dos dados.
Diferente da “neutra” sociologia das médias estatísticas, em que as particularidades são removidas para que se mostre apenas as tendências do grupo, no estudo de caso as diferenças internas e os comportamentos desviantes da “média” são revelados, e não escondidos atrás de uma suposta homogeneidade. (GOLDENBERG, 2001:34)
42
Considerando que o objeto de estudo desta pesquisa se constituiu de alunos de
uma escola particular de Diamantina e que a homogeneidade tem feito parte da prática
escolar há muitos anos, mais uma vez justifica-se a escolha: tentar olhar e pesquisar os
alunos no contexto escolar do ensino particular.
Paralelo ao estudo de caso, as entrevistas em profundidade vêm subsidiar a coleta
de dados. As entrevistas propiciaram a verificação de possíveis contradições na história
do sujeito que está sendo objeto da pesquisa, além da possibilidade de contribuir para
criar uma atmosfera amistosa e de confiança no campo, objeto da pesquisa. Na
observação, pretendeu-se coletar informações sobre os adolescentes dentro de seu grupo,
no coletivo. Assim, através da observação livre, objetivou-se buscar as atitudes e
comportamentos dos alunos no espaço escolar fora da sala de aula e dentro do contexto
socializador da escola.
O colégio tem em 2006, quando iniciamos os primeiros contatos, quatrocentos e
cinqüenta e dois alunos matriculados. Na faixa etária pesquisada eram 95 alunos, ou
seja, 21% do total de alunos da escola. Destes alunos, selecionamos nove para serem
sujeitos de nossa pesquisa. A coleta de dados foi feita através do estudo de caso,
entrevista em profundidade e observação livre.
Quanto ao perfil e critérios para seleção dos alunos, buscamos nove alunos de 7ª
e 8º séries, sendo cinco de oitava e quatro de sétima, selecionados aleatoriamente,
através do número de matricula no colégio, o que não determinou previamente o perfil
do adolescente.
Realizamos, primeiramente, contato com o diretor do Colégio D., esclarecendo
os objetivos da pesquisa e solicitando autorização para realização. Em seguida, fizemos
43
uma análise da proposta pedagógica da rede, análise documental do surgimento do
colégio e sua atuação como instituição de ensino.
Trabalhando no âmbito educacional, dentro do espaço escolar percebemos
grande dificuldade dos educadores em contemplar as mudanças dos adolescentes na
faixa etária de 13 e 14 anos. Observa-se que os alunos necessitam de auto afirmação e
uma ilusão de autonomia que, na maioria das vezes, é conquistada na rivalidade com a
figura de autoridade.
Sendo assim, pensando na dificuldades da educação no contexto escolar
selecionamos nove alunos adolescentes de 13 e 14 anos, estudantes da 7ª e 8ª séries do
Ensino Fundamental. Fizemos reunião com os nove alunos selecionados, explicando os
objetivos da pesquisa, a importância de sua participação e proporcionando-lhes
liberdade para aceitarem ou não participar.
A seleção dos nove alunos seguiu os seguintes critérios: 4 alunos de sétima série
e 5 alunos de oitava série. A escolha foi aleatória, sorteada a partir do numero de
matrícula dos alunos.
Sabendo que juridicamente os adolescentes não têm autonomia legal para
responderem sozinhos sobre si, enviamos aos pais ou responsáveis, uma carta - termo de
livre convencimento e esclarecimento – sobre os objetivos da pesquisa e a metodologia
utilizada. Consultamos os adolescentes, buscando marcar a participação por uma
escolha e, não simplesmente, pelo desejo dos pais, da pesquisadora ou da escola.
Nesta etapa, ainda de seleção, dois adolescente manifestaram desinteresse em
participar, sem justificativa, e um outro não participou pela negativa de autorização dos
pais. Após o encontro para esclarecimentos quanto aos objetivos da pesquisa e como
seriam os encontros, dois adolescentes rejeitaram a participação sem expor os motivos.
Sabemos que no estudo de caso, além do levantamento de dados propõe-se uma
44
resignificação de escolhas, o que pode justificar uma não disponibilidade dos
adolescentes.
Assim, a pesquisa realizou-se com seis adolescentes, pois tivemos uma perda de
3 alunos, o que não comprometeu este estudo uma vez que a coleta de dados baseou-se
na pesquisa qualitativa, utilizando-se do estudo de caso.
Nome escolhido Idade Série escolar Alice 13 anos 8ª Adão 13 anos 7ª Luiza 13 anos 7ª Maria 13 anos 7ª Pedro 14 anos 8ª Diniz 14 anos 8ª
Seguindo os passos da pesquisa, agendamos os encontros individuais com os
alunos, que aconteceram de 13 de fevereiro de 2006 a 31 de maio de 2006. Foram
quatro encontros individuais com cada adolescente, com duração média de 30 a 40
minutos.
Durante os encontros utilizamos entrevistas livres em profundidade e semi-
estruturadas. Exploramos a linguagem oral do adolescente e suas elaborações sobre a
sociedade atual, sua escola e como estes espaços estão influenciando sua identidade.
Nos encontros, também utilizamos o desenho como recurso para coletar as
representações simbólicas e imaginárias dos adolescentes sobre si e sobre o espaço
educacional. O desenho foi utilizado como facilitador na coleta de informações durante
o estudo de caso e o levantamento das representações categóricas.
Paralelamente às entrevistas, passamos a observar os adolescentes, sujeitos da
pesquisa, no ambiente escolar coletivo, nos intervalos das aulas, no recreio e nas aulas
de Educação Física.
Durante a elaboração do referencial teórico da dissertação foram realizadas
pesquisas que ajudaram na interpretação, escrita e proposições sobre nosso objeto de
45
estudo. A entrevista com os pais foi realizada com o propósito de somar outro olhar: a
visão da família, sobre a proposta educativa do colégio de seus filhos e possível
influência da cultura do sucesso na formação da identidade destes adolescentes
estudantes. As entrevista semi-estruturadas foram agendadas e realizadas nos meses de
abril e maio de 2006 no Colégio Diamantinense. Entrevistamos, também, dois
professores de 7ª e 8ª séries, a coordenadora do Ensino Fundamental e o diretor. As
entrevistas semi-estruturadas aconteceram no Colégio no mês de março de 2006.
Somando-se a perspectiva do adolescente, a visão dos professores,
coordenadora, diretor, pais e a análise e observações da ação dos educadores e conduta
dos alunos levantamos dados significativos para possíveis considerações acerca do
nosso objeto e objetivo de estudo.
5.1 Estudo de caso
É uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente. Esta definição determina suas características que são dadas por duas circunstâncias, principalmente. Por um lado, a natureza e abrangência da unidade. (TRIVINÕS,1987:133)
O estudo de caso propicia a compreensão mais clara da natureza e a dinâmica de
um fenômeno foco de nossa observação. No nosso caso, esse fenômeno se refere a
construção da identidade de adolescentes.
Um estudo de caso propõe, além de um estudo aprofundado, provocar em quem
participa, um processo de reflexão e reciclagem pessoal, de descobertas pessoais. Os
envolvidos neste estudo acabam vivenciando uma experiência de auto descobertas.
Trabalhando com adolescentes, buscamos a tarefa de, além de pesquisar,
levantar dados, comprovar ou refutar hipóteses, provocar uma reflexão e até uma
ressignificação de conceitos e escolhas nos participantes. O propósito do estudo de caso,
realizado numa escola, foi também conhecer todos os possíveis fatores que interferem
46
na conduta de um aluno adolescente. Para isso, levantamos o maior número possível de
dados, fatos e situações referentes aos sujeitos da pesquisa, para que podéssemos
compreender, entender e talvez explicar o comportamento, o modo de ser e agir dos
adolescentes hoje.
5.1.1 Entrevistas
Nas entrevistas com os adolescentes, buscamos aprofundar o conhecimento
sobre o processo de construção de identidade e as possíveis influências existentes nesta
construção. Segundo Bleger (1980), a entrevista é um meio pelo qual podemos realizar
pesquisa científica, pois ela é um instrumento dinâmico, que ocorre em relação de
indivíduos e viabiliza tanto a obtenção de informações sobre a história do sujeito,
quanto evidencia, através do campo transferencial, elementos da organização psíquica
do sujeito.
De acordo com Trivinõs (1987), a entrevista semi-estruturada parte de certos
questionamentos básicos, apoiados em hipóteses que interessam à pesquisa e, em
seguida, oferecem amplo campo interrogativo e investigativo, à medida que as respostas
são relatadas. É neste momento, que os sujeitos da pesquisa participam da elaboração do
conteúdo da pesquisa, uma vez que, a partir dos seus relatos de experiências e linha de
pensamento, outros questionamentos surgiram.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, ou seja, partimos de um roteiro
básico (em anexo) de assuntos a serem abordados, mas aprofundamos em temas
específicos com cada entrevistado, conforme considerávamos importantes, no decorrer
da conversa, pois nosso objetivo era verificar a influência da cultura do sucesso na
construção da identidade dos adolescentes e o papel da escola nesse processo.
47
5.1.2 Observação
Com o objetivo de somar olhares ao nosso objeto, realizamos a observação livre
dos alunos no ambiente escolar extra-classe. Segundo Trivinõs (1987), o foco de exame
não deve ser a instituição como um todo, mas sim a parte dela que interessa ao objetivo
da pesquisa. Definimos que observaríamos o adolescente no seu grupo, os papéis
assumidos, as relações estabelecidas, seu modo de falar, suas atitudes e
comportamentos. As observações aconteceram no espaço do recreio, intervalos e nas
aulas de Educação Física.
5.1.3 O desenho
É neste momento que aproveito para afirmá-los como documentos que nos permitem saber mais acerca destes sujeitos, e não somente isso, possibilitam-nos conhecer suas percepções da realidade por eles vividas, não sendo percebidos como textos escritos, mas sim como textos visuais que podem ser olhados, sentidos, lidos.(GOBBI,2002:76)
No decorrer da pesquisa, como mais um instrumento de coleta de dados e
levantamento de informações, vivências e experiências dos alunos adolescentes,
participantes da pesquisa, decidimos utilizar o recurso do desenho.
É sabido que no desenho o sujeito expressa a compreensão e a interpretação do
espaço sócio-cultural, familiar e escolar, vivenciado por ele. Ao desenhar, ele reconstrói
seu mundo, seu contexto e, assim, nos fala de forma representativa das marcas presentes
em sua vida, dos traços que fazem parte da construção de sua identidade.
Contêm em si informações que vão além dos mesmos, extrapolando o registro ou cópia fiel do que está ao redor; são portadores de sonhos, de imaginação, de vínculos constituídos entre seus produtores e aqueles ou aquilo que estava nos entornos da produção e que devem ser considerados. (GOBBI, 2002: 79)
48
Com o desenho, buscamos um mediador para o diálogo, pois, segundo Di Leo
(1985), o desenho é uma das formas de se estabelecer uma relação empática, rápida e
agradável. O desenho pode também ser o desencadeador da fala do adolescente, uma
vez que propicia e garante a expressão livre dos significados de suas imagens.
5.2 Da metodologia a análise das categorias
Selecionamos, dentro da diversidade metodológica para a pesquisa qualitativa o
estudo de caso. O estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de
um ou de poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento amplo e
detalhado.(GIL, 1999:72)
Seguindo os passos da pesquisa, utilizamos as entrevistas, observações e o
desenho como instrumentos facilitadores para o estudo da construção da identidade dos
adolescentes estudantes.
Explorando as técnicas descritas, foi possível levantar dados, buscar informações
que propiciaram nossos estudos e análise. No capítulo que se segue, trabalhamos com as
análises através de categorias, ou seja, selecionamos os temas mais relevantes e os de
maior freqüência durante a realização do estudo de caso transformando-os em
categorias a serem analisadas.
As categorias de análise configuram-se como temas que vão ao encontro de
nossos objetivos, ou seja, na relação entre as construções teóricas e a expressão do
adolescente, da escola e da sociedade analisamos como os adolescentes tem construído
sua identidade e o papel da escola e da sociedade nesse processo.
49
No primeiro encontro com os adolescentes buscamos levantar informações sobre
a representação escolar de cada sujeito. Perguntamos e dialogamos sobre o espaço
escolar, na intenção de caracteriza-lo a partir de construções do próprio adolescente
estudante. Os seis adolescentes sujeito da pesquisa não demonstraram dificuldade em
falar da sua escola, porém cada um recorreu a um imaginário subjetivo para descrever o
espaço.
No segundo encontro buscamos conhecer o adolescente, como este se
caracterizava, o que conseguia dizer sobre si. Falar de si foi bastante complicado para os
adolescentes. Eles falavam de forma restrita e objetiva, elegendo os aspectos físicos e
esteticos. Nesse encontro indagamos os adolescentes quanto sua posição sobre a
sociedade atual. De maneira crítica posicionaram suas constreuçõs sobre o capitalismo e
as relações humanas.
No terceiro encontro objetivamos resgatar aspectos da fala dos adolescentes,
esclarecendo colocações feitas nos primeiros encontros. Seguindo o roteiro de
entrevistas (anexo) pedimos os adolescentes para falar sobre seu grupo e amizades.
Percebemos a grande importância do grupo e como as referencias de amizade tem poder
de influencia sobre a formação do adolescente. Também nesse encontro perguntamos o
que seria uma pessoa de sucesso. Como discutiremos no capítulo a seguir, todos
responderam que o sucesso está relacionado com a questão financeira.
Por fim, no último encontro utilizamos a técnica do desenho para somar dados a
pesquisa. Percebendo a dificuldade de alguns adolescentes em expressarem, solicitamos
que si desenhasse em três espaços distintos.
50
Capítulo VI
6. Análise das categorias: identidades (des)construídas
Cada um de nós Compõe a sua história Cada ser em si carrega o dom de ser capaz De ser feliz (Tocando em frente, Almir Sater/Renato Teixeira)
______________________________________________________________________
Analisar envolve uma visão crítica, uma leitura teórica sobre, os temas, que se
colocam ao pesquisador. Este é o momento de recorremos ao referencial teórico para
pensarmos no que foi descrito pelos adolescentes, sujeito da pesquisa, através de
observações, entrevistas e desenho.
Segundo Trivinõs (1987) no estudo de caso qualitativo não existem esquemas de
análise definidos aprioristicamente, estes devem ser estabelecidos de acordo com a
complexidade do tema e aumentados à medida que se aprofunda no assunto.
A fim de facilitar a interpretação dos dados e recortar o de mais relevante à
nossa pesquisa, dividimos os temas, a serem analisados em categorias. Todos os itens
que se fazem presente possui elos com nossos objetivos da pesquisa.
Assim temos como primeira categoria de análise, “o espaço escolar” - visão dos
adolescentes sobre o colégio que estudam e a influência deste espaço na sua formação
identificatória. Como segunda categoria, analisamos a visão do adolescente sobre a
sociedade em que vive e o papel do grupo nas suas escolhas. Outra categoria analisada
foi a das definições dos alunos adolescentes sobre si, sua auto definição e a dificuldade
de dizer de si.
51
Como quarta categoria, analisamos as respostas dos adolescentes quando
questionados sobre quem tem sucesso, a pessoa de sucesso, descrita pelos adolescentes,
sua relação com o consumo e as possíveis interferências na identidade dos jovens.
Na última categoria, buscamos a expressão dos jovens através dos desenhos. A
eles foram solicitados que desenhassem: eu na sociedade, eu na escola e eu em casa. Os
alunos adolescentes se desenharam nos três espaços sugeridos.
6.1 Eu adolescente
Aberastury (1981) nos alerta, no capítulo III deste trabalho, sobre ser anormal a
presença de um equilíbrio estável durante o processo adolescente. Ser jovem significa
desenvolvimento, vulnerabilidade e incertezas próprias do momento.
A adolescência – período que separa a infância da idade adulta – se caracteriza
por diversos episódios de desequilíbrio e ruptura. A partir de constituição psíquica do
adolescente e face às exigências colocadas a ele pela complexidade da cultura na qual
está inserido, esse período tornar-se mais ou menos turbulento. O adolescente, premido
pelo eclodir da maturidade sexual e perplexo face ao desconhecido da vida adulta,
deverá fazer uma série de ajustes capazes de articular o passado ao devir. Assim, é
tarefa principal do adolescente a revisão de sua identidade, considerada nos aspectos de
assunção da sexualidade, de busca de autonomia e de desenvolvimento das
competências. Tal tarefa depende, essencialmente, da possibilidade de viver o luto pela
perda da infância, assim como de suportar toda sorte de surpresa que o desconhecido
possa trazer.
52
O jeito adolescente é um a cada momento, é seguir o padrão do hoje que não,
certamente, servirá para o amanhã.
Quando estou com pessoas aparento ser algo que nem sempre sou, mas isso depende das ocasiões. (Pedro, 14 anos, 8ª série) Adoro a vida, sou feliz, me divirto quando converso com pessoas, amigos e família. (Adão, 13 anos, 7ª série) Sou alegre, dou bem com todos, não gosto de pessoas que não se esforçam para ser o melhor. Tento ser eu mesma. (Luiza, 13 anos, 7ª série) Eu gosto de dançar, ouvir música e me chateio com inveja e falsidade. (Alice, 13 anos, 8ª série)
O adolescente apresenta uma vulnerabilidade especial par assimilar os impactos projetivos de pais, irmãos, amigos de toda a sociedade. Ou seja, é um receptáculo propício para encarregar-se dos conflitos dos outros e assumir os aspectos mais doentios do meio em que vive. (ABERASTURY, 1981:11)
Sabemos da dificuldade do jovem para falar de si, se definir, de escolher, tomar
decisões. A adolescência flutua entre momentos de independência e de extrema
dependência, o que justifica as contradições e confusões relevantes ao seu jeito de ser e
estar no mundo.
O jovem, por estar em momento de construções, torna-se vulnerável a
influências diversas, a cada ambiente, a cada grupo social, na escola, no espaço familiar.
Ele assume e assimila aquilo que pode lhe dar segurança e reconhecimento. Ouvimos
falar que o adolescente é um a cada espaço que freqüenta, ou seja, o adolescente filho é
bem diferente do adolescente aluno e colega.
A problemática do adolescente começa com as mudanças corporais, com a definição do seu papel na procriação e segue-se com as mudanças psicológicas. Tem que renunciar a sua condição de criança; deve renunciar também a ser tratado como criança, já que a partir desse momento se é chamado dessa maneira será com um matiz depreciativo, zombador ou de desvalorização. (ABERASTURY, 1981:16)
53
Acho que na maturidade ainda sou infantil, não estou na adolescência. (Pedro, 14 anos, 8ª série)
Eu, na minha vida, recebi de casa a visão sobre as coisas, o que pode, o certo e o errado. (Diniz, 14 anos, 8ª série) Para mim minha família está em primeiro lugar, depois vem a escola e os amigos. (Alice, 13 anos, 8ª série) Eu acho que o mais importante para mim hoje é minha família, foi ela que me ensinou a ser e agir. (Adão, 13 anos 7ª série)
Sabe-se que a identidade, no seu processo de estruturação, depende das
interações sociais estabelecidas. Os adolescentes vão em busca das realidades subjetivas
que estão próximas para assimilá-las. Assim, observam as relações, os contextos sócio
culturais e aspectos relevantes e significativos a suas crenças imaginárias. É neste
momento que recorrem à família como fonte socialmente reconhecida e segura, para
ofertar-lhes valores reais.
Esse processo acontece através de uma dialética de amor e ódio, ao mesmo
tempo que confiam, precisam testar e averiguar se as regras ofertadas e valores
vivenciados realmente fazem sentido, se são verdadeiros. A identidade é um fenômeno
que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade. (BERGER, 1999:230)
E é este o paradoxo com que se depara o adolescente ao buscar um lugar na
sociedade. Questão esta conturbada, ainda mais, por outra faceta paradoxal presente na
relação com os pais, pelo fato dela constituir-se, ao mesmo tempo, como algo com o que
se deseja apegar e romper. O enriquecimento da identidade dá-se, sobretudo, na relação
com os pais. Entretanto, essa identidade só pode aparecer como própria quando é
estabelecida a autonomia em relação aos desejos dos pais. O conflito do adolescente
está, assim, na possibilidade de conciliar dois movimentos contraditórios: identificar-se
54
e ter autonomia ao mesmo tempo, ou seja: como conseguir assegurar uma identidade
enriquecida pelas trocas com os pais e ao mesmo tempo, autônoma.
Sendo assim, seria impossível compreender a construção de identidade dos
adolescentes sem pensar e observar os espaços sociais experenciados por eles, ou seja, a
sociedade atual e a escola.
(...) na forma complexa da interiorizção, não somente “compreendo” os processos
subjetivos momentâneos do outro mas “compreendo” o mundo em que vive e esse
mundo torna-se o meu próprio. (BERGER, 1999: 174)
6.2 O espaço escolar
A escola procura introduzir o aluno no domínio dos saberes científicos de modo a dotá-lo de conhecimentos e de ferramentas intelectuais que lhe permitam melhor compreender a realidade e atuar de forma crítica, criativa e competente como cidadão e como profissional. (GARRIDO,2001:125)
É sabido que o adolescente busca traços sócio-culturais identificatórios na
construção de sua identidade. As representações dos alunos constituem o ponto de
partida para pensarmos sua identidade no seu espaço educativo de aprendizagens. A fim
de verificar a representação que os alunos tinham da escola onde estudam, marcamos a
primeira entrevista com os adolescente e perguntamos onde estudavam.
Dos seis alunos participantes da pesquisa, quatro responderam Pitágoras e dois
Colégio Diamantinense.
Colégio Diamantinense Pitágoras
Alice Adão
Luiza Pedro
55
Diniz
Maria
Verificamos que a marca Rede Pitágoras configura para a maioria dos
adolescentes um espaço de destaque que poderá significar sucesso nas suas vidas
profissionais.
Estuda aqui quem tem dinheiro, quem é rico, quem tem boa condição. Escola particular é melhor, professores bons, o que poderá contribuir para faculdade e uma profissão. (Diniz, 14 anos, 8ª série) A escola me ensina a falar bem, na aprendizagem de ler e escrever, e para formar amigos e ajudar os outros. ( Pedro, 14 anos, 8ª série)
O aluno identifica-se com a marca Pitágoras, que é socialmente reconhecida
como qualidade de ensino particular, e vincula o seu sucesso à mesma.
A Rede Pitágoras promove-se dentro da sociedade de mercado com uma imagem
de empresa que propulsiona o sucesso dos seus alunos. Os adolescentes parecem
compartilhar dessa imagem, construindo o imaginário de que a Rede pode garantir seu
sucesso e status.
Ao contrário, boa parte do que condiciona os ideais de vida e as condutas cotidianas são crenças imaginárias. Imaginário não é sinônimo de “ilusório”, mas do que não tem existência independente da imaginação. Ou seja, diferentemente das coisas materiais, que independem dos desejos e aspirações humanos para existir, as crenças culturais são produtos do nosso modo de agir e dá sentido a nossas ações. (COSTA, 2004:76) As pessoas esnobam e generalizam.(Alice, 13 anos, 8ª série) A escola é boa, ensino bom, professores legais, mas as pessoas acham que só tem patrícinha e play boy, e até querem bater nos grupinhos, só porque estão estudando aqui, mas eu não concordo com a visão deles.(Luiza, 13 anos, 7ª série)
56
Parece-nos que os adolescentes construíram uma verdade sobre sua escola. Esta
crença está fundamentada nos traços imaginários, construídos por eles sobre uma escola
que talvez não fosse a que realmente estudam. Cada adolescente, de forma subjetiva,
individualiza e interiorização os conceitos e regras do espaço educativo de maneira
singular, de acordo com padrões próprios, de sua visão sobre o mundo e si mesmo.
A escola me ensina conteúdos, conhecimento, português, falar e escrever. Meu futuro. As pessoas da rua têm a imagem de que essa escola é para riquinho, play boy, mas eu não concordo. Tem gente que estuda aqui porque os pais fazem um grande esforço. (Adão, 13 anos, 7ª série)
Estudo no Colégio D. porque tem o ensino melhor, eu que escolhi e adoro a escola e os colegas, pois o colégio forma cidadãos com consciência crítica e abre as porta para a carreira profissional (Alice, 13 anos, 8ª série) A escola té ensinando para a gente crescer e Ter futuro, tá ajudando a procurar meu futuro. (Maria, 13 anos, 7 série)
Como sabemos, cada adolescente constrói sua identidade e esta tarefa depende
do que o sujeito escolhe como padrão identificatório. Na fala dos adolescentes,
observamos que os alunos preferem ver a escola como um espaço que propõe (e no seu
caso parece conseguir) uma formação humana, que vai além das exigência da cultura do
sucesso.
Segundo Gómez (2001), entender a cultura institucional da escola requer um
esforço de relação entre aspectos da política educacional e as interações humanas,
vínculos afetivos e sociais e práticas que definem a vida da escola. Assim, para
entendermos os interesses da escola é imprescindível compreender os atores
educacionais, suas crenças, valores e interesses. A perspectiva do educando, do
adolescente que estuda, convive e aprende na escola, seria um olhar importante sobre
esse espaço.
Nas palavras de Adão, representamos a visão deste adolescente sobre sua escola.
57
A escola não quer o aluno aqui só para passar no vestibular, os professores conversam sobre a importância de se ter uma boa educação, e isso do diretor, coordenadora e até por este trabalho. (Adão, 13 anos, 7ª série)
Também Alice:
A escola oferece conhecimento e educação para viver em conjunto. (Alice, 13 anos, 8ª série)
Como já discutimos no capítulo II, a cultura e a proposta da escola se fazem na
ação de todo o corpo de seus educadores, educandos e familiares. Porém, a imagem que
se constrói nesse espaço educativo está diretamente relacionada com o cenário
espetaculoso da sociedade na qual a escola está inserida, em que o padrão Pitágoras
pode significar muito mais que uma boa qualidade de ensino – a marca.
Segundo Garrido (2001), o imaginário abrange uma gama enorme de
representações e o professor, em sua função mediadora, poderá proporcionar o
confronto das culturas com a imagem apresentada pelos meios de comunicação. Assim,
aparece a possibilidade de marcar a cultura escolar com outras perspectivas – crítica e
transformadora.
6.3 A sociedade e o grupo
Como discutimos no capítulo I, a sociedade atual não permite ao adolescente o
espaço para convivência com o diferente, a aceitação das frustrações e a tolerância com
as regras e limites. A cada dia nossos adolescentes, segundo Costa (2004), estão sujeitos
a grande inovação em matéria de condutas, é a busca do ideal de prazer corporal ou do
prazer das sensações, ou seja, a satisfação integral de todos os desejos, seguindo
rigorosamente as exigências sociais de ser um sujeito ideal e completo.
58
Na sociedade hoje formam padrões de pessoas, padrão de beleza, consumo e moda. Para meu grupo o que importa são os supérfluos, o papo é superficial, shopping, mp3, tênis... (Alice, 13 anos, 8ª série)
Percebemos que os imperativos, criados pela sociedade, para garantir o consumo
e gerar a ilusão de sucesso já dominou os adolescentes de classe média. A porta de
entrada para ser aceito no grupo, para ter prestígio e reconhecimento são os objetos que
o sujeito consome.
O aparato de objetos caros e elegantes é o signo, por excelência, da distinção social de seus possuidores. Por isso passaram a fazer parte da identidade pessoal dos mais abastados e, por extensão, da imensa maioria da sociedade. É entendível, assim, que a compra incessante de novos produtos se torne uma “demanda imaginária” tão coercitiva quanto qualquer “necessidade biológica”. (COSTA, 2004:80)
Se você não está vestido com a roupa de marca, você não está vestido, quem não veste a moda é excluído. (Luiza, 13 anos 7ª série) Compro os produtos de marca por vaidade, e não para rebaixar os outros. É comum para o grupo querer qualidade, marca e beleza. (Diniz, 14 anos, 8ª série)
Pertencer ao grupo significa consumir o que a sociedade de mercado cria como
belo e da moda, mesmo sem pensar se isso faz ou não parte de uma escolha própria,
individual e subjetiva.
A pergunta que, inicialmente, mais marcou nossa busca aparece na fala dos
adolescentes sujeitos da pesquisa. O sucesso está inevitavelmente ligado ao consumo
dos produtos e marcas, ou pelo menos ligado ao status imaginário, produzido pelo
adolescente que se deixa seduzir. A identidade desse adolescente parece estar muito
mais ligada às características do grupo de iguais, aos traços e escolhas dos outros jovens
de sua idade que, por força maior, têm o poder de determinar suas escolhas de vida.
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A escola, como instituição presente e atuante, está inserida na sociedade, neste
contexto que cria produtos e necessidades, porém tem funções que vão além da
transmissão, a socialização. Na escola, os jovens se encontram e trocam desejos,
escolhas e experiências. Assim, mesmo o colégio não tendo como princípio as
ideologias da sociedade atual, consumo, aparência e sucesso, ele é, por excelência, um
espaço de trocas socioculturais. A socialização realiza-se sempre no contexto de uma
estrutura social específica. (BERGER,1999:216)
A escola, neste momento, acaba por propiciar a propagação das necessidades
criadas pela mídia e identificadas como essenciais pela juventude. Segundo Aberastury
(1981), na busca da identidade, o adolescente, indivíduo, recorre à busca de
uniformidade para sentir-se seguro e aceito.
Há um processo de superidentificação em massa, onde todos se identificam com cada um. Às vezes, o processo é tão intenso que a separação do grupo parece quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar. Não se pode separar da turma nem de seus caprichos ou modas. Por isso, inclina-se à regras do grupo, em relação a modas, vestimenta, costumes, preferência de todos os tipos, etc. (ABERASTURY, 1981:36-37)
Na escola você vê todo mundo com tênis de marca e se você não tiver, sentirá excluída. Isso já aconteceu comigo. Eu não acho tão importante, mas as pessoas do meu grupo criticam até você chegar a conclusão de que é necessário. Isso vem de geração, a gente vê os mais velhos usando e os mais jovens vão usar. A escola não interfere diretamente em nada disso. (Maria, 13 anos, 7ª série)
É possível verificar que a realidade surge, segundo Debord (1972), no espetáculo
e o espetáculo parece real. Na alienação reciproca entre o real e a criação, representada
como realidade, é que a sociedade está sustentada. Hoje, a sociedade vive a alienação da
essência do ser e das instituições socializadoras e por falta de ideologias próprias
alienam-se as disponíveis.
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6.4 A pessoa de sucesso
Numa sociedade em que a mercadoria concreta permanece rara ou minoritária, é a dominação aparente do dinheiro que se apresenta como o emissário munido de plenos poderes que fala em nome duma potência desconhecida. (DEBORD,1972:35)
Como discutido no referencial teórico, o sucesso está vinculado dominação da
hegemonia aparente, ter dinheiro significa consumir produtos que aparentam sucesso. O
adolescente, nas identificações e formulações subjetivas, assimila influências da
estrutura social coletivizada e divulgada pela mídia.
Não sendo a socialização jamais completa e estando os conteúdos que interiorizam continuamente ameaçados em sua realidade subjetiva, toda sociedade viável de criar procedimentos de conservação da realidade para salvaguardar um certo grau de simetria entre a realidade objetiva e subjetiva. (BERGER, 1999: 195-196)
A subjetividade, devido à instabilidade juvenil, acaba sendo invadida pela força
massacrante da imagem de status, propiciada pelas mercadorias. O eu é seduzido pelo
sucesso da aparência. Nesta disputa de referenciais, o suposto sucesso e prazer,
oferecido pela sociedade atual, propiciam que a juventude interiorize padrões
socialmente reconhecidos e aparentemente aceitos como aquilo que constrói uma pessoa
de sucesso.
A pessoa de sucesso não tem problemas na parte financeira e na família, está bem com a vida. Sucesso tá mais ligado com felicidade e o que trás felicidade é o dinheiro. ( Diniz, 14 anos, 8ª série) O sucesso está ligado ao dinheiro, bem de vida, a questão financeira. Pobre, raramente pode Ter sucesso. ( Pedro, 14 anos, 8ª série) Pessoa de sucesso é aquela que consegue seus objetivos: ser rico. ( Maria,13 anos, 7ª série)
61
Na sociedade atual as pessoas pensam que sucesso está ligado com dinheiro, rico e famoso. ( Adão, 13 anos, 7ª série)
Segundo Debord (1972), tudo que era diretamente vivido, hoje, afastou-se da
realidade e transformou-se em representação. Parece que, para os adolescentes, o
dinheiro, o consumo e os produtos têm um valor representativo do sucesso. Se
pudéssemos substituir a palavra sucesso, poderíamos usar dinheiro como sinônimo
representativo da possibilidade de ser aquilo que tenho. O espetáculo é a outra face do
dinheiro. (DEBORD,1972: 40)
Os adolescentes pareceram perdidos nestes referenciais, sem saber onde está a
verdade, o real, o que é possível de ser realidade e realizável. Qual a realidade? O que é
importante? Quem escolhe o jovem ou suas imagens? O que é, é o que aparenta? O ser é
real?
Neste jogo de seduções, o jovens vira consumidor com facilidade. A fase de vida
da adolescência favorece a instabilidade, a busca de verdades próprias que, às vezes,
podem ser ilusórias ou construções reais.
Pessoa de sucesso é quem realiza seus sonhos e para isso precisa de dinheiro. Não tem jeito de ser feliz morando debaixo da ponte. (Luiza, 13 anos, 7ª série) Pessoa admirada por todos, que conquistou os objetivos na vida, profissão, família, educação e todos comentam que é pessoa gente fina, admirada pelos atos, pelo seu jeito de ser. ( Adão, 13 anos, 7ª série)
Discutimos que o ser, a formação subjetiva de valores, ética e moral, não tem
percorrido caminhos livres, abertos e reais. Na construção de padrões e conceitos, os
adolescentes buscam interiorizar, nas identificações, traços e marcas oferecidos,
também, pelas instituições sociais. Hoje, percebemos a força dos meios de comunicação
e da tecnologia que, com suas articulações midiáticas, vem contribuindo para
transposição da construção de ser para parecer ser.
62
Eu não conheço ninguém de sucesso, muito sucesso, só cantor. ( Pedro, 14 anos, 8ª série)
Resgatando Debord (1972), o espetáculo vem conduzindo a um desligamento
progressivo do consumo econômico da mercadoria, o ter tem perdido seu efeito real e o
parecer ter tem adquirido prestígio socialmente reconhecido. Para o adolescente, esse
parecer ainda está muito vinculado a parecer ter dinheiro, o que propõe a condição para
o consumo da aparência da moda, da marca e da aceitação.
A sociedade hoje é violenta. No capitalismo ganhar dinheiro é o mais importante, não preocupam com o proximo nem com o ser. (Diniz, 14 anos, 8ª série)
Contudo percebemos na fala de Diniz uma leitura crítica do capitalismo, dos
padrões vivênciados e até da postura egoísta de não preocupação com o outro, com o
ser, as pessoas. Mesmo que o adolescente assista nas vitrines o espetáculo do consumo
das imagens eles, de uma forma ou outra, marcam sua leitura não alienada do mundo
em que vive.
6.5 Falando a linguagem do desenho
O desenho fala, chega ser uma espécie de escritura, uma caligrafia. Mário de Andrade
O desenho, como instrumento de coleta de dados para pesquisa com
adolescentes, é pouco utilizado. A literatura sobre o desenho é voltada à criança, porém,
ao verificar que o adolescente está em momento de transição, da infância para a vida
adulta, resolvemos utilizá-lo como espaço de expressão, elaboração e conexão do jovem
com o seu imaginário e a sua realidade.
O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de falar, marca o desenvolvimento da infância,
63
porém em cada estágio, o desenho assume um caráter próprio. (MOREIRA, 2002:26)
Nas representações da sociedade, foi solicitado que o adolescente se desenhasse
na sociedade atual. As construções dos adolescentes representam marcas socialmente
conhecidas, consumidas e valorizadas. Adão e Maria se desenham vestidos com as
marcas que lhe conferem status da aparência de beleza, sucesso, aceito pelo seu grupo e
motivado pela estética social. Para eles, a sociedade está nas marcas das roupas, naquilo
que apresentam ser.
Sobre a sociedade contemporânea: a separação, o afastamento do mundo vivido em imagens que o representam, criando um mundo de imagens autonomizadas, que escapam do controle do homem. (BELLONI, 2003:132)
Luiza representa a sociedade com o princípio do consumo – compras e loja. Para
ela, a sociedade se caracteriza nos imperativos capitalistas. Segundo Moreira (2002), na
sociedade atual, cada pessoa deve parecer com um modelo convencional, com o tipo
ideal, nunca se afastando dele, sob pena de excomunhão. As mercadorias são objetos
consumíveis que garantem a aceitação no grupo e na sociedade.
Diniz se desenha no meio de três complexos representativos da sociedade atual.
O adolescente parece perdido entre o referencial tecnológico, industrial e financeiro, se
coloca como dependente do dinheiro. Resgatando sua fala, é o dinheiro que poderá
propiciar o sucesso.
Os símbolos da sociedade pós-moderna são caracterizados pela indústria,
produtora das mercadorias, a tecnologia, criadora e divulgadora dos produtos e, por fim,
o dinheiro, moeda que garante o acesso aos bens e a ilusão de realização de desejos
super criados.
Que outra civilização, em aparência, respeitou o discurso mais do que a nossa? Onde ele foi mais honrado? Onde, ao que
64
parece, libertou-se mais radicalmente de suas coações e se universalizou? Ora, parece-me que sobre esta aparente veneração do discurso esconde-se uma espécie de temor. Tudo se passa como se as proibições, os bloqueios, os limiares e os limites tenham sido dispostos de maneira que sua riqueza seja organizada conforme modelo que evitem o que é incontrolável, tudo se passa como se tenhamos querido apagar até as marcas de sua erupção nos jogos de pensamento e da linguagem. (MOREIRA,2002:69)
Como diz Baudrillard (1996), no contexto atual, não existe espaço para
subjetividade, o homem é visto como mais um na cultura do sucesso. A homogeneidade,
o todo, alienação ao produto massificante colocam o jovem como mais um. No desenho
de Pedro, visualizamos sua representação. Caso não houvesse se localizado, não
saberíamos distinguir sua imagem de eu, Pedro parece ser mais um na fila dos
consumidores da marca McDonald’s.
Segundo Moreira (2002), quando desenha o sujeito se lança à frente. Desenhar
possibilita o ver e o rever, um movimento de dentro para fora e de fora para dentro, ou
seja, no desenho o sujeito está modificando sua compreensão do mundo e sendo
modificado por esse. Pedro no desenho homogenizador, pode
ter visto e revisto sua posição diante do contexto social – vou comprar um sanduíche do
McDonald’s.
Nos desenhos do eu na escola, três adolescentes se desenham no espaço da sala
de aula. Também num modelo generalista, como no caso de Pedro, repetem uma
representação uniformizante da sociedade na escola. Os adolescentes parecem mais um
na turma de alunos.
O importante é notar que o processo de divisão instalado em nossa sociedade que separa emoção e pensamento, lazer e trabalho, arte e vida, e que consequentemente a escola reproduz, está começando cada vez mais cedo. (MOREIRA,2002:70)
65
A escola, tendo como funções a socialização, a formação , a instrução e a
educação, precisa pensar e repensar suas ações, pois é instituição localizada dentro das
ideologias da sociedade do espetáculo e da cultura do consumo. O limite entre a prática
da escola e a ideologia propagada nos meios de comunicação é bastante tênue e quem
vence pode ser quem é mais convincente, criativo e real.
Maria representa seu descaso e interesse pela escola, no desenho parece estar
brincando, divertindo com o colega, pouco preocupada com as formalidades da escola e
da sala de aula. O espaço educativo na visão dos jovens tem sido, em sua maioria,
pouco atrativo e interessante. Na escola, está o que é formal, a obrigação. A juventude
está com dificuldades para entender os verdadeiros valores e preceitos da educação
escolar. Segundo Gomes (2001), precisamos trabalhar para que a cultura escolar, os
professores e educadores reconstruam juntos o espaço educativo, recriando culturas e
reconstruindo contingências sociais e, não, reproduzir aprendizagens mecânicas ou
aquisições irrelevantes pois, na expressão dos alunos, a escola tem parecido espaço
omisso no seu papel socializador, formativo e educativo.
Esta tarefa tão digna e tão complexa – facilitar a cada indivíduo seu processo singular de construção de sua identidade subjetiva, de recriação da cultura – requer atenção próxima e constante num espaço social de intercâmbios experimentais e alternativos, de vivências compartilhadas e contrastes intelectuais, dificilmente substituíveis por intercâmbios exclusivamente telemáticos. (GÓMEZ, 2001:266)
Nos desenhos dos adolescentes em casa, percebemos os aparelhos eletrônicos e
tecnológicos presentes no ambiente representado. Os jovens expressam seu cotidiano
em casa e o computador, internet e televisão, parecem ser parte essencial da casa. Isso
esclarece o quanto a mídia, os produtos e informações estão presentes na vida da
juventude do século XXI. O fluxo mundial de imagens e informações invade os lares e,
66
com isso, a mente e o espírito dos adolescentes, que através da TV, do computador, da
propaganda e da mídia, se identificam com tal invasão.
Outro dado que favorece essa invasão é a ausência e/ou distância familiar.
Nenhum dos desenhos do adolescente em casa eles representaram algum familiar, eles
sempre estão sozinhos ou na companhia dos aparelhos eletro-eletrônicos. Nas
entrevistas com os pais, estes responderam que trabalham em média 40 horas semanais,
ou seja, os diálogos em casa passaram à instância funcional: mesada, compras, viagens
ou problemas escolares. Segundo os pais, o tempo dedicado ao adolescente, seu filho,
tem sido cada vez mais restrito, o que vem dificultando os diálogos sobre a vida
cotidiana do adolescente, suas escolhas, a política, a ética, o trabalho e a honestidade. O
sucesso, ganhar dinheiro, acaba sendo a opção da maioria dos pais.
Como já discutimos, na busca de traços identificatórios, o adolescente lança mão
daquilo que está mais próximo e disponível. Na nossa análise, nem o espaço familiar,
nem o escolar têm ofertado padrões diferentes da sociedade do espetáculo. O que
precisamos refletir é se esses adolescentes estão felizes e saudáveis, vivendo na busca
constante de responder às exigências dos padrões sociais.
Os desenhos também escreveram, porém com a caligrafia tecnológica.
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Considerações Finais
Chegamos ao momento de traçar os apontamentos que construímos ao longo do
Mestrado. Nossas considerações dizem do percurso de estudos e pesquisas, realizado na
busca de respostas a questionamentos sobre o adolescente, sua identidade, a escola, a
família e a sociedade atual. Trabalhando com adolescentes em escola, acreditamos que
pesquisas precisam ser realizadas e efetivadas dentro desde espaço de formação. Assim,
iniciando a formação strito senso buscamos a delimitação de um tema, entre vários a
serem investigados dentro da escola, que trabalha com adolescentes.
Hoje, momento de conclusões, certezas não existem, acreditamos que problemas
se transformaram em caminhos e possibilidades que ainda necessitam ser povoadas.
Agora é a hora para reiniciarmos a caminhada, a prática efetiva de ações que poderão
abrir trabalhos com a juventude.
Quanto ao nosso objetivo de verificar se a proposta da escola pesquisada
instituía a cultura do sucesso podemos dizer que, na perspectiva do adolescente, o
colégio se apresenta, na maioria das vezes, omisso às exigências da pós modernidade.
Vivemos, hoje, em um contexto instável e complexo de argumentos e contra-
argumentos, de ausência de uma autoridade, de excesso de informações e de produtos,
em que o tempo não segue a dinâmica do indivíduo e, sim, do mercado. A escola tem se
preocupado em ensinar conteúdos formais, preparar o aluno com as temáticas
curriculares. Da escola é exigido resultado na formação preparatória para vestibular. A
Educação é inspirada na interpretação dos temas atuais, transmissão de conteúdos com
propósito de ajudar o aluno a utilizar bem seu potencial e apresentar excelentes
resultados na referencial quantitativo.
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Nos depoimentos, os professores admitem que não há tempo para formação
integral do adolescente, os conteúdos são extensos e exigem profundidade, o que mata a
possibilidade de se investir em outros valores formativos, essenciais para os
adolescentes.
Trabalhando na escola como Psicóloga Educacional, foi possível visualizar a
dificuldade de se desenvolver projetos que propõem intervenções subjetivas no jeito de
ser dos adolescentes, nas suas escolhas e relações interpessoais. Verificamos que a
juventude tem resistência em perceber a escola como parceira, como instituição que
pretende apoiá-la em seu desenvolvimento saudável, trabalhando em prol do indivíduo,
seu aprendizado, sua realização e bem estar.
A escola e seus atores educacionais não parecem conseguir promover
transformações e intervenções nas verdades construídas pelos adolescentes. Por falta de
tempo, de ideologia ou por desinteresse, o fato é que o adolescente, em sua formação de
identidade, tem contado pouco com seu espaço escolar. Neste aspecto, se a escola não
institui a cultura do sucesso, pelo menos deixa um vazio que , na maioria das vezes, tem
sido preenchido pela ofertas do sucesso.
Sabemos que, em toda sociedade e cultura, existe um campo de possibilidades
que favorece as mudanças, novos caminhos diante de uma situação social real. A escola,
sendo parte de uma sociedade, também pode criar e recriar possibilidades, propor
saídas, utilizando trocas, vínculos e interações estabelecidas entre os adolescentes e os
educadores.
Apontamos para a necessidade da escola contribuir para a resignificação dos
padrões socialmente estabelecidos. É fato que o sucesso, a aparência e o dinheiro são
valores identificados pelos adolescentes da sociedade, e a escola como formadora de
opinião não poderia se omitir, fingir não ver seus alunos mergulhados nos padrões pós
69
modernos e até sofrendo por não conseguir sustentar marcas ilusórias de um status
aparente.
A formação de cidadãos autônomos, conscientes, informados e solidários requer uma escola onde possa-se recriar a cultura, não uma academia para aprendizagens mecânicas ou aquisições irrelevantes, mas uma escola viva e comprometida com a análise e reconstrução das contingências sociais, onde os estudantes e docentes aprendem ao mesmo tempo que vivem e vivem ao mesmo tempo que aprendem os aspectos mais diversos da experiência humana. (GÓMEZ,2001:264)
Apesar de sabermos que a escola não institui a cultura do sucesso, observamos
que ela se encontra influenciada pela ideologia da sociedade atual, sempre repetindo e
reproduzindo conceitos, organizando seu tempo e suas ações nos moldes do contexto
atual.
A criança absorve os papéis e as atitudes dos outros significativos, isto é, interioriza-os, tornando-os seus. Por meio desta identificação com os outros significativos a criança torna-se capaz de se identificar a si mesma, de adquirir uma identidade subjetivamente coerente e plausível. (BERGER,1999:176-177)
Na dialética de identificações, a criança estrutura sua identidade, introjetando e
particularizando-se na auto-identificação, o que antes pertencia ao outro. Assim, na
infância, segundo Berger (1999), o indivíduo vivencia a socialização primária, constrói
a consciência das regras sociais, dos papéis e atitudes, buscando generalizações, o que
garantirá a convivência em sociedade.
Na infância, são os adultos que estabelecem e controlam o jogo de regras a
serem interiorizadas, porém a interpretação será sempre subjetiva. Já na socialização
secundária ou resignificação identificatória, características da adolescência, o sujeito
busca adquirir conhecimentos que viabilizam uma outra interpretação do mundo, dos
conceitos e das instituições. Neste momento, o sujeito interioriza verdades desafiadoras,
70
com as quais pretende testar a realidade vivenciada na infância. É a fase das
vulnerabilidades que propicia deslocamentos.
O tom de realidade do conhecimento interiorizado na socialização primária é dado quase automaticamente. Na socialização secundária tem de ser reforçado por técnicas pedagógicas específicas, provadas ao indivíduo. (BERGER, 1999:191)
Pensando nessas construções da Psicologia Social é que entramos na escola com
o propósito de transformar esse espaço institucional em um ambiente promotor de
socialização, de desenvolvimentos e de aprendizagens saudáveis. A tarefa não tem sido
fácil, uma vez que necessitamos de parceiros, de refletir com professores e funcionários
seu papel de educadores, sabemos ser muito grande nossa responsabilidade perante os
jovens que pertencem a essa comunidade educativa.
Nas observações do espaço escolar (lócus da pesquisa), já visualizamos
tentativas isoladas de conscientização dos alunos-adolescentes acerca da importância
das relações sociais com o grupo, da necessidade de refletir sobre suas escolhas e das
devidas conseqüências, assim como, tentativas de incentivá-los a construir projetos
próprios. O adolescente parece já reconhecer estas iniciativas quando relatam que o
espaço escolar é, também, um lugar de encontro e trocas, mesmo que essas ainda
estejam permeadas por padrões capitalistas.
Sentimos a necessidade de investimentos com os educadores, professores, pois
estes estão com dificuldades em repensar seus valores educacionais e sua prática
pedagógica de ensino e de formação de sujeito-adolescente. É preciso lembrá-los de que
os jovens vivem uma fase de transição e, por isso, estão abertos a resignificação de
escolhas, conceitos, verdades e padrões.
Assim, é de fundamental importância que seja resgatado o modelo de relação
entre mestre e aprendiz, no qual o mestre mantém-se disponível como fecundo campo
71
de aprendizagem sem, no entanto, minar os esforços antecipatórios do aprendiz que,
posteriormente, poderá vir a ocupar o lugar de mestre de uma nova geração.
O posicionamento da escola e dos educadores faz-se necessário, visto que, na
análise sobre a possível influência da cultura do sucesso na constituição da identidade
dos adolescentes, percebemos que os padrões sociais da sociedade do espetáculo têm
ocupado o lugar identificatório dos jovens.
Consideramos que o desenvolvimento das competências cria a possibilidade do
desenvolvimento de saídas saudáveis e autênticas: o delineamento de metas para o
futuro; a transformação do brincar em trabalho; a possibilidade de utilização da
criatividade e o reconhecimento de condições próprias, que promovam escolhas
sintonizadas com o sujeito.
Os adolescentes têm-se preocupado com valores mercantilistas, têm comprado a
idéia de sucesso vendida pela mídia publicitária. Consomem os produtos na ilusão de
que ter uma marca, vestir um nome reconhecido pelo grupo, poderá garantir-lhes um
lugar privilegiado.
É a realidade desta chantagem, o fato de o uso sob a sua forma mais podre(comer, habitar) já não existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O consumidor real torna-se um consumidor de ilusões. (DEBORD,1972:39-40)
A sociedade atual, com suas ofertas ilusórias de sucesso, felicidade e prazer,
vende traços identificatórios aos adolescentes que, na falta de outros, ou por acreditar
nas imagens super criadas, consomem, não só o produto, mas também um jeito de ser e
estar no mundo.
O adolescente se mostra em busca de referenciais identificatórios para
estruturação da identidade. Nesta busca, a família, a escola e a sociedade se apresentam
como fonte de oferta de significantes.O adolescente percebe muito bem que quando os
72
pais começam a controlar o tempo e os horários estão controlando algo mais: seu
mundo interno, seu crescimento e seu desprendimento. (ABERASTURY, 1981:21)
A juventude necessita ser acompanhada, sentir-se amada, testar valores,
verdades e tudo que vier da família, para, assim, ter possibilidades de escolhas certeiras.
Se a família afasta-se desse lugar, de ofertar traços éticos de tradição que garantirão a
identidade, qual caminho resta ao sujeito adolescente? O espaço encontra-se livre para
as ofertas da mídia, dos colegas, dos imperativos das marcas criadas pelos publicitários,
como a coisa que marcará a vida do adolescente para garantir a aceitação, sucesso e a
aparência de ser e ter.
A sociedade em que vivemos, com seu quadro de violência e destruição, não oferece garantias suficientes de sobrevivência e cria uma nova dificuldade para o desprendimento. O adolescente, cujo destino é à busca de ideais e de figuras ideais para identificar-se, depara-se com a violência e o poder e também os usa. (ABERASTURY, 1981:19)
Nossa pesquisa, na análise dos dados, já apontava para omissão da escola como
instituição formativa e seu êxito no quesito informações. À distância da família e a
individualização dos jovens pós-modernos também fica estampada nos desenhos,
sujeitos cada vez mais sozinhos, mesmo dentro de instituições socializadoras como a
escola e a família.
Nosso trabalho dentro da escola explora a contra mão, caminhos e valores
construídos a partir de verdades subjetivas. Intervir e promover reflexões que
contribuam para mudar práticas consolidadas, valor acrítico, alienação a projetos
impostos, que na sua maioria são estruturados por pessoas que não vivem a educação
escolar, é o nosso ideal. É com tais propósitos que entro para o espaço escolar, não
como clínica psicóloga, mas, sim, como pesquisadora educacional que tenta efetivar
73
projetos reais, construídos na ação diária de educar, relacionar e amparar crianças e
adolescentes que aprendem, ensinam, desenvolvem, buscando a felicidade.
Por fim, propomos que novas e futuras pesquisas sejam realizadas e, para isto,
sugerimos questões: Será que nossa juventude está mais conformada? Nossos
adolescentes são realmente felizes? O que, realmente, proporciona prazer aos jovens?
Proposições sempre estão em construções, ações nem sempre estão. É na ação
que nossa pesquisa nos ajuda, abrindo novos caminhos, fechando arestas e
reconstruindo práticas.
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Tryphon. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. Trad. Claudia Berliner.
PROJETO PEDAGÓGICO PITÁGORAS. Belo Horizonte:Universidade, 2005. Vols.
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SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez,
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SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos
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TRIVINÕS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução a pesquisa em ciência sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: atlas, 1987.
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Apêndices
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Roteiro de entrevistas com adolescentes sujeitos da pesquisa
1º encontro
a) Nome da escola onde estuda?
b) Quem escolheu a escola?
c) Fale sobre sua escola.
d) Como se sente neste espaço?
e) A escola contribui para sua vida? Em que? Comente.
2ª encontro
a) Fale sobre você.
b) Quem é você?
c) Quais são as coisas importantes na sua vida?
d) Sobre a sociedade, como você a descreve?
e) A sociedade atual pode se influenciar? Como?
3ª encontro
a) O que sua escola tem a ver com a atualidade?
b) Fale sobre o que é importante para o seu grupo.
d) Qual a importância do grupo na sua vida?
e) O que é importante para você?
f) O que seria uma pessoa de sucesso?
4ª encontro
Desenhando
1. Eu na sociedade.
2. Eu na escola.
3. Eu em casa.
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Anexos
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Desenho 1 - Adão na sociedade
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Desenho 2 – Maria na sociedade
86
Desenho 3 – Luiza na sociedade
87
Desenho 4 – Diniz na sociedade
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Desenho 5 – Pedro na sociedade
89
Desenho 6 – Pedro na escola
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Desenho 7 – Maria na escola
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Desenho 8 – Diniz na escola
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Desenho 9 - Adão na escola
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Desenho 10 – Luiza na escola
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Desenho 11 – Luiza em casa
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Desenho 12 – Maria em casa
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Desenho 13 – Pedro em casa
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Desenho 14 – Diniz em casa
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Desenho 15 – Lucas em casa